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Com a corda no pescoço: Vinícius Jr.

e o racismo no
futebol
Jorge Correia Santana Almeida
Graduando em Psicologia pela Universidade do Estado da Bahia. Salvador, BA,
Brasil.
27 de janeiro de 2023.

Desde que teve a venda dos seus direitos federativos concretizada como uma das
maiores da história do futebol brasileiro (CASTRO, 2017), o até então jogador do
Flamengo, Vinícius José Oliveira da Paixão Jr., conhecido como Vinícius Jr., jovem
negro, nascido na cidade de São Gonçalo, Rio de Janeiro, e que possuía apenas 16 anos
à época, passou a ter grande atenção por parte da imprensa esportiva e do mundo do
futebol como um todo (AIDAR, 2021). Junto à fama e às primeiras oportunidades no
time principal do clube carioca, vieram os primeiros atos racistas contra o jogador.
No ano de 2017, durante um programa esportivo da emissora SPORTV, no qual
estava sendo debatido ser justo ou não o valor da venda, Vinícius foi chamado por um
dos membros da bancada de “Neguebinha”, termo pejorativo usado para se referir a um
ex-jogador do Flamengo, também negro, apelidado anos antes por “Negueba” de forma
racista. O termo utilizado levou os demais integrantes do programa às gargalhadas,
evidenciando o seu teor depreciativo.
Em 2018, após expulsão em jogo contra o Botafogo, um novo ataque ocorreu,
com o jogador sendo chamado de “neguinho safado” por uma torcedora do time
adversário, que ainda se utilizou de um termo homofóbico durante a ofensa (EXTRA,
2018). Ainda no mesmo ano, o atleta foi chamado de “macaco” em uma publicação nas
redes sociais, levando o presidente do clube a se manifestar e acionar o Ministério
Público, como mostrou matéria do Globo Esporte (2018).
O racismo, no qual estão englobados atos como os citados, pode ser
compreendido como uma ideologia que estabelece a cisão entre raças humanas,
propondo características físicas comuns a determinados grupos e as relacionando com
aspectos morais, estabelecendo hierarquias que proporcionam a ideia da superioridade a
uma determinada raça (FILHO; SANTOS, 2020; FARIAS et al., 2020). Giddens
(2008), por exemplo, acredita que o tráfico de pessoas escravizadas não aconteceria se a
maior parte dos europeus não acreditasse que os negros pertenciam uma raça inferior.
No Brasil, país de origem escravocrata, por mais que o racismo tenha sido
criminalizado desde 1989 por meio da Lei 7.716 (BRASIL, XX), esportes com grande
visibilidade e exposição, a exemplo do futebol, acabam evidenciando por meio da mídia
a perpetuação desse preconceito através de gestos e falas que visam ofender, desprezar
ou agredir um determinado atleta pela cor da sua pele e características físicas, ocorrendo
por parte de torcedores e até mesmo dos profissionais de imprensa, como observado nas
reportagens citadas, o que expressa o caráter estrutural e institucional do racismo como
pontuado por Giddens (2008).
Em entrevista a Breiller Pires (2017), colunista do El País, Marcelo Carvalho,
diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, afirmou haver falta de
investigação e punição a atos racistas no esporte, considerando certa passividade por
parte da Confederação Brasileira de Futebol e dos seus dirigentes, o que acaba gerando
sensação de impunidade e fazendo com que novos atos ocorram.
Junior e Rubio (2019) criticam duramente a passividade com a qual o racismo no
esporte tem sido tratado, contando com o crescimento de manifestos, notas de repúdios
e campanhas publicitárias, mas não havendo implementação de programas pedagógicos
e metodológicos que possam combater veementemente tal problema. Os autores
repreendem ainda a forma como tem sido historicamente romantizada a resistência do
atleta negro frente à precarizações na sua jornada, dando a esta um tom meritocrático de
‘justiça social’.
Fato é que tal passividade e dificuldade no estabelecimento de punições devidas
têm sido observadas mundialmente (FARIAS et al., 2020). Na Espanha, onde Vinícius
tem jogado, decidido partidas e conquistado títulos, os ataques racistas têm sido
constantes, seja por parte da imprensa, dos colegas de profissão ou da torcida,
culminando no ato do dia 26 de janeiro de 2023, no qual torcedores do Atlético de
Madrid penduraram um boneco com a camisa do brasileiro simulando o enforcamento
do jogador em uma ponte próxima ao centro de treinamento do Real Madrid. Tal
circunstância levou Carvalho a comentar que teme pela vida do jogador, durante
participação no programa De Primeira.
Frente a esse denso histórico de violências em uma carreira ainda tão jovem,
podemos observar que a resiliência de Vinícius Jr. chama atenção, bem como a sua
gestão de carreira, que tem se mostrado muito profissional, com posicionamentos
assertivos e pontuais. Contudo, centralizar a atenção a tal aspecto é ocultar a gravidade
da incidência e recorrência de tais atos, que sim, causam danos ao sujeito.
Uma cartilha publicada em 2017 pelo Conselho Federal de Psicologia com
referências técnicas para auxiliar os profissionais da área na compreensão e adesão à
luta antirracista define três formas pelas quais o racismo impacta a subjetividade do
sujeito negro, sendo elas: crescimento e questionamento; utilização de mecanismos
psíquicos defensivos contra o racismo; e dilaceramento psíquico.
Nesse sentido, o profissional da psicologia pode contribuir no acolhimento e
tratamento dessas demandas, mas é preciso ir além, pois essa ação, por mais que seja
relevante, não trata a raiz do problema. Logo, faz-se necessário se imbuir da causa,
assumindo um posicionamento crítico e que integre a construção de projetos
antirracistas, através de políticas públicas com cunho educativo e formativo, rompendo
com o alinhamento neoliberal no qual tem se situado o esporte contemporâneo que
prioriza os interesses de mercado e de rendimento frente aos direitos sociais e humanos
(SILVA; PAULA, 2020; TRALCI FILHO; SANTOS, 2020; JUNIOR; RUBIO, 2019).
Quanto a Vinícius Jr., que possa continuar bailando, desfilando seu sorriso, e
silenciando racistas com incentivo a educação e ao crescimento de outros jovens negros
e periféricos, como visto no Instituto Vini.Jr, e como mais um gol aos 120 minutos.

REFERÊNCIAS:
AIDAR, L. Vinícius Júnior. Ebiografia, 2021. Disponível em:
<https://www.ebiografia.com/vinicius_junior/>. Acesso em: 26 jan. 2023.

Atlético de Madrid condena racismo da sua torcida contra Vinicius Junior. Globo
Esporte, 2023. Disponível em:
<https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-espanhol/noticia/
2023/01/26/atletico-de-madrid-condena-racismo-da-sua-torcida-contra-vini-jr-fatos-
repugnantes-e-inadmissiveis.ghtml>. Acesso em: 26 jan. 2023.

BRASIL. LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. Brasília, 1989. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA
%207.716%2C%20DE%205%20DE%20JANEIRO%20DE%201989.&text=Define
%20os%20crimes%20resultantes%20de,de%20ra%C3%A7a%20ou%20de%20cor>.
Acesso em: 26 jan. 2023.

CASTRO, V. Vinícius Jr. dá ao Flamengo 2ª maior venda da história do futebol


brasileiro. UOL, 2017. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-
noticias/2017/05/22/vinicius-jr-da-ao-fla-a-2-maior-venda-da-historia-do-futebol-
brasileiro.htm. Acesso em: 26 jan. 2023.

FARIAS L. G. S. NEPOMUCENO L.B. SANCHEZ NETO L. SILVA E. V. M. A


institucionalização do racismo contra negros(as) e as injúrias raciais no esporte
profissional: o contexto internacional. Movimento, 2020;26. Disponível em:
<https://doi.org/10.22456/1982-8918.104354>. Acesso em: 26 jan. 2023.

GIDDENS, A. Sociologia. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.


LOPES, L. Vinicius Jr. é alvo de fala racista em programa de TV esportivo na
Espanha. CNN, 2022. Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/vinicius-
jr-e-alvo-de-fala-racista-em-programa-de-tv-esportivo-na-espanha/>. Disponível em: 26
jan. 2023.

JUNIOR, N. F. RUBIO, K. Revisitando a “raça” e o racismo no esporte brasileiro:


implicações para a Psicologia Social. In: RUBIO, K. CAMILO, J. A. O. Psicologia
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PIRES, B. No futebol, a face mais explícita do racismo que “faz parte do jogo”. El
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<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/16/deportes/1510857476_990270.htm>.
Acesso em: 26 jan. 2023.
SILVA, F. H. A. PAULA, P. Â. F. Os Impactos do Racismo na Subjetividade do
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https://doi.org/10.1590/1982-3703003230122. Acesso em: 26 jan. 2023.

'Temo pela vida do Vini Jr.', diz Marcelo Carvalho sobre novo ato racista. UOL,
2023 Disponível em:
<https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/01/26/temo-pela-vida-
do-vini-jr-diz-marcelo-carvalho-sobre-novo-ato-racista.htm?cmpid=copiaecola>.
Acesso em: 26 jan. 2023.

TRALCI FILHO, M. A. SANTOS, A. O. Esporte, Psicologia e Racismo: É Possível


uma Psicologia do Esporte Antirracista?. Psicol cienc prof. 2020;40. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/1982-3703003230109>. Acesso em: 26 jan. 2023.

Vinicius Junior é alvo de racismo nas redes sociais, e Fla pede apuração do MP.
Globo Esporte, 2017. Disponível em:
<https://ge.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/vinicius-junior-e-alvo-de-
racismo-nas-redes-sociais-e-fla-promete-apoio-juridico.ghtml>. Acesso em: 26 jan.
2023.

Vinícius Júnior sofre racismo de jogador espanhol após eliminação do Brasil na


Copa do Mundo. Terra, 2022. Disponível em: < https://www.terra.com.br/nos/vinicius-
junior-sofre-racismo-de-jogador-espanhol-apos-eliminacao-do-brasil-na-copa-do-
mundo,a8df2a37977e53d4b77eaaec69ba11f0ged0kjxe.html>. Acesso em: 26 jan. 2023.

Xingado pela torcida do Botafogo, Vinicius Jr. sofre ofensa racial no Nilton Santos.
Extra, 2018. Disponível em: <https://extra.globo.com/esporte/flamengo/xingado-pela-
torcida-do-botafogo-vinicius-jr-sofre-ofensa-racial-no-nilton-santos-22454325.html>.
Acesso em: 26 jan. 2023.

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