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CONTESTAÇÃO - MEDICAMENTOS - MUNICÍPIO

EXMO. JUÍZO DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL ESPECIALIZADA EM


FAZENDA PÚBLICA DE __________ - UF.

Processo nº __________

MUNICÍPIO DE __________, pessoa jurídica de direito


público interno, com sede nesta cidade, na Rua __________,
nº ___, Bairro __________, endereço em que recebe
intimações, inscrito no CNPJ-MF sob nº __________, por seu
procurador firmatário, vem, respeitosamente, perante Vossa
Excelência, nos termos dos arts. 335 e 183 do Código de
Processo Civil/2015, apresentar

CONTESTAÇÃO

à ação que lhe move __________, parte já qualificada, dizendo e requerendo o


que segue.

I - SÍNTESE DA DEMANDA
Trata-se de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela ajuizada contra
o Município de __________, requerendo o fornecimento do medicamento
__________.
A parte autora informou que não possui renda suficiente para a aquisição da
referida medicação, da qual necessita para fins de tratamento da doença que o
acomete, qual seja, _______.
A antecipação de tutela restou deferida por esse MM. Juízo (fl. ___).
Regularmente citado, nesta oportunidade, o Município apresenta sua defesa.

II - DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO


Primeiramente, cumpre destacar que o medicamento postulado __________
não integra as listas de fornecimento do Sistema Único de Saúde.
A incorporação deste medicamento foi avaliada pela Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC, que, como conclusão, não
recomendou a incorporação do medicamento no SUS para o tratamento
de __________.
Alternativamente, existe a possibilidade de o fármaco requerido ser substituído
por outro fornecido pelo SUS para o tratamento da moléstia apresentada pelo
Autor.
Conforme o sugerido pela Secretaria Municipal da Saúde (cópia do memorando
em anexo), oportuno esclarecer que:
“[...] o SUS disponibiliza os medicamentos __________, __________, e
__________, por meio do Componente Básico da Assistência
Farmacêutica de responsabilidade de fornecimento do Município e,
especificamente para a moléstia __________ (CIDs ____; ____; ____),
os medicamentos __________, __________, __________ e
__________ , através do Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica de responsabilidade de fornecimento do Estado/União.
Destaca-se que, além da relação do Componente Básico da Assistência
Farmacêutica, a RENAME/2012 traz as listas do Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica e do Componente Estratégico da Assistência
Farmacêutica, cuja responsabilidade de fornecimento é do Estado e da União.
Há, também, a relação de Medicamentos Especiais, conforme Portaria/SES/RS
Nº 670/2010, cuja responsabilidade de fornecimento é do Estado.
Com relação aos medicamentos destas listas, cabe ao município apenas o
encaminhamento das solicitações dos usuários do SUS via processo
administrativo à Secretaria Estadual da Saúde bem como sua dispensação
quando os mesmos são disponibilizados pelo Estado. Sendo que a análise
desses processos e a aquisição desses medicamentos são de responsabilidade
do Estado.
O medicamento buscado, por não receber a classificação de essencial,
acarreta a ilegitimidade passiva do Município no presente feito em relação
àquele medicamento.
Tal conclusão respeita o planejamento da distribuição de recursos elaborado
pelo Poder Executivo, tornando possível o acesso igualitário às ações e
serviços que buscam promover e proteger a saúde, tema a ser aprofundado no
item seguinte.
Quanto à legitimidade das partes, cumpre transcrever trecho da lição de
LIEBMAN:
"[...] 'legitimação' (ou legitimidade ad causam) é a pertinência subjetiva
da lide nas pessoas do autor e do réu, isto é, o reconhecimento do autor
e do réu, por parte da ordem jurídica, como sendo as pessoas
facultadas respectivamente a pedir e contestar a providência que é
objeto da demanda. Toda vez que surge um conflito de interesses, a lei
não reconhece a qualquer um o poder de dirigir-se ao juiz para que
intervenha e imponha o império da lei. Aquele a quem a lei atribui esse
poder e aquele em face de quem o pedido pode ser feito é que são as
pessoas legítimas. Em geral, na ausência de disposições especiais, são
elas os próprios titulares dos interesses em conflito; às vezes, são
também terceiros, aos quais a lei outorga legitimação concorrente ou
subordinada" (ENRICO TULLIO LIEBMAN. "Estudos", páginas
126/127).
Como não cabe ao Município a concessão do medicamento requerido por não
ser classificado como essencial e não estar incluso em lista oficial, não pode o
ente municipal suportar eventual condenação.
Requer, assim, a extinção do processo sem resolução do mérito em relação ao
Município de __________ quanto à concessão do medicamento __________,
não essencial, em virtude de sua ilegitimidade passiva (art. 485, VI, CPC/2015).

III - DA DIVISÃO DE COMPETÊNCIA NA CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS


Consoante diretrizes constitucionais, cabe ao Poder Público o dever de garantir
a saúde pública “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196);
dispor, nos termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e controle das
ações e serviços de saúde (art. 197); obedecendo ao princípio de organização
em rede regionalizada e hierarquizada (art. 198).
Atendendo ao disposto no art. 197 da Carta Magna, foi editada a Lei Federal nº
8.080/90, segundo a qual a formulação da política de medicamentos (art. 6º, VI)
deve ser organizada de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de
complexidade crescente (art. 8º); cabendo à União promover a
descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos
serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e
municipal (art. 16, XV).
Por sua vez, o Ministério da Saúde, através da Portaria nº 3.916, de 30/10/98,
aprovou a Política Nacional de Medicamentos, estabelecendo diretrizes,
prioridades e responsabilidades dos gestores do Sistema Único de Saúde,
delineando também a competência das três esferas de Governo na concessão
de fármacos, no intuito de não haver ônus excessivo para nenhuma das partes
e consequentemente fosse devidamente cumprido cada papel.
A Política Nacional de Medicamentos delega ao Município a responsabilidade
de adquirir e fornecer os medicamentos constantes na Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (Rename), cuja última atualização realizou-se pela
PORTARIA GM/MS nº 533, DE 28 DE MARÇO DE 2012.
Os medicamentos de alto custo e os referentes a situações excepcionais e
especiais são de responsabilidade da União e dos Estados-membros, aos quais
cabe a aquisição e distribuição.
A observância das atribuições de cada ente federado permite o acesso
igualitário às ações e serviços que buscam promover e proteger a saúde.
Entendimento que encontra guarita na jurisprudência:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À VIDA.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS ESPECIAIS.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE VENÂNCIO AIRES.
HONORÁRIOS DEVIDOS PELO ESTADO À DEFENSORIA PÚBLICA.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A assecuração do acesso igualitário às ações e
serviços, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde,
reclama a observância das atribuições conferidas a cada integrante do
Sistema Único de Saúde. O Município de Venâncio Aires não detém
legitimidade para figurar no polo passivo de ação na qual se
pleiteia o fornecimento de medicamentos especiais e excepcionais,
arrolados nas Portarias 2.577/06, do Ministério da Saúde, e 238/06,
da Secretaria de Saúde do Estado. Não é possível a condenação do
Estado ao pagamento de honorários advocatícios em causa patrocinada
por Defensor Público, ante a existência de confusão entre credor e
devedor. Precedentes do STJ. 2. APELAÇÃO DESPROVIDA."
(Apelação Cível Nº 70020290078, Quarta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 05/09/2007)
CONSTITUIONAL – APELAÇÃO CÍVEL – FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO – LISTA DO SUS/RENAME – APLICAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DA DISTRUTIVIDADE E DA SELETIVIDADE. Para a
concretização do direito à saúde, o Poder Público deve agir seletiva e
distributivamente, não sendo possível ao magistrado determinar que
o ente estatal suporte os custos de medicamentos que não foram
previamente selecionados mediante critérios técnicos que indicam
as necessidades mais preminentes da população, sob pena de o
Judiciário imiscuir-se na esfera de competência do Legislativo e do
Executivo, interferindo no orçamento dos entes estatais e até
mesmo na política de distribuição de saúde a todos os cidadãos,
priorizando o direito de uns em detrimento do de muitos.” (TJMG –
3ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 1.0024.08.135548-9/001 (1),
Relator Silas Vieira, julgado em 24/09/2009, publicado 20/11/2009).
REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO
DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO/EXCEPCIONAL -
RESPONSABILIDADE DO ESTADO. É entendimento sedimentado
desta 1ª Câmara Cível que o particular deverá reclamar do Município
aqueles medicamentos incluídos na sua esfera de atribuição e do
Estado osmedicamentos excepcionais/alto custo, assim definidos
através de normas expedidas pelo SUS. Restando demonstrado que
o medicamento pretendido deve ser disponibilizado pelo Estado de
Minas Gerais, e sendo ele fármaco o mais adequado para tratar a
enfermidade que acomete o paciente, o seu fornecimento é medida que
se impõe. Confirmar a sentença em reexame necessário. (TJMG,
Reexame Necessário nº 0007403-58.2012.8.13.0520
(10520120007403001), 1ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Eduardo
Andrade. j. 02.07.2013, DJ 10.07.2013).
AGRAVO INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS
QUE NÃO FAZEM PARTE DA FARMÁCIA BÁSICA -
RESPONSABILIDADE DO ESTADO. Inexistindo indícios de que seja
do Município a responsabilidade pelo fornecimento do
medicamento pleiteado pela agravada, não há como compeli-lo a
adquiri-lo, sob pena de onerar de forma excessiva e indevida a
receita da administração municipal. É entendimento sedimentado
desta 1ª Câmara Cível que o particular deverá reclamar do Município
aqueles medicamentos incluídos na sua esfera de atribuição e do
Estado os medicamentos excepcionais/alto custo, assim definidos
através de normas expedidas pelo SUS. Recurso provido. (Agravo de
Instrumento Cível nº 0031302-93.2012.8.13.0000, 1ª Câmara Cível do
TJMG, Rel. Eduardo Andrade. j. 20.03.2012, unânime, Publ.
30.03.2012). (Grifos nossos)
Salientamos o seguinte trecho do voto prolatado pelo Desembargador Araken
de Assis, no julgamento da Apelação Cível nº 70020290078, TJRS:
Diante deste panorama, estimo absolutamente correto afirmar que,
muito embora seja o sistema único de saúde regido pelo princípio da
solidariedade, a assecuração da igualdade nas ações e serviços não
confere a qualquer pessoa o direito subjetivo de pleitear prestações
positivas na área de saúde em face de qualquer um dos entes
federados. É necessário, sob pena de falência do sistema, preservar
o campo de atuação de cada ente, não alargando-lhe. Somente
assim, com o zelo pelo fiel cumprimento das responsabilidades
atribuída a cada gestor, alcançaremos a máxima concretude do art.
196 da CF/88. (Grifo nossos)
Nesse sentido, a lição do eminente Ministro Luis Roberto Barroso:
[...] a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve
procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas
formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes.
Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a
Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos,
e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais
igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos
implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados,
eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.
(BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização
excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e
parâmetros para a atuação judicial. Juris Plenum Administrativo, Editora
Plenum, ano I, nº, 2014, p. 39) (Grifo nosso)

IV - DA LIMITAÇÃO ORÇAMENTÁRIA
A Constituição de 1988, denominada de Constituição Cidadã, protagonizou a
criação de diversos direitos, como, por exemplo, os direitos elencados em seu
art. 6º, vejamos:
Art. 6º    São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.
Mencionados direitos, constituem compromissos assumidos pela Assembleia
Constituinte, cujo cumprimento fica a cargo do Poder Executivo.
Citadas normas revelam o modelo social “ideal”, onde o Estado gratuitamente
proporcione à população o chamado “mínimo existencial”, entendido como o
conjunto de direitos aptos a garantir uma existência digna, como saúde,
moradia, alimentação, lazer, educação e outros.
Ocorre que não foram elencadas fontes de receita suficientes para o
atendimento da ampla gama de encargos sociais constitucionalmente previstos.
Quanto à (in)disponibilidade de recursos financeiros estatais, cumpre destacar
a doutrina da “reserva do possível”, que, como bem asseverou o jurista
Fernando Facury Scaff:
[...] decorre da constatação da existência da escassez dos recursos,
públicos ou privados, em face da vastidão das necessidades humanas,
sociais, coletivas ou individuais. Cada indivíduo, ao fazer suas escolhas
e eleger suas prioridades, tem que levar em conta os limites financeiros
de suas disponibilidades econômicas. O mesmo vale para as escolhas
políticas que devem ser realizadas no seio do Estado pelos órgãos
competentes para fazê-lo. (in Reserva do possível pressupõe escolhas
trágicas, Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2013, disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2013-fev-26/contas-vista-reserva-
possivel-pressupoe-escolhas-tragicas>; Acesso em 12 março 2014)
Tal entendimento que encontra guarita na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO
EM MANDANDO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-
CONSTITUÍDA E CONSEQUENTEMENTE DE DIREITO LÍQUIDO E
CERTO. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. [...] 5. Apenas a
título de argumento obter dictum, as ações ajuizadas contra os entes
públicos com escopo de obrigar-lhes indiscriminadamente ao
fornecimento de medicamento de alto custo devem ser analisadas com
muita prudência. 6. O entendimento de que o Poder Público ostenta a
condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade
ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é
utópico; pois o aparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos
anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis
necessidades de todos os cidadãos. 7. Esse cenário, como já era de se
esperar, gera inúmeros conflitos de interesse que vão parar no Poder
Judiciário, a fim de que decida se, nesse ou naquele caso, o ente
público deve ser compelido a satisfazer a pretensão do cidadão. E o
Poder Judiciário, certo de que atua no cumprimento da lei, ao imiscuir-
se na esfera de alçada da Administração Pública, cria problemas de
toda ordem, como desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento
de serviços públicos, dentre outros. 8. O art. 6º da Constituição
Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser
analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os
pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente
razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições
financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta
uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração
por falta de recursos. 9. Recurso ordinário não provido. (RMS
28.962/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 03/09/2009 LEXSTJ vol. 242, p.
55)
É sabido que a organização administrativa concebida pelo Gestor Público para
atendimento dos serviços de saúde mais básicos aos mais especializados,
contemplados pelo SUS, consiste em uma complexa operação.
As Decisões judiciais que deferem, amplamente, o direito subjetivo à saúde
sem a análise criteriosa do caso concreto e da adequação do pleito aos
parâmetros estabelecidos na lei e à repartição de competência na execução
dos serviços de saúde negociados pelos entes federativos; desestabilizam a
organização orçamentária pública, rompendo a reserva do possível e
diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao
restante da coletividade.
Destaca-se que o Município de __________, no exercício de 20__, aplicou o
montante de R$ _______ das receitas previstas no inciso III do art. 77 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias nas Ações e Serviços
Públicos de Saúde - ASPS. Valor que correspondente a 2_,__%, cumprindo
assim com o percentual estipulado na citada disposição legal, conforme a
Certidão nº ____/201_ expedida pelo TCE/UF.
Constata-se, com esses dados, a gravidade de se impor indiscriminadamente
ao Município o fornecimento de medicamentos através de decisões judiciais,
sem se observar as esferas de competência distintas advindas da
descentralização do Sistema Único de Saúde.

V – DA PROVA QUANTO À NECESSIDADE DO MEDICAMENTO E DA


NECESSIDADE DE TRATAMENTO NO ÂMBITO DO SUS
A única prova de que os autor realmente necessita do medicamento indicado
na inicial advém da opinião de seus médicos particulares. Sobre isso, indaga-
se: qual o valor dessa prescrição? A única lealdade desse médico é com o seu
paciente, o que pode gerar pretensões impossíveis: medicamentos não
fornecidos pela rede pública de preço muito elevado, ou sequer tenham sido
aprovados pelo Ministério da Saúde. Também pode haver preferência por
algum laboratório específico ou em relação a alguma marca, em detrimento do
mesmo fármaco genérico, confeccionado no laboratório estatal.
Caso admitida a solidariedade dos entes quanto ao dever de fornecer o
medicamento postulado, requer-se que o tratamento da parte autora ocorra no
âmbito do SUS, isso porque, exige-se para o fornecimento de medicamentos
especiais receita fornecida por médico integrante do SUS, não sendo lícito
fornecer medicamento custeado pelos cofres públicos para tratamento na rede
privada de saúde.

VI - DA AUSÊNCIA DE PROVA DA IMPOSSIBILIDADE ECONÔMICA DO


APELADO ADQUIRIR OS MEDICAMENTOS
A parte autora não trouxe aos autos provas da alegada impossibilidade de arcar
com o custo da medicação requerida, ao menos em parte. Também não
comprovou a impossibilidade de sua família contribuir, mesmo que
parcialmente, com a demanda que apresenta.
Sobre a questão, reportamo-nos à lição do Desembargador Rogério Gesta
Leal, para o qual ausente a demonstração da impossibilidade de
contribuição para o atendimento da demanda dos seus familiares, revela-
se inviável imputar aos entes públicos, de modo exclusivo, o dever de
fornecer os medicamentos pleiteados.
Vejamos trecho de seu voto proferido em demanda similar (Processo nº
70028787968, Agravo Interno em Agravo de Instrumento, 3ª Câmara Cível do
TJRS):
Mesmo no plano da infraconstitucionalidade, temos como deveres
familiares (notadamente entre os cônjuges), dentre outros, a mútua
assistência e o sustento dos filhos, sendo que eles são obrigados
a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do
trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos,
qualquer que seja o regime patrimonial. Ao lado disto, ainda é de
se ressaltar que podem os parentes, os cônjuges ou
companheiros, pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, nos termos do art. 1.694, do novo Código Civil Brasileiro. Veja-
se que, quando faltam neste dever, os familiares podem ser
enquadrados inclusive nas disposições do art. 244, do Código Penal,
que disciplina:
[...]
Assim, considerando que a agravada não apresenta nos autos a
impossibilidade de sua família – no âmbito das relações parentais
descritas acima – contribuir, mesmo que parcialmente, com a
demanda que apresenta, revela-se inviável imputar aos entes
públicos, de modo exclusivo, o dever de fornecer o medicamento
pleiteado. (Grifos nosso)
Atente-se, ainda, à seguinte manifestação doutrinária:
Ao falar em direitos prestacionais, cabe explicitar o pensamento do
renomado constitucionalista Português J.J. Gomes Canotilho, que muito
tem influenciado o pensamento de constitucionalistas brasileiros. Para o
jurista os direitos a prestação significam, em sentido estrito, direito do
particular a obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança
social). Pontuando que, se o particular tiver meios financeiros
suficientes, ele poderá obter a satisfação das suas próprias
“pretensões prestacionais” através do comércio privado[6], ou seja,
os direitos sociais estariam condicionados, enquanto alcance, a uma
gama de pessoas não dotadas de meios financeiros capazes de realizar
as pretensões de conteúdo mínimo existencial, tanto que o autor
acredita que os direitos sociais pressuporia “um tratamento preferencial
para as pessoas que, em virtude de condições econômicas, físicas e
sociais, não podem desfrutar destes direitos”. (DIREITO DE LAJE: O
DIREITO NA VIDA E A VIDA NO DIREITO. p. 997, Congresso Nacional
do CONPEDI, Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. –
Florianópolis : Fundação Boiteux, 2008)
Ora, da mesma forma que as pessoas têm direito de pedir alimentos a seus
parentes, também a parte apelada teria a possibilidade de requerê-lo com o
objetivo de alcançar medicamentos e outros atendimentos na área da saúde.
Cabível concluir que os direitos prestacionais somente podem ser de
responsabilidade do Estado se o particular (incluindo seus parentes, nos
moldes das orientações supracitadas) comprovar que não tem condições
financeiras suficientes para satisfazer o direito que pleiteia. Esta prova,
somente a parte apelada teria possibilidade de fazer, e, no caso, não o fez.

VII - DA INVIABILIDADE DE BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA


A imposição de bloqueio de valores orçamentários do Poder Público para que
forneça medicamentos fere os princípios da igualdade e da razoabilidade, pois
isso priorizaria o particular em detrimento da coletividade, desestabilizando a
organização orçamentária pública.
Entendimento que encontra agasalho na jurisprudência, vejamos:
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE VERBAS
PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE. Não é possível o bloqueio de verbas
públicas, pois, do contrário, estaria o Poder Judiciário interferindo
sobremaneira na gestão dos recursos do sistema único de saúde e
substituindo o administrador, hipótese que somente em caráter
excepcional se poderia admitir, em face da autonomia e
independência de que gozam os Poderes (art. 2º da CF/88). (Agravo
de Instrumento nº 0017363-65.2011.404.0000/RS, 4ª Turma do TRF da
4ª Região, Rel. João Pedro Gebran Neto. j. 27.03.2012, unânime, DE
03.04.2012).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E PROCESSO
CIVIL. MEDIDA LIMINAR. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. ARTIGO 196
DA CF/88. ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EM UTI.
IMPOSIÇÃO AO MUNICÍPIO. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA.
IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 160 DA CF/88. PROVIMENTO PARCIAL.
[...]. II - A constrição judicial de verbas de uso específico,
provenientes de transferências constitucionais, encontra óbice no
artigo 160 da Constituição Federal de 1988, na medida em que este
dispositivo constitucional veda a retenção ou qualquer restrição à
entrega e ao emprego dos recursos atribuídos aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios. III - O bloqueio de verbas
públicas se afigura medida que afronta o Princípio da Separação
dos Poderes (artigo 2º, da CF/88), na medida em que o obstáculo
conferido ao Município de fruir a renda pública compromete a sua
autonomia, ou seja, a competência de gerir seus próprios
interesses locais, conforme estabelecido no artigo 18 da Magna
Carta. IV - Agravo de instrumento parcialmente provido. (Agravo de
Instrumento nº 033936/2010 (103673/2011), 1ª Câmara Cível do TJMA,
Rel. Maria das Graças de Castro Duarte Mendes. j. 30.06.2011,
unânime, DJe 08.07.2011).

VIII - DO NÃO CABIMENTO DE HONORÁRIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA


PÚBLICA
É inviável a condenação do Município ao pagamento de honorários
advocatícios à Defensora Pública, pois tal condenação implicaria em delegar ao
Ente Municipal os custos de serviço público de incumbência do Estado, o que
provoca a indevida transferência de recursos de um ente da federação a outro.
Salienta-se que o Município vem sendo compelido a cumprir uma série de
prestações decorrentes dos direitos sociais consagrados na Constituição
Federal, independentemente das competências administrativas fixadas
infraconstitucionalmente. Tal situação acaba por onerar os cofres públicos
municipais.

IX - DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, requer:
a) o recebimento da presente Contestação, para que, preliminarmente, seja
declarada a ilegitimidade passiva do ente municipal quanto à concessão do
fármaco __________, pois não está incluso nas listas de medicamentos
fornecidos pelo SUS.
b) seja intimada a parte autora para, querendo, apresentar resposta à presente
contestação;
c) seja intimado o médico da parte autora para informar se o medicamento
__________, requerido na inicial, pode ser substituído por outro fornecido pelo
SUS, como sugerido pela Secretaria Municipal da Saúde (cópia do memorando
em anexo);
d) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial a
documental, inclusive com a juntada de documentos novos durante o trâmite
processual; e
e) ao final, seja julgado improcedente o pedido da parte autora, revogando a
liminar concedida e com sua condenação nos ônus da sucumbência.
Caso seja julgada procedente a ação, requer-se:
f) que o tratamento ocorra no âmbito do SUS;
g) que o Município não seja condenado ao pagamento de honorários à
Defensoria Pública;
h) seja procedido ao prequestionamento dos art. 196, 197 e 198 da
Constituição Federal e dos arts. 6º, VI, 8º e 16, XV, da Lei Federal n.º 8.080/90,
expressamente arguidos nesta contestação.
Nesses Termos, Pede Deferimento.
__________, __ de __________ de 201_.
__________
Procurador do Município
OAB/UF _____

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