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A dimensão do capital político-familiar no Senado e os prejuízos à

representação democrática (1986-2018)


The dimension of political-family capital in the Senate and the damage to democratic representation (1986-2018)

Robson Vasconcelos Carvalho1

Resumo
Este artigo trata da representação política no Senado brasileiro (1986-2018), ao qual indivíduos ascendem a partir
de lutas no campo político, cada um mobilizando os capitais dos quais dispõe. Objetivamos contribuir com uma
discussão teórica sobre familismo-político; desenvolver pesquisa empírica para dimensionar o capital político-
familiar (derivado de capital-político de Bourdieu) presente na luta política para acesso ao Senado em 27 estados;
investigar possíveis padrões e prejuízos à representação democrática. Metodologicamente, recorremos à
prosopografia, pesquisa em trabalhos genealógicos e fontes documentais do Senado, sites dos senadores e da mídia
oficial, CPDOC/FGV e Congresso em Foco, para identificar vínculos político-familiares dos senadores e produzir
uma tabela ilustrativa, fundamental às análises. Descobertas confirmaram a hipótese de que em todos os estados,
o Senado é atravessado por famílias-políticas: quase 2/3 dos 380 cargos disputados no período; e que, destes, 40
foram alcançados por mulheres, sendo apenas 03 negras. Ou seja, majoritariamente representado por homens
brancos, com indícios de que são oriundos de classes dominantes. São resultados indicativos da reprodução das
desigualdades políticas e prejuízos ao recrutamento institucional, à igualdade de disputa, à representação de gênero
e raça; à edificação de uma democracia plural.
Palavras-chave: Democracia e Representação; Senado; Familismo-Político; Nepotismo; Poder Simbólico;
Abstract
This article deals with political representation in the Brazilian Senate (1986-2018), to which
individuals ascend from struggles in the political field, each one mobilizing the capital they
have. We aim to contribute to a theoretical discussion on political familism; develop empirical
research to measure the political-family capital (derived from Bourdieu's political capital)
present in the political struggle for access to the Senate in 27 states; investigate possible
patterns and damage to democratic representation. Methodologically, we used prosopography,
research in genealogical works and documentary sources from the Senate, senators' websites
and the official media, CPDOC/FGV and Congresso em Foco, to identify political-family ties
of the senators and produce an illustrative table, fundamental to the analyses. Findings
confirmed the hypothesis that in all states, the Senate is crossed by political families: almost
2/3 of the 380 positions disputed in the period; and that, of these, 40 were reached by women,
of which only 03 were black. That is, mostly represented by white men, with indications that
they come from the dominant classes. These are indicative results of the reproduction of
political inequalities and damage to institutional recruitment, to equality of dispute, to the
representation of gender and race; to building a plural democracy.

Keywords: Democracy and Representation; Senate; Familism-Political; Nepotism; Symbolic


Power;

1
Doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília; graduado e mestre na mesma área na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, onde também é licenciado em Sociologia e especialista em Gestão Pública;
2

1. Introdução

Na democracia brasileira, uma das instituições políticas mais importantes da República,


como locus de poder decisório é o Senado. Por esta casa, passam os grandes chefes políticos
dos estados, que a ela ascendem em virtude das lutas no que Bourdieu conceitua como “campo
político”.

Neste campo, cada concorrente, durante o processo de recrutamento e seleção eleitoral


– considerando o período de redemocratização – luta com os capitais dos quais dispõe: são
recursos que, acumulados desigualmente ao longo do tempo, impõem a execução de disputas
desiguais e, por tanto, acabam reforçando acesso desigual – quando não excluindo do Senado
– grupos que lá também poderiam estar representados: mulheres, negros, quilombolas,
indígenas, indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, entre outros, em detrimento
do acesso quase exclusivo de homens brancos, empresários, originários de estratos superiores
da pirâmide econômico-social e de famílias políticas praticamente hegemônicas, acopladas por
décadas e em alguns casos por séculos, às cadeiras que deveriam representar os estados.

A naturalização deste fenômeno generalizado do familismo político, que não é


característica de nenhum estado ou região específica, parece comunicar-se com uma visão
elitista da democracia que não considera a realidade das democracias realmente existentes,
onde, na prática, o peso de cada eleitor é diferente, a disputa pelo voto é desigual e os
representantes “representam” em primeiro lugar, quando não exclusivamente, quem os ajudou
na conquista de um determinado espaço político. Tal fenômeno implica no oposto do sentido
radical e essencial da democracia, materializando a realidade de governo sem demos e de
cidadãos sem efetiva representação.

O objetivo desta pesquisa consiste em: contribuir com uma discussão teórica a respeito
da temática; desenvolver pesquisa empírica para tentar captar e dimensionar um dos capitais
políticos – o capital político-familiar – presente na luta política para o acesso ao Senado nos 26
estados e no Distrito Federal, no período histórico de um pouco mais de três décadas,
compreendido entre 1986 e 2018; buscar, a partir daí, investigar se há algum padrão na
representação dos estados; apontar alguns prejuízos causados à representação e,
consequentemente à própria democracia brasileira.

A hipótese deste artigo é que o Senado é uma instituição atravessada por famílias
políticas, em especial das classes dominantes, predominantemente representadas por homens,
3

e que este fenômeno está presente em todas as regiões (CANEDO, 1997; OLIVEIRA, 2018;
MONTEIRO, 2016; CARVALHO, 2018; GOULART, 2018), sendo assim, um emblema que
reflete e colabora para reprodução das desigualdades políticas no Brasil, e causa prejuízos: ao
recrutamento institucional e à igualdade de disputa no Campo Político (BOURDIEU, 1981); à
representação pela concentração em núcleos familiares (OLIVEIRA, 2018; MONTEIRO, 2016;
MIGUEL, 2014); à igualdade de gênero, pela influência do patriarcalismo (BIROLI,
MACHADO, VAGIONE, 2020; FRASER, 2016; OKIN, 2008); à edificação de uma
democracia plural (ALMEIDA, 2012).

2. O campo político e os tipos de capital

O espaço social, para Bourdieu (1981) é constituído por campos; em cada campo há
agentes que lutam, com base em regras, lógica e hábitus: este último, “é a classe incorporada”
(Bourdieu, 2007, p. 410) e funciona como princípio gerador e ordenador de todas as práticas
sociais e culturais existentes. O campo é um construto, que serve como ferramenta para se
estudar a realidade e em todo campo há relação entre dominantes e dominados e nele as
produções simbólicas se reproduzem por meio das estruturas de dominação social.

Há vários tipos de campos, como o econômico, cultural, científico, burocrático, artístico,


religioso e o que interessa a este trabalho que é o campo político, definido por Bourdieu (1981)
como um campo de forças, de luta e como:

“(...) o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se


acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises,
comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns,
reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher”. Bourdieu (1986, p.
164)

Outro conceito fundamental da obra de Pierre Bourdieu é o de capital, compreendido


por ele de forma mais ampla que simplesmente o aspecto econômico. Para Bourdieu, o capital
possui uma dimensão simbólica que “é uma espécie de crédito social, no sentido preciso do
termo, isto é, algo que depende fundamentalmente da crença socialmente difundida de sua
validade” (Bourdieu, 1980, p. 203-204).

No campo político, que segundo o mesmo autor, é um universo regido por leis próprias,
os atores dispõem de diferentes e desiguais capitais, em qualidade e quantidade, que implicarão
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em condições diferenciadas nas lutas políticas conforme sejam nela aplicados. Capitais podem
assim, ser analogamente comparados a recursos mobilizados para a luta no campo. Segundo
Miguel (2003):

“(...) é necessário capital para avançar na carreira, ao mesmo tempo em que a


ocupação de cargos mais elevados na hierarquia do campo político representa
uma ampliação do capital”. (Miguel, 2003, p.115)

Tal condição se aplica, especialmente a uma das carreiras mais concorridas na hierarquia
dos cargos da república, notadamente o de senador. À luz da sociologia de Bourdieu e dos seus
conceitos, analisando a política brasileira na contemporaneidade, poderíamos considerar que
cada ator político pode herdar, desenvolver, acumular, utilizar e transferir capitais com os quais
irá lidar no campo das lutas políticas.

Para construir um cenário que favoreça a compreensão e análise dos capitais que podem
estar presentes no jogo político que permeia o Senado brasileiro, esta pesquisa recorre à
inspiração do texto de Miguel (2003) que apresentou, baseado nas categorias de Bourdieu, uma
divisão tríplice de capitais – capital delegado; capital convertido e capital heroico – para propor
formas mais específicas de possíveis fontes de capitais que possam ter sido mobilizadas pelos
atores políticos que alçaram ao posto de senador. Igualmente, em relação a estes
desdobramentos, este artigo adota o espírito da tipologia apresentada por Miguel, Marques e
Machado (2015), em estudo sobre deputados federais eleitos de 2002 a 2010, conforme citado
a seguir.

Embora o foco deste artigo repouse em um dos capitais: capital político-familiar, que
para efeitos deste artigo pode ser sinalizado como (KF), uma pesquisa prévia, porém ainda
insipiente, sobre o perfil dos senadores proporcionou a percepção sobre as seguintes formas de
capital político: capital midiático (KM); capital econômico-financeiro (KE); capital
institucional (KI); capital classista (KC); capital partidário (KP). Neste momento, por não ser o
foco deste trabalho, tais capitais não serão conceituados, mas, aqui são apontados, pois
apresentam o potencial de aprofundar esta e ensejar novas pesquisas, inclusive, retroagindo às
origens do Senado, no Império.

2.1 O capital político-familiar

Para uma compreensão da composição das forças políticas que ocuparam o senado ao
longo de três décadas, é importante classificar os atores políticos de acordo com os capitais que
possuem. No entanto, como já dito, o foco principal deste artigo, será a tentativa de dimensionar
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o capital político familiar, compreendendo o período entre as eleições de 1986 e 2018,


considerando neste primeiro momento apenas os senadores eleitos e não considerando os que
se candidataram, nem os suplentes-eleitos que, eventualmente, ocuparam por algum tempo ou
assumiram em definitivo a vaga do titular.

De acordo com Monteiro (2016), o conceito de capital político familiar, fora extraído
do conceito de capital econômico, desenvolvido por Pierre Bourdieu e destaca que o próprio
fato de nascer nestas famílias já se constitui numa vantagem competitiva, que diz respeito a
herança de capitais diversos, cultivados e apropriados pelas mesmas, em um campo político
escasso destes meios. Além disso, “a construção do capital político-familiar se dá por meio da
constituição de distintivos simbólicos que operam no espaço social, tendo como sustentação o
‘nome de família’” (Monteiro, 2016, pág. 78).

Desenvolvendo o tema, o trabalho de Miguel, Marques e Machado (2015), destaca a


forma pela qual o capital familiar opera:

(...) pela convivência cotidiana com as transações da política, facilitando o


acesso aos códigos do métier e às redes de compromissos e lealdades. E opera
também pela formação de clãs políticos, cujos integrantes são estimulados ou
mesmo constrangidos a ocupar os espaços que os membros mais velhos ou mais
importantes deixam para trás. (Miguel, Marques e Machado, 2015, p.727).

No entendimento de Monteiro (2016), as famílias políticas são “herdeiras, quase


sempre, das tradicionais oligarquias” (Monteiro, 2016, p. 29) e vale a pena definir um marco
de permanência do poder para identificá-las: a ocupação de cargos de comando e controle de
regiões ou mesmo de um estado, há mais de meio século, notadamente pelos pais, tios, avós e
bisavós ancorados em “nomes de famílias”, que também se ramificam para além do campo
político, ocupando postos nos campos jurídico e econômico.

O mesmo autor também propõe o conceito, baseado em um perfil temporal – que parece
se encaixar com o mesmo período de análise proposto por essa pesquisa – para identificar o que
ele chama de “novas famílias políticas”:

(...) são as que adentraram o campo político no período da redemocratização


sob a força do capital econômico ou ancoradas por meio da parentela e que
passaram a construir quadros e inserir parentes para os cargos eletivos e de
representação política municipal e estadual. (Monteiro, 2016, pág. 29-30)

Igualmente intencionados em colaborar com a conceituação do que se entende por


famílias políticas, Miguel, Marques e Machado (2015) alertam com base em Oliveira (2012)
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que é necessário se atentar às fronteiras das famílias, guardando o cuidado para não expandir
demais os vínculos até o período imperial, por exemplo, “para que não se perca de vista o que
se busca, pois não se trata de uma herança genética, mas, do fato de que aquela relação
contribuiu de maneira significativa para a carreira política de pelo menos um dos implicados”
(Miguel, Marques e Machado, 2015, p.728). Feita a observação, esses autores consideram como
regra para identificar famílias políticas:

(...) ascendentes e descendentes diretos, bem como cônjuges, irmãos e sogros,


que tenham ocupado cargos eletivos e/ou cargos de primeiro escalão no Poder
Executivo antes da eleição em análise. Eventualmente, caso houvesse
notoriedade relativa à importância de outra relação familiar, ela foi considerada.
(Miguel, Marques e Machado, 2015, p.728).

Neste artigo, será considerada a definição de famílias políticas como sendo aquelas que
contenham a partir de um familiar ou parente de primeiro e segundo grau, que tenha ocupado
no passado ou ocupe no presente cargos políticos eletivos no Estado brasileiro e cargos
comissionados ou de direção partidária, tendo esses espaços sido ocupados em virtude da
relação do parentesco. Poderão ser consideradas também, se for o caso, parentes que disputaram
mandatos “em nome do sobrenome”, mesmo que não tenham sido eleitos, pois, também
sinalizam a mobilização do capital político-familiar.

3. Raízes familiares atravessam o Senado e demais instituições da República

As redes de poder no Brasil, as famílias e as redes de parentesco, se conectam às


instituições pelos caminhos da política e da economia. O Senado, nesse sentido, é uma das
instituições centrais da República para se compreender as teias formadas por essas relações.

O termo República, do latim Res Pública, significa “coisa pública ou do povo”. Para
Cícero (2011) “povo” é o conjunto razoável de homens associados entre si por um consenso de
direito baseado em leis, formado a partir de interesses e fins comuns, em detrimento dos
interesses e fins privados, e que reflitam a vontade dessa coletividade de cidadãos.

Trata-se de uma forma de organização política de uma sociedade, originada na Roma


Antiga. Lá, assim como no Brasil, a “República” deu-se por instalada a partir de um golpe. Na
Roma Antiga, patrocinado pela aristocracia patrícia, marcando o fim da monarquia
(MAQUIAVEL, 2008); no Brasil, por militares, sem presença popular e com o suporte das
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elites agrárias paulista e mineira, marcando o fim do Império (CARVALHO, 2017; GOMES,
2014; BRAGANÇA, 2018).

No Brasil, alguns elementos que se enraizaram em nossa formação cultural a partir da


colônia, passando pelo período imperial, dificultam a formação de fato daquilo que temos por
República. Os que vieram para cá, com características de povo conquistador e aventureiro,
holandeses e portugueses em maioria, não vieram para se estabelecer, mas para explorar, sem
compromissos com a terra, e depois voltar ao velho mundo onde permaneciam suas famílias.

Segundo Holanda (1995), o ambiente de contrastes entre a influência das américas e das
culturas ibéricas, entre o privilégio da colonização de exploração – feitorização – em detrimento
da colonização de povoamento, e da prevalência do controle do campo sobre as cidades, mesmo
as estabelecidas no litoral, criou condições para o estabelecimento da família patriarcal. Esta,
foi se consolidando e, junto com ela, o cordialismo, que implica em relações onde os homens
privilegiam entre si os imperativos do coração em detrimento da impessoalidade e das normas
abstratas. Esse contexto, enseja a criação de um permanente ambiente doméstico, prejudicial
ao ambiente da República, que, feita por homens com essa mentalidade, agem no público como
se estivessem no âmbito da vida privada, configurando o patrimonialismo, que por sua vez,
“cria empecilhos para se ter uma ordem social mais impessoal e racional, e, ainda mais sério,
para a constituição da democracia no país”. (RICUPERO, 2011, p. 122).

Em oposição à concepção de Holanda (1995) sobre o patrimonialismo no Brasil, Faoro


(1958) deixa claro que, na visão dele, não é no ambiente doméstico onde se desenvolve o
patriarcalismo, mas sim no ambiente do próprio Estado, em modelo transplantado de Portugal,
com o qual está relacionado o patrimonialismo. Freyre (2006) entende o papel da família
patriarcal como núcleo fundamental da organização social, que permeou diversas esferas da
sociedade e interpôs sua plasticidade e seus interesses. Além disso, a família seria o único setor
da vida brasileira, cuja autoridade não sofrera questionamentos, pensamento esse,
compartilhado por Holanda (1995), que entende o clã familiar como sendo o responsável pelo
não avanço nas relações políticas, que, ao invés de serem pautadas pelo interesse público em
primeiro lugar, passam a ser consideradas e conduzidas pelos interesses privados. Nesse
sentido, ambos concordam com o entendimento de que uma das características herdadas da
península ibérica, a influenciar nesse tipo de comportamento é a cultura da personalidade,
traduzida na supervalorização da pessoa, dos seus feitos, virtudes e bens materiais, o que
distancia os homens dos ideais de igualdade entre si. Considerando essa interpretação numa
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República que tem por base o Estado Democrático de Direito, o princípio constitucional da
impessoalidade torna-se, na prática, mera formalidade.

Ainda nessa discussão, vale relembrar que outra importante obra do pensamento político
brasileiro, a de Viana (1949), soma-se à ideia de Holanda (1995), no sentido de que compreende
que a família, ao transbordar as barreiras da esfera privada restringiu a construção de um poder
central e forte, perpassando inclusive a própria democracia e a federalização, tornadas, assim,
vulneráveis ao veneno da confusão de interesses públicos com os privados: o patrimonialismo.

Este artigo filia-se à compreensão de que o problema do patrimonialismo não está no


Estado, mas em quem conduz e na forma como conduz as instituições que compõem a formação
desse Estado, no caso, brasileiro; e ao mesmo tempo enxerga esses atores sociais e políticos
como seres vivos, com identidade, CPF, CNPJ, nome e sobrenomes pertencentes a famílias,
que materializam na condução do Estado a representação dos interesses dos grupos aos quais
pertencem e com os quais se relacionam.

No Brasil, mesmo tendo surgido no Império, em 06 de maio de 1826, o Senado 2


permaneceu como uma das instituições da estrutura da República Federativa do Brasil,
acomodando vozes e interesses da aristocracia e compondo, ao lado da Câmara, o Congresso
Nacional. A composição do Senado nem sempre foi numericamente igualitária, mas, passou a
sê-la a partir da Constituição Federal de 1988. Este integrante do Poder Legislativo, então,
passou a contar com a representação de três senadores por cada uma das 26 unidades federativas
e o Distrito Federal, o que fez com que ficasse conhecido como a casa de representação dos
estados (GROHMANN, 2001; CHACON, 1997). Porém, segundo Neiva (2016):

a sobre-representação dos estados menores (e mais pobres) não significou uma


vitória para suas respectivas populações. [...] A ideia é que tal sobre-
representação foi apenas uma forma de compensar os estados menores pelo
pouco acesso que tinham ao governo central, bem como uma forma de
fortalecer as elites regionais, que deviam fidelidade a esse último.

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A origem do Senado remonta à Roma Antiga, enquanto organização que surge na monarquia, formada por um
conselho de ex-reis, permanecendo nas fases seguintes da República e Império. Sobre a importância do Senado
para a consolidação da república romana, Maquiavel (2008), não considera um mal as mortes protagonizadas por
Rômulo, de um colega deste, Tito Tácio Sabino nem de Rêmulo, seu próprio irmão, por interpretar que a
consequência foi a consolidação da República e a união das cidades-estado italianas e que aí, inclusive, está
presente a formação do próprio Senado:
“O que demonstra que Rômulo merece ser absolvido da morte de seu irmão e do seu colega, e que agiu não para
satisfazer uma ambição pessoal, mas em prol do bem comum, é o estabelecimento imediato do Senado, cujo
conselho procurou, tomando como guia. [...] foi desnecessário então, alterar o antigo governo; tudo o que fez foi
criar dois cônsules anuais em que estavam mais ajustadas a um governo livre e popular do que a um governo
absoluto e tirano.” (MAQUIAVEL, 2008, p. 50, grifo nosso).
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Enquanto casa da tomada de decisões, o Senado tem poderes especiais, inclusive se


comparado à Câmara Federal e aos poderes executivo e judiciário: autorizar empréstimos e
operações financeiras a municípios, estados e à própria União, revisar e devolver projetos
aprovados pela Câmara, aceitação de processo e votações de impeachment de presidente da
República, processamento e julgamento de ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador
Geral da República e Advogado Geral da União nos crimes de reponsabilidade. Por essa
instituição, transitam as votações das principais políticas de Estado, como reforma trabalhista,
previdenciária, política e tributária, dentre outros de iniciativa própria ou advindos da Câmara.

O Senado constitui-se, assim, num dos palcos das discussões e decisões políticas mais
importantes de uma nação, de uma República. E, quando se pensa em política e democracia, é
necessário considerar a existência de interesses diversos, que devem ser representados pelas
instituições.

No jogo do poder, o que está em jogo é o poder de decidir e o Senado é uma casa de
acesso ao poder decisório que tem a condição de direcionar mudanças estruturantes na
sociedade para confirmar, manter ou alterar as relações de poder na sociedade, bem como as
desigualdades sociais e econômicas e a própria condição de dominância das classes dominantes.

Nesse contexto, alguma relação poderia ser desenvolvida que permitisse estabelecer
uma conexão analítica ente família e Senado no âmbito da República? Sim. E neste contexto, a
categoria central de análise será a família, fio condutor dessa abordagem, pois a família importa
para compreender e explicar o objeto de investigação, que é o Senado: uma instituição dita
republicana, que, na hipótese a ser confirmada ou negada pelas pesquisas, é atravessada por
famílias políticas, em especial as famílias das classes dominantes.

Em sintonia com esse argumento de Willems (1953 apud OLIVEIRA, 2018, p. 34) que
afirma que “não existe nenhuma instituição no Brasil que não seja atravessada por famílias”,
vale destacar algo aparentemente óbvio, mas que faz todo o sentido nesta nossa discussão: todas
as decisões tomadas no âmbito do Senado são decisões tomadas por pessoas físicas e todos eles
são oriundos e interconectados às suas próprias famílias.

Podemos então perguntar: existem famílias que atravessam e controlam a instituição


brasileira chamada Senado? Quais são essas famílias? São de origem indígena, negra-
quilombola ou branca? Há quanto tempo ocupam espaços de poder? Possuem outros parentes
ocupando cargos eletivos ou de representação no aparelho estatal? Se existem as bancadas “da
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bala, da bíblia e do boi”, das empreiteiras, do agronegócio, da mídia e do mercado financeiro,


há também a bancada dos grupos de origem popular?

A nossa percepção é a de que boa parte dos assentos da Alta Câmara, são ocupados por
famílias3 poderosas, que parecem suceder a si mesmas, como numa monarquia, onde o poder é
transmitido por hereditariedade e consanguinidade. No Senado, segundo Oliveira (2018), com
base em dados do Congresso em Foco em 2017, a taxa de parentesco é maior que a da Câmara:

Em Brasília, qual é a proporção de deputados como família na política? – Mais da


metade. Quantos senadores têm família na política? – Dois terços. [...] esses dados
aumentam na atual legislatura mais de 60% na Câmara e uns 75% no Senado, de
parlamentares vinculados às famílias do poder.

Portanto, este trabalho concorda com a afirmação de Oliveira (2018) de que a família
importa e explica e que a dimensão familiar é central nos estudos sobre produção, reprodução,
acumulação e transmissão de riquezas, que apontam ao favorecimento de famílias da classe
dominante e à manutenção das desigualdades sociais, econômicas e políticas.

4. Democracia e representação

Segundo Monteiro (2016), “a democracia se tornou um dos temas centrais da teoria


política contemporânea e indiretamente das agendas referentes às eleições, processos
decisórios, elites e participação” (Monteiro, 2016, p. 561). De acordo com o mesmo autor, estes
temas são caros à democracia desde o experimento grego.

Porém, o que não consta como experiência grega clássica e aparece como novidade nas
democracias contemporâneas é “o parlamento como colégio de representantes e o processo
eleitoral” (Miguel, 2014, p. 12). Daí a temática da representação política ser pertinente para
estudar a democracia contemporânea no Brasil.

Bobbio (2015), em O futuro da democracia, alerta que uma das promessas não
cumpridas da democracia é a “persistência das oligarquias”, ou seja, a não derrota do poder
oligárquico, ainda presente nas democracias representativas, que pode ser facilmente
simbolizado pela presença das famílias políticas que atravessam as instituições.

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Atentar à frase final do filme “Democracia em vertigem”, que desenvolve uma visão crítica sobre o imbricamento
das famílias mais poderosas do Brasil com Estado: “[...] Somos uma República de famílias” (Democracia em
vertigem. Direção: Petra Costa, Produção: Joanna Natasegara, Tiago Pavan, Shane Boris. Brasíllia (DF): 2019).
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Esta temática da representação política, segundo Miguel (2014), apresenta alguns


problemas e, dentre eles, destacam-se: as distâncias entre governantes e governados e entre
representantes (elites políticas) e os representados (a massa da população); e, de modo geral, a
desvinculação entre as vontades e compromissos dos representantes e os anseios dos
representados. Certamente, nesse sentido e diante de tantos descaminhos, Nicolau (2017), se
põe a fazer um questionamento pertinente aos políticos eleitos pela confiança do eleitor através
do voto – no caso específico para Câmara Federal: são “representantes de quem”?

Quando se pensa na questão do familismo político, abordado neste artigo, ao que parece,
pode-se estabelecer conexões claras com os itens apontados acima e questionar: os políticos das
bancadas familiares no Senado representariam a massa de trabalhadores dos seus estados ou os
interesses de suas próprias famílias e dos que, junto a eles, mobilizaram capitais no campo
político e contribuíram para a sua alçada ao parlamento?

Ainda considerando a desconexão entre os representantes eleitos e a desproporcional


representação das frações do eleitorado, também se pode atentar a outras questões: negros,
indígenas, mulheres e quilombolas que juntos expressam a maioria da população brasileira,
estariam representados no Senado ao longo das décadas analisadas? Raça, classe e gênero
estariam proporcionalmente representadas nesta instituição?

Vale lembrar que, antes mesmo da votação, há uma “seleção não natural dos
candidatos”. Primeiro há que se existir pessoas não só motivadas à disputa, mas, possuidoras
de recursos (capitais) para tal feito – como afirma Maquiavel, há os profetas armados e os
desarmados, não bastando assim, apenas a vontade ou o desejo para encarar as lutas políticas,
mas, ter meios e recursos necessários. Posteriormente, tem-se os candidatos a candidatos, que
são escolhidos pelos partidos políticos – em quantidade expressiva, também atravessados por
famílias políticas Oliveira (2012; 2018); e, só depois, os cidadãos entrarão no jogo de cartas
marcadas para fazer uma escolha de segunda mão, pois as opções que poderiam ser disponíveis,
foram limitadas previamente sem a sua influência ou mesmo conhecimento.

Refletindo sobre essas etapas que culminam com o processo eleitoral para escolha de
candidatos e futuros representantes, cabem dois questionamentos em sintonia com as ideias
desenvolvidas acima sobre alguns dos aspectos da representação, notadamente as sub-
representações de negros e mulheres, que implicam consequentemente na fragilização das
instituições tidas por democráticas.
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O primeiro, aborda a sub-representação feminina, que, de acordo com Biroli e Miguel


(2010), trata-se de um problema político que precisa ser enfrentado e a esse fenômeno, apontam
três linhas de explicação:

(...) uma que enfatiza o caráter patriarcal subjacente às instituições políticas


liberais; outra que foca os padrões culturais e de socialização que constroem o
político como espaço masculino e inibem o surgimento da “ambição política”
entre as mulheres; e aquela que destaca os constrangimentos estruturais à
participação política das mulheres, que possuem, via de regra, menos acesso aos
recursos econômicos e muito menos tempo livre que os homens. (Biroli e
Miguel, 2010, p. 653)

Com base nesses apontamentos, e na abordagem de Okin (2008), questiona-se: quais as


chances de que as mulheres, historicamente atadas aos cuidados com a família, com a casa, com
a vida doméstica, possam participar da política, pleiteando algum espaço em cargos eletivos,
ou seja, na vida pública? Detalhe: como bem destaca Fraser (2020), sendo todo esse trabalho
doméstico e de cuidado, contraditoriamente não remunerado, não reconhecido e desvalorizado.
Neste contexto, é fácil conquistar a oportunidade de se candidatar, mesmo havendo quotas? E
se forem candidatas, quais as chances reais de eleição em uma sociedade patriarcal e lutando
em um campo político que é visto aos olhos do senso comum da sociedade como peculiar ao
universo masculino?

O segundo, aborda a sub-representação dos cidadãos negros, que são maioria em uma
sociedade de recente passado escravista, que espoliou drasticamente as suas oportunidades de
galgarem postos diversos na sociedade e onde é tão presente o que Almeida (2019) conceitua
como Racismo Estrutural. Para o autor:

No caso do Brasil, um país de maioria negra, a ausência de representantes da


população negra em instituições importantes já é motivo de descrédito para tais
instituições, vistas como ofensas à renovação, retrógradas e até
antidemocráticas (...) A falta de diversidade racial e de gênero só é ‘bem-vista’
em nichos ideológicos ultrarreacionários e de extrema-direita; caso contrário, é
motivo de constrangimento e deslegitimação (...). (Almeida, 2019, p.)

Mesmo reconhecendo que é importante haver representação institucional, Almeida


(2019) compreende a representatividade para além da ocupação de espaços políticos em
instituições, ou seja, como uma questão bem mais ampla e que, por si só, não é suficiente para
combater o racismo, “pois a representatividade é sempre institucional e não estrutural”
(Almeida, 2019, p.). Ainda assim, vale questionar: O atrelamento ao trabalho exaustivo, em
muitos casos quase que em tempo integral, permite que os negros possam participar ativamente
13

da vida política do país? Que nível de acesso podem ter aos partidos políticos – dominados por
brancos – para que, no mínimo possam pleitear serem candidatos a candidatos? Considerados
todas essas “peneiras” ou “filtros”, é fácil crer nas chances reais de haver um expressivo número
de negros eleitos? E o que dizer das chances das mulheres negras?

E, finalmente, no processo seletivo de acesso às instituições do Estado por meio do voto,


o processo eleitoral requer alguns instrumentos para entrar nessa disputa política e um deles,
no campo político, é o uso eficaz da linguagem política, que é, segundo Bourdieu (2007) um
dos instrumentos de produção do discurso. Nesse contexto, famílias políticas, detentoras de
quantidades de capital político-familiar dominam boa parte da linguagem política, do hábitus,
de seu modus operandi. A presença das famílias políticas amplifica as desigualdades inerentes
ao campo político, pois nem todos os atores em disputa detêm o conhecimento ou sabem
manusear tal ferramenta. O recrutamento para este campo no seio da família se dá desde a mais
tenra idade, com filhos brincando de ser políticos imitando aos pais, tios e avôs, ouvindo e
participando das conversas e posteriormente acessando informações inerentes ao fazer da
política, às lideranças e atores diversos do campo, aos recursos de doadores e às entranhas e
nuances das instituições, tão naturalmente adentradas quando às cozinhas de suas casas.

5. Métodos, recortes, fontes e observações

Esta pesquisa estará delimitada no período que compreende as eleições para o Senado
entre 1986 e 2018, buscando, além da identificação das famílias políticas presentes nestas três
décadas, informações, nesta fase, sobre o gênero, e, posteriormente, sobre raça e formação e
ocupação dos representados – esta última que será muito importante para ajudar a identificar os
outros capitais que compõem os eleitos e eleitas para o senado, além do capital político familiar,
que é o objetivo momentâneo.

No período pesquisado, 25 estados elegeram catorze representantes para o senado e dois


elegeram quinze representantes, quais sejam: o Distrito Federal, elegendo três senadores em
1986, sendo um com mandato de quatro anos, vencendo na próxima eleição em 1990 e dois
com oito anos, chegando a oportunidade de renovação destas vagas em 1994. E o Tocantins,
elegendo em 1988 três senadores, sendo um com mandato de dois anos, a ser renovado em 1990
e dois com mandato de seis anos, a serem realizados em 1994. Outros dois estados, também,
assim como os dois anteriores, em virtude de recente criação em relação aos demais, foram o
estado do Amapá e Roraima, que não contaram com eleições em 1986 para o Senado, porém,
14

elegeram três senadores em 1990, com uma vaga para preencher quatro anos e duas vagas
contabilizando oito anos completos de mandato.

Para efeitos de análise, esta pesquisa considerará os eleitos e as eleitas para o mandato,
não se dedicando neste momento a aprofundamentos em relação a eventuais substituições,
sejam por quais forem os motivos, por parte dos suplentes. Estes, também são fundamentais
para identificar a mobilização de outros capitais políticos, como o econômico – empresários
que pagam a conta da campanha por exemplo – ou o midiático – há os que são donos de veículos
de comunicação, além também dos familiares: há diversos jogos cruzados entre famílias com
as suas respectivas suplências como demonstrado por Carvalho e Monteiro (2021) em um
estudo comparativo sobre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

Igualmente, serão apresentados os resultados da pesquisa em relação ao capital familiar,


considerando neste momento vínculos político-familiares com os eleitos, que podem ser
anteriores, concomitantes ou posteriores ao mandato do mesmo, visto que há aqueles que são
descendentes, há os que iniciaram em períodos similares e há os que foram pioneiros e fizeram
sucessores – ou tentaram fazer. Neste caso, há famílias políticas que têm um espectro pequeno
(em termos de familiares envolvidos) por onde circula o capital político-familiar e há outras
que constroem verdadeiras dinastias. Este nível de detalhamento requer aprofundamento que
enseja novas pesquisas.

Para a coleta de dados as fontes utilizadas foram: site oficial do Senado, páginas pessoais
dos políticos analisados, Centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do
Brasil – CPDOC, site do Congresso em Foco e de empresas jornalísticas nacionais e trabalhos
publicados referenciados na bibliografia; hemeroteca digital e Family Search foram
eventualmente utilizadas. O trabalho foi feito e minuciosamente checado entre as fontes acima
citadas.

6. Resultados preliminares e algumas análises da pesquisa

Feitas estas considerações, tem-se no total, a eleição para preenchimento de 380 vagas
para o senado, entre 1986 e 2018. Dessas, conforme Tabela 1, 311, equivalente a 81,84% foram
ocupadas por pessoas únicas, significando que há diversos casos em que determinados
parlamentares foram eleitos mais de uma vez para o mesmo cargo, chegando a ocorrer recordes,
15

como no caso da bancada do Rio Grande do Norte, do senador José Agripino Maia (PFL/DEM)
e Edison Lobão no Maranhão, terem sido eleito quatro vezes cada um.

TABELA 1 – preenchimento de mandatos de senador por estados, identificando gênero e


presença de vínculos político-familiares, com percentuais (1986-2018).
Total Pessoas Vínculos Gênero Gênero
Região UF Mandatos Únicas % Familiares % Masc. % Fem. %
Disputados eleitas identificados
AC 14 10 71,43 10 71,43 12 85,71 02 14,28
N AP 14 10 71,43 08 57,14 14 100,00 00 0,00
O AM 14 12 85,71 12 85,71 13 92,86 01 7,14
R PA 14 13 92,86 05 35,71 12 85,71 02 14,28
T RO 14 13 92,86 09 64,29 13 92,86 01 7,14
E RR 14 12 85,71 11 78,57 12 85,71 03 21,43
TO 15 13 86,66 08 53,33 13 86,66 02 13,33
AL 14 08 57,14 12 85,71 13 92,86 01 7,14
N BA 14 13 92,86 09 64,29 13 92,86 01 7,14
O CE 14 13 92,86 09 64,29 13 92,86 01 7,14
R MA 14 08 57,14 10 71,43 12 85,71 02 14,28
D PB 14 12 85,71 14 100,00 13 92,86 01 7,14
E PE 14 11 78,57 10 71,43 14 100,00 00 0,00
S PI 14 12 85,71 14 100,00 14 100,00 00 0,00
T RN 14 09 64,29 12 85,71 11 78,57 03 21,43
E SE 14 10 71,43 10 71,43 11 78,57 03 21,43
DF 15 14 93,33 08 53,33 14 93,33 01 6,66
CENTRO GO 14 12 85,71 10 71,43 12 85,71 02 14,28
OESTE MT 14 12 85,71 10 71,43 12 85,71 02 14,28
MS 14 13 92,86 09 64,29 11 78,57 03 21,43
ES 14 11 78,57 08 57,14 13 92,86 01 7,14
SU MG 14 14 100,00 04 28,57 13 92,86 01 7,14
DES RJ 14 13 92,86 09 64,29 13 92,86 01 7,14
TE SP 14 11 78,57 09 64,29 12 85,71 02 14,28
S PR 14 09 64,29 13 92,86 13 92,86 01 7,14
U RS 14 10 71,43 04 100,00 12 85,71 02 14,28
L SC 14 13 92,86 12 85,71 13 92,86 01 7,14
TOTAL 27 380 311 81,84 259 68,16 340 89,47 40 10,53
FONTE: Elaborado pelo autor, 2021.

O único estado que elegeu 100% dos parlamentares diferentes para ocupar todas as
vagas nas eleições realizadas, foi o estado de Minas Gerais, ao passo em que os estados do
Maranhão e Alagoas ficaram na pior posição neste quesito, com 57, 14%, ou seja, oito das
quatorze disponíveis. Em Alagoas, Renan Calheiros e Teotônio Vilela se elegeram ambos três
vezes e Fernando Collor duas vezes; e, no Maranhão quatro vezes Edison Lobão, como já dito
e Alexandre Alves Costa, Epitácio Cafeteira e João Alberto de Souza duas vezes cada um.
Analisando a mesma tabela, ainda é possível observar que este fato onde há repetição de
16

mandatos pela mesma pessoa, e que ocorre em 26 estados, não necessariamente ocorre
exclusivamente por parte de senadores com vínculos político-familiares. Em caminho contrário,
há dois estados que elegeram 100% de senadores que conservam relações político-familiares:
a Paraíba e o Piauí.

Ao analisar os dados em relação aos cargos preenchidos por eleitos que possuem
vínculos político-familiares nos termos já explicitados, tem-se que, dos 380 disponíveis no
período, 259, ou seja, 68,16%, foram ocupados por famílias-políticas.

Tomando os dados por região geográfica, em primeiro lugar está a Região Nordeste em
número de contribuição de mandatos com vínculos político-familiares, chegando ao total de
cem. Em seguida, estão as regiões: Norte, com sessenta e três; Centro-Oeste, com trinta e sete;
Sudeste, com trinta; e, por último, a Região Sul, com vinte e nove mandatos sob influência do
capital político-familiar.

Apesar de não ser o foco deste trabalho, foi possível identificar também que o
patriarcalismo reina livremente nesta instituição tida por republicana: das 380 vagas, 340, ou
seja, 89,47% representa a expressiva presença masculina nesta Casa. E, para reforçar o conjunto
de desigualdades políticas, há outro dado que ataca mais um aspecto do que deveria ser a
representação política: das 40 mulheres que chegaram a esse posto, 10,53% em percentual,
apenas 03 delas são negras: Marina Silva, no Acre, tendo ocupado o mandato por duas vezes,
Benedita da Silva, no Rio de Janeiro uma vez e, em Rondônia, Fátima Cleide uma vez, sendo
todas elas, na ocasião, filiadas ao Partido dos Trabalhadores.

Há que se destacar ainda que em três estados nunca houve a eleição de uma mulher para
o senado: Amapá, Pernambuco e Piauí; e os estados que mais as elegeram, contribuindo com
três mandatos cada um, foram: Mato Grosso do Sul, sendo três vezes a própria Simone Tebet,
do PMDB e apresentando mobilização de capital político-familiar; Rio Grande do Norte, com
três diferentes, onde Rosalba Ciarline, do DEM, e Zenaide Maia do PROS são respectivamente
membro das longevas e entrelaçadas famílias politicas (Rosado e Maia) e Fátima Bezerra do
PT, professora e sem conexões com famílias políticas. Por fim, Roraima contribuiu com duas
eleições da senadora Marluce Pinto do PTB e uma de Angela Portela do PT, ambas com
ligações político-familiares e Sergipe, com três eleições da mesma pessoa, também de família
política, Maria do Carmo Alves, do DEM.
17

Considerando os dados por região, o Nordeste elegeu mais mulheres por mandato,
chegando a doze, seguido das regiões: Norte, com onze; Centro-Oeste, com oito; Sudeste com
cinco; e, por último, a região Sul, elegendo apenas quatro mulheres.

7. Considerações finais

Resgatando o objetivo inicial desta pesquisa, acredita-se que este texto colaborou com
uma discussão teórica a respeito da problemática que envolve as relações entre família e
política.

Quanto à captação e dimensionamento do capital político-familiar – presente na luta


política para o acesso ao Senado nos 26 estados e no Distrito Federal, foi apurado que o
fenômeno é mais comum do que muitos imaginam, não significando que o mesmo deva ser
naturalizado; até porque causa prejuízos à luta política, acirrando suas desigualdades no campo,
interferindo na desmotivação de certos grupos sociais como mulheres e negros, no recrutamento
e na competição eleitoral, pois quanto mais grupos concentrando maiores quantidades de
capitais, maiores as desigualdades.

Refletindo se há algum padrão na representação dos estados, pode-se apontar que a


presença do familismo político está presente em todos os estados e em todas as regiões do Brasil,
em maior ou menor quantidade, confirmando uma das hipóteses apresentadas no início deste
trabalho. Se são em grande maioria famílias das classes dominantes, os dados concretos ainda
não podem ser apresentados neste momento com objetividade, pois enseja análises em camadas
mais profundas e cruzamento com outros dados que foram coletados no decorrer da pesquisa,
mas, ainda não sistematizados; mas, é possível afirmar, com base em análise prévia que, são
raros os que chegaram ao senado, a partir de origem popular.

Porém, com muita precisão, é possível confirmar outra hipótese: uma maioria
expressiva de homens brancos preencheu todas as legislaturas do Senado brasileiro entre as
eleições de 1986 e 2018 e esse fato colabora sensivelmente para reprodução das desigualdades
políticas no Brasil. Como é possível pensar em República sem representação de negros e
mulheres que são a maioria da população, de índios que são os povos originários da nação e de
cidadãos de origem popular que representam a grande maioria da população brasileira? São
fatores que colaboram para o enfraquecimento da democracia.
18

Por fim, a pesquisa apontou que quase dois terços dos cargos de senador da República
Federativa do Brasil foram ocupados por parlamentares que mobilizaram pelo menos o capital
político-familiar. Portanto, sim, família importa e explica a dinâmica do jogo político rumo às
instituições. Mas, é preciso entender que há também outros importantes capitais que são
mobilizados, às vezes exclusivamente, às vezes complementando-se uns com os outros, como
o midiático, econômico-financeiro, classista, partidário, religioso e militar, dentre outros. Sendo
assim, para tentar conhecer a dimensão e compreender a composição dos outros capitais que
compõem as lutas no campo político rumo ao Senado brasileiro, sugerimos que novas agendas
de pesquisa sejam desenvolvidas.

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