GRUPO ARCO-ÍRIS DE CIDADANIA LGBT, organização sem fins lucrativos com atuação em
todo o território nacional, com endereço eletrônico arco-iris@arco-iris.org.br, com sede na Rua
Tenente Possolo, 43 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, CEP 20230-160, inscrito no CNPJ sob o número n.º
97.468.433/0001-08, através de seu advogado infra-assinado (Procuração em anexo), com escritório
na Avenida Beira Mar, nº 406, Grupo nº 1.205, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20021-060, local onde
recebe intimações, vem perante Vossa Senhoria, com base no artigo 74 do CBJB, apresentar a
presente
em face de MAURÍCIO LUIZ DE SOUZA, voleibolista brasileiro, inscrito no CPF sob o número
360.097.568-47, pelos fatos e fundamentos jurídicos que adiante passa expor:
1. O Grupo Arco-Íris é uma associação civil sem fins lucrativos fundada em 1993 que tem como
objetivo a defesa e a garantia da cidadania plena dos membros da comunidade LGBTQI+,
contemplando as dimensões de gênero, raça, etnia, geração e classe.
3. Nesse sentido, o Grupo Arco-Íris atua como uma organização de referência da promoção de
autoestima, saúde, cultura, cidadania e direitos humanos da comunidade LGBTQI+ há mais de
28 anos. A instituição também reúne familiares e simpatizantes para que eles tenham um
espaço de referência, de convivência e de troca de informações e experiências.
4. Além disso, o Grupo Arco-Íris oferece oficinas, ações de prevenção a DSTs/AIDS, seminários e
debates, e também realiza diversos eventos.
(Grupo LGBTQIA+ questiona a CBF na Justiça sobre omissão de uso do número 24 na seleção
brasileira | futebol | ge (globo.com))
7. Como entidade assistencial a mesma celebra convênio com órgãos públicos e organismos
nacionais e internacionais de fomento ao desenvolvimento social para a objetivação de seus
fins filantrópicos.
SÍNTESE FÁTICA
10. O atleta profissional de vôlei Maurício Souza realizou postagens de cunho LGBTQI+fóbico e
discriminatório em seu perfil oficial na rede social Instagram em 15 de outubro de 2021, em que
posta uma foto de uma atleta transexual de basquete com o comentário “se você achar algum
homem essa foto você é preconceituoso, transfóbico e homofóbico.” Conforme print da
postagem abaixo:
11. Condutas e postagens preconceituosas e discriminatórias com a comunidade LGBTQI+ feitas
pelo atleta Maurício Souza podem ser observadas em diferentes postagens do atleta,
demonstrando ser essa uma conduta reiterada.
12. Como por exemplo, a postagem abaixo de 12 de outubro de 2021, Dias das Crianças com o
comentário “a é só um desenho, não é nada demais” e completa com “vai nessa que vai ver
onde vamos parar...” sobre uma reportagem que um personagem dos quadrinhos, Superman se
assume ser bissexual:
13. Diante desta postagem, o atleta de vôlei Douglas, companheiro de seleção brasileira de Maurício
e assumidamente homossexual, criticou, sem citar nomes, a postagem feita por Maurício:
14. Em resposta, Maurício postou um texto que insinua que a homossexualidade seja algo errado
“hoje em dia o certo é errado e o errado é certo”:
15. Considerando as recentes postagens feita por Maurício, e a repercussão dessas manifestações
preconceituosas, os patrocinados do Minas Tênis Clube, ex-clube do atleta, se manifestaram
contra as publicações e pediram que o clube tomasse as medidas cabíveis sobre o ocorrido.
16. A patrocinadora Fiat se manifestou da seguinte forma: “A Fiat declara repúdio a toda e qualquer
expressão de cunho homofóbico, considerando inaceitáveis as manifestações movidas por
preconceito, ímpeto desrespeitoso ou excludente (...). A Fiat repudia qualquer tipo de
declaração que promova ódio, exclusão ou diminuição da pessoa humana e espera que a
instituição tome as medidas cabíveis e necessárias no espaço mais curto de tempo possível."
17. Após, a patrocinadora Gerdau declarou: "A Gerdau repudia qualquer tipo de manifestação de
cunho preceituoso ou homofóbico. Sobre as declarações recentes do atleta Maurício Souza,
jogador do Fiat/Gerdau/Minas, a empresa já pediu a posição oficial do clube sobre as tratativas
necessárias ao caso para adotar as medidas cabíveis, o mais breve possível."
18. Diante da pressão de seus patrocinadores, o Clube, que primeiramente havia se posicionado
defendendo a liberdade dos atletas de se expressarem livremente em suas redes sociais 1,
decidiu por afastar o atleta Maurício no dia 26 de novembro pelas publicações feitas.2 Em nota,
o Clube informou sobre o afastamento por tempo indeterminado do atleta, o recebimento de
uma multa e que foi orientado a fazer uma retratação pública.
19. Com a repercussão do caso, o atleta fez uma postagem se desculpando pelo ocorrido em sua
conta oficial do Twitter: “Pessoal, após conversar com meus familiares, colegas e diretoria do
clube, pensei muito sobre as últimas publicações que eu fiz no meu perfil. Estou vindo a público
pedir desculpas a todos a quem desrespeitei ou ofendi, esta não foi minha intenção.”
20. Contudo, vale enfatizar que as postagens discriminatórias foram feitas no Instagram, onde o
atleta possui 329 mil seguidores, enquanto o pedido de desculpas foi feito pelo Twitter, em que
o atleta possui menos de 100 seguidores. Bem como, em seu pedido de desculpa não sinalizou
sobre o que especificamente estava se desculpando.
21. Em razão do não convencimento no pedido de desculpas dado pelo atleta exigido pelo Clube e
por seus patrocinadores, o Minas Tênis Clube decidiu em 27 de outubro de 2021 rescindir o
contrato com o atleta Maurício Souza em razão das publicações discriminatórias.3
22. Cabe ainda ressaltar uma postagem feita pela “worldwide.volley” no Instagram, página voltada
para o universo do vôlei que relembra uma postagem discriminatória feita pelo atleta Maurício
com a frase “sou do tempo que fumar era bonito e dar a bunda era feio! Hoje fumar é feio e dar
a bunda é bonito! Sorte minha ser velho” e comenta “Grazadeus”, a comparando com postagem
feita por Isaquias, atleta olímpico da canoagem em apoio a comunidade LGBTQI+:
1
Disponível em: Vôlei e homofobia: entenda a polêmica envolvendo Maurício Souza, o Minas Tênis Clube e a
torcida (espn.com.br)
2
Disponível em: Minas multa e afasta central Maurício Souza por publicação homofóbica
(correiobraziliense.com.br)
3
Disponível em: Minas Tênis Clube anuncia rescisão do contrato do jogador Maurício Souza - 27/10/2021 -
Esporte - Folha (uol.com.br)
23. Diante do exposto, resta claro as diversas manifestações do atleta Maurício Souza
discriminatórias e preconceituosas com a comunidade LGBTQI+, contrariando o disposto no
Código Brasileiro de Justiça Desportiva, no Código de Ética do Voleibol Brasileiro, nas
recomendações do Supremo Tribunal de Justiça Desportivo do Futebol e as normas de direitos
fundamentais e direitos humanos previstas na Constituição Federal e nos tratados
internacionais.
24. Portanto, a apresentação desta notícia de infração disciplinar tem por finalidade que a
Procuradoria de Justiça Desportiva apresente uma denúncia pelos fatos narrados para aplicação
das medidas disciplinares cabíveis em razão da violação do artigo 243-G pelo atleta Maurício
Souza.
DO DIREITO
25. Os direitos violados pelos atos praticados pelo atleta Maurício estão cristalinamente
preconizado na Carta Magna, como o respeito à dignidade, à não discriminação e à honra.
26. Dispõe o Art. 1º, da Constituição Federal/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
29. Faz-se importante salientar que no âmbito das relações internacionais, a construção da
orientação sexual como categoria de direito internacional e dos direitos de pessoas LGBT é um
produto do concurso da atuação de atores políticos internacionais, como a ONU e as cortes
regionais de direitos humanos, e de mudanças em diferentes sociedades nacionais, sobretudo
em democracias liberais.
30. O direito à igualdade e não discriminação são princípios fundamentais dos direitos humanos,
consagrados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos
tratados internacionais de direitos humanos. As palavras da abertura da Declaração Universal
dos Direitos Humanos são inequívocas:
33. Nesse sentido, menciona-se documento elaborado pelo Alto Comissariado em Direitos
Humanos da ONU em 2019 “Born Free and Equal: Sexual Orientation, Gender Identity and Sex
Characteristics in International Human Rights Law” que determina as normas sobre o tema de
acordo com os direitos humanos internacional, disponível em Born_Free_and_Equal_WEB.pdf
(ohchr.org).
34. O documento cita que o direito de todos à não serem discriminados, incluindo em razão da
orientação sexual, nos tratados de direitos humanos são previstos nas normas de não
discriminação, igualdade perante a lei e igual de proteção jurídica.
36. No âmbito nacional, faz-se essencial mencionar a decisão do STF na ADO 26 em junho de 2019
que dispôs que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso
Nacional crie uma legislação específica sobre este tipo de violência. Dessa forma, quem ofende
ou discrimina homossexuais ou transgêneros está sujeito a punição de 1 a 3 anos de prisão,
assim como estipulado na Lei de Racismo. A pena para estes crimes é inafiançável e
imprescritível, conforme decisão:
“O Tribunal, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão. Por maioria e nessa extensão, julgou-a
procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, para: a) reconhecer o
estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da
prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se
referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção
penal aos integrantes do grupo LGBT; b) declarar, em consequência, a
existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da
União; c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere
o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99; d)
dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados
constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da
Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja
a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº
7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso
Nacional, seja por considerar-se, nos termos deste voto, que as práticas
homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na
dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que
tais condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros
integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua
identidade de gênero, seja, ainda, porque tais comportamentos de
homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa
a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo
vulnerável em questão.”
38. No que concerne a infração de praticar ato discriminatório, o artigo 243-G do Código Brasileiro
de Justiça Desportiva dispõe que:
39. Sobre este tema, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol emitiu a Recomendação
nº 01/2019 em que considera que o Tribunal “firmou entendimento quanto a tipificação e
culpabilidade de atos considerados discriminatórios em razão da opção sexual pelo artigo 243-
G do CBJD e regulamentação disciplinar internacional aplicável.”
40. Ainda, menciona-se o Código de Ética do Voleibol Brasileiro que estabelece como fundamento
ético no artigo 4º, VIII que todos os membros da comunidade do Voleibol, incluindo atletas
assumem o compromisso de pautar seus comportamentos, condutas e atitudes de acordo com
o princípio ético de “prevenir, desencorajar e denunciar ao Conselho de Ética, quaisquer
preconceitos e preferências, em todos os tipos de competições e modalidades do Voleibol, com
origem nas diferenças étnicas, de cor, gênero, crença religiosa, portadores de deficiência,
preferência política, condição financeira, intelectual, opção sexual, idade, condição marital,
entre outras formas de exclusão social.”
41. Em mesmo sentido, tem-se o Código de Ética Confederação Internacional de Voleibol que prevê
como princípio fundamental o respeito pelas convenções internacionais de proteção de direitos
humanos, assegurando, em especial, o respeito à dignidade da pessoa humana e a rejeição a
qualquer forma de discriminação, incluindo por gênero e orientação sexual.
42. Sendo assim, diante dos diversos ordenamentos que regulam a proibição a atitudes
discriminatórias, em especial, pela a previsão da infração à conduta desportiva do artigo 243-
G, a Representante solicita que a Procuradoria denuncie o atleta Maurício Souza pelas
postagens discriminatórias a Comunidade LGBTQI+ realizadas.
DOS PEDIDOS
Pede deferimento,
CARLOS NICODEMOS
OAB/RJ nº 72.208