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com atribuições na 10ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva – Núcleo Belém, no uso de
suas atribuições constitucionais e legais e com fulcro no artigo 129, incisos, I, III e V da
Constituição Federal e baseados na Lei 7.347/85, art. 1º, incisos I, IV, V e VII e art. 5º, inciso I
vem perante Vossa Excelência promover
em face da COMARCA DO GUAMÁ, Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, inscrito no CNPJ
sob o nº 81.938.642/0001-01, com sede na Praça de São Timóteo, nº 184, Centro, Condado
do Guamá /PA, CEP 87100-000; UNIÃO, Pessoa Jurídica de Direito Público, que pode ser citada
na Capital do Estado do Pará, av. Boulevard Castilhos França, nº 708 – Edifício-sede do BACEN,
CEP 66.010-020, na pessoa do Procurador-Chefe da União no Estado do Pará; e TRÓPICO
ENERGIA S.A., Pessoa Jurídica de Direito Privado, inscrita no CNPJ sob o nº 84.270.487/0001-
25, com sede na Rua Presidente Vargas, nº 2309, Cidade Velha, Belém/PA, CEP 87409-055,
visando a reversão e/ou mitigação dos danos ambientais, sociais, econômicos e
humanitários oriundos da construção em andamento da Usina Hidrelétrica de Tucunaré,
coordenada pela empresa referida no Condado do Guamá, cujos objetos incluirão consulta
humanizada das comunidades afetadas, a partir das quais emergirão ações de realocação
adequada, indenização equivalente aos danos factuais, transparência fiscal e contratual e
reparação dos prejuízos ambientais, diante das claras infrações cometidas pela sociedade
anônima supracitada em âmbitos ambientais, administrativos e civis, de acordo com os
fundamentos de fato e de direito a seguir expostos.
I - DOS FATOS
A partir do ano de 2012, foi deferido pela União o processo licitatório que encarrega a
TRÓPICO ENERGIA S.A. (TESA) a iniciar as obras para a construção de uma usina de matriz
hidroelétrica na Curva Grande do Rio Guamá. O corpo d' água em questão drena uma área de
87. 389,54 km², sendo os seus últimos 160 km navegáveis. Ele provê 75% dos recursos hídricos
consumidos na capital paraense: Belém. Dentre os seus afluentes, os rios Acará; Capim e
Moju, nos quais coexistem 4 comunidades quilombolas, 20 etnias indígenas de 2 troncos
linguísticos e inúmeros agrupamentos ribeirinhos no decorrer do fluxo das águas ao longo de
6 municípios. Em decorrência dos dados apresentados, torna-se evidente a importância
socioeconômica do curso fluvial que receberia a usina.
Dessa forma, a construção se sucedeu com um Plano de Mitigação de Impacto que foi
negligenciado pelo Estado e flexibilizado, corrompido e reescrito unilateralmente pela
concessionária TESA, sem seguir as devidas tramitações legais de um Plano Básico Ambiental
(PBA), como descrito na lei (Artigo 225, parágrafo 1º, IV da Constituição Federal). Nesse plano,
havia a previsão de consulta dos diversos povos nativos da região, ação que foi executada de
maneira deformada e insuficiente, pauta essa que será aprofundada no decorrer da presente
petição. (anexo III, IV, V)
A relação disposta entre os grupos indígenas da Curva Grande do Rio Xingu com a terra
em que habitam se desenvolve de maneira notadamente particular. Como amplamente
documentado, a interação com o solo no cerne dessas culturas ressalta um cuidado não
somente imediatista de quem hodiernamente mora sobre ele, mas, principalmente, pelos que
já se foram. A ancestralidade dos atuais habitantes, bem como a espiritualidade que garante
o bem-viver da comunidade coexistem com o mundo material por intermédio de um convívio
harmônico com o meio em que estão inseridos dentro da cosmovisão desses povos. Portanto,
ignorar esse entendimento da realidade é atentar de modo etnocêntrico contra a forma de
vida tradicional pacificamente realizada por esses grupos ainda mais vulnerabilizados pelos
anseios do desenvolvimento de um capitalismo predatório.
Finalmente, os riscos para o meio ambiente são os mais agravados nesse estágio da
obra, visto que implicam em graves malefícios tanto para a fauna quanto para a flora. O curso
natural do rio, pela barragem, foi alterado e pelo menos 16 toneladas de peixes mortos já
foram registradas. Tal mortandade é agravada pelo fenômeno bioquímico conhecido como
eutrofização, isto é, a proliferação desenfreada de micro-organismos nas águas do lago da
represa que diminuem o oxigênio dissolvido na água. Esse processo tem sua origem atrelado
a um mau direcionamento do esgoto e dos fertilizantes que advém dos assentamentos
pessimamente planejados ao redor do lago em decorrência das obras em questão. Vastas
áreas de vegetação alta e rasteira foram inundadas, e isso inclui terras agricultáveis e
plantações cujas seus produtores perderam seu sustento. Com tais irregularidades no curso
dos rios, seus 160km, outrora navegáveis, agora comprometem o transporte fluvial em
diversas regiões, tornando totalmente isoladas algumas comunidades ribeirinhas. Fora das
águas, as invasões de madeireiros e grileiros aumentaram espantosamente após o início das
obras. Esses são apenas alguns dos impactos ambientais que a construção dessa hidrelétrica -
para alguns especialistas, desnecessária- provocou, uma vez que pequenas alterações, dentro
de um ecossistema, mudam drasticamente toda a conjuntura espacial.
Por fim, os fatos expõem o que já havíamos antecipado no início desta ação: que os
acusados respondam de forma clara e em verdade pelos seus atos cometidos tanto em âmbito
social, ambiental e fiscal aos afetados pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucunaré, a
qual foi empreendida em torno de inúmeras irregularidades nas áreas citadas e violações
humanitárias. Os pedidos e liminares que estão descritos em páginas posteriores reforçam a
indignação em relação ao caso abordado aqui por parte do MP-CJRG, o qual espera
profundamente que a causa seja decidida, levando em consideração todas as dificuldades
enfrentadas pelos povos retratados acima, de maneira justa e que prevaleça a imparcialidade
dentro de cada sentença.
II – DAS LEGITIMIDADES
O STF que, por sua vez, possui envergadura para julgar causas em última instância uma
vez que decisões anteriores contrariem dispositivo da própria Carta Magna brasileira. Neste
caso, a promotoria afirma que existe mais de uma disposição legal e constitucional ferida pela
conduta dos acusados, vide caput do artigo 225 da CF e artigo 231 do mesmo documento
como exemplos. Portanto, o artigo 102 da Constituição confere ao Supremo a competência
necessária para analisar a causa constante nesta petição.
Diante de tudo até aqui exposto, por fim, a TESA e a UNIÃO juntamente aos outros
entes federativos devem ser atribuídos e julgados pelas implicações causadas pois, por
consequência dos acontecimentos apresentados, o meio ambiente atingido corre grave risco,
sem mencionar ainda as populações locais afetadas em seu núcleo, uma vez que são
intimamente ligadas aos recursos naturais de suas comunidades. Dessa forma, os acusados
devem, prontamente, responder pelos danos socioambientais em questão.
III – DO DIREITO
O Ministério Público da Comunidade Jurídica do Rio Guamá, honrando o compromisso
com suas atribuições definidas na Seção I, Capítulo IV, do Título IV da Constituição Federal
(artigos 127 ao 130-A), em prol da defesa dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, do
meio ambiente e da ordem tributária e administrativa nacional, reconhece que diversas
disposições constantes no ordenamento jurídico brasileiro foram negligenciadas e infringidas
tanto pela UNIÃO quanto pela TRÓPICO ENERGIA S.A.. Para provar tal exposição, tais
legislações serão apresentadas a seguir.
Em primeiro lugar, a partir dos fatos acima narrados, tornam-se evidentes inúmeros
descuidos e desconsiderações com os povos moradores das áreas drenadas pelo Rio Guamá
por parte da UNIÃO, uma vez que as terras dos mencionados são, além de relacionadas à
acusada, como consta no caput do artigo 231 da Constituição Federal: “São reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens", também são de posse da mesma: “São bens da União: as
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.” (Artigo 20, inciso IX, CF). A partir dessas
premissas, ao realizar uma comparação com os fatos, é nítido que houve um descompromisso
por parte da UNIÃO no que tange justamente à proteção dessas terras, visto que foram
entregues à iniciativa privada das empreiteiras sem maiores regulações e consultas com as
comunidades ali residentes. Além disso, como relatado, algumas populações foram obrigadas
a sair de suas próprias terras sem qualquer tipo de indenização ou reparação adequada, o que
mostra que, aos olhos do Estado, os índios (aqui em conjunto aos ribeirinhos e quilombolas,
notada suas vulnerabilidades sociais) sequer são reconhecidos como parte da sociedade civil,
o que “termina” de contrariar toda a disposição legal apresentada.
Quanto aos ribeirinhos, grupo esse que sequer possui menção direta na Constituição
Federal, pode se responsabilizar não apenas a UNIÃO, como também seus entes federativos,
por disposições legais não obedecidas, posto que o inciso X do artigo 23 da Constituição
defende o seguinte: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a
integração social dos setores desfavorecidos.” Um povo que nem mesmo tem seus direitos
reconhecidos no ordenamento nacional (o Estatuto do Ribeirinho consta apenas num projeto
de lei de 2021, de autoria do senador Jader Barbalho - MDB) deve, consequentemente, se
enquadrar numa situação de vulnerabilidade e desfavorecimento social, como a própria
premissa afirma. Portanto, mais uma ilegalidade se confirma, visto que expulsar e ocupar as
terras de comunidades sub-representadas política e socialmente é literalmente o oposto do
que se subentende por “integração social”.
Retomando o foco aos indígenas, mais ilegalidades podem ser evidenciadas dado que,
dos três grupos sociais afetados pela obra da Usina Hidrelétrica de Tucunaré, os índios são os
únicos a possuírem um estatuto, que dentro da causa tramitada, foi completamente ignorado
e desrespeitado. A Lei 6.001 de 1973 dispõe sobre o Estatuto do Índio e, em 68 artigos
publicados no governo de Emílio Médici, apresenta uma série de prerrogativas que incluem
os indígenas civil, jurídica, política e socialmente no ordenamento brasileiro. Entretanto, logo
em seu primeiro artigo, cujo discorre em relação aos objetivos e propósitos do estatuto, é
notada uma infração por parte da UNIÃO e da TESA: “Esta Lei regula a situação jurídica dos
índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar sua cultura e
integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.” Na medida em que as
comunidades indígenas do entorno do Rio Guamá foram sendo afastadas de seus locais de
moradia, foi-se percebendo a total negligência do Governo como um todo em realmente
“preservar sua cultura”, cuja foi forçada a se instaurar em outros lugares (pelas periferias de
Belém, no caso) os quais não possuiam qualquer semelhança com suas terras originárias,
certamente afastando também qualquer harmonia das condições de vida desse povo.
Ademais, o mesmo estatuto ainda aponta, em seu artigo 20, que as terras indígenas podem
sofrer intervenções da União “para a realização de obras públicas que interessem o
desenvolvimento nacional” (1º parágrafo, alínea d). Tal disposição, que pode ser usada para
legitimar a obra, encontra em seu parágrafo 3º, porém, uma condição para tal intervenção:
“Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a
sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida
área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas.” Com a análise dos
fatos, em conclusão, é impossível enxergar legitimidade no empreendimento abordado nesta
causa no que tange ao respeito para com os povos indígenas, bem como os quilombolas e
ribeirinhos e suas respectivas terras, culturas e tradições, as quais são todas defendidas em
lei.
B - DIREITO AMBIENTAL
C - OUTRAS INFRAÇÕES
Por fim, algumas outras infrações de caráter constitucional podem ser citadas e
levadas em consideração quando as devidas sanções e punições forem decididas. Termos
dispostos no já citado artigo 23, por exemplo, em seu inciso XI, confirmam mais uma
ilegalidade por parte da UNIÃO: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.” Tal prerrogativa
culmina toda a legislação já apresentada pois, uma vez que as terras indígenas são de tutela
do Estado, bem como quem deve garantir os direitos dos povos originários da região do Rio
Guamá também é o Estado, toda nossa petição e a causa a qual o MP-CJRG atua como
acusador gravita em torno de condutas irresponsáveis da TESA, mas principalmente de uma
inobservância e “vista grossa” da UNIÃO, sujeito que deveria, pelas suas atribuições legais, ser
o fiscalizador social, ambiental e fiscal durante todo o empreendimento.
IV – DO PEDIDO LIMINAR
Diante dos fatos supracitados, faz-se necessário o deferimento de uma liminar nos
termos do artigo 12 da Lei 7.347/85 - o qual prevê que o magistrado poderá conceder, em
ação civil pública, o pedido de medida liminar havendo justificativa ou não para sua decisão -
a fim de evitar mais lesões a fauna e flora do rio Guamá e/ou prejudicar ainda mais as
populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas afetadas pela construção da barragem. A
tutela de urgência, prevista no artigo 305 do Código de Processo civil de 2015 requer além das
condições comuns da ação, condições específicas, isto é, a presença de fumus boni iuris e do
periculum in mora.
VII . Que seja imposta à União e à TESA a obrigação de reestruturar os povos atingidos
pela construção da hidrelétrica, respeitando o seu modo de vida, cultura, língua e
economia, no que tange às moradias adequadas que devem, obrigatoriamente, estar
em consonância com os pedidos desses povos.
V – DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto e com base na legislação colacionada, visando a manutenção
da dignidade da pessoa humana e o cumprimento dos direitos fundamentais, o Ministério
Público da Comunidade Jurídica do Rio Guamá, requer:
11. A condenação dos requeridos em danos morais coletivos cujo valor será arbitrado
por Vossa Excelência, em liquidação de sentença.
17. Que seja imposta aos requeridos a obrigação de promover – de modo inequívoco
e intransferível – pedido expresso de desculpas aos ribeirinhos, quilombolas e
indígenas do Rio Guamá pela explícita omissão para com os direitos fundamentais
desses indivíduos, pelos atos de intolerância e desrespeito, bem como pela ação
etnocida para com as comunidades indígenas perpetrada com a Usina de Tucunaré.
ANEXOS:
ANEXO I
ANEXO V
Anexo correspondente ao trecho do Rio Guamá que permite visualizar as mudanças no curso
do rio decorrente da construção da Usina de Tucunaré.
ANEXO VII
ANEXO IX
Anexo correspondente a revista eletrônica Manchete referente a participação da AGU que
ingressou com uma liminar propondo a retomada das obras da Hidrelétrica de Tucunaré.
ANEXO X
Anexo corresponde a ação civil pública, com pedido de liminar, promovida pelo Ministério
Público contra a Trópico Energia S.A pelo descumprimento das condicionantes indígenas.
ANEXO XI
ANEXO XIII
Anexo correspondente ao Parecer Técnico da FUNAI acerca da condição de vida indigna dos
povos que moram próximo a UHE de Tucunaré.
ANEXO XIV
Fonte: Elaboração de autores com base na análise dos PAJs
Anexo referente à manifestação de vontade da comunidade local perante à situação de
realocação e a devida indenização.
ANEXO XV
Anexo correspondente à parte do contrato entre a TESA e a população da região que precisará
ser realocada, evidenciando que a redação desfavorecia a compreensão do documento por
pessoas que já se encontravam vulneráveis.
ANEXO XVI
ANEXO XVII
Anexo correspondente ao documento fiscal do governo brasileiro, acerca dos valores iniciais
dos custos da Usina Hidrelétrica de Tucunaré.
ANEXO XVIII
ANEXO XX
ANEXO XXI
Anexo correspondente a fatos e entrevistas com a população que residia na região.
ANEXO XXII
ANEXO XXIV