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Justiça Federal da 1ª Região

PJe - Processo Judicial Eletrônico

29/11/2022

Número: 1004671-65.2021.4.01.4004
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Órgão julgador: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de São Raimundo Nonato-PI
Última distribuição : 12/11/2021
Valor da causa: R$ 1.000.000,00
Assuntos: Mineração, Patrimônio Cultural
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
Ministério Público Federal (Procuradoria) (AUTOR)
DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (AUTOR) ANDRE AMORIM DE AGUIAR (ADVOGADO)
BENONI FERREIRA MOREIRA (ADVOGADO)
DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PIAUI (AUTOR) KARLA ARAUJO DE ANDRADE LEITE (ADVOGADO)
LIVIA DE OLIVEIRA REVOREDO (ADVOGADO)
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA
AGRARIA (ASSISTENTE)
AGENCIA NACIONAL DE MINERACAO - ANM (REU)
SRN HOLDING S.A. (REU) EDSON VIEIRA ARAUJO (ADVOGADO)
ESTADO DO PIAUÍ (REU)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
12796 19/08/2022 16:00 Decisão Decisão
15779
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato-PI
Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de São Raimundo Nonato-PI

PROCESSO: 1004671-65.2021.4.01.4004
CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), DEFENSORIA PUBLICA DA
UNIAO, DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PIAUI
ASSISTENTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA
REU: AGENCIA NACIONAL DE MINERACAO - ANM, SRN HOLDING S.A., ESTADO DO PIAUÍ

DECISÃO

Cuida-se de Ação Civil Pública, com pedido de tutela provisória de urgência,


ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PIAUÍ contra O INSTITUTO NACIONAL DE
COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, O ESTADO DO PIAUÍ, O INSTITUTO
BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS –
IBAMA, O INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL –
IPHAN, A AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO – ANM, A FUNDAÇÃO CULTURAL
PALMARES e SRN HOLDING S.A.

Esclarece o autor que a presente ação civil pública tem por objeto tutela
desconstitutiva consistente na declaração de nulidade da Licença Prévia (LP) nº
D000471/21 – Vencimento: 25.08.2022 do PROJETO DA SRN MINERAÇÃO, para
exploração de MINÉRIO DE FERRO MAGNÉTICO, nos município de São Raimundo
Nonato, Dirceu Arcoverde, São Lourenço do Piauí, Bonfim do Piauí e Fartura do Piauí,
Estado do Piauí, concedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos
Hídricos – SEMAR em favor da SRN HOLDING S.A., CNPJ-18.531.355/0001-72, em
razão dos seguintes vícios que entende macularem a aludida licença:

i. Ausência de consulta prévia, livre e informada aos quilombolas


potencialmente afetados pelo empreendimento, nos termos do art. 6º da
Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho;

ii.Ausência de avaliação de impactos sobre os quilombolas, com a


devida notificação dos entes intervenientes no processo de licenciamento
ambiental para apresentação de termo de referência;

iii. Licenciamento conduzido por órgão incompetente, segundo a Lei


Complementar nº 140/2011 e a jurisprudência pátria.

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Pleiteia, em sede de tutela provisória de urgência, os seguintes provimentos:

a. A nulidade e sustação imediata de todos os efeitos da Licença Prévia (LP) nº D


000471/21, expedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos
Hídricos – SEMAR;
b. Que seja determina à ré SRN HOLDING S.A., CNPJ-18.531.355/0001-72 obrigação
de não fazer consistente em abster-se imediatamente, de realizar qualquer
intervenção na área com fito de implantação do empreendimento, com suspensão
imediata do início das obras, até que:
b.i) o órgão competente do governo federal realize consulta prévia, livre e
informada aos quilombolas afetados, em obediência à legislação ambiental
aplicável e à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho;

b.ii) seja confeccionado o Estudo de Componente Quilombola e avaliação de


impactos ambientais, por equipe multidisciplinar e tendo como integrante
antropólogo legalmente habilitado na Associação Brasileira de Antropologia, a
serem posteriormente analisados mediante pareceres técnicos pelos entes
intervenientes – Fundação Cultural Palmares (FCP) e Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA – nos termos da legislação e
garantindo-se participação dos grupos;

b.iii) seja providenciada a regularização do licenciamento ambiental junto ao


órgão competente, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama);

b.iv) sejam reelaborados Estudo de Impacto Ambiental (EIA) E Relatório de


Impacto Ambiental (RIMA), levando em consideração a existência do
Território Quilombola Lagoas, bem como a existência de bens imateriais que
se constituem patrimônio histórico nacional os quais se encontram em
processo de registro junto ao IPHAN, a serem analisados pelo órgão
ambiental competente, bem como realizada audiência pública com a
participação efetiva a sociedade civil, nos termos da legislação ambiental;

c) que seja determinada ao réu ESTADO DO PIAUÍ, através da Secretaria de


Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SEMAR, obrigação de não
fazer para que se abstenha de emitir novas licenças ao empreendimento da
ré SRN HOLDING S.A., CNPJ-18.531.355/0001-72 ante a competência do
IBAMA para licenciar, e até que sejam sanados os vícios acima mencionados;
e

d) que seja determinada à Agência Nacional de Mineração obrigação de não


fazer para que se abstenha de emitir autorização de lavra ao
empreendimento da ré SRN HOLDING S.A., CNPJ-18.531.355/0001-72 ante
a competência do IBAMA para licenciar, e até que sejam sanados os vícios
do questionado licenciamento ambiental.

Decisão de ID 820787575 determinou a exclusão da lide do INSTITUTO


NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, Instituto

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do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e a Fundação Cultural
Palmares do pólo passivo da lide. Ordenou, contudo, a intimação de tais
entes para manifestarem interesse em intervir na lide.

Na mesma decisão, foi consignada que não se vislumbrou, em exame


perfunctório, ilegalidade patente a ser rechaçada por este juízo, razão pela qual a análise
da tutela de urgência foi postergada para depois da resposta dos réus.

A Fundação Cultural Palmares se manifestou em petição anexada no ID


840561567 aduzindo não ter interesse em intervir na lide, haja vista que por força do
Decreto nº 10.252/2020, art. 13, incisos VI e VII, foram transferidas para o INCRA a
atribuição de coordenar as atividades de licenciamento ambiental em terras ocupadas
pelos remanescentes de quilombos.

O INCRA requereu a sua admissão no feito na qualidade de assistente do


autor (ID 848800585).

O IPHAN e o IBAMA expressaram desinteresse em integrar a lide (ID’s


863930076 e 872229068).

A AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO – ANM apresentou contestação


(ID 935059147), defendendo a sua ilegitimidade passiva causam e ausência de interesse
processual em obter provimento direcionado aquela autarquia.

Contestação da SRN HOLDING S/A. anexada no ID 1025003271. Sustenta


que o processo de licenciamento para futuro desenvolvimento de atividades de mineração
objeto da presente demanda seguiu todos os trâmites legais, com observância dos
princípios administrativos aplicáveis ao procedimento de modo a compatibilizar a
atividade produtiva e o respeito às comunidades tradicionais e ao meio ambiente.

Assevera que a competência para a condução do processo de licenciamento


ambiental tratado nos presentes autos é da SEMAR/PI e não do IBAMA, uma vez que as
atividades de mineração que se pretendem autorizadas se restringem a municípios do
Estado do Piauí. Invoca, no ponto, a própria manifestação do IBAMA na qual se afirmou
que não compete aquela autarquia realizar o licenciamento ambiental do empreendimento
em questão.

Ressalta, ademais, que não prospera a alegação segundo a qual caberia ao


INCRA a condução do processo de licenciamento ambiental nas áreas ocupadas pelos
remanescentes de quilombolas, porquanto nos termos do art. 13, inciso VII, do Decreto
Federal nº 10.252/2020, compete ao INCRA apenas “coordenar as atividades de
licenciamento ambiental em terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos em
articulação com o órgão ambiental responsável”.

Seguindo em sua defesa, a SRN HOLDING S.A. afirma que diferentemente


do alegado na inicial, os estudos que embasaram a emissão de licença prévia consideram
sim a existência de comunidades remanescentes de quilombos em parte da área
impactada pelas atividades minerarias. Ademais, como já teria sido ressaltado na decisão

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de ID 820787575, o parecer técnico elaborado pela SEMAR e que embasou tecnicamente
a emissão da licença prévia em nome da empresa manifestante é expresso ao
condicionar o deferimento da licença de instalação apenas após a apresentação de todos
os estudos exigidos pela Portaria Interministerial nº 60/2015, especialmente o Estudo de
Componente Quilombola.

Sobre a alegada ausência de consulta prévia, livre e informada às


comunidades tradicionais afirma que a empresa em momento algum se opôs a realização
de consulta prévia nos termos determinados pelos órgãos competentes para a condução
do processo de licenciamento ambiental. Ressalta que descabe aos autores a definição
de critérios para a realização de consulta prévia (seja com a realização de audiências,
elaboração de materiais informativos ou quaisquer meios idôneos), na medida em que a
legislação atribui aos órgãos ambientais tal definição. Considera que a SEMAR, na sua
visão, o órgão competente para o licenciamento, entendeu pela pertinência e adequação
da audiência pública realizada em 09/12/2019, não sendo atribuição dos autores ditar as
regras que entendem cabíveis para se considerar ou não uma consulta prévia.

Anota a possibilidade de realização de audiência de conciliação no presente


feito. Pugna, ao final, pelo indeferimento da tutela provisória de urgência requerida, bem
como a total improcedência dos pedidos deduzidos na inicial.

O Estado do Piauí, citado via sistema, não apresentou resposta.

Por meio do despacho de ID 1065822265 foi determinada a citação pessoal


do Estado do Piauí, que apresentou contestação (ID 1191413761) sustentando a absoluta
legalidade e regularidade do rito perfilhado pela SEMAR/PI pra a outorga da LP nº
000471/21.

Na decisão de ID 1211136770 foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade


passiva argüida pela Agência Nacional de Mineração e, considerando a relevância da
questão posta na presente demanda, bem com as diretrizes postas no Novo Código de
Processo Civil, em especial o estímulo e prestígio a solução consensual dos conflitos, foi
determinada a realização de audiência de conciliação.

O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração (ID 1240995785)


apontando omissão quanto à análise do pedido de tutela provisória de urgência formulado
pelos autores. Afirma que a decisão embargada é omissa não apenas ao não analisar o
pedido de tutela provisória de urgência, mas, como matéria de fundo, também ao

a. Desconsiderar o periculum in mora invocado na inicial para a


concessão da tutela de urgência;

b. Não valorar a elevada plausibilidade do direito invocado pelos autores,


em face das provas de irregularidade no procedimento conduzido pela
SEMAR/PI;

c. Ignorar a fungibilidade existente entre as tutelas provisórias, apta a


possibilitar a análise do pedido de tutela formulado seja pela via da urgência,

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seja pela via da evidência.

Sobre o periculum in mora afirma que a continuidade desse procedimento nos


moldes em que vem sendo conduzido pode causar prejuízos irreparáveis ao meio
ambiente e ao modo de vida dos povos remanescentes do quilombo que habitam a
região, de modo que estaria sobejamente demonstrado o preenchimento desse requisito
para concessão da tutela provisória de urgência.

Quanto a plausibilidade do direito invocado relembra as três causas de pedir


que embasaram a inicial: a) ausência de consulta prévia, livre e informada aos
quilombolas potencialmente afetados pelo empreendimento; b) ausência de avaliação
de impactos sobre os quilombolas; e c) licenciamento conduzido por órgão
incompetente.

Pontua que não pretende com os embargos de declaração opostos reafirmar


a sua posição com base em novas alegações de fato e de direito, visto que sabidamente
o recurso não é o meio adequado para tal desiderato. O que se busca, segundo aduz, é
demonstrar que o direito que assiste aos autores da ação já se encontra evidenciado
desde o seu início.

Voltando-se as causas de pedir postas na inicial, reafirma que, na sua visão,


não há dúvidas quanto a ilegitimidade da SEMAR/PI para a condução do licenciamento
ambiental em questão. Contudo, admite que a certeza quanto a este ponto não seja
possível de se obter em nível de cognição sumária. Relativamente às outras duas causas
de pedir, considera que está demonstrado nos autos que não há apenas probabilidade,
mas verdadeira evidência de que o direito assiste aos autores.

Após explicar o conceito e os requisitos para emissão da Licença Prévia – LP,


em especial a necessidade de participação de órgãos intervenientes como o INCRA,
afirma que o ciclo completo para intervenção daquela autarquia não ocorreu quando da
emissão da Licença Prévia nº D000471/21.

O Ciclo, no caso, apenas teria se iniciado com a remessa do Termo de


Referência Específico – TRE pelo INCRA à SEMAR/PI, órgão licenciador incompetente
na sua ótica. Contudo, não se avançou nas demais etapas, tampouco houve a finalização
do procedimento com a conseqüente manifestação conclusiva sobre a questão.

No ponto, questiona a quem cabe a responsabilidade pela paralisação do rito


de intervenção do INCRA no licenciamento ambiental em questão? Segundo aduz, a
resposta encontra-se nos autos, não se exigindo maior esforço para encontrá-la: No seu
ponto de vista, a interrupção do processamento de intervenção se deu única e
exclusivamente por responsabilidade do empreendedor (que não elaborou o Plano de
Trabalho após a remessa do TRE pelo INCRA à SEMAR/PI) e do órgão licenciador (que,
muito embora tenha alegado estabelecer comunicação com o INCRA desde janeiro de
2020, não efetuou uma solicitação formal àquela autarquia, mas sim uma consulta sobre
a incidência da AIA sobre o Quilombo Lagoas, conforme Nota Técnica
1838/2021/DFQ/DF/SEDE/INCRA acostada ao ID 814449582, fls. 55/58).

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Entende, assim, que se revela indevido a invocação pelo órgão licenciador da
disposição contida no art. 7º, §4º, da Portaria Interministerial nº 60/2015, porquanto tal
dispositivo só seria aplicável em caso de atraso na manifestação por exclusiva
responsabilidade do INCRA.

Arremata: “como se não bastasse todo o desvio em relação ao procedimento,


causa ainda mais espanto o fato de que a Licença Prévia nº D000471/21 foi expedida
sem que sequer tenha sido elaborado um Estudo de Componente Quilombola no
processo licenciamento ambiental”.

Reitera que “tal documento constitui um requisito indispensável à fase de


licença prévia e requisito para sua concessão, não suprindo sua ausência uma
mera menção no EIA/RIMA, tampouco o estabelecimento da sua elaboração como
condicionante para LI.

Para corroborar essa afirmação invoca a ‘Cartilha de Licenciamento


Ambiental’, documento elaborado conjuntamente pelo TCU e pelo IBAMA, bem com
precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Em resumo, especificamente em relação à intervenção do INCRA, alega que


foram verificadas as seguintes irregularidade, aptas a sustentar a argüição de nulidade da
Licença Prévia nº D000471/21:

1. Não houve Solicitação Formal para Intervenção do INCRA no


licenciamento ambiental

2. Não houve a elaboração do Plano de Trabalho pelo empreendedor

3. Não houve a elaboração do Estudo do Componente Quilombola

4. Não houve estabelecimento de diálogo com a comunidade

5. A elaboração do ECQ não poderia estar prevista como mera


condicionante para a concessão da LI

Tece considerações acerca da fungibilidade entre as tutelas provisórias e


postula a concessão de efeitos modificativos ao recurso manejado, a fim de que seja
apreciado e concedido o pedido de tutela provisória formulado na inicial, seja pela
urgência, seja pela evidência, uma vez que estariam presentes os requisitos para ambas
as espécies.

Realizada audiência de conciliação, não foi possível a autocomposição entre


as partes (ID 1260927272).

É o necessário a relatar.

Decido.

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Inicialmente, anoto que inexiste a omissão apontada pelo MPF nos embargos
de declaração de ID 1240995785. A despeito de não constar expressamente na decisão
de 1211136770, este juízo entendeu por bem postergar ainda a análise do pedido de
tutela para após a realização da tentativa de conciliação designada naquela oportunidade.

Entendo, assim, que não omissão apta a justificar a oposição de embargos de


declaração.

De todo modo, recebo a petição de ID 1240995785 como reiteração do


pedido de tutela provisória e, uma vez apresentadas as respostas pelos requeridos e
frustrada a tentativa de conciliação, passo a analisar o pleito antecipatório.

Consoante relatado, buscam os autores a concessão de tutela provisória para


fins de sustar imediatamente todos os efeitos da Licença Prévia (LP) nº D 000471/21,
expedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí –
SEMAR/PI.

Na visão dos autores, além da mencionada licença ter sido expedida por
órgão incompetente, o processo de licenciamento ambiental que embasou a sua
expedição se desenvolveu sem observância de normas legais e supralegais, em especial
em inobservância ao direito de consulta prévia, livre e informada a comunidade
quilombola situada na área de influência do empreendimento, previsto na Convenção OIT
nº 169.

Das três causas de pedir postas na inicial, observo que este Juízo já
asseverou na decisão de ID 1211136770 que, nos termos do art. 7º, inciso XIV, alínea “e”
da LC 140/2011, não se vislumbra incompetência da SEMAR/PI, uma vez que o
empreendimento a ser desenvolvido pela SRN HOLDING S.A. situa-se apenas no Estado
do Piauí.

Quanto aos outros dois principais vícios apontados como causa de pedir na
inicial, quais sejam: a) ausência de consulta prévia, livre e informada aos quilombolas
potencialmente afetados pelo empreendimento; b) ausência de avaliação de impactos
sobre os quilombolas, ratifico o quanto já asseverado na decisão inicial de ID 820787575
no sentido de que não se vislumbra ilegalidade manifesta apta a justificar a declaração de
nulidade da Licença Prévia nº D 000471/21, em sede de tutela provisória.

O que se verificou foi a paralisação indevida do procedimento de intervenção


do INCRA, irregularidade que reputo sanável com a sua retomada e conclusão. O
processo em referência foi paralisado na fase de elaboração do Planto de Trabalho,
devendo se observar que aquele procedimento, regulado atualmente pela Instrução
Normativa INCRA nº 111, de 22 de dezembro de 2021, prevê a oitiva das comunidades
quilombolas antes da decisão sobre a aprovação ou reprovação de todos os documentos
apresentados pelo empreendedor, o que, a meu ver, cumpre a exigência de consulta
prévia prevista na Convenção 169 da OIT.

Destaco, a propósito, os seguintes dispositivos da Instrução Normativa


INCRA 111, de 22 de Dezembro de 2021:

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Das Oitivas das Comunidades

Art. 7º Identificada terra quilombola na Área de Influência Direta - AID de


empreendimento, o Incra, sob orientação do órgão licenciador, estabelecerá
contato com os integrantes da comunidade a fim de organizar as oitivas.

§ 1º As comunidades quilombolas serão ouvidas, antes da manifestação


do Incra, a respeito dos seguintes documentos produzidos pelo
empreendedor: Plano de Trabalho, ECQ, PBAQ, Relatório Final e
aqueles relativos a renovação e corretivos, quando houver.

§ 2º Antes da realização da oitiva, o Incra demandará ao empreendedor a


distribuição de versões integrais e resumidas dos documentos indicados no §
1º, em quantidade suficiente de exemplares que contemplem o número de
famílias, que tenham qualidade gráfica e nitidez, em linguagem menos
técnica e mais acessível e com, pelo menos, 15 (quinze) dias de
antecedência à data da reunião, de forma a garantir a leitura e discussão
pelas comunidades quilombolas, previamente à oitiva.

§ 3º Nas oitivas, o empreendedor apresentará as informações constantes nos


documentos mencionados no § 1º, bem como disponibilizará pessoal para
debate e resolução de dúvidas relativas ao empreendimento, a fim de obter
posicionamento da comunidade.

§ 4º As condições logísticas e operacionais para oitiva serão garantidas pelo


empreendedor.

Art. 8º Adotadas todas as providências visando à realização de oitiva das


comunidades quilombolas e esta não se efetivar por motivos alheios à
responsabilidade da Autarquia ou do empreendedor, o Incra manifestar-se-á
com relação aos produtos apresentados, registrando a ausência de oitiva.

Entendo que elaborados os documentos pelo empreendedor e sendo


consideradas as manifestações das comunidades quilombolas envolvidas na tomada de
decisão relativa a cada documento, tem-se como realizada a consulta prévia das
comunidades e o processo de licenciamento poderá ter o seu desfecho.

No caso, é necessário, pois, que o órgão licenciador retome e conclua o


procedimento de intervenção do INCRA, o qual prevê a consulta as comunidades
quilombolas.

Diversamente do que foi defendido pelo MPF, considero que a licença prévia
poderá ser mantida, porquanto nessa fase realizam-se atividades preliminares de
pesquisa insuscetíveis de causar dano irreparável as comunidades quilombolas. O que
não deve ser concedida até que se realize todo o procedimento previsto na Instrução
Normativa INCRA nº 111/2021 é a Licença de Instalação. Corroborando esse
posicionamento, colaciono o seguinte precedente:

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AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA.
GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA. OCORRÊNCIA. PEDIDO DE
SUSPENSÃO DEFERIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - A ocorrência de grave lesão à ordem pública constitui fundamento para o


deferimento do pedido de suspensão, consoante a legislação de regência
(v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste eg. Superior
Tribunal de Justiça.

II - A Convenção 169 da OIT é expressa em determinar, em seu art. 6º, que


os povos indígenas e tribais interessados deverão ser consultados "sempre
que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de
afetá-los diretamente". Contudo, a realização de meros estudos preliminares,
atinentes tão-somente à viabilidade da implantação da UHE São Luiz do
Tapajós/PA, não possui o condão de afetar diretamente as comunidades
indígenas envolvidas.

III - Diferentemente, o que não se mostra possível é dar início à execução do


empreendimento sem que as comunidades envolvidas se manifestem e
componham o processo participativo de tomada de decisão.

Agravo regimental desprovido (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 1745/PA,


Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 26/06/2013).

Assim, deve ser determinado a SEMAR/PI que promova a reabertura do


processo de intervenção do INCRA, para que o empreendedor apresente o Plano de
Trabalho e os demais documentos exigidos na Instrução Normativa INCRA nº 111, de 22
de dezembro de 2021, condicionando a concessão de Licença de Instalação a conclusão
do procedimento previsto no normativo em referência.

Registro que, ao menos em sede de cognição sumária, não vejo fundamentos


suficientes para acolhimento do pedido constante da alínea “b.iv”) dos pedidos. Conforme
relato constante do Parecer Técnico SEMAR (ID 814449582, pgs. 23/46) o EIA/RIMA
apresentado pelo empreendedor considerou que pelo menos 04 (quatro) das 06 (seis)
regiões alvo do empreendimento intervirão no Território Quilombo ‘Lagoas”. Ademais,
consta informação nos autos que os estudos a respeito da existência de bens imateriais
que se constituem patrimônio histórico nacional estão sendo providenciados pelo
empreendedor para submissão a análise do IPHAN.

Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de tutela provisória formulado na


petição inicial.

Verificada, contudo, a paralisação indevida do procedimento de intervenção


do INCRA no processo de licenciamento ambiental, procedimento no qual será
oportunizada a participação das comunidades quilombolas:

1. Determino ao ESTADO DO PIAUÍ, por intermédio da SEMAR, que


retome o procedimento de intervenção do INCRA no licenciamento ambiental

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http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22081818103770600001268770968
Número do documento: 22081818103770600001268770968
encaminhando ao empreendedor o Termo de Referência Específico enviado pelo INCRA
aquele órgão licenciador.

2. Determino ao ESTADO DO PIAUÍ/SEMAR que em eventual renovação da


Licença Prévia nº D000471/21 faça constar condicionante segundo a qual a Licença de
Instalação só será concedida após concluído o processo de intervenção do INCRA,
observado todo o rito estabelecido na Instrução Normativa INCRA nº 111/2021, inclusive
e especialmente quanto a consulta prévia das comunidades quilombolas prevista no art.
7º, §1º.

3. Determino a SRN HOLDING S.A. que apresente consultoria técnica


especializada para a elaboração dos respectivos estudos e do Plano de Trabalho, de
acordo com a Instrução Normativa INCRA nº 111/21, devendo a confecção do Estudo de
Componente Quilombola ser realizada por equipe multidisciplinar e tendo com integrante
antropólogo legalmente habilitado na Associação Brasileira de Antropologia.

Intimem-se os réus para cumprimento das determinações supra.

Intimem-se as partes para, fundamentadamente, indicarem as provas que


pretendem produzir, justificando suas finalidades, no prazo de 5 (cinco) dias.

RODRIGO BRITTO PEREIRA LIMA

Juiz Federal

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http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22081818103770600001268770968
Número do documento: 22081818103770600001268770968

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