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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES, Senador da República, com


domicílio profissional na Avenida Procópio Rola, nº 2326, Bairro Santa Rita, Macapá - AP,
CEP: 68.901-076, JOENIA BATISTA DE CARVALHO, brasileira, Deputada Federal,
indígena Wapichana, portadora da cédula de identidade nº 90475, inscrita no CPF sob o nº
323.269.982-00, com endereço profissional na Praça dos Três Poderes, Câmara dos
Deputados, Anexo IV, Gabinete nº 231, Brasília/DF, CEP 70160-900, e TÚLIO GADÊLHA
SALES DE MELO, brasileiro, Deputado Federal, portador da cédula de identidade nº
7.808.203 SDS-PE, inscrito no CPF sob o nº 060.162.984-17, com endereço profissional na
Praça dos Três Poderes, Câmara dos Deputados, Gabinete 360 - Anexo IV, vêm apresentar,
com fulcro no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal, a presente
REPRESENTAÇÃO para requerer a este D. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a
tomada de todas medidas cabíveis para a investigação dos atos do Governo Federal que
impõem sigilo indevido a processos administrativos a fim evitar o devido controle social das
condutas de agentes públicos, pelos fatos e fundamentos que passa a sucintamente narrar.

1. Reportagem do Metrópoles do dia de hoje mostra mais um caso (dentre tantos


outros que são facilmente encontrados na imprensa) de imposição, sem qualquer
fundamento ou baliza constitucional razoável, de sigilo a atos governamentais para que os
agentes públicos do Governo Jair Bolsonaro se furtem a responder perante o necessário e
impositivo constitucional controle social dos atos públicos. Para que não restem dúvidas,
veja-se o teor do texto que veiculou o assunto1:

1
Disponível em:
<https://www.metropoles.com/brasil/caso-genivaldo-prf-poe-sigilo-de-100-anos-em-processos-contra-agentes>.
Acesso em 23/06/2022.
Caso Genivaldo: PRF põe sigilo de 100 anos em processos contra
agentes Metrópoles solicitou acesso à íntegra dos processos
administrativos já conclusos envolvendo os policiais. Resposta da PRF
contraria CGU
Tácio Lorran
23/06/2022 2:00,atualizado 23/06/2022 7:02
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) negou acesso a procedimentos
administrativos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus
Santos, de 38 anos, em Umbaúba, Sergipe. A corporação alegou se tratar de
“informação pessoal”, o que, na prática, impõe sigilo de 100 anos sobre as
informações.
Genivaldo foi morto em 25 de maio deste ano em uma espécie de “câmara
de gás” improvisada por policiais no porta-malas de uma viatura, após ser
abordado por estar sem capacete.
Via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Metrópoles solicitou a quantidade,
os números dos processos administrativos e acesso à íntegra dos autos já
conclusos envolvendo os cinco agentes que assinaram o boletim de
ocorrência policial sobre a abordagem. São eles: Clenilson José dos Santos,
Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de
Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas.
Nessa segunda-feira (20/6), a PRF respondeu a demanda e se recusou a
informar, até mesmo, a quantidade de processos administrativos envolvendo
os policiais. A resposta contraria entendimento da Controladoria-Geral da
União (CGU), que já se manifestou a favor da divulgação do teor de
procedimentos concluídos.
“Informo que trata-se de pedido de informação pessoal de servidores desta
instituição, conforme inciso IV, do art. 4º da Lei 12.527 (lei de acesso à
informação)“, alegou a corporação.
Um outro parágrafo citado pela PRF diz que cabe ao órgão assegurar a
“proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua
disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso”.
“Configura, inclusive, conduta ilícita divulgação de informação pessoal”,
acrescentou o órgão.
O texto da LAI define, no entanto, que “informações pessoais, relativas à
intimidade, vida privada, honra e imagem”, terão seu acesso restrito pelo
prazo máximo de 100 anos. Não é o caso de ações relativas à conduta
profissional dos servidores.
O Metrópoles recorreu da decisão. Isso porque a Controladoria-Geral da
União consolidou o entendimento de que qualquer cidadão pode consultar
os processos administrativos disciplinares, caso tenham sido concluídos. O
enunciado que define essa conclusão foi publicado no Diário Oficial da
União (DOU), em junho de 2016.
A PRF têm ciência desse entedimento. No ano passado, a reportagem
solicitou à corporação acesso aos procedimentos administrativos envolvendo
o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques. Em um primeiro momento, o órgão
forneceu apenas a quantidade de procedimentos e os respectivos números,
mas também alegou conter informações pessoais e impôs sigilo de 100 anos
sobre o conteúdo.
Nesse caso, o Metrópoles contestou até a penúltima instância, e a CGU
determinou a divulgação dos procedimentos administrativos conclusos,
“permitindo-se o tarjamento apenas de informações estritamente privadas ou
pessoas sensíveis”.

2. Pois bem, Excelência. A Constituição determina a publicidade dos atos estatais como
regra em diversos dispositivos, deixando evidente que o sigilo é uma exceção:

Art. 5º
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a
defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos
órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação
social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na
administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a
avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações
sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo
de cargo, emprego ou função na administração pública.

Art. 40.
§ 22. Vedada a instituição de novos regimes próprios de previdência social,
lei complementar federal estabelecerá, para os que já existam, normas gerais
de organização, de funcionamento e de responsabilidade em sua gestão,
dispondo, entre outros aspectos, sobre:
VII - estruturação do órgão ou entidade gestora do regime, observados os
princípios relacionados com governança, controle interno e transparência;

Art. 93.
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação

Art. 163-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


disponibilizarão suas informações e dados contábeis, orçamentários e
fiscais, conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão
central de contabilidade da União, de forma a garantir a rastreabilidade, a
comparabilidade e a publicidade dos dados coletados, os quais deverão ser
divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público.

Art. 212-A.
X - a lei disporá, observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e
IV do caput e no § 1º do art. 208 e as metas pertinentes do plano nacional de
educação, nos termos previstos no art. 214 desta Constituição, sobre:
d) a transparência, o monitoramento, a fiscalização e o controle interno,
externo e social dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo,
assegurada a criação, a autonomia, a manutenção e a consolidação de
conselhos de acompanhamento e controle social, admitida sua integração
aos conselhos de educação;

Art. 216-A.
§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de
cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e
rege-se pelos seguintes princípios:
IX - transparência e compartilhamento das informações;

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

3. É sabido que a censura e a repressão aos meios de imprensa – aqui manifestadas na


negativa do devido acesso a informações que deveriam ser públicas – são instrumentos de
preferência dos governos autoritários. Por meio do cerceamento de ideias e da limitação do
dissenso, os autocratas pretendem monopolizar o mercado de ideias e fazer prevalecer a
noção de que seu governo é imune a críticas.

4. Além do texto da Carta Magna, o direito de informação e a liberdade de imprensa e de


expressão estão delineados em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é
signatário. Podemos citar, para esse fim, os seguintes:

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948


Art. 19 - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este
direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras.
---
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966 (internalizado pelo
Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992)
Art. 19
1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a
liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer
natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou
por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de
sua escolha.
--
Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 (internalizada pelo
Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992)
Art. 13
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse
direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e
idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por
escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo
de sua escolha.
O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à
censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei a ser necessária para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral pública.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos,
tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa,
de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na
difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar
a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

5. Consoante lição de J. J. Gomes Canotilho, “a liberdade de expressão permite


assegurar a continuidade do debate intelectual e do confronto de opiniões, num compromisso
crítico permanente”. Segundo esse autor, tal qualidade lhe permite integrar o “sistema
constitucional de direitos fundamentais, deduzindo-se do valor da dignidade da pessoa
humana e dos princípios gerais de liberdade e igualdade”.

6. A liberdade de expressão está amplamente consagrada no âmbito do Direito


Internacional dos Direitos Humanos, conforme se observa em diplomas como Declaração
Universal dos Direitos Humanos (art. 19), Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 19),
Convenção Européia de Direitos Humanos (art. 10), Convenção Interamericana de Direitos
Humanos (art. 13) e na Carta Africana de Direitos Humanos (art. 9º).

7. Nesse contexto, o princípio dez da Declaração de Joanesburgo, conforme destacado


por ocasião do julgamento da ADI 4815/DF, de relatoria da Min. Carmen Lúcia, obriga os
governos a condenarem ações que reprimam a liberdade de expressão:
Os governos são obrigados a tomar medidas razoáveis no sentido de impedir
grupos privados ou indivíduos de interferirem ilegalmente no exercício
pacífico da liberdade de expressão, mesmo quando a expressão for de crítica
em relação ao governo ou às suas políticas. Os governos são, em particular,
obrigados a condenar ações ilegais que visem silenciar a liberdade de
expressão, e a investigar e apresentar à justiça os responsáveis.

8. Em paralelo e de forma complementar à liberdade de expressão, a liberdade de


imprensa é reconhecidamente um dos pilares dos Estados Democráticos de Direito, e a
plenitude de seu exercício já foi objeto de manifestação pelo Poder Judiciário por diversas
ocasiões. Relativamente à atividade jornalística, assentou-se entendimento no sentido de
impossibilidade de separação entre a liberdade de imprensa e a de expressão: “O jornalismo e
a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria
natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada” (RE 511.961, rel. min.
Gilmar Mendes)

9. No presente caso, temos justamente o oposto do que se poderia esperar de um Estado


civilizado, sendo evidente sua relação com a conduta do presidente da República e sua
motivação política.

10. A jurisprudência das democracias livres caminha no mesmo sentido. No caso New
York Times Co. v. United States (1971), julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, a
liberdade de imprensa foi sopesada frente ao interesse do Estado. Na ocasião, a Suprema
Corte Norte-Americana estabeleceu que a liberdade de imprensa deveria se sobrepor ao
interesse do Estado, pois a regra deve ser o direito do detentor do poder, o povo, à
informação, só podendo ser limitado em casos que assim exigem a segurança nacional.

11. Desse julgamento pela Suprema Corte do Estados Unidos, podemos colher lições
valiosas que se aplicam em mesma medida ao caso apresentado nos autos, sob pena de
estabelecermos um precedente, deveras, perigoso à liberdade pessoal de todos os jornalistas e
da liberdade de imprensa como um todo.
12. Também no julgamento do caso Sullivan v. New York Times, a Suprema Corte
Americana assentou que as pessoas públicas, mesmo em vista da publicação de fato
inverídico ofensivo sobre a sua reputação, só serão indenizadas se provarem que o
responsável agiu com dolo real ou eventual. Essa decisão tinha como objetivo preservar as
manifestações públicas sobre temas importantes, fomentando os debates sociais e o direito à
informação.

13. No mesmo sentido, o princípio do controle social (accountability) impõe a todo Poder
Público a disponibilização de informações para a fiscalização de seus atos pela sociedade.

14. Sobre o tema, a própria Controladoria-Geral da União (CGU) tem cartilha em que
assim se manifesta:

O direito à informação e o controle social:


A participação ativa do cidadão no controle social pressupõe a
transparência das ações governamentais. No subitem 2.6.3 falaremos
sobre o Portal da Transparência. Esse portal reúne informações sobre o uso
do dinheiro público pelo Governo Federal e os disponibiliza para todo o
cidadão brasileiro, privilegiando uma relação governo-sociedade fundada na
transparência e na responsabilidade social. O governo deve propiciar ao
cidadão a possibilidade de entender os mecanismos de gestão, para que
ele possa influenciar no processo de tomada de decisões. O acesso do
cidadão à informação simples e compreensível é o ponto de partida para
uma maior transparência.
A transparência da gestão pública e das ações do governo depende,
portanto:
• da publicação de informações;
• de espaços para a participação popular na busca de soluções para
problemas na gestão pública;
• da construção de canais de comunicação e de diálogo entre a sociedade
civil e o governante;
• do funcionamento dos Conselhos, órgãos coletivos do poder público e da
sociedade civil com o papel de participar da elaboração, execução e
fiscalização das políticas públicas;
• da modernização dos processos administrativos, que, muitas vezes,
dificultam a fiscalização e o controle por parte da sociedade civil;
• da simplificação da estrutura de apresentação do orçamento público,
aumentando assim a transparência do processo orçamentário.
Para que o controle social possa ser efetivamente exercido, é preciso,
portanto, que os cidadãos tenham acesso às informações públicas. Essa
transparência implica, no entanto, um trabalho simultâneo do governo e da
sociedade: o governo, levando a informação à sociedade; a sociedade,
buscando essa informação consciente de que tudo o que é público é de cada
um de nós.
O direito à informação sobre os recursos públicos
É dever de todo ente público informar a população, com clareza, sobre
como gasta o dinheiro e prestar contas dos seus atos. Essas informações
devem ser dadas com uma linguagem clara, que possa ser
compreendida pelos cidadãos de uma forma simples.
Da mesma forma, os entes públicos devem incentivar a participação popular
na discussão das estratégias utilizadas para colocar em prática as políticas
públicas, na elaboração do seu planejamento e de seus orçamentos.
Isso porque o orçamento é a lei na qual os governos (municipal, estadual ou
federal) deixam claro o que pretendem fazer com o dinheiro público. Nos
municípios, essa lei é votada uma vez por ano na câmara municipal. Esse é
um bom momento para participar. Em muitas cidades do Brasil, a população
participa ativamente do processo do orçamento. Nessas cidades, os
moradores decidem como será utilizado o dinheiro da prefeitura e
acompanham de perto os gastos.

15. A Administração Pública tem o dever de respeitar o princípio da publicidade,


conforme artigo 37 da Constituição Federal. Sendo uma determinação constitucional, não há
que se falar em restrição deste direito por norma legal ou infralegal, cabendo apenas à própria
Constituição fazê-lo.

16. O artigo 5º, XXXIII, afirma em quais hipóteses o princípio da publicidade nas
informações de interesse coletivo pode ser afastado: informações cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. É de clareza meridiana que não há
hipótese de restrição à transparência da matéria.

17. Desta feita, a decretação de sigilo sobre tais documentos não encontra respaldo nos
dispositivos constitucionais, violando diretamente a Constituição em seus artigos 5º, XXXIII,
e 37.

18. Por fim, o STF tem posicionamento firme pela publicidade das informações de
interesse coletivo:

EMENTA Direito Constitucional. Direito fundamental de acesso à


informação de interesse coletivo ou geral. Recurso extraordinário que se
funda na violação do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Pedido
de vereador, como parlamentar e cidadão, formulado diretamente ao
chefe do Poder Executivo solicitando informações e documentos sobre a
gestão municipal. Pleito indeferido. Invocação do direito fundamental de
acesso à informação, do dever do poder público de transparência e dos
princípios republicano e da publicidade. Tese da municipalidade fundada
na separação dos poderes e na diferença entre prerrogativas da casa
legislativa e dos parlamentares. Repercussão geral reconhecida. 1. O
tribunal de origem acolheu a tese de que o pedido do vereador para que
informações e documentos fossem requisitados pela Casa Legislativa foi, de
fato, analisado e negado por decisão do colegiado do parlamento. 2. O jogo
político há de ser jogado coletivamente, devendo suas regras ser respeitadas,
sob pena de se violar a institucionalidade das relações e o princípio previsto
no art. 2º da Carta da República. Entretanto, o controle político não pode ser
resultado apenas da decisão da maioria. 3. O parlamentar não se despe de
sua condição de cidadão no exercício do direito de acesso a informações de
interesse pessoal ou coletivo. Não há como se autorizar que seja o
parlamentar transformado em cidadão de segunda categoria. 4.
Distinguishing em relação ao caso julgado na ADI nº 3.046, Relator o
Ministro Sepúlveda Pertence. 5. Fixada a seguinte tese de repercussão
geral: o parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer plenamente
seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou
coletivo, nos termos do art. 5º, inciso XXXIII, da CF e das normas de
regência desse direito. 6. Recurso extraordinário a que se dá provimento.
(RE 865401, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em
25/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-223 DIVULG 18-10-2018 PUBLIC 19-10-2018)

19. Além de desrespeitar diretamente regras e princípios constitucionais, a decretação de


sigilo dos documentos também desrespeita diretamente dispositivos da LAI e do Decreto nº
7.724, de 2012, que regulamenta a Lei.

20. A LAI regulamentou o artigo 5º, XXXIII, da Constituição, reafirmando a publicidade


das informações de interesse coletivo como regra:

Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o


direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em
conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as
seguintes diretrizes: 
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como
exceção; 

21. O alegado fundamento para a decretação do sigilo seria a proteção de dados pessoais.
Contudo, é perfeitamente sabido que a tutela transparente da coisa pública é
perfeitamente compatível com a proteção do sigilo dos dados pessoais. No caso concreto,
por exemplo, bastaria que o órgão administrativo liberasse acesso aos documentos do
processo com eventuais apagamentos daquelas partes que contemplam dados que
merecem a proteção constitucional, normalmente com a aposição de tarjas de leitura.
Esse procedimento é deveras comum em toda a Administração Pública, não havendo
qualquer motivo razoável para que o órgão policial se sinta melhor do que os demais e
imponha um inconstitucional sigilo geral.

22. A própria CGU publicou, recentemente, o Enunciado nº 4, de 10 de março de 20222,


que resolve a suposta e alegada antinomia entre a LGPD e a LAI, concluindo pela sua inteira
compatibilidade à luz do ordenamento constitucional, devendo ser a tutela da publicidade o
horizonte macroscópico e o norte da bússola do administrador público, com incursões
pontuais na necessária tutela do sigilo dos dados pessoais – o que se alcança por meio da
disponibilização de documentos de interesse público com tarjamentos pontuais. Veja-se
a íntegra do Enunciado normativo, que deveria ser seguido pelos órgãos da Administração
Pública:

ENUNCIADO Nº 4, DE 10 DE MARÇO DE 2022


Nos pedidos de acesso à informação e respectivo recursos, as decisões que
tratam da publicidade de dados de pessoas naturais devem ser
fundamentadas nos arts. 3º e 31 da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à
Informação - LAI), vez que:
A LAI, por ser mais específica, é a norma de regência processual e
material a ser aplicada no processamento desta espécie de processo
administrativo; e
A LAI, a Lei nº 14.129/2021 (Lei de Governo Digital) e a Lei nº
13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD) são
sistematicamente compatíveis entre si e harmonizam os direitos
fundamentais do acesso à informação, da intimidade e da proteção aos
dados pessoais, não havendo antinomia entre seus dispositivos.
WAGNER DE CAMPOS ROSÁRIO
Ministro

2
Disponível em:
<https://in.gov.br/en/web/dou/-/enunciado-n-4-de-10-de-marco-de-2022-385474869>. Acesso em
23/06/2022
23. Note-se, Excelência, que as condutas relatadas são graves. Ora, censura é repressão e
opressão. Restringe a informação, limita o acesso ao conhecimento, obstrui o livre expressar,
o pensado e o sentido. Sem liberdade de imprensa – o que não existe sem acesso a dados de
claro interesse público –, teremos um caminho trilhado rumo ao obscurantismo autoritário,
que, ao que parece, insiste em ainda se mostrar vivo nos seios mais profundos de nossa
sociedade.

24. Dito tudo isso, solicitamos a Vossa Excelência, na qualidade de chefe do Ministério
Público Federal, a tomada de providências urgentes em relação aos fatos narrados na
presente representação, com a atuação fiscalizatória inerente ao Parquet, com a finalidade de
apurar não só todos os fatos relacionados ao caso concreto, mas também a prática
institucionalizada de diversos órgãos de se utilizar de pretensa proteção a dados pessoais para
limitar o acesso a informações públicas indispensáveis ao efetivo controle social do Estado.

Termos em que pede e espera deferimento.


Brasília, 23 de junho de 2022.

Senador Deputada Federal Deputado Federal


Randolfe Rodrigues Joenia Wapichana Túlio Gadêlha
(REDE/AP) (REDE/RR) (REDE/PE)

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