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Cadê a cor que estava aqui?

Prioridades políticas e desracialização no legislativo municipal de Teresina-PI

Where is the color that was here?


Political priorities and deracialization in the municipal legislature of Teresina-PI

Resumo: o presente artigo busca compreender de que forma os vereadores de Teresina-PI utilizam o site
institucional da Câmara Municipal dos Vereadores e identificar qual o lugar da pauta racial nesse espaço comum
da representação política da cidade. Para tanto, partimos de uma Análise de Conteúdo, mesclando elementos
quantitativos e qualitativos, a fim de obter as respostas para as perguntas geradoras deste trabalho. Ao final, foi
possível notar não apenas a forma, mas também obter pistas das finalidades sob as quais os vereadores utilizam
esses espaços comunicacionais, assim como constatar a completa ausência da pauta racial no período analisado,
o que abriu caminho para um debate acerca da racialização e desracialização na pauta política local.

Palavra-chave: desracialização; comunicação política; sites legislativos

Abstract: this article seeks to understand how the councilors of Teresina-PI use the institutional website of the
City Council and identify the place of the racial agenda in this common space of political representation of the
city. For that, we started with a Content Analysis, mixing quantitative and qualitative elements, in order to
obtain the answers to the generating questions of this work. In the end, it was possible to note not only the form,
but also to obtain clues as to the purposes under which councilors appropriate this communication space, as well
as verifying the complete absence of the racial agenda in the analyzed period, which opened the way for a
debate about the racialization and deracialization in the local political agenda.

Keyword: deracialization; political communication; legislative websites

Introdução

No Brasil, a luta por justiça racial é mais antiga que a existência do parlamento,
embora ainda hoje a representação negra nas Câmaras de Vereadores, de Deputados e de
Senadores não chega perto da dimensão populacional de negros e negras na maioria das
cidades e estados.

Pensar a representação política na atualidade exige um exercício de reflexão que deve


partir do reconhecimento da pluralidade de corpos, territórios, vivências e modos de vida que
reivindicam seu direito a uma existência digna, bem com seu lugar no tempo e no espaço, na
vida comum que se tece nas cidades, na luta política e nos espaços de representação
institucionais.

Todavia, apesar da ampliação do debate antirracista nos últimos anos, o preconceito


racial ainda tem se mostrado muito presente no nosso cotidiano, seja por meio da violência e
criminalização dos corpos, seja por meio das instituições ou das estruturas branca-patriarcais
que ainda se ergue sobre as cidades com muita força, invisibilizando corpos, territórios e
memórias.

A reação a esses mecanismos, que Silvio Almeida (2018) chamou de Racismo


Estrutural, se dá em diferentes frentes da luta política. Aqui vamos nos deter a analisar apenas
um elemento desse amplo complexo de práticas e ideias que se manifesta na realidade
brasileira em forma de violência racial.

Pensar o racismo estrutural é conceber uma constituição ideológica, ou seja, representativa e


normativa de mundo, que orquestra a realidade e que mantém lugares sociais delineados. A
dinâmica da presença e da ausência opera na cena política retroalimentando os espaços
subalternos designados, inclusive, para os corpos negros. (Teixeira, 2019.s/p)

Nesse sentido, este artigo buscou identificar qual o lugar da pauta racial no espaço de
representação da Câmara dos Vereadores de Teresina-PI, a partir da análise do seu site
institucional. Sobre pauta racial entendemos todos os conteúdos publicados que fazem
referência ao racismo, negritude e raça. Alinhando dois conceitos que, a priori, se localizam
em polos de estudos distintos, mas que confluem na perspectiva que queremos abordar: 1) a
pauta, que para o Manual de Redação e estilo de O Estado de S. Paulo, é um conjunto de
informações que se preocupam em levantar enfoques diferenciados sobre os temas, buscar
ângulos novos de abordagem, mostrar agilidade na identificação de novas tendências. (Folha,
p.20); b) a raça que, para Munanga (2003), é um elemento responsável por separar e
inferiorizar determinados grupos.

Os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento. É


neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam
servido. Infelizmente, desembocaram numa operação de hierarquização que pavimentou o
caminho do racialismo. A classificação é um dado da unidade do espírito humano. (Munanga,
2003. s/p)

Essa “classificação de inferioridade" e todas as consequências advindas dela é que se


tem chamado de racismo. Sua articulação, em diversos níveis, recai sobre os corpos negros de
forma traumática (Fanon, 2003), na medida em que a irracionalidade do racismo, que nos
coloca sempre como o ‘Outro’, como diferente, como incompatível, como conflitante, como
estranho(a) e incomum. (Kilomba, 2010, p. 176).

A raça operacionaliza uma diferença social imposta; já o racismo atribui a essa


diferença graus distintos de poder, superioridade, inferioridade, etc. Para finalidade desta
pesquisa, nos interessa todo e qualquer elemento que tenha relação com a vida do povo
negro, desde de um reconhecimento que determinados problema sociais afetam mais
fortemente pessoas negras, onde o racismo tem forte influência, até temas mais diretamente
relacionados à questão racial.

Sobre o observável que nos colocamos para analisar (site da Câmara dos Vereadores
de Teresina), vale ressaltar que entendemos esse espaço como um canal de vazão de
conteúdos informativos produzidos pelos mandatos legislativos, de onde podemos observar
desde uso do site pelos vereadores, até seus temas de maior interesse, ou seja, os assuntos que
os parlamentares julgam mais importantes para o debate político local e buscam gerar maior
visibilidade.

Tendo esses elementos em mente, partimos de duas perguntas geradoras: de que


formas os parlamentares eleitos em Teresina-PI utilizam o espaço virtual de circulação de
informações disponibilizado pela Câmara dos Vereadores? Qual o lugar da pauta racial nos
conteúdos informativos produzidos pelos vereadores e pela Câmara Municipal?

Para tanto, traçamos um percurso teórico-metodológico que pudesse gerar respostas


sólidas a esses questionamentos. Adotamos a Análise de Conteúdo como guia geral desse
processo, buscando indicadores que permitam analisar de forma válida e confiável os
elementos aqui propostos.

Faremos, portanto, uma análise categorial clássica (Sampaio & Lycarião, 2021), por
meio das quais estão intrínsecas às perspectivas qualitativa e quantitativa, entendida neste
trabalho como ações complementares no processo contínuo de compreensão conceitual sobre
a produção de informações no ciberespaço nas sociedades contemporâneas (Machado;
Palacios, 2007).

As análises quantitativas aqui consolidadas também abrem caminhos para


interpretações outras, capazes de ampliar nossos horizontes de percepções sobre o fenômeno.
Assim, adotamos um procedimento sistemático, cujo objetivo é desenvolver uma “descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas
mensagens”. (Bardin, 2011, p.47)  

Procedimentos metodológicos
Adotamos a análise de conteúdos categorial como procedimento, entendida por
Sampaio & Lycarião (2021) como:

[...] uma técnica de pesquisa científica baseada em procedimentos sistemáticos,


intersubjetivamente validados e públicos para criar inferências válidas sobre determinados
conteúdos verbais, visuais ou escritos, buscando descrever, quantificar ou interpretar certo
fenômeno em termos de seus significados, intenções, consequências ou contextos (Sampaio &
Lycarião, 2021. p. 17)

Dessa forma, a partir de uma codificação do conteúdo e aplicação de códigos,


buscaremos conformar categorias analíticas para compreensão das questões assim colocadas.
Para Sampaio & Lycarião (2021), o código é uma espécie de etiqueta para classificar os
conteúdos; a codificação é a possibilidade de organizar e agrupar os dados; e as categorias
são elementos que nos dão meios para descrever o fenômeno sobre investigação (Sampaio &
Lycarião, 2021, p. 46)

Partindo dessa compreensão, analisamos 64 matérias publicadas na página de


"Notícias" do site institucional da Câmara Municipal de vereadores de Teresina 1. Ao longo da
pesquisa buscamos identificar categorias para compreender a utilização do site acima
mencionado pelos vereadores de Teresina e o lugar da pauta racial dos conteúdos publicados
no portal.

Assim, foi realizada uma catalogação das matérias publicadas no primeiro semestre de
mandato dos vereadores eleitos em 2020, que se deu entre os dias 01/01/2021 e 15/07/2021.
Essa catalogação foi realizada de modo manual, pelas ferramentas de busca do próprio site e,
a partir disso, fizemos a aplicação das práticas de categorização dos dados, sendo feito
através de uma análise temática que é apresentada por Bardin (1997) como a “contagem de
um ou vários temas ou itens de significação, numa unidade de codificação previamente
determinada” (Bardin, 1997, p.77).

1 Disponível aqui: https://www.teresina.pi.leg.br/


Assim, esta análise se deu a partir do seguinte processo, a saber: 1) catalogação
manual dos conteúdos publicados dentro do recorte temporal estabelecido pela pesquisa; 2)
identificação dos autores dos conteúdos; 3) categorização das ações parlamentares a partir da
análise individual dos conteúdos; 4) categorização das temáticas inseridas nas ações
parlamentares já catalogadas; 5) e por fim, busca (por meio do buscador automático do
navegador), de palavras-chave que pudessem comprovar a presença ou ausência da questão
racial nas matérias analisadas. 2

Após a catalogação dos conteúdos, a categorização por temática e ações


parlamentares, optou-se por analisar, de modo manual e individualizado, cada uma das
matérias publicadas no portal, a fim de identificar palavras-chaves que fizessem menção à
pauta racial. Dessa forma, além da leitura, utilizamos a ferramenta de busca do navegador
(Ctrl + F) e buscamos pelas seguintes palavras: raça, racismo, racial, pardo, negro, negra,
negritude, preto e preta.

Pela reflexão que buscamos adotar neste trabalho, a compreensão da pauta racial se
deu a partir do conceito de raça e racismo (Munanga, 2003; Kilomba, 2010; Fanon, 2003),
associada aos temas diretamente ligado à vida do povo negro, um como consequência do
outro. As palavras de busca, portanto, foram selecionadas a partir dessa compreensão,
alinhada a uma identificação comum do povo negro no Brasil, quando a raça nas pesquisas de
socioeconômicas (sobretudo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE),
onde negros são as pessoas que se identificam como pretos e pardos. A somatória dessas
palavras apresenta, se não uma completude (o que é improvável nas ciências humanas), uma
ampla abrangência sobre a questão, oferecendo, portanto, elementos analíticos importantes
para a compreensão do objetivo deste artigo.

Representatividade parlamentar e racialização dos discursos políticos

Se por um lado é verdadeira a afirmativa de que o povo negro segue sofrendo com os
processos de invisibilizarão histórica, fruto sobretudo daquilo que Anibal Quijano (1992)
chamou de colonialidade da cultural e, a partir disso, de colonialidade do poder (Quijano,
2005)3, também é verdade que nas últimas décadas temos visto uma acessão de grupos e

2 Para melhor visualização, consultar apêndice disponibilizado em anexo a este artigo


3 Compreendendo a Colonialidade como marcas atuais ainda presentes e remanescentes da forma como os
povos brancos europeus impuseram sua cultura e forças de controle social ao conjunto da população originária e
indivíduos negros, que carregam na pele a marca desse processo histórico, mas também as
estratégias de resistência e re-existência.

Oliveira (2016) aborda esse aspecto a partir das disputas eleitorais e defende que,
mesmo quando políticos negros/as são derrotados eleitoralmente, eles geram um impacto
importante e necessário do modo de fazer política, quer seja nas pequenas cidades ou em
âmbito nacional. Isso acontece “por eles trazerem à tona questões que usualmente ficavam
ausentes dos debates político-eleitorais e da opinião pública em geral, como os problemas das
desigualdades raciais, o racismo e a sub-representação dos negros na política” (Oliveira,
2016. s/p).

Essa sub-representação é nitidamente percebida quando comparamos o número total


de eleitores negros, o número de candidatos negros e o número de eleitos. Com uma
população negra equivalente à 80,5% do total de habitantes (IBGE, 2019), Teresina é umas
capitais nordestinas com maiores percentuais de autodeclarados negros. Esse número,
todavia, não se reflete nos números de candidatos a cargos legislativos.

Nas últimas eleições, em 2020, o número de candidatos autodeclarados brancos foi de


371 (51,67%), pretos somaram 128 (17,86%) e pardos 189 (26,32%). Essa relação,
entretanto, se modifica quando observamos o cenário dos eleitos. Entre os 29 eleitos, 14 se
autodeclaram brancos (48,28%), 10 se autodeclaram pardos (34,48%) e 3 se autodeclaram
pretos (10,34%), dois deles não identificaram a cor/raça. Ou seja, números ainda muito
distantes do contingente populacional negro na cidade.

Gráfico 1: Contingente populacional x vereadores negros eleitos - Fonte: IBGE, 2019 / TSE, 2020.

povos africanos ao longo dos processos de colonização na América Latina, especialmente. A colonialidade se
manifesta nas relações de poder e controle, sobretudo econômicas, mas também nas culturas, por meio dos
apagamentos e silenciamentos identitários, em detrimento de uma falsa universalização do saber.
A dificuldade de eleição de candidatos negros poderia, a princípio, ser explicada pelas
relações racistas ainda pujantes na sociedade brasileira, todavia, seria muito simplista resumir
todo esse complexo à essa única questão. É verdade que o racismo, estrutural como é,
permeia diversos aspectos que também podem impactar nesse processo, mas gostaríamos de
destacar outros. Matheus Gomes (2021), vereador negro eleito em Porto Alegre/RS, convoca
Clóvis Moura para uma reflexão sobre essa dificuldade de eleger candidatos negros. Segundo
ele, Clovis Moura acreditava haver um fosso entre o movimento e a maior parte do povo
preto, dividido entre os que sabiam ler e os que não sabiam.

Observando esse quadro com o olhar retrospectivo que a história nos proporciona, penso que a
luta de décadas recentes diminuiu essa distância. Por um lado, por meio da afirmação do próprio
projeto histórico negro: mostrar a necessidade das ações afirmativas ficou mais simples à
medida que milhares de jovens negros ingressaram nas universidades e experimentaram a
possibilidade de ascender socialmente por meio do estudo. Por outro lado, o que Moura chamava
de fração plebeia construiu suas próprias formas de comunicação e luta política: o caso singular
é o rap, que desde fins da década de 1980 é a maior expressão da luta por sobrevivência nas
periferias brasileiras e segue influenciando criticamente milhões de consciências. (Gomes, 2021.
s/p)

Aqui observamos debates sobre articulação social, políticas públicas, acesso e


permanência em instituições de ensino. No campo político eleitoreiro, as estratégias para
virar esse jogo também foram criadas, gerando impactos extremamente positivos, mas
também ampliando fossos históricos. Oliveira (2007), ao analisar as estratégias discursivas
das campanhas dos candidatos Benedita da Silva e Celso Pitta à prefeitura de São Paulo nas
eleições de 1992 e de 1996, identificou a influência das representações raciais e de gênero no
desenvolvimento destas campanhas.

[...] o economista Celso Pitta, preferiu desracializar a sua campanha para prefeito de São Paulo
em 1996, passando ao largo das discussões sobre a questão racial e expurgando discursos e
palavras que dessem saliência às suas origens raciais, mesmo quando provocado. Como
resultado ele conquistou a prefeitura batendo seus adversários nos dois turnos das eleições.
(Oliveira, 2007. p. 24)

Racializar ou desracializar campanhas eleitorais são estratégias aplicáveis e com


resultados diversos, todavia, os impactos disso parecem ir além da campanha e se
materializam também nas legislaturas, quando candidatos negros são eleitos. Não apenas na
década de 1990 (partindo das reflexões de Oliveira), mas também nos dias de hoje. É o que
pretendemos mostrar mais a diante.

O legislativo da chapada do corisco: um panorama dos vereadores de


Teresina (2020-2024)

Localizada na chapada do corisco, a cidade de Teresina é a capital do Piauí e conta


hoje com cerca de 868.075 habitantes, segundo a última estimativa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE. Pelo contingente populacional, a cidade pode eleger 29
vereadores a cada legislatura.

Assim como os demais municípios brasileiros, a Câmara Municipal de Teresina tem a


função constitucional (desde 1988) de representação coletiva do povo, de fiscalização do
poder executivo, assim como de legislar sobre questões de interesse coletivo das cidades.

No seu site oficial, os vereadores eleitos são apresentados como agentes públicos
responsáveis por atender os anseios da população, debatendo e aprovando “propostas
referentes às áreas econômicas e sociais, como educação, saúde, transporte, habitação, entre
outras, sem descuidar do correto emprego dos recursos arrecadados com o pagamento de
tributos”.4

É nesse espaço onde são debatidas e definidas propostas, leis e ações importantes para
o conjunto da cidade. Almeida e Lopez (2011) ressaltam a importância da autonomia do
legislativo para a consolidação da democracia, assim como:

[...] a importância de se conhecer como ocorre a representação política nos Legislativos locais
não se justifica apenas do ponto de vista acadêmico. Tal conhecimento pode contribuir também
para subsidiar ações e políticas governamentais voltadas para o município. É fato que os
municípios passaram a ter importância substancialmente maior na estrutura federativa do
período pós 1988 - é neles que os serviços públicos são entregues – onde a maior parte do
funcionalismo público se encontra alocado (PESSOA, 2010) e onde o cidadão se envolve de
forma mais intensa nas discussões políticas, pelo menos nos meses que circunscrevem as
campanhas políticas municipais (Almeida E Lopez, 2011. p. 8)

Nas últimas eleições municipais, realizadas em 2020, Teresina teve 692 candidaturas
ao cargo de vereador, sendo que havia 29 vagas disponíveis, o que dá uma média de 23,86

4 Disponível em: https://www.teresina.pi.leg.br/


candidatos por vaga. Os dados disponíveis no Portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
apontam ainda que do total de candidatos, 64,5% eram homens e 35,5% eram mulheres.
Apesar desse número significativo, as eleitas representam apenas 17,2%, enquanto os
candidatos homens eleitos somam 82,8%.

Além dos reeleitos, que somam 41,38% do total, os demais são advogados (13,79%),
empresários (6,9%), policiais militares (6,9%), administradores (3,45%), agentes
administrativos (3,45%) e aposentados (3,45%). Como já mostramos no tópico anterior, a
maioria dos eleitos se autodeclara como branca (48,28%).

No que diz respeito aos partidos, os 29 vereadores eleitos são ligados a apenas 14
siglas partidárias, a saber: PSDB (13,79%), PT (10,34%), MDB (10,34%), PP (10,34%), PSL
(6,9%), PSD (6,9%), PSL (6,9%), PV (3,45%), PATRIOTAS (3,45%), REPUBLICANOS
(3,45%), AVANTE (3,45%), PTB (3,45%), PL (3,45%) E SOLIDARIEDADE (3,45%).

Gráfico 2 - Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Como já havíamos mostrado anteriormente, a maioria dos candidatos e eleitos se


autodeclararam brancos (51,67% e 48,28%, respectivamente). As estatísticas do TSE dão
conta, em um primeiro momento, de evidenciar como a Câmara dos Vereadores de Teresina
reflete a estética hegemônica da elite dominante brasileira, composta essencialmente por
homens brancos. É, portanto, um parlamento majoritariamente branco, masculino, com
grande quantidade de políticos de carreira e controlado por partidos de direita e centro direita.
Essa primeira análise, apesar de não ser foco deste trabalho, aponta caminhos para a
compreensão dos elementos que iremos apresentar a seguir.

O uso dos sites parlamentares pelos vereadores de Teresina e as


prioridades políticas

O avanço da internet, que experienciamos de modo singular nas últimas décadas,


trouxe uma possibilidade de maior aproximação entre os sujeitos, mas também entre os
agentes políticos e o povo. As Assembleias Legislativas e Câmara Municipais passaram a
adotar o uso de sites na internet com mais um canal de comunicação com o povo, por onde é
possível difundir informações, mas também ir além e torna-se um elemento fundamental de
promoção da cidadania (Leston - Bandeira, 2009, p. 14). Para Braga, Mizoto e Tadra (2016) a
internet possibilitou um aperfeiçoamento na interação entre esfera civil e esfera política.

[...] abrem o caminho para aperfeiçoamentos incrementais na transparência dos órgãos públicos
e na oferta de oportunidades de participação e deliberação aos cidadãos no sistema de
instituições que interagem num determinado sistema político. Abrem-se, assim, possibilidades de
melhoria da qualidade das democracias, ao serem criadas novas oportunidades de supervisão do
público sobre os processos decisórios governamentais (Braga, Mizoto E Tadra, 2016. s/p)

Esse caminho, todavia, não é observado nos sites parlamentares do Brasil, que pouco
fazem para promover uma participação coletiva e efetiva dos cidadãos. Pelo menos é o que
concluem Marques e Miola (2007), ao analisarem seis sites diferentes entre Câmaras e
Assembleias Legislativas.

[...] os recursos identificados cuja natureza demanda uma participação coletiva e


discursiva dos cidadãos através da Internet são inexistentes, à exceção do site da
Câmara. Ao privilegiar ferramentas de participação de perspectiva individualista, este sites
pouco colaboram para uma troca pública de argumentos, conforme requer o modelo
deliberacionista de democracia. (Marques; Miola, 2007. s/p)

Embora a maior parte da literatura acerca dos sites das assembleias e câmaras
parlamentares do Brasil sejam voltados para suas potencialidades em torno da participação,
da reaproximação do parlamento com os cidadãos, das funções educativas e fiscalizadoras,
neste trabalho focaremos unicamente na sua possibilidade de difundir informações de
interesse público, frutos dos processos desenvolvidos pelos parlamentares e transformados
em conteúdos informativos.

No caso específico de Teresina, o portal da Câmara Municipal traz, além da aba


específica sobre notícias, informações sobre o portal da transparência, a apresentação dos
vereadores, as sessões ordinárias e extraordinárias, as audiências públicas e reuniões, além do
acervo digital e protocolo. Naquilo que nos interessa neste artigo, a aba de "notícias"
apresenta matérias categorizadas a partir das produções de parlamentares e outras
categorizadas como “notícias”, portanto, dando a entender que são produções mais neutras,
de autoria da assessoria geral da Câmara. Cada vereador tem liberdade para publicar o
conteúdo que julgar mais importante, sem necessidade de prévia avaliação por parte da
assessoria da câmara que, por sua vez, produz especialmente conteúdos de cunho
institucional.

Dos 29 vereadores em atividade, apenas 14 deles optaram por utilizar o espaço do site
para publicar conteúdos informativos sobre suas ações ou mandato. Ou seja, mais da metade
dos vereadores não produziram uma matéria sequer nos seis primeiros meses do mandato
para o site institucional da câmara dos vereadores. Mesmo entre os que publicaram, a baixa
quantidade é uma pista para pensarmos sobre a importância que os parlamentares depositam
nessa ferramenta de comunicação.

O Vereador Enzo Samuel (PTB) foi o que melhor aproveitou o espaço nos seis
primeiros meses de mandato com 8 publicações, seguido pela vereadora Graça Amorim com
7 publicações e pelo vereador Deolindo Moura (PT) com 6 publicações. As produções da
categoria “notícia” totalizaram 19 matérias.
Gráfico 3 - Produção própria

Neste artigo foram analisados 64 conteúdos noticiosos publicados no portal da


Câmara Municipal de Teresina, dos quais 47,69% fizeram referência à Pandemia da Covid-
19, quer seja na proposição de projetos, na aplicação de recursos ou na cobrança de ações
mais efetivas por parte do executivo municipal. A temática da violência doméstica apareceu
em 5 conteúdos diferentes (7,69%) e as demais apareceram apenas uma ou duas vezes.

Entretanto, é importante salientar a ampla diversidade de temas que foram publicados,


portanto, julgados relevantes pelos legisladores, demonstrando a possibilidade de se debater
temas diversos, apesar da pandemia. Aqui, cabe ressaltar ainda a inexistência de conteúdos
relacionados à temática questão racial, todavia, esse é um assunto que trataremos com mais
profundidade mais adiante.
Gráfico 4 - Produção própria

Os temas identificados acima surgiram a partir da narração de determinadas ações


parlamentares, as quais demonstramos abaixo, no Gráfico 5. Pela análise, as ações que
tratavam de Projetos de Lei (12) foram as mais prevalentes no período analisado, seguido por
institucional (aqui abre-se um parêntese para explicar que todos os conteúdos enquadrados
nesse eixo faziam parte da categoria "notícias", portanto não foram produzidos pelos
vereadores), requerimentos (9), pronunciamento (9) e emendas parlamentares (6).
Gráfico 5 - Produção própria

Diante do exposto, torna-se evidente como os vereadores de Teresina utilizam do


espaço do site da Câmara dos Vereadores para interesses diversos, na maioria das vezes, para
potencializar suas ações, propostas e posições no debate político. São pistas que o uso dessa
ferramenta pode estar ligado a interesses de visibilidade para seu eleitorado e manutenção no
cargo, em detrimento das demandas coletivas gerais da sociedade.

Eles fazem isso na medida em que priorizam expor seus requerimentos, emendas
parlamentares e projetos de lei. Todavia, concordamos que essas ações podem até envolver
interesses coletivos, mas ressaltamos também um caráter de personificação das ações próprias
em detrimento da coletividade.

Silenciamento histórico e desracialização na pauta política institucional

Em nenhuma das 65 matérias analisadas foi identificado qualquer referência à pauta


racial, portanto sendo esse um assunto completamente apagado da pauta política pelo
legislativo municipal. Esse apagamento aconteceu em um momento onde o mundo inteiro
debatia a questão racial, a partir do Movimento Black Live Matter, motivado pela morte de
George Floyd, em maio de 2021 nos Estados Unidos5.

No mesmo período, em Teresina, uma médica foi acusada de ter chamado uma
enfermeira de "escurinha" dentro do centro cirúrgico do Hospital de Urgência de Teresina
(HUT).6 O caso ganhou ampla repercussão em todo estado, motivando investigação policial e
procedimentos internos por parte do hospital.

Neste artigo não podemos afirmar que os vereadores não tenham debatido e divulgado
a pauta racial por outros meios, entretanto, é irrefutável que todos os/as 29 vereadores/as da
cidade não julgaram o tema relevante o suficiente para compor seus conteúdos
compartilhados no site na Câmara dos Vereadores, assim como julgaram importante falar
sobre emendas parlamentares, projetos de lei e requerimentos.

Vale ressaltar ainda que a pandemia alterou significativamente o cenário e dominou


os debates políticos e sociais em diversos níveis, na Câmara dos Vereadores não foi diferente,
sendo o tema responsável por 47,69% dos conteúdos publicados. Todavia, isso não justifica o
pagamento da pauta racial, sobretudo por ter sido a população negra a principal atingida pelas
consequências da Covid-19.

De acordo com Santos e França (2020), do total de mortes por Covid-19, 59,71%
eram negros. A ausência de políticas públicas direcionadas para a população negra, assim
como o apagamento desse debate na cena política pode configurar-se como um elemento
potencializador dessas mortes, mas não o único.

Na raça negra o impacto da escolaridade correlacionado com o quantitativo de mortes é mais


impactante. Para os negros analfabetos a mortalidade foi de 68,49%, para os negros com ensino
fundamental o índice foi de 51,42%, para os negros com ensino médio essa taxa foi de 32,18%, e
o menor índice se observa para os negros portadores de curso superior 26,34%. Esses valores
reforçam os trabalhos de Munanga (2004), Nogueira (2006) e Teixeira (1989) que explicam
como a carência de formação escolar afeta com maior magnitude, nas mais diversas
perspectivas, a raça negra – no caso desse trabalho, suas condições de saúde mais expostas à
pandemia que a média geral. (Santos; França, 2019. s/p).

5 Ver mais aqui: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-


movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm

6 Ver mais aqui: https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2021/05/03/enfermeira-denuncia-ter-sido-vitima-de-


racismo-dentro-de-hospital-em-teresina.ghtml
Diante disso é possível inferir frente aos levantamentos apresentados, que a parcela
autodeclarada branca da Câmara dos Vereadores de Teresina segue o seu curso histórico de
invisibilização das questões raciais, tal qual identificadas desde os processos de colonização.
Fazem isso na medida em que não se colocam para debater a questão, enquanto
representantes da capital do terceiro estado do Nordeste com maior percentual da população
autodeclarada negra (IBGE, 2019).

Se por um lado os parlamentares brancos se calam frente à questão racial, por outro os
parlamentares negros, em determinados momentos, acabam imbuídos à seguir uma estratégia
de desracialização dos discursos com o que parecer ter por finalidade a manutenção do
eleitorado. Fazemos aqui um paralelo com Oliveira (2016), quando ele analisa a
desracialização nas campanhas de marketing político de candidatos negros e entende que:

[...] o discurso está desracializado quando um candidato silencia, obstrui ou minimiza


referências sobre sua origem racial ou sobre o conteúdo racial dos problemas tratados na
campanha. O objetivo da primeira estratégia [racialização] é mobilizar a solidariedade étnica e
racial junto aos eleitores, sobretudo quando estes constituem maioria do eleitorado, enquanto o
da segunda [desracialização] é impedir que os eleitores se deixassem influenciar por estereótipos
negativos contra os negros na sua opção de voto aos candidatos negros, ou que os apelos raciais
possam ser utilizados pelos seus adversários para conquistar os eleitores. (Oliveira, 2016. s/p)

Essa mesma estratégia observada por Oliveira (2016) nas campanhas eleitorais, pode
ser facilmente aplicada nas legislaturas, na medida em que os candidatos eleitos buscam, para
além de cumprir seus mandados, construir caminhos para suas reeleições. Esse foi um
elemento que podemos observar aqui quando tratamos do panorama dos vereadores de
Teresina, mostrando bem esse cenário, onde 41,38% do total de vereadores eleitos em 2020
já ocupavam o cargo na legislatura anterior.

Um caso emblemático nesse contexto é o do Vereador Enzo Samuel (PTB),


autodeclarado preto. Ele foi o parlamentar que por mais vezes realizou publicações no site da
Câmara dos Vereadores, entretanto, em nenhuma delas a questão racial foi observada, mesmo
abordando temáticas como direitos dos trabalhos, de moradores das periferias e violências
domésticas, que sabemos, atravessam de forma mais agressiva a população negra.

Nesses casos, Oliveira (2016) explica que há uma certa resistência por parte do
candidato ou partido político, em incluir a temática mesmo sendo ela relevante para o debate
público. Mas para ele, a existência do político negro já coloca em cena a “inevitável
visibilidade da cor”, mesmo o debate sendo desracializado, ele pode aparecer de outras
formas ou “subliminarmente, inserida na discussão de políticas públicas de interesse geral,
mas que, no fundo, parecem ser de interesse particular de determinado grupo étnico-racial”
(Oliveira, 2016. s/p). Esse, todavia, não é objetivo central deste artigo, o que aqui pontuamos
brevemente.

Considerações Finais

Finalizo voltando à parte inicial deste artigo. A representação negra nos espaços
políticos ainda caminha a passos lentos, embora tenhamos presenciado avanços significativos
nos últimos anos. Rememoramos ainda a conformação atual da Câmara dos Vereadores,
majoritariamente composta por homens, brancos, políticos de carreira e controlado por
partidos de direita e centro direita.

Isso pode, em um primeiro momento, justificar a completa ausência do debate racial


na Câmara Municipal, ao mesmo tempo que impõe uma contradição: mesmo a Câmara
contanto 44,82% dos vereadores autodeclarados negros (pretos e pardos), nenhum deles
julgou relevante trazer essa pauta para o debate político local no site institucional da Câmara.
Aqui abrimos caminhos e deixamos pistas para outras reflexões e pesquisas futuras, que
possam abordar a questão com maior profundidade.

Neste trabalho não nos propomos, todavia, compreender os motivos sob os quais estes
parlamentares optaram por desracializar seus debates nos conteúdos comunicacionais
produzidos para o site da Câmara dos Vereadores. Mas acreditamos ser um primeiro passo na
compreensão de como o site institucional do legislativo vem sendo utilizado pelos
parlamentares e qual o lugar da pauta racial nesses seis primeiros meses de mandato.

Assim, concluímos que o uso está ainda muito aquém das potencialidades disponíveis,
centrado basicamente na repercussão das ações que possam denotar um certo trabalho do
vereador e gerar confiabilidade do eleitorado, para pleitos futuros. Observamos ainda a total
ausência do debate racial pelos parlamentares, gerado a partir do silenciamento (histórico)
dos parlamentares brancos e da desracialização dos debates dos parlamentares negros.
Estratégia esta, proposital ou não, que pode ser objeto de outras investigações.
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