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Brasília, 9 de março de 2022.

Excelentíssima Senhora Ministra Vice-Presidente Rosa Weber do Supremo


Tribunal Federal, relatora da ADO n.º 59, da ADPF n.º 623 e da ADPF n.º
755,

O mundo está aflito com a guerra na Ucrânia, com a pandemia e com a


emergência climática. O cenário é de desesperança sobre o futuro da
humanidade. No Brasil, vem se instalando verdadeira guerra
socioambiental, especialmente na Amazônia, onde a destruição da floresta
e os ataques a povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais
crescem em velocidade assustadora. Há grave risco de irreversibilidade,
especialmente em relação à garantia do Estado de Direito e ao ponto de
não retorno (“tipping point”) no processo de degradação da Amazônia, que
pode inviabilizar os esforços mundiais contra as mudanças climáticas e
gerar a perda definitiva dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta,
danos irreparáveis que também estão se consolidando nos demais biomas
do país.
Desde 2019, vemos com apreensão a escalada dessa destruição
socioambiental, que precisa imediatamente ser combatida. A ausência e a
omissão do Estado, o incentivo de governantes à ilegalidade ambiental, a
instalação e o fortalecimento de facções criminosas, a desregulamentação
de garantias sociais essenciais e, principalmente, a desconstrução de mais
de 40 anos de evolução das políticas públicas socioambientais têm nos
levado a um cenário devastador contra os direitos fundamentais
assegurados pela Constituição de 1988.
Além do exponencial aumento do desmatamento e da violência na
Amazônia, inclusive contra órgãos ambientais federais, o desmantelamento
socioambiental em curso no Brasil levou ao aumento da judicialização
visando ao cumprimento da Carta Magna sobre a consecução das políticas
ambiental, climática, indigenista e outras conexas.
Esse quadro tende a se tornar mais complexo caso sejam aprovadas novos
retrocessos pelo Congresso Nacional, que, incentivado pelo Poder
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Executivo, pode votar em breve o que estamos chamando de “pacote da


destruição” (nota de organizações – Anexo II): uma nova lei de agrotóxicos
que implode com os poderes de análise técnica e decisão do Ibama e da
Anvisa e viabiliza o registro de produtos que revelem características
teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que causem distúrbios
hormonais, algo vedado pela legislação atual (Projeto de Lei nº 6.299/2002;
Projeto de Lei do Senado nº 526/1999); uma lei geral do licenciamento
ambiental que significará a extinção deste que é o mais relevante
instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, ao tornar o
licenciamento exceção, mediante dispensas para diversas atividades
impactantes e priorização do autolicenciamento sem estudo ambiental e
sem aprovação prévia pelo órgão ambiental, além da violação direta aos
direitos dos povos indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais
(PL nº 3.729/2004; PL nº 2.159/2021 no Senado); uma lei sobre
regularização fundiária que beneficiará essencialmente grileiros e
criminosos ambientais, inclusive viabilizando o roubo de terras públicas
para o futuro, a qual se mostra totalmente desnecessária para o resguardo
dos direitos de agricultores familiares e pequenos agricultores (PL nº
2.633/2020 e PL nº 510/2021 no Senado); e duas propostas que
praticamente extinguem os direitos fundamentais dos povos indígenas (o
PL nº 490/2007 e o PL nº 191/2020, em trâmite na Câmara dos Deputados).
Qualquer um desses projetos, se aprovado, levará ao acirramento da guerra
socioambiental, com quadros irreversíveis de degradação ambiental e de
violações de direitos sociais. A sua transformação em lei gerará mais
judicialização, incluindo a via direta junto ao STF, que se tornou a única
arena possível nos tempos atuais para se lutar contra retrocessos nesses
temas. Dada a gravidade desse cenário, pedimos muita atenção das
senhoras Ministras e dos senhores Ministros com relação a essas
proposições legislativas.
No rol das ações judiciais em trâmite perante esta Suprema Corte, há ações
relevantíssimas pendentes de julgamento, que podem orientar a
caminhada do país no enfrentamento à destruição em curso. Nesse sentido,
pedimos prioridade para o julgamento dos processos listados no Anexo I,
sempre garantindo decisões que assegurem o respeito ao direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, o respeito aos direitos dos povos
indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais e demais direitos
sociais protegidos na Constituição Federal. Não pode haver retrocessos
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nessas políticas públicas, sob pena de se rasgar a Constituição de 1988, do


qual esse STF é o guardião maior.
Confiamos no trabalho dessa Suprema Corte para defender e garantir o
cumprimento dos direitos do povo brasileiro.

Assinam:
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ANEXO I

1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760


Relatora: Min. Carmen Lucia

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760,


proposta por sete partidos políticos (PSB, PT, PSOL, REDE, PCdoB, PV e PDT),
demanda a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do
Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e o alcance de objetivos de
curto prazo no controle do desmatamento no bioma.

2. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADO) nº 59


Relatora: Min. Rosa Weber

A ação, proposta pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede, visa a obrigar o


governo a utilizar os recursos paralisados do Fundo Amazônia, mais de R$
3 bilhões de reais em valores atualizados, essenciais para o combate ao
desmatamento na Amazônia. Em 2019 e 2020, com o desmonte da
estrutura de governança do fundo, a partir de crise sem fundamento gerada
pelo Ministro do Meio Ambiente, não houve nem novos aportes, nem novas
contratações no Fundo Amazônia, que é considerado a maior experiência
no mundo de aplicação de REDD+.

3. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 708


Relator: Min. Luís Roberto Barroso.

Os proponentes, quatro partidos políticos (PSB, PT, PSOL e Rede), pedem


que seja determinado à União tomar as medidas administrativas
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necessárias para reativar o funcionamento do Fundo Clima com todos os


recursos autorizados pela lei orçamentária (abrangidas as modalidades não
reembolsável e reembolsável de atuação do fundo), assim como a
apresentação do Plano Anual de Aplicação de Recursos do Fundo para o ano
de 2020.

4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 623


Relatora: Min. Rosa Weber

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 623,


mediante a qual a Procuradoria-Geral da República requer a
inconstitucionalidade do Decreto n° 9.806, de 28 de maio de 2019, que
alterou a composição do Conama.

5. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 755


Relatora: Min. Rosa Weber

Ajuizada pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede, requer a anulação do decreto


federal que instituiu a fase de conciliação no processo sancionador
ambiental, gerando a paralisação do julgamento dos autos aplicados após
outubro de 2019. Essa paralisação, por sua vez, tem acarretado o descrédito
dos autos de infração e inviabilizado a efetividade da fiscalização ambiental.

6. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 857


Relator: Min. André Mendonça

A ADPF questiona a falta de planejamento do governo federal e dos estados


do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso para lidar com as queimadas que
fatalmente atingirão o Pantanal nos próximos meses. Até o momento do
protocolo da arguição, não havia qualquer planejamento estratégico
contendo a devida alocação de recursos prevenção e contenção dos
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incêndios publicado por qualquer das autoridades, situação que permanece


até o presente momento.

7. Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6528


Relator: Min. Ricardo Lewandowski

Ação direta de inconstitucionalidade movida pelo PSB, que discute a


incompatibilidade de diversos dispositivos da “lei de liberdade econômica”
com os direitos fundamentais socioambientais resguardados pela
Constituição Federal.

8. Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6446


Relator: Min. Luiz Fux

Defendemos a rejeição da ação ajuizada pelo Presidente da República, que


requer ao STF que valide despacho do Ministro do Meio Ambiente, já
revogado, e declare a nulidade da interpretação jurídica que coloca a Lei da
Mata Atlântica (especial) como prevalente em relação à Lei Florestal de
2012.

9. RE 1.017.365 – Tema de Repercussão Geral nº 1.031


Relator: Min. Edson Fachin

Leading case em que conclamamos pela rejeição do marco temporal, tese


contrária aos direitos fundamentais dos povos indígenas que estabelece a
data da promulgação Constituição de 1988 como marco para definir a
legitimação de áreas ocupadas por povos originários, colocando em risco a
efetividade de todo o art. 231 da Constituição.
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10. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709


Relator: Min. Luís Roberto Barroso

Importância de análise do pedido de extrusão de invasores das terras


indígenas Araribóia, Karipuna, Kayapó, Munduruku, Uru-eu-wau-wau,
Yanomami e Trincheira Bacajá, que estão sendo gravemente invadidas e
desmatadas.
Importância de monitorar a efetividade das barreiras sanitárias para a
proteção de indígenas isolados e de recente contato, notadamente em
razão do surto de Covid-19 que atinge os indígenas Korubo, na Terra
Indígena Vale do Javari, com possibilidade de contaminação de diversos
grupos que vivem em isolamento na TI, o que pode custar o extermínio
dessas populações.

11. Ação Cível Originária (ACO) nº 2224 e ACO nº 2323


Relatores: Min. Dias Toffoli e Min. Alexandre de Moraes
Importância de análise detalhada dos relatórios de identificação e
delimitação produzidos pela Funai e que instruem os autos. Tais
documentos comprovam que os indígenas kayabi e Mbyá Guarani ocupam
de forma antiga e ininterrupta as terras Kayabi (MT/PA) e Morro dos
Cavalos (SC), respectivamente. A demora no julgamento tem sujeitado as
terras a invasões e desmatamentos, notadamente pela expectativa de
anulação dos processos de demarcação.

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