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Ministério Público da Comunidade Jurídica do Rio Guamá

10ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva – Comarca de Belém


- Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides –
Avenida Gonçalo Chaves, 364, Umarizal – Belém/PA – CEP 66093-729

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA SUPREMA CORTE DE JUSTIÇA DA


COMUNIDADE DO RIO GUAMÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DA COMUNIDADE JURÍDICA DO RIO GUAMÁ (MP-


CJRG) por meio de seus Promotores de Justiça:

Arthur de Oliveira Figueiredo, Promotor;


Gabriel José Barradas Mota, Promotor;
Glenda Emanuelle Matias da Silva, Promotora;
Lucas Figueiredo Duarte, Promotor; e
Pamela Samires Morais Lopes, Promotora;

juntamente aos seus respectivos assessores:

Cauet de Araújo Corrêa Formigosa, Assessor;


Hemilly Kariny Santana Siqueira, Assessora;
Jairo de Jesus Nascimento da Silva, Assessor;
João Paulo Ferreira Malcher, Assessor; e
Maria Camila da Silva Farias, Assessora

com atribuições na 10ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva – Núcleo Belém, no uso de
suas atribuições constitucionais e legais e com fulcro no artigo 129, incisos, I, III e V da
Constituição Federal e baseados na Lei 7.347/85, art. 1º, incisos I, IV, V e VII e art. 5º, inciso I
vem perante Vossa Excelência promover

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR

em face da COMARCA DO GUAMÁ, Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, inscrito no CNPJ
sob o nº 81.938.642/0001-01, com sede na Praça de São Timóteo, nº 184, Centro, Condado
do Guamá /PA, CEP 87100-000; UNIÃO, Pessoa Jurídica de Direito Público, que pode ser citada
na Capital do Estado do Pará, av. Boulevard Castilhos França, nº 708 – Edifício-sede do BACEN,
CEP 66.010-020, na pessoa do Procurador-Chefe da União no Estado do Pará; e TRÓPICO
ENERGIA S.A., Pessoa Jurídica de Direito Privado, inscrita no CNPJ sob o nº 84.270.487/0001-
25, com sede na Rua Presidente Vargas, nº 2309, Cidade Velha, Belém/PA, CEP 87409-055,
visando a reversão e/ou mitigação dos danos ambientais, sociais, econômicos e
humanitários oriundos da construção em andamento da Usina Hidrelétrica de Tucunaré,
coordenada pela empresa referida no Condado do Guamá, cujos objetos incluirão consulta
humanizada das comunidades afetadas, a partir das quais emergirão ações de realocação
adequada, indenização equivalente aos danos factuais, transparência fiscal e contratual e
reparação dos prejuízos ambientais, diante das claras infrações cometidas pela sociedade
anônima supracitada em âmbitos ambientais, administrativos e civis, de acordo com os
fundamentos de fato e de direito a seguir expostos.

I - DOS FATOS

A partir do ano de 2012, foi deferido pela União o processo licitatório que encarrega a
TRÓPICO ENERGIA S.A. (TESA) a iniciar as obras para a construção de uma usina de matriz
hidroelétrica na Curva Grande do Rio Guamá. O corpo d' água em questão drena uma área de
87. 389,54 km², sendo os seus últimos 160 km navegáveis. Ele provê 75% dos recursos hídricos
consumidos na capital paraense: Belém. Dentre os seus afluentes, os rios Acará; Capim e
Moju, nos quais coexistem 4 comunidades quilombolas, 20 etnias indígenas de 2 troncos
linguísticos e inúmeros agrupamentos ribeirinhos no decorrer do fluxo das águas ao longo de
6 municípios. Em decorrência dos dados apresentados, torna-se evidente a importância
socioeconômica do curso fluvial que receberia a usina.

O empreendimento estabelecia como seu objetivo-mor a produção contínua de


aproximadamente 11.233 megawatts de energia para o abastecimento de 18 milhões de
residências entre as regiões Norte e Nordeste, e tinha a promessa de entrega para o mês de
maio do ano de 2019. Sua construção se iniciou em abril de 2014, apesar de 5 procuradores
do MP-CJRG, em visita à terra indígena Tembé Tenetehara, tomarem conhecimento, por meio
de relatos dos próprios indígenas, que estudos dos impactos ambientais do empreendimento
já estavam em andamento desde 2011 sem qualquer divulgação ao público.
Posteriormente, foi descoberto que as empreiteiras responsáveis pelo
desenvolvimento da pesquisa possuíam uma “cláusula de confidencialidade”, a qual definia o
sigilo das informações descobertas entre a empresa e as empreiteiras , sem liberação ao
público. Atitude essa que levantou a suspeita dos agentes públicos quanto à legalidade da
operação. Assim, foi ajuizada a primeira ação civil pública (ACP) visando invalidar o contrato
supracitado, a fim de deslocar o processo de licenciamento ambiental do empreendimento do
órgão estadual – a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará – para o federal, IBAMA.
(anexo I e anexo II)

O processo legal foi indeferido mediante o instrumento processual denominado


“Suspensão de Segurança”, o qual prevê a possibilidade de requerer, junto ao tribunal, a
revogação da liminar e/ou sentença para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à
economia públicas. Vale destacar que esse mecanismo foi criado durante o Regime Militar
(1964-1985) para a defesa do interesse público da UNIÃO, o que pode destoar dos interesses
de grupos minoritários vulneráveis.

Dessa forma, a construção se sucedeu com um Plano de Mitigação de Impacto que foi
negligenciado pelo Estado e flexibilizado, corrompido e reescrito unilateralmente pela
concessionária TESA, sem seguir as devidas tramitações legais de um Plano Básico Ambiental
(PBA), como descrito na lei (Artigo 225, parágrafo 1º, IV da Constituição Federal). Nesse plano,
havia a previsão de consulta dos diversos povos nativos da região, ação que foi executada de
maneira deformada e insuficiente, pauta essa que será aprofundada no decorrer da presente
petição. (anexo III, IV, V)

Já no ano de 2017, com 35% da obra já em funcionamento, a Associação das


Comunidades Ribeirinhas Moju-Acará (ACRMA) acionou o MP-CJRG para mais uma denúncia
referente à obra: na qual o alarme recaía sobre a redução drástica da população de cardumes,
outrora abundantes na atividade pesqueira. Cabe pontuar que a economia regional é
impulsionada pela extração e venda dos pescados, de tal forma que os prejuízos trazidos às
comunidades locais advindos das transformações do curso do rio facilmente fazem emergir
indagações quanto aos custos socioambientais para a efetivação da usina. (anexo VI,
VII, VIII)
No entanto, novamente os processos instaurados são realocados a instâncias
posteriores, o que atrasa a possibilidade de embargo da obra, por intermédio da reutilização
do aparato de Suspensão de Segurança, de maneira a sugerir que os interesses empresariais,
disfarçados de alegações em apoio ao bem público, se sobressaem perante a defesa da
dignidade das comunidades afetadas, como se evidencia nos argumentos apelados repetidas
vezes pela Advocacia Geral da União (AGU). (anexo IX)

Outrossim, uma das poucas conquistas estabelecidas pelo MP-CJRG foi o


estabelecimento da obrigatoriedade da compra das terras cedidas pelas comunidades
indígenas por parte da TESA, a qual não efetivou essa demanda, tampouco levou em
consideração o caráter cultural, simbólico, religioso e comunitário atrelado ao solo por parte
dos povos originários. (anexo X e anexo XI)

A relação disposta entre os grupos indígenas da Curva Grande do Rio Xingu com a terra
em que habitam se desenvolve de maneira notadamente particular. Como amplamente
documentado, a interação com o solo no cerne dessas culturas ressalta um cuidado não
somente imediatista de quem hodiernamente mora sobre ele, mas, principalmente, pelos que
já se foram. A ancestralidade dos atuais habitantes, bem como a espiritualidade que garante
o bem-viver da comunidade coexistem com o mundo material por intermédio de um convívio
harmônico com o meio em que estão inseridos dentro da cosmovisão desses povos. Portanto,
ignorar esse entendimento da realidade é atentar de modo etnocêntrico contra a forma de
vida tradicional pacificamente realizada por esses grupos ainda mais vulnerabilizados pelos
anseios do desenvolvimento de um capitalismo predatório.

Assim, dentre as 20 aldeias consultadas, somente 7 concordaram com a venda de suas


propriedades na condição de um realocamento decente e ainda próximo à corrente fluvial. As
demais ainda impõe resistência dentro da argumentação cultural/religiosa supracitada. Fato
esse que, enquanto tramita por diversas instâncias da justiça, não impediu o prosseguimento
da construção da barragem. A soma desses imbróglios detona clara negligência da UNIÃO
perante seus deveres de proteção dos bens indígenas, assegurados no caput do Artigo 231 da
Constituição Federal.

Ademais, a omissão do Estado em dotar o órgão indigenista, a Fundação Nacional do


Índio (FUNAI), de condições mínimas para cumprir sua missão institucional diante dos desafios
que acompanhariam a Usina de Tucunaré, de garantir o usufruto dos indígenas e proteção
sobre suas terras, soma-se à atuação heterodoxa do empreendedor, que, após obter as
licenças ambientais, blindado pelo suposto ‘interesse nacional’ de seu projeto, passa a decidir
– segundo suas próprias prioridades – quando e como os recursos das políticas
socioambientais seriam aplicados. Vale ressaltar que essas licenças foram irregularmente
providas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, uma
vez que várias condicionantes a serem obedecidas previamente à construção da obra foram
desrespeitadas pela TESA (anexo XII).

Percebe-se, dessa forma, que a construção da usina provocou interferências


significativas nos traços culturais, no modo de vida e no uso das terras pelos povos indígenas,
causando relevante instabilidade nas relações intra e interétnicas e gerando um tipo de
etnocídio aos grupos originários da Curva Grande do Rio Guamá com as obras da hidrelétrica.

Quanto aos diversos povos prejudicados pelo empreendimento em destaque na


presente causa, sejam ribeirinhos, quilombolas ou indígenas, uma das estratégias tomadas
pela principal acusada numa tentativa de lidar com tais comunidades foi a realocação, medida
que estava prevista inclusive em uma das condicionantes presentes no contrato licitatório da
obra. Todavia, a empresa não apresentou eficiência e humanidade nesse processo e, quando
não forçados, sem qualquer tipo de aviso prévio ou informações quanto ao projeto, esses
moradores locais foram deslocados para ambientes totalmente fora de sua realidade,
especialmente para as periferias de Belém, Guamá e Terra Firme, as quais observa-se sem
condições de vida e de infraestrutura básicas (saneamento, moradias adequadas, eletricidade
regular, et cetera), contribuindo, desse modo, para a marginalização desses povos, agora
distantes de suas antigas habitações e dos seus costumes.

O ritmo de trabalho dos ribeirinhos, por exemplo, é baseado principalmente na


extração e no consumo interno, caçando e plantando seus próprios alimentos e retirando de
recursos naturais os mecanismos e ferramentas para sobrevivência. Ao realizar a realocação
para cidades de aspectos mais urbanos, a adaptação pessoal desses indivíduos habituados às
margens dos grandes fluxos hídricos da região amazônica foi precariamente assistida e mal
planejada, uma vez que muitos se encontraram fadados à atividades informais com baixa
remuneração ou até mesmo ilícitas como uma forma de renda e sustento. É importante frisar
que essas condições básicas de vida e de dignidade da pessoa humana - e nesse viés, incluem-
se indígenas, ainda que de maneira unicamente formal - deveriam ser providas pela UNIÃO
por meio das prefeituras dos respectivos municípios (Belém, Ananindeua e Marituba), até
antes mesmo do caso abordado, entretanto não viraram realidade. (anexo XIII)

Ainda no que tange às populações ribeirinhas, constata-se, pelas cláusulas contratuais,


uma clara má-fé por parte da TESA com relação ao processo de realocamento dessas
populações, haja vista que a maioria das famílias manifestaram preferência para uma
realocação que os mantivessem próximos ao rio e ao seu modo de vida. No entanto, essa
possibilidade, ainda que plausível e admitida pela própria empresa, não era sugerida nas peças
contratuais assinadas pelos ribeirinhos, com o intuito claro de induzi-los a outras alternativas,
sem qualquer humanidade e respeito pela sua maneira tradicional de existência e, como já
mencionado, por vezes os marginalizando nas periferias de metrópoles como Belém. (anexo
XIV e anexo XV)

Com essas interferências advindas da obra, especialmente no modo de viver das


populações locais, as mulheres começam a ser vistas como mais uma mercadoria de
entretenimento para distração dos operários, tornando-se comum o aliciamento de
mulheres e adolescentes indígenas para a prostituição. Em um contexto de pobreza e
miséria, a prostituição pode ser vista como uma forma mais abreviada para a suplantação
dessa conjuntura, seja para as profissionais do sexo que exercem a atividade regulamentada,
ou para as/os jovens exploradas/os sexualmente, conforme denunciam as entidades de
defesa dos direitos infanto-juvenis da cidade de Belém. (anexo XVI)

Ademais, é fundamental salientar que hidrelétricas, geralmente como obras estatais e


de grande demanda de recursos financeiros, possuem um considerável histórico de casos de
desvios de verbas e corrupção, e Tucunaré não foi diferente. O custo inicial oficial seria de
R$31,2 bilhões (anexo XVII). Nesse custo não estavam previstos o valor do desmatamento que
atingiu cerca de 5.300 km² de floresta (segundo o próprio consórcio), o valor de 100 km de
leito do Rio Guamá que praticamente secou devido à barragem construída (anexo XVIII e
anexo XIX) e a indenização aos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos localizados nesse
trecho. (anexo XX e anexo XXI)
Em relação ao financiamento da obra, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES)
foi responsável por emprestar R$22 bilhões ao montante acima citado. O Tribunal de Contas
da União (TCU) apontou um superfaturamento de pelo menos R$3,3 bilhões nas obras da
usina. Em questões contratuais, estão pendentes R$490 milhões em royalties entre a TESA e
o consórcio das empreiteiras envolvidas na construção (que outrora já foram citadas em
esquemas de corrupção passiva, como na Operação Lava-Jato). Isso tudo mesmo com apenas
43,6% da obra fiscalizada, segundo o relatório do próprio TCU. Portanto, é nítido que as
infrações na esfera fiscal também estão presentes na causa. (anexo XXII, XXIII e XXIV)

Ainda em questões tributárias, as práticas de indenização, que também constavam


como condicionantes contratuais, foram igualmente fraudulentas. Nos três tipos
disponibilizados foram constatadas irregularidades: nas cartas de crédito imobiliário, que
nunca foram entregues aos povos atingidos; no pagamento em dinheiro, que, num cálculo
entre o pedido e todas as famílias quilombolas, ribeirinhas e indígenas, nem mesmo se
aproximava dos reais danos causados; e o reassentamento que, como já citado, foi irregular
em muitos aspectos, também foi a única opção dada aos moradores de áreas consideradas
precárias.

Atualmente, as obras estão em 75% de seu andamento concluído. A energia firme de


Tucunaré é de apenas 40% da sua capacidade nominal, de 11 mil megawatts. O rendimento é
abaixo da média nacional, de 55%. O custo da transmissão da energia cresceu tanto que se
aproximou do custo da geração, relação inédita nesse tipo de orçamento. Além disso, o que
no projeto inicial dizia ser uma usina com foco na energia para as regiões Norte e Nordeste,
hoje a usina tem boa parte de sua produção destinada para o Sudeste, e uma porcentagem
nula para os povos atingidos de alguma forma pelas obras.

Finalmente, os riscos para o meio ambiente são os mais agravados nesse estágio da
obra, visto que implicam em graves malefícios tanto para a fauna quanto para a flora. O curso
natural do rio, pela barragem, foi alterado e pelo menos 16 toneladas de peixes mortos já
foram registradas. Tal mortandade é agravada pelo fenômeno bioquímico conhecido como
eutrofização, isto é, a proliferação desenfreada de micro-organismos nas águas do lago da
represa que diminuem o oxigênio dissolvido na água. Esse processo tem sua origem atrelado
a um mau direcionamento do esgoto e dos fertilizantes que advém dos assentamentos
pessimamente planejados ao redor do lago em decorrência das obras em questão. Vastas
áreas de vegetação alta e rasteira foram inundadas, e isso inclui terras agricultáveis e
plantações cujas seus produtores perderam seu sustento. Com tais irregularidades no curso
dos rios, seus 160km, outrora navegáveis, agora comprometem o transporte fluvial em
diversas regiões, tornando totalmente isoladas algumas comunidades ribeirinhas. Fora das
águas, as invasões de madeireiros e grileiros aumentaram espantosamente após o início das
obras. Esses são apenas alguns dos impactos ambientais que a construção dessa hidrelétrica -
para alguns especialistas, desnecessária- provocou, uma vez que pequenas alterações, dentro
de um ecossistema, mudam drasticamente toda a conjuntura espacial.

Por fim, os fatos expõem o que já havíamos antecipado no início desta ação: que os
acusados respondam de forma clara e em verdade pelos seus atos cometidos tanto em âmbito
social, ambiental e fiscal aos afetados pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucunaré, a
qual foi empreendida em torno de inúmeras irregularidades nas áreas citadas e violações
humanitárias. Os pedidos e liminares que estão descritos em páginas posteriores reforçam a
indignação em relação ao caso abordado aqui por parte do MP-CJRG, o qual espera
profundamente que a causa seja decidida, levando em consideração todas as dificuldades
enfrentadas pelos povos retratados acima, de maneira justa e que prevaleça a imparcialidade
dentro de cada sentença.

II – DAS LEGITIMIDADES

O Ministério Público da Comunidade Jurídica do Rio Guamá é competente para,


assumindo o papel de defensor da ordem jurídica dentro da conjuntura da tripartição dos
poderes no ordenamento brasileiro, vir, por meio da ação civil pública aqui presente,
manifestar e explanar a público violações de princípios constitucionais e democráticos
oriundas da irresponsabilidade, má fé, negligência e egoísmo observadas no caso abordado, a
ser julgado de maneira justa e imparcial pelo órgão máximo do judiciário nacional: o Supremo
Tribunal Federal (STF). Tal competência, vale destacar, é legitimada pelo caput do artigo 127
da Constituição Federal.

O STF que, por sua vez, possui envergadura para julgar causas em última instância uma
vez que decisões anteriores contrariem dispositivo da própria Carta Magna brasileira. Neste
caso, a promotoria afirma que existe mais de uma disposição legal e constitucional ferida pela
conduta dos acusados, vide caput do artigo 225 da CF e artigo 231 do mesmo documento
como exemplos. Portanto, o artigo 102 da Constituição confere ao Supremo a competência
necessária para analisar a causa constante nesta petição.

Em outra mão, é fulcral a apresentação das prerrogativas legais que validam a


acusação da UNIÃO, bem como do Estado do Pará e do município do Guamá nesta causa.
Dentre as competências de tais esferas administrativas, são comuns aos três a proteção do
meio ambiente bem como a preservação da sua fauna e flora; a promoção de integração social
dos setores desfavorecidos da sociedade, e nesse conceito se enquadram indígenas,
quilombolas e ribeirinhos, e; a fiscalização da exploração de recursos hídricos. Diante os fatos
acima expostos, nenhuma das atribuições citadas é respeitada em sua integridade, como
apresentadas na Constituição, no artigo 23, incisos VI, VII, X e XI. A TESA também é legitimada
como acusada pelo que se configura no artigo 225 da CF, parágrafo terceiro, referente às
condutas lesivas ao meio ambiente, além de infrações cometidas ao Estatuto do Índio,
estabelecido pela lei 6.001/73.

Ademais, a UNIÃO, o Estado do Pará e o município do Guamá são corresponsáveis


pelos danos ocorridos, uma vez que estes são os detentores de liberações de licenças de
concessão e funcionamento, avaliações de estudo de impacto ambiental e, principalmente,
por possuir o controle de órgãos estatais criados justamente para fiscalizar esse tipo de
empreendimento, como consta no caput do artigo 176 e do artigo 48, inciso XI, ambos da
Constituição Federal, respectivamente.

Diante de tudo até aqui exposto, por fim, a TESA e a UNIÃO juntamente aos outros
entes federativos devem ser atribuídos e julgados pelas implicações causadas pois, por
consequência dos acontecimentos apresentados, o meio ambiente atingido corre grave risco,
sem mencionar ainda as populações locais afetadas em seu núcleo, uma vez que são
intimamente ligadas aos recursos naturais de suas comunidades. Dessa forma, os acusados
devem, prontamente, responder pelos danos socioambientais em questão.

III – DO DIREITO
O Ministério Público da Comunidade Jurídica do Rio Guamá, honrando o compromisso
com suas atribuições definidas na Seção I, Capítulo IV, do Título IV da Constituição Federal
(artigos 127 ao 130-A), em prol da defesa dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, do
meio ambiente e da ordem tributária e administrativa nacional, reconhece que diversas
disposições constantes no ordenamento jurídico brasileiro foram negligenciadas e infringidas
tanto pela UNIÃO quanto pela TRÓPICO ENERGIA S.A.. Para provar tal exposição, tais
legislações serão apresentadas a seguir.

A - DIREITO DOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E RIBEIRINHOS

Em primeiro lugar, a partir dos fatos acima narrados, tornam-se evidentes inúmeros
descuidos e desconsiderações com os povos moradores das áreas drenadas pelo Rio Guamá
por parte da UNIÃO, uma vez que as terras dos mencionados são, além de relacionadas à
acusada, como consta no caput do artigo 231 da Constituição Federal: “São reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens", também são de posse da mesma: “São bens da União: as
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.” (Artigo 20, inciso IX, CF). A partir dessas
premissas, ao realizar uma comparação com os fatos, é nítido que houve um descompromisso
por parte da UNIÃO no que tange justamente à proteção dessas terras, visto que foram
entregues à iniciativa privada das empreiteiras sem maiores regulações e consultas com as
comunidades ali residentes. Além disso, como relatado, algumas populações foram obrigadas
a sair de suas próprias terras sem qualquer tipo de indenização ou reparação adequada, o que
mostra que, aos olhos do Estado, os índios (aqui em conjunto aos ribeirinhos e quilombolas,
notada suas vulnerabilidades sociais) sequer são reconhecidos como parte da sociedade civil,
o que “termina” de contrariar toda a disposição legal apresentada.

As ilegalidades continuam em outros sistemas do ordenamento brasileiro. A exemplo,


no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o artigo 68 redige outra premissa
contrariada na causa atrelada a esta petição: “Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” Uma vez proprietários de suas terras, os
quilombolas possuem o direito de fazer o que lhes bem entender com elas, com a única
obrigação de darem à ela uma função social. Ora, a própria moradia e subsistência já se
enquadram em tal prerrogativa e, portanto, as comunidades estariam regularizadas ali, com
ou sem os títulos e documentos necessários, estes obrigatoriamente sendo emitidos pelo
Estado, como assegurado na disposição. Se os órgãos competentes não cumpriram com sua
obrigação, não cabe aos quilombolas a responsabilização e, logo, não é válido o argumento de
que os moradores das áreas invadidas pelo empreendimento da TRÓPICO ENERGIA S.A. não
possuíam a burocracia necessária para apresentarem as terras como propriedade deles. Em
conclusão, mais um grupo vulnerável (legalmente respaldado) desrespeitado e mais uma
infração ao ordenamento por parte dos acusados, já que ninguém deve ser expulso (ainda
mais à força) de sua própria moradia. Ou não deveria.

Quanto aos ribeirinhos, grupo esse que sequer possui menção direta na Constituição
Federal, pode se responsabilizar não apenas a UNIÃO, como também seus entes federativos,
por disposições legais não obedecidas, posto que o inciso X do artigo 23 da Constituição
defende o seguinte: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a
integração social dos setores desfavorecidos.” Um povo que nem mesmo tem seus direitos
reconhecidos no ordenamento nacional (o Estatuto do Ribeirinho consta apenas num projeto
de lei de 2021, de autoria do senador Jader Barbalho - MDB) deve, consequentemente, se
enquadrar numa situação de vulnerabilidade e desfavorecimento social, como a própria
premissa afirma. Portanto, mais uma ilegalidade se confirma, visto que expulsar e ocupar as
terras de comunidades sub-representadas política e socialmente é literalmente o oposto do
que se subentende por “integração social”.

Retomando o foco aos indígenas, mais ilegalidades podem ser evidenciadas dado que,
dos três grupos sociais afetados pela obra da Usina Hidrelétrica de Tucunaré, os índios são os
únicos a possuírem um estatuto, que dentro da causa tramitada, foi completamente ignorado
e desrespeitado. A Lei 6.001 de 1973 dispõe sobre o Estatuto do Índio e, em 68 artigos
publicados no governo de Emílio Médici, apresenta uma série de prerrogativas que incluem
os indígenas civil, jurídica, política e socialmente no ordenamento brasileiro. Entretanto, logo
em seu primeiro artigo, cujo discorre em relação aos objetivos e propósitos do estatuto, é
notada uma infração por parte da UNIÃO e da TESA: “Esta Lei regula a situação jurídica dos
índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar sua cultura e
integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.” Na medida em que as
comunidades indígenas do entorno do Rio Guamá foram sendo afastadas de seus locais de
moradia, foi-se percebendo a total negligência do Governo como um todo em realmente
“preservar sua cultura”, cuja foi forçada a se instaurar em outros lugares (pelas periferias de
Belém, no caso) os quais não possuiam qualquer semelhança com suas terras originárias,
certamente afastando também qualquer harmonia das condições de vida desse povo.
Ademais, o mesmo estatuto ainda aponta, em seu artigo 20, que as terras indígenas podem
sofrer intervenções da União “para a realização de obras públicas que interessem o
desenvolvimento nacional” (1º parágrafo, alínea d). Tal disposição, que pode ser usada para
legitimar a obra, encontra em seu parágrafo 3º, porém, uma condição para tal intervenção:
“Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a
sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida
área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas.” Com a análise dos
fatos, em conclusão, é impossível enxergar legitimidade no empreendimento abordado nesta
causa no que tange ao respeito para com os povos indígenas, bem como os quilombolas e
ribeirinhos e suas respectivas terras, culturas e tradições, as quais são todas defendidas em
lei.

B - DIREITO AMBIENTAL

Em segundo lugar, a obra, saindo do âmbito social, também trouxe graves e


irreversíveis consequências ao meio ambiente, elemento esse também totalmente
negligenciado pelos acusados. Novamente, a UNIÃO é a responsável legal, juntamente aos
seus entes federativos, pela proteção e preservação ambiental, atribuição que descumpriu ao
decorrer da construção da hidrelétrica. O já citado artigo 23 da Constituição é o que dispõe
sobre competências comuns à acusada, aos estados incluindo o Distrito Federal e aos
Municípios. Desta vez, são os incisos VI e VII que nos interessa: “proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”,
respectivamente. A vida animal e a vegetal, bem como a importância ecológica do Rio Guamá
em si, aparentemente, constavam entre as últimas das preocupações da UNIÃO quando
assinada a papelada referente aos acordos com as empreiteiras. Mesmo com estudos prévios
das áreas que, posteriormente, seriam desmatadas, bem como a elaboração de um Plano de
Mitigação de Impacto, a conduta da acusada foi incoerente com as prerrogativas acima
citadas, e os fatos evidenciam isso.

Em discussão constitucional, o Capítulo VI do Título VIII da Carta Magna brasileira trata


da ordem social do meio ambiente, e o artigo 225, em seu caput, já assinala para a democracia
que deve ser assegurada dentro dessa esfera: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.” Ao frisar a importância do equilíbrio ambiental para a
qualidade de vida de todos, torna-se inclusive cômica a conduta adotada pela UNIÃO e pela
TESA, uma vez que os acusados agiram de forma indiferente quanto a esse aspecto. Ademais,
no mesmo artigo, mas em seu 3º parágrafo, iniciam-se as questões punitivas, visto que “As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.” Logo, também se faz presente na legislação mais formas de
responsabilizar os acusados, seja penal seja administrativamente.

Legislações complementares também deslegitimam a obra de Tucunaré. A Política


Nacional do Meio Ambiente, disposta na Lei de número 6.938, de 1981, assim como a Lei 9.605
de 1998, também conhecida como “Lei dos Crimes Ambientais", carregam consigo
prerrogativas para confirmar a condição de réu dos acusados. A primeira estabelece órgãos
como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com atribuições de analisar projetos
ambientais, estabelecer leis e administrar recursos para investimentos ambientais e executar
e fiscalizar políticas e diretrizes em prol do meio ambiente, respectivamente. Este, aliás, já
citado no presente documento como irresponsável para com sua atribuição justamente de
fiscalizar o desenvolvimento sustentável. Entre os objetivos da Política, em seu artigo 4º,
inciso I, consta mais um princípio violado pela UNIÃO e pela TESA: “A Política Nacional do
Meio Ambiente visará: à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a
preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. Na causa aqui
debatida, claramente tal compatibilização não é atendida. A outra lei, por sua vez, apenas
reforça a idéia das penas e sanções administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas
ao meio ambiente (como destacado no já citado parágrafo 3º do artigo 225 da CF) em seus 82
artigos. Algumas dessas penas e sanções podem ser aplicadas ao caso aqui abordado, como
as dispostas nos artigos 33 e 60.

C - OUTRAS INFRAÇÕES

Por fim, algumas outras infrações de caráter constitucional podem ser citadas e
levadas em consideração quando as devidas sanções e punições forem decididas. Termos
dispostos no já citado artigo 23, por exemplo, em seu inciso XI, confirmam mais uma
ilegalidade por parte da UNIÃO: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.” Tal prerrogativa
culmina toda a legislação já apresentada pois, uma vez que as terras indígenas são de tutela
do Estado, bem como quem deve garantir os direitos dos povos originários da região do Rio
Guamá também é o Estado, toda nossa petição e a causa a qual o MP-CJRG atua como
acusador gravita em torno de condutas irresponsáveis da TESA, mas principalmente de uma
inobservância e “vista grossa” da UNIÃO, sujeito que deveria, pelas suas atribuições legais, ser
o fiscalizador social, ambiental e fiscal durante todo o empreendimento.

Além disso, o parágrafo 1º do artigo 176 da CF discorre sobre um tópico importante


que paira sobre a causa: a propriedade da energia hidráulica. “A pesquisa e a lavra de recursos
minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente
poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional,
por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando
essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”. Logo, tal
legislação apenas reforça a exclusão de povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, uma vez
que suas vontades são apartadas de um pretenso “interesse nacional”, bem como reitera que
essas condições específicas que, em teoria, existiram, foram totalmente ignoradas pelos
acusados.

Em conclusão, é verídico que o ordenamento foi burlado e desrespeitado pela própria


UNIÃO que, em tese, é a principal guardiã dessas disposições normativas e quem deveria fazer
com que elas valessem em toda e qualquer hipótese no território nacional. A situação agrava-
se ainda mais quando se percebe que mais de um documento jurídico foi negligenciado, como
apresentamos artigos constitucionais, leis complementares e códigos e estatutos, também
ignorados pela TESA. Portanto, é evidente que as medidas cabíveis devem ser aplicadas em
desfavor dos acusados, assim como é urgente que sejam ouvidas e consideradas as liminares
e pedidos que o MP-CJRG demanda a seguir.

IV – DO PEDIDO LIMINAR

Diante dos fatos supracitados, faz-se necessário o deferimento de uma liminar nos
termos do artigo 12 da Lei 7.347/85 - o qual prevê que o magistrado poderá conceder, em
ação civil pública, o pedido de medida liminar havendo justificativa ou não para sua decisão -
a fim de evitar mais lesões a fauna e flora do rio Guamá e/ou prejudicar ainda mais as
populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas afetadas pela construção da barragem. A
tutela de urgência, prevista no artigo 305 do Código de Processo civil de 2015 requer além das
condições comuns da ação, condições específicas, isto é, a presença de fumus boni iuris e do
periculum in mora.

Na presente demanda, encontra-se perfeitamente a fumus boni iuris, haja vista o


desrespeito às normas ambientais, bem como aos direitos das comunidades afetadas; já o
periculum in mora se encontra no fato da atividade da empresa ter causado danos
socioambientais, sendo certo que, a menos que se coíba suas ações por intermédio de uma
ordem judicial, ela ainda causará impactos irremediáveis ao meio ambiente, ao modo de vida
e à cultura dos povos citados acima. Além disso, quando há omissão de quem, por dever,
deveria cuidar e proteger, estar-se-á afrontando não só a legislação que tutela a matéria,
como também a Constituição Federal de 1988.

Portanto, requer-se por medida liminar:

I . Que a TESA paralise imediatamente suas atividades na obra da Usina Hidrelétrica de


Tucunaré, até a decisão do ilustre magistrado, pois aguardar a ação do tempo em um
caso concreto onde há danos dessa natureza, seria o mesmo que legitimar os atos
ilícitos cometidos pela empresa impetrada, podendo, assim, denegar a justiça a quem
precisa dela.
II . O devido reconhecimento que a UHE Tucunaré viola a própria Constituição Federal
e representa a destruição de grupos que, em tese, deveriam ter sua dignidade e seus
direitos resguardados; fato o qual adentra a questão de práticas etnocidas que devem,
necessária e rigorosamente, ser reconhecidas.

III . A intervenção judicial na implementação e organização da Componente Indígena


da UHE Tucunaré, impondo-se aos responsáveis as consequências pelas suas ações,
além da tutela apta a garantir a execução e a eficácia do seu Plano de Mitigação de
Impactos, com vistas a tornar oportuno a sobrevivência étnica dos grupos que foram
atingidos.

IV . Que seja imposta à Trópico Energia a obrigação de apresentar, no prazo de 30


dias, Relatório de Custos da empresa, para que haja a devida verificação acerca da
dissonância entre o custo inicial previsto e o custo final obtido da obra da referida
Usina.

V . Que seja imposta à FUNAI a obrigação de apresentar, no prazo de 60 dias, um Plano


de Reconstrução de Moradias, a ser incorporado ao Programa de Infraestrutura do
PBA-CI, respeitadas as diretrizes previstas para as intervenções em terra indígena, com
a garantia de modelos construtivos e materiais adequados para cada grupo e etnia,
com processo legítimo de consulta às comunidades e cronograma de execução que
deverá ser incorporado aos Planos de Trabalho anuais do PBA-CI.

VI . O recebimento de todos os royalties na mesma conta bancária já utilizada pela


empresa, sendo o extrato deles encaminhados mensalmente ao Ministério Público da
Comunidade Jurídica do Rio Guamá, até o quinto dia útil de cada mês.

VII . Que seja imposta à União e à TESA a obrigação de reestruturar os povos atingidos
pela construção da hidrelétrica, respeitando o seu modo de vida, cultura, língua e
economia, no que tange às moradias adequadas que devem, obrigatoriamente, estar
em consonância com os pedidos desses povos.

V – DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto e com base na legislação colacionada, visando a manutenção
da dignidade da pessoa humana e o cumprimento dos direitos fundamentais, o Ministério
Público da Comunidade Jurídica do Rio Guamá, requer:

1. Que a TESA paralise imediatamente suas atividades na obra da Usina Hidrelétrica de


Tucunaré, até a decisão do ilustre magistrado, pois aguardar a ação do tempo em um
caso concreto onde há danos dessa natureza, seria o mesmo que legitimar os atos
ilícitos cometidos pela empresa impetrada, podendo, assim, denegar a justiça a quem
precisa dela.

2. O devido reconhecimento que a UHE Tucunaré viola a própria Constituição Federal


e representa a destruição de grupos que, em tese, deveriam ter sua dignidade e seus
direitos resguardados; fato o qual adentra a questão de práticas etnocidas que devem,
necessária e rigorosamente, ser reconhecidas.

3. A intervenção judicial na implementação e organização da Componente Indígena da


UHE Tucunaré, impondo-se aos responsáveis as consequências pelas suas ações, além
da tutela apta a garantir a execução e a eficácia do seu Plano de Mitigação de Impactos,
com vistas a tornar a oportuno da hidrelétrica viável à sobrevivência étnica dos grupos
que foram atingidos

4. Que seja imposta à Trópico Energia a obrigação de apresentar, no prazo de 30 dias,


Relatório de Custos da empresa, para que haja a devida verificação acerca da
dissonância entre o custo inicial previsto e o custo final obtido da obra da referida
Usina.

5. Que seja imposta à FUNAI a obrigação de apresentar, no prazo de 60 dias, um Plano


de Reconstrução de Moradias, a ser incorporado ao Programa de Infraestrutura do
PBA-CI, respeitadas as diretrizes previstas para as intervenções em terra indígena, com
a garantia de modelos construtivos e materiais adequados para cada grupo e etnia,
com processo legítimo de consulta às comunidades e cronograma de execução que
deverá ser incorporado aos Planos de Trabalho anuais do PBA-CI.
6. O recebimento de todos os royalties na mesma conta bancária já utilizada pela
empresa, sendo o extrato deles encaminhados mensalmente ao Ministério Público da
Comunidade Jurídica do Rio Guamá, até o quinto dia útil de cada mês.

7. A concessão da liminar, obrigando a empresa impetrada e as organizações de Estado


competentes a reverter e/ou mitigar todo e qualquer dano causado à fauna e a flora
no processo de construção da Hidrelétrica de Tucunaré.

8. Seja imposta à União, à TESA e à FUNAI o dever de promover atendimento


humanizado às vítimas da construção da UHE Tucunaré, no que concerne aos pedidos
desses indivíduos, bem como aos danos psicológicos causados.

9. Que seja imposta à União e à TESA a obrigação de reestruturar os povos atingidos


pela construção da hidrelétrica, respeitando o seu modo de vida, cultura, língua e
economia, no que tange às moradias adequadas que devem, obrigatoriamente, estar
em consonância com os pedidos desses povos.

10. A promoção da necessária manutenção e contínua restauração das áreas atingidas


pela barragem.

11. A condenação dos requeridos em danos morais coletivos cujo valor será arbitrado
por Vossa Excelência, em liquidação de sentença.

12. A garantia de segurança, proteção e resguardo da dignidade das crianças,


adolescentes e mulheres ribeirinhas, quilombolas e indígenas que, por conta da
realocação nas periferias belenenses, passaram a ser exploradas sexualmente.

13. A intervenção judicial na implementação e organização da Componente Indígena


da UHE Tucunaré, impondo-se aos responsáveis as consequências pelas suas ações,
além da tutela apta a garantir a execução e a eficácia do seu Plano de Mitigação de
Impactos, com vistas a tornar oportuno a sobrevivência étnica dos grupos que foram
atingidos.

14. O recebimento de todos os royalties na mesma conta bancária já utilizada pela


empresa, sendo o extrato deles encaminhados mensalmente ao Ministério Público da
Comunidade Jurídica do Rio Guamá, até o quinto dia útil de cada mês.
15. Que seja reconhecido que o processo de implementação da UHE Tucunaré
constitui ação etnocida do Estado brasileiro, da concessionária Trópico Energia e da
FUNAI, evidenciada na destruição da organização social, costumes, línguas e tradições
dos grupos nativos que foram desrespeitados e tiveram seus direitos alienados.

16. Que seja imposta ao Estado brasileiro e à concessionária Trópico Energia a


obrigação de arcar com medidas de reparação pelas perdas sociais e culturais
ocorridas e pelos abalos psíquicos e morais causados aos habitantes impactados pela
Usina, em virtude dos conflitos (internos, entre etnias e entre indígenas e o
empreendedor) gerados pelo descumprimento das normas do licenciamento, assim
como pela forma como implementada a obra e em decorrência do sentimento de
tristeza, abandono, injustiça e incerteza de futuro gerado pela insegurança quanto à
implementação das ações protetivas previstas; a serem auferidos mediante prova
pericial específica realizada para cada etnia, incluindo os indígenas não aldeados.

17. Que seja imposta aos requeridos a obrigação de promover – de modo inequívoco
e intransferível – pedido expresso de desculpas aos ribeirinhos, quilombolas e
indígenas do Rio Guamá pela explícita omissão para com os direitos fundamentais
desses indivíduos, pelos atos de intolerância e desrespeito, bem como pela ação
etnocida para com as comunidades indígenas perpetrada com a Usina de Tucunaré.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais)

Termos em que pede e espera deferimento.


VI – DAS PROVAS

ANEXOS:
ANEXO I

Anexo referente à cláusula de confidencialidade entre a TESA e a empreiteira contratada.


Qr code para visualização do contrato na íntegra.
ANEXO II
Anexo correspondente à Ação Civil Pública com pedido do Ministério Público para mudança
do órgão de licenciamento ambiental responsável pela Hidrelétrica Tucunaré.
ANEXO III

Anexo referente ao relatório de impactos ambientais e plano de mitigação destes.


Qr code para visualização das páginas introdutórias do plano original.
ANEXO IV
Anexo correspondente a algumas das páginas alteradas dentre outras no Plano de Mitigação
de Impactos, a original possui referência à gestão ambiental que no Relatório adulterado foi
excluído. Ademais, no sexto parágrafo dessas mesmas páginas é pontuada a questão das
comunidades indígenas a fim de se desenvolver um processo de participação social para com
eles.

ANEXO V

Anexo corresponde ao tratamento dos povos indígenas durante a construção da Hidrelétrica


de Tucunaré, sendo este diferenciado do proposto no Plano de Mitigação de Impactos.
ANEXO VI

Anexo correspondente ao trecho do Rio Guamá que permite visualizar as mudanças no curso
do rio decorrente da construção da Usina de Tucunaré.
ANEXO VII

Anexo correspondente a denúncia do Ministério Público da Comunidade Jurídica do Rio


Guamá referente a mortandade dos peixes.
ANEXO VIII

Anexo correspondente a matéria do jornal eletrônico BioVida referente a ameaça à


biodiversidade dos peixes do Rio Guamá.

ANEXO IX
Anexo correspondente a revista eletrônica Manchete referente a participação da AGU que
ingressou com uma liminar propondo a retomada das obras da Hidrelétrica de Tucunaré.

ANEXO X
Anexo corresponde a ação civil pública, com pedido de liminar, promovida pelo Ministério
Público contra a Trópico Energia S.A pelo descumprimento das condicionantes indígenas.
ANEXO XI

Anexo correspondente a desconsideração da cultura e da vivência dos povos indígenas pela


TESA e seus contratados durante a construção da UHE Tucunaré.
ANEXO XII
Anexo correspondente a licitação frágil do IBAMA para a empresa responsável pela UHE de
Tucunaré.

ANEXO XIII
Anexo correspondente ao Parecer Técnico da FUNAI acerca da condição de vida indigna dos
povos que moram próximo a UHE de Tucunaré.

ANEXO XIV
Fonte: Elaboração de autores com base na análise dos PAJs
Anexo referente à manifestação de vontade da comunidade local perante à situação de
realocação e a devida indenização.
ANEXO XV

Anexo correspondente à parte do contrato entre a TESA e a população da região que precisará
ser realocada, evidenciando que a redação desfavorecia a compreensão do documento por
pessoas que já se encontravam vulneráveis.

ANEXO XVI

ANEXO XVII
Anexo correspondente ao documento fiscal do governo brasileiro, acerca dos valores iniciais
dos custos da Usina Hidrelétrica de Tucunaré.

ANEXO XVIII

Anexo correspondente ao mapa da região da UHE (Usina Hidrelétrica) de Tucunaré. Evidência


do desvio do curso do rio e da sua perda de extensão e morte.
ANEXO XIX
Anexo correspondente ao aumento no desmatamento e queimadas na região da UHE de
Tucunaré.

ANEXO XX

Anexo correspondente a fatos e entrevistas com a população que residia na região.

ANEXO XXI
Anexo correspondente a fatos e entrevistas com a população que residia na região.
ANEXO XXII

Anexo correspondente ao contrato de consórcio da obra.


ANEXO XXIII
Anexo correspondente ao pedido do Tribunal de Contas da União para a investigação da obra
de Tucunaré, acerca do superfaturamento da obra e seus atrasos.

ANEXO XXIV

Anexo correspondente à reportagem e casos de escândalos de corrupção relacionados à UHE


de Tucunaré.
Belém, 30 de setembro de 2022

ARTHUR OLIVEIRA FIGUEIREDO


Promotor de Justiça

GABRIEL JOSÉ BARRADAS MOTA


Promotor de Justiça

GLENDA EMANUELLE MATIAS DA SILVA


Promotora de Justiça

LUCAS FIGUEIREDO DUARTE


Promotor de Justiça

PAMELA SAMIERES MORAIS LOPES


Promotora de Justiça

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