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Resumo: o presente artigo busca compreender de que forma os vereadores de Teresina-PI utilizam o site
institucional da Câmara Municipal dos Vereadores e identificar qual o lugar da pauta racial nesse espaço comum
da representação política da cidade. Para tanto, partimos de uma Análise de Conteúdo, mesclando elementos
quantitativos e qualitativos, a fim de obter as respostas para as perguntas geradoras deste trabalho. Ao final, foi
possível notar não apenas a forma, mas também obter pistas das finalidades sob as quais os vereadores utilizam
esses espaços comunicacionais, assim como constatar a completa ausência da pauta racial no período analisado,
o que abriu caminho para um debate acerca da racialização e desracialização na pauta política local.
Abstract: this article seeks to understand how the councilors of Teresina-PI use the institutional website of the
City Council and identify the place of the racial agenda in this common space of political representation of the
city. For that, we started with a Content Analysis, mixing quantitative and qualitative elements, in order to
obtain the answers to the generating questions of this work. In the end, it was possible to note not only the form,
but also to obtain clues as to the purposes under which councilors appropriate this communication space, as well
as verifying the complete absence of the racial agenda in the analyzed period, which opened the way for a
debate about the racialization and deracialization in the local political agenda.
Introdução
No Brasil, a luta por justiça racial é mais antiga que a existência do parlamento,
embora ainda hoje a representação negra nas Câmaras de Vereadores, de Deputados e de
Senadores não chega perto da dimensão populacional de negros e negras na maioria das
cidades e estados.
Nesse sentido, este artigo buscou identificar qual o lugar da pauta racial no espaço de
representação da Câmara dos Vereadores de Teresina-PI, a partir da análise do seu site
institucional. Sobre pauta racial entendemos todos os conteúdos publicados que fazem
referência ao racismo, negritude e raça. Alinhando dois conceitos que, a priori, se localizam
em polos de estudos distintos, mas que confluem na perspectiva que queremos abordar: 1) a
pauta, que para o Manual de Redação e estilo de O Estado de S. Paulo, é um conjunto de
informações que se preocupam em levantar enfoques diferenciados sobre os temas, buscar
ângulos novos de abordagem, mostrar agilidade na identificação de novas tendências. (Folha,
p.20); b) a raça que, para Munanga (2003), é um elemento responsável por separar e
inferiorizar determinados grupos.
Sobre o observável que nos colocamos para analisar (site da Câmara dos Vereadores
de Teresina), vale ressaltar que entendemos esse espaço como um canal de vazão de
conteúdos informativos produzidos pelos mandatos legislativos, de onde podemos observar
desde uso do site pelos vereadores, até seus temas de maior interesse, ou seja, os assuntos que
os parlamentares julgam mais importantes para o debate político local e buscam gerar maior
visibilidade.
Faremos, portanto, uma análise categorial clássica (Sampaio & Lycarião, 2021), por
meio das quais estão intrínsecas às perspectivas qualitativa e quantitativa, entendida neste
trabalho como ações complementares no processo contínuo de compreensão conceitual sobre
a produção de informações no ciberespaço nas sociedades contemporâneas (Machado;
Palacios, 2007).
Procedimentos metodológicos
Adotamos a análise de conteúdos categorial como procedimento, entendida por
Sampaio & Lycarião (2021) como:
Assim, foi realizada uma catalogação das matérias publicadas no primeiro semestre de
mandato dos vereadores eleitos em 2020, que se deu entre os dias 01/01/2021 e 15/07/2021.
Essa catalogação foi realizada de modo manual, pelas ferramentas de busca do próprio site e,
a partir disso, fizemos a aplicação das práticas de categorização dos dados, sendo feito
através de uma análise temática que é apresentada por Bardin (1997) como a “contagem de
um ou vários temas ou itens de significação, numa unidade de codificação previamente
determinada” (Bardin, 1997, p.77).
Pela reflexão que buscamos adotar neste trabalho, a compreensão da pauta racial se
deu a partir do conceito de raça e racismo (Munanga, 2003; Kilomba, 2010; Fanon, 2003),
associada aos temas diretamente ligado à vida do povo negro, um como consequência do
outro. As palavras de busca, portanto, foram selecionadas a partir dessa compreensão,
alinhada a uma identificação comum do povo negro no Brasil, quando a raça nas pesquisas de
socioeconômicas (sobretudo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE),
onde negros são as pessoas que se identificam como pretos e pardos. A somatória dessas
palavras apresenta, se não uma completude (o que é improvável nas ciências humanas), uma
ampla abrangência sobre a questão, oferecendo, portanto, elementos analíticos importantes
para a compreensão do objetivo deste artigo.
Se por um lado é verdadeira a afirmativa de que o povo negro segue sofrendo com os
processos de invisibilizarão histórica, fruto sobretudo daquilo que Anibal Quijano (1992)
chamou de colonialidade da cultural e, a partir disso, de colonialidade do poder (Quijano,
2005)3, também é verdade que nas últimas décadas temos visto uma acessão de grupos e
Oliveira (2016) aborda esse aspecto a partir das disputas eleitorais e defende que,
mesmo quando políticos negros/as são derrotados eleitoralmente, eles geram um impacto
importante e necessário do modo de fazer política, quer seja nas pequenas cidades ou em
âmbito nacional. Isso acontece “por eles trazerem à tona questões que usualmente ficavam
ausentes dos debates político-eleitorais e da opinião pública em geral, como os problemas das
desigualdades raciais, o racismo e a sub-representação dos negros na política” (Oliveira,
2016. s/p).
Gráfico 1: Contingente populacional x vereadores negros eleitos - Fonte: IBGE, 2019 / TSE, 2020.
povos africanos ao longo dos processos de colonização na América Latina, especialmente. A colonialidade se
manifesta nas relações de poder e controle, sobretudo econômicas, mas também nas culturas, por meio dos
apagamentos e silenciamentos identitários, em detrimento de uma falsa universalização do saber.
A dificuldade de eleição de candidatos negros poderia, a princípio, ser explicada pelas
relações racistas ainda pujantes na sociedade brasileira, todavia, seria muito simplista resumir
todo esse complexo à essa única questão. É verdade que o racismo, estrutural como é,
permeia diversos aspectos que também podem impactar nesse processo, mas gostaríamos de
destacar outros. Matheus Gomes (2021), vereador negro eleito em Porto Alegre/RS, convoca
Clóvis Moura para uma reflexão sobre essa dificuldade de eleger candidatos negros. Segundo
ele, Clovis Moura acreditava haver um fosso entre o movimento e a maior parte do povo
preto, dividido entre os que sabiam ler e os que não sabiam.
Observando esse quadro com o olhar retrospectivo que a história nos proporciona, penso que a
luta de décadas recentes diminuiu essa distância. Por um lado, por meio da afirmação do próprio
projeto histórico negro: mostrar a necessidade das ações afirmativas ficou mais simples à
medida que milhares de jovens negros ingressaram nas universidades e experimentaram a
possibilidade de ascender socialmente por meio do estudo. Por outro lado, o que Moura chamava
de fração plebeia construiu suas próprias formas de comunicação e luta política: o caso singular
é o rap, que desde fins da década de 1980 é a maior expressão da luta por sobrevivência nas
periferias brasileiras e segue influenciando criticamente milhões de consciências. (Gomes, 2021.
s/p)
[...] o economista Celso Pitta, preferiu desracializar a sua campanha para prefeito de São Paulo
em 1996, passando ao largo das discussões sobre a questão racial e expurgando discursos e
palavras que dessem saliência às suas origens raciais, mesmo quando provocado. Como
resultado ele conquistou a prefeitura batendo seus adversários nos dois turnos das eleições.
(Oliveira, 2007. p. 24)
No seu site oficial, os vereadores eleitos são apresentados como agentes públicos
responsáveis por atender os anseios da população, debatendo e aprovando “propostas
referentes às áreas econômicas e sociais, como educação, saúde, transporte, habitação, entre
outras, sem descuidar do correto emprego dos recursos arrecadados com o pagamento de
tributos”.4
É nesse espaço onde são debatidas e definidas propostas, leis e ações importantes para
o conjunto da cidade. Almeida e Lopez (2011) ressaltam a importância da autonomia do
legislativo para a consolidação da democracia, assim como:
[...] a importância de se conhecer como ocorre a representação política nos Legislativos locais
não se justifica apenas do ponto de vista acadêmico. Tal conhecimento pode contribuir também
para subsidiar ações e políticas governamentais voltadas para o município. É fato que os
municípios passaram a ter importância substancialmente maior na estrutura federativa do
período pós 1988 - é neles que os serviços públicos são entregues – onde a maior parte do
funcionalismo público se encontra alocado (PESSOA, 2010) e onde o cidadão se envolve de
forma mais intensa nas discussões políticas, pelo menos nos meses que circunscrevem as
campanhas políticas municipais (Almeida E Lopez, 2011. p. 8)
Nas últimas eleições municipais, realizadas em 2020, Teresina teve 692 candidaturas
ao cargo de vereador, sendo que havia 29 vagas disponíveis, o que dá uma média de 23,86
Além dos reeleitos, que somam 41,38% do total, os demais são advogados (13,79%),
empresários (6,9%), policiais militares (6,9%), administradores (3,45%), agentes
administrativos (3,45%) e aposentados (3,45%). Como já mostramos no tópico anterior, a
maioria dos eleitos se autodeclara como branca (48,28%).
No que diz respeito aos partidos, os 29 vereadores eleitos são ligados a apenas 14
siglas partidárias, a saber: PSDB (13,79%), PT (10,34%), MDB (10,34%), PP (10,34%), PSL
(6,9%), PSD (6,9%), PSL (6,9%), PV (3,45%), PATRIOTAS (3,45%), REPUBLICANOS
(3,45%), AVANTE (3,45%), PTB (3,45%), PL (3,45%) E SOLIDARIEDADE (3,45%).
[...] abrem o caminho para aperfeiçoamentos incrementais na transparência dos órgãos públicos
e na oferta de oportunidades de participação e deliberação aos cidadãos no sistema de
instituições que interagem num determinado sistema político. Abrem-se, assim, possibilidades de
melhoria da qualidade das democracias, ao serem criadas novas oportunidades de supervisão do
público sobre os processos decisórios governamentais (Braga, Mizoto E Tadra, 2016. s/p)
Esse caminho, todavia, não é observado nos sites parlamentares do Brasil, que pouco
fazem para promover uma participação coletiva e efetiva dos cidadãos. Pelo menos é o que
concluem Marques e Miola (2007), ao analisarem seis sites diferentes entre Câmaras e
Assembleias Legislativas.
Embora a maior parte da literatura acerca dos sites das assembleias e câmaras
parlamentares do Brasil sejam voltados para suas potencialidades em torno da participação,
da reaproximação do parlamento com os cidadãos, das funções educativas e fiscalizadoras,
neste trabalho focaremos unicamente na sua possibilidade de difundir informações de
interesse público, frutos dos processos desenvolvidos pelos parlamentares e transformados
em conteúdos informativos.
Dos 29 vereadores em atividade, apenas 14 deles optaram por utilizar o espaço do site
para publicar conteúdos informativos sobre suas ações ou mandato. Ou seja, mais da metade
dos vereadores não produziram uma matéria sequer nos seis primeiros meses do mandato
para o site institucional da câmara dos vereadores. Mesmo entre os que publicaram, a baixa
quantidade é uma pista para pensarmos sobre a importância que os parlamentares depositam
nessa ferramenta de comunicação.
O Vereador Enzo Samuel (PTB) foi o que melhor aproveitou o espaço nos seis
primeiros meses de mandato com 8 publicações, seguido pela vereadora Graça Amorim com
7 publicações e pelo vereador Deolindo Moura (PT) com 6 publicações. As produções da
categoria “notícia” totalizaram 19 matérias.
Gráfico 3 - Produção própria
Eles fazem isso na medida em que priorizam expor seus requerimentos, emendas
parlamentares e projetos de lei. Todavia, concordamos que essas ações podem até envolver
interesses coletivos, mas ressaltamos também um caráter de personificação das ações próprias
em detrimento da coletividade.
No mesmo período, em Teresina, uma médica foi acusada de ter chamado uma
enfermeira de "escurinha" dentro do centro cirúrgico do Hospital de Urgência de Teresina
(HUT).6 O caso ganhou ampla repercussão em todo estado, motivando investigação policial e
procedimentos internos por parte do hospital.
Neste artigo não podemos afirmar que os vereadores não tenham debatido e divulgado
a pauta racial por outros meios, entretanto, é irrefutável que todos os/as 29 vereadores/as da
cidade não julgaram o tema relevante o suficiente para compor seus conteúdos
compartilhados no site na Câmara dos Vereadores, assim como julgaram importante falar
sobre emendas parlamentares, projetos de lei e requerimentos.
De acordo com Santos e França (2020), do total de mortes por Covid-19, 59,71%
eram negros. A ausência de políticas públicas direcionadas para a população negra, assim
como o apagamento desse debate na cena política pode configurar-se como um elemento
potencializador dessas mortes, mas não o único.
Se por um lado os parlamentares brancos se calam frente à questão racial, por outro os
parlamentares negros, em determinados momentos, acabam imbuídos à seguir uma estratégia
de desracialização dos discursos com o que parecer ter por finalidade a manutenção do
eleitorado. Fazemos aqui um paralelo com Oliveira (2016), quando ele analisa a
desracialização nas campanhas de marketing político de candidatos negros e entende que:
Essa mesma estratégia observada por Oliveira (2016) nas campanhas eleitorais, pode
ser facilmente aplicada nas legislaturas, na medida em que os candidatos eleitos buscam, para
além de cumprir seus mandados, construir caminhos para suas reeleições. Esse foi um
elemento que podemos observar aqui quando tratamos do panorama dos vereadores de
Teresina, mostrando bem esse cenário, onde 41,38% do total de vereadores eleitos em 2020
já ocupavam o cargo na legislatura anterior.
Nesses casos, Oliveira (2016) explica que há uma certa resistência por parte do
candidato ou partido político, em incluir a temática mesmo sendo ela relevante para o debate
público. Mas para ele, a existência do político negro já coloca em cena a “inevitável
visibilidade da cor”, mesmo o debate sendo desracializado, ele pode aparecer de outras
formas ou “subliminarmente, inserida na discussão de políticas públicas de interesse geral,
mas que, no fundo, parecem ser de interesse particular de determinado grupo étnico-racial”
(Oliveira, 2016. s/p). Esse, todavia, não é objetivo central deste artigo, o que aqui pontuamos
brevemente.
Considerações Finais
Finalizo voltando à parte inicial deste artigo. A representação negra nos espaços
políticos ainda caminha a passos lentos, embora tenhamos presenciado avanços significativos
nos últimos anos. Rememoramos ainda a conformação atual da Câmara dos Vereadores,
majoritariamente composta por homens, brancos, políticos de carreira e controlado por
partidos de direita e centro direita.
Neste trabalho não nos propomos, todavia, compreender os motivos sob os quais estes
parlamentares optaram por desracializar seus debates nos conteúdos comunicacionais
produzidos para o site da Câmara dos Vereadores. Mas acreditamos ser um primeiro passo na
compreensão de como o site institucional do legislativo vem sendo utilizado pelos
parlamentares e qual o lugar da pauta racial nesses seis primeiros meses de mandato.
Assim, concluímos que o uso está ainda muito aquém das potencialidades disponíveis,
centrado basicamente na repercussão das ações que possam denotar um certo trabalho do
vereador e gerar confiabilidade do eleitorado, para pleitos futuros. Observamos ainda a total
ausência do debate racial pelos parlamentares, gerado a partir do silenciamento (histórico)
dos parlamentares brancos e da desracialização dos debates dos parlamentares negros.
Estratégia esta, proposital ou não, que pode ser objeto de outras investigações.
REFERÊNCIAS
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vereadores em quatro cidades mineiras. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA,
Texto para Discussão 1625.
Almeida, Silvio Luiz (2018). O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento.
Braga, S.S. Mizoto, I.B. Tadra, Julia (2016). As funções educativas dos e-parlamentos: uma
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Folha De São Paulo (2008). Manual de Redação da Folha de S. Paulo. Edição 12. Publifolha,
São Paulo.
das campanhas de Benedita da Silva e Celso Pitta às prefeituras do Rio de Janeiro e São
Paulo, nas eleições de 1992 e 1996. PhD diss. Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de
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Oliveira, C. L. P. (2016). Estratégias eleitorais de políticos negros no Brasil na era do
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Santos, E.L.S. França, J.F.T (2020). A cor da pandemia – um estudo sobre a mortalidade por
Covid-19 entre brancos e negros no Brasil.
https://admpg.com.br/2020/anais/arquivos/08302020_180821_5f4c1f59d419c.pdf.