Excelentíssima Senhora Ministra Vice-Presidente Rosa Weber do Supremo
Tribunal Federal, relatora da ADO n.º 59, da ADPF n.º 623 e da ADPF n.º 755,
O mundo está aflito com a guerra na Ucrânia, com a pandemia e com a
emergência climática. O cenário é de desesperança sobre o futuro da humanidade. No Brasil, vem se instalando verdadeira guerra socioambiental, especialmente na Amazônia, onde a destruição da floresta e os ataques a povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais crescem em velocidade assustadora. Há grave risco de irreversibilidade, especialmente em relação à garantia do Estado de Direito e ao ponto de não retorno (“tipping point”) no processo de degradação da Amazônia, que pode inviabilizar os esforços mundiais contra as mudanças climáticas e gerar a perda definitiva dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, danos irreparáveis que também estão se consolidando nos demais biomas do país. Desde 2019, vemos com apreensão a escalada dessa destruição socioambiental, que precisa imediatamente ser combatida. A ausência e a omissão do Estado, o incentivo de governantes à ilegalidade ambiental, a instalação e o fortalecimento de facções criminosas, a desregulamentação de garantias sociais essenciais e, principalmente, a desconstrução de mais de 40 anos de evolução das políticas públicas socioambientais têm nos levado a um cenário devastador contra os direitos fundamentais assegurados pela Constituição de 1988. Além do exponencial aumento do desmatamento e da violência na Amazônia, inclusive contra órgãos ambientais federais, o desmantelamento socioambiental em curso no Brasil levou ao aumento da judicialização visando ao cumprimento da Carta Magna sobre a consecução das políticas ambiental, climática, indigenista e outras conexas. Esse quadro tende a se tornar mais complexo caso sejam aprovadas novos retrocessos pelo Congresso Nacional, que, incentivado pelo Poder 2
Executivo, pode votar em breve o que estamos chamando de “pacote da
destruição” (nota de organizações – Anexo II): uma nova lei de agrotóxicos que implode com os poderes de análise técnica e decisão do Ibama e da Anvisa e viabiliza o registro de produtos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que causem distúrbios hormonais, algo vedado pela legislação atual (Projeto de Lei nº 6.299/2002; Projeto de Lei do Senado nº 526/1999); uma lei geral do licenciamento ambiental que significará a extinção deste que é o mais relevante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, ao tornar o licenciamento exceção, mediante dispensas para diversas atividades impactantes e priorização do autolicenciamento sem estudo ambiental e sem aprovação prévia pelo órgão ambiental, além da violação direta aos direitos dos povos indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais (PL nº 3.729/2004; PL nº 2.159/2021 no Senado); uma lei sobre regularização fundiária que beneficiará essencialmente grileiros e criminosos ambientais, inclusive viabilizando o roubo de terras públicas para o futuro, a qual se mostra totalmente desnecessária para o resguardo dos direitos de agricultores familiares e pequenos agricultores (PL nº 2.633/2020 e PL nº 510/2021 no Senado); e duas propostas que praticamente extinguem os direitos fundamentais dos povos indígenas (o PL nº 490/2007 e o PL nº 191/2020, em trâmite na Câmara dos Deputados). Qualquer um desses projetos, se aprovado, levará ao acirramento da guerra socioambiental, com quadros irreversíveis de degradação ambiental e de violações de direitos sociais. A sua transformação em lei gerará mais judicialização, incluindo a via direta junto ao STF, que se tornou a única arena possível nos tempos atuais para se lutar contra retrocessos nesses temas. Dada a gravidade desse cenário, pedimos muita atenção das senhoras Ministras e dos senhores Ministros com relação a essas proposições legislativas. No rol das ações judiciais em trâmite perante esta Suprema Corte, há ações relevantíssimas pendentes de julgamento, que podem orientar a caminhada do país no enfrentamento à destruição em curso. Nesse sentido, pedimos prioridade para o julgamento dos processos listados no Anexo I, sempre garantindo decisões que assegurem o respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o respeito aos direitos dos povos indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais e demais direitos sociais protegidos na Constituição Federal. Não pode haver retrocessos 3
nessas políticas públicas, sob pena de se rasgar a Constituição de 1988, do
qual esse STF é o guardião maior. Confiamos no trabalho dessa Suprema Corte para defender e garantir o cumprimento dos direitos do povo brasileiro.
Assinam: 4
ANEXO I
1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760
Relatora: Min. Carmen Lucia
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760,
proposta por sete partidos políticos (PSB, PT, PSOL, REDE, PCdoB, PV e PDT), demanda a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e o alcance de objetivos de curto prazo no controle do desmatamento no bioma.
2. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADO) nº 59
Relatora: Min. Rosa Weber
A ação, proposta pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede, visa a obrigar o
governo a utilizar os recursos paralisados do Fundo Amazônia, mais de R$ 3 bilhões de reais em valores atualizados, essenciais para o combate ao desmatamento na Amazônia. Em 2019 e 2020, com o desmonte da estrutura de governança do fundo, a partir de crise sem fundamento gerada pelo Ministro do Meio Ambiente, não houve nem novos aportes, nem novas contratações no Fundo Amazônia, que é considerado a maior experiência no mundo de aplicação de REDD+.
3. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 708
Relator: Min. Luís Roberto Barroso.
Os proponentes, quatro partidos políticos (PSB, PT, PSOL e Rede), pedem
que seja determinado à União tomar as medidas administrativas 5
necessárias para reativar o funcionamento do Fundo Clima com todos os
recursos autorizados pela lei orçamentária (abrangidas as modalidades não reembolsável e reembolsável de atuação do fundo), assim como a apresentação do Plano Anual de Aplicação de Recursos do Fundo para o ano de 2020.
4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 623
Relatora: Min. Rosa Weber
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 623,
mediante a qual a Procuradoria-Geral da República requer a inconstitucionalidade do Decreto n° 9.806, de 28 de maio de 2019, que alterou a composição do Conama.
5. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 755
Relatora: Min. Rosa Weber
Ajuizada pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede, requer a anulação do decreto
federal que instituiu a fase de conciliação no processo sancionador ambiental, gerando a paralisação do julgamento dos autos aplicados após outubro de 2019. Essa paralisação, por sua vez, tem acarretado o descrédito dos autos de infração e inviabilizado a efetividade da fiscalização ambiental.
6. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 857
Relator: Min. André Mendonça
A ADPF questiona a falta de planejamento do governo federal e dos estados
do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso para lidar com as queimadas que fatalmente atingirão o Pantanal nos próximos meses. Até o momento do protocolo da arguição, não havia qualquer planejamento estratégico contendo a devida alocação de recursos prevenção e contenção dos 6
incêndios publicado por qualquer das autoridades, situação que permanece
até o presente momento.
7. Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6528
Relator: Min. Ricardo Lewandowski
Ação direta de inconstitucionalidade movida pelo PSB, que discute a
incompatibilidade de diversos dispositivos da “lei de liberdade econômica” com os direitos fundamentais socioambientais resguardados pela Constituição Federal.
8. Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6446
Relator: Min. Luiz Fux
Defendemos a rejeição da ação ajuizada pelo Presidente da República, que
requer ao STF que valide despacho do Ministro do Meio Ambiente, já revogado, e declare a nulidade da interpretação jurídica que coloca a Lei da Mata Atlântica (especial) como prevalente em relação à Lei Florestal de 2012.
9. RE 1.017.365 – Tema de Repercussão Geral nº 1.031
Relator: Min. Edson Fachin
Leading case em que conclamamos pela rejeição do marco temporal, tese
contrária aos direitos fundamentais dos povos indígenas que estabelece a data da promulgação Constituição de 1988 como marco para definir a legitimação de áreas ocupadas por povos originários, colocando em risco a efetividade de todo o art. 231 da Constituição. 7
10. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709
Relator: Min. Luís Roberto Barroso
Importância de análise do pedido de extrusão de invasores das terras
indígenas Araribóia, Karipuna, Kayapó, Munduruku, Uru-eu-wau-wau, Yanomami e Trincheira Bacajá, que estão sendo gravemente invadidas e desmatadas. Importância de monitorar a efetividade das barreiras sanitárias para a proteção de indígenas isolados e de recente contato, notadamente em razão do surto de Covid-19 que atinge os indígenas Korubo, na Terra Indígena Vale do Javari, com possibilidade de contaminação de diversos grupos que vivem em isolamento na TI, o que pode custar o extermínio dessas populações.
Relatores: Min. Dias Toffoli e Min. Alexandre de Moraes Importância de análise detalhada dos relatórios de identificação e delimitação produzidos pela Funai e que instruem os autos. Tais documentos comprovam que os indígenas kayabi e Mbyá Guarani ocupam de forma antiga e ininterrupta as terras Kayabi (MT/PA) e Morro dos Cavalos (SC), respectivamente. A demora no julgamento tem sujeitado as terras a invasões e desmatamentos, notadamente pela expectativa de anulação dos processos de demarcação.
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