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Disponível em:
<https://www.metropoles.com/brasil/caso-genivaldo-prf-poe-sigilo-de-100-anos-em-processos-contra-agentes>.
Acesso em 23/06/2022.
Caso Genivaldo: PRF põe sigilo de 100 anos em processos contra
agentes Metrópoles solicitou acesso à íntegra dos processos
administrativos já conclusos envolvendo os policiais. Resposta da PRF
contraria CGU
Tácio Lorran
23/06/2022 2:00,atualizado 23/06/2022 7:02
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) negou acesso a procedimentos
administrativos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus
Santos, de 38 anos, em Umbaúba, Sergipe. A corporação alegou se tratar de
“informação pessoal”, o que, na prática, impõe sigilo de 100 anos sobre as
informações.
Genivaldo foi morto em 25 de maio deste ano em uma espécie de “câmara
de gás” improvisada por policiais no porta-malas de uma viatura, após ser
abordado por estar sem capacete.
Via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Metrópoles solicitou a quantidade,
os números dos processos administrativos e acesso à íntegra dos autos já
conclusos envolvendo os cinco agentes que assinaram o boletim de
ocorrência policial sobre a abordagem. São eles: Clenilson José dos Santos,
Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de
Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas.
Nessa segunda-feira (20/6), a PRF respondeu a demanda e se recusou a
informar, até mesmo, a quantidade de processos administrativos envolvendo
os policiais. A resposta contraria entendimento da Controladoria-Geral da
União (CGU), que já se manifestou a favor da divulgação do teor de
procedimentos concluídos.
“Informo que trata-se de pedido de informação pessoal de servidores desta
instituição, conforme inciso IV, do art. 4º da Lei 12.527 (lei de acesso à
informação)“, alegou a corporação.
Um outro parágrafo citado pela PRF diz que cabe ao órgão assegurar a
“proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua
disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso”.
“Configura, inclusive, conduta ilícita divulgação de informação pessoal”,
acrescentou o órgão.
O texto da LAI define, no entanto, que “informações pessoais, relativas à
intimidade, vida privada, honra e imagem”, terão seu acesso restrito pelo
prazo máximo de 100 anos. Não é o caso de ações relativas à conduta
profissional dos servidores.
O Metrópoles recorreu da decisão. Isso porque a Controladoria-Geral da
União consolidou o entendimento de que qualquer cidadão pode consultar
os processos administrativos disciplinares, caso tenham sido concluídos. O
enunciado que define essa conclusão foi publicado no Diário Oficial da
União (DOU), em junho de 2016.
A PRF têm ciência desse entedimento. No ano passado, a reportagem
solicitou à corporação acesso aos procedimentos administrativos envolvendo
o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques. Em um primeiro momento, o órgão
forneceu apenas a quantidade de procedimentos e os respectivos números,
mas também alegou conter informações pessoais e impôs sigilo de 100 anos
sobre o conteúdo.
Nesse caso, o Metrópoles contestou até a penúltima instância, e a CGU
determinou a divulgação dos procedimentos administrativos conclusos,
“permitindo-se o tarjamento apenas de informações estritamente privadas ou
pessoas sensíveis”.
…
2. Pois bem, Excelência. A Constituição determina a publicidade dos atos estatais como
regra em diversos dispositivos, deixando evidente que o sigilo é uma exceção:
Art. 5º
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a
defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
Art. 40.
§ 22. Vedada a instituição de novos regimes próprios de previdência social,
lei complementar federal estabelecerá, para os que já existam, normas gerais
de organização, de funcionamento e de responsabilidade em sua gestão,
dispondo, entre outros aspectos, sobre:
VII - estruturação do órgão ou entidade gestora do regime, observados os
princípios relacionados com governança, controle interno e transparência;
Art. 93.
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação
Art. 212-A.
X - a lei disporá, observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e
IV do caput e no § 1º do art. 208 e as metas pertinentes do plano nacional de
educação, nos termos previstos no art. 214 desta Constituição, sobre:
d) a transparência, o monitoramento, a fiscalização e o controle interno,
externo e social dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo,
assegurada a criação, a autonomia, a manutenção e a consolidação de
conselhos de acompanhamento e controle social, admitida sua integração
aos conselhos de educação;
Art. 216-A.
§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de
cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e
rege-se pelos seguintes princípios:
IX - transparência e compartilhamento das informações;
10. A jurisprudência das democracias livres caminha no mesmo sentido. No caso New
York Times Co. v. United States (1971), julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, a
liberdade de imprensa foi sopesada frente ao interesse do Estado. Na ocasião, a Suprema
Corte Norte-Americana estabeleceu que a liberdade de imprensa deveria se sobrepor ao
interesse do Estado, pois a regra deve ser o direito do detentor do poder, o povo, à
informação, só podendo ser limitado em casos que assim exigem a segurança nacional.
11. Desse julgamento pela Suprema Corte do Estados Unidos, podemos colher lições
valiosas que se aplicam em mesma medida ao caso apresentado nos autos, sob pena de
estabelecermos um precedente, deveras, perigoso à liberdade pessoal de todos os jornalistas e
da liberdade de imprensa como um todo.
12. Também no julgamento do caso Sullivan v. New York Times, a Suprema Corte
Americana assentou que as pessoas públicas, mesmo em vista da publicação de fato
inverídico ofensivo sobre a sua reputação, só serão indenizadas se provarem que o
responsável agiu com dolo real ou eventual. Essa decisão tinha como objetivo preservar as
manifestações públicas sobre temas importantes, fomentando os debates sociais e o direito à
informação.
13. No mesmo sentido, o princípio do controle social (accountability) impõe a todo Poder
Público a disponibilização de informações para a fiscalização de seus atos pela sociedade.
14. Sobre o tema, a própria Controladoria-Geral da União (CGU) tem cartilha em que
assim se manifesta:
16. O artigo 5º, XXXIII, afirma em quais hipóteses o princípio da publicidade nas
informações de interesse coletivo pode ser afastado: informações cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. É de clareza meridiana que não há
hipótese de restrição à transparência da matéria.
17. Desta feita, a decretação de sigilo sobre tais documentos não encontra respaldo nos
dispositivos constitucionais, violando diretamente a Constituição em seus artigos 5º, XXXIII,
e 37.
18. Por fim, o STF tem posicionamento firme pela publicidade das informações de
interesse coletivo:
21. O alegado fundamento para a decretação do sigilo seria a proteção de dados pessoais.
Contudo, é perfeitamente sabido que a tutela transparente da coisa pública é
perfeitamente compatível com a proteção do sigilo dos dados pessoais. No caso concreto,
por exemplo, bastaria que o órgão administrativo liberasse acesso aos documentos do
processo com eventuais apagamentos daquelas partes que contemplam dados que
merecem a proteção constitucional, normalmente com a aposição de tarjas de leitura.
Esse procedimento é deveras comum em toda a Administração Pública, não havendo
qualquer motivo razoável para que o órgão policial se sinta melhor do que os demais e
imponha um inconstitucional sigilo geral.
2
Disponível em:
<https://in.gov.br/en/web/dou/-/enunciado-n-4-de-10-de-marco-de-2022-385474869>. Acesso em
23/06/2022
23. Note-se, Excelência, que as condutas relatadas são graves. Ora, censura é repressão e
opressão. Restringe a informação, limita o acesso ao conhecimento, obstrui o livre expressar,
o pensado e o sentido. Sem liberdade de imprensa – o que não existe sem acesso a dados de
claro interesse público –, teremos um caminho trilhado rumo ao obscurantismo autoritário,
que, ao que parece, insiste em ainda se mostrar vivo nos seios mais profundos de nossa
sociedade.
24. Dito tudo isso, solicitamos a Vossa Excelência, na qualidade de chefe do Ministério
Público Federal, a tomada de providências urgentes em relação aos fatos narrados na
presente representação, com a atuação fiscalizatória inerente ao Parquet, com a finalidade de
apurar não só todos os fatos relacionados ao caso concreto, mas também a prática
institucionalizada de diversos órgãos de se utilizar de pretensa proteção a dados pessoais para
limitar o acesso a informações públicas indispensáveis ao efetivo controle social do Estado.