A Evolução Histórica do Conceito de Separação dos Poderes
A história da separação dos três poderes remonta desde a antiguidade, na Grécia e Roma antigas, como relata Pedro Lenza (2015, p.585): “as primeiras bases teóricas para a ‘tripartição de Poderes’ foram lançadas na Antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra Política”. Nuno Piçarra (1989, p. 31) em sua obra, identifica a origem da ideia de constituição mista com a separação dos poderes mostrada por Aristóteles, são elas Deliberativa, Executivas e Judiciais. Mas existem alguns autores que confirmam que que o surgimento foi na idade moderna, como John Locke, em sua obra “Tratado do Governo Civil”, no final do século XVII, inspirado nas ideias inglesas, traz a ideia de 3 funções do governo: legislativa, executiva e federativa. Bodin (1576, Les six livres de la Republique) e Hobbes, com suas doutrinas, desenvolveram-se as ideias absolutistas, que justificavam filosoficamente a concentração dos poderes nas mãos de um soberano, limitado, este último, apenas pelo direito natural, do ponto de vista filosófico, mas, na prática, apenas pela sua razão ou vontade e não pelo direito (MALDONADO, ?, p. 3). Percebe-se, nas ideias de Boddin e Hobbes, que a vontade do soberano era confundida com a vontade do Estado, o que provocou uma degeneração, arbitrariedades, além do abuso de poder. Mesmo com a noção de que a doutrina da separação de poderes possa realmente ter surgido na idade antiga, foi a partir da idade moderna que essa doutrina experimentou várias versões ao longo da sua existência, segundo Medeiros (2008. p.196) daí por que é totalmente equivocado tomar como absoluta e definitiva qualquer das versões apresentadas pelos vários pensadores da Ciência Política. Com efeito, a doutrina da separação dos Poderes pressupõe a autonomia material da função legislativa em relação à função executiva e estabelece a supremacia da legislação (rule of law) (MEDEIROS, 2008. p.196). Na obra De l’Esprit des Lois, (1995), Montesquieu queria assegurar que a edição das leis, bem como sua execução ficassem orgânica e separadas para que pudesse evitar o abuso de poder, não sendo uma separação absoluta, mas que existisse um mecanismo de equilíbrio e reciproco controle entre os poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário. Filho (2015) diz que é com Montesquieu e o Espírito das Leis que efetivamente nasce a doutrina da separação dos poderes, marca-a a ideia de uma divisão funcional do Poder em vista da liberdade e segurança individuais. Cabe afirmar que que o desenvolvimento e a sistematização da doutrina da separação dos poderes foi fortemente evidenciado por Locke e Montesquieu. Locke reestabelece a conexão entre a doutrina da separação dos poderes e a rule of law (MALDONADO) enquanto que Montesquieu o responsável pela inclusão expressa do poder de julgar dentre os poderes fundamentais do Estado, e, à esteira do que já havia sido preconizado por LOCKE (MALDONADO).
Assim é que a formulação da doutrina da separação dos poderes, como
técnica para a limitação do poder, é posta em prática nas Revoluções Liberais Burguesas dos séculos XVII e XVIII – Revolução Gloriosa, Inglaterra 1688/89, Independência Norte-Americana, 1776, e Revolução Francesa, 1789 – em resposta aos abusos e iniquidades resultantes, entre outros fatores, da concentração de poderes nas mãos do soberano, típica do Absolutismo da Idade Moderna. Vale lembrar que essa era marca o início do Estado de Direito.
A Evolução Histórica do Conceito de Separação dos Poderes no Brasil
A evolução histórica ocorre no Brasil no período entre a Carta Imperial de 1824 e a Constituição de 1967. Inspiradas também na teoria de separação dos poderes de Montesquieu. A seguir alguns relatos importantes sobre as Constituições: Constituição de 1824: a estrutura dos poderes da Carta Imperial, também chamada de Constituição Imperial, implementada no Brasil imperial “distinguia do modelo proposto pelo filósofo francês, isso porque, o texto constitucional acabou reconhecendo não apenas três, mas quatro poderes: legislativo, executivo, judiciário e moderador” (art. 10). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: “além de instituir a república, instituiu também a federação e o presidencialismo, não só extinguiu o poder moderador, como também, estabeleceu uma estrutura de poderes “mais próxima” daquela apresentada por Montesquieu” (DIAS, 2017). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934: amparada na Constituição alemã de 1919 e na Constituição espanhola de 1931, “buscou, de igual modo, defender e promover a separação de poderes, dispondo, em seu art. 3o, caput, que “são órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os poderes legislativo, executivo e judiciário, independentes e coordenados entre si. ” (DIAS, 2017). Constituição de 1934: acabou atribuindo ao Senado Federal, um papel semelhante ao desempenhado pelo poder moderador, durante o regime imperial, “desordenando”, de certo modo, a separação de poderes ((SOUZA, 2008, p.18). Constituição de 1937: foi a única a não prever, expressamente, o princípio da separação de poderes, com esta ausência, o texto concedeu, ainda, extensos poderes ao Presidente da República, tratado na Constituição, inclusive, como “autoridade suprema do estado” (Art. 73). Constituição de 1946: traz a cláusula de inacumulabilidade de funções (art. 36, § 1º) “que o cidadão investido na função de um dos poderes não poderia exercer a de outro (...) cumpriu com o seu papel de restabelecer a democracia, bem como o equilíbrio entre os poderes” (DIAS, 2017). Constituição de 1967: em seu artigo 6º estabelece que “são poderes da União, independentes e harmônicos, o legislativo, o executivo e o judiciário”. Na prática, não se verificava um equilíbrio entre os poderes, mas, sim, uma prevalência do executivo, sobretudo após a Emenda Constitucional 1/1969, quando as hipóteses de cabimento de decreto-lei foram significativamente ampliadas (SOUZA, 2008, p. 22). É possível perceber que nesta última constituição os elementos da teoria de Montesquieu já se apresentam com mais evidência. Cada constituição apresentou, ao seu modo, a separação dos poderes, observando também que a evolução de uma rígida divisão deu espaço para uma divisão mais flexível (DIAS, 2017). Constituição de 1988:
Trouxe, assim como outras Constituições, o princípio da separação dos
poderes de forma expressa, ao dispor, em seu art. 2º, que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o executivo e o judiciário”. dispôs de um modelo de “separação de poderes flexível”, de modo que, somada às funções típicas, os poderes legislativo, executivo e judiciário desempenham, também, funções atípicas, isto é, funções típicas dos outros poderes. Assim sendo, verifica-se, sem grandes problemas, na atual estrutura de poderes, o poder executivo legislando e julgando, o poder legislativo julgando e desempenhando atividades administrativas e o poder judiciário legislando e desempenhando atividades administrativas. Em suma, “cada poder termina por exercer, em certa medida, as três funções do Estado” Sem dúvidas, o modelo atual, sobretudo pela sistemática acima apontada, difere – e muito – do modelo proposto por Montesquieu, extremamente rígido e inflexível. Merece destacar, contudo, que a flexibilidade atribuída à separação de poderes, na Constituição Federal de 1988, demonstra-se saudável e útil para o funcionamento do Estado, diferentemente da “flexibilidade” proposta por alguns textos constitucionais anteriores, como a Constituição de 1937, que colocava, efetivamente, em risco, o equilíbrio entre os poderes e o bom funcionamento do Estado. Ademais, verifica-se, hoje, um sistema de freios e contrapesos eficiente, capaz de equilibrar os poderes e minimizar os riscos de abuso no exercício do poder. Dentre os vários exemplos desse mecanismo de freios e contrapesos, pode-se destacar: a possibilidade do poder legislativo rejeitar o veto do poder executivo (art. 66, § 4º); a possibilidade do poder judiciário (Supremo Tribunal Federal) declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, “a”); o cabimento de emenda parlamentar (poder legislativo) em projeto de lei de do Presidente da República (art. 63, I e II).
É evidente, em toda a história, que houve a necessidade da separação dos poderes
para estabelecer, ou reestabelecer, o equilíbrio do sistema, e assim não haja uma usurpação por cada um deles. Com os poderes autônomos e harmônicos entre si há uma equação de forças em um sistema de freios e contrapesos. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 585.