Você está na página 1de 14

Resenha Expandida do livro: O pêndulo da democracia

Leonardo Avritzer (Todavia, 2019)

Leonardo Avritzer, nesta obra, argumenta a existência de um Brasil com uma


democracia de estrutura pendular, que se caracteriza pela alternância entre períodos de
expansão democrática e momentos de regressão dos valores democráticos. Entender as
transformações ocorridas no ambiente político do país a partir de junho de 2013 até o
ano de 2019 é, para o autor, tão importante quanto desafiador. Eventos significativos
como os protestos históricos por centenas de milhares de brasileiros em junho de 2013,
o início da maior operação anticorrupção, a Lava Jato em 2014, o impeachment da
presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a eleição de um presidente que defende
torturadores em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro ajudam nos esforços do autor de
compreender essas mudanças sob um horizonte histórico mais amplo.

INTRODUÇÃO
O autor inicia a introdução reavivando o ataque sofrido pelo então candidato
Jair Bolsonaro em Juiz de Fora, Minas Gerais. Defende que a partir desse inesperado
ataque a Bolsonaro, o espectro da violência que rondava a política brasileira desde
2013, tornar-se-ia real, o que levou o eleitorado a legitimar nas urnas a candidatura de
cujas hostes essa violência exalava abertamente.
Declara o fim da Nova República a partir de 3 fatores: I) da interferência
radical do Poder Judiciário no processo de determinação da soberania política por meio
das eleições; II) da perda de influência dos mecanismos tradicionais encarregados de
tornar a campanha eleitoral um debate público, a partir da supremacia das redes sociais
e dos aplicativos de troca de mensagens sobre os debates e a propaganda gratuita dos
partidos na televisão; III) a relativização da negatividade associada ao período
autoritário (a partir do golpe de 1964).
Na votação do impeachment de Dilma Rousseff já foi possível perceber a
ruptura do consenso em torno da democracia. Exemplo disso foi o voto emblemático
dessa ruptura, o do deputado Jair Bolsonaro homenageando a memória do coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais conhecido torturador do período autoritário em
nosso país.
O autor diz que é obrigado a incluir a Polícia Federal, o Ministério Público e a
Advocacia-Geral da União entre as elites com frágeis convicções democráticas.
Avritzer argumenta neste livro que desde 2014 observamos no Brasil um
processo contínuo de degradação institucional semelhante ao discutido por Levitsky e
Ziblatt em como as democracias morrem e o seu auge foi a eleição de Jair Bolsonaro
em outubro de 2018.
O autor afirma que o discurso antipetista, processado por meio do Poder
Judiciário, e ampliado por uma parcela da classe média, se tornou mais importante que a
manutenção das instituições democráticas ou de uma estrutura de direitos.
O autor promete analisar a conjuntura 2013-8 como um momento turbulento de
degradação institucional contínua e de movimentação da elite e da classe média contra a
soberania popular e a ordem democrática. Fala que em abril de 2016 com o
impeachment de Dilma, de fato o pêndulo se move. E pontua que a diminuição da
importância das eleições na discussão sobre o impeachment mais o alinhamento judicial
contra o governo eleito são as principais características dessa conjuntura, que se
acentuam com a eleição de Jair Bolsonaro.
A essa tendência antidemocrática são adicionados elementos tais como o
ataque do Poder Judiciário e das instituições de controle sobre o sistema político, a
intervenção no Rio de Janeiro e a tentativa de uso das Forças Armadas na greve dos
caminhoneiros (maio de 2018).
Avritzer afirma que o comportamento anticidadão do Judiciário persiste desde
os anos de 1950, e fundamenta a afirmação em autores como José Murilo de Carvalho e
Graciliano Ramos.
O autor termina a introdução afirmando que o Bolsonarismo é sintoma dos
elementos não democráticos da ordem política brasileira, mas possui dificuldade de se
tornar hegemônico, o que aponta para um país ambíguo... E termina: mas democrático.

CAPÍTULO 1 – A LONGUE DURÉE DA DEMOCRACIA E


ANTIDEMOCRACIA NO BRASIL

“Como entender as regressões pelas quais a democracia brasileira tem passado


entre 2013 e 2018? Elas constituíram apenas uma derrapada em um longo processo de
construção democrática, como aconteceu nos Estados Unidos durante o macarthismo ou
na Itália durante o período de enfrentamento das Brigadas Vermelhas?”
Afirma-se que países passam por regressões democráticas, mas voltam, em
alguns anos, a uma trajetória democrática normal, na qual prevalece o pluralismo de
ideias. Já o Brasil tem uma democracia de estrutura pendular que alterna momentos de
forte expansão democrática com momentos de regressão democrática. Nesses acordos
(momentos democráticos), tem-se que aspectos fundamentais da nossa estrutura de
poder permanecem intactos, tais como um sistema econômico permeado por privilégios
políticos, um Judiciário impermeável à modernização democrática, uma estrutura de
polícias militares que não permite a generalização de direitos civis, para não falar das
forças armadas que, ao se retirarem do poder, trocaram a interferência direta na política
pelo corporativismo e alguns projetos militares estratégicos sem transparência alguma.
O autor segue o argumento de Levitsky e Ziblatt, de que existem atores no
Brasil com um compromisso democrático facilmente relativizável. “Esses atores estão
tanto no mercado quanto na política e são capazes de desencadear movimentos
regressivos no pêndulo democrático quando eles perdem acesso ao Estado ou na medida
em o Estado se abre na direção de atores políticos ou econômicos considerados não
desejáveis” (p. 23)

Caminhos tortuosos na produção de igualdade civil no Brasil


p. 25 – Avritzer contradiz a tese de Sérgio Buarque de Holanda.
p. 27 – Um dos motivos para a instabilidade (depois de certo período
democrático gera-se um período antidemocrático, de tonalidade autoritária) decorre, em
primeiro lugar, do fato de nossa tradição liberal não ter sido capaz de alinhar o
judiciário na estrutura de divisão de poderes. Buarque de Holanda (1948) descreveu
esses momentos. Passaram-se 70 anos, mas o processo de formação de uma tradição de
direitos é ainda problemático. O primeiro momento, bem descrito por Buarque de
Holanda, é de tangenciamento do constitucionalismo liberal durante o fim do século
XIX e de construção de uma tradição de tolerância possível, mas problemática.
“Problemática porque o Brasil não constitucionalizou limites para a ação do Judiciário e
dos órgãos policiais ou, quando o fez, isso não se tornou efetivo no sentido da criação
de uma tradição de garantias individuais.”
p. 31 – Temos “uma classe média que utilizou a estratégia de acesso privado a
serviços sociais e a estruturas dos Estado ao longo de todo o período de modernização
recente, dos anos 1930 ao início do século XXI, se revolta com a perspectiva de ter que
se submeter a estruturas igualitárias, do aeroporto ao Sistema Único de Saúde (SUS).”

Elites, Judiciário, militares e eleições no Brasil (1946-2018)


Para entendermos o movimento de Pêndulo Democrático precisamos entender
o processo de formação e as práticas das elites no Brasil. É um problema um pouco
mais complexo. “Para entendê-lo, precisamos saber de que tipo de elites estamos
falando.” Precisamos fazer um exercício comparativo além da oposição entre elites e
massas. Assim, compreenderemos o papel problemático das elites na construção da
democracia. A “coerção do trabalho de diversas maneiras é um dos elementos
formadores de uma tradição de elites que acentuam as divisões sociais” (pp. 32-33)
Nota 4 da pág. 34 – demonstra a diferença entre delação premiada nos EUA e
no Brasil.
As democracias do hemisfério Norte, as mais avançadas, forneceram para as
suas populações uma solução distributiva de acesso à renda, aos bens e aos serviços
públicos desde o pós-guerra. Isso não ocorreu na América Latina até muito
recentemente. Esta política distributiva está ligada claramente a componentes eleitorais.
“No caso do Brasil, ao contrário, notamos uma forte oposição a essa formulação das
políticas públicas exatamente no momento em que começávamos mais um ciclo de
democracia ou de aproximação definitiva com os países democráticos no quesito
produção da igualdade social por mio de políticas compensatórias.” (p. 35)
“Com a eleição de Jair Bolsonaro vemos uma consolidação, pela via eleitoral,
de um conjunto de políticas estabelecidas pela via não eleitoral” (p. 37) Ao pensar a
longue durée da relação entre as elites e a democracia no Brasil, 2 elementos
sobressaem. 1º uma democratização insuficiente, que não atinge todos os poderes, em
especial o Judiciário. Em outros países ainda há o checks and balances. O poder militar
se organiza a partir de prerrogativas semelhantes. Há uma impermeabilização pela via
dos tribunais militares, que excluem os membros das Forças Armadas de julgamento
pautados no estado de direito. “Vale lembrar que o Judiciário e os militares mantiveram
suas prerrogativas por meio de um pacto interelites”. (p. 38)
O autor cita o cientista político Elmer Eric Schattschneider (1961), a quem
coube a definição de “poder semissoberano” – “Para o autor, a questão em pauta
envolve a presença de um conjunto de mecanismos que distanciam a cidadania do poder
de decisão política ou que engendram estruturas que tornam a democracia distante até
mesmo da ideia de semissoberania (Mair, 2013, p. 2).” (p. 39)
O período de 1985-2013 é muito semelhante ao de 1946-64. “o contexto foi
marcarod inicialmente por um amplo otimismo pela volta do poder às mãos dos civis,
independetemente do fato de o Brasil, ao lado do Chile, ter tido a transição mais
conservadora da América do Sul” (p. 39). Mas, diferente do Chile, Argentina e Uruguai,
no Brasil houve maior continuidade entre autoritarismo e democracia. Também não
houve justiça de transição nem expurgos do Poder Judiciário, como ocorreu
imediatamente na Argentina e, tempos depois, no Chile.
A Constituição de 1988 universalizou o acesso à saúde e criou as condições
para o 1º benefício universal para a população mais pobre, o Benefício de Prestação
Continuada (BPC), abrindo caminho para novas políticas sociais e urbanas. Os governos
posteriores, especialmente o de Lula, ampliaram fortemente o acesso da população de
baixa renda ao ensino superior, além de terem aumentado sistematicamente o salário
mínimo. Desse modo, estabeleceu-se até 2013, uma sensação de forte sucesso da
experiência democrática pós CF-1988.
O autor fala do forte otimismo em relação à vocação democrática brasileira,
mas ressalta que “embora saibamos” essa vocação é frágil. São 3 os elementos da
contrademocracia: 1) a Lei do Impeachment; 2) o modelo paternalista da Justiça
Eleitora; 3) a prerrogativa dos militares de intervir em questões internas. Esses 3
elementos se expressaram no início da conjuntura de 1946-64 e voltam à carga durante a
elaboração da Constituição de 1988.
IMPORTANTE: característica importante da organização pendular – essas
estruturas não são utilizadas tão logo são criadas, elas apenas são inseridas na
institucionalidade legal para serem usadas posteriormente, conforme o autor
demonstrará. (p. 40)
Em todas as eleições pós 1988 (1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010) – todos
os atores envolvidos esperaram o resultado antes de se posicionar em relação ao 2º
turno. Ou seja, confiaram no processo.
IMPEACHMENT – o Brasil não segue o padrão internacional do
presidencialismo. Mesmo no impeachment do Collor, continuou-se incorporando um
elemento fortemente político na tradição da Nova República. (p. 41)
JUSTIÇA ELEITORAL – a Justiça Eleitoral no Brasil é uma instituição com
traços fortemente locais e diversos aspectos positivos, dos quais cabe destacar o
trabalho não político e civil dos voluntários nas eleições e até mesmo certa
padronização de processos (...). No entanto, pós-1988, a Justiça Eleitoral vem passando
por um processo de mudança, na qual se inclui um sistema de julgamento político
baseado na noção de hipossuficiência, isto é, a de que o eleitor não tem a mesma
capacidade de percepção ou de julgar DAS diversas instituições do sistema de Justiça. A
Justiça Eleitoral passa a atuar na chave culpado/inocente, pois assume a capacidade de
remover políticos eleitos com base em princípios altamente antissoberanos, já que ela
muda resultados eleitorais a partir de princípios judiciais. JUSTIÇA ELEITORAL:
“padece de um erro na arquitetura da divisão de poderes que é transferir fortes
elementos soberanos do sistema eleitoral para o sistema de Justiça e a partir de uma
noção de paternalismo legal” A Justiça Eleitoral no Brasil constitui a expressão do
liberalismo paternalista. Tão grave quanto o fato de mandatos serem suspensos
judicialmente é o nível de intervenção no resultado eleitoral que os Trib. Regionais
Eleitorais e o TSE se permitem realizar. Ex.: caso Jackson Lago (2009) –
deslegitimação do processo eleitoral.
“Com isso, ele (TSE) reforçou a mudança de concepção que aponta na direção
da superioridade da Justiça em relação à soberania popular vigente no país.” (p. 43)
Quanto AOS MILITARES: art. 142 da CF (fala das forças armadas) (...). “o
Brasil não apenas foge das tradições mais democráticas no que se refere à vigência dos
direitos, mas também expressa um detour no que diz respeito às formas de controle dos
militares.” O autor lembra que a estabilização de um poder civil sem interferência
militar ocorreu ainda no início da Nova República. Ressalta que as Forças Armadas
conservariam prerrogativas diversas e privilégios ao longo da Nova República. Afirma
que a partir de 2010, observa-se uma mudança na frágil correlação de forças em relação
à política de segurança dos país. “Essa mudança se expressa com o envolvimento das
Forças Armadas no combate ao crime no Rio de Janeiro, passa pela extensão das
prerrogativas dos tribunais militares em relação a crimes cometidos contra civis e
alcança o seu clímax com a campanha de 2018, na qual voltamos a assistir a declarações
políticas e ameaças de militares ao sistema político. (pp. 44-45)
Avritzer lança uma hipótese: “A eleição de Jair Bolsonaro para presidência
promete elevar a um novo patamar a questão do conflito entre Executivo, Judiciário e
instituições de controle. Esse conflito poderá eventualmente contar com a ameaça de
utilização de formas de coerção não previstas no ordenamento democrático.” (p. 45)
Todos os governos de 1994 para frente, todos gozaram de uma autonomia
bastante ampla em relação ao mercado. O governo Lula foi de maior fortalecimento
dessa agenda com a expansão das políticas de redução da pobreza e desigualdades (a
partir de 2003), Bolsa Família e aumentos reais do salário mínimo, que se iniciaram
ainda no governo FHC. A partir de 2014, foram se potencializando os elementos
antidemocráticos e antieleitorais das forças de mercado. Foi justamente em relação à
política econômica que ocorreram os maiores conflitos entre mercado e Estado. Avritzer
cita como exemplo a EC 95 e a Reforma da Previdência como propostas com o objetivo
fundamental que move o mercado – a desvinculação completa entre eleições e políticas
públicas. Tal desvinculação se expressa no questionamento do papel das eleições por
agentes do mercado OU POR MEIO de um apoio decisivo a um candidato que, no
limite, se coloca fora do campo democrático.
Avritzer conclui o capítulo 1 falando que a ideia de tangenciamento da
democracia por uma construção não liberal, sugerida por Sérgio Buarque de Holanda,
não permite a constituição de uma via democrática estável setenta anos depois de sua
formulação. O motivo reside na ausência de instituições que estabilizem a
democracia a longo prazo. A presença de elites não liberais e não democráticas no
caso brasileiro envolve uma via de institucionalização da contrademocracia que
retorna periodicamente e compromete as próprias instituições democráticas.

CAPÍTULO 2. As instituições do pêndulo democrático: 1946-2018 (pp. 49-71)


Para se entender o movimento pendular defendido pelo autor, ele argumenta
que no conceito de pêndulo está implicado fortes elementos antieleitorais e antidireitos
em funcionamento no interior de uma estrutura democrática. “argumenta que a ausência
de uma estrutura de direitos civis constitui o principal déficit do processo de construção
democrática no país” (p. 49)
Avritzer mostrou que a instituição do impeachment, a Justiça Eleitoral e as
formas de intervenção militar na política operam ciclicamente em relação à legitimidade
dos resultados eleitorais e dos mandatos.
Ao final da eleição de 2014, a partir do não reconhecimento da derrota e do
questionamento do resultado no TSE, tivemos todos os episódios possíveis de
questionamento da soberania do eleitor e do processo eleitoral. (p. 51)
O argumento que Avritzer utiliza no capítulo 2 é o de que a institucionalidade
brasileira possui amplas vias não eleitorais ou contraeleitorais que são utilizadas de
tempos em tempos. (p. 52)

Elites, eleições e crise política (p. 53)


Tanto no período entre 1945 e 1964 quanto no de 2013-8 percebe-se marcas de
instabilidade questionando-se a relação entre a eleição e a soberania popular. (p. 54)
Ressalta-se que o impeachment continuou sendo um elemento fortemente
político na tradição da Nova República, e todos os presidentes do período, com exceção
de Itamar Franco e Lula, sofreram processos de impeachment.
Ao longo da Nova República, assistiu-se a um fortalecimento paulatino da
Justiça Eleitoral, que inicia o período como uma instituição reguladora das eleições para
coibir fraudes e por fim se torna um órgão que se coloca acima da soberania do eleitor.
(p. 56)
O autor afirma ter motivos históricos fortes o suficiente para afirmar que o
Brasil não chegou completamente ao final do processo de transformar as eleições na
única forma de indicação dos presidentes. Afirma ainda ter bons argumentos para supor
que 2 elementos não estão claramente instituídos no Brasil: nem a eleição constitui o
único método de formação de governo e nem vencer as eleições é a única forma de
determinar as políticas públicas no Brasil. (p. 56-57)

A crise de 2014-18 e seus elementos antieleitorais e antissoberanos (p. 57)


As eleições de 2014 representam um profundo retrocesso político já anunciado
desde 2013. A hostilização aberta de membros dos governos de esquerda e o desrespeito
aberto à figura do presidente, insultada abertamente no Maracanã durante os jogos da
Copa (2014) expressam o que Levitsky e Ziblatt denominam de comportamentos
antidemocráticos (no livro como as democracias morrem, 2018). Essa crise desdobrou-
se em 3 formas de questionamento do mandato da presidente eleita: 1) questionamento
jurídico – feito imediatamente após as eleições pela representação do PSDB no TSE; 2)
questionamento político – fortalecido com a eleição de Eduardo Cunha para presidência
da Câmara; 3) pedido de impeachment nas ruas – enormes manifestações públicas a
partir de março de 2015, 90 dias após a reeleição. (pp. 57-59)
Avritzer fala que a partir de um delito, mesmo que tal delito não tenha
interferido no resultado das urnas, é possível que um mandatário eleito seja removido
do cargo. “o que significa que a Justiça Eleitoral brasileira tem a prerrogativa, talvez a
única no mundo, de indicar e empossar um candidato que tenha chegado apenas em
segundo ou terceiro lugar”. Assim, os últimos elementos soberanos eleitorais do sistema
político brasileiro são fragilizados. (p. 61)

Impeachment e crise política (p. 62)


O Judiciário se tornou parceiro de um processo de degradação institucional e
eleitoral, pois de um lado o TSE impugnou a candidatura do ex-presidente Lula e, de
outro, mostrou-se completamente incapaz de coibir notícias falsas ou de pautar o debate
público durante o processo eleitoral. Portanto, temos no resultado da eleição de 2018
estranha mistura entre soberania e antissoberania, “por meio da qual o eleitorado se
manifesta em circunstâncias em que as regras públicas do debate eleitoral foram
rompidas” (p. 62)
O mais importante no caso da ex-presidente Dilma é que houve a politização
do TCU. (p. 63). Mais a frente, Avritzer afirma que neste caso Dilma, as decisões do
TSE e do Congresso Nacional tiveram um componente claramente político, tornando o
impeachment política normal. O período posterior ao impeachment é de
aprofundamento da crise política: discussões sobre o golpe enfraqueceram a presidência
de Temer, diversas intervenções dos poderes judicial e militar no processo eleitoral
desde a suspensão da candidatura do primeiro colocado nas pesquisas, o disparo de fake
News, todos esses movimentos reforçam a ideia de uma oscilação do pêndulo na direção
da contrademocracia, em que instituições de controle se colocam acima da soberania
popular. (p. 64-65)

Democracia e liberalismo econômico jabuticaba (p. 66)


A disjunção entre eleições e políticas públicas, em especial quanto a política
econômica e em algumas áreas sociais, é uma das características do pêndulo oscilando
na direção da contrademocracia. O modelo econômico desenvolvimentista brasileiro
recebeu críticas desde o período Vargas (1930-1945), sem conquanto ser resolvido.
Importante para o argumento do autor são os elementos políticos que as forças
econômicas ditas liberais utilizam. Entre 2003 e 2015, principalmente entre 2008 e 2015
novos arranjos particularistas foram estabelecidos levando a crise, cujo espectro dela
levou a uma rearticulação política das forças liberais no Brasil. “O sistema financeiro
foi privilegiado politicamente em quase todo esse período até que, no início de 2012, o
governo de esquerda e os desenvolvimentistas se voltaram contra esse arranjo, fazendo
com que esse sistema financeiro reagisse.” A partir de 2015, o mercado financeiro
assume a hegemonia da condução da economia, optando pela destruição de amplos
setores industriais e pela imposição da austeridade ao Estado, gerando uma crise sem
precedentes no setor público e cuja responsabilidade o sistema financeiro não assume.
(p. 66)
De forma inédita, prevalece uma completa ruptura entre eleições, representação
e política pública, com a adaptação do Estado a um novo patamar de gastos, colocado
na agenda do Estado de forma não eleitoral, a redução de gastos fundamentais nas áreas
de saúde, educação, ciência e tecnologia e Previdência Social, ao mesmo tempo em que
se preserva os gastos e os salários das corporações judiciais. A manifestação dessas
formas semidemocráticas ou antidemocráticas só se torna possível devido a uma
institucionalidade que conecta as elites contra a democracia. (p. 67-71)

CAPÍTULO 3 – A crise da solução dos dois Estados (pp. 73 a 109)


Neste capítulo Avritzer defende a ideia de que essa crise tem origem no
modelo nacional que enseja 2 Estados, ou seja, um pacto político constitucional que
optou por manter estruturas de um Estado patrimonial e, ao mesmo tempo, construir um
Estado Social.
O autor critica Faoro (Os donos do poder, 1958) na conceituação de Estado
patrimonial. Para Avritzer, o problema da tese de Faoro reside em usa ancoragem
excessiva em um conceito de Estado patrimonial mal-entendido, porque supõe a
reprodução das características do Estado patrimonial português de forma automática por
quase mil anos. Alega, Avritzer, que isso não existe em Max Weber, no qual a
reprodução do Estado patrimonial depende da relação entre atores e interesses. Em que
pese tais críticas, o autor reconhece a existência de um processo histórico de
apropriação do Estado brasileiro por diferentes grupos estatais ou paraestatais pelo
menos desde 1930. (pp. 73-76)
“Como conciliar estruturas modernas de um Estado burocrático com um
sistema político patrimonialista, que precisa inserir interesses privados de forma não
moderna?” (p. 75)
Avritzer lembra que a CF1988 e os governos entre 1994 e 2014 reorganizaram
completamente as políticas sociais no Brasil, estabelecendo uma estrutura mínima de
Estado social. (p. 76)
São 2 os aspectos argumentados pelo autor nesse capítulo 3: 1º) a continuidade
de práticas históricas de espoliação do Estado e dos recursos públicos, desde 1930,
defendidas tanto por desenvolvimentistas quanto por liberais; 2º) Desde 1988,
construiu-se no Brasil um setor de políticas sociais muito eficiente, mas que absorve
significativos recursos. A crise brasileira se dá na intersecção entre esses dois modelos
de Estado, o patrimonial e o social, e se agrava com a forma de organização das obras
de infraestrutura, sustentação do sistema político. (p. 76)

Desenvolvimentismo, patrimonialismo e Estado (p. 77)


A opção de Vargas está na raiz do que o Estado brasileiro é hoje. Vargas
organizou a estrutura desenvolvimentista do Brasil e, ao mesmo tempo, de uma
burocracia estatal moderna com a criação do DASP (Departamento Administrativo do
Serviço Público). Na organização do Estado desenvolvimentista, Vargas criou uma série
de agências estatais e empresas, estabelecendo uma lógica dupla de “economização do
patrimonialismo”, que persiste até hoje. (pp. 77-78)
Outras características são apontadas por Avritzer como desdobramentos do
longo desenvolvimento de Vargas até os anos 1980, dentre as quais destacam-se a
origem extrativista das elites brasileiras e a maneira como elas se apropiam de novas
estruturas econômicas. As mudanças introduzidas por JK nos anos 1950, são abordadas
por Avritzer como último aspecto da formação de um Estado moderno/patrimonialista
no fim do 1º período democrático (1946-64). E o 3º pilar do Estado brasileiro dos anos
1946-64 foi ancorado na relação direta entre Estado e empresário na área de
infraestrutura.

Os anos 1990 e a nova estrutura do Estado brasileiro (p. 81)


No governo FHC ocorreu um “consenso liberal” caracterizado pelo fim do
Estado desenvolvimentista, que coincide com a crise da dívida externa e com a redução
significativa do tamanho do Estado brasileiro. Para Avritzer, o Brasil tem uma relação
sui generis com o liberalismo desde o século XIX. O liberalismo brasileiro jamais
aceitou a inovação econômica, que não aceita a regulação da propriedade. FHC fez a
estrutura do Estado brasileiro mudar em sua relação com a economia, mas ainda assim
promoveu um processo limitado de privatizações, mantendo sob controle do Estado
praticamente toda a área de energia (setores petrolífero e elétrico), assim como a
totalidade de bancos públicos.
O Estado brasileiro passou de produtor a um Estado controlador das empresas.
As privatizações do governo FHC visaram menos o desenvolvimento econômico
nacional e mais as relações privadas já estabelecidas.
Em paralelo, as empreiteiras expandiram o poder de suas estruturas através de
um arranjo, mudando a relação das grandes empresas partícipes da ordenação paralela
do Estado. Ou seja, embora o Estado desenvolvimentista tenha mudado, ele manteve os
seus elementos patrimonialistas. Avritzer chama de “novo desenvolvimentismo” o
período do início do primeiro governo Lula, em que ocorre a expansão e ampliação da
cadeia de produção da Petrobras.
FHC tentou resolver o arranjo político-patrimonialista pela ótica de certa
modernização, do controle via fundos de pensão e controle na bolsa de valores. Lula
tentou aprofundar a inserção do Estado por meio de cadeias produtivas, como a do
petróleo, mas não modernizou seus fornecedores. O governo Temer a submeteu a uma
dinâmica completamente internacionalizada. Ou seja, esses 3 governos enfrentaram
problemas na gestão da Petrobras. E é de se esperar o mesmo do governo Bolsonaro.

A jabuticaba brasileira: Patrimonialismo financeiro-liberal (p. 88)

No fim do regime autoritário, o centro da elaboração de políticas liberais


migrou para o Banco Central. E a crítica à industrialização brasileira foi hegemonizada
pelo papel do sistema financeiro, não se preocupando com o crescimento econômico ou
a organização da economia no Estado nacional.
O Banco Central, mesmo nos momentos de crise, tem como missão o controle
da inflação, ou seja, um descompromisso com a ideia de crescimento econômico. Dilma
Rousseff impôs uma queda na taxa de juros, desfazendo a aliança entre governo de
esquerda e setor financeiro, gerando custos políticos altíssimos.
Dois aspectos são observados por Avritzer para afirmar que o Banco Central
tem um compromisso com o mercado financeiro. O 1º são as chamadas “liquidações
extrajudiciais”, em que os ativos liquidados continuam pertencendo aos donos das
instituições financeiras, podendo elas beneficiarem-se da sua valorização posterior para
acertar suas contas com o Banco Central. O 2º é que o Banco Central passou a ter
autorização para assinar acordos de leniência com instituições financeiras envolvidas
em caso de corrupção.

A nova estrutura patriminial (p. 92)


Entre todos os setores do funcionalismo no Brasil, nenhum outro teve aumento
de salários e benefícios indiretos quanto as corporações judiciais. A CF1988 é a única a
reconhecer a profissão dos advogados e sua associação de classe, a OAB. E na estrutura
de divisão dos poderes, a CF ampliou enormemente o poder do STF, tornando-o Corte
Constitucional e instância máxima de apelação e foro especial para julgamento de
políticos. Com o tempo, consolidou-se regras e tetos de despesas para órgãos dos
poderes Executivo e Legislativo, regras essas não seguidas pelo Poder Judiciário. A
partir daí surgiu uma nova estrutura de apropriação privada do Estado brasileiro ligada
às corporações judiciais. Não há dúvida, portanto, de que o Estado patrimonial
sobreviveu, se renovou e continua encastelado no centro da estrutura estatal. (p. 95)

A novidade de 1988: O surgimento do Estado social (p. 95)


Devemos levar em conta a expansão das políticas sociais na década de 1990 e
primeira década do século XXI, pois até a democratização, o Brasil contava com um
Estado Social complementar aos Estados patrimonial e desenvolvimentista. Até que
foram criadas estruturas especiais de proteção social nos grandes núcleos do Estado. As
políticas de inclusão social aprofundadas em 2003 constituíram uma rede de proteção
social mínima no Brasil com impacto importante na redução da pobreza.
O Brasil arrecada cerca de 35% do PIB em impostos e gasta em torno de 10%
dele em políticas sociais. Tal panorama mudou o mapa da desigualdade no país, que
diminuiu bastante, principalmente no nível local.
VER GRÁFICO p. 99
Na era Vargas foram criados diversos institutos que ofereciam acesso
específico à aposentadoria e às demais formas de proteção social. Assim, a origem da
Previdência Social brasileira é uma forma segmentada de previdência com contribuições
diferentes, que excluíam 3 setores: os trabalhadores rurais, os trabalhadores autônomos
e os empregados domésticos, situando-se desde os seus primórdios, na intersecção entre
direito segmentado e benefício estatal. A CF1988 incorporou os trabalhadores rurais e
os empregados domésticos no sistema de previdência. Coube, portanto, à previdência
social criar a estrutura mínima de bem-estar no Brasil, e também manter e/ou renovar as
estruturas do Estado patrimonialista.

A disputa pelo Estado: 2014-8 (p. 102)


A crise vivida no Brasil a partir de 2014, tornou explícita a impossibilidade de
continuação do arranjo de 2 Estados. Essa disputa fundamental está entre o novo Estado
clientelista/patrimonial e o Estado Social. Ou seja, é uma crise de um padrão de
dominação oligárquica de longo prazo do Estado revestida apenas parcialmente pela
CF1988. A partir da crise de 2008, pela primeira vez, o governo teve a necessidade de
optar por 1 dos lados do modelo de 2 Estados simultâneos. A solução incluiria a opção
por uma política de redução de juros, mas a opção por retardar o ajuste opôs pela 1ª vez
o governo Lula e o presidente do Banco Central. Economistas passaram a se posicionar
a favor de um choque ortodoxo, o da austeridade, com resultados sociais devastadores.
Com a posse de Dilma Rousseff, em 2011, o enfrentamento acerca do modelo
de 2 Estados se acirrou. Nas eleições de 2014 há um ambiente de forte enfrentamento
em relação ao modelo do Estado. E as corporações judiciais assumiram nessas eleições,
um ativismo político e corporativismo sem precedentes. (p. 106)
A inflexão liberal iniciada no 2º governo Dilma fez voltar a vigorar um tripé
centrado nos juros altos e no controle da inflação, na diminuição das despesas do setor
público e, no caso do petróleo, num choque de preços aliado a vários ajustes na
Petrobras.
Veio a 2ª fase do choque liberal, com uma política específica de Estado, a
radicalização incluindo a EC95 e a Reforma da Previdência. A EC95 expressou muito
bem essa radicalização das forças liberais de mercado. Dessa forma, conclui-se que ao
final de um período de expansão dual do Estado, a proposta do governo Temer, cuja
continuidade se vê no governo Bolsonaro, apoiada pelas forças do mercado, é o
desmonte do Estado social e a preservação do Estado patrimonialista.

CAPÍTULO 4 – VIOLÊNCIA NO BRASIL: DO HOMEM CORDIAL AO ÓDIO


CIBERNÉTICO (pp. 111-140)
Avritizer cita Carl Schmitt e Hannah Arendt como 2 autores fundamentais para
a discussão acerca da violência no século XX.
No Brasil, o outro é o diferente da tradição brasileira, geralmente o negro e o
pobre, a quem não lhe cabem os mesmos direitos destinados aos indivíduos da elite. Na
atual conjuntura brasileira, temos a violação de direitos e atentados contra a liberdade de
expressão realizados pelo assim chamado “homem comum” (vizinhos, médicos,
membros da justiça – responsáveis por forte intolerância existente na sociedade
brasileira. Ou seja, p. 114

Você também pode gostar