Pode-se dizer que o Brasil se encaixa como um tipo específico de
democracia há pouco mais de 30 anos. Esse aspecto puramente formal,
porém, não garante o exercício prático de uma democracia plena com todas as suas garantias de recursos básicos para a população em geral. Essas garantias de recursos são o que chamamos de “direitos humanos”, que por muito tempo foram expressão dos interesses de classes dominantes. No Brasil, em especial, constata-se que muitas vezes essas garantias estavam sempre ligadas a um tipo de concessão por parte do Estado, sem necessariamente eliminar a atuação de movimentos explicitamente políticos no decorrer da história. Os direitos do cidadão brasileiro atualmente são materializados na forma da Constituição Federal de 1988 que garante certas formas de incluir a população no processo de tomada de decisões políticas. Esse aspecto simbólico e formal dos direitos do cidadão, porém, nos retorna à questão da distinção entre cidadania formal e cidadania real já esboçada anteriormente. O aspecto essencialmente real do direito, nesse sentido, estaria diretamente ligado ao cotidiano das pessoas e sua eficácia estaria ainda em um processo de construção determinada por fatores principalmente socioeconômicos. A discussão acerca da garantia dos direitos nos remete à uma problemática mais específica ainda envolvendo essas questões: as cotas raciais, ou ações afirmativas. As ações vêm tomando conta de diversos setores do debate político em função de seu caráter polêmico. Evidentemente, essas ações buscam salientar aquilo que anteriormente foi denominado de direito real. As ações afirmativas surgem com o objetivo de se criar um ambiente mais democrático ao compensar as desigualdades socioeconômicas advindas de certos aspectos sociais. No caso das cotas raciais, sabe-se que as adversidades que impulsionam sua necessidade são de caráter puramente histórico ligadas a questões principalmente étnicas. O caráter histórico das questões envolvendo etnia no brasil, por sua vez, nos remete à formação do Estado e da política brasileiros. Nesse setor, um nome de referência é o de Sérgio Buarque de Holanda. Em sua mais conhecida obra, Raízes do Brasil, Buarque de Holanda busca estudar aspectos centrais no desenvolvimento da cultura no Brasil. Em seu livro, um conceito central é o Homem Cordial que tem como gênese central a ideia de patrimonialismo, ideia desenvolvida pelo sociólogo Max Weber. Com o conceito de Homem Cordial, Sérgio Buarque de Holanda busca apontar para a tendência do brasileiro de sobrepor certas relações privadas em relação à esfera pública. Nessa interpretação do modus operandi do brasileiro, entendo-o como historicamente moldado desde o período colonial, pode-se entender como as características que afetam a política e o cotidiano da população é de gênese puramente histórica. Tendo esse caráter histórico em mente é possível compreender o aspecto essencialmente democratico da política brasileira e em que tipo de democracia ele se encaixa. Nesse sentido, pode-se classificar a democracia como aquilo chamado poliarquia. Uma poliarquia nada mais é do que um sistema onde o poder é atribuído em decorrência de eleições livres. O conhecimento dessa forma específica de democracia nos remete à teorização acerca da mesma. Dessa forma, pode-se fazer referência a personalidades específicas como Robert Dahl ou Crawford Brough Macpherson. Dahl, por exemplo, identificado como de corrente pluralista, estabelecia uma análise geral de diferentes sistemas democráticos a fim de estabelecer uma série de requisitos mínimos que classificariam um sistema como democratico o não. As bases da teoria democrática contemporânea foram estabelecidas através do embate entre socialismo e liberalismo. Entre essas duas correntes há uma distinção central que se daria na natureza da democracia enquanto sistema de representatividade dos interesses públicos. Nesse sentido, a questão era se a democracia seria um fim ou um meio. A discussão agora centra-se novamente na história do Brasil. Sabe-se que o processo de democratização e de representatividade anteriores a 1988 foram marcados por momentos de tensão que hoje em dia certamente não seriam dignos de uma democracia plena. Um desses momentos é conhecido como coronelismo. O coronelismo nada mais foi do que uma prática política, comum durante a república velha, onde os coronéis coagiram a população a votar de acordo com os interesses de candidatos apoiados pelos próprios coronéis. Esse tipo de prática, obviamente, culmina em processos eleitorais envoltos em fraudes, e na manutenção do poder de classes específicas. O coronelismo surgia principalmente em função da ineficácia de práticas que deveriam assegurar um pleno processo democrático, como, por exemplo, o voto aberto. A prática do voto aberto culminava no que chamamos de voto de cabresto, que nada mais é do que “um mecanismo de acesso aos cargos eletivos por meio da compra de votos com a utilização da máquina pública”. Eventualmente em função de diversos fatores de cunho político, o coronelismo se tornou uma prática cada vez mais ineficaz.