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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TURMAS RECURSAIS

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
DHD
Nº 71009816737 (Nº CNJ: 0063856-44.2020.8.21.9000)
2020/CÍVEL

RECURSO INOMINADO. SEGUNDA TURMA RECURSAL DA


FAZENDA PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. DIREITO EVIDENCIADO. TESE FIRMADA NO
JULGAMENTO DO TEMA 106 DO STJ. ATENDIDOS OS
PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DO FÁRMACO.
SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERADOS. TEMA 793 DO
STF.
- A fonte de todas as Leis, a Constituição Federal, em seu art.
196, estabelece que: “Art. 196. A saúde é um direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
- O direito à saúde e a solidariedade dos entes públicos na
sua garantia é matéria já pacificada tanto nestas Turmas
Recursais, quanto no Tribunal de Justiça e nas Cortes
Superiores. Trata-se de interpretação sistemática da
legislação infraconstitucional com os arts. 196 e 198 da
Constituição Federal, não sendo oponível ao cidadão
qualquer regulamentação que tolha seus direitos
fundamentais à saúde e à dignidade.
- Não restou demonstrado que o tratamento necessário à
saúde da parte autora não esteja dentre aqueles previstos
nas regras de repartição de competência do SUS aos Estados
(ou que, como decidido no Tema 793, a competência -
técnica ou de execução - extrapole a responsabilidade
prevista nas regras de repartição do SUS).
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO INOMINADO
DESPROVIDO. UNÂNIME.

RECURSO INOMINADO SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA


PÚBLICA
Nº 71009816737 (Nº CNJ: 0063856- COMARCA DE SÃO LUIZ GONZAGA
44.2020.8.21.9000)

DENISE DE MELO CASTRO MACHADO RECORRIDO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL RECORRENTE

MP/RS - MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO INTERESSADO


RIO GRANDE DO SUL

1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TURMAS RECURSAIS

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
DHD
Nº 71009816737 (Nº CNJ: 0063856-44.2020.8.21.9000)
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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal da


Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade,
em negar provimento ao recurso inominado.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DR.ª


ROSANE RAMOS DE OLIVEIRA MICHELS (PRESIDENTE) E DR. MAURO CAUM GONÇALVES.

Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2021.

DR. DANIEL HENRIQUE DUMMER,


Relator.

RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso Inominado interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE


DO SUL em face da sentença que julgou procedente a ação ajuizada por JANINE CARPENEDO
NEITZKE para condenar o recorrente e o MUNICÍPIO DE NÃO-ME-TOQUE a fornecerem o
medicamento ENOXAPARINA SÓDICA (Clexane 40mg), uma vez que é portadora de
Trombofilia por mutação da MTHFR (C677T-heterozigota) - CID D68.9 e N96.

Em suas razões recursais, o Estado do Rio grande do Sul, ponderou,


suscintamente, que a política pública é baseada em evidências (MBE), com a adoção de
critérios científicos que garantem a eficiência dos tratamentos disponibilizados na rede
pública. Ressaltou a existência de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas que devem ser
observados no fornecimento de medicamentos, razão pela qual é necessária a comprovação
do esgotamento das alternativas de tratamento do sistema público para o deferimento do
pedido na via judicial, o que não teria ocorrido na hipótese dos autos. Alegou que não foi
observado os requisitos da Sumula 106do STJ para a concessão do medicamento. Aduziu o
Tema 793 do STF, entendendo que o União deve compor o polo passivo da demanda, em

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razão do medicamento não constar na lista da rede pública de saúde. Requereu, assim, a
reforma da sentença.

Apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público opinou pela inclusão da União no polo passivo.

Relatado.

VOTOS

DR. DANIEL HENRIQUE DUMMER (RELATOR)

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

A fonte de todas as Leis, a Constituição Federal, em seu art. 196, estabelece


que:
“Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.

Por sua vez, o art. 6º da Constituição Federal assegura que a saúde é um


direito social. Sendo assim, a saúde faz parte do rol dos direitos fundamentais, aqueles
inerentes ao chamado princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de princípio que
tem como objetivo garantir uma gama mínima de direitos sem os quais o indivíduo não
consegue ter uma vida digna.

Ressalto que a Carta Magna de 1998, rompeu com uma tradição que era
mantida nas anteriores Constituições, pois cuidou dos direitos fundamentais no seu início,
antes mesmo de cuidar da organização do Governo e do Estado, numa nítida demonstração
de que se tratava de uma Constituição Garantista, preocupada antes com o indivíduo do que
com o Estado, razão pela qual é também chamada de Constituição Cidadã.

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Logo, todo ser humano pela simples razão de nascer, adquire o direito
subjetivo à saúde, direito esse público, e exigível do Estado.

A responsabilidade pelo tratamento de saúde pertence às esferas municipal,


estadual e federal, não podendo o Estado do Rio Grande do Sul ver afastado seu dever
constitucional.

No artigo 198, parágrafo único, da mesma Constituição Federal, a previsão


do Sistema Único de Saúde. A Lei nº 8.080/90 disciplina o Sistema Único de Saúde, atribuindo
aos Estados, Distrito Federal e Municípios a prestação dos serviços de saúde à população,
vislumbrada a legitimidade de cada um desses entes.

Portanto, todo ser humano pela simples razão de nascer, adquire o direito
subjetivo à saúde, direito esse público, e exigível do Estado.

O que não se pode permitir, é que o cidadão, que necessita do medicamento


e tratamento ao tempo e à hora necessários, fique à espera da burocracia que muitas vezes
emperra o funcionamento da máquina estatal.

Quanto à responsabilidade pelo fornecimento do medicamento, vale


registrar que, perante a população, a responsabilidade é solidária, dos três entes, da União,
Estado e Município, os quais são obrigados a fornecerem todos os tipos de medicamentos e
tratamentos, como forma de garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, CF/88).

Ao depois, o direito constitucional à saúde pública, estabelecido no art. 196


da CF, não pode ser considerado como norma programática, que dependa de previsão
orçamentária dos Estados-membros para sua execução.

O direito à saúde também foi tratado pela legislação infraconstitucional,


federal e estadual.

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Já a Lei Estadual nº 9.908/93 expressamente impõe ao Estado do Rio Grande


do Sul, o dever de alcançar medicamentos para pessoas carentes.

Aliás, a solidariedade entre os entes federados está assentada na


Jurisprudência do Supremo Tribunal, que ao julgar o RE 855.178-RG/SE (Tema 793 da
Repercussão Geral1), firmou a tese de que: “Os entes da federação, em decorrência da
competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área
da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização,
compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de
competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.”

Inclusive é possível aferir no Informativo n. 941/STF, de maio de 2019, que


trata do RE 855.178:

“A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se


alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter
levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o
ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.”

1 Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE.
RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE.
DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado,
porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por
qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a compensação entre os
entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de
descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de
repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3. As
ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão
necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min.
Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos.
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Reporto-me, por sua vez, ao recente julgamento dos embargos de


declaração2 - os quais foram rejeitados- em que a União buscava a declaração de sua
competência de maneira subsidiária, e não solidária.

Por fim, a maioria acompanhou a divergência lançada pelo Ministro Edson


Fachin, entendendo por bem assegurar o fundamento do voto, com sutis e relevantes
especificações:

(a) há solidariedade entre os entes federados, podendo a parte escolher contra quem
pretende litigar;

(b) demonstrado pelo demandado que a competência (técnica ou de execução)


extrapola a responsabilidade prevista nas regras de repartição do SUS, deve provocar
o julgador ao redirecionamento do processo, sendo a análise feita caso a caso (e não
necessariamente ensejar na inclusão da União e o deslocamento da competência) e

(c) tratando-se de medicamento sem o registro na ANVISA, a União,


necessariamente, deve integrar a lide.

Dessa forma, tecidas tais ponderações, os embargos de declaração foram


desprovidos, ficando ementado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE


DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO
GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU
OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE.
POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS
DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE.
DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento
médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres
do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes
federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um

2União opôs Embargos de Declaração ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 855.178 “RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no
rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo
pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. ” Julgado em
20/04/2020 – não transitado em julgado.
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deles, isoladamente, ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a


compensação entre os entes federados, compete à autoridade
judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme
as regras de repartição de competências e determinar o
ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3. As ações que
demandem fornecimento de medicamentos sem registro na
ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da
União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de
Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos. (EMB .DECL. NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 855.178, tendo como relator o em.
Ministro Luiz Fux, julgado pelo Plenário do STF, publicado em 16-
04-2020) – Sem grifo no original –

Na discussão sobre o Tema 793, não restou dúvida da responsabilidade


solidária entre os entes federado nas prestações de saúde. Tampouco houve maioria para a
aprovação das premissas desenvolvidas na fundamentação explanada pelo Ministro Edson
Fachin, com o fito de “esclarecer” o conceito de solidariedade nas prestações de saúde,
sendo ressaltado por ele, que “Não se trata da formação do polo passivo, tomei esse cuidado
para evitar o debate sobre formação de litisconsórcio ou a extensão de um contraditório
deferido para direcionar o cumprimento. ”

De qualquer forma, a aplicação pela interpretação da imprescindibilidade da


União compor o polo passivo da lide, equivaleria a validar uma decisão monocrática em sede
de julgamento de repercussão geral com fixação de tese vinculante – o que é vedado pelo
sistema jurídico. Justamente, pelo contrário, não se extraí do julgamento do RE 855.178/SE
(na tese final) a obrigatoriedade de litisconsórcio passivo com a União ou o deslocamento da
competência em caso de medicamentos não padronizados no SUS ou que não compõe a lista
do RENAME.

Portanto, não merece trânsito a pretensão do recorrente, uma vez que não
restou demonstrado que o tratamento necessário à saúde da parte autora não esteja dentre
aqueles previstos nas regras de repartição de competência do SUS aos Estados (ou que, como
decidido no Tema 793, a competência - técnica ou de execução - extrapole a responsabilidade
prevista nas regras de repartição do SUS).
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No contexto, saliento, que a medicação postulada, possui registro válido na


ANVISA, conforme diligência realizada no site respectivo3. Logo, não desincumbe os
demandados pelo fornecimento dos fármacos requeridos, sendo desnecessário o
litisconsórcio passivo da União, ou a ação ser proposta na Justiça Federal.

Outrossim, o sistema único de saúde (SUS) possuiu o sistema de


administração através de co-gestão, viabilizando a exigência da obrigação entalhada no
inciso II do art. 23 da CF/88 4 (cuidar da saúde e da assistência pública) de quaisquer entes
públicos. Logo, opera-se com uma unicidade no sistema de saúde e correlata solidariedade
pelos entes federativos (União, Estado e Município).

Por oportuno, trago à tona recente decisão proferida pelo Ministro Ricardo
Lewandowski, em 30/06/20, no julgamento da Reclamação n. 41677/GO, acerca da
competência da União nas ações objetivando o fornecimento de medicamento:

Trata-se de reclamação com pedido de liminar proposta pelo


Estado de Goiás contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do referido Estado (TJGO), nos autos do Mandado de Segurança
5413026.25.2019.8.09.0000, por suposto desrespeito ao que
decidido por esta Suprema Corte no julgamento do RE 855.178-
ED/SE (Tema 793 da Repercussão Geral). O reclamante sustenta,
em síntese, que o ato reclamado não aplicou corretamente a
sistemática da repercussão geral, ao deixar de observar a
integralidade da tese fixada no julgamento do RE 855.178-ED/SE
(Tema 793 da Repercussão Geral). É o relatório necessário. Decido.
Inicialmente, consigno que deixo de requisitar informações e enviar
o feito à Procuradoria-Geral da República, por entender que o
processo já está em condições de julgamento (arts. 52, parágrafo
único, e 161, parágrafo único, ambos do RISTF). Bem examinados
os autos, vê-se que a pretensão não merece acolhida. Transcrevo
trecho do aresto proferido pelo TJGO, ao julgar o mandado de
segurança: “O Tema 500/STF, em repercussão geral, no RE
657718/MG, definiu ser de (i) competência da União a análise de
causas que envolva fornecimento de fármaco não registrado na
ANVISA. Devo frisar não ser o caso destes autos, pois o
medicamento NIVOLUMABE é o princípio ativo do fármaco

3https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/q/?nomeProduto=xarelto
4 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
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OPDIVO, registrado na ANVISA sob o nº 101800408, devendo, por


esta razão, o Estado de Goiás figurar no polo passivo deste
mandamus, pois, nesta hipótese, a responsabilidade pelo
fornecimento da drogadição não é exclusiva da União. […]
Outrossim, a legitimidade passiva do ente estatal é notória, pois
“É dever da União, do Estado e dos Municípios, solidariamente, o
fornecimento ao cidadão, sem ônus para este, de medicamento
essencial ao tratamento de moléstia grave, ainda que não previsto
em lista oficial do SUS” (destaquei), consoante dispõe a súmula 35
do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Sobre a
responsabilidade solidária existente entre os entes públicos, o
Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão
geral, no RE 855178-SE, Tema 793/STF, em 23.05.2019: Os entes
da federação, em decorrência da competência comum, são
solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área
da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização
e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o
cumprimento conforme as regras de repartição de competências e
determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Assim, qualquer um dos entes poderá ser demandado, devendo
eventuais ressarcimentos serem solucionados fora do âmbito da
presente lide, nos termos da própria tese fixada.” (págs. 164–166
do documento eletrônico 2) Entendo que o Tribunal de origem
aplicou de forma expressa o Tema 793 da Repercussão Geral, sendo
improcedente a alegação de violação do entendimento fixado no
julgamento do referido leading case por ausência de observância
da solidariedade na dispensação de medicamentos. Vê-se que, ao
contrário do que afirma o reclamante, o acórdão combatido deixa
claro que “o medicamento NIVOLUMABE é o princípio ativo do
fármaco OPDIVO, registrado na ANVISA sob o nº 101800408,
devendo, por esta razão, o Estado de Goiás figurar no polo passivo
deste mandamus, pois, nesta hipótese, a responsabilidade pelo
fornecimento da drogadição não é exclusiva da União”. Ainda, que
“qualquer um dos entes poderá ser demandado, devendo
eventuais ressarcimentos serem solucionados fora do âmbito da
presente lide, nos termos da própria tese fixada”. Além disso,
dissentir das razões adotadas pelas instâncias ordinárias
demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos,
circunstância não admitida pela jurisprudência desta Corte. Nesse
sentido, cito recente acórdão proferido pela Primeira Turma do STF,
assim ementado: “CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA
VIOLAÇÃO DE PRECEDENTE DESTA CORTE. INEXISTÊNCIA. DECISÃO
RECLAMADA EM CONFORMIDADE COM O PARADIGMA DE
CONFRONTO APONTADO. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA.
PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. ANÁLISE E EMISSÃO DE
JUÍZO DE VALOR. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO A QUE SE
NEGA PROVIMENTO. 1. O Tribunal reclamado analisou o caso

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concreto atento ao que decidido por esta SUPREMA CORTE no RE


855.178-RG (Tema 793 da Repercussão Geral). 2. Cotejando a
decisão reclamada com o paradigma de confronto apontado, e
respeitado o âmbito cognitivo deste instrumental, não se constata
teratologia no ato judicial que se alega afrontar o precedente deste
TRIBUNAL. 3. Inviável o exame e a emissão de juízo a respeito de
particularidades do caso concreto, sob pena de convolar esta
distinta ação em recurso ou atalho processual, expedientes
repelidos por esta SUPREMA CORTE. 4. Recurso de agravo a que se
nega provimento.” (Rcl 33.582-AgR/PB, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, Primeira Turma) Cito, ainda, a decisão monocrática
proferida no julgamento de reclamação semelhante ao caso dos
autos, também ajuizada pelo Estado de Goiás: Rcl 41.064/GO, de
relatoria da Ministra Cármen Lúcia. Isso posto, nego seguimento a
esta reclamação (art. 21, § 1°, do RISTF). Em consequência, fica
prejudicado o exame do pedido de liminar. Publique-se. Brasília, 30
de junho de 2020. Ministro Ricardo Lewandowski Relator. – Sem
grifo no original –

Quanto a esta questão, entendo que fere o princípio da demanda e da


adstrição do juiz ao pedido, indo de encontro ao disposto no Tema 686 do STJ:

“O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do


CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos
responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação
de serviçoes de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado
opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde.”

Nesse viés, seguem precedentes do Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. ARTRITE


REUMATÓIDE SOROPOSITIVA – CID 10 N05.8. MEDICAMENTO
RITUXIMABE 500MG. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
FEDERADOS. RE 855.178/SE – TEMA 793 – DO E. STF. Evidenciada
a responsabilidade solidária dos entes públicos na prestação dos
serviços de saúde, no sentido da efetivação dos comandos insertos
no art. 196 da Constituição da República, a legitimar o ajuizamento
da demanda contra qualquer deles, de forma conjunta ou
separada, consoante o julgamento do RE 855.178/SE – Tema 793 -
, no e. STF. Precedentes do e. STJ e deste Tribunal. Apelação
desprovida.(Apelação Cível, Nº 70084180249, Terceira Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado
em: 11-09-2020)

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO A SAÚDE.


NEOPLASIA MALIGNA DE PELE. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. NIVOLUMAB. INCORPORAÇÃO NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS DO SUS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
PÚBLICOS. Nas demandas prestacionais de saúde, os entes da
federação são solidariamente responsáveis, “e diante dos critérios
constitucionais de descentralização e hierarquização, compete a
autoridade judicial direcionar o cumprimento da obrigação
conforme as regras de repartição de competências e determinar o
ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” (RE 855.178,
Tema n. 793, relator para o acórdão Min. Edson Fachin). No corpo
do julgado lê-se: “A obrigação a que se relaciona a reconhecida
responsabilidade solidária é a decorrente da competência material
comum prevista no art. 23, II, CF, de prestar saúde em sentido lato,
ou seja, de promover, em seu âmbito de atuação as ações
sanitárias que lhes forem destinadas, por meio de critérios de
hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss., CF. Afirmar que
o ‘pólo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes),
isoladamente ou conjuntamente’ significa que o usuário, nos
termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente
(sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma
prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de
responder por prestações específicas”. No caso, o medicamento
pretendido pelo autor, ora embargado (NIVOLUMABE) está
incorporado ao Sistema SUS para tratamento de primeira linha do
melanoma avançado não cirúrgico e metastático, conforme
Portaria n. 23, de 04 de agosto de 2020, do Ministério da Saúde.
Não há, assim, necessidade da presença da União no feito.
Embargos de Declaração acolhidos, para esclarecer.(Embargos de
Declaração Cível, Nº 70084250695, Vigésima Primeira Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz,
Julgado em: 09-09-2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE. DIREITO À SAÚDE. CONSULTA COM ESPECIALISTA
EM NEUROPEDIATRIA INFANTIL. INÉPCIA DA INICIAL.
INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
PÚBLICOS. TEMA Nº 793 DA REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL VISITADO. 1. Na hipótese em análise, o agente
ministerial ajuizou ação civil pública objetivando compelir os entes
públicos a disponibilizar consulta neuropediatra à menor em
referência. 2. Inépcia da inicial não verificada, à medida que o
pedido é certo e determinado, relativamente ao fornecimento de
consulta médica, exames e a dispensa de medicamentos
necessários, se assim forem, mediante prescrição médica, ao
tratamento da moléstia que acomete a infante. 3. Ação fundada na
regra disposta no art. 196 da CF-88 e art. 241 da CE-89. Efetivação
do direito à saúde e responsabilidade do Poder Público asseguradas
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@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
DHD
Nº 71009816737 (Nº CNJ: 0063856-44.2020.8.21.9000)
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pela Lei nº 8.069/90 (ECA). 4. A solidariedade dos entes públicos


para responder às demandas relacionadas à área da saúde restou
reconhecida pelo eg. Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº
855.178 (Tema nº 793), podendo a parte direcionar sua pretensão
contra qualquer deles. 5. Aplicação ao caso do entendimento
materializado no verbete nº 568 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça e no art. 206, XXXVI, do RITJRS. Prestígio ao art. 932, IV, “b”,
do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. DECISÃO
MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 70084465095,
Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson
Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em: 03-09-2020)

APELAÇÃO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE.


ENTEROCOLITE ULCERATIVA (CRÔNICA) – CID 10 K51.0.
MEDICAMENTO INFLIXIMAB 100MG. ALTO CUSTO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. RE
855.178/SE – TEMA 793 – DO E. STF. Evidenciada a
responsabilidade solidária dos entes públicos na prestação dos
serviços de saúde, no sentido da efetivação dos comandos insertos
no art. 196 da Constituição da República, a legitimar o ajuizamento
da demanda contra qualquer deles, de forma conjunta ou
separada, consoante o julgamento do RE 855.178/SE – Tema 793 -
, no e. STF. Precedentes do e. STJ e deste Tribunal. Apelação
desprovida.(Apelação Cível, Nº 70084317841, Terceira Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado
em: 28-08-2020)

Precedentes das Turmas Recursais da Fazenda Pública:

RECURSO INOMINADO. TERCEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA


PÚBLICA. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.
VELIJA E ELIQUIS APIXABANA. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR
ILEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
ESTABELECIDA ENTRE OS ENTES FEDERADOS PARA O
ATENDIMENTO INTEGRAL À SAÚDE. TEMA Nº 793 DO STF
PENDENTE DE TRÂNSITO EM JULGADO. DECISÃO DE EXTINÇÃO
DESCONSTITUÍDA. RECURSO PROVIDO.(Recurso Cível, Nº
71009493180, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública,
Turmas Recursais, Relator: Lílian Cristiane Siman, Julgado em: 31-
08-2020)

RECURSO INOMINADO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA


PÚBLICA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. FORNECIMENTO DE
PRÓTESE AUDITIVA BILATERAL. DIREITO A SAÚDE.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA LEGALIDADE.

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Conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº


855.178/SE (Tema 793) a divisão administrativa das competências
no âmbito do SUS não é oponível ao particular, devendo, a questão,
ser resolvida regressivamente entre os entes federados. Outrossim,
também não merece prosperar a alegação de afronta aos
princípios da isonomia e da legalidade, isto porque no caso posto a
demora ou a não prestação do procedimento prescrito poderá
“acarretar prejuízo social e comunicação verbal” (conforme
atestado médico juntado à fl. 47 do feito). Por fim, importante
frisar que a parte autora é pessoa idosa e que aguarda em lista de
espera a dispensação administrativa da prótese desde 2017, não
podendo ficar esperando em filas por tempo tão longo e
indeterminado, nem se sujeitar aos entraves internos adotados
pela administração pública. RECURSO INOMINADO
DESPROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71009186040, Turma Recursal da
Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Maria Beatriz Londero
Madeira, Julgado em: 28-08-2020)

RECURSOS INOMINADOS. DIREITO À SAÚDE. ESTADO DO RIO


GRANDE DO SUL E MUNICÍPIO DE GUAÍBA. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS. INSURGÊNCIA VOLTADA À COMPOSIÇÃO DO
POLO PASSIVO. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES PÚBLICOS. RE N°
855.178/SE (TEMA 793). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.
RECURSOS DESPROVIDOS.(Recurso Cível, Nº 71009391509,
Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais,
Relator: Rosane Ramos de Oliveira Michels, Julgado em: 29-08-
2020)

Nessa linha, há que se cumprir à obrigação solidária estabelecida pela


Constituição, que está acima de qualquer lei, portaria ou qualquer outro ato normativo,
para determinar o tratamento. Depois, se for o caso, podem os entes federados invocar
entre si as normas que repartem suas atribuições, de modo a se indenizarem
reciprocamente, caso algum seja demandado em virtude da omissão de outro.

A organização (ou desorganização) das atribuições internas do Estado, nos


seus três níveis, não pode servir de motivo para prejudicar a imediata assistência ao cidadão.

Não há desrespeito à divisão de poderes. Em primeiro lugar, porque toda a


afronta a direito individual legitima a atuação de Poder Judiciário, que não está governando
ou atuando na função executiva, apenas determinando o cumprimento da legislação,
devidamente aprovada pelos demais Poderes.
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O princípio da reserva do possível não pode servir de limitador ao direito


constitucional à saúde, por se tratar de condição básica e essencial à vida (mínimo essencial),
devendo ter assento incondicional no orçamento dos entes públicos.

As políticas públicas de acesso à saúde devem ser voltadas para o


atendimento rápido e eficaz da população, sob pena de não cumprirem minimamente suas
finalidades.

Assim, J.J. Gomes Canotilho5:

“A força dirigente e determinante dos direitos a prestações


(econômicos, sociais e culturais) inverte, desde logo, o objeto
clássico da pretensão jurídica fundada num direito subjetivo: de
uma pretensão de omissão dos poderes públicos (direito a exigir
que o Estado se abstenha de intervir nos direitos, liberdades e
garantias) transita-se para uma proibição de omissão (direito a
exigir que o Estado intervenha activamente no sentido de assegurar
prestações aos cidadãos). ”

Dito isso, não se descuida de que o Superior Tribunal de Justiça promoveu o


julgamento da matéria no tema 106, sob o rito dos recursos repetitivos, fixando os seguintes
requisitos cumulativos que devem balizar a análise dos pedidos de medicamentos não
incorporados pelos atos normativos do SUS:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e
circunstanciado expedido por médico que assiste o
paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do
medicamento, assim como da ineficácia, para o
tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo
SUS;
ii) Incapacidade financeira de arcar com o custo do
medicamento prescrito;
iii) Existência de registro do medicamento na ANVISA,
observados os usos autorizados pela agência"

5CANOTILHO, J. J. G. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Contributo para


Compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 365.
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Na hipótese dos autos, tenho que os requisitos acima elencados restaram


cumpridos. A incapacidade financeira da parte, o registro na ANVISA e a necessidade do
medicamento são incontroversos.

O laudo médico (fls. 21/23), acostado aos autos atesta a necessidade do uso
da medicação, para tratamento de doença que acomete a parte autora, durante a gestação,
a fim de controle seguro e adequado ao quadro da patologia. Ressaltado, inclusive, que a
falta do fármaco pode acarretar progressos na patologia com agravamentos no quadro
clínico, como risco de aborto.

A explicação do laudo é a resposta ao questionamento sobre os Protocolos


Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, devendo prevalecer a indicação técnica específica
do médico que acompanha a paciente, que pela proximidade tem todos conhecimento das
suas necessidades clínicas específicas.

Nessa linha, segundo o Código de Ética Médica do Conselho Federal de


Medicina, item XVI do Capítulo dos Direitos Fundamentais: “Nenhuma disposição estatutária
ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo
médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento
do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.

Ademais, não vislumbro razoabilidade em exigir que se esgote o uso de todos


os medicamentos disponíveis na rede pública, submetendo o bem-estar físico e emocional
da parte aos riscos dos efeitos dos diversos fármacos, sobretudo quando o próprio Estado
não proporciona os meios necessários para tanto (consultas e exames), com a eficácia e
rapidez necessária.

Até mesmo porque a escolha do tratamento médico a ser utilizado pelo


paciente cabe ao profissional, e não aos recorrentes ou ao próprio beneficiário, pois somente
o profissional especializado é quem poderá optar e recomendar qual o melhor método a ser

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utilizado em cada caso, com o intuito de alcançar o resultado mais benéfico no controle da
patologia que acomete seu paciente conforme o histórico clínico verificado, em cada caso.

Dessa forma, entendo que restaram atendidos os requisitos:

a) necessidade de medicamento prescrito por profissional habilitado que se


enquadra dentro da esfera do mínimo necessário à existência humana digna; o medicamento
tem respaldo da ANVISA e a parte se mostra economicamente incapaz; e b) não comprovação
da limitação econômico-financeira pelo ente público - calcada no conjunto de medidas que
informam a boa administração, consoante digressão supra -, de modo que inaplicável a cláusula

da reserva do possível ou outras excludentes de responsabilidade. Trata-se, pois, de fármaco,


cujo efeito se enquadra dentro da esfera do mínimo necessário - em proteção ao direito da
existência humana digna.

Por fim, de frisar que é da essência do instituto da solidariedade a escolha


do devedor qual dos credores demandar. Havendo solidariedade dos entes federados, não
nos parece razoável impedir que a parte direcione o pleito a um deles, como entende o
recorrente.

Destarte, diante da solidariedade constitucionalmente prevista dos entes


públicos para fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde, impõe-se a
manutenção do reconhecimento da legitimidade passiva do Estado do Rio Grande do Sul
para fornecer o medicamento pleiteado.

Nesse sentido, a não inclusão do medicamento em listagem do ente público


não deve se sobrepor ao direito constitucionalmente protegido - à saúde e à vida dos
cidadãos.

Por essas razões, entendo que não merecem prosperar os argumentos do


recorrente, devendo ser mantida a sentença proferida pelo juízo a quo.

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ANTE O EXPOSTO, VOTO em NEGAR PROVIMENTO ao recurso inominado


interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, mantendo-se a sentença originária.

Considerando que a ação foi ajuizada após a entrada em vigor da Lei Estadual
14.634/2014 (15.06.2015), fica o ESTADO isento do pagamento da Taxa Única de Serviços
Judiciais, salientando que as despesas processuais são devidas integralmente,
independentemente da data da propositura da ação, nos termos da tese firmada pelo TJRS
no julgamento do IRDR nº 700812337936 e do disposto no art. 462 da Consolidação
Normativa Judicial - (Provimento 043/2020)7.
Por oportuno, cumpre ressaltar que a decisão proferida no IRDR pode ser
aplicada imediatamente após a sua publicação, não havendo obrigatoriedade em aguardar o
trânsito em julgado, à luz do disposto no caput do art. 985 do CPC, e de acordo com o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça (vide REsp 1879554 / SC). De qualquer sorte,
fica ressalvada a possibilidade de cobrança das custas, em caso de eventual modificação do
resultado do julgamento do referido IRDR.

6 IRDR ACOLHIDO, COM FORMULAÇÃO DE TESE:

TESE: A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DA TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS INSTITUÍDA PELA LEI 14.634/2014, CONCEDIDA AOS
ENTES PÚBLICOS QUE ENUNCIA, APLICA-SE EM TODOS OS PROCESSOS EM QUE FOREM PARTES, SEJA NA CONDIÇÃO DE
AUTORES OU RÉUS, RESSALVADA A OBRIGAÇÃO, QUANDO SUCUMBENTES, DE REEMBOLSAR AO VITORIOSO AS DESPESAS
PROCESSUAIS QUE ESTE TENHA EXPERIMENTADO PARA ESTAR EM JUÍZO, INCLUSIVE A TÍTULO DE PAGAMENTO DA TAXA ÚNICA
EM QUESTÃO.
7 Art. 462-Na apuração da sucumbência pela Fazenda Pública (União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o

Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações) aplica-se a legislação conforme o ajuizamento do feito:
I-nos processos ajuizados até 14/06/2015 (Regimento de Custas -Lei n° 8121/85) são devidas as custas judiciais por metade;
II-nos processos ajuizados a partir de 15/06/2015 (Lei da Taxa Única -Lei n° 14.634/2014), a taxa única é isen-ta.
§1° As despesas processuais são devidas integralmente, independentemente da data da propositura.
§2° A Taxa Judiciária (Lei Estadual n° 8.960/89) é isenta a todos os entes públicos nos processos distribuídos até
14/06/2015, devendo ser excluída da conta de custas quando lançada automaticamente pelo sistema Themis1G, assim
como a respectiva guia, nos casos dispostos neste artigo. A Taxa Judiciária não se confunde com a Taxa Única de Ser-viços
Judiciais prevista na Lei n° 14634/2014.
§ 3° O Estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias e fundações:
a) não recolhem custas aos servidores que deles recebam vencimentos (cartórios estatizados).
b) são isentos da taxa única.
c) recolhem as despesas integralmente, exceto a condução ao Oficial de Justiça.
§4° As Fazendas, de qualquer esfera, não estão dispensadas de reembolsar taxa judiciária, custas, despesas e taxa única quando
tais rubricas tiverem sido antecipadas pela parte vencedora da demanda.
[...]

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Sem condenação do Estado ao pagamento de honorários advocatícios, já que


a parte demandante é representada pela Defensoria Pública, órgão vinculado ao próprio ente
estatal demandado, sendo aplicável o enunciado da súmula nº 421 do STJ 8.

DR. MAURO CAUM GONÇALVES

Com a vênia do Eminente Relator, acompanho, no mérito, o voto lançado.

No entanto, relativamente aos honorários advocatícios, apenas a título de


esclarecimento e a despeito do conteúdo da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça,
entendo pesar sobre a questão o fato de que, desde a promulgação da Emenda
Constitucional nº 45 de 2004, seguida pela mais recente edição da Emenda Constitucional nº
80/2014, a Defensoria Pública ganhou seção própria no Capítulo da Constituição da
República que trata das Funções Essenciais à Justiça, gozando de autonomia funcional e
administrativa, bem como de orçamento próprio, não sendo, assim, um mero órgão
integrante da estrutura administrativa do Estado.

Todavia, em razão de estar vencido nesta questão, adiro à posição da maioria


com essa breve ressalva de posicionamento.

É como voto.

DR.ª ROSANE RAMOS DE OLIVEIRA MICHELS (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

8 Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa
jurídica de direito público à qual pertença.
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DR.ª ROSANE RAMOS DE OLIVEIRA MICHELS - Presidente - Recurso Inominado nº


71009816737, Comarca de São Luiz Gonzaga: "À UNANIMIDADE, EM NEGAR PROVIMENTO
AO RECURSO INOMINADO."

Juízo de Origem: JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PUBLICA ADJ SAO LUIZ GONZAGA -
Comarca de São Luiz Gonzaga

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