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Universidade Federal do Paraná – Faculdade de Direito

Disciplina: Teoria do Estado e Ciência Política – Prof. Fabrício Ricardo de Limas Tomio
Giovanna Lemos de Azevedo – Turma N1

FICHA-RESUMO

Bibliografia – BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e sociedade. São Paulo: Paz e Terra,
1999, p. 53-133.

Resumo:

Em seu livro, Bobbio traz uma análise fundamentada sobre o Estado e suas relações com
diversas formas de poder e governo. Partindo da observação de que existem diferentes
concepções acerca do questionamento sobre o que é, de fato, o Estado, o autor expõe dois pontos
de vista distintos presentes nas doutrinas sobre este: o sociológico e o jurídico. Percebe-se,
assim, que a doutrina social do Estado consiste em um exame objetivo e natural deste – tendo
em seu universo duas teorias de grande relevância: o funcionalismo e o marxismo – ao passo
que a doutrina jurídica investiga as normas jurídicas que o regem.
Ao tratar do funcionalismo e do marxismo, o autor apresenta uma antítese existente
entre tais correntes, sendo a primeira pautada na ordem social estabelecida através de um
subsistema cultural, o qual estaria diretamente ligado aos valores presentes na sociedade, e a
segunda pautada na ruptura da ordem causada pela mudança de um sistema econômico,
causando, desta maneira, modificações nas formas de produção e no panorama social.
Nesse sentido, Bobbio se propõe a falar sobre a relação da figura do Estado com a
sociedade, tendo em vista que, historicamente, o Estado assumiu um papel opressor, impedindo
a sociedade de suas liberdades. No entanto, nos últimos séculos, com o surgimento do
pensamento liberal, o Estado passou por uma minimização, dando a sociedade maiores chances
de escolhas – principalmente individuais. Além disso, nota-se que, ao se teorizar sobre o
funcionamento do Estado adota-se, majoritariamente, o ponto de vista dos governantes em
contraposição ao dos governados, o que, de certa maneira, acaba confirmando a antiga função
do Estado como detentor de poder sobre os demais.
O livro, nessa linha de pensamento, adentra um dos maiores questionamentos dos
últimos tempos “desde quando o Estado é Estado?” mostrando, assim, duas vertentes distintas
para a resposta da pergunta. A primeira delas, focada no indivíduo, propõe que o Estado tenha
sido criado por um acordo entre aqueles que constituem a sociedade, instituindo, portanto, uma
forma de governo. Por outro lado, a segunda vertente, tendo como base as ideias de Aristóteles
acredita que o Estado exista naturalmente, já existindo, portanto, um governo incutido nas
relações sociais. A partir disso, toma-se como reflexão a utilidade do governo, levantando
questões centrais para o entendimento deste.

“A mais alta expressão praticamente relevante desta inversão são as


Declarações dos direitos americanas e francesas, nas quais é solenemente
enunciado o princípio de que o governo é para o indivíduo e não o indivíduo
para o governo” (p. 65)
Para entender o Estado, Bobbio traz em sua obra tanto argumentos que busquem explicar
que o Estado provém de uma descontinuidade das formações governamentais existentes nas
sociedades passadas, quanto argumentos que tem como base a continuidade desse, fazendo com
que o Estado moderno traga uma grande dicotomia quanto a sua origem. Para historiadores, o
Estado moderno possui entre suas características uma certa semelhança com a formação política
da sociedade antiga, como por exemplo, a concentração de poder. Por outro lado, o discurso em
favor da descontinuidade admite que o Estado moderno é se não novo, mas único, deixando de
lado semelhanças com outros tipos administrações existentes.
Ao que se refere ao nascimento do Estado, atualmente, entende-se que este nasce com
o fim da comunidade primitiva e com a formação de uma comunidade mais diversificada, ou
seja, para alguns historiadores, o Estado nasce da evolução entre barbárie e civilização. Tal
ponto de vista é fundamentado pelo crescimento das sociedades e, consequentemente, da
divisão do trabalho, fazendo com que nasça um poder político, o qual seria o Estado.
O autor, assim, passa a centralizar sua análise na vinculação entre Estado e poder e, para
isso, se concentra em como o poder político se espelha na sociedade. Caracterizado pelo uso da
força, o Estado é considerado soberano e detém, principalmente, de uma exclusividade de
coerção social. Dessa maneira, de acordo com a definição de Weber, “o Estado é detentor do
monopólio da coação física legítima”.

“O tema da exclusividade do uso da força como característica do poder


político é o tema hobbesiano por excelência; a passagem do estado de natureza
ao Estado é representada pela passagem de uma condição na qual cada um usa
indiscriminadamente a própria força contra todos os demais a uma condição
na qual o direito de usar a força cabe apenas ao soberano.” (p. 81)

Em sua obra, Bobbio observa também como os três tipos de poderes – econômico,
ideológico e político – contribuem na permanência da desigualdade social. Assim, a posse de
bens, de conhecimento e de coerção fazem com que a sociedade se divida em dois grandes
grupos: os fracos e os fortes.

“O que têm em comum estas três formas de poder é que elas


contribuem conjuntamente para instituir e para manter sociedades de desiguais
divididas em fortes e fracos com base no poder político, em ricos e pobres
com base no poder econômico, em sábios e ignorantes com base no poder
ideológico. Genericamente, em superiores e inferiores.” (p. 83)

A partir dessa perspectiva, o autor apresenta o problema da legitimidade do Estado, dado


que, historicamente, o Estado foi legitimado a partir de doutrinas e crenças conhecidas, dando
a este, então, uma justificação ética e moral para o uso da força. Dessa forma, os princípios da
legitimidade se utilizam da “vontade”, da “natureza” e da “história” para trazer ao
funcionamento do Estado uma aceitação legítima.
Assim, os princípios ligados à vontade dizem que o governante tem seu poder a partir
da vontade de Deus ou a partir da vontade do povo, ou seja, para que um governante seja, de
fato um governante, alguém tem que querer que ele o seja. Em contrapartida, os princípios
ligados a natureza legitimam o Estado de duas maneiras distintas: ou este foi originado pela
natureza, ou faz a aplicação das leis naturais, tidas também como leis da razão. Já os princípios
históricos seguem duas linhas: ou se legitima o Estado através do passado, ou do futuro. Com
isso, percebe-se que, ainda que existam diferentes critérios que confiram legitimidade ao
Estado, estes também podem considerá-lo ilegítimo.
No entanto, tais análises referem-se a uma sociedade antes da positivação do direito. Ao
passo que o juspositivismo foi ganhando espaço, a legitimidade deixou de estar internamente
ligada aos valores presentes na sociedade e passou por um processo em que a aplicabilidade
efetiva de certos procedimentos político-jurídicos por si só justificavam se um governo era
considerado legítimo ou não.
Nesse sentido, Bobbio observa que desde quando o direito passou a legitimar o Estado,
os juristas ganharam grande participação no funcionamento deste. Com isso, sua soberania
começa a se relacionar diretamente com o ordenamento jurídico, ou seja, com a aplicação do
direito na sociedade. Assim criou-se o governo das leis. Segundo Platão “onde a lei é súdita dos
governantes e privada de autoridade, vejo pronto a ruína da cidade; e onde, ao contrário, a lei é
senhora dos governantes e os governantes de seus escravos, vejo a salvação da cidade”, desta
forma, por a lei ser considerada fria e a voz da razão, não há a intervenção de paixões humanas
na forma de reger o Estado, fazendo com que este se torne o melhor tipo de governo.
Entretanto, as leis da natureza e o direito natural não foram completamente
abandonadas. O autor mostra que, no decorrer dos séculos, as leis naturais foram interpretadas
e transformadas em leis positivas, inserindo-as na constituição. Sob o mesmo raciocínio,
Bobbio deixa evidente os limites internos e externos do poder, limitando, portanto, a
concentração deste nas diferentes formas de governo. Como exemplo de limite interno tem-se
a limitação jurídica do poder político pelo processo de divisão de poderes – legislativo,
judiciário e executivo – evitando que um único setor desempenhe todas as funções do governo.
Ademais, como exemplo de limite externo tem-se a questão da territorialidade, com a formação
de grandes Estados.
Diante disso, o livro traz diferentes formas de governo para análise, estando entre elas
a monarquia e a república que, até os dias atuais, possuem suas características sendo
expressadas. No entanto, Bobbio defende a ideia de que um governo misto, ou seja, um governo
que combine duas ou mais formas de governo, carrega em si o âmago de governos tradicionais.
Dessa forma, não só os tipos de governo, mas também a constituição se torna de caráter misto,
sendo seu ordenamento um resultado de misturas entre diferentes legislações, criando assim,
diferentes formas de Estado.

“por "governos mistos" entendendo não só aqueles em que são temperados


os diversos princípios, mas também aqueles em que o poder religioso está
separado do poder laico e o poder econômico está separado do poder político.”
(p. 113)

Entre as diferentes formas de Estado, convém ressaltar o Estado representativo, o qual


se faz presente hoje. Caracterizado por representar os indivíduos reconhecendo, principalmente,
seus direitos políticos há, novamente, a afirmação de seus direitos naturais, convergindo ao
sufrágio masculino e feminino. A medida que os direitos, portanto, se alargam, ocorre também
o desenvolvimento do Estado representativo. Assim colocado, com o surgimento de partidos
políticos, o Estado representativo deu lugar a um Estado de partidos, o qual agora o indivíduo
se organiza e se identifica com grupos de iguais ideais.
Além do Estado representativo, o Estado socialista também ganha destaque. Sendo
considerado um Estado burocrático, o Estado socialista retoma algumas características
presentes na monarquia, como a introdução do monopartidarismo. Nessa perspectiva, originou-
se os Estados totalitários, tendo em vista que a representação do indivíduo, agora concentrada
na figura de um único partido, tornou-se limitada.
Bobbio, a partir da análise do Estado totalitário, adentrou em sua obra conceitos como:
Estado e não-Estado e Estado máximo e mínimo. Dessa maneira, enquanto o Estado faz uso da
coação nos três diferentes poderes, o não-Estado não o faz. O autor, então, passa a tratar dos
conceitos de Estado mínimo e máximo, sendo o primeiro, aquele Estado indiferente às tarefas
daquilo que não é Estado, como a economia, e o segundo aquele que concentra e assume todo
o não-Estado.

“Tanto o Estado confessional quanto o Estado intervencionista podem


ser incluídos na figura setecentista do Estado eudemonológico, isto é, do
Estado que se propõe como fim a felicidade dos seus próprios súditos,
entendida a felicidade no sentido mais amplo como possibilidade de perseguir,
mais do que o maior bem terreno, o bem ultraterreno que apenas a verdadeira
religião pode assegurar.” (p. 124)

Assim, percebe-se que o atual Estado liberal é tido como o oposto do Estado
eudemonológico, visto que defende tanto a liberdade religiosa quando a econômica,
assegurando uma maior autonomia para com sua população, ao que se refere, principalmente,
a liberdade de expressão.
O autor assim, entra em uma parte delicada de sua obra: o fim do Estado. Utilizando-se
do pensamento de escritores conservadores, a crise do Estado ocorreria quando este não
conseguisse mais ser útil e servir a sociedade. Na visão dos escritores marxistas, o que
realmente ocorreria seria que os grupos dominantes não conseguissem mais exercer poder sobre
os dominados. No entanto, em ambas as visões, a crise do Estado não determina,
necessariamente, o fim deste.
Ao discorrer sobre o Estado como um mal necessário, Bobbio mostra duas vertentes: a
primeira faz menção ao Estado que se faz preciso na medida em que estabelece um alto grau de
coerção na sociedade civil, a segunda, por sua vez, vê o Estado necessário como um Estado
mínimo, conferindo uma maior liberdade ao panorama daquilo que não pertence ao Estado,
governando, assim, o menos possível. Em contrapartida, ao considerar o Estado como um mal
não necessário, o autor mostra o surgimento de uma sociedade autônoma que vive sem um
aparato administrativo e coercitivo em suas vidas, fazendo com que, assim, atingisse sua
emancipação. A teoria engelsiana, nesse sentido, é adepta a ideia de que, se o Estado, como dito
anteriormente, surge com a divisão do trabalho, com o fim desta, há, também o fim do Estado.
Por fim, Bobbio afirma que a corrente de pensamento surgida com a ideia de fim do
Estado serve, hoje, para alimentar um debate político-ideológico sobre o Estado por si só e suas
influências na sociedade atual.

Considerações finais:

A obra “Estado, Governo e Sociedade” de Bobbio, faz uma profunda reflexão sobre o
que foi, é e será o Estado daqui em diante. Trazendo análises históricas e sociológicas, Bobbio
analisa desde o polêmico surgimento do Estado, até suas diferentes formas e tipos de governo.
Ao estabelecer uma comunicação com a sociedade, percebe-se que diferentes maneiras de
governar são admitidas. O autor, por fim, deixa em aberto o atual questionamento sobre o fim
do Estado e como o desenvolvimento das relações pertencentes a tudo o que não é Estado se
dará a partir de agora.

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