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Ministério Público Federal

Procuradoria Regional da República – 5ª Região

EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 5ª REGIÃO


COLENDA 1ª TURMA
EMINENTES RELATOR E DESEMBARGADORES

Ref.: PJE 0807513-43.2019.4.05.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO


Agravante: BRASKEM S/A
Agravado: Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Alagoas
Agravado: Defensoria Pública Geral do Estado de Alagoas
Relator: Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho – Primeira Turma

Parecer Nº 14147/2019 (MADS) - TIPO A

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÕES DA JUSTIÇA


FEDERAL QUE FIRMARAM A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL PARA JULGAR O PROCESSO Nº 0803836-
61.2019.4.05.8000. RACHADURAS E FISSURAS
VERIFICADAS NOS IMÓVEIS DOS BAIRROS DE PINHEIRO,
MUTANGE E BEBEDOURO, NA CIDADE DE MACEIÓ/AL
APÓS FORTES CHUVAS E UM SISMO (TREMOR DE
TERRA) DE 2,4 MR. POSSIBILIDADE DE NEXO DE
CAUSALIDADE COM A ATIVIDADE MINERADORA
DESENVOLVIDA PELA BRASKEM S/A. AUSÊNCIA DE
DEFINIÇÃO DAS CAUSAS DOS DANOS NOS IMÓVEIS.
DEMANDA (PROCESSO Nº 0803836-61.2019.4.05.8000)
PROPOSTA COM O OBJETIVO DE GARANTIR A
REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS
CAUSADOS AOS PROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS
AFETADOS. AFERIÇÃO DE CONEXÃO ENTRE O
PROCESSO Nº 0803662-52.2019.4.05.8000 E O PROCESSO
Nº 0803836-61.2019.4.05.8000 (ORIGINÁRIO DO PRESENTE
AGRAVO), EM RAZÃO DA IDENTIDADE DA CAUSA DE
PEDIR REMOTA E DA RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE
ENTRE AS DEMANDAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL. PARECER PELO PROVIMENTO DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DA

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JUSTIÇA FEDERAL, MAIS PRECISAMENTE DA 4ª VARA
FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE ALAGOAS, PARA
PROCESSAR E JULGAR O PROCESSO Nº 0803836-
61.2019.4.05.8000.

I – RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto


pela BRASKEM S.A. contra decisões (ID 4050000.15763757) dos Juízos das 3ª e 4ª
Varas Federais da Seção Judiciária de Alagoas que, nos autos do processo nº 0803836-
61.2019.4.05.8000, firmaram, de forma sucessiva, a competência da Justiça Estadual
para processar e julgar a demanda.

Eis trecho da decisão agravada, exarada pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Alagoas (ID 4050000.15763757), que explica os fatos narrados na petição
inicial do processo nº 0803836-61.2019.4.05.8000:

1. O Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de Alagoas


formularam pedido de tutela cautelar, em caráter antecedente de ação civil pública,
com pedido de liminar inaudita altera pars, em face da Braskem S. A., postulando
a decretação da indisponibilidade de ativos financeiros e bens da empresa, no
valor inicial de R$ 6.709.440.000,00 (seis bilhões, setecentos e nove milhões,
quatrocentos e quarenta mil reais).
2. Afirmaram que a atividade mineradora de sal-gema, desenvolvida pela
empresa, teria causado a subsidência dos bairros do Pinheiro, Mutange e
Bebedouro, localizados na Capital alagoana, e que essa medida serviria para
garantir a efetividade do pedido principal de reparação de danos às vítimas e
outros referentes à recuperação da área degradada (Id. 4058000.4593606).
3. A demanda foi dirigida à Justiça Estadual de Alagoas e distribuída ao
Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Capital, que concedeu a medida, em parte,
decretando a indisponibilidade de ativos financeiros da Braskem, até o montante
de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) (Id. 4058000.4593615).
4. Citada e intimada da decisão, a Empresa Ré requereu a substituição do
bloqueio de ativos por seguro garantia (Id. 4058000.4593621). Logo em seguida,
comunicou a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que
concedera parcialmente a medida liminar (Id. 4058000.4593622), e ofereceu
contestação ao pedido de tutela cautelar, arguindo, dentre outras teses defensivas,
preliminar de incompetência da Justiça Estadual, ao fundamento da existência de
interesse jurídico da União, da Agência Nacional de Mineração (ANM), do
Ministério Público Federal (MPF) e da Companhia de Pesquisa de Recursos
Minerais (CPRM) na causa (Id. 4058000.4593627).
5. A contestação veio acompanhada de documentos, inclusive cópia da
decisão do Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, Relator do Agravo
de Instrumento, que indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao
recurso interposto pela empresa (Id. 4058000.4593628).
6. O Juízo da 2ª Vara Cível manteve a decisão agravada, pelos próprios
fundamentos, e expediu ofícios aos entes públicos federais mencionados na
contestação, para que manifestassem eventual interesse em intervir no processo
(Id. 4058000.4593628).
7. Em sua resposta, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
(CPRM), empresa pública federal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia,
informou que está estudando as subsidências que afetam o bairro do Pinheiro, em
Maceió/AL, e tem adotado outras ações de mapeamento de riscos geológicos,

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visando subsidiar e consolidar o Plano de Contingência a ser aplicado pela Defesa
Civil, com as medidas preventivas necessárias à defesa e proteção da população
afetada. Todavia, esclareceu não possuir qualquer interesse jurídico na causa que
justificasse sua intervenção no processo, fosse na condição de parte ou de
terceiro interessado (Id. 4058000.4593629).
8. A União e a Agência Nacional de Mineração (ANM) requereram dilação
do prazo (Id. 4058000.4593630), pleito deferido pelo Juízo.
9. Nesse ínterim, o Ministério Público Federal (MPF) informou que vinha
atuando extrajudicialmente na apuração dos fatos, por meio de inquérito civil
público e grupo de trabalho instituído no âmbito da Procuradoria da República em
Alagoas, e defendeu a existência de interesse federal na causa, mencionando que
o Ministério Público Estadual, por meio da 66ª Promotoria de Justiça da Capital,
havia declinado de suas atribuições em favor do Parquet federal, encaminhando-
lhe os autos do Processo MP nº 09.2018.00000637-5.
10. O MPF alegou, em suma, que caberia à Justiça Federal processar e
julgar a demanda: (i) por envolver extração de recursos minerais, bens que
integram o patrimônio da União; (ii) por competir privativamente à União legislar
sobre jazidas, minas e outros recursos minerais e metalurgia; (iii) porque a
autorização de lavra e exploração mineral no País, assim como sua fiscalização,
cabem à Agência Nacional de Mineração (ANM), uma autarquia federal; (iv) pois o
Ministério de Minas e Energia, por meio da Portaria MME nº 20/2019, determinou
ao Serviço Geológico do Brasil – SGB/CPRM e à ANM que, no âmbito de suas
competências, priorizassem e intensificassem suas ações de diagnóstico e
monitoramento da instabilidade geológica no bairro do Pinheiro, em Maceió/AL; (v)
porque o dano ambiental decorrente da atividade minerária define a competência
da Justiça Federal; (vi) porque a União repassou recursos ao Município de
Maceió/AL para ações da Defesa Civil; (vii) por existirem poços de extração no
Complexo Estuarino Lagunar Mundaú Manguaba – CELMM, que abrangem águas
federais (Id. 4058000.4593630).
11. A despeito da manifestação do Ministério Público Federal, a União, em
sua resposta, escusou-se de intervir no feito, considerando sobretudo que, no
contexto do processo, o pedido de reparação das supostas vítimas, por danos
materiais e morais suportados, não traria prejuízo ao patrimônio público federal (Id.
4058000.4593630).
12. Diante da manifestação do Ministério Público Federal, os demandantes
atravessaram petição alegando que o objeto da ação difere daquele que o Parquet
federal pretende proteger, e sustentaram a possibilidade de coexistirem ações nos
âmbitos estadual e federal. Destacaram que o declínio de atribuições, proposto
pela 66ª Promotoria de Justiça da Capital, não foi homologado pelo Conselho
Superior do Ministério Público de Alagoas, o qual decidiu pela manutenção, no
âmbito estadual, do inquérito civil instaurado pelo MPE/AL para acompanhar a
segurança das edificações no bairro do Pinheiro.
13. Esclareceram que, por meio desta ação, almejam exclusivamente
garantir indenizações por danos morais e materiais causados pela conduta da
Braskem S. A., pessoa jurídica de direito privado, sem discutir os impactos
ambientais causados no subsolo pela atividade de mineração, inexistindo
interesse federal no litígio.
14. Os demandantes também sustentaram que a existência de questões
relacionadas aos impactos e danos ambientais, por si só, não gera presunção
absoluta de interesse da União. Colacionaram à petição precedentes do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, no julgamento da AC nº 2010.087747-1 e da AC nº
000908041.2007.8.24.0020, nos quais restou assentado que compete à Justiça
Estadual processar e julgar ação civil pública fundada em danos materiais e
morais a determinada população, mesmo que decorrente de atividades de
mineração, não obstante o subsolo se inserir no patrimônio da União. Isso porque,
se as ações individuais promovidas pelos cidadãos que tiveram seus imóveis
atingidos por danos estruturais haveriam de tramitar perante a Justiça Estadual,
não faria sentido deslocar o julgamento da ação coletiva envolvendo os mesmos
interesses para a Justiça Federal (Id. 4058000.4593631).
15. Consta dos autos requerimento de intervenção no processo, na

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condição de amicus curiae, formulado pela FAMECAL – Federação das
Associações de Moradores e Entidades Comunitárias de Alagoas, em conjunto
com a Associação dos Moradores do Mutange, Associação dos Moradores do
Saem e da Associação Comunitária de Moradores do Bebedouro (Id.
4058000.4593634).
16. Após, veio aos autos pronunciamento da Agência Nacional de
Mineração (ANM), autarquia da União, sustentando que, muito embora esteja
entre suas atribuições fiscalizar a atividade de mineração, não possui interesse
jurídico em intervir na lide, pois a causa de pedir e o pedido desta demanda não
impugnam atos ou omissões a si imputados (Id. 4058000.4593642).
17. Tendo em vista a manifestação do Ministério Público Federal,
defendendo que a causa seria de competência absoluta e privativa da Justiça
Federal, a Braskem, com fundamento no entendimento firmado na Súmula nº 150
do Superior Tribunal de Justiça, requereu a remessa dos autos à Justiça Federal,
para proferir decisão sobre a existência de interesse jurídico federal na causa (Id.
4058000.4593642).
18. O pleito foi acolhido pelo Juízo da 2ª Vara Cível, porém, a diligência foi
condicionada ao exaurimento do prazo recursal. Irresignada, a Braskem requereu
que a remessa fosse imediata, por não caber agravo de instrumento contra a
decisão; o novo requerimento foi acolhido e o feito veio à Seção Judiciária de
Alagoas, sendo distribuído livremente para este Juízo da 3ª Vara Federal (Id.
4058000.4593643).
19. Ato contínuo, a Braskem peticionou novamente nos autos, alegando a
existência de conexão entre esta demanda e a ação civil pública ajuizada pelo
Ministério Público Federal, materializada nos autos do processo nº 0803662-
52.2019.4.05.8000, em tramitação no Juízo Federal da 4ª Vara de Alagoas, o qual
seria prevento para processar e julgar a causa (Id. 4058000.4614973).
20. O requerimento foi deferido pelo MM. Juiz Federal Substituto, em
exercício, que declinou da competência em favor do Juízo da 4ª Vara Federal,
reconhecendo ser devida a reunião dos processos, com fundamento na regra do
Art. 59 do Código de Processo Civil (Id. 4058000.4615676).
21. Recebido o Ofício nº 129/2019, do Juízo da 2ª Vara Cível da Capital,
juntou-se aos autos o aditamento à petição inicial apresentado pelos
demandantes, delimitando o pedido principal à condenação da Empresa Ré ao
pagamento, a título de danos morais e materiais, da quantia de R$
6.709.440.000,00 (seis bilhões, setecentos e nove milhões, quatrocentos e
quarenta mil reais), aos moradores afetados (Id.'s 4058000.4617887,
4058000.4617915, 4058000.4617916).
22. Em seguida, o processo foi redistribuído ao Juízo da 4ª Vara Federal
(Id. 4058000.4648442).
23. Prontamente, a Braskem atravessou nova petição nos autos, na qual
encampou as alegações anteriormente deduzidas pelo Ministério Público Federal,
acerca da competência da Justiça Federal, e reiterou a necessidade de reunir os
processos para processamento simultâneo, em decorrência da alegada conexão
processual (Id. 4058000.4637321).
24. O Juízo da 4ª Vara Federal proferiu decisão rejeitando a conexão entre
as ações, porém, deixou de suscitar o conflito negativo de competência,
considerando a relevância social desta ação e “no intento de evitar delongas
processuais a ocasionarem mais prejuízos a considerável parte da população
maceioense que, por certo, espera a solução da lide em prazo razoável” (Id.
4058000.4631098).
25. O processo foi redistribuído, retornando a este Juízo da 3ª Vara Federal
(Id. 4058000.4648442).
26. Colhe-se, então, pronunciamento conjunto do Ministério Público Federal
(MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), explicando que, ao arguir a
existência de interesse no litígio, o MPF supunha que a ação versasse sobre
questão de natureza ambiental. Porém, considerando que, no aditamento à
petição inicial, fora esclarecido que o pedido estaria delimitado aos direitos
individuais homogêneos das comunidades afetadas, não abarcando direitos
difusos e coletivos, advindos de danos morais, patrimoniais e ambientais, não

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haveria interesse federal na causa. Requereram, enfim, que o processo fosse
remetido à vara de origem na Justiça Estadual (Id. 4058000.4653001).
27. Inconformada, a Braskem peticionou nos autos divergindo da posição
adotada pelo MPF e DPU, ao fundamento de que a manutenção da competência
da Justiça Federal independeria dos pedidos formulados, pois o interesse federal
residiria na causa de pedir da ação. Aduziram que os pedidos indenizatórios
amparam-se na pretensa responsabilização da empresa por sua atividade de
extração mineral em Alagoas, o que demandaria diligências junto a órgãos e
entidades federais. No ensejo, ressaltou que o aditamento à petição inicial,
formulado pelos demandantes, seria intempestivo, porque protocolado mais de 30
(trinta) dias depois da efetivação da tutela cautelar, requerendo que fosse
declarada a perda da eficácia da medida liminar deferida (Id. 4058000.4669596).
28. Logo depois, a Braskem peticionou novamente, desta feita para trazer à
colação precedentes de jurisprudência do TRF da 4ª Região e do TRF da 1ª
Região (Id. 4058000.4676340).

Nas razões de agravo de instrumento (ID 4058001.3751785), a BRASKEM S/A


defende, em síntese: (i) a existência de conexão entre o processo nº 0803836-
61.2019.4.05.8000 (processo originário do presente agravo de instrumento) e a ação civil
pública de nº 0803662-52.2019.4.05.8000, que tramita na Justiça Federal, uma vez que
“a causa de pedir das duas ações, na realidade, é a atividade minerária da BRASKEM
S.A. na região e os supostos danos por ela ocasionados aos moradores de Maceió” (art.
55, § 1º, do CPC/2015); (ii) o risco de decisões conflitantes, porquanto, na visão da
agravante, “não é possível ignorar a gritante contradição que iria se materializar, caso um
dos juízos optasse por dar provimento à demanda, considerando que a atividade
minerária da BRASKEM S.A. seria a causa por detrás dos fenômenos, e o outro, a seu
turno, rechaçasse em absoluto o nexo de causalidade entre a atividade e os fenômenos
observados em Maceió”, além dos obstáculos práticos da execução de decisões judiciais
emanadas de juízos diversos, pelo que requer, na hipótese de não reconhecimento da
conexão, a aplicação do art. 55, § 3º, do CPC, com a consequente reunião dos processos
no Juízo da 4ª Vara Federal de Alagoas; (iii) que “as provas e estudos que serão
produzidos naqueles autos podem auxiliar na solução do presente litígio, uma vez que se
propõem a destrinchar os mesmos fatos que, em tese, poderiam dar ensejo à
responsabilidade civil da BRASKEM S.A.”; (iv) que “reconhecida a conexão, mostra-se
indiscutível a competência da Justiça Federal, para conhecer de ambas as causas”, nos
termos do enunciado da Súmula 489 do STJ que trata da continência, espécie do gênero
conexão; (v) a existência de manifesto interesse nacional na hipótese dos autos,
considerando que “independentemente de quem figure no polo ativo ou passivo da lide, o
fato de que os recursos minerais explorados são bens da União, conforme preceituam os
art. 20, IX, e 176, caput, da Constituição Federal, já é capaz, por si só, de atrair a
competência federal. O interesse da União é inequívoco, em razão da atividade que
desempenhada, por clara disposição constitucional (…), nesse mesmo sentido, o art. 176,
§1º, CF, estabelece que a extração minerária apenas pode se dar mediante a concessão
e no interesse nacional”; (vi) que a presença da União e da Companhia de Pesquisa de
Recursos Minerais (Serviço Geológico do Brasil), no polo passivo da demanda, é
essencial, além de tratar-se de hipótese de responsabilidade solidária; (vii) ao final,
enfatiza a competência da Justiça Federal, em razão da instauração, pelo Ministério
Público Federal, do inquérito civil nº 1.11.000.000649/2018-29, que trata da questão
discutida nos presentes autos, além da Procuradoria da República ter participado da
elaboração do mapa de risco.

O despacho de ID 4050000.15770779 aferiu a inexistência de “situação de risco de


dano iminente” e deixou de apreciar o pedido de tutela liminar de efeito suspensivo.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

O agravo de instrumento merece ser provido, como será demonstrado a seguir.

Antes de mais nada, convém apresentar um breve histórico dos fatos ocorridos.

O bairro de Pinheiro, na Cidade de Maceió/AL, foi atingido por fortes chuvas no dia
15 de fevereiro de 2018, e após referido evento, verificou-se o surgimento de uma fissura
na região, com aproximadamente 283 metros, além de outras rachaduras nas vias e
imóveis da área.

Em seguida, mais precisamente em 03 de março de 2018, a região do bairro de


Pinheiro, Maceió/AL, foi atingida por 54 mm de chuva, no período de uma hora, além de
um sismo (tremor de terra) de 2,4 mR (Escala Richter – Rede Sismográfica Brasileira),
sentido pelos moradores dos bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Farol.

Os dois eventos acima ocasionaram danos significativos nos imóveis da região,


como fissuras, trincas e rachaduras, tanto nas edificações como nas vias públicas, tendo
ocorrido, inclusive, a interdição de diversas moradias.

Nesse contexto, a CPRM – empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e


Energia com atribuições de Serviço Geológico do Brasil – “fora designada não só para
monitorar o fenômeno ocorrido no bairro do Pinheiro, consistente na abertura de crateras,
fissuras e trincas em imóveis e em vias públicas, seja a partir das chuvas ocorridas em
fevereiro de 2018, seja a partir dos abalos sentidos em março de 2018, mas também
apurar as causas de instabilidade do solo no bairro do Pinheiro e adjacências” (ID
4058000.4521696 do processo nº 0803662-52.2019.4.05.8000).

No mês de outubro de 2018, a CPRM apresentou relatório preliminar apontando as


seguintes causas para os danos constatados na região: (i) ausência de drenagem e
esgotamento sanitários adequados; (ii) falhamentos geológicos; (iii) e exploração de sal
no Estado de Alagoas.

O Relatório Síntese dos Resultados nº 01 foi apresentado pela CPRM em 08 de


maio de 2019, trazendo a conclusão de que a principal causa da instabilidade do terreno
na região dos bairros de Pinheiro, Mutange e Bebedouro, em Maceió/AL, é a extração de
sal-gema pela empresa BRASKEM S/A.

Com fundamento no Relatório Síntese dos Resultados nº 01 da CPRM foi


instaurado o inquérito civil nº 1.11.000.000649/2018-29, no âmbito do Ministério Público
Federal no Estado de Alagoas. Referido procedimento foi desmembrado, dando origem
ao de nº 1.11.000.000027/2019-81, para tratar dos aspectos ambientais do evento, e ao
de nº 1.11.000.000649/2018-29, para tratar da questão relacionada aos direitos do
cidadão. O inquérito civil nº 1.11.000.000027/2019-81 deu origem à ação civil pública nº
0803662-52.2019.4.05.8000, em trâmite na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de
Alagoas. Referida ação civil pública foi ajuizada em 13 de maio de 2019, tendo os pedidos
liminares sido parcialmente deferidos em 1º de julho de 2019, conforme decisão de ID

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4058000.4877898.

Nesse ínterim, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de Alagoas


ajuizaram, em conjunto, ação civil pública com o objetivo de garantir indenizações para as
famílias prejudicadas pela atividade desenvolvida pela BRASKEM S.A., pessoa jurídica
de direito privado. Referida demanda foi ajuizada na Justiça Estadual e distribuída para a
2ª Vara Cível da Capital do Estado de Alagoas (processo nº 0800285-62.2019.8.02.0001).

Diante da possível existência de conexão com a demanda que tramita na Justiça


Federal (ação civil pública nº 0803662-52.2019.4.05.8000) e da manifestação do
Ministério Público Federal demonstrando interesse no feito, os autos foram remetidos
para a Justiça Federal onde recebeu o nº 0803836-61.2019.4.05.8000 (processo
originário do presente agravo de instrumento).

Esclareça-se, por oportuno, que após a apresentação de aditamento à petição


inicial da demanda ajuizada pelo Parquet e pela Defensoria Pública Estadual,
esclarecendo que a ação não tratava dos danos ambientais, mas apenas dos danos
materiais e morais sofridos pelos cidadãos, o Ministério Público Federal e a Defensoria
Pública da União afirmaram que “no aditamento à petição inicial fora esclarecido que o
pedido estaria delimitado aos direitos individuais homogêneos das comunidades
afetadas, não abarcando direitos difusos e coletivos, advindos de danos morais,
patrimoniais e ambientais”, pelo que “não haveria interesse federal na causa.
Requereram, enfim, que o processo fosse remetido à vara de origem na Justiça Estadual ”
(ID 4050000.15763757).

No âmbito federal, o processo nº 0803836-61.2019.4.05.8000 foi inicialmente


distribuído livremente para a 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas. Ato
contínuo, a BRASKEM S/A apresentou petição defendendo a existência de conexão com
o processo nº 0803662-52.2019.4.05.8000, em trâmite na 4ª Vara Federal de Alagoas. O
Juízo da 4ª Vara Federal afastou a existência de conexão e devolveu os autos para a 3ª
Vara Federal. O Juízo da 3ª Vara Federal, por sua vez, declarou “a inexistência de
interesse federal na causa” e reconheceu “a competência da Justiça Estadual de
Alagoas”, determinando, em consequência, “a remessa dos autos ao Juízo da 2ª Vara
Cível da Comarca da Capital” (ID 4050000.15763757).

Para impugnar as decisões dos Juízos da 3ª e 4ª Varas Federais da Seção


Judiciária do Estado de Alagoas (ID 4050000.15763757), a BRASKEM S/A interpôs o
presente agravo de instrumento.

O cerne da questão, portanto, é definir o Juízo competente para processar e julgar


a demanda ajuizada com o objetivo de garantir aos cidadãos prejudicados o pagamento
de indenização pelos danos verificados em seus imóveis.

Pois bem.

De início, deve-se aferir a existência de conexão entre o processo nº 0803662-


52.2019.4.05.8000, em trâmite na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas, e o
processo nº 0803836-61.2019.4.05.8000, originário do presente agravo de instrumento.

O art. 55 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece o seguinte:

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Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o
pedido ou a causa de pedir.
§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo
se um deles já houver sido sentenciado.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput:
I - à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo
ato jurídico;
II - às execuções fundadas no mesmo título executivo.
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar
risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos
separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

Ao comentar o referido dispositivo, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade


Nery1 esclarecem:

9. Conceito de causa de pedir. São os fundamentos de fato e de direito do


pedido. É a razão pela qual se pede. O direito brasileiro, a exemplo do direito
alemão (ZPO § 2532), adotou a teoria da substanciação do pedido, segundo a
qual se exige, para a identificação do pedido, a dedução dos fundamentos de fato
e de direito da pretensão (v. coment. CPC 319). Divide-se em causa de pedir
próxima e causa de pedir remota.
10. Causa de pedir remota. É o direito que embasa o pedido do autor, o
título jurídico que fundamenta o pedido. É a razão mediata do pedido.
11. Causa de pedir próxima. Caracteriza-se pelo inadimplemento do
negócio jurídico; pela lesão ou ameaça de lesão a direito. É a razão imediata do
pedido.
12. Exame da causa de pedir. Para existir conexão, basta que a causa
de pedir em apenas uma de suas manifestações seja igual nas duas ou mais
ações. Existindo duas ações fundadas no mesmo contrato, onde se alega
inadimplemento na primeira e nulidade de cláusula na segunda, há conexão. A
causa de pedir remota (contrato) é igual em ambas as ações, embora a causa de
pedir próxima (lesão, inadimplemento), seja diferente.
13. Identidade de causa de pedir. A igualdade de todos os componentes
da causa de pedir (próxima e remota) é exigida para a configuração de
litispendência ou coisa julgada, que se caracterizam quando há duas ou mais
ações idênticas (CPC 337 § 2º). Uma ação só é idêntica à outra se contiverem
ambas as mesmas partes, o mesmo pedido (mediato e imediato) e a mesma
causa de pedir (próxima e remota).
14. Conexão por prejudicialidade/preliminaridade. Havendo
prejudicialidade ou preliminaridade de uma causa em relação a outra, existe
conexão entre ambas, que deverão ser julgadas conjuntamente. Nesse sentido:
Fredie Didier Junior. Ações concorrentes. Prejudicialidade e preliminaridade.
Conexão. Suspensão do processo. Litispendência. Continência. Cumulação
subsidiária de pedidos. Cumulação ulterior de pedidos. Honorários advocatícios
(RF 385/235). (Grifos nossos).

No caso dos autos, a ação civil pública nº 0803662-52.2019.4.05.8000 foi ajuizada


pelo Parquet Federal com fundamento no Relatório Síntese dos Resultados nº 01 da
CPRM, “a partir da atuação extrajudicial do MPF, especialmente da instrução do Inquérito
Civil nº 1.11.000.000027/2019-81, que visa apurar as causas dos eventos que estão
ocorrendo nos bairros do Pinheiro, do Mutange e do Bebedouro, em Maceió/AL,
inclusive o próprio liame da atividade de mineração exercida pela BRASKEM S/A”
(ID 4058000.4521696 do processo nº 0803662-52.2019.4.05.8000).

1 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 338/339.

8
No bojo do processo nº 0803662-52.2019.4.05.8000, o Ministério Público Federal
esclarece que sua atuação “visa à proteção do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, direito fundamental previsto no art. 225, CR/88, bem como a proteção dos
demais direitos fundamentais relativamente às pessoas colocadas como vítimas
diretas dos danos observados nos bairros do Pinheiro, Bebedouro e Mutange,
consistente na abertura de crateras, fissuras e trincas em imóveis e nas vias
públicas, seja a partir das chuvas ocorridas em fevereiro de 2018, seja a partir dos
abalos sentidos em março de 2018. Registre-se, ainda, o resultado dos estudos
levados a efeito pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM, constante do Relatório
Síntese – Estudos sobre a Instabilidade do Terreno nos Bairros Pinheiro, Mutange e
Bebedouro em Maceió/AL, divulgado por ocasião da audiência pública do dia 8 de maio
de 2019” (ID 4058000.4521696).
Ao final, o Ministério Público Federal formula os seguintes pedidos na ação civil
pública nº 0803662-52.2019.4.05.8000 (ID 4058000.4521696):

Em observância aos postulados processuais e materiais e, diante da notícia


da paralisação das atividades da Braskem, o Ministério Público Federal, com
fundamento no art. 12 da Lei nº 7.347/85 c/c o arts. 300, 305 e ss. do Código de
Processo Civil, bem como no art. 497, requer a Vossa Excelência:
1) o deferimento da tutela de urgência, com a concessão de medida
liminar inaudita altera parte para determinar:
1.1 – À AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO – ANM e AO INSTITUTO
DO MEIO AMBIENTE DE ALAGOAS – IMA/AL a verificação in loco das
informações apresentadas pela BRASKEM S/A a partir dos ofícios, datados
de 23/4/2019 (anexo X) e de 6/5/2019 (anexo XIII), como pressuposto à
consecução dos pedidos 1.2 e 1.4, bem como a eventual indicação de
procedimentos adicionais e indispensáveis à segurança e à estabilidade
dos poços.
1.2 – À BRASKEM S/A:
1.2.A – a apresentação, no prazo de 15 dias, dos planos de
fechamento das minas (PFM) que já possuem o estudo de sonar realizado,
remetendo-os imediatamente à ANM;
1.2.B – a realização de estudos de sonar, no prazo de 30 dias,
para avaliação da geometria do interior das cavidades resultantes da
extração de sal-gema, por meio de perfil sônico – ou por outro método
tecnologicamente adequado caso não seja viável o estudo por sonar – a
ser executado por terceiros às expensas da ré (Braskem S/A), nos demais
26 (vinte e seis) poços, cujos estudos ainda não foram
realizados/concluídos, de forma a possibilitar a avaliação da estabilidade
das paredes e teto de todas cavernas, devendo a ANM acompanhar a
realização de cada estudo, em especial para o cumprimento do pedido
1.4.B;
1.2.C – no curso do prazo anterior, logo após a finalização de cada
perfil sônico – ou outro método tecnologicamente adequado, caso não seja
viável o estudo por sonar –, a apresentação do plano de fechamento das
minas (PFM), de forma individualizada, remetendo o PFM imediatamente à
ANM;
1.2.D – a execução do plano de fechamento das minas, com o
respectivo descomissionamento desses poços e demais etapas, a ser
realizada por terceiros às expensas da ré (Braskem S/A), após a análise e
respectiva aprovação pela ANM, nos termos em que requeridos nos itens
1.4.A e 1.4.B;
1.2.E – a paralisação imediata da obra de perfuração dos novos
poços 36 e 37, bem como abstenção da adoção de qualquer providência
para iniciar as perfurações do poço 38, já licenciado pelo IMA/AL (Licença
de Operação nº 157/2016 - IMA/GELIC), e do poço 39;
1.3 – AO INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DE ALAGOAS – IMA/AL:

9
1.3.A – o cancelamento imediato da Licença ambiental de
Operação nº 157/2016 – IMA/GELIC referente aos poços 17, 16, 27, 28, 29,
30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38;
1.3.B – a abstenção de licenciamento de novos poços, inclusive o
do 39, eventualmente solicitados pela ré BRASKEM S/A;
1.4 – À AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO – ANM:
1.4.A – o monitoramento da realização de estudos de sonar, para
avaliação da geometria do interior das cavidades resultantes da extração
de sal-gema, por meio de perfil sônico – ou de outro método
tecnologicamente adequado caso não seja viável o estudo por sonar – nos
demais 26 (vinte e seis) poços, cujos estudos ainda não foram
realizados/concluídos, de forma a possibilitar a avaliação da estabilidade
das paredes e teto de todas cavernas, nos termos do pedido 1.2.B;
1.4.B – a análise dos planos de fechamento dos poços,
apresentados pela BRASKEM, na forma do que requerido nos itens 1.2.A e
1.2.C, emitindo o respectivo parecer/relatório técnico, no prazo de 15 dias,
a contar do seu recebimento;
1.4.C – com a finalização de cada perfil sônico – ou outro método
tecnologicamente adequado, caso não seja viável o estudo por sonar – na
linha do pedido 1.2.B, no prazo de 15 dias, a revisão do respectivo plano
de fechamento das minas (PFM) anteriormente apresentado pela ré
BRASKEM S/A;
1.4.D – o monitoramento da execução dos planos de fechamento
dos poços, apresentados pela BRASKEM S/A, após a análise nos termos
em que requerido nos itens 1.4.B e 1.4.C, emitindo o respectivo
parecer/relatório técnico;
2) A cominação de multa diária em valor a ser estipulado pelo prudente
arbítrio desse MM. Juízo Federal em caso de descumprimento da ordem
judicial, com sucedâneo no artigo 12, parágrafo 2º da Lei nº 7347/85, sem
prejuízo do artigo 461, § 3º, do Código de Processo Civil em caso de
descumprimento da decisão judicial;

Na petição de ID 4058000.4781703 (processo nº 0803662-52.2019.4.05.8000),


datada de 11 de junho de 2019, a Procuradoria da República em Alagoas ainda pontua
que a demanda é proposta tanto para determinar a adoção de medidas técnicas
pertinentes ao procedimento de paralisação das atividades da BRASKEM S/A no
Município de Maceió/AL, como para determinar a realização de testes dos sonares
faltantes com o objetivo de aferir a dimensão e a gravidade dos danos causados
aos atingidos e ao meio ambiente nos bairros de Pinheiro, Mutange e Bebedouro. E
prossegue afirmando “que a adoção de medidas realmente eficazes para evitar a
ocorrência de um desastre maior só se fará possível após conhecida e devidamente
dimensionada a gravidade do caso, o que demanda, necessariamente, a apresentação do
estudo de sonar de todos os poços de extração de sal”. Ressalta, ainda, que “o cenário
delineado demonstra a premência da realização dos estudos de sonar nos demais poços,
cujos estudos ainda não tenham sido realizados/concluídos a fim de possibilitar o
conhecimento de toda a extensão do fenômeno, bem como a extensão do dano ambiental
e elencar soluções eventualmente existentes, possíveis e viáveis para estancá-lo ou
amenizá-lo, visando resguardar a segurança, a vida e a integridade física das
comunidades atingidas, além do equilíbrio socioambiental da área alcançada”.

O processo nº 0803836-61.2019.4.05.8000, originário do presente agravo de


instrumento, também encontra fundamento nas conclusões do Relatório Síntese dos
Resultados nº 01 da CPRM e, como já dito, objetiva “resguardar os direitos fundamentais
dos moradores dos bairros de Pinheiro, Bebedouro e Mutange, no que tange (somente)
às indenizações por danos morais e materiais resultantes da atividade da empresa Ré”

10
(ID 4050000.15763759).

A análise comparativa dos processos nºs 0803662-52.2019.4.05.8000 (em trâmite


na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas) e 0803836-61.2019.4.05.8000
(originário do presente agravo de instrumento) evidenciam a existência de conexão pelos
seguintes fundamentos.

Em primeiro lugar, não obstante a diversidade dos pedidos e da causa de pedir


próxima, a causa de pedir remota das duas demandas é coincidente, qual seja, os danos
ambientais e patrimoniais evidenciados nos bairros de Pinheiro, Bebedouro e Mutange e a
possível relação de tais danos com a atividade de extração de sal-gema desenvolvida
pela BRASKEM S/A.

Afirma-se a existência de “possível relação” com a atividade mineradora porquanto,


apesar das conclusões expostas no Relatório Síntese dos Resultados nº 01 da CPRM
que fundamentam as duas demandas, ainda não houve pronunciamento judicial
garantidor de uma certeza relativa às conclusões apostas no referido relatório. O relatório
aponta como causa principal das rachaduras e fissuras constatadas nos imóveis a
atividade mineradora desenvolvida pela BRASKEM S/A, contudo, inexiste certeza quanto
às causas e a extensão dos danos ambientais e patrimoniais.

Nesse contexto, inexistindo definição a respeito das causas e da extensão dos


danos ambientais e patrimoniais aferidos nos bairros de Pinheiro, Bebedouro e Mutange
da Cidade de Maceió/AL – que serão definidos por ocasião do julgamento da ação civil
pública nº 0803662-52.2019.4.05.8000 (em trâmite na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária
de Alagoas) –, patente a relação de prejudicialidade para o julgamento do processo nº
0803836-61.2019.4.05.8000 (originário do presente agravo de instrumento).

Evidente, portanto, a existência de conexão entre os processos nºs 0803662-


52.2019.4.05.8000 (em trâmite na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas) e
0803836-61.2019.4.05.8000 (originário do presente agravo de instrumento), nos termos
do art. 55 do CPC/2015, tanto pela identidade da causa de pedir remota das duas
demandas como pela relação de prejudicialidade aferida.

Ora, não há como garantir que a BRASKEM S/A repare os danos patrimoniais
sofridos pelos proprietários dos imóveis (objeto do processo nº 0803836-
61.2019.4.05.8000), se a causa e a extensão dos danos estão sendo aferidas na
demanda de nº 0803662-52.2019.4.05.8000 (em trâmite na 4ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Alagoas).

Além da existência de conexão pela coincidência de causa de pedir remota e pela


relação de prejudicialidade, há, ainda, o risco de decisões conflitantes, bem como a
inviabilidade prática de execução de decisões judiciais oriundas de juízos diversos.

Aliás, deve-se ressaltar a competência da Justiça Federal para julgar as demandas


relacionadas ao exercício da atividade mineradora, considerando que os recursos
explorados são bens da União, nos termos dos arts. 20, IX, e 176, caput, da Constituição
Federal.

Convém registrar que não há margem de discricionariedade para o ente ou

11
entidade federal atestar o seu interesse na causa e, em consequência, atrair a
competência da Justiça Federal à luz do art. 109 da Constituição Federal, uma vez que o
Superior Tribunal de Justiça, por meio do enunciado da Súmula 150, consolidou
entendimento no sentido de que “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência
de interesse jurídico que justifique a presença no processo, da União, suas autarquias ou
empresas públicas”.

Desse modo, irrelevante, para a definição de competência no caso dos autos, as


declarações dos entes federais, incluindo o Ministério Público Federal, de ausência de
interesse para intervir no feito.

Ademais, em caso análogo ao presente, o Superior Tribunal de Justiça, utilizando-


se do microssistema do processo coletivo, decidiu pela competência da Justiça Federal
para julgar as demandas relacionadas ao rompimento da Barragem do Fundão em
Mariana/MG, como demonstra o precedente abaixo transcrito:

.EMEN: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA.


AÇÕES CIVIS PÚBLICAS AFORADAS NO JUÍZO ESTADUAL E NA JUSTIÇA
FEDERAL DE GOVERNADOR VALADARES/MG. ROMPIMENTO DA
BARRAGEM DE FUNDÃO EM MARIANA/MG. FORNECIMENTO DE ÁGUA
POTÁVEL. DANOS SOCIOAMBIENTAIS. RIO DOCE. BEM PÚBLICO
PERTENCENTE À UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FORO
COMPETENTE. SITUAÇÃO DE MULTICONFLITUOSIDADE. IMPACTOS
REGIONAIS E NACIONAL. CONEXÃO ENTRE AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS
OBJETO DO CONFLITO E OUTRAS QUE TRAMITAM NA 12ª VARA FEDERAL
DE BELO HORIZONTE/MG. PREVENÇÃO. APLICAÇÃO DA REGRA
ESTABELECIDA NA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. Conflito de competência
suscitado pela empresa Samarco Mineração S.A. em decorrência da tramitação de
ações civis públicas aforadas na Justiça Estadual e na Justiça Federal de
Governador Valadares/MG, com o objetivo de determinar a distribuição de água
mineral à população valadarense, em virtude da poluição do Rio Doce ocasionada
com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG. AÇÕES CIVIS
PÚBLICAS NA JUSTIÇA FEDERAL E ESTADUAL DE GOVERNADOR
VALADARES/MG. 2. Conexão entre as ações civis públicas objeto do presente
conflito, uma vez que em ambas se pretende suprir a população valadarense com
a distribuição de água potável, além de determinar o monitoramento da água do
Rio Doce na localidade. 3. Existentes decisões conflitantes relativas à mesma
causa de pedir e mesmo pedido, já proferidas na Justiça Estadual e na
Justiça Federal de Governador Valadares/MG, mostra-se imperioso o
julgamento conjunto das ações, para que se obtenha uniformidade e
coerência na prestação jurisdicional, corolário da segurança jurídica.
Precedentes. 4. A competência cível da Justiça Federal é definida ratione
personae, sendo pois de caráter absoluto. 5. Nos termos da Súmula 150/STJ,
“compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que
justifique a presença no processo, da União, suas autarquias ou empresas
públicas”. 6. Interesse da União na causa, na medida em que toda a questão
perpassa pela degradação de bem público federal, qual seja, o Rio Doce, e
suas consequências sociais e ambientais, além de que o acidente decorreu
da exploração de atividade minerária, cuja outorga cabe à União. 7. A Justiça
Federal é, pois, competente para conhecer e julgar demandas relacionadas
aos impactos ambientais ocorridos e aos que ainda venham a ocorrer sobre
o ecossistema do Rio Doce, sua foz e sobre a área costeira. 8. Reconhecida a
competência da Justiça Federal para o processamento das ações civis públicas
referidas no presente conflito, cabe definir o foro competente para o seu
julgamento. FORO COMPETENTE (BELO HORIZONTE). 9. A problemática trazida
nos autos deve ser analisada à luz do microssistema do processo coletivo,
notadamente no que diz respeito à tutela de interesses difusos e metaindividuais,

12
decorrentes todos eles de um único evento, qual seja, o desastre ambiental
consistente no rompimento da barragem de Fundão, no dia 5 de novembro de
2015, ocorrido na unidade industrial de Germano, entre os distritos de Mariana e
Ouro Preto (cerca de 100 km de Belo Horizonte). 10. Nos termos do art. 2º da Lei
7.347/85, o legislador atrelou dois critérios fixadores ou determinativos de
competência, sendo o primeiro o local do fato – que conduz à chamada
competência “relativa”, prorrogável, porque fundada no critério território,
estabelecida, geralmente, em função do interesse das partes; o outro –
competência funcional – que leva à competência “absoluta”, improrrogável e
inderrogável, porque firmada em razões de ordem pública, em que se prioriza a
higidez do próprio processo. 11. A questão que se coloca como premente na
hipótese, decorrente da tutela dos interesses difusos, caracterizados pela
indeterminação dos sujeitos e indivisibilidade do objeto, é como se dará a fixação
do foro competente quando o dano vai além de uma circunscrição judiciária. Outra
resposta não há, senão pela prevenção. 12. Muito embora o conflito positivo de
competência aqui erigido tenha se instaurado entre o Juízo estadual e o Juízo
federal de Governador Valadares, há outras questões mais amplas a serem
consideradas para que se possa definir, com a maior precisão possível, o foro
federal em que devem ser julgadas as ações em comento. 13. Existente ação civil
pública com escopo mais amplo (danos ambientais strito sensu e danos pessoais
e patrimoniais), já em curso na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte-MG, na qual o
Ministério Público Federal se habilitou, inclusive, como litisconsorte ativo
(Processo n. 60017-58.2015.4.01.3800). Além dessa, tramitam na 12ª Vara
Federal de Belo Horizonte-MG a Ação Popular n. 0060441-03.2015.04.01.3800 e a
Ação Civil Pública n. 0069758-61.2015.4.01.3400, sendo partes nesta última a
União Federal e outros em face da Samarco Mineração S.A. e outros. 14. Na Ação
Civil Pública n. 0069758-61.2014.4.01.3400, observa-se que entre os pedidos
formulados na inicial está a garantia de fornecimento de água à população dos
Municípios que estão com abastecimento de água interrompido em função do
rompimento da barragem, além da garantia de fornecimento de água para
dessedentação dos animais nas áreas dos Municípios atingidos pelo rompimento
das barragens. 15. Mostra-se caracterizada a relação de pertinência entre as
ações civis públicas manejadas em Governador Valadares/MG, com vistas ao
abastecimento de água potável à população local, com essa outra ação civil
(n. 0069758-61.2014.4.01.3400) que tramita na 12ª Vara Federal de Belo
Horizonte, cujo objeto é mais abrangente, englobando as primeiras, pois
busca a garantia de fornecimento de água potável à população de todos os
Municípios que tiveram o abastecimento interrompido em função da poluição
do Rio Doce com a lama advinda do rompimento da barragem de Fundão. 16.
Termo de transação e de ajustamento de conduta firmado entre a União, Samarco
e outros, expressamente prevendo que as divergências de interpretação
decorrentes do acordo serão submetidas ao Juízo da 12ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Minas Gerais. 17. Dessas circunstâncias, observa-se que a 12ª
Vara Federal da Secção Judiciária de Minas Gerais possui melhores
condições de dirimir as controvérsias aqui postas, decorrentes do acidente
ambiental de Mariana, pois além de ser a Capital de um dos Estados mais
atingidos pela tragédia, já tem sob sua análise processos outros, visando
não só a reparação ambiental stricto sensu, mas também a distribuição de
água à população dos Municípios atingidos, entre outras providências, o que
lhe propiciará, diante de uma visão macroscópica dos danos ocasionados
pelo desastre ambiental do rompimento da barragem de Fundão e do
conjunto de imposições judiciais já direcionadas à empresa Samarco, tomar
medidas dotadas de mais efetividade, que não corram o risco de ser
neutralizadas por outras decisões judiciais provenientes de juízos distintos,
além de contemplar o maior número de atingidos. EXCEÇÕES À REGRA
GERAL. 18. Há que se ressalvar, no entanto, as situações que envolvam aspectos
estritamente humanos e econômicos da tragédia (tais como o ressarcimento
patrimonial e moral de vítimas e familiares, combate a abuso de preços etc) ou
mesmo abastecimento de água potável que exija soluções peculiares ou locais, as
quais poderão ser objeto de ações individuais ou coletivas, intentadas cada qual

13
no foro de residência dos autores ou do dano. Nesses casos, devem ser levadas
em conta as circunstâncias particulares e individualizadas, decorrentes do
acidente ambiental, sempre com base na garantia de acesso facilitado ao Poder
Judiciário e da tutela mais ampla e irrestrita possível. Em tais situações, o foro de
Belo Horizonte não deverá prevalecer, pois significaria óbice à facilitação do
acesso à justiça, marco fundante do microssistema da ação civil pública. 19.
Saliento que em outras ocasiões esta Corte de Justiça, valendo-se do
microssistema do processo coletivo, aplicou a regra específica de prevenção
estabelecida na Lei de Ação Civil Pública para definir o foro em que deveriam ser
julgadas as ações coletivas. Precedentes. DISPOSITIVO. 20. Conflito de
competência a que se julga procedente para ratificar a liminar proferida pela
Ministra Laurita Vaz, no exercício da Presidência, e determinar a competência
definitiva do Juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em
Belo Horizonte, para apreciar e julgar a causa, determinando a remessa da Ação
Cautelar n. 0395595-67.2015.8.13.0105 e da Ação Civil Pública n. 0426085-
72.2015, ambas em tramitação no Juízo de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca
de Governador Valadares/MG, e da Ação Civil Pública n. 9362-43.2015.4.01.3813,
em curso no Juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Governador
Valadares/MG, ficando a critério do Juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária
de Minas Gerais a convalidação dos atos até então praticados. ..EMEN:
(CC – CONFLITO DE COMPETENCIA – 144922 2015.03.27858-8, DIVA MALERBI
(DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), STJ – PRIMEIRA
SEÇÃO, DJE DATA:09/08/2016 ..DTPB:.)

Nesse caso, portanto, as decisões agravadas merecem reforma para reconhecer a


competência da Justiça Federal para processar e julgar o processo nº 0803836-
61.2019.4.05.8000, devendo, pelos critérios de prevenção, o feito ser distribuído para a 4ª
Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas, Juízo onde tramita a demanda conexa de nº
0803662-52.2019.4.05.8000, nos termos da fundamentação acima.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do


Procurador Regional da República que esta subscreve, opina pelo provimento do
agravo de instrumento para reconhecer a competência da Justiça Federal, mais
precisamente da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas, para processar e julgar
o processo nº 0803836-61.2019.4.05.8000.

Recife, 09 de julho de 2019.

Assinado digitalmente
MARCELO ALVES DIAS DE SOUZA
Procurador Regional da República

MADS/MCBS
L:\2019\Processos Eletrônicos\Civel\AGTR\Parecer\PJE 0807513-43.2019.4.05.0000 - AGTR. Ambiental. Dano ambiental. Atividade mineração.
Competência Federal. Pelo provimento do agravo.odt

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