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A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ENUNCIADOS DO FONAJE

THE UNCONSTITUTIONALLY OF FONAJE STATEMENTS

Izabella Viana de Medeiros

Resumo

Este artigo propõe-se a pesquisar resposta ao tema problema consistente na indagação da


constitucionalidade dos enunciados feitos pelo FONAJE, que apesar de não possuírem força
de lei, são usados como se fossem, afrontando todo o processo legislativo constitucional.
Adotou-se como marco teórico a concepção de Pietro Costa sobre Soberania, Representação e
democracia e a concepção de André Del Negri sobre o Controle de Constitucionalidade no
processo legislativo. Utilizou-se o método de abordagem dedutivo e a pesquisa dogmático-
jurídica de natureza bibliográfica, por meio da consulta de obras e documentos.

Palavras-chave: FONAJE; Enunciados FONAJE; Inconstitucionalidade; Processo legislativo


Constitucional.

Abstract
This article intends to investigate the answer to the question of the constitutionality of
FONAJE statements, that inspite of not have legal force, are used as if they were, confronting
all the legislative process. It has adopted as theorical marc, the Pietro Costa conception about
Sobenarity, Representation and democracy, as well André Del Negrii conceptions bout the
Constitutionallity Control in the legislative process. The method of deductive approach and
dogmatic-juridical research of bibliographical nature were used, through the consultation of
works and documents.

Keywords: FONAJE, FONAJE Statements, Unconstitutionality, Constitutional legislative


2

process.
1 INTRODUÇÃO

Entre o século XVII e XIX, com o absolutismo em crise, Montesquieu dissemina a


idéia da tripartição dos poderes, o poder Estatal é divido em entre legislativo, executivo e
judiciário. Repartição necessária na garantia da democracia, a distribuição da autoridade
ocorre de modo a evitar arbítrio e violência.
No Brasil, a tripartição de poderes é clausula pétrea. Na Constituição de 1988 há a
separação dos três poderes, de modo que especifica e delimita a área de atuação de cada um
destes entes.
No poder legislativo, por exemplo, foi garantida a criação e propositura de leis pelo
Congresso Nacional, desde que se orientem pelo processo constitucional legislativo.
Neste artigo, propõe-se como tema-problema os enunciados emitidos pelo Forum
Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), no ano de 1997 após a promulgação da Lei
9.099/95, que criou os juizados especiais, surgiram duvidas, lacunas na lei, como forma de
tentar solucionar este problema criou-se o FONAJE, onde funcionários dos Juizados se
reúnem e por maioria simples emitem orientações através do enunciado de como a lei deve ser
interpretada. Apesar de não possuírem força lei, são usados desta maneira, em breve pesquisa
jurisprudencial é possível encontrar milhares de decisões que mencionam enunciados no
relatório, não sendo, no entanto tal pratica admissível na democracia, pois, não seguem os
enunciados qualquer processo legislativo constitucional.
Adotou-se como marco teórico a concepção de Pietro Costa sobre Soberania,
Representação e democracia e a concepção de André Del Negri sobre o Controle de
Constitucionalidade no processo legislativo
O artigo encontra-se dividido em seis capítulos, sendo o primeiro a presente
introdução. No segundo capítulo, há um breve relato histórico sobre Estado e representação,
sistema e forma de Governo Brasileiro, de acordo com a Constituição de 1988. No terceiro
capítulo, dedicar-se-á a tripartição de poderes na Constituição Brasileira. O quarto capítulo
aprofunda o estudo sobre o FONAJE e seus enunciados, a utilização dos enunciados na
jurisprudência. No quinto capitulo será realizado o estudo da ilegalidade dos Enunciados, o
descumprimento do processo legislativo constitucional. Por fim, o sexto capítulo será
3

dedicado às considerações finais, mediante a síntese dos resultados obtidos na pesquisa. Para o
alcance dos objetivos propostos, utilizou-se o método de abordagem indutivo e a pesquisa dogmático-
jurídica de natureza bibliográfica, por meio da consulta de obras e legislação.

2 RELATO HISTORICO DE ESTADO E REPRESENTAÇÃO

Começaremos o estudo crítico científico abordando a definição de Estado, suas


formas, sistemas de governo e a legitimidade ao longo da história.
Para adentrarmos é necessária a definição de Estado, são múltiplos os seus usos no
âmbito do saber. Por isso, é necessária uma delimitação metódica, usaremos aqui a concepção
de Pietro Costa o termo-conceito de Estado pode ser empregado de duas formas: como
instrumento ou como objeto de questionamento.
Como instrumento, o objetivo é descrever a forma política de uma determinada
sociedade, como exemplo Estado Feudal, Estado social, Estado absoluto e etc.
Como objeto de questionamento, trata-se da noção histórica-téorica que será analisada,
é compreender o modo e com quais características veio a ser determinado o termo-conceito
Estado no âmbito que este está inserido, daqueles idiomas teóricos que o colocaram no seu
centro. Esta segunda abordagem é a que nós interessa, para a realização do estudo cientifico.
O Estado como objeto de questionamento levantado por Pietro Costa começa na
soberania Absoluta, inserida no Estado medieval, segundo o qual na política medieval há uma
pluralidade de centros de poder, autônomos e, no entanto tem como vértice simbólico o
Imperador. Neste contexto, a soberania do monarca, seu poder originário, sua vontade que
cria condição de legitimidade.
Nesta época o sistema de governo era o absolutismo 1, o governo é vitalício, na maioria
das vezes a transmissão do poder ocorria de forma hereditária, não havia sufrágio, ou seja,
não era o povo que escolhia o seu governante.
A soberania se desenvolve ao longo das décadas, surgem linhas teóricas como a de
Bodin na qual ele atribui a soberania a um monarca, colocando este como a alma, o sustento,
a garantia da ordem, segundo ele o individuo não é mais um membro da cidade, mas sim um

1
Costa, Pietro. Soberania, Representação, Democracia: ensaios de história do pensamento jurídico.
Curitiba:Juruá,2010.
4

súdito do soberano.
Surge também Hobbes2, com o jusnaturalismo, segundo ele a ordem não é natural da
natureza humana, mas sim a desordem, o conflito, portanto a ordem deve ser construída,
inventada, por isso, o soberano é indispensável para a manutenção de organização artificial.
A vontade do soberano é a lei, a legalidade se encontra na figura do monarca.

Segundo Pietro:

A soberania encontra na lei sua primeira expressão. A lei é a expressão da


vontade soberana a medida do Just e do injusto: é a vontade soberana
legiferante a condição necessária e suficiente da ordem. (COSTA; PIETRO,
2010, p.84)

Nesta época o que imperava era o sistema autocrático de governo, absolutista, nos
quais os súditos não têm acesso e nem controle sobre as decisões políticas.
Ao passar dos anos novas teorias surgem, a soberania se desenvolve, surge a exigência de se
colocar um limite no soberano e garantir direitos aos indivíduos destinatários da vontade
monárquica.
Um grande desdobramento surge da visão de Locke 3, de forma sucinta, para ele o
indivíduo é racional e capaz de autocontrole e pode satisfazes suas necessidades na forma de
propriedade; e a liberdade- propriedade é que permite a convivência ordenada dos sujeitos.
Ele separa esta convivência em dois momentos, o pré-político, onde os sujeitos ao respeitarem
a liberdade-propriedade dos demais, dão lugar a uma convivência pacifica, e o segundo
momento, o político, onde o soberano recebe a legitimidade através destes sujeitos para
reforçar e garantir as regras fundamentais da ordem pré-política.
Segundo ele os indivíduos conferem ao monarca o poder de reforçar as suas vontades,
daí surgem dois sistemas distintos, mas conexos, a sociedade e Estado.
O povo que confere a legitimidade ao monarca.
Para Hobbes não há um “povo” antes do soberano, para ele é o soberano que
legitimado pelos sujeitos age em seus lugares, os representa e assim se forma o “povo”, antes
do soberano só existia uma multiplicidade de indivíduos apolíticos. Cria-se um nexo entre
soberania, representação e decisão política.

É o soberano que, enquanto representativo, exprime a vontade dos sujeitos.


Surge, no nexo entre soberania, representação e decisão política, um traço
característico da estabilidade moderna. (COSTA; PIETRO, 2010, p.86)

Segundo Hobbes os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a


2
Hobbes, Thomas.The Elements of Law, Natural and Politic.
3
Locke. John.Two Treatises of Government.1681
5

um poder absoluto e centralizado.


Na contramão surgem novas teorias, há uma crise instaurada, uma necessidade de
rompimento com o absolutismo que imperava até o século XVII, ocorre a disseminação das
idéias pregadas pela revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade, na grande
maioria dos países instaura-se a República como forma de governo.
Na Europa no século XIX surge o parlamentarismo, nova sistema de governo, no qual
a forma de legitimação é baseada no consenso, expressa por meio do sufrágio, na qual a
assembléia eletiva, formada por representantes formulavam a vontade soberana, agora
representada pelo Estado e não por um monarca.
O parlamentarismo é sistema democrático de governo, extrai sua legitimidade a partir
da realização de eleições periódicas, nas quais os indivíduos, considerados cidadãos,
escolhem sues representantes que ocuparão os cargos políticos que compõe o Estado.
Na mesma época, entre o século XVII e XIX, durante o Estado liberal, é difundido por
Montesquieu 4o princípio da tripartição de poderes, o poder Estatal é divido entre Legislativo,
Executivo e judiciário, sendo estes autônomos, independentes e indivisíveis, não havendo
qualquer hierarquia entre si.
Segundo a repartição de poderes é necessária para Estados democráticos, a
distribuição da autoridade ocorre de modo a evitar o arbítrio e a violência pondo fim ao
absolutismo.
Para a separação funcionar, existe o sistema de freios e contrapesos consagrado por
Montesquieu na obra “O Espírito das leis”, segundo o qual quem formula as leis não pode ser
responsável pela sua execução, e quem é responsável pela execução não pode ser responsável
por decidir sobre sua legalidade.
No Brasil, é cláusula Constitucional pétrea a tripartição de poderes.

Art.60 A constituição poderá ser emendada mediante proposta:


§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
III- a separação dos poderes;

Chegamos aqui no ponto importante para esta pesquisa cientifica a separação dos
poderes para a manutenção da democracia e da legalidade, sistema e forma de governo
brasileiro, objeto de estudo que será aprofundado no próximo capitulo.

2.1 SISTEMA DE GOVERNO BRASILEIRO E FORMA DE GOVERNO


BRASILEIROS DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A constituição promulgada no dia 05 de outubro de 1988, a sétima adotada pelo país,


durante o governo do então presidente José Sarney, conhecida como “Constituição cidadã”,
atualmente em vigor, é a que será objeto de estudo.

4
Montesquieu. O espírito das leis. 1748
6

O Brasil é uma república democrática federativa constitucional presidencialista.

Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do distrito Feral, cosntitui-se em Estado democrático
de direito e tem como fundamentos:.. Parágrafo único. Todo poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.

A forma de governo escolhido foi a República, na qual o Chefe de Estado,


denominado presidente, é eleito pelos cidadãos, e exerce sua função por tempo limitado.
No Brasil essa eleição ocorre através do sufrágio universal, garantia do art.14 da Constituição
Federal de 1988.

Art.14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal


e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante: [...].

O sistema de governo adotado foi o presidencialismo, modelo de sistema em que há


concentração do chefe de Estado e de Governo na figura de uma pessoa só, o Presidente, o
qual deve ser escolhido pelo povo através do voto direto.
Importante ressaltar que o Presidente é o Chefe do Executivo, sendo garantido pela
Constituição a repartição dos poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário, serão todos
estes analisados no próximo capitulo.

O principio da separação de Poderes exige uma estrutura orgânica o que


significa que cada órgão de soberania, dotado de determinadas características,
é atribuída a função que ele pode desempenhar de uma forma mais adequada
(ou da única forma adequada) da que seria se ela fosse atribuída a outros
órgãos. (CANOTILHO,2003, p.552)

3 TRIPARTIÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

A Constituição da República de 1988 não somente garantiu a tripartição dos poderes


no ser art.2º, mas também definiu e delimitou a organização dos seus poderes no titulo IV.

Art.2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o


Legislativo, o Executivo e o judiciário

3.1 EXECUTIVO

Começaremos o estudo pelo capitulo II do titulo IV, o poder executivo. O chefe do


pode Executivo é o Presidente, eleito pelo povo através do voto direto.
7

Art.76 O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da república, auxiliado


pelos Ministros de Estado.

O artigo 845elenca quais são as atividades que competem privativamente ao presidente


da República, como por exemplo: nomear e exonerar ministros; iniciar o processo legislativo,
na forma e nos casos previstos na Constituição; sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução, etc.
A constituição foi extremamente cuidadosa ao deixar elencada no seu texto quais são as
atribuições especificas do Chefe do Executivo. 

3.2 JUDICIARIO

O capitulo III do titulo IV da Constituição Federal de 1988 aborda sobre o judiciário.


Primeiramente ele elenca quais órgãos são pertencentes ao poder judiciário, como: O
Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; O Superior Tribunal de Justiça; O

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Constituição Federal de 1988-Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: I -  nomear e
exonerar os Ministros de Estado; II -  exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da
administração federal; III -  iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; IV -
sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
V -  vetar projetos de lei, total ou parcialmente;VI -  dispor, mediante decreto, sobre: a)  organização e
funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de
órgãos públicos;   b)  extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; VII -  manter relações com Estados
estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII -  celebrar tratados, convenções e atos
internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;IX -  decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
X -  decretar e executar a intervenção federal;  XI -  remeter mensagem e plano de governo ao Congresso
Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências
que julgar necessárias; XII -  conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos
instituídos em lei; XIII -  exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são
privativos; XIV -  nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e
dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os
diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei;  XV -  nomear, observado o disposto
no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União; XVI -  nomear os magistrados, nos casos previstos
nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União; XVII -  nomear membros do Conselho da República, nos
termos do art. 89, VII; XVIII -  convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;
XIX -  declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por
ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou
parcialmente, a mobilização nacional; XX -  celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso
Nacional; XXI -  conferir condecorações e distinções honoríficas; XXII -  permitir, nos casos previstos em lei
complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente;XXIII -  enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes
orçamentárias e as propostas de orçamento previstas nesta Constituição;XXIV -  prestar, anualmente, ao
Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao
exercício anterior;  XXV -  prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;  XXVI -  editar
medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; XXVII -  exercer outras atribuições previstas nesta
Constituição. Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos
incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao
Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.
8

Tribunal Superior do Trabalho; Os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os


Tribunais e Juízes do Trabalho; Os Tribunais e Juízes eleitorais, os Tribunais e Juízes
Militares; Os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e territórios.
No art. 96 6elenca quais são as competências privativas do judiciário, como: eleger
seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos; organizar suas secretarias e serviços
auxiliares; prover cargos de juiz; promover concurso público
No art.97, cumpridos os requisitos, garante ao judiciário o poder de fiscalização de leis
ou atos normativos do poder público.

Art.97 Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos


membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

A imposição clara na carta magna de limitações a direitos e deveres do poder Judiciário.

3.3 LEGISLATIVO

O legislativo é tratado no capitulo I do título, será tratado por último por ser este o
mais importante dentro do tema abordado.
O Poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara
dos Deputados e do Senado.
A câmara dos Deputados compõe-se de representantes eleitos pelo povo, pelo sistema
proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal, com legislatura de
quatro anos.
O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal,
eleitos segundo princípio majoritário, cada Estado e Distrito Federal elegerão três Senadores,

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Constituição Federal de 1988- Art. 96. Compete privativamente: I -  aos tribunais:  a)  eleger seus órgãos
diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias
processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e
administrativos; b)  organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados,
velando pelo exercício da atividade correicional respectiva; c)  prover, na forma prevista nesta Constituição, os
cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição; d)  propor a criação de novas varas judiciárias; e)  prover, por
concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos
necessários à administração da justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;  f)  conceder licença, férias
e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados; II -  ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo
respectivo, observado o disposto no art. 169: a)  a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; b)  a
criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem
vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores,
onde houver; c)  a criação ou extinção dos tribunais inferiores;  d)  a alteração da organização e da divisão
judiciárias; III -  aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como
os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral.
9

com legislatura de 08 anos, cada.

A seção VIII da Carta Magna trata do processo legislativo, o qual compreende na


elaboração de emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas;
medidas provisórias; decretos legislativos e resoluções.

Nas subseções seguintes a lei elenca quais as formas que devem tramitar perante a
Câmara dos deputados o processo legislativo de cada tipo legal acima citado.

Como por exemplo, a Emenda Constitucional que deverá seguir os tramites elencados
no art. 60, vejamos:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I -  de um


terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal; II -  do Presidente da República; III -  de mais da metade das
assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada
uma delas, pela maioria relativa de seus membros.  § 1º A Constituição não
poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa
ou de estado de sítio.  § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver,
em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.  § 3º A emenda à
Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, com o respectivo número de ordem.  § 4º Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I -  a forma federativa de
Estado; II -  o voto direto, secreto, universal e periódico; III -  a separação
dos Poderes;  IV -  os direitos e garantias individuais. § 5º A matéria
constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não
pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

Como visto acima o processo legislativo é realizado pela Câmara dos Deputados, que
é formada por cidadãos eleitos através do sufrágio universal, no exercício de suas funções,
representam o povo e fazem da vontade destes a lei, ou seja, a lei só é legitima quando
obedece aos preceitos constitucionais.

No próximo capitulo esclareceremos o que é o FONAJE e os seus enunciados para que


então possamos conectar este ao descumprimento do processo legislativo constitucional.

4 FONAJE

A criação dos juizados especiais está prevista no art.98, inciso I, da Constituição


Federal 7de 1988, e por força legal deste, o legislador ordinário instituiu a lei 9.099 que trata

7
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I -  juizados especiais, providos
por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas
10

da criação e implementação do juizado, em vigor desde 1995. A lei dos juizados representou
uma grande ruptura com o processo tradicional, com o procedimento do Código de Processo
Civil.
Como por exemplo, na área criminal, as medidas como transação penal, composição
de danos e suspensão condicional do processo possibilitaram a celeridade processual8. Já na
área cível institutos como unicidade de procedimento e prevalência da autocomposição,
oralidade e celeridade apareceram como novidade9.
A implementação da nova lei criou muitas dúvidas, lacunas jurídicas que necessitam
ser esclarecidas, então em maio de 1997, com o intuito de unificar entendimentos e dar
diretrizes aos juízes, alguns coordenadores estaduais dos juizados especiais se reuniram em
Natal, Rio Grande do Norte, a princípio com o nome de Fórum de Coordenadores dos
Juizados Cíveis e Criminais do Brasil, de onde surgiam os enunciados.
Os encontros aconteciam a cada seis meses, deixaram de ser apenas para
coordenadores e passaram a ser para todos os integrantes dos juizados especiais. O nome foi
alterado para Fórum Nacional dos Juizados Especiais, conhecido até hoje como FONAJE, que
se sustenta ao longo dos últimos 20 anos como o maior intérprete da Lei 9.099/95.

4.1 ENUNCIADOS FONAJE

O FONAJE foi criado, como dito anteriormente, para preencher as dúvidas, lacunas na
lei através dos enunciados que são formados nestes encontros.
Atualmente são 314 enunciados que podem ser consultados no site do FONAJE, sendo
14 enunciados que versam sobre a Fazenda Pública, 129 enunciados criminais e 171
enunciados cíveis.
Os enunciados não são vinculantes, não possuem força de lei, são apenas orientações
jurídicas, doutrinarias aos magistrados. Entretanto, não é o que se vislumbra na aplicação da
lei, inúmeros juízes e tribunais utilizam enunciados do FONAGE para embasarem suas
decisões.
Na breve pesquisa de jurisprudência realizada nos sites do STF, STJ, TJMG, TJSP e

cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de
juízes de primeiro grau;

8
Art.60 da lei 9099/95-O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem
competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo,
respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)
9
Art.2º da Lei 9.099/95- O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
11

TJCE foram encontradas inúmeras decisões que citam enunciados do FONAJE.


No STF foram encontrados cinco acórdãos, um julgamento de repercussão geral e uma
decisão da presidência, vejamos abaixo a decisão da presidência que utiliza o enunciado 102
do FONAGE como argumento de decisão.

RE 1074643 / MG - MINAS GERAIS


RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 22/08/2018 Publicação DJe-179 DIVULG 29/08/2018 PUBLIC
30/08/2018 Partes RECTE.(S) : LUCIA DE FATIMA MAGALHAES
ALBUQUERQUE SILVA ADV.(A/S) :FREDERICO PEREIRA
HORNRECDO.(A/S) : RODRIGO LUIZ MELO FRANCO GOMES
DE ALMEIDA ADV.(A/S): EDSON DE CARVALHO ARAUJO Decisão –
DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
PROCESSUAL CIVIL. REMESSA INDEVIDA. BAIXA IMEDIATA.
Relatório 1. Em 15.9.2017, determinei a devolução dos autos ao Tribunal de
origem por ter este Supremo Tribunal assentado a ausência de repercussão
geral das questões trazidas no processo (Recurso Extraordinário com Agravo
n. 835.833, Tema 800). 2. Em 22.3.2018, a Turma Recursal de Viçosa/MG
assim se manifestou: “Considerando que o assunto que aqui se discute tem
perfeita consonância com o que se discute no RE n. 835.833 (Tema n. 800),
nega-se seguimento ao recurso extraordinário aqui interposto por ausência de
repercussão geral. E, considerando ainda que, no caso de não seguimento ao
recurso fundamentado no artigo 1.030, inc. I, letra a, do CPC, cabe Agravo
Interno, conforme estabelece o mesmo artigo, em seu parágrafo segundo e a
parte apresentou, de fato o aludido recurso (…) e este agravo deve ser
apreciado pelo colegiado, conforme enunciado do 102 do Fonaje” (fl. 340).
3. Em 7.6.2018, os autos retornaram a este Supremo Tribunal com o seguinte
despacho da Turma Recursal de origem: “Pautou-se o presente feito para
julgamento perante esta Turma Recursal, ocasião em que seria julgado o
Agravo Interno. Todavia, veio petição noticiando que a
Agravante/Recorrente ajuizou Embargos de Declaração perante o STF. Dessa
forma, determino seja o presente feito retirado da pauta de julgamentos pela
Turma Recursal, da data de hoje e determino sejam os autos remetidos de
volta ao E. Supremo Tribunal Federal para apreciação dos Bem’argos de
Declaração” (fl. 344). Analisada a questão trazida na espécie, DECIDO. 4.
Não há razão jurídica para a devolução dos autos a este Supremo Tribunal. 5.
Pelo novo Código de Processo Civil determina-se que, submetido o recurso
paradigma ao Plenário Virtual, os Tribunais de origem deverão: a) negar
seguimento ao recurso extraordinário cuja repercussão geral tenha sido
negada pelo Supremo Tribunal Federal (al. a do inc. I do art. 1.030 do Código
de Processo Civil); b) sobrestar o recurso extraordinário para aguardar o
julgamento de mérito da questão com repercussão geral reconhecida pelo
Supremo Tribunal Federal (inc. III do art. 1.030 do Código de Processo
Civil); c) negar seguimento ao recurso extraordinário ou exercer o juízo de
retratação se o acórdão contra o qual interposto o recurso estiver ou não em
conformidade com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na
sistemática darepercussão geral (al. a do inc. I e inc. II do art. 1.030 do
Código de Processo Civil). Julgada a matéria pelo Supremo Tribunal Federal
em regime de repercussão geral, cabe às instâncias originárias repetir o
12

entendimento e zelar para que os recursos extraordinários recebam o


tratamento previsto no Código de Processo Civil, pelo qual excluída nova
apreciação da mesma matéria por este Supremo Tribunal, ressalvada a
previsão contida na al. c do inc. V do art. 1.030 do Código de Processo
Civil.6. É firme a jurisprudência quanto a inexistir previsão legal de recurso
para este Supremo Tribunal contra decisão pela qual se aplica a sistemática
da repercussão geral na origem.

No Superior Tribunal de Justiça foram encontrados 09 acórdãos e 399 decisões


monocráticas que utilizam o FONAJE. Vejamos a decisão monocrática 10prolatada pelo
Ministro Marco Aurélio Belizze, a qual faz alusão ao enunciado 89 do FONAJE:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 163.643 - SP (2019/0033927-7)


RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE SUSCITANTE :
JUÍZO DE DIREITO DA VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E
CRIMINAL DA COAMRCA E OLÍMPIA SP SUSCITADO : JUÍZO DE
DIREITO DA VARA DO JUIZADO ESPECIAL DE CARMO DO RIO
CLARO – MG INTERES. : JOSE AILTON DO PRADO DOMICIANO
ADVOGADO : LUIS FERNANDO PONTARA SILVA - MG128016
INTERES. : SPE WGSA 02 EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S/A
ADVOGADO : CLÁUDIO RODARTE CAMOZZI - GO018727
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA
C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA INCOMPETÊNCIA RELATIVA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 33/STJ. Conflito conhecido para
declarar a competência do Juízo de Direito da Vara do Juizado Especial de
Carmo do Rio Claro-MG, o suscitado. DECISÃO Trata-se de conflito de
competência cujo suscitante é o Juízo de Direito da Vara do Juizado Especial
Cível e Criminal da Comarca de Olímpia-SP, e suscitado o Juízo de Direito
da Vara do Juizado Especial de Carmo do Rio Claro-MG , pelo qual se
discute a competência para o julgamento de ação de cobrança c/c reparação
de danos materiais e morais ajuizada por José Ailton do Prado Domiciano
contra SPE WGSA 02 Empreendimentos Imobiliários S.A. O Juízo suscitado
declinou da competência, afirmando que (e-STJ, fl. 141): O autor busca, em
suma, ser ressarcido de quantia paga, pedido imediato, além de reparação por
danos morais, pedido mediato, não podendo, portanto, atribuir competência a
este juízo, vez que a parte ré exerce suas atividades na cidade de
Olímpia/SP.Registro que a incompetência territorial pode ser reconhecida de
ofício, nos termos do Enunciado 89 do Fonaje. Em sua manifestação, o Juízo
suscitante fundamentou o conflito de competência sustentando que "[...] tal
decisão é írrita e não se sustenta juridicamente, porquanto é pacífico o
entendimento de que a 'a incompetência relativa não pode ser declarada de
ofício', cristalizado na Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça" (e-STJ, fl.
152). Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pela
competência do juízo suscitado. Brevemente relatado, decido. Como bem
evidenciado nos excertos transcritos, dúvidas não há que o juízo suscitado
declarou sua incompetência de ofício, iniciativa que encontra óbice na
Súmula n. 33 desta Corte: "A incompetência relativa não pode ser declarada
de ofício". Ante o exposto, conheço do conflito e declaro competente o Juízo
de Direito da Vara do Juizado Especial de Carmo do Rio Claro-MG, o
suscitado. Dê-se ciência ao Juízo suscitante. Publique-se. Brasília (DF), 06 de
maio de 2019. MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator.
10
Decisão de juiz singular ou de juiz de tribunal quando o faz de forma isolada.
13

No TJMG foram localizados 118 espelhos de acórdão que citam os enunciados do


FONAGE, no TJSP 2196 e no TJCE 163.
O objetivo desta breve pesquisa jurisprudencial é demonstrar que apesar de não ter o
enunciado, força de lei, é utilizado como sei lei fosse.
Alguns enunciados são contrários a própria lei, formada pelo legislador constitucional.
Como por exemplo, o Enunciado Cível 16111, o qual restringiu a aplicação do Código de
Processo Civil de 2015 aos juizados especiais apenas quando houver expressa e específica
remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios do art.2º da Lei 9.099/95.
No caso acima, podemos ver claramente a colisão entre uma Lei produzida de forma
constitucional, respeitando todo o processo legislativo exigidos nos artigos 59 e 61 da
Constituição Federal, e um enunciado que não é previsto legalmente e não possui processo
legislativo, mas tem o poder de questionar até onde vai a legalidade do Código de Processo
Civil pode e deve atuar. Assunto que será abordado no próximo capitulo.
Ressaltando que a invocação dos princípios como da celeridade, informalidade e
economia processual, elencados no art.2º da lei 9.099/95, não tem o poder de afastar garantias
constitucionais, e havendo colisão entre estes deverá sempre prevalecer as garantias
constitucionais.
5 A ILEGALIDADE DOS ENUNCIADOS DO FONAJE

Analisado anteriormente, a legalidade no Brasil, por se tratar de uma República Democrática


Federativa Constitucional, advém do sufrágio universal e da Constituição.
Importante relembrar da repartição dos poderes em Executivo, legislativo e judiciário 12.
O poder legislativo é o que nos interessa na presente pesquisa, é garantido constitucionalmente
que este será exercido pelo Congresso Nacional, que é composto da Câmara dos Deputados e do
Senado. Os deputados e senadores são eleitos pelo povo através do sufrágio universal e representam a
vontade destes.
O processo legislativo Constitucional 13compreende a elaboração de Emendas à Constituição,
leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e
resoluções.
11
Enunciado Cível 161 - Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao
Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade
com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95.
12
Constituição Federal de 1988- Art.2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
14

O art. 61 da CF elenca quais são as pessoas autorizadas a dar iniciativa a leis ordinárias e
complementares.
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer
membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos
cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

O art. 62 da Constituição prevê as leis de iniciativa privada do presidente da república,


devendo o Congresso Nacional deliberar sobre o mérito da medida provisória e a sua
conversão ou não em lei.
Já o artigo 69 do mesmo regime legal prevê que a lei complementar somente será
aprovada por maioria absoluta, e a lei ordinária por maioria simples, vide artigo. 47 da CF/88.

É clara a vontade do legislador de garantir ao povo que a produção das leis se daria de
forma segura, através de um processo legislativo descrito e regulado pela Constituição e que a
aprovação dessas leis somente viria dos representantes eleitos pelo povo, aqueles que
possuem a legitimidade para falar em nome daqueles.
Importante distinção que deve ser realizada no estudo do processo legislativo é a
distinção entre legitimidade validade e eficácia. Usaremos aqui trecho do livro Controle de
Constitucionalidade no Processo legislativo de André Del Negri.
Por isso, revela acentuar que, apesar da locução validade/eficácia sofrer um
entendimento fragmentário e distorcido, conforme demonstra a lição de
Sérgio Cademartori, tem-se, para a maioria dos juristas contemporâneos, que
uma norma é válida “[...] por ter sido produzida pelo órgão competente e de
acordo com o procedimento regular”, e eficaz “[...] quando decorrente do
efetivo comportamento dos destinatários em relação a norma posta
[...]”(NEGRI, DEL ANDRÉ,2003, p. 69)

A criação dos enunciados do FONAJE, não segue qualquer processo exigido


constitucionalmente na criação de leis. Eles não são propostos pelas pessoas autorizadas no

13
Constituição Federal de 1988- Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I -  emendas à
Constituição; II -  leis complementares; III -  leis ordinárias;IV -  leis delegadas; V -  medidas provisórias; VI - 
decretos legislativos; VII -  resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação,
alteração e consolidação das leis.
15

art.61, não passa pela analise do Congresso Nacional e nem previstos legalmente estes são, ou
seja, não possuem qualquer validade.
Há quem se oponha e reforce que os enunciados não precisam deste processo
legislativo por não possuírem força de lei, que estes somente são uma forma de uniformizar as
decisões do juizado e que sua aplicação não é obrigatória.
No entanto é dos tribunais a responsabilidade de uniformizar as decisões, através da
jurisdição, através de sumulas.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por


provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir
de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão
ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de


normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão


ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem
propor a ação direta de inconstitucionalidade.              

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula


aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou
cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida
com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.  

E em alguns casos, até enunciados contrários a súmulas são editados pelo FONAJE,
como é o exemplo do Enunciado 13 e a súmula do STJ 379.

FONAJE: ENUNCIADO 13: Nos Juizados Especiais Cíveis, os prazos


processuais contam-se da data da intimação ou da ciência do ato respectivo,
e não da juntada do comprovante da intimação.

STJ: TEMA/REPETITIVO 379: Nos casos de intimação/citação realizadas


por Correio, Oficial de Justiça, ou por Carta de Ordem, Precatória ou
Rogatória, o prazo recursal inicia-se com a juntada aos autos do aviso de
recebimento, do mandado cumprido, ou da juntada da carta. (REsp
1632777/SP. Corte Especial. Min. Napoleâo Nunes Maia Filho. DJe
26/05/2017).
16

Outro exemplo de colisão entre entendimento do FONAJE e tese firmada pelo STJ:

FONAJE: ENUNCIADO 120 – A multa derivada de descumprimento de


antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do trânsito em
julgado da sentença.

STJ – TEMA/REPETITIVO 743: A multa diária prevista no § 4º do art.


461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento,
quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de
execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e
desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito
suspensivo. (REsp 1200856/RS. Órgão Julgador: Corte Especial. Relator:
Ministro Sidnei Beneti. Dje 17/0/2014).

Outro destaque é que apesar de não ser o enunciado lei, este está sendo usado como se
lei fosse, muitas vezes contrario a leis ordinárias.Como o caso mostrado anteriormente o
Enunciado Cível 161, o qual restringiu a aplicação do Código de Processo Civil de 2015 aos
juizados especiais, apenas quando houver expressa e específica remissão ou na hipótese de
compatibilidade com os critérios do art.2º da Lei 9.099/95.
Ou mesmo o enunciado 157 em detrimento do art. art. 329 do CPC.

Art. 329. O autor poderá:

I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir,


independentemente de consentimento do réu;

II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de


pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a
possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias,
facultado o requerimento de prova suplementar.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à


respectiva causa de pedir.

ENUNCIADO 157 –Nos Juizados Especiais Cíveis, o autor poderá aditar o


pedido até o momento da audiência de instrução e julgamento, ou até a fase
instrutória, resguardado ao réu o respectivo direito de defesa (nova redação –
XXXIX Encontro - Maceió-AL).

Fica evidenciado desta forma que os Enunciados não seguem qualquer Processo
legislativo constitucional, não se submete ao devido processo legal, garantias constitucionais
necessárias e garantidoras da ordem democrática. Alguns destes enunciados até afrontam a lei
válida e eficaz, os tronando assim completamente inconstitucionais e antidemocráticos.
17

[...] haja vista que o Devido Processo Legal do Estado Moderno é um


instituto (constitucionalizado democraticamente) “devido, porque legislado
pelo POVO, no qual se encontram as garantias fundamentais que norteiam o
modo de proceder da Administração, do Judiciário e do Legislativo. (NEGRI,
DEL ANDRÉ,2003, p. 73)

O Procedimento legislativo esta previsto na Constituição Federal como forma de dar


segurança ao povo de que as leis serão produzidas sempre pelo mesmo processo e por
representantes eleitos por estes, garantindo assim uma democracia eficaz.

Neste sentido, o procedimento legislativo, para atingir suas plenas condições


de regularidade deve guardar fundamental observância à Lei Constitucional
(devido processo constitucional), regenciadora da estrutura normativa
(procedimento), e dos atos do legislador que, interessado no provimento final
(lei), pode participar na sua preparação desde que submetido às diretrizes
formais do processo constitucionalizado. Como se pode perceber, o devido
processo legislativo, o qual é também devido processo legal, é um direito-
garantia que os cidadãos possuem com relação a uma produção democrática
do Direito, uma produção realizada em consonância com o paradigma atual,
concretizado por intermédio do processo legislativo orientado pelo processo
constitucional. (NEGRI, DEL ANDRÉ, 2003, p. 74)

Não se pode admitir em uma democracia, que um plenário formado por membros que
trabalham nos juizados especiais, por maioria simples dos votos, definam qual a melhor
aplicação da lei, mesmo que seja só de forma a orientar, pois não papel deste Fórum.

Neste sentido, O Estado de Direito Democrático e o Devido Processo


Legislativo são instituições interdependentes, vez que o Direito para ser
democrático deve ser produzido por um modelo processual
constitucionalizado a fim de legitimar o Direito e configurar a democracia, a
cidadanização e a soberania popular pela estrita observância ao contraditório,
ampla defesa isonomia. (NEGRI, DEL ANDRÉ,2003, p.80)

As orientações passadas pelo FONAJE estão sendo usadas de forma exacerbada pelo
judiciário, prejudicando assim direitos que foram constituídos através do devido processo
legislativo constitucional.

A formulação da lei pelo poder Legislativo é uma conquista histórica, que


exprime a culminância de milenar processo político, a superação do poder
individualizado do monarca absolutista pelo primado da Constituição e a
implantação do Estado de Direito. (Raul machado horta, direito
constitucional, Belo horizonte : Del Rey 1999, p 556-557)

Princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,


18

norteadores do juizado especial são importantes e deve o judiciário buscar uma forma de
garanti-los, mas não ao custo das garantias Constitucionais.
O FONAJE possui enunciados que trariam benéficos a atividade jurisdicional, mas
para que estes possam ser aplicados devem se submeter ao processo legislativo constitucional,
garantindo a todos acesso igualitário ao judiciário e a segurança jurídica.

Evidencia-se, por intermédio das expressas anotações de Elpídio Donizete


Nunes, que no caso do Processo, a extrema sumariedade de seu tâmite pode
ocasionar graves conseqüências por meio de supressão de garantias
processuais, levando a um produto final desprovido de legitimidade.
(NEGRI, DEL ANDRÉ,2003, p.86)

Não resta dúvida que a legitimação em uma sociedade democrática deve ocorrer na
produção do Direto, ou seja, as normas devem ser elaboradas com a participação popular
através do Congresso Nacional e com rigorosa observação ao processo constitucional
legislativo.
5 CONCLUSÃO

A Constituição da República Federal de 1988 consagrou no art.2º a tripartição dos


poderes, em executivo, legislativo e judiciário, dando a esta o status de cláusula pétrea no
art.60, I.
Ao poder legislativo foi dada a garantia e dever de dar iniciativa, propor os projetos de
lei, tendo cada lei, um procedimento especifico a ser seguido.
As leis são de iniciativa do Congresso Nacional, ou dependem da sua promulgação, já
que ali se encontram os representantes legitimados pelo povo através do sufrágio universal.
Há um processo constitucional legislativo que deve ser seguido de forma criteriosa
para que as leis possuam validade e legitimidade. É aqui que reside o tema-problema
discutido ao longo deste artigo, já que o FONAJE, através de enunciados, emite orientações
sobre como questões que são dúbias na lei 9.099/95 deve ser interpretadas.
O Fórum ocorre anualmente, onde os funcionários do juizado especial se reúnem em
plenário e pela maioria simples dos votos decidem sobre a interpretação da norma. Alguns
enunciados contrariam as leis formuladas pelo poder legislativo e que seguiram todo o
processo constitucional, como o enunciado cível 161, onde orienta aos magistrados que o
código civil de 2015 só deve ser aplicado naquilo em que for compatível com o juizado.
Aqueles que são a favor deste tipo de ativismo judicial, afirmam que os enunciados
não possuem força de lei e por este motivo não são inconstitucionais. No entanto, em breve
pesquisa, é possível encontrar na jurisprudência pelo Brasil, inúmeras decisões que fazem
19

menção a enunciados.
Utilizar de enunciados em processos, decisões ou qualquer forma para aplicar o
Direito é ir contra a democracia, a constituição. Estes não obedecem ao processo legislativo
constitucional e sua propositura ou promulgação não é realizada pelos legitimados a fazê-las.
Não resta dúvida que a legitimação em uma sociedade democrática deve ocorrer na
produção do Direto, ou seja, as normas devem ser elaboradas com a participação popular
através do Congresso Nacional e com rigorosa observação ao processo constitucional
legislativo.

REFERÊNCIAS

COSTA, Pietro. Soberania, Representação, Democracia: Ensaios de história do pensamento


jurídico. 22. ed. Curitiba: Juruá, 2010.

CANOUTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:


Edições Almedina, 2003.

NEGRI, André Del. Controle de Constitucionalidade no processo Legislativo: teoria da


legitimidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2003.

RABELO, Cesar Leandro de Almeida. O ativismo judicial e sua incompatibilidade com o


Estado democrático de Direito. 2012. 156 fls. Dissertação (Mestrado em direito público) –
Faculdade de ciências humanas, sócias e da saúde, Belo Horizonte, 2012.

FRATTARI, Rafhael. O projeto de pesquisa e a iniciação cientifica em Direito. Revista


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