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Resumo:
O artigo apresenta uma análise da Teoria da Separação dos Poderes do Estado, enfatizando a
virtude de conceitos que tal teoria preserva, tendo em vista que a tripartição das funções legislativa,
executiva e judiciária entre órgãos distintos do Estado vem sendo suscitada desde a Antiguidade e guarda
aplicabilidade nos dias atuais. Abordando sua interpretação clássica e o contexto histórico em que foi
consagrada, busca confrontar o entendimento que Teoria da Separação dos Poderes possuiu no passado
com o sentido que hoje ela exprime, depois de ter passado por uma revisão que a fez acompanhar a
evolução do aparato estatal e da sociedade.
Introdução
Grande parte dos sistemas constitucionais que abraçam o ideal democrático alberga em
seus fundamentos o Princípio de Separação dos Poderes do Estado.
Posto como uma das mais permanentes garantias da liberdade, o Princípio de Separação
dos Poderes, embora tenha sido positivado através da revolução constitucionalista do final do
século XVIII, tem raízes muito mais profundas, tendo em vista que a preocupação de atribuir as
funções fundamentais do Estado a órgãos distintos é objeto de reflexão e discussão desde os
primórdios da organização estatal.
A separação dos poderes do Estado tem suas bases definidas por meio de uma teoria,
que se desenvolveu ao longo do tempo, através da reflexão de filósofos que remontam à
Antigüidade, consagrando-se efetivamente após a análise de Montesquieu, no século XVIII.
Esse verdadeiro axioma é tão antigo quanto sólido, pois ainda perdura nos presentes
dias, conservando uma virtude de conceitos que atravessou os séculos.
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É pertinente salientar que Aristóteles não chegou a formular uma completa teoria acerca
da separação dos poderes do Estado, mas sua grande contribuição representa o fundamento para
uma reflexão mais ampla sobre o tema, na medida em que demonstra a existência de funções
distintas no governo, além de enfatizar o perigo de se atribuir a um só ente o exercício do poder.
Nesse sentido, Dallari (2000, p. 216-217) faz referência a Aristóteles afirmando que:
O antecedente mais remoto da separação dos poderes encontra-se em
Aristóteles, que considera injusto e perigoso atribuir-se a um só indivíduo o
exercício do poder, havendo também em sua obra uma ligeira referência ao
problema da eficiência, quando menciona a impossibilidade prática de que
um só homem previsse tudo o que nem a lei pode especificar.
A composição das três formas de governo consiste no fato de que o rei está
sujeito ao controle do povo, que participa adequadamente do governo; este,
por sua vez, é controlado pelo senado. Como o rei representa o princípio
monárquico, o povo o princípio democrático e o senado o aristocrático, o
resultado dessa combinação é uma nova forma de governo, que não coincide
com as três formas simples retas – porque é composta -, nem com as três
formas corrompidas – porque é reta. (BOBBIO, 1994, p. 70).
Dessa forma, é possível afirmar que cada um dos pensadores que antecedeu
Montesquieu na abordagem da divisão dos poderes deu sua valiosa colaboração para a
formulação da teoria, destacando aspectos do governo de sua época que serviriam de base para
uma reflexão mais específica e aprofundada sobre o tema.
Mas, foi através de Montesquieu que esse aspecto político do Estado ganhou destaque e
maior projeção, acabando por tornar-se um dos dogmas das Constituições democráticas.
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Assim é que o filósofo francês distingue as três funções do Estado como poderes
diversos e inconfundíveis, cuja atuação harmônica possibilitaria a desconcentração das
atribuições estatais, evitando, dessa maneira, o abuso de poder.
O Poder Legislativo teria como incumbências a elaboração das leis, sua correção ou ab-
rogação; o Poder Executivo das Coisas que Dependem do Direito das Gentes (executivo) seria
competente para a promoção da política externa e da segurança; e o Poder Executivo das Coisas
que Dependem do Direito Civil (judiciário) teria na sua esfera de competência a punição dos
crimes e o julgamento das pendências entre particulares.
No entanto, Montesquieu vai além da simples atribuição de funções específicas a cada
um dos poderes, como forma de se evitar o abuso e garantir a liberdade, o notável pensador
admitiu nesses poderes duas faculdades: a de estatuir e a de impedir.
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A Teoria da Separação dos Poderes, à época em que foi analisada por Montesquieu,
tinha um objetivo bem definido: criar meios que assegurassem a liberdade dos indivíduos. Isto
porque, situando no tempo e no espaço a obra Do Espírito das Leis, é possível perceber que,
através dela, Montesquieu consegue expressar toda a sua aversão ao Regime Absolutista, que
tanto assolou a França no século XVII e início do século XVIII, com a total aniquilação das
liberdades fundamentais. E foi este cenário político que contribuiu para que a teoria liberalista
de Montesquieu tivesse acolhida.
A divisão dos poderes do Estado representava assim uma tese que punha a salvo as
garantias individuais de liberdade e contribuía para o extermínio da tirania, numa época em que
justamente se buscavam meios para enfraquecer o poder do Estado. Como a interferência estatal
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na vida social era repudiada, desejava-se que o Estado exercesse apenas o papel de vigilante e
conservador das situações estabelecidas pelos indivíduos.
Com efeito, o ideal de liberdade preconizado por Montesquieu, que assumiu suas
principais feições na separação dos poderes, foi fortemente incorporado às bases nascentes da
organização constitucional do Estado Moderno.
Sustentava-se que a função limitadora exercida pela Constituição somente estaria
completa se fosse aliada à separação dos poderes do Estado.
Foi nesse contexto que surgiu, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, aprovada na França, declarando em seu artigo XVI que qualquer sociedade na qual a
garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação dos poderes determinada, não tem
constituição.
O movimento constitucionalista, como um todo, passou a manifestar a necessidade de
divisão dos poderes do Estado, como garantia da liberdade.
James Madison, um dos colaboradores na formulação da Constituição norte-americana,
estava bem consciente dessa exigência. Na obra O Federalista, escreveu:
A acumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e judiciais, nas
mesmas mãos, sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditárias,
autonomeadas ou eletivas, pode-se dizer com exatidão que constitui a própria
definição da tirania. (MADISON, 1959, p. 47).
Esse pensamento está claramente refletido na Constituição dos Estados Unidos de 1787,
que dedica o artigo primeiro ao legislativo, o artigo segundo ao executivo e o terceiro ao
judiciário, não admitindo interferências recíprocas nem a transferência de poderes, ainda que
parcial e temporária.
O sistema de separação dos poderes, já então consagrado nas Constituições, passou a ter
realce no meio daqueles que procuravam a democracia através dos seus ditames. Uma vez
associado à idéia de Estado Democrático, determinou o aprimoramento da construção
doutrinária conhecida como sistema de freios e contrapesos, cujas bases já haviam sido
denotadas por Políbio e lançadas por Montesquieu.
O sistema de freios e contrapesos determinava que os atos praticados pelo Estado
poderiam ser de dois tipos: atos gerais e atos especiais.
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Os atos gerais seriam aqueles praticados somente pelo poder legislativo, consistindo na
emissão de regras gerais e abstratas que não poderiam prever a quem iriam atingir no momento
de sua emissão. Dessa maneira, estando a competência do poder legislativo restrita aos atos
gerais, não haveria atuação concreta desse poder na vida social, não dispondo de meios para
privilegiar pessoas ou grupos determinados.
Os atos especiais caberiam ao poder executivo, que só atuaria depois de emitida a
norma geral. Este poder teria à sua disposição meios concretos para agir, mas estaria impedido
de atuar discricionariamente pelo fato de já ter seus atos especiais limitados pelos atos gerais do
legislativo.
O poder judiciário seria o responsável pela função fiscalizadora, atuando sempre que
houvesse exorbitância de qualquer dos poderes, podendo obrigar aquele que desobedecesse a
seus limites a permanecer dentro da sua respectiva esfera de competência.
Com a doutrina dos freios e contrapesos, a configuração da tripartição dos poderes
ganha ainda mais corpo. Contudo, é importante reforçar que a Teoria da Separação dos Poderes,
tal como foi concebida classicamente, consagrou-se como pressuposto do Estado Liberal, numa
época em que se pretendia reduzir ao mínimo a atuação estatal.
No final do século XIX, após a teoria da tripartição dos poderes já ter se convertido em
dogma, a crise do Estado Liberal e suas repercussões sócio-econômicas começaram a criar
novas exigências, que atingiram profundamente o papel do Estado. Houve uma mudança nos
objetivos sociais de redução da atuação do Estado, que passou a ser cada vez mais solicitado a
agir.
Nesse momento histórico não mais se exigia uma limitação rígida das ações do Estado,
o que muitas vezes engessava o desempenho de suas funções, mas reclamava-se uma atuação
estatal que atendesse às exigências da sociedade, cada vez mais graves e urgentes, primando
pela sua eficiência.
Surge, pois, a necessidade de adaptar a clássica separação dos poderes a essas novas
aspirações, mantendo-se, entretanto, a sua função de frear a invasão do Estado na esfera
individual.
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Assim, a Teoria da Separação dos Poderes teve que passar por uma revisão, através da
ampliação de seus conceitos e da sua adaptação à realidade sócio-política, permanecendo nas
Constituições democráticas com a idéia de colaboração de poderes.
A colaboração entre os poderes do Estado tornou-se possível através de técnicas que
coadunaram a autonomia organizacional de cada poder com a possibilidade de
intercomunicação de funções, desempenhadas sistematicamente em cooperação mútua.
Desse modo, a nova acepção da divisão de poderes materializou-se por meio da
independência orgânica e da harmonia entre os órgãos legislativo, executivo e judiciário,
especialmente nos sistemas presidencialistas.
Segundo José Afonso da Silva (2004, p. 110), atualmente, a independência dos poderes
significa:
(a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do
governo não depende da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no
exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares
consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na
organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as
disposições constitucionais e legais.
Por sua vez, é oportuno fazer aqui uma diferenciação entre distinção de funções e
separação de poderes, embora entre ambas as expressões haja uma conexão necessária.
A distinção de funções constitui a especialização de tarefas governamentais, tendo em
vista a sua natureza (legislativa, executiva e jurisdicional), sem considerar os órgãos que as
exercem. Enquanto que a separação de poderes consiste na existência de órgãos diferentes, onde
cada qual desempenha uma das funções governamentais.
Diante do entendimento que se dá à Teoria da Divisão dos Poderes no presente,
compreende-se que no seu fundamento há uma separação de poderes, onde cada função
governamental é exercida preponderantemente por um órgão específico, no entanto, essa
distribuição de funções para cada órgão não é estanque.
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Os poderes encontram previsão constitucional para participar das atribuições uns dos
outros, desempenhando funções atípicas, a fim de que os problemas do Estado sejam resolvidos
com a rapidez exigida pelos atuais tempos. Contudo, vale frisar que estas funções atípicas são
secundárias ou subsidiárias, ocorrendo apenas por deferência e nos limites do próprio texto
constitucional.
Exemplos latentes de funções atípicas podem ser encontrados na vigente Constituição
Federal brasileira, que adota no seu Artigo 2º o Princípio de Separação dos Poderes, afirmando
serem estes independentes e harmônicos entre si.
O Artigo 62 da Carta Magna permite ao Presidente da República a adoção de medidas
provisórias com força de lei, e o Artigo 68 traz a possibilidade de delegação, por parte do
Congresso Nacional, de atribuições legislativas ao Presidente da República, através das leis
delegadas. No caso do Legislativo, vale citar o Artigo 51, inciso IV, que atribui à Câmara dos
Deputados competência privativa para dispor sobre sua organização administrativa, bem como
o Artigo 52, inciso I, que dá competência ao Senado Federal para processar e julgar o
Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, e os Ministros de
Estado e Comandantes da Forças Armadas nos crimes conexos. Ao Poder Judiciário, o Artigo
96, inciso I, alínea a, da Lei Maior dá competência privativa para eleger seus órgãos diretivos e
elaborar seus regimento internos, dispondo sobre o funcionamento dos seus órgãos
jurisdicionais e administrativos.
Esses são apenas alguns dispositivos que demonstram como o Princípio de Separação
dos Poderes tem se amoldado à conjuntura constitucional contemporânea.
Portanto, a Teoria da Divisão dos Poderes, depois de revisada e ampliada, passa a
admitir que o relacionamento entre os órgãos de poder do Estado obedece aos princípios da
harmonia e dos vasos intercomunicantes, isto é, o Estado só funciona bem quando as suas
atividades fundamentais são exercidas por poderes distintos em colaboração, buscando como
principal objetivo a garantia do bem-estar da coletividade.
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Conclusão
admitir interferências recíprocas entre os poderes e o exercício de funções atípicas por cada um,
dentro dos limites expressos na Constituição.
Dessa forma, a revisão da Teoria da Separação dos Poderes adaptou o dogma clássico à
realidade da necessária prestação estatal eficiente, e continua gozando de prestígio, sendo
considerada uma das mais sublimes garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Abstract:
The article presents an analysis of the theory of the Separation of the Powers of the State,
emphasizing the virtue of concepts that the theory preserves, tends in view that the tripartite of the
legislative functions, executive and judiciary among organs different from the State it has been raised
from the antique and guard applicability in the current days. Approaching its classic interpretation and the
historical context in that it was consecrated, search to confront the understanding that the Theory of the
Separation of the Powers possesses in the past as the sense that today it expresses, after having gone by a
revision that made to accompany the evolution of the State apparatus and of the society.
Keywords: State. Separation of the Powers. Montesquieu. Warranty of freedom. State efficiency.
Referências
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