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Cartão Vermelho para a Sociedade

História do racismo, identificação e ideologias no futebol

Eduardo Segatto Scalcon

Lead:

Na dia 25 de março deste ano, Vinicius José Paixão de Oliveira Junior, conhecido
internacionalmente apenas como Vini Jr., deu uma forte declaração sobre sua luta antirracista
durante sua carreira, na entrevista coletiva no pré-jogo do amistoso contra a Espanha, pela
seleção brasileira. O atacante vem sofrendo insultos racistas desde que veio atuar no futebol
europeu, em 2018 - justamente pelo Real Madrid, time espanhol, num país que já tem um
histórico de acontecimentos deste viés. Na coletiva, o jogador é questionado sobre a
importância da resistência e o combate contra estes pensamentos retrógrados, e se emociona
durante a fala, o qual cita que se fosse só por ele, já teria desistido do futebol.

Desenvolvimento 1: contexto dos casos de racismo e violência no futebol (continuação do


lead)

O “caso Vini Jr.”, como normalmente é chamado, não é apenas um caso, mas sim
inúmeros ataques direcionados a um indivíduo unicamente pela sua cor de pele. É inegável
que isso não acabará tão cedo, e não só em países europeus, mas sim no mundo inteiro.
Temos como exemplo a própria competição Libertadores e Sul Americana, que vem tendo
cada vez mais ataques racistas e xenofóbicos entre os times do continente - e realmente não é
pouca coisa, ou “casos isolados”, semelhante ao de Vini Jr. Só até a metade de 2023,
ocorreram 9 episódios envolvendo times brasileiros, e mais de 18 no total, sendo a maior parte
vinda de torcedores da arquibancada - correspondendo a um crescimento de 50% em relação
ao ano de 2022, que ocorreram 12 denúncias, como afirma o Globo Esporte. Contudo,
suponhamos que com o aumento de denúncias, haveria um aumento de casos julgados, certo?
Errado, destes 18 casos de 2023, apenas 5 foram julgados com multas de até R$500 mil reais,
o que demonstra ainda mais a negligência de tratar destes fatos por parte das federações
organizadoras - a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), e a União das
Associações Europeias de Futebol (UEFA). Não basta apenas colocar frases de
conscientização no lugar de placas de anúncios, ou aumentar o valor das multas, e esperar que
magicamente que todos se respeitem igualmente; isso é uma atitude obviamente ignorante,
pois esses indivíduos com comportamentos pífios muitas vezes saem impunes, e, escondidos
ao meio da arquibancada dos estádios, continuam proferindo palavras como “mono”,
“macaco”, “preto”, ou jogando cascas de bananas em jogadores ou pessoas que apenas
querem assistir um jogo do esporte.
Isso não apenas se restringe ao futebol internacional, temos excessivos atos de
violência no Brasil. O cenário nacional não está livre disto, e as brigas nos estádios, brigas
fora deles, e entre torcidas organizadas, infelizmente, continuam sendo comuns até o ano de
2024 - tivemos o caso mais alarmante dos últimos anos, uma tentativa de homicídios contra o
ônibus do Fortaleza, após o jogo contra o Sport de Recife, na madrugada do dia 22 de
fevereiro, às 2:21 da manhã. O ataque foi feito por torcedores da torcida organizada do time
Pernambucano, utilizando de bombas e pedras para ferir os jogadores do time adversário; dos
seis atletas que foram alvejados, os mais graves foram o goleiro João Ricardo, com seis
pontos na cabeça, e o lateral-esquerdo Escobar, com trauma cranioencefálico. Até o momento,
o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), condenou o Sport com oito jogos sem
participação da torcida, como mandante em jogos organizados pela Confederação Brasileira
de Futebol (CBF), e uma multa de R$80 mil reais - mas, os verdadeiros criminosos que
atacaram a delegação do Fortaleza ainda não foram condenados, o qual apenas prejudicam os
verdadeiros torcedores que não apoiam este tipo de movimento. Isso é apenas um exemplo
entre vários que aconteceram no Brasil; houve também brigas na final do campeonato
Cearense, entre Fortaleza e o Ceará, e entre torcedores do Avaí e do Brusque, pela semifinal
do Catarinense.
Dentre os casos de racismo que mais repercutiram recentemente, temos os insultos
racistas contra o pai do jogador promissor Endrick, em um jogo da seleção brasileira pré-
olímpica, e contra o jogador Robert Renan do Internacional, após perder um pênalti no
Gauchão.Todavia, ainda existem mais acontecimentos e casos que passam despercebidos ou
que não ganham atenção da mídia; não só dentro do gramado, mas também nas redes sociais.

Desenvolvimento 2: Racismo contemporâneo e sua estrutura

Mesmo após 136 anos depois da abolição da escravatura, a sociedade ainda continua
com tantos pensamentos retrógrados e desprezíveis. Como afirma Daniel da Conceição -
doutor em Educação, colunista na revista Ludopédio, e professor do ensino médio,
entrevistado pela Madagascar, quando perguntado sobre qual o motivo de ainda haver racismo
e xenofobia atualmente - estamos vivendo um “processo civilizador”, que é o reconhecimento
da identidade de novas culturas, costumes, ideias, pluralidade… Em outras palavras, a
sensibilização. Para comparação, experimente assistir programas de TV aberta dos 80, 90; a
quantidade de piadas racistas, homofóbicas, misóginas, e xenofóbicas era extremamente
maior, pelo fato de ser aceito como algo comum. O ponto é que hoje há muito mais meios
para as pessoas se expressarem, além de ser divulgado com muito mais frequência - naqueles
tempos, não se tinha uma sensibilidade ou conhecimento de um ato que hoje é constituído
como crime. No entanto, por que, mesmo com este processo civilizatório, os marcos de
séculos atrás continuam? O segredo está no ressurgimento de grupos de extrema direita, que
trazem de volta pautas enraizadas como o ódio contra a população negra, acreditadas que
estavam já superadas pelo processo civilizador. Isso está intrinsecamente ligado não só ao
futebol, mas nos esportes em geral, pelo fato de ele ser um reflexo, uma dramatização sobre a
sociedade e seus costumes - pois ele não é uma entidade à parte, ele faz parte da estrutura da
comunidade.
A marca do racismo sempre se estrutura no bode expiatório; culpar alguém descarrega
a frustração e a infelicidade do indivíduo. Isto é coerente para se analisar no futebol, pois,
como é um esporte, a questão da derrota, má atuação por parte do atleta, ou simplesmente
rivalidade entre torcidas, dão motivos para as pessoas vociferarem ofensas e injúrias raciais,
as quais são consequências de preconceitos idealizados no sujeito, ou atos de expurgo para
evitar que determinada situação aconteça novamente. A justificativa para justificar o
injustificável normalmente são questões da vida pessoal e profissional do atleta, apontando
falhas emocionais, técnicas ou físicas.
O desafio dessa discussão, no entanto, é quando jogadores renomados, bem-sucedidos
profissionalmente e pessoalmente são xingados e bestializados por torcedores; entre eles,
temos internacionalmente Romero Lukaku, Mario Balotelli, e, hodiernamente, Vinicius Jr.,
principal alvo na Espanha. Quanto mais talento e sucesso Vini alcança, mais incomodados tais
indivíduos ficam, especialmente por ter vindo de um lugar mais pobre e estar concentrado na
sua carreira; portanto, a figura do bode expiatório não se encaixa neste cenário. Todo o ódio,
rancor e raiva direcionado a ele é nada mais nada menos que admiração, porém, uma
admiração repleta de inveja. E certamente isso não é exclusivo dele; qualquer jogador, ou
jogadora, não classificada no padrão europeu idealizado há séculos, irá sofrer do mesmo,
proporcionalmente a quanto ele conquistou.
Tais ações não são nenhum um pouco recentes, como apontado por uma entrevista que
o jogador Tinga, ex-Internacional e Cruzeiro, deu à equipe Charla Podcast. De acordo com o
atleta, desde quando começou no futebol, o racismo e ofensas eram comuns, ou seja, tal
pensamento de que aquilo era “normal” vinha desde criança. Ainda, o próprio faz um paralelo
com o caso de racismo que sofreu em 2014, em uma partida entre Cruzeiro e Real Garcilaso,
o qual toda vez que tocava na bola, torcedores do time peruano imitavam sons de macaco para
ele; no fim da partida, o atleta ficou confuso quando toda a imprensa veio até ele para
comentar das diversas ofensas, pois já tinha acontecido muitas vezes antes, sem repercussão
alguma. Consoante à Tinga, o jogador Felipe Melo, capitão do Fluminense, comenta sobre a
negligência das ações tomadas contra tais pessoas, em uma entrevista dada ao Globo Esporte:
“Tem câmera suficiente para pegar o cara e levar para a cadeia direto. O cara fez racismo com
o Vinicius Jr, o Felipe Melo, não importa, com qualquer um... Se for racista, tem que ser
preso. Quando começarem a fazer isso aí vão diminuir. Já falei para a Conmebol não mostrar
a cara do racista. O torcedor quer mídia. O cara imitou macaco, foi preso, ficou uma hora
preso, e imitou macaco de novo para a câmera porque ele sabe que não vai acontecer nada
com ele”.
Nesse sentido, vale citar que tais ações não acontecem só no âmbito profissional, isso
é impregnado desde a base dos jogadores, especialmente com o racismo recreativo. Segundo
Daniel, que trabalhou seu doutorado e mestrado com a juventude, este tipo de racismo
acontece dentro dos próprios grupos, ou seja, com brincadeiras do tipo “ele faz comigo, eu
também faço com ele”, ou adjetivos atribuídos a cor de pele. Tudo isso decorre de um
problema profundamente social, então precisa-se agir primeiro dentro de escolas, combatendo
o individualismo pleno, pois, como já dito, o esporte é um reflexo dos seres hoje chamados
homo sapiens.
Contudo, é inusitado como tantos pensamentos ultrapassados ainda existam, mesmo
havendo time com uma história de apoio a estas minorias, ou até ídolos que são de cor de pele
escura, considerados os melhores de todos os tempos, tal como Pelé ou Leônidas. Para Daniel,
isso pode ser explicado por meio de uma das dinâmicas da temática racial, que surge desde o
período da escravidão. Os negros que eram mais submissos, os que eram “bons moços” por
assim dizer, eram tratados com mais tranquilidade, e recebiam privilégios de seu senhores; já
os negros mais revoltosos e desobedientes eram mais castigados, atacados e violentados de
diversas formas. Simultâneamente, os negros hoje em dia que são acomodados, quietos,
fazem sua parte e sem aparecer, é ótimo para o grupo - agora vemos atletas tipo Vini Jr., um
dos melhores no mundo, que mesmo fazendo brincadeiras e suas festas, é uma pessoa
centrada, focada no esporte, ou seja, quando não está treinando com o grupo, está na
academia; basicamente é um profissional de excelência que traz resultados, e, juntamente com
estas conquistas, vem todos os ataques e xingamentos.
Nesse debate, há questionamentos de que Pelé não sofreu tanto com o preconceito, ou
até que não lutou pela causa enquanto jogava, o que é uma enorme equivocação. Naquela
época, o racismo era tão impregnado na sociedade que não havia maneira de ele se expressar,
como já dito por Daniel. Em contrapartida, sua influência era tão grande que o próprio não
precisava discutir ou falar sobre o assunto, sua presença já era o suficiente para ser uma marca
na sociedade - e destaque que estamos falando dos anos 60, início dos anos 70, quando existia
a lei de Jim Crow nos Estados Unidos (já sendo um país modelo para o mundo), o qual
separava ônibus, bebedouros e banheiros para os negros.

Desenvolvimento 3: A história do negro no futebol

A chegada do futebol no Brasil ocorreu no início do século XX, importado da


Inglaterra pela elite branca e imigrantes europeus. O esporte se tornou algo exclusivo das
famílias mais ricas por ser algo novo e de difícil acesso às camadas populares, além do
racismo científico estar no mais alto auge, o qual se baseia na hierarquização de raças, por
meio da teoria da evolução de Darwin. Tais ideias se tornaram comuns na sociedade brasileira
em todos os aspectos, e, no futebol, não seria diferente - os grandes clubes das capitais não
aceitavam negros por serem considerados incapazes e irracionais para serem bons o
suficiente.
Porém, todos estes empecilhos não foram suficientes para impedir que a população
mais pobre conseguisse ter acesso ao desporto, e, aos poucos, alguns clubes começaram a
aceitar e contratar negros. Este foi o caso da Ponte Preta, de Campinas, sendo o primeiro time
a ser fundado por uma pessoa com origem não branca ou europeia - conhecido como Miguel
de Carmo. Porém, os feitos mais simbólicos foram feitos pelo Bangu, primeiro time a escalar
um afrodescendente como atleta em uma partida oficial, Francisco Carregal, em 1905; esta
atitude fez com que a Liga Metropolitana de Football (equivalente a atual Federação de
Futebol do Estado do Rio de Janeiro) emita uma nota proibindo registros de “pessoas de cor”
como atletas amadores de futebol - fazendo com que o time abandonasse a liga -, e impondo a
Lei do Amadorismo, restrigindo que atletas de futebol ganhassem dinheiro jogando o esporte,
o qual dificultou a entrada de negros. Mas é o Vasco da Gama o pioneiro na igualdade racial,
por conquistar o primeiro título com um time inteiramente formado por operários de fábricas
do subúrbio - o campeonato carioca de 1923, despertando a ira dos outros times da elite, como
Flamengo, Fluminense e Botafogo. Sentindo-se intimidados pelo título inédito do cruz-
maltino, as equipes perdedoras formaram uma nova liga, a Associação Metropolitana de
Esportes Athléticos (AMEA), negando a entrada dos “camisas negras”, pedindo que todos os
12 atletas do time titular fossem demitidos, que, coincidentemente eram todos operários e
negros. Sendo assim, a associação vascaína deu a “Resposta Histórica”, nome dado a carta em
que o time nega a retirada de seus jogadores, e assim, a recusa da AMEA - esse fato faz 100
anos esse atualmente, o qual foi homenageado com a projeção da camisa dos camisas negras
na Cristo Redentor, no dia 7 de abril. Conforme cita Daniel, é crucial que eventos históricos
como este sejam divulgados, para representar que essa luta começou a muitos anos na
sociedade, entretanto, é infeliz de outro ponto de vista, pois demonstra que coisas que
aconteceram um século atrás ainda persistam, contudo, é abordado de uma forma muito mais
aberta e afronta
Outro time reconhecido pela sua história pela igualdade entre as raças é o
Internacional de Porto Alegre. Sua origem vem do surgimento do seu time rival, o Grêmio, o
qual, fundado por Cândido Dias da Silva, descendente de alemães, permitia apenas pessoas
oriundas de europeus, excluindo grande parte da população de Porto Alegre da época. Com a
maior associação de futebol da cidade sendo restrita a um grupo seleto de pessoas, três
irmãos, Henrique Poppe Leão, José Eduardo Poppe, e Luiz Madeira Poppe, resolveram criar
seu próprio clube, que abrange todas as etnias e nacionalidades, por isso seu nome,
Internacional. Desde a fundação do time, o saci e o macaco sempre foram os principais
símbolos e mascotes, justamente para contrapor o seu rival, Grêmio, que apenas permitiu a
entrada de “pessoas com cor” a partir de 1952.
Todavia, o reconhecimento do negro no futebol começou após a profissionalização do
esporte, em 1933, fazendo os clubes darem mais valor ao nível técnico dos jogadores, ao
invés da sua cor de pele. Desta maneira, o Brasil teve a oportunidade de ver grandes nomes
atuarem nacionalmente, sendo a maioria de pele escura, passando a ser justamente contra o
que Epitácio Pessoa, presidente do Brasil entre 1919 e 1922, pensava - justificava que a
seleção canarinha devia ser composta apenas por brancos para representar uma imagem do
“melhor da sociedade brasileira” (tal ideia que ainda perdurou nos seus sucessores). Como
exemplos de grandes atletas mestiços e não brancos, temos Arthur Friedenreich - filho de um
alemão e com uma brasileira negra - sendo o autor do gol que deu o primeiro título à seleção
brasileira, em 1919. Indo mais a frente, temos Leonidas, o “Diamente Negro” da Copa do
Mundo de 1938, na França; além de Domingos da Guia, Barbosa, Nilton Santos, entre muitos
outros, que foram conquistandos seu espaço ao decorrer do tempo.
Mesmo com o surgimento de muitos craques após a década de 20, o racismo não
deixou de ser visível, sendo um desafio para uma população inteira mundialmente. Entretanto,
é fato que o Brasil não teria todo o seu valor no âmbito do desporto se não fosse pela luta dos
marginalizados e pobres pelo o seu reconhecimento - e isso impacta ainda mais quando
lembramos de Edson Arantes do Nascimento (1940-2022), conhecido apenas como Pelé, ou
até mesmo Rei do Futebol, conquistou o mundo três vezes com a amarelinha, se consagrando
o maior futebolista de todos os tempos, não precisando deixar seu cabelo mais liso para ter
valor para uma grande parcela da sociedade.

Desenvolvimento 4: Identificação, ideologias e a ditadura no esporte

A partir da metade do século XX, a identidade brasileira deixou de ser idealizada


como de pele clara, mas sim como um povo miscigenado e multicultural, o qual consegue ser
tão vasto devido a sua extensão territorial.Isso foi adquirido por meio das ideias de sociólogos
como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, com suas obras, Raízes do Brasil, e
Casa-Grande e Senzala, respectivamente - ambas as obras se aprofundaram no estudo da
origem da sociedade brasileira, analisando o processo de construção histórica da uma colônia
de exploração, para o país que conhecemos hoje.
Em todos os acontecimentos históricos nos mais de 520 anos de existência, o que mais
chama a atenção é com certeza o período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, o qual
completou 60 anos no início do mês de abril. Nessa época, a narrativa de crescimento
econômico e um povo unido era essencial para o governo, ou seja, a propaganda era usada a
todo o momento para deixar a imagem de um Brasil que melhorou com os militares, e,
obviamente, o futebol não ia escapar disto. Portanto, enquanto a perseguição e tortura se
tornavam comuns, o governo deixou as ideias de preconceito para trás, e todos os talentos que
apareciam no futebol - independente da sua cor de pele - passou a ser valorizado. No governo
de Garrastazu Médici (1969-1974), a seleção brasileira ganhou sua terceira Copa do Mundo
no México, levando a taça Julies Rimet para casa. Com essa grande conquista, o governo logo
percebeu a oportunidade e a influência que o futebol tinha para controlar as mídias e a
população - na volta ao Brasil, a primeiro foto tirada foi de Médici e Pelé juntos com taça,
com as seguintes frases: “O caneco é nosso”, “Ninguém mais segura esse país”, ou “Brasil:
Ame-o, ou deixe-o”, em outras palavras, o mais puro ufanismo
Porém, não foi só na propaganda política que o governo utilizou do desporto, houve
também a interferência em diversos jogos e competições por trás dos panos. No ano de 1971,
foi criado efetivamente o “Brasileirão”, campeonato nacional onde os melhores times se
enfrentavam. A principal ideia era ganhar o apelo popular em estados que a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) ia mal, direcionando os votos para o governo. Por este
motivo, criou-se o ditado popular nos anos 70 de “onde a ARENA vai mal, mais um time no
nacional”, justamente por cada ano haver mais e mais times no campeonato, até chegar ao
ponto de haver 94 times na mesma competição, no ano de 1979. Ademais, no ano de 1970
(aquele mesmo do tricampeonato), a seleção era conhecida como “Os feras do Saldanha”,
pelo fato do técnico ter conseguido 100% de aproveitamento nas eliminatórias; porém, foi
demitido 6 dias antes de ir para a Copa do Mundo pois não convocou Dario, também chamado
de Dadá Maravilha, que era o preferido por Médici.
Vale destacar também movimentos democráticos que aconteceram no fim da ditadura
por parte dos times brasileiros. O movimento “Democracia Corinthiana”, nome criado pelo
publicitário Washington Olivetto, tinha como principais líderes os jogadores Sócrates,
Casagrande, Zenon e Wladmir. Nela, todas as decisões feitas no clube eram em conjunto, com
o voto do faxineiro e do técnico tendo o mesmo valor- e dentro dos gramados o impacto foi
maior ainda, quando, em 82, os jogadores entraram com a frase “Diretas Já!” escrita na
camisa, incentivando a população a votar nos governadores dos estados, sendo essa a primeira
eleição direta desde 1960.
Indo além para outros países, temos as supostas manipulações feitas pelo governo da
Argentina na Copa de 1978; quando os albicelestes precisavam de no mínimo quatro gols para
passar, e, ironicamente, golearam o Peru por seis gols - obviamente com suspeitas de suborno
para o goleiro e outros jogadores. Já no Chile, Augusto Pinochet simplesmente resolveu
transformar o Estádio Nacional de Santiago em uma prisão provisória para os detentos, os
quais eram torturados e até mortos. Tamanha desumanidade foi tanta que até hoje o estádio
conserva uma área em memorial aos que morreram lá, e, em 76, a União Soviética resolveu
perder de WO para os chilenos para não jogarem no estádio, numa eliminatórias da Copa do
Mundo.
Atravessando o Atlântico, as ditaduras na Europa também tinham suas intervenções.
Na Espanha, no início da ditadura de Francisco Franco, os maiores clubes do país eram o
Atlético de Bilbao, e o Barcelona, ambos de regiões separatistas e contrárias ao governo.
Vendo a ameaça que isso tinha, o ditador resolveu dar uma “ajudinha” ao time da capital, o
Real Madrid (que não estava em boa fase), amenizando dívidas, contratando jogadores como
Di Stéfano, e construindo um estádio para o mesmo em apenas 3 anos, num país pós guerra.
Não é de surpresa que os merengues conseguiram chegar a diversos campeonatos nacionais e
intercontinentais, rivalizando com o Barcelona da Catalunha. Um pouco mais próximo, na
Itália, Mussolini e seus políticos organizaram toda a distribuição de times para não se
concentrarem apenas no norte, para abrangerem todo o país - novamente, para apoio popular.
Foi assim que times fortes como o Napoli, Roma, e a Fiorentina surgiram, por meio da junção
de times pequenos.

Desenvolvimento/Conclusão 5: Futebol como resistência e processo civilizador

No fim, é fato de que o futebol e os esportes podem ser usados como ferramentas
políticas para controlar as massas ou criar narrativas, seja para uma ditadura, ou para apoiar a
democracia. Todavia, não é apenas isso; o processo de identificação de uma nação, a luta de
reconhecimento e igualdade por um povo, movimentos pela vontade da população,
movimentos contra o racismo, a união entre indivíduos, o reflexo e dramatização da sociedade
- tudo isso vai além de uma ferramenta - ele é um tipo de resistência que move o mundo, uma
cultura, uma arte, acima de apenas chutar uma bola ao gol.

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