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Sebenta IED I – Características e Modalidades da Regra Jurídica

Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024

CARACTERÍSTICAS E MODALIDADES DA

REGRA JURÍDICA
A conceção segundo a qual as fontes do direito são os modos de revelação das
regras jurídicas pode desdobrar-se nas seguintes asserções:
 As fontes de direito têm um significado normativo;
 As regras jurídicas são o significado normativo das fontes de direito;
 As regras jurídicas são inferidas de uma fonte através de uma atividade de
interpretação.
A interpretação da fonte é a atividade intelectual pela qual se determina o seu
significado e, portanto, a regra jurídica que ela contém.
Entenda-se que não é possível fazer identificar qualquer proposição normativa com
uma norma jurídica visto que nem todo o texto de uma lei equivale a uma norma
jurídica. Uma proposição jurídica pode conter uma regra, mais do que uma regra, ou
conter apena parte de uma regra.

ART.24.º, N.º1 CRP: é um enunciado normativo (escrito, resultado de operações de legísitca,),


cuja redação é “A vida humana é inviolável”, pelo que é a expressão da norma através da
linguagem, de símbolos ou de comportamentos. É o objeto da interpretação e, fazendo-o,
obtém-se uma norma jurídica que proíbe a violação da vida humana. O efeito jurídico desta
norma é o direito fundamental à vida.

ELEMENTOS DA REGRA JURÍDICA


A norma jurídica completa tem uma estrutura bipartida: previsão e estatuição. Estes
elementos podem não estar estabelecidos numa única proposição jurídica. A previsão e a
estatuição podem encontrar-se em várias proposições jurídicas.
 Previsão: elemento da regra jurídica que define as condições em que ela é
aplicada e a quem é que aplicável (o âmbito de aplicação da norma, através
da descrição da situação de Direito à qual essa norma se aplica), isto é, é a
situação cuja verificação a norma pressupõe para ser aplicada
 Estatuição: elemento da regra jurídica na qual se define a consequência
jurídica (efeito jurídico) que decorre da verificação da situação ou do facto
que constitui a previsão da regra,

ART. 879.º C: A previsão é “Se celebrares um contrato de compra e venda” e, por outro lado,
a estatuição é "Dá-se a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a
obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço".

PREVISÃO DA REGRA JURÍDICA


A previsão da regra jurídica pode referir-se a:
 factos voluntários: a aplicação da regra só se verifica se aquele facto ocorrer.
o Por exemplo: a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade
da coisa ou da titularidade do direito referida nos termos do art.879.º
a), CC, só se verifica se for celebrado um contrato de compra e venda.
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 factos involuntários: a regra preenche-se independentemente de qualquer ato


do interessado: é neste sentido que se costuma dizer que um efeito jurídico
deriva diretamente da lei ou opera por força da lei.
o Por exemplo: a aquisição da maioridade por aquele que completa
dezoito anos de idade, nos termos do art.122.º CC, verifica-se sem
necessidade da prática de qualquer ato pelo sujeito.

CARACTERÍSTICAS DA REGRA JÚRIDICA


Hipoteticidade
O caráter hipotético da regra jurídica significa que a sua aplicação pode ter, ou não,
lugar, na medida em que, mediante a verificação da sua previsão, se constitui ou
produz uma determinada consequência jurídica. Dito de outra forma: a verificação da
previsão implica a aplicação da estatuição, fazendo desencadear o efeito jurídico,
presente na estatuição, previsto para a verificação da previsão.

Generalidade
Uma norma diz-se geral por se dirigir a uma pluralidade indeterminada de
destinatários, não se dirigindo, por isso, a sujeitos determinados. O caráter geral
opõe-se ao caráter individual.

Abstração
Uma norma diz-se abstrata quando vale para uma pluralidade indeterminada de
casos, não se dirigindo, por isso, a uma situação concreta. O caráter abstrato opõe-se
ao caráter concreto.

A abstração e a generalidade são características comuns da regra jurídica, porque a regra que
é abstrata é também geral. No entanto, a regra pode ser:
 Concreta e geral
o Por exemplo: norma que autoriza e confirma a declaração do estado de
sítio ou de imergência (art.161.º, al.l) CRP).
 Concreta e individual
o Por exemplo: norma que atribui competência a outro órgão para regular
uma certa matéria, como as leis de autorização legislativa (art.165.º,
n.º2 CRP).

Imperatividade
A imperatividade é uma característica da Ordem Jurídica no seu todo, visto que o
Direito pretende ser obedecido e imposto. No entanto, quando olhamos para cada
norma isolada e individualizada não podemos afirmar que toda e qualquer uma é
imperativa, ou seja, deve ser respeitada pelos destinatários. Visto que há muitas
normas jurídicas que deixam á vontade do destinatário a sua aplicação.
A imperatividade é uma característica da ordem jurídica, mas não das normas
individualmente analisadas visto que existem imensas regras jurídicas que não impõe regras
de conduta, sendo elas as normas dispositivas.
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ART.1305.º CC: estabelece um espaço de liberdade ao destinatário para usufruir do


seu bem como bem entender, pelo que não impõe uma conduta.

REGRAS GERAIS, ESPECIAIS E EXCECIONAIS


De acordo com o critério do âmbito de aplicação, as regras podem ser:
 Gerais
 Específicas: definem regimes próprios para situações diferentes daquelas que
cabem no âmbito das regras gerais, tendo, por isso, um âmbito de aplicação
mais limitado que as regras gerais:
o Especiais: adaptam o regime geral, podendo delimitar o seu âmbito de
aplicação em função da matéria, das pessoas e do território, pelo que
pode haver uma especialidade material, uma especialidade pessoal e
uma especialidade territorial.
o Excecionais: definem um regime jurídico contrário àquele que consta da
regra geral.

ART.7.º, N.º3 - A lei geral posterior não revoga a lei especial anterior, exceto se outra
for a intenção inequívoca do legislador. A justificação deste regime é fácil de perceber:
a lei especial contém um regime que foi definido para corresponder a certas
circunstâncias particulares; por isso, a lei geral, que não atende a essas circunstâncias,
não pode revogar a lei especial. Por exemplo: uma nova lei sobre o contrato de locação
não revoga a lei sobre o arrendamento urbano.
Exceção: da nova lei geral pode resultar que ela também se deve aplicar às
situações que são abrangidas pela lei especial, hipótese na qual se verifica a
revogação da lei especial pela nova lei geral. Saber se isso se sucede é questão
de interpretação da nova lei geral e da determinação, através dela, da
intenção inequívoca do legislador. Para isso, é importante determinar se
permanecem as razões que justificaram a elaboração da lei especial; se tal não
suceder, pode concluir-se que o legislador teve a intenção de revogar a lei
especial.

Por outro lado, a lei especial posterior derroga a lei geral anterior. Como a lei especial
só se aplica em casos especiais, a lei geral anterior permanece aplicável em todos os
outros casos.

REGRAS IMPERATIVAS E DISPOSITIVAS


As regras jurídicas podem ser:
 Injuntivas: não são objeto de uma decisão libre por parte do destinatário, isto
é, são aplicadas ainda que haja uma manifestação da vontade contrária dos
seus destinatários:
o Proibitivas: regras que proíbem uma conduta;
o Prescritivas: regras que impõe uma conduta.
 Dispositivas: deixa um espaço de liberdade quanto à respetiva aplicação:
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o Permissivas: regras que permitem uma conduta, ou seja, não a impõe nem
proíbem;

o Supletivas: regras que são aplicadas na falta de regulação da matéria


pelos interessados.
 Atendendo ao princípio da liberdade contratual, nos termos do
art.405.º, n.º1 CC, os regimes legais que se encontram
estabelecidos na área dos contratos privados são, em grande
medida, regimes supletivos. Estes regimes apenas são aplicados
quando os interessados nada tenham disposto sobre a matéria
ou não tenham disposto sobre toda a matéria.
 Por exemplo, se as partes não tiverem celebrado uma
convenção antenupcial (art.1698.º CC), o casamento
considera-se celebrado sob o regime de comunhão de
bens adquiridos (art.1717.º CC).

Uma norma imperativa deve ser obedecida e, portanto, não é objeto de uma decisão livre
por parte do destinatário, estando estes sempre vinculados a segui-la e obedecer-lhe. Quando
o Direito estabelece normas de conduta obrigatórias, os destinatários não têm opção se não se
sujeitar às mesmas, sendo que se se verificar violação da norma jurídica em causa, o sujeito
sujeita a um efeito jurídico desfavorável, ou seja, uma sanção.

Uma regra supletiva é uma regra que se destina a suprir o vazio legal deixado,
conforme as situações, pela livre disposição das partes ou pelo legislador. Assim,
sempre que, por deficiência ou silêncio fortuito ou deliberado na regulação do
conteúdo contratual, não existirem cláusulas específicas aplicáveis a certas situações
emergentes desse negócio jurídico, aplicam-se as regras supletivas sobre a matéria
previstas na lei, as quais passam a assumir conteúdo imperativo.

Para a classificação de uma regra jurídica como injuntiva ou dispositiva, podem ser
utilizados vários critérios:
 Qualificação pelo legislador: são injuntivas as regras que o legislador não
admite que sejam afastadas pela vontade das partes e, em contrapartida, são
dispositivas as regras cuja aplicação seja expressamente ressalvada pela falta
de disposição ou de estipulação pelas partes em contrário.
 Valoração da regra: são injuntivas as regras que são essências a um
determinado regime, ao passo que as regras dispositivas são aquelas que não
são.

REGRAS DEFINITÓRIAS
A definição consiste na explicação do significado de uma palavra ou de um
enunciado. As regras definitórias contêm definições estimulativas de conceitos
jurídicos: elas não procuram descrever uma realidade, mas fixar o significado de um
conceito jurídico. As regras definitórias equiparam um conceito jurídico a uma
descrição desse conceito.
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Apesar de algumas regras jurídicas, na sua formação linguística, não parecerem


regras definitórias, elas são verdadeiras definições legais. Por exemplo, a enumeração
de coisa imóveis, nos termos do art.204.º, n.º1 CC, conduz a uma definição dessas
mesmas coisas.

REGRAS DE REMISSÃO
As regras de remissão equiparam duas situações distintas, aplicando a uma delas o
regime jurídico que está previsto para a outra. Por exemplo: o art.499.º CC manda
aplicar à responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais
em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos
(art.483.º a art.498.º CC).
A remissão assenta numa analogia entre duas ou mais situações: em vez de se
definir um regime legal, remete-se para outro já existente, porque as situações são
análogas e merecem um mesmo tratamento jurídico.
Ao passo que nas regras de remissão equiparam-se realidades análogas, nas ficções
legais equiparam-se realidades distintas.

REGRAS DE PRESUNÇÃO
As presunções são, na definição do art.349.º CC, as ilações que a lei ou o julgador
tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Do facto conhecido X
infere-se o facto desconhecido Y, podendo essa inferência ser retirada pela lei
(presunções legais: art.350.º CC) ou pelo julgador (presunções judiciais: art.351.º CC).
As regras jurídicas que contêm presunções legais estabelecem uma implicação entre
dois factos: segundo a presunção legal, um facto (conhecido) implica um outro facto
(presumido).
Estas presunções podem ser:
 Ilidíveis: podem ser ilididas mediante a prova do facto contrário (art.350.º,
n.º2 CC).
o Por exemplo: o art.1268.º, n.º1 CC estabelece que o possuidor goza da
presunção da titularidade de um direito sobre a coisa; esta presunção
baseia-se na circunstância de que, normalmente, quem está na posse de
uma coisa tem um direito sobre ela (nomeadamente, um direito de
propriedade); no entanto, a presunção é ilivível, podendo provar-se que
o possuidor não tem afinal nenhum direito sobre a coisa.

 Inilidíveis: não admitem prova em contrário (art.350.º, n.º2 CC), pelo que não
é permitido provar que o facto presumido não é verdadeiro.
o Por exemplo: o art.1260.º, n.º3, CC dispõe que a posse que for adquirida
por violência é sempre considerada de má fé; assim, da prova da
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violência na aquisição da posse infere-se, por presunção inilidível, a má


fé do possuidor.

FICÇÕES LEGAIS
Através das ficções legais, o legislador ficciona que duas realidades distintas são
idênticas, ou seja, o legislador equipara uma realidade a outra realidade para
permitir a aplicação a ambas da regra que regula uma destas realidades.
A distinção entre as ficções legais e as presunções inilidíveis torna-se clara nos
seguintes postulados: as ficções legais baseiam-se numa relação de equiparação entre
realidades distintas; as presunções inilidíveis fundamentam-se numa relação de
implicação entre um facto conhecido e um facto presumido.

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