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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ___ª VARA DA SUBSEÇÃO


JUDICIÁRIA DE DIVINÓPOLIS/MG

REFERÊNCIAS: INQUÉRITOS CIVIS PÚBLICOS NºS: 1.22.012.000096/2009-09;


1.22.012.000109/2015-80; 1.22.012.000178/2011-60; 1.22.012.000102/2015-68;
1.22.012.000003/2013-14; 1.22.012.000121/2015-94; NOTÍCIA DE FATO Nº
1.22.012.000304/2017-71.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador


da República abaixo-assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais,
com fundamento nos artigos 129, III, e 216 da Constituição Federal, combinado com o
artigo 6º, incisos VII, “b”, e XIV, da Lei Complementar nº 75/93 e art. 1º, inciso VIII, da
Lei nº 7.347/95, comparece a este Juízo para propor a presente AÇÃO CIVIL

PÚBLICA em face de:

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E


ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, autarquia
pública federal, com sede no Setor de Edifícios Públicos Sul
(SEPS), Quadra 713/913, Bloco D, Edifício Iphan, CEP
70390-135, Brasília/DF, a ser citado na Superintendência do
IPHAN em Minas Gerais, situada na Rua Januária, nº. 130,
Floresta, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.110-055;

FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA S/A,


concessionária de serviço público de transporte ferroviário de
cargas, inscrita no CNPJ sob o nº 00.924.429/0001-75,
sediada na Rua Sapucaí, 383, Bairro Floresta, Belo Horizonte
– MG, CEP: 30150-904;

AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES


TERRESTRES - ANTT, pessoa jurídica de direito
público interno, autarquia especial, inscrita no CNPJ sob o nº
04.898.488/0001-77, com sede no Setor Bancário Norte

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(SBN), Quadra 2, Bloco C, CEP 70040-020, Brasília/DF, a ser


citada na Unidade Regional de Minas Gerais - URMG, situada
na Rua Jaceguai, nº 208, 5º andar, Prado, Belo Horizonte/MG,
CEP: 30.411-040;

DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-


ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT, pessoa
jurídica de direito público interno, constituída sob a forma de
autarquia federal, inscrita no CNPJ sob o nº04.892.707/0001-
00, com sede no Setor Asa Norte, Quadra 03, Bloco A, CEP:
70.040-902, Brasília/ DF, a ser citada na Superintendência
Regional, situada na Rua Martim de Carvalho, 635, Santo
Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 35.044-210;

UNIÃO, pessoa jurídica de direito público, que poderá ser


citada na pessoa da Procurador(a) Seccional da Advocacia-
Geral da União, sediada na Rua São Paulo, 432, Centro,
Divinópolis- MG CEP:35.500-006;

pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

1. SÍNTESE DA DEMANDA

A presente ação civil pública tem por escopo compelir os


entes públicos responsáveis pelos bens oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal S/A –
RFFSA, a adotarem medidas de proteção de imóveis componentes do patrimônio histórico
e cultural localizados na malha ferroviária da região Centro-Oeste de Minas Gerais,
pertencentes a trecho operado pela antiga EFOM – Estrada de Ferro Oeste de Minas, mais
especificamente ao longo das linhas ferroviárias Garças de Minas/Belo Horizonte, Angra
dos Reis/Goiandira e da antiga Estrada de Ferro Paracatu.

Tramitam nesta Procuradoria da República os Inquéritos


Civis Públicos de nºs 1.22.012.000096/2009-09; 1.22.012.000178/2011-60;
1.22.012.000109/2015-80; 1.22.012.000102/2015-68; 1.22.012.000003/2013-14;
1.22.012.000121/2015-94 e a Notícia de Fato nº 1.22.012.000304/2017-71. Todos esses

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procedimentos, foram, de algum modo, instaurados no intuito de apurar as condições de


abandono e deterioração do patrimônio ferroviário de valor cultural, móvel e imóvel, bem
como, de obter dos órgãos públicos responsáveis pelos respectivos bens, efetivas medidas
de proteção, dando a eles a correta destinação, dentre aquelas previstas na Lei n°
11.483/2007.

Não se obteve, contudo, sucesso nas insistentes cobranças de


providências efetivas. Verificou-se, em realidade, após anos de tramitação dos
mencionados inquéritos civis, verdadeiro “jogo de empurra” entre os órgãos públicos e a
empresa concessionária requeridos. Quase sempre, um imputou a outros a responsabilidade
pela conservação dos bens culturais, tendo como pano de fundo a indefinição da condição
de operacional ou não operacional de parcelas significativas do patrimônio da extinta Rede
Ferroviária Federal. Na prática, os relevantes bens federais foram tratados, enquanto
inconclusos os demorados procedimentos de transferência de domínio, como “coisas sem
dono”, sujeitando-os, como consequência prática de tal descaso pelo Poder Público, a
depredação, furtos, invasões e a efeitos deletérios da falta de conservação.

Os imóveis ferroviários objetos dos inquéritos civis que


instruem a presente demanda são: Estações Ferroviárias Formiga e Timboré
(Formiga/MG), Estação Ferroviária Santanense (Itaúna/MG), Estações Ferroviárias
Carmo do Cajuru e Angicos (Carmo do Cajuru/MG), Estação Garças de Minas
(Iguatama/MG), Estações Ferroviárias Tigre e Tapiraí (Tapiraí/MG) e imóveis
pertencentes à extinta RFFSA localizados em Pará de Minas (MG).

Nesse passo, a tutela aqui pretendida aponta tanto para a


tutela do patrimônio histórico e cultural, assim como, de forma reflexa, para a tutela do
patrimônio público em geral, vez que esses bens, com a extinção da Rede Ferroviária
Federal Sociedade Anônima – RFFSA, tiveram sua propriedade transferida à União, ao
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT e ao Instituto do

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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, de acordo com sua natureza e


operacionalidade (artigos 2º, 8º e 9º, da Lei nº 11.483/2007).

De forma a demonstrar a procedência dos pedidos que ao


final serão lançados, pretende-se, no próximo tópico, apresentar uma singela tentativa de
caracterização histórica do transporte ferroviário no Brasil. Em seguida, será feita sua
conexão com o papel da Rede Ferroviária Federal e o seu processo de extinção no contexto
da política de desestatização. Em prosseguimento, será descrito o quadro das medidas
infrutíferas levadas a cabo extrajudicialmente pelo Ministério Público Federal diante de
provocações realizadas com vistas à preservação de bens culturais especificados. Nesse
contexto, após a exposição dos fundamentos jurídicos ligados ao direito/dever de todos à
tutela do patrimônio histórico e cultural e às competências legais dos requeridos, serão
aviados pedidos postulando-se condenação a obrigações de fazer e de ressarcir danos.

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2. VALOR HISTÓRICO DOS BENS: CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DO


TRANSPORTE FERROVIÁRIO NO BRASIL, DA REDE FERROVIÁRIA
FEDERAL E DO TRECHO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO

As estações ferroviárias tiveram um papel preponderante no


País e em todo o mundo. Fundaram cidades, centralizaram a vida das povoações, serviram
como agência de correios, trouxeram o progresso, sendo construídas com diferentes estilos
e técnicas de arquitetura, desde as mais suntuosas até as mais simples. Hoje, no Brasil, em
sua grande maioria abandonadas, somente permanecem ativas aquelas que se
transformaram em estações de trens metropolitanos, as que estão no caminho dos poucos
trens turísticos brasileiros (como, no caso da EFOM, o passeio de “Maria Fumaça” que liga
São João del Rei a Tiradentes) e as poucas que são utilizadas como central de recebimento
de cargas pelas atuais concessionárias das ferrovias.

A história da ferrovia em Minas Gerais, com base em


pesquisa realizada em fontes abertas, mostra que, desde a construção da primeira estrada de
ferro no Brasil, a E. F. Mauá, ainda no Século XIX, a finalidade da ferrovia era “ir a
Minas”.1 Assim, Minas Gerais era buscada por todos os meios - já havia as trilhas do ouro,
os caminhos imperiais, a rodovia União e Indústria (ligando Petrópolis a Juiz de Fora) - e
agora vinham os caminhos de ferro.

A terceira ferrovia a colocar os trilhos em Minas Gerais foi a


Estrada de Ferro Oeste de Minas – EFOM, precedida pela Estrada de Ferro D. Pedro II e
pela Estrada de Ferro Leopoldina. Sua construção foi iniciada em julho de 1880, na

1 Com praticamente nenhum trecho remanescente preservado, a Estrada de Ferro Mauá e a Estação Guia de
Paraíba, de onde partia em Magé, na praia de Mauá, ao fundo da Baía de Guanabara, foi totalmente
abandonada e degradada após a sua desativação, não obstante a sua emblemática condição de “´primeira
estrada de ferro do Brasil”. O subscritor, alguns anos atrás, oficiando perante a Vara Federal de Magé,
teve oportunidade de, diante de omissão dos órgãos públicos semelhante à presente, propor ação civil
pública de improbidade administrativa visando punir os ilícitos cometidos diante do total descaso com o
patrimônio histórico nacional verificado, situação que aqui se repete.
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Estação Sítio, localizada no Km 363 da E. F. D. Pedro II (atual Estação Central do Brasil) e


partiu para S. João Del-Rei, cujo trecho foi inaugurado em 28 de agosto de 1881, com a
extensão de 99,196 quilômetros.

(Fonte: http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/mapas/1927-Estrada-Ferro-Oeste-Minas.shtml)

A EFOM contava então com as estações de Sítio, Barroso,


São João Del Rei (posteriormente Tiradentes) e São João Del Rei e, ainda, seu material
rodante dispunha de “quatro locomotivas, quatro carros de primeira classe, quatro de

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segunda, um de luxo, dois de bagagens, dois de animais, quinze vagões fechados, dez
abertos e um carro guindaste”. 2 Alguns desses equipamentos foram preservados e podem
ser visitados no museu ferroviário que funciona na estação de São João Del Rei.

A construção do prolongamento do trecho até Bom Sucesso


foi inaugurada em 5 de Julho de 1886. Em 1º de Julho de 1888 chegava o prolongamento à
cidade de Oliveira, no Km 272, enquanto que o ramal de Itapecerica, que se achava em
construção em 1889, inaugurou o trajeto, na extensão de 34 quilômetros, em 1º de abril de
1891.

A Central só foi atingir Belo Horizonte em 1895, e pela linha


de Miguel Burnier (1887), quando a E. F. Oeste de Minas corria “para cima” e já havia
atingido Divinópolis (1895) e chegado às pontas dos seus trilhos em Barra do Paraopeba,
no Alto São Francisco, em 1894.

Com o nome de “Oeste de Minas”, o objetivo era expandir a


linha ferroviária de Barra Mansa até Goiás, onde, desde 1907, já existia a E. F. Goiás, que
iniciava seus trilhos onde terminava a “Oeste”, em Formiga. Posteriormente, a “Oeste”
planejou atingir uma ponta da E. F. Goiás com uma linha que partia de Belo Horizonte e
cortava a “bitolinha”3 em Divinópolis, o que foi feito em 1916, quando foi inaugurada a
Estação de Garças de Minas (que na época chamava-se Iguatama).

2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrada_de_Ferro_Oeste_de_Minas, acesso em 08/08/2017.


3 Bitola é o termo utilizado para designar a largura determinada pela distância medida entre as faces
interiores das cabeças de dois trilhos ou carris em uma via férrea. As linhas que foram construídas com
bitolas com medidas inferiores a 1 metro são denominadas “bitolinhas”, ou “bitola estreita”. Quanto
menor fosse a medida da bitola da ferrovia, mais barato era a sua construção, assim, os governos
autorizavam a construção nessas medidas por questões estratégicas, já que as mesmas foram
desenvolvidas para integrar o território sem que fossem necessariamente rentáveis. A EFOM – Estrada de
Ferro Oeste de Minas, por exemplo, possuía uma linha tronco com mais de 600 km de extensão
totalmente construída em bitola de 0,76m.

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O mapa abaixo mostra as ferrovias que convergiam para a


Estrada de Ferro Central do Brasil:

Em 1906, o Ministro de Viação e Obras Públicas, Lauro


Muller, assinou o Decreto nº 6.201, que dava bases para a constituição de uma rede de
viação férrea sul-oeste de Minas e propunha o arrendamento das ferrovias do sul do estado
mais a Estrada de Ferro Oeste de Minas, constituindo-se, assim, a Rede Mineira de Viação
– RMV.

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A partir dos anos de 1940, com a escolha política de priorizar


as rodovias e a em razão de uma maior rentabilidade com o transporte de cargas, o Brasil
praticamente extinguiu o transporte de passageiros em trens nos trajetos mais longos. Esse
modelo de ferrovias destinadas principalmente ao transporte de cargas e controladas por
grandes grupos empresariais acabou sendo um modelo que se aplicou a toda a América
Latina.4

Em março de 1957, sob a Lei Federal nº 3.115, a Rede


Mineira de Viação foi incorporada diretamente ao patrimônio da Rede Ferroviária Federal
Sociedade Anônima. A RFFSA encampou 18 ferrovias pertencentes à UNIÃO e passou a
formar as Divisões Operacionais.

Assim, em 1968, a Viação Férrea Centro-Oeste, cujas raízes


vem da E.F.Oeste de Minas, tornou-se a 5ª Divisão Operacional Centro-Oeste (RFFSA – 5ª
Divisão Centro-Oeste). Já no ano de 1976, a 5ª Divisão Centro-Oeste se fundiu com a 14ª
Divisão Centro Norte, dando origem à Superintendência Regional Belo Horizonte SR-2,
que compreendia a malha originária da EFCB, da EFOM e RMV, na Região Metropolitana
de Belo Horizonte e municípios próximos.

Nos anos de 1990, o perfil de gestão governamental


patrimonialista entrou em profunda crise e, consequentemente, a proposta de
desestatização do sistema entrou na pauta das discussões e projetos. Em 1996, a malha da
2ª Superintendência Regional da RFFSA - SR2, então reunida a outras malhas, formando a
chamada Centro-Leste, foi leiloada, entrando em em cena o futuro operador
concessionário, a FERROVIA CENTRO-ATLÂNTICA.5

4 Mais informações em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/12/31/Por-que-no-Brasil-h


%C3%A1-menos-ferrovias-que-transportam-passageiros-do-que-na-Europa>, acesso em 18 ago 2017.
5 BUZELIM, José Emílio de Castro Horta; SETTI, João Bosco. Ferrovia Centro-Atlântica: Uma
ferrovia e suas raízes. Rio de Janeiro: Editora Memória do Trem, 2001. pág. 51
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Retomando-se a história da Estrada de Ferro Oeste de Minas,


tem-se que esta passou por várias administrações, tendo sido, inclusive, administrada por
um banco alemão durante um período e passada ao domínio do governo federal em 1903,
devido a falências e dívidas. Mas o ponto histórico importante da “Oeste Minas” é que,
entre as ferrovias que constituíram a RMV - Rede Mineira de Viação, ela foi a mais antiga.

Em 1918 a E.F. Oeste de Minas era a mais importante


ferrovia mineira em operação. Sua linha tronco ligava diretamente o porto de Angra dos
Reis, no Estado do Rio de Janeiro, até a cidade goiana de Goiandira, onde fazia conexão
com a E.F. Goiás, numa extensão de 929 quilômetros, cruzando toda a região sudoeste de
Minas Gerais. Ela escoava a produção agrícola dessa vasta área até Barra Mansa, onde se
entroncava com a E.F. Central do Brasil, permitindo seu transporte até os grandes centros
consumidores do Rio de Janeiro e São Paulo.6

Já a linha Garça de Minas-Belo Horizonte funciona até hoje


para cargueiros, tendo sido na década de 1970 o seu início na capital fundido com a Linha
do Paraopeba, da Central do Brasil. O seu trecho na região metropolitana de Belo
Horizonte recebeu trens de subúrbio por muitos anos e, a partir dos anos 1990 passou a ter
a linha do metrô acompanhando de perto o seu traçado, que operou somente para
movimento dos trens cargueiros.7

Por sua vez, o trecho da Estrada de Ferro Paracatu, onde se


encontram os imóveis pertencentes à extinta RFFSA, localizados em Pará de Minas, partia
originalmente da estação de Velho da Taipa e em 1927 chegou a Melo Viana. No sentido
oposto, atingia Água Suja e Pará de Minas, juntando-se com a linha da EFOM que ligava
Belo Horizonte a Garças de Minas. Em 1931, a estrada foi incorporada à EFOM para
formar a Rede Mineira de Viação - RMV e passou a ser denominada como Ramal de

6 GORNI, Antônio Augusto. A eletrificação nas rodovias brasileiras. São Vicente- SP. p. 168 Disponível
em: <http://www.gorni.eng.br/Gorni_ElectroBras_2003.pdf>, acesso em 18 ago 2017.
7 Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/rmv_tronco.htm>, acesso em 21 ago
2017.
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Paracatu. Em 1937, atingiu Barra do Funchal, mas jamais chegou à cidade que deu o nome,
Paracatu. Em 1968, foi erradicado o trecho Bom Despacho-Barra do Funchal, e, em 1994,
o restante do ramal.

Os mapas a seguir mostram um trecho parcial dos trilhos da


Rede Mineira de Viação a oeste e ao norte de Belo Horizonte. O primeiro é do ano de 1927
e nele é possível observar as três linhas férreas em que se encontram os imóveis tutelados
pela presente demanda. Já no segundo mapa, de 1954, é possível visualizar algumas dessas
estações ferroviárias.

Linha Garças de Minas-Belo Horizonte

Linha Angra dos Reis- Goiandira Estrada de Ferro Paracatu

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Estação Tigre Proximidades dos imóveis ocupados


Estação Tapiraí em Pará de Minas/MG

Estação Garças de Proximidades da Estação


Minas Santanense

Estação Timboré Proximidades da


Estação Carmo do
Cajuru e Angicos

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Como visto, na linha “Angra dos Reis-Goiandira”, no


trecho que perpassa o Estado de Minas Gerais, encontram-se as estações Timboré e
Formiga (Formiga), Garças de Minas (Iguatama), Estação Tigre e Tapiraí (Tapiraí).

Já na linha “Garças de Minas-Belo Horizonte”, que ligava


a Capital a Garças de Minas, encontram-se as estações ferroviárias Carmo do Cajuru
e Angicos (Carmo do Cajuru) e a Santanense (Itaúna).

Na Estrada de Ferro Paracatu, estão os imóveis


ferroviários localizados em Pará de Minas.

Todos esses bens ferroviários já constavam no “Guia Geral


das Estradas de Ferro”, de 19608, conforme exposto na tabela a seguir:

Linha Angra dos Reis – Linha Garça de Minas - Belo Linha de Paracatu
Goiandira Horizonte

Nomes Data da Nomes Data da Nomes Data da


inauguração inauguração inauguração
Zelinda 1-11-1922 Carlos 1-7-1911 Azurita 01-07-1911
(demolida) Bernardes
Passa Vinte 31-10-1903 Bonifácio 1-7-1911 Hôrto da 22-03-1912
(demolida) Liberdade
Carlos Euler 15-6-1914 Luciânia 14-7-1911 Alto da Bahia 22-03-1912
Augusto 15-6-1915 Lagoa do Prata 1-7-1911 Pinheiro 22-03-1912
Pestana
Santo Antônio 8-9-1922 Retiro 1-7-1911 Boa Vista 22-03-1912
(demolida)

8 Disponível em: <http://vfco.brazilia.jor.br/estacoes-ferroviarias/1960-sudeste-RMV/linha-Angra-dos-


Reis-Goiandira.shtml>, acesso em 14 ago 2017.
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Morangal 3-8-1954 Martins 1-7-1911 Pará de 22-03-1912


(demolida) Guimarães Minas
Carvão 21-6-1914 Santo Antônio 1-7-1911 Guardas 08-12-1931
do Monte
Rútilo 10-6-1931 Pedreira Santo 1 77-1911 Carioca 06-10-1929
(demolida) Antônio
Arantina 21-6-1914 Francisco Brás 1-7-1911 Onça 06-10-1929
(demolida)
José Bieca 15-2-1958 Amadeu 1-7-1911 Brumado 01-04-1945
Lacerda
Andrelândia 21-6-1914 Djalma Dutra 30-9-1939 Água Suja 03-10-1929
(demolida)
Pôsto 1-6-1958 Santo Antônio 1-7-1911
Telegráfico dos Campos Velho da Taipa 01-07-1891
São Vicente 15-6-1912 Divinópolis 1-7-1911
de Minas Leandro 31-10-1921
Ferreira
Antônio 18-8-1954 Pôsto 1-8-1957 31-10-1921
Loureiro Telegráfico Parada
Minduri 15-6-1912 Usina Pará 1-7-1911 31-10-1921
(demolida) Trigueiro
Serra do 15-6-1912 Carmo do 1-7-1911 Álvaro da 31-10-1921
Cintra Cajuru Silveira
Pôsto 1-6-1958 Pinto da Silva 1-7-1911 Daniel de 22-07-1925
Telegráfico Carvalho
Traituba 14-12-1903 Parada 1-7-1911 21-10-1921
Bom
Despacho
Carrancas 14-12-1903 Angicos 1-7-1911
Escola 03-09-1953
Correcional
Capivari- 30-10-1922 Santanense 1-7-1911 Artur 01-05-1943
Mirim Bernardes
Pôsto 1-6-1958 SantaCasa 3-10-1920 Cloromiro 21-06-1923
Telegráfico de Oliveira
Mato Sem 14-12-1903 Itaúna 1-7-1911 05-01-1940
Pau Pindaíbas
Paulo 6-6-1898 Vargem da 1-7-1911
Freitas Olaria Dores do 28-12-1922
Indaiá
Engº 10-3-1958 Silva e Oliveira 14-7-1911 22-07-1925
Figueiredo Melo Viana
(demolida)
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Itumirim 21-1-1897 Engº Brito 1-7-1911 Barra do 24-04-1937


Conde Funchal
Itirapuan 30-6-1923 Azurita 1-7-1911
Tabões 14-12-1903 Mateus Leme 1-7-1911
(demolida)
Engº Mizael 18-8-1954 Juatuba 1-7-1911
Lavras 1-4-1895 Vinhático 1 77-1911
Ribeirão 14-4-1888 Ponte Nova 1-7-1911
Vermelho
Álvaro 14-4-1888 Vianópolis 1-7-1911
Botelho
(demolida)
Santos Dias 8-3-1925 Saraiva 30-9-1939
(demolida)
Perdões 23-8-1 896 Betim 1-7-1911
Engenho 14-12-1913 Macaúba 1-7-1911
Cana Verde 25-1-1907 Ribeirão do 1-8-1957
Betim
Adelino 1-9-1957 Pôsto 1-7-1911
Bastos Telegráfico
Toscano de 5-21-1921 Imbiruçu 1-7-1911
Brito
(demolida)
Coroado 24-6-1920 Bernardo 1-7-1911
(demolida) Monteiro
Pôsto 1-6-1958 Eldorado 1-7-1911
Telegráfico
Jorbas 10-9-1919 Camargos 1-7-1911
Gambogi
Campo Belo 11-2-1898 Belarmino 1-7-1911
Pôsto 17-1-1952 Gameleira 3-10-1920
Telegráfico
Expedicioná 27-3-1935 Seminário 1-7-1911
rio Duca
Candeias 10-2-1898 Carlos Prates 1-7-1911
(demolida)
Expedicioná 10-3-1958 Armazém de 14-7-1911
rio Jorge Cargas
Bugios 13-11-1907 Belo Horizonte 1-7-1911
Guarda 17-11-1950

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Eleutério
(demolida)
Timboré 7-11-1905
Areal 14-7-1924
Papagaio 7-11-1905
Maquinista 10-12-1956
Placedino
(demolida)
Ornar 10-9-1919
Soares
Formiga 7-12-1905
Engº Roxo 14-8-1950
Loanda 7-9-1922
Arcos 21-4-1908
Boa 7-9-1908
Esperança
Batista 29-7-1955
Almeida
Calciolândia 24-11-1908
(demolida)
Garças de 10-3-1916
Minas
Cromita 18-12-1908

Engº 22-1-1928
Adelmar
Franklin 31-12-1909
Sampaio
Abacaxis 12-1-1933
Engº Luiz 10-3-1958
Tôrres
(demolida)
Bambuí 1-5-1910
Matinha 12-4-1911
Tapiraí 15-6-1911
Vitor Tamm 1-9-1950
(demolida)
Tigre 15-9-1911
Uruburetam 1-10-1912

16
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a
Campos 1-10-1912
Altos
Itamarati 4-2-1938
Pratinho 15-9-1913
Tobati 14-9-1913
Quilômetro 14-9-1913
769
Ibiá 28-11-1913
São Pedro 13-11-1926
Pôsto 1-11-1957
Telegráfico
Rio São 29-11-1916
João
Guabiroba 29-11-1916
Catiara 29-11-1916
Salitre 17-6-1918
São 24-6-1920
Benedito
Camporanga 24-6-1918
Pôsto 15-10-1957
Telegráfico
Bela Vista 12-10-1918
Patrocínio 12-10-1918
Falhados 24-4-1937
Macaúbas 1-9-1946
Celso Bueno 24-4-1937
(demolida)
Castilhana 1-1-1958
Monte 24-4-1937
Carmelo
São Félix 11-11-1942
Chapado 11-11-1942
(demolida)
Macacos 11-11-1942
Douradoqua 11-11-1942
ra
(demolida)

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Grupiara 11-11-1942
(demolida)

É importante salientar, conforme apontado na tabela, que


muitas das estações elencadas nesses trechos já não existem mais, algumas foram
demolidas, outras submersas quando da construção de represas e a maior parte delas
encontra-se abandonada e deteriorada pela ação do tempo e do homem.

Em que pese tal fato, não se tratam de quaisquer bens. Todo


esse acervo que remanesce, parte dele em ruínas, detém inegável valor histórico e cultural,
de grande importância para a preservação da memória das cidades que atravessam e da
história do desenvolvimento político, social e econômico não só da região, assim como de
todo o país.

Não cuidar desses bens é relegar as próprias origens dos


municípios e desprezar a história do desenvolvimento do Brasil, considerando que o ciclo
ferroviário se constituiu de uma malha com permeabilidade por todo o território nacional,
sendo um importante vetor do desenvolvimento econômico e social nacional.

Tanto é assim que a importância e necessidade de


preservação dessa memória nacional foi reconhecida e tutelada pela Lei nº 11.483/2007,
conforme se verá adiante.

Portanto, mesmo que haja tombamento efetivado de alguns


desses imóveis, conforme se descreverá, estão suficientemente evidenciados o interesse
histórico-cultural na preservação, devendo ser reconhecidos pelo Estado através do
IPHAN, conforme atribuição conferida ao órgão pela citada legislação. De toda forma,
vários dos imóveis aqui tratados já foram tombados em âmbito municipal.

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3. A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL E A SUA EXTINÇÃO

A Rede Ferroviária Federal era uma sociedade de economia


mista integrante da Administração Indireta da UNIÃO, vinculada funcionalmente ao
Ministério dos Transportes. Foi criada em 1957 mediante autorização da Lei nº 3.115, de
16 de março de 1957, com o objetivo principal de promover e gerir os interesses da
UNIÃO no setor de transportes ferroviários.

Durante 40 anos prestou serviços de transporte ferroviário,


atendendo diretamente a 19 unidades da Federação, em 4 das 5 grandes regiões do País,
operando uma malha que, em 1996, compreendia cerca de 22 mil quilômetros de linhas
(73% do total nacional).

Em 1992, a RFFSA foi incluída no Programa Nacional de


Desestatização – PND (Lei n.º 8.031/90), por meio Decreto nº 473/92, o qual iniciou a
privatização dos serviços de transporte ferroviário. Com a sua inclusão no PND, a
responsabilidade pelo serviço passou à UNIÃO.

A transferência desses serviços ao setor privado efetivou-se


no período compreendido entre 1996 a 1998. O novo modelo estabeleceu a segmentação
do sistema ferroviário em seis malhas regionais, com concessão da UNIÃO por 30 anos
mediante licitação e o arrendamento, por igual prazo, dos ativos operacionais da RFFSA
aos novos concessionários. Ou seja, a UNIÃO é o poder concedente nos contratos de
concessão, e a RFFSA, nesse momento inicial, era a arrendadora, nos contratos de
arrendamento.

O processo de liquidação da RFFSA, no entanto, iniciou-se


logo em seguida, em 17 de dezembro de 1999, tendo sido dissolvida de acordo com o

19
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estabelecido no Decreto nº 3.277, de 7 de dezembro de 1999. Assim, o acompanhamento e


fiscalização da concessão passou ao Ministério dos Transportes, incumbência que passou a
ser exercida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, de natureza
autárquica.

Esse processo de liquidação implicou na realização dos ativos


não operacionais e no pagamento de passivos. Os ativos operacionais (infraestrutura,
locomotivas, vagões e outros bens vinculados à operação ferroviária) foram arrendados às
concessionárias operadoras das ferrovias: Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN;
FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA – FCA; MRS Logística S.A; Ferrovia Bandeirantes –
Ferroban; Ferrovia Novoeste S. A; América Latina e Logística – ALL e Ferrovia Teresa
Cristina S. A.

A RFFSA foi então extinta, mediante a Medida Provisória nº


353, de 22 de janeiro de 2007, posteriormente ratificada pela Lei nº 11.483, de 31 de maio
de 2007, a qual dispôs em seu Artigo 2º, que, a partir de 22 de janeiro de 2007:

I - a União sucederá a extinta RFFSA nos direitos, obrigações e


ações judiciais em que esta seja autora, ré, assistente, opoente ou
terceira interessada, ressalvadas as ações de que trata o inciso II do
caput do art. 17 desta Lei; e
II - os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a
União, ressalvado o disposto nos incisos I e IV do caput do art. 8º
desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.772, de 2008).

A propriedade dos móveis e imóveis operacionais, que são


aqueles utilizados na prestação do serviço, e constantes do contrato de arrendamento com
as concessionárias, e os móveis não-operacionais utilizados na administração da RFFSA,
foram transferidos ao DNIT, verbis:

Artigo 8º: Ficam transferidos ao Departamento Nacional de Infra-


Estrutura de Transportes – DNIT:
I - a propriedade dos bens móveis e imóveis operacionais da

20
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extinta RFFSA;
II - os bens móveis não-operacionais utilizados pela
Administração Geral e Escritórios Regionais da extinta RFFSA,
ressalvados aqueles necessários às atividades da Inventariança; e
III - os demais bens móveis não-operacionais, incluindo trilhos,
material rodante, peças, partes e componentes, almoxarifados e
sucatas, que não tenham sido destinados a outros fins, com base
nos demais dispositivos desta Lei.
IV - os bens imóveis não operacionais, com finalidade de
constituir reserva técnica necessária à expansão e ao aumento da
capacidade de prestação do serviço público de transporte
ferroviário, ressalvados os destinados ao FC, devendo a vocação
logística desses imóveis ser avaliada em conjunto pelo Ministério
dos Transportes e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, conforme dispuser ato do Presidente da República.
(Incluído pela Lei nº 11.772, de 2008).

São bens operacionais aqueles arrendados às concessionárias


dos serviços ferroviários, necessários à continuidade da prestação dos serviços. Uma vez
firmado o contrato de concessão, automaticamente celebra-se, também, o contrato de
arrendamento. A Lei nº 11.483/2007 também tratou de trazer a definição do que vem a ser
bem operacional:

Artigo 22. Para os fins desta Lei, consideram-se bens operacionais


os bens móveis e imóveis vinculados aos contratos de
arrendamento celebrados pela extinta RFFSA, bem como aqueles
delegados a Estados ou Municípios para operação ferroviária.

Por seu turno, a administração dos bens móveis e imóveis de


valor artístico, histórico e cultural da extinta RFFSA, de acordo com a mesma lei, ficou a
cargo do IPHAN:

Artigo 9º Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional – IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis
de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA,
bem como zelar pela sua guarda e manutenção.
§ 1o Caso o bem seja classificado como operacional, o IPHAN
deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário.
§ 2o A preservação e a difusão da Memória Ferroviária
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constituída pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do


setor ferroviário serão promovidas mediante:
I - construção, formação, organização, manutenção, ampliação
e equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras
organizações culturais, bem como de suas coleções e acervos;
II - conservação e restauração de prédios, monumentos,
logradouros, sítios e demais espaços oriundos da extinta
RFFSA.
§ 3º As atividades previstas no § 2º deste artigo serão financiadas,
dentre outras formas, por meio de recursos captados e canalizados
pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, instituído
pela Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991.(grifos não
originais).

Portanto, embora não haja tombamento consumado de todos


os bens objetos da presente ação, cabe proteger, na via judiciária, bens inegavelmente
integrantes do patrimônio histórico arquitetônico nacional. Esses imóveis estão
abandonados, expostos à ação degradadora do homem e da natureza e essa situação decorre
da inércia dos responsáveis pela preservação de todo esse acervo, como será demonstrado.

O objetivo do Ministério Público Federal, portanto, com a


presente ação, é que cada um dos órgãos públicos que tem sua parcela de responsabilidade
sobre o patrimônio ferroviário abandonado em comento seja compelido a exercer de fato
suas atribuições, para a adequada preservação, de forma a atender ao princípio da
eficiência, compreendido como adoção de ação administrativa que deve ser orientada para
concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei.

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4. AS APURAÇÕES LEVADAS A CABO PELO MPF

Após a caracterização histórica do transporte ferroviário no


Brasil e sua conexão temporal com o processo de extinção da Rede Ferroviária Federal,
com atribuição de competências, nos termos da Lei 11.483/07, para gestão do seu acervo
patrimonial, passa-se à descrição do objeto dos inquéritos civis que instruem a presente
ação. Busca-se contextualizar o apurado pelo MPF com a necessidade de preservação de
bens culturais localizados nos trechos ferroviários supradescritos, quais sejam: a linha
“Angra dos Reis-Goiandira”, no trecho que perpassa o Estado de Minas Gerais, a linha
“Garças de Minas-Belo Horizonte”, que ligava a Capital a Garças de Minas, e a Estrada de
Ferro Paracatu.

Conjuntamente, será feita uma breve caracterização histórica


de cada uma das estações ferroviárias abandonadas, situação que foi o objeto específico de
cada uma dos feitos em referência que tramitou ao longo dos últimos anos:

4.1. Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000102/2015-68 (Estação Ferroviária Garças


de Minas – Iguatama/MG)

A estação de Garças foi inaugurada em 1916, quando era


conhecida como Chave Raymundo. Ficava (ainda fica) longe da cidade, ainda às margens
do rio São Francisco. Era na época pertencente à linha da E. F. Goiaz e passou a ser o
entroncamento da linha da EFOM que vinha de Belo Horizonte. Em 1944, a estação passou
a se chamar Iguatama, nome do município à qual pertencia e ainda pertence. Depois, o
nome da estação passou a ser Garças de Minas, deixando novamente de ter o nome do
município. No local havia um depósito de locomotivas e, ainda hoje, a estação é um

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importante entroncamento de duas linhas (Angra dos Reis-Goiandira e Belo


Horizonte-Garças de Minas) operadas pela FCA, a atual concessionária.9

O marcador em vermelho aponta a localização da Estação Garças de Minas na linha Angra dos
Reis-Goiandira.

Mapa do Município de Iguatama no final dos anos 1950. A estação aparece próxima, a leste, na
linha da RMV (IBGE: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 1960).

9 Disponível em:<http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/garcas.htm>, acesso em


21/08/2017.
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A estação Garças de Minas em 1922. Foto do livro "Estrada de Ferro Oeste de Minas - Trabalho
Historico-Descriptivo" de Mucio Jansen Vaz (1922).10

O Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000102/2015-68 foi


instaurado em novembro de 2015, a partir de ofício remetido pela Promotoria Estadual de
Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico do Ministério Público de Minas Gerais -
MPMG, dando conta do abandono e deterioração da Estação Ferroviária Garças de Minas.

De acordo com documentos encaminhados pelo MPMG, a


Estação, que é considerada imóvel de importante valor histórico-cultural para o Município
de Iguatama/MG, estaria abandonada e em processo de deterioração. Nos anexos ao ofício,
foi encaminhado um relatório fotográfico que demonstrou claramente o péssimo estado de
conservação em que se encontrava a estação, além de relato histórico que informa ser o
imóvel tombado na esfera municipal e de responsabilidade do DNIT (Doc. 1).

Na sequência, o DNIT, uma vez oficiado, manifestou-se,


expondo que a estação estava arrendada à FCA, através do Contrato n° 048/96 celebrado

10 Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/garcas.htm>, acesso em 21 ago


2017.
25
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com a ANTT, enquanto que os bens não operacionais da mesma localidade estavam sob a
responsabilidade do IPHAN.

A ANTT, por sua vez, comunicou que havia notificado a FCA


para adotar as medidas necessárias à conservação da referida estação, enquanto que o
IPHAN confirmou a sua responsabilidade por aqueles bens de valor histórico e cultural
pertencentes à extinta RFFSA. A FCA, a seu turno, informou que em 2005 devolveu
diversos bens ao DNIT, dentre eles a estação em questão, uma vez que não possuía
finalidade operacional para a empresa.

Posteriormente, o IPHAN expôs que o imóvel tinha sido


tombado pela Prefeitura de Iguatama. Assim, com impressionante omissão ao seu dever,
afirmou que caberia ao ente municipal promover sua restauração, ou, então, caberia à FCA
fazê-lo, pois é quem usufrui do imóvel.

Em resposta a ofício encaminhado pelo MPF para a ANTT, a


agência reguladora esclareceu que, durante uma vistoria realizada em julho de 2016,
verificou a existência de 11 imóveis operacionais no pátio da Estação Ferroviária Garças
de Minas, sendo 3 edificações e 8 terrenos, dos quais 7 não puderam ser localizados
adequadamente. Por este motivo, foi solicitado à FCA que procedesse à identificação dos
bens não localizados e lhe comunicasse o resultado.

Por fim, um ofício foi encaminhado à Prefeitura de Iguatama,


em janeiro de 2017, requisitando informações sobre o estado de conservação da estação,
bem como acerca das providências tomadas para sua manutenção. Em resposta, o ente
municipal deu conta de que o imóvel encontrava-se “em boas condições e sendo utilizado
pela FCA”, encaminhando em anexo um CD com fotografias (Doc. 2) para demonstrar a
afirmação:

26
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Pelas fotografias, no entanto, não é possível aferir se o


imóvel retratado, que mais parece uma escola (em uma das fotos), ou uma rodoviária (em
outra delas), é de fato a Estação Ferroviária Garças de Minas. Não há tampouco como
aferir se ele foi reformado com a finalidade de manter as suas características originais, de
forma a preservar seu interesse histórico. As fotos, na verdade, apontam em indicativo
contrário, havendo evidência de possível descaracterização, a despeito do tombamento
municipal. Tampouco há informações sobre qual a destinação que está sendo dada ao
imóvel, de forma a promover seu interesse cultural.

Aqui, é possível portanto concluir pela inadmissível postura


do IPHAN que, a despeito das suas obrigações impostas pela Lei 11.483/2007, eximiu-se
das mesmas pela existência de tombamento municipal, o que de forma alguma afasta a sua
responsabilidade pela conservação do bem histórico. O tombamento municipal, em
legítimo e devido exercício da tutela do patrimônio histórico e cultural local, não afasta a
natureza federal do bem em comento.

27
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De outro lado, DNIT, ANTT e FCA batem cabeça,


considerando a indefinição na natureza operacional ou não dos imóveis que compõem a
estação e suas adjacências, nenhum deles tomando providências para a devida gestão do
patrimônio público federal em degradação e utilização indevida.

4.2. Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000096/2009-09 (Estação Ferroviária de


Timboré – Formiga/MG)

A Estação de Timboré, localizada em Formiga/MG, foi aberta


pela E. F. Oeste de Minas em 1905 e, em 1931, passou a fazer parte da Rede Mineira de
Viação. Foi uma importante estação de embarque e desembarque de pessoas e mercadorias
e fazia parte da ferrovia que ligava Angra dos Reis (RJ) a Goiandira (GO).

O marcador em vermelho aponta a localização da Estação Timboré na linha Angra dos Reis-
Goiandira.

De acordo com ficha de inventário encaminhada pela


Prefeitura de Formiga:

28
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Durante muitos anos a Estação Timboré foi amplamente utilizada


pelos moradores da região. No início da década de 1980, o
transporte de passageiros foi encerrado, sendo mantido apenas o
transporte de cargas. Em 1992, a Estação Ferroviária foi desativada
pela RFFSA e a edificação cedida para a comunidade de Timboré,
que passou a utilizar a edificação para encontros sociais, bailes
comunitários e outras confraternizações, como a festa de Congado.
No entanto, a falta de recursos da comunidade para realizar a
manutenção periódica do imóvel implicou em um abandono
gradual da antiga Estação como local de confraternização e de
encontros sociais. Há mais de 5 anos o local não é mais utilizado
pela comunidade, que desmotivada, vê passivamente o
arruinamento deste bem que já foi em tempos outrora, o grande elo
de prosperidade à localidade.

Fotografias recentes da Estação Timboré. A primeira disponível no link <


http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/timbore.htm> e a segunda, em:
<http://portal.iphan.gov.br/mg/pagina/detalhes/1304>, acesso em 21 ago 2017.

Diante da situação de abandono e das péssimas condições de


conservação da Estação Ferroviária de Timboré (Doc. 3), o Ministério Público de Minas
Gerais – MPMG, em 2009, encaminhou ao MPF ofício visando a adoção de medidas
capazes de compelir a UNIÃO a evitar o perecimento da edificação. O MPMG informou
que, embora tenha oficiado a Prefeitura Municipal de Formiga por duas vezes para que se
manifestasse acerca de eventual interesse em recuperar o bem, esta manteve-se inerte.

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Com a instauração do inquérito civil público por esta


Procuradoria da República, a Prefeitura de Formiga foi novamente oficiada e demonstrou
interesse em promover a restauração da estação, tendo juntado aos autos a ficha de
inventário do imóvel, com a indicação dos diversos fatores responsáveis pela sua
degradação e enumerando as medidas necessárias à sua conservação (Doc. 4).

Também foram oficiados para que se manifestassem acerca


da restauração e preservação, a Secretaria de Patrimônio da União – SPU e o IPHAN.
Contudo, ante a ausência de uma resposta satisfatória para o caso, foi encaminhada uma
minuta de termo de ajustamento de conduta com vistas à proteção e preservação da Estação
Ferroviária de Timboré aos órgãos envolvidos e ao Município de Formiga para análise e
eventual assinatura (Doc. 5).

Na sua resposta, a SPU informou que, mesmo depois de


tantos anos da extinção da RFFSA o imóvel continuava sob a gestão da sua inventariança,
em processo de transferência para a responsabilidade da UNIÃO. O IPHAN, por sua vez,
alegou que aguardava as solicitações da SPU para realizar vistoria. A Prefeitura de Formiga
afirmou manter-se interessada em promover a restauração e preservação da edificação.

Dado seguimento à tramitação do inquérito civil, foi


informado a finalização do processo de transferência da Estação Ferroviária de Timboré
para a gestão da UNIÃO, por meio da SPU, juntado-se aos autos o Termo de Transferência
n° 577/2010, encaminhado pela Unidade Regional de Inventariança de Belo Horizonte –
URBEL (Doc. 6).

Reiterados os ofícios acerca do interesse na assinatura do


TAC proposto, o IPHAN em Minas Gerais nada disse sobre o ajuste, mas informou que foi
realizada vistoria in loco para avaliação dos bens e que expediu parecer técnico no qual foi
atribuído valor histórico artístico e cultural em relação à antiga Estação Ferroviária

30
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Timboré - NPB 2203799-0, antigo Depósito de Ferramentas e Obra – Casa do Rádio - NBP
2203214-0 e à antiga Estação e Armazém de Formiga - NBP 2203218-0 (Doc. 7).

A Prefeitura de Formiga, por seu turno, informou que possuía


interesse em recuperar e manter os referidos bens e, na oportunidade, encaminhou um
mapa sobre projeto de revitalização da Estação de Timboré e dos demais imóveis (Doc. 8).

Em seguimento, vieram aos autos novas informações da SPU


no sentido que a estação tratava-se, em realidade, de imóvel operacional, pelo que sua a
responsabilidade por sua gestão seria transferida da UNIÃO para o DNIT.

O DNIT, por sua vez, afirmou que o bem estaria arrendado à


FCA, sendo que, nesta ocasião, à concessionária caberia o exercício do controle
patrimonial e contábil dos bens operacionais na atividade ferroviária.

Oficiada, a FCA encarou o “jogo de empurra” informando


que a área em referência não fazia mais parte do contrato de arrendamento e que o imóvel
fora devolvido à RFFSA (Doc. 9).

Considerando a situação narrada supra, pôde-se concluir o


seguinte: 1) o IPHAN declarou a existência de interesse da preservação do bem em razão
de seu valor histórico e cultural; 2) o Município de Formiga, embora não tenha
responsabilidade direta pela gestão do bem federal, mas considerando sua competência
concorrente de proteção do patrimônio cultural, tem interesse em tomar medidas visando a
sua preservação; 3) a área em referência não faria mais parte do contrato de arrendamento
da FCA.

Diante do exposto, viu-se que, embora o referido inquérito


civil público tenha sido instaurado no ano de 2009, até o momento não houve um desfecho

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capaz de assegurar qual será a destinação dada ao bem imóvel em comento, que permanece
em estado de abandono e risco de maior degradação.

4.3. Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000178/2011-60 (Estação Ferroviária


Santanense - Itaúna/MG)

A Estação Santanense é uma das três estações ferroviárias localiza-


das em Itaúna/MG e foi inaugurada em 1920. De acordo com o sítio eletrônico “Estações
Ferroviárias”, os moradores da cidade contam que “em 1950, um fardo de algodão na pla-
taforma pegou fogo com as fagulhas de um trem a vapor que passava e o incêndio conse-
qüente destruiu a estação. Dois anos depois, foi reconstruída segundo o projeto original e
voltou a funcionar”11.

O marcador em vermelho aponta a localização da Estação Santanense na linha Belo Horizonte -


Garças de Minas.

As fotografias a seguir mostram a evolução da degradação da Esta-


ção. A primeira (à esquerda) data de 1990 e a segunda (direita) de 2011 já mostra o desmo-
11 Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_garcas/santanense.htm>, acesso em 25 ago
2015.
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ronamento da cobertura da plataforma da estação12.

O Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000178/2011-60 foi


instaurado a partir de encaminhamento do Ministério Público de Minas Gerais - MPMG
depois de averiguar que a Estação Ferroviária Santanense era bem de natureza federal. O
MPMG havia recebido representação de um pai de aluno de uma escola localizada próxima
à referida estação e informou que a estação se encontrava em péssimo estado de
conservação e estaria sendo utilizada como ponto de uso e venda de drogas, principalmente
por menores, alunos da escola.

A partir da representação, o MPMG oficiou a Prefeitura de


Itaúna requisitando informações acerca da propriedade do imóvel. Em resposta, foi
informado que o bem não pertencia ao município, embora tenha sido tombado por meio do
Decreto Municipal nº 4.780/2006 (Doc. 10). Através da cópia do processo ficou
esclarecido que, com a extinção da RFFSA, a propriedade do bem fora transferida ao
DNIT (Doc. 11).

12 Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_garcas/santanense.htm>, acesso em 25 ago


2015.
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

Constatando-se que a propriedade do bem era atribuída a


órgão federal, determinou-se a remessa dos autos ao MPF, tendo sido, então, instaurado o
inquérito civil em referência para apurar o caso.

Com a finalidade de instruir o feito, determinou-se a


expedição de ofício ao DNIT com cópias de fotografias (Doc. 12) que davam conta da
situação de abandono e deterioração em que se encontra a Estação Ferroviária Santantense.

O DNIT respondeu que a estação era bem operacional


concedido à FCA. A empresa concessionária foi então oficiada para informar se tinha
interesse em cedê-la ao Município de Itaúna/MG, já que o ente tinha interesse na sua
restauração.

Porém, a empresa informou, que tal estação não havia sido a


ela arrendada. Diante de tal alegação, oficiou-se ao novamente DNIT para que este
remetesse a cópia integral do Contrato de Arrendamento nº 48/96. Todavia, o ente
informou que, após consulta ao seu sistema, retificaram a situação da Estação Santanense
como imóvel não operacional e remeteram a cópia do contrato solicitado (Doc. 13).

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Assim, em prosseguimento das apurações, a Inventariança da


RFFSA foi oficiada e encaminhou, em resposta, cópia do termo de transferência da Estação
Ferroviária Santanense à SPU (Doc 14). Contudo, continuando o verdadeiro “jogo em
empurra” já descrito em tópicos anteriores, após ser oficiada a SPU informou que o bem
imóvel seria transferido ao DNIT por estar situado à margem de uma linha operacional
(faixa de segurança). Assim, caberia ao DNIT a manifestação a respeito da possibilidade de
destinação do imóvel diante de sua importância histórica e cultural.

A Diretoria de Infraestrutura Ferroviária (DIF) – DNIT


informou então que o bem ainda não estava sob sua responsabilidade e que, tão logo
fossem adotadas as formalidades de transferência, seria realizada vistoria in loco para
emissão de relatório sobre as condições de conservação, após o que teriam condições de
deliberar sobre as indagações realizadas. Aqui, conforme apontado na introdução desta
peça, percebe-se um exemplo claro de como os bens ferroviários de valor histórico são
tratados como “coisa de ninguém”.

A UNIÃO, por meio da SPU, por sua vez, informou que


firmara um termo de compromisso junto à Prefeitura Municipal de Itaúna, com a finalidade
de transferir a guarda do imóvel (Doc. 15) e que iniciariam os procedimentos de cessão
visando a solução definitiva do caso.

Após, vieram aos autos informações no sentido de que o


IPHAN manifestou-se reconhecendo o valor histórico, artístico e cultural da estação e que
houve cessão do imóvel ao Município de Itaúna, conforme Termo de Cessão nº 050/2015
emitido pelo DNIT (Doc. 16).

Passados alguns meses, oficiou-se a Prefeitura de Itaúna para


saber se já haviam elaborado o cronograma de obras, previsto no termo de cessão. O

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município informou que, embora o relatório fotográfico do local já tivesse sido elaborado
(Doc. 17), ainda não possuíam recursos para a execução de obras no imóvel.

Até a presente data, no entanto, não foram trazidas


informações a respeito do desfecho da situação, sendo praticamente certo que o estado de
abandono permaneça.

4.4. Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000121/2015-94 (Estações Ferroviárias de


Carmo do Cajuru e Angicos – Carmo do Cajuru/MG

A Estação Ferroviária de Carmo do Cajuru foi inaugurada em


1º de julho de 1911 junto com o ramal que ligava Belo Horizonte a Divinópolis. A
construção da estação impulsionou a economia cajuarense por meio da comercialização de
carne e leite remetidas para outras cidades mineiras, sobretudo para Belo Horizonte,
propiciando desenvolvimento na região centro-oeste de Minas Gerais. De acordo com nota
técnica da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, do MPMG:

Na época da construção da estação, o entorno era constituído por


vegetação nativa e algumas poucas residências rurais. Dessa forma,
podemos afirmar que o desenvolvimento do local foi estimulado
pela construção da mesma (…). Desde o final da década de 1970,
com o aumento das rodovias e melhorias nas estradas de rodagem,
as distâncias e o tempo de deslocamento entre as localidades se
encurtaram e os trens de passageiros e as marias-fumaças caíram
em desuso. A estação não era mais lugar de encontro e lazer. A
partir de então, as locomotivas passaram a ser usadas para
transportar somente mercadorias. Até meados da década de 1980,
aproximadamente, o município ainda recebia e escoava
mercadorias através da estrada de ferro. Desde essa data
aproximada até 1996 (ano de arrendamento de parte da rede
Ferroviária Federal S/A pela Ferrovia Centro Atlântica) a estação
servia apenas para fiscalizar e organizar o cruzamento de trens. A
partir de 1996, a Estação Ferroviária de Carmo do Cajuru,
juntamente com o alojamento construído em 1990 para os
funcionários da rede, fazem parte da área operacional da Ferrovia
Centro Atlântica (FCA), que possui a concessão da linha férrea.

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A Estação de Angicos, por sua vez, foi inaugurada em 1911 e


está situada no distrito de Angicos, no município de Carmo do Cajuru, não se tendo
angariado maiores informações sobre o contexto histórico de sua instalação.

O marcador em vermelho aponta a localização da Estação Angicos na linha Belo Horizonte -


Garças de Minas.

Imagem da antiga estação Ferroviária de Angicos em junho de 1990. Fonte:


<http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_garcas/angicos.htm>, acesso em 28 ago 2017.

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Interessada em obter o direito de uso ou cessão de bens


imóveis pertencentes à UNIÃO, a Prefeitura de Carmo do Cajuru reportou à Promotoria
Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico a situação de depredação e
abandono dos seguintes bens de propriedade da extinta Rede Ferroviária e tombados pelo
município: um prédio da antiga Estação Ferroviária de Carmo do Cajuru; uma casa ao lado
da Estação Ferroviária, construída à época para moradia do guarda-chaves; uma construção
destinada ao alojamento dos funcionários da RFFSA e o prédio da Estação Ferroviária de
Angicos, localizado na comunidade rural de Angicos, dispostos nas imagens abaixo:

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Diante da notícia de abandono e deterioração desses bens, o


MPMG instaurou inquérito civil para apurar o caso. Com isso, expediu-se ofício à SPU
para que se manifestasse acerca da possibilidade de cessão dos bens. Em resposta ao ofício,
foi informado que todos aqueles bens foram transferidos ao domínio da UNIÃO e
caracterizados como reserva técnica necessária à segurança do transporte ferroviário, vez
que construídos em faixa de domínio de ferrovia e que, portanto, seriam de propriedade do
DNIT.

A Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e


Turístico promoveu a elaboração da Nota Técnica nº 29/2014 na qual indicou a
necessidade de várias obras emergenciais para a recuperação e preservação do Conjunto
Arquitetônico da Estação Ferroviária de Carmo do Cajuru, dentre as quais: a) isolamento
da área com tapumes para evitar ações de depredação e proteção de pedestres e veículos; b)
revisão geral da cobertura, prevendo o remanejamento das telhas deslocadas e substituição
das que se encontram comprometidas; c) capina do terreno e limpeza interna, devendo ser
separados os elementos originais existentes e passíveis de serem reaproveitados na
restauração do imóvel; d) desligamento da energia para evitar curtos circuitos; além de
descrever as principais medidas necessárias para a restauração do Conjunto Arquitetônico
da Estação ferroviária de Carmo do Cajuru. (Doc. 18).

Considerando a informação de que o proprietário dos bens


imóveis históricos e tombados era o DNIT, o Ministério Público do Estado de Minas
Gerais determinou o envio dos autos ao Ministério Público Federal.

Intado a se manifestar, o DNIT informou que estava


mantendo contato com a municipalidade e orientando-os a respeito dos procedimentos de
solicitação da cessão dos bens pela Diretoria de Infraestrutura Ferroviária – DIF.

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

Para instruir devidamente o feito, em observância ao


despacho com a determinação de realização de inspeção técnica, foi então elaborada pelo
corpo pericial da Procuradoria da República em Minas Gerais, a Nota Técnica nº 43/2015
(Doc. 19). Em suas conclusões, sugeriu-se a formalização de um termo de compromisso
entre o MPF e o Município de Carmo do Cajuru, o DNIT, o IPHAN e a FCA, com o
objetivo de restaurar, preservar, regularizar a ocupação e dar uso sustentável ao complexo.

Na sequência da tramitação do inquérito civil, a Prefeitura


Municipal de Carmo do Cajuru esclareceu que não foi possível finalizar os trâmites
necessários para assinatura de um TAC, devido à resposta do DNIT, de que a formalização
deveria ocorrer apenas no ano de 2017, em função do período eleitoral. A Diretoria de
Infraestrutura Ferroviária – DIF do DNIT, por seu turno, informou que a cessão dos
imóveis da Estação Angicos dependia do envio, pelo município, dos documentos
solicitados em reunião realizada em julho de 2015. Em relação aos demais bens, eles
carcterizam-se como operacionais, fazendo parte do contrato de arrendamento com a FCA,
sob fiscalização da ANTT.

Considerando as informações supra, o Município de Carmo


do Cajuru foi novamente oficiado para informar quais as providências haviam sido
tomadas a fim de preservar os mencionados imóveis.

No entanto, até o momento da propositura da presente ação,


nenhum outra nova informação foi prestada, ficando a requisição do MPF sem resposta.

4.5. Inquérito Civil nº 1.22.012.000109/2015-80 (Estação Ferroviária de Formiga)

A estação de Formiga foi inaugurada em 1905 como


pertencente à Estrada de Ferro Goiaz. Mais tarde, a falência da E. F. Goiaz fez com que o a
linha Formiga-Patrocínio fosse incorporada à EFOM, passando a fazer parte de sua linha-

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tronco. Atualmente, no espaço funciona o Museu Histórico Municipal Francisco Fonseca,


que foi inaugurado em 5 de junho de 2003.

(Na primeira foto, vê-se a antiga sala de rádio da estação de Formiga, em 12/10/2006. Na segunda imagem,
a estação de Formiga é inaugurada com a chegada de um trem especial que traz o Ministro da Viação,
Lauro Müller (Revista da Semana, 17/12/1905). 13

De acordo com relato encontrado no sítio eletrônico Estações


Ferroviárias do Brasil:
"Estive em Formiga no feriado de 12 de outubro, fui até a estação,
hoje totalmente recuperada, abrigando o museu municipal. Ao lado
há uma pequena vila dos antigos trabalhadores e uma oficina e é
curioso haver uma construção com detalhes em verde claro que era
a antiga casa de rádio de comunicação da ferrovia, A ferrovia ali é
bem movimentada com cargueiros" (Diovanni Resende,
9/11/2006).

A partir da representação de um morador de Formiga, dando


conta da invasão do pátio de manobras da antiga estação ferroviária (antiga pedreira da
RFFSA), bem como da ocupação de terrenos às margens da ferrovia naquele município,
instaurou-se, nesta Procuradoria da República, Inquérito Civil nº 1.22.012.000109/2015-80
para apurar o caso. As ocupações foram descritas na representação. Na área da Pedreira,
13 Disponível em:<http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/formiga.htm>, acesso em 06 set
2017.
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

localizada no centro da Cidade, dentro do pátio de manobras, encontravam-se os seguintes


imóveis: i) um terreno (antiga pedreira da RFFSA) que foi invadido por um ex-ferroviário
de nome “Eurico”, que aterrou e murou a área em que estava construindo uma casa (item
1.1); ii) pátio de manobras da antiga estação e a antiga Casa de Rádio, a qual estava sendo
irregularmente utilizada pela empresa Prumo Engenharia, contratada pela FCA (1.2).

Além desses, a representação ainda enumerou vários outros


terrenos localizados às margens da ferrovia, em local onde existiu a antiga Vila dos
Ferroviários, sendo que cada um deles estaria sendo utilizado da seguinte forma: uma
oficina mecânica (2.1); um cômodo comercial (2.2); uma edificação de uma casa com
construção em andamento (2.3); em outro terreno se iniciou o serviço de terraplanagem
para edificação de uma construção (2.4); em outro terreno localiza-se o estabelecimento
Depósito Teixeira (2.5); outros três terrenos invadidos em direção ao campo ferroviário
possuem construções já finalizadas (2.6); outros diversos terrenos estavam delimitados por
cercas de arame (2.7).

Com a finalidade de instruir o feito, a SPU enviou


informações de que os imóveis em questão tratavam-se de bens operacionais, portanto de
responsabilidade do DNIT. Já o Município de Formiga enviou um relatório de vistoria
ambiental (Doc. 20), com diversas fotografias que confirmaram as invasões e construções
não autorizadas.

Oficiado, o DNIT informou exercer controle apenas


patrimonial e contábil sobre os bens operacionais transferidos para sua gestão, vez que a
administração, fiscalização e a manutenção dos bens arrendados ficam a cargo da ANTT.

Sendo assim, o ofício anteriormente remetido ao DNIT foi


redirecionado à ANTT, que, em resposta enviou um ofício (Doc. 21), com as seguintes
informações:

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a) Quanto à construção do imóvel em parte operacional (Pátio


NPB 2006158) estariam sendo tomadas medidas judiciais para proteção do bem (1.1);

b) que o imóvel Casa de Rádio (NPB 2203214), localizado


no Pátio de Formiga é bem não operacional, devolvido ao DNIT, mas utilizado pela FCA
(1.2):

c) que os imóveis 2.2, 2.3 e 2.5 (mostrados abaixo em


sequência) encontrariam-se fora da faixa de 15 metros do trilho externo da via:

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d) que parte dos terrenos 2.6 e 2.7 encontrariam-se dentro da


área não operacional (NPB 2006157), sendo que na última fotografia é possível ver os dois
terrenos do ponto de vista da via férrea:

Informações prestadas pela FCA e pela ANTT esclareceram


que, dos imóveis em questão, aqueles considerados como bens operacionais ficaram sob a
responsabilidade da FCA e os classificados como bens não operacionais estavam em
processo de devolução para o DNIT, com exceção da Casa de Rádio (bem não operacional)
utilizada pela FCA.

O DNIT encaminhou nova manifestação expondo a


realização de vistoria técnica na área e a constatação de que a Casa de Rádio é um imóvel

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não operacional, situado em terreno operacional, atualmente na posse da FCA. Sendo


assim, informou que a FCA teria sido orientada a regularizar sua ocupação e a comprovar
a instauração de procedimento administrativo para este fim (Doc. 22).

Derradeira informação da FCA deu conta de que o processo


de vinculação e incorporação da Casa de Rádio e do antigo Pátio de Manobras da estação
no contrato de arrendamento celebrado com a FCA encontrava-se em trâmite (Doc. 23).

Assim, verificando-se que os órgãos envolvidos (SPU, DNIT,


ANTT e FCA), em verdadeiro “jogo de empurra” e indefinição da condição de
operacionalidade dos bens em comento, não tomam providências para evitar a usurpação
do patrimônio público, realizou-se análise que identificou os terrenos invadidos e a
situação jurídica de cada um, chegando-se a esta possível conclusão:

1) o terreno referente a antiga pedreira da RFFSA, local em


que o ex-ferroviário Eurico deu início a construção de uma casa (1.1), é objeto da Ação de
Reintegração de Posse n° 0132007-87.2015.8.13.0261, movida pela FCA, em trâmite
perante a 1° Vara Cível da Comarca de Formiga/MG ;

2) a antiga Casa de Rádio e o pátio de manobra da


estação ferroviária (Item 1.2 da representação) continuam sendo utilizados irregularmente
pela FCA, que informa a existência de um processo de regularização junto ao DNIT ainda
sem desfecho;

3) o terreno localizado no cruzamento da linha férrea, onde


funciona a oficina mecânica do Sr. Magno (Item 2.1 da representação) e o imóvel invadido
pela Sra. Daniela Cristina de Oliveira (Item 2.3 da representação) são objeto da Ação de
Reintegração de Posse n° 0075875-10.2015.8.13.0261, movida pela FCA, em trâmite
perante a 2° Vara Cível da Comarca de Formiga/MG;

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4) o cômodo comercial edificado pelo Sr. Marquinhos


(Item 2.2 da representação) situa-se em terreno não operacional e foi devolvido para a
gestão do DNIT, que busca a realização de um levantamento topográfico para confirmar se
o imóvel encontra-se em faixa de domínio ferroviário;

6) o imóvel apossado pelo Sr. Teixeira (Item 2.5 da


representação) localiza-se em terreno não operacional e foi devolvido para a gestão do
DNIT, que busca a realização de um levantamento topográfico para ratificar se o imóvel
encontra-se em faixa de domínio ferroviário;

7) quanto à ocupação de diversos outros terrenos nas


proximidades do Campo dos Ferroviários, alguns com edificações erigidas e outros
delimitados com cerda de arame (Itens 2.6 e 2.7 da representação), o DNIT busca a
realização de um levantamento topográfico para ratificar se os imóveis realmente
encontram-se em faixa de domínio ferroviário.

Nesse contexto, enquanto se aguardavam novas respostas da


ANTT e da Prefeitura de Formiga, requisitou-se informações à FCA sobre o problema e as
providências que vinha adotando para resolvê-lo, informando-a, ainda, da designação de
uma reunião em data a ser previamente agendada para tratar da questão, com
representantes do DNIT, ANTT, SPU e da Prefeitura de Formiga. No entanto, a FCA
informou que não estava mais de posse dos bens imóveis, vez que estes foram
inspecionados e devolvidos à Inventariança da RFFSA, pelo que não tinha interesse em
participar reunião.

Em suma, após diversas prorrogações de prazo e busca de


alternativas para solucionar a questão, até o momento, o inquérito civil em comento
encontra-se sem desfecho.

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4.6. Inquérito Civil Público nº 1.22.012.000003/2013-14 (Estações Ferroviárias do


Tigre e de Tapiraí - Tapiraí/MG)

A Estação Ferroviária do Tigre foi fundada em 1911, não se


obtendo em fontes abertas outras informações acerca de sua caracterização histórica.

De acordo com Parecer Técnico n° 094/2014, elaborado pela


4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, “não há relatos de sobre a existência de
povoado, mas havia algumas casas próximas à estação. Hoje não mais se observam
construções nas imediações da estação, à exceção de uma propriedade rural adjacente”.

A estação do Tigre em dezembro de 2004 (Fonte:


http://blogdogiesbrecht.blogspot.com.br/2011/02/viajando-na-rede-mineira-em-1947.html).

O Inquérito Civil nº 1.22.012.000003/2013-14 foi instaurado


a partir de ofício remetido pela Procuradoria da República em Uberaba/MG, dando conta
do estado precário em que se encontraria a Estação Ferroviária do Tigre. Acompanhando o

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ofício, foi enviado um relatório de vistoria elaborado pelo Instituto Estadual de Patrimônio
Histórico e Artístico - IEPHA, que registrou que a Estação Ferroviária do Tigre, situada em
local de difícil acesso na zona rural de Tapiraí, estava em péssimo estado de conservação e
em ruínas. Dentre os documentos, havia também um ofício enviado pela Inventariança da
RFFSA, comunicando que a Estacão Ferroviária do Tigre, bem como seus antigos
alojamentos, são bens não operacionais que estariam em processo de transferência para a
UNIÃO, por meio da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, enquanto que o terreno
onde está edificada, é bem operacional e arrendado à Ferrovia Centro-Atlântica – FCA
(Doc 24).

Visando instruir o feito, foi requisitada à Inventariança da


RFFSA informações sobre a efetivação da transferência da Estação Ferroviária do Tigre
para a SPU. Em resposta, no entanto, confirmou-se, por meio do Termo de Transferência
n° 1216/2012, que o terreno onde encontra-se edificada a estação é bem operacional de
propriedade do DNIT e arrendado à FCA (Doc. 25).

A SPU, por sua vez, confirmou o recebimento do termo de


transferência e comunicou que o mesmo estava em análise pela sua Superintendência em
Minas Gerais. Ressaltou que nenhuma medida havia sido destinada à restauração da
Estação Ferroviária do Tigre, uma vez que o bem poderia ser devolvido ao DNIT, por estar
localizado em faixa de domínio férreo operacional.

Tendo em vista a inexistência de manifestação definitiva a


respeito da valoração histórico-cultural dos bens em questão pelo IPHAN, determinou-se a
realização de uma análise técnica pela Assessoria Pericial da 4ª Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF, que elaborou o Parecer Técnico n° 094/2014-4ª CCR, a partir da vistoria
in loco realizada em fevereiro de 2014.

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No parecer, consta que a Estação Ferroviária do Tigre trata-se


de imóvel não operacional edificado em terreno operacional, localizado na zona rural de
Tapiraí, cujo acesso é difícil. Informa também que o bem encontra-se abandonado e em
avançado estágio de deterioração, apesar de que, segundo apurado, teria sido tombado em
abril de 2005 por inciativa municipal, não havendo registros de tombamento em âmbito
estadual (IEPHA) ou nacional (IPHAN). Há, ainda, relato de que o prefeito e o secretário
municipal de turismo, à época da vistoria, não encontraram na Prefeitura ou na Câmara dos
Vereadores registros que subsidiassem o informado tombamento da estação, tendo,
inclusive, manifestado que não havia interesse em promover a restauração do bem, uma
vez que o mesmo seria de pouca importância cultural para o município (Doc. 26).

Após ter sido oficiada para se manifestar acerca da


possibilidade de cessão à Prefeitura da Estação Ferroviária de Tapiraí, bem como para que
esclarecesse sobre os materiais inutilizados ao longo da via-férrea, a FCA, informou que já
havia iniciado o processo de devolução do bem ao DNIT e adiantou que, por tratar-se de
bem arrendado, a ANTT vedava a triangulação FCA—DNIT—MUNICÍPIO.
Posteriormente, a FCA se manifestou informando que os restos de materiais encontrados ao
longo do trecho da via-férrea seriam recolhidos conforme seu cronograma interno.

O DNIT também encaminhou esclarecimentos, alegando que,


mesmo adotando políticas de incentivo ao uso de imóveis públicos para prestação de
serviços à comunidade, o ente municipal não se interessou em promover a recuperação da
Estação Ferroviária Tigre.

O feito ainda foi instruído com informações sobre a Estação


Ferroviária de Tapiraí, localizada na sede do município.

A Estação Ferroviária de Tapiraí, inicialmente denominada


Perdição, foi inaugurada pela Estrada de Ferro Goyaz em 15 de junho de 1911, em uma

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área até então pertencente ao município de Bambuí e ocupada ainda somente por fazendas.
Em 1920, a E. F. Oeste de Minas assumiu a massa falida da EFG e também a estação. Anos
depois, a vila que se ergueu em volta da estação tomaria o nome de Tapiraí, que se tornou
município em 1953.14

A estação de Tapiraí em janeiro de 2010. Disponível


em:<http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/tapirai.htm>, acesso em 20 set 2017.

Após ter sido oficiada, a SPU esclareceu que o bem lhe havia
sido transferido em novembro de 2013 e que continuaria tentando firmar termo de
compromisso com a Prefeitura de Tapiraí autorizando a ocupação do imóvel. Consta dos
autos a Nota Técnica n° 07/2015 (Doc. 27) e seus anexos, decorrente de trabalho de
fiscalização in loco de algumas estações ferroviárias, dentre elas as Estações do Tigre e de
Tapiraí, com o escopo de avaliar a situação dos bens oriundos da extinta RFFSA. Assim,
conforme se constata do relatório fotográfico encaminhado (Doc. 28), a estação do Tigre
encontrava-se em avançado estágio de abandono e deterioração, enquanto que a estação de
14 Mais informações em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_tronco/tapirai.htm>, acesso em 20
set 2017.
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Tapiraí encontrava-se abandonada e com danos estruturais em sua cobertura e na


plataforma. Ficou registrado, no entanto, que o prefeito havia demonstrado interesse em
sua revitalização e apresentara um projeto para implantação de um centro cultural que
planejava criar e que seria denominado “Antonieta Pereira da Silva” (Doc. 29).

Especificamente em relação à Estação de Tapiraí, houve a


tentativa, conduzida na ocasião pelo MPF em Uberaba, de firmar um termo de ajustamento
de conduta entre o IPHAN, o DNIT, a FCA e o Município de Tapiraí, para a adoção de
medidas no intuito da salvaguarda, recuperação, proteção e promoção do bem histórico
(Doc. 30). A iniciativa, no entanto, não teve desfecho.

Pior, foi ainda noticiada a invasão do imóvel da estação por


uma família, que poderia inclusive estar em risco de vida, em razão do péssimo estado de
conservação em que o imóvel se encontrava.

Posteriormente, foi efetivada a cessão do imóvel ao


Município de Tapiraí, proposta ação de reintegração de posse e celebrado um convênio do
o Governo do Estado de Minas Gerais para liberação de verbas para recuperação do
imóvel.

Em seguida, a despeito de oficiada a Prefeitura de Tapiraí,


não foi encaminhada resposta sobre o desfecho da situação.

4.7. Ocupação de imóveis pertencentes à extinta RFFSA


em Pará de Minas-MG

A Estrada de Ferro Paracatu atravessava o Município de Pará


de Minas, juntando-se com a linha da EFOM que ligava Belo Horizonte a Garças de
Minas. Em 1931, a estrada foi incorporada à EFOM para formar a RMV - Rede Mineira de

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Viação e passou a se chamar Ramal de Paracatu. Atingiu em 1937 a Barra do Funchal, em


Dores do Indaiá, mas jamais chegou à cidade que lhe deu o nome, Paracatu. Em 1968, foi
erradicado o trecho Bom Despacho-Barra do Funchal, e, em 1994, o restante do ramal.
Hoje só resta o trecho de Pará de Minas a Velho da Taipa. Por vários anos, os trens ainda
correram até Bom Despacho mas a siderúrgica que aí funcionava e utilizava a linha passou
a usar caminhões para o transporte.15

A Notícia de Fato nº 1.22.012.000304/2017-7 foi instaurada a


partir de ofício remetido pela Promotoria de Justiça de Pará de Minas/MG dando conta da
ocupação de imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal – SA naquele município.

Consta dos autos que, durante apuração de denúncia relativa

15 Disponível em: <http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/vfco/Estrada-Ferro-Paracatu.shtml>, acesso em


08/09/2017.
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a crimes contra a flora, verificou-se que os imóveis ocupados por José Marciano Teixeira,
José do Carmo Teixeira, Wandeir José da Silva e Célio Alexandre Leite, seriam de
propriedade da extinta RFFSA, incorporados ao patrimônio da UNIÃO.

Ao serem questionados, os moradores informaram que os


imóveis foram concedidos em virtude de extinto contrato de trabalho com a Rede
Ferroviária Federal e que já estariam em processo judicial de usucapião para
reconhecimento de domínio.

Em consulta ao Sistema Único do MPF, constatou-se que


tramitam no Tribunal Federal da 1ª Região as seguintes Ações de Usucapião:
2007.38.11.004916-3, 2007.38.11.004923-5 e 2008.38.11.000814-4, propostas pelos
ocupantes supra, em face da extinta RFFSA, posteriormente sucedida pela UNIÃO.

A despeito da impossibilidade de usucapir terras públicas, até


a presente data, as ações mencionadas ainda não foram julgadas. Não restam dúvidas, no
entanto, de que a situação de ocupação de área pertencente à extinta RFFSA, em Pará de
Minas, está intrisecamente relacionada ao descaso com o patrimônio público ferroviário
que vem sendo descrito ao longo desta peça exordial.

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5. JUSTIFICATIVAS PARA OS PEDIDOS E SEUS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A situação narrada ao longo do tópico anterior é, em


realidade, mero excerto ilustrativo sobre a situação de descaso com o patrimônio público
oriundo da extinção da Rede Ferroviária Federal, situação que certamente se repete nos
demais trechos e estações localizadas ao longo da malha ferroviária da região. Conforme
visto, há inegável interesse público na preservação da parcela desse patrimônio que carrega
reminiscências da história e da cultura de Minas Gerais e do Brasil.

É, portanto, meramente exemplificativa a descrição fática.


Pode-se inferir, com elevado grau de certeza, que outros bens de interesse histórico e
cultural componentes dos trechos ferroviários localizados na área sujeita à competência
territorial desse juízo também se encontrem na mesma situação. Isso sem falar da
dilapidação do patrimônio público federal da extinta Rede Ferroviária Federal que vem
sendo gerido com inapetência pelos órgãos para tanto incumbidos, nos termos da Lei nº
11.483/2007.

É patente, com efeito, que os órgãos responsáveis pela


resolução da questão sempre apartam-se da responsabilidade pela resolução do problema
em determinado ponto, em vez de tomarem providências efetivas diante da inegável
usurpação do patrimônio público. De forma a rememorar o longo relato realizado em
tópico anterior, conforme descrito detalhadamente, apurou-se em síntese o seguinte:

1) em relação à Estação Ferroviária Garças de Minas, em


Iguatama/MG, o IPHAN confirmou sua responsabilidade, mas depois, informou que,
tendo o imóvel sido tombado pela prefeitura municipal, caberia a esta promover sua
restauração. Após ser oficiada, a Prefeitura de Iguatama encaminhou informações de que
imóvel encontrava-se “em boas condições e sendo utilizado pela FCA". No entanto, pelas
fotografias encaminhadas, viu-se que a estação foi reformada, perdendo, assim, suas

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características originais, a despeito do tombamento municipal. Em que pese ter sido


reformada, a estação se encontra abandonada enquanto o DNIT, ANTT e FCA discutem a
natureza operacional ou não dos imóveis que se encontram no pátio da referida estação.

2) Quanto à Estação de Timboré, embora a a Prefeitura de


Formiga tenha demonstrado interesse em promover a sua restauração, o IPHAN declarou
interesse na preservação da estação e a outros imóveis que a compõem em razão de seu
valor histórico artístico e cultural. O imóvel foi transferido para a SPU, que posteriormente
informou que, por se tratar de imóvel operacional sua gestão seria transferida para o DNIT.
Este, por sua vez, informou que o bem estaria arrendado à FCA. No entanto, a FCA
informou que o bem havia sido devolvido à Inventariança da RFFSA. Sendo assim, até o
momento não houve um desfecho capaz de assegurar qual será a destinação dada ao bem
imóvel em comento, que permanece em estado de abandono e risco de maior degradação.

3) A Estação Santanense, por sua vez, foi tombada por de-


creto municipal e, como o Município de Itaúna tinha interesse na sua restauração, oficiou-
se o DNIT para informar se tinha interesse em ceder o imóvel. No entanto, o DNIT respon-
deu que a estação era bem operacional concedido à FCA. Depois comprovou-se que, por
tratar-se de imóvel não operacional, este foi transferido à SPU. Continuando o verdadeiro
“jogo em empurra”, após ser oficiada, a SPU informou que o bem imóvel seria transferido
ao DNIT por estar situado à margem de uma linha operacional (faixa de segurança). Ofici-
ado, o IPHAN manifestou-se reconhecendo o valor histórico, artístico e cultural da estação
e a SPU realizou a transferência do imóvel para o Municipio de Itaúna, mas como o ente
municipal alegou não possuir recursos para sua reforma, o estado de deterioração e aban-
dono permanece.

4) A Prefeitura de Carmo do Cajuru manifestou interesse na


Estação Ferroviária de Carmo do Cajuru e de várias construções que a compõem, além
do prédio da Estação Ferroviária de Angicos. A SPU informou que todos aqueles bens

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foram transferidos ao domínio da UNIÃO e caracterizados como reserva técnica necessária


à segurança do transporte ferroviário, por estarem na faixa de domínio de ferrovia e que,
portanto, seriam de propriedade do DNIT. O DNIT alegou, no entanto, que em razão de
período eleitoral, não foi possível finalizar os trâmites necessários para assinatura de um
TAC que deveria ocorrer apenas no ano de 2017. Posteriormente, informou que a cessão
dos imóveis da Estação Angicos dependia do envio, pelo município, dos documentos
solicitados em reunião realizada em julho de 2015. Considerando tais informações, o
Município de Carmo do Cajuru foi novamente oficiado para informar quais as providências
haviam sido tomadas, sem, contudo, ter enviado resposta.

5) A Estação Ferroviária de Formiga, por sua vez, dentre


vários outros imóveis ferroviários que se encontram em seu entorno, foram ocupados e
descaracterizados. Alguns deles estavam sendo utilizados como moradias, outros, para fins
comerciais. No decorrer do inquérito civil apurou-se que, em relação aos imóveis situados
em área operacional, estariam sendo tomadas medidas judiciais de proteção; aqueles
considerados como não operacionais, estavam sendo utilizados pela FCA; outros estariam
fora da faixa de domínio ferroviário; além de outros que não se encontravam em área
operacional. A FCA e a ANTT esclareceram que, dos imóveis em questão, aqueles
considerados como bens operacionais ficaram sob a responsabilidade da FCA e os
classificados como bens não operacionais estavam em processo de devolução para o DNIT.
No entanto, posteriormente, a FCA informou que não estava mais de posse de alguns dos
bens, que foram devolvido à inventariança da extinta RFFSA. Deste modo, a situação
também encontra-se sem desfecho e os bens sem a devida proteção.

6) Quanto à Estação Ferroviária do Tigre, localizada em


Tapiraí/MG, o Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico – IEPHA, informou
que a estação e seus antigos alojamentos são bens não operacionais transferidos à SPU,
enquanto o terreno onde está edificada é bem operacional e arrendado à Ferrovia Centro-
Atlântica – FCA. Oficiada, a SPU comunicou que o bem deveria ser devolvido ao DNIT

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por estar localizado em faixa de domínio férreo operacional. Não obstante o bem tenha
sido tombado em âmbito municipal, o IPHAN não reconheceu seu valor histórico e
cultural. O Prefeito local não manifestou interesse em sua restauração, por considerar que o
mesmo seria de pouca importância para o Município, mas manifestou interesse em relação
à Estação Ferroviária de Tapiraí – Tapiraí/MG para implantação de um centro cultural.
Todavia, durante os trâmites para a cessão do bem foi noticiada a invasão do imóvel por
uma família, tendo sido proposta ação de reintegração de posse, sem que a prefeitura local
tenha encaminhado resposta sobre o desfecho da situação.

7) Em relação aos imóveis ocupados em Pará de Minas, os


moradores, que alegaram ter recebido a concessão em virtude da extinção de contrato de
trabalho com RFFSA, propuseram ações de usucapião em face da UNIÃO, mas as ações
mencionadas ainda não foram julgadas.

Diante do “jogo de empurra” constatado ao longo de


seguidos anos, não se vislumbrando outra forma de obter uma resposta definitiva acerca da
destinação a ser dada aos referidos imóveis, tornou-se imperiosa a propositura da presente
ação civil pública, de forma a que o Poder Judiciário obrigue os órgãos públicos
demandados, cada um na sua esfera de responsabilidade, mas de forma coordenada e
cooperativa, a se movimentarem efetivamente para gerir eficazmente o patrimônio federal
negligenciado. Assim, o pedido principal aviado tem repercussão mais ampla do que as
questões especificamente apuradas.

Buscar-se-á, nessa toada, a proteção do patrimônio histórico


através da determinação prévia da realização de inventário, pelo IPHAN, com o necessário
apoio da UNIÃO, DNIT, ANTT e FCA, de todos os bens ferroviários constantes dos
trechos localizados nos municípios sujeitos à jurisdição desse Juízo das antigas linhas
“Angra dos Reis-Goiandira”, “Garças de Minas-Belo Horizonte” e “Estrada de Ferro
Paracatu” que possuam relevância e valor histórico para sua posterior proteção, consoante

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prevê o art. 9º da Lei nº 11.483/07. Mencionado dispositivo atribui ao instituto, a


competência de zelar pela guarda e manutenção do patrimônio cultural ferroviário,
oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA).

Uma vez realizado tal levantamento, deverá ser


implementado, mediante prioridades a serem determinadas de acordo com critério técnico,
a revitalização planejada de tal conjunto histórico.

Paralelamente e de forma mais imediata, aí sim considerando


o que já foi apurado, faz-se ainda necessária a tomada de providências visando a
integridade dos imóveis especificados (Estações Timboré, Formiga, Garças de Minas,
Tigre, Tapiraí, Carmo do Cajuru, Angicos e Santanense) que, como já amplamente
relatado em relação a cada inquérito civil público, encontram-se em situação precária em
razão da omissão dos demandados.

A base jurídica para a proteção ao patrimônio histórico,


artístico e cultural pretendida encontra-se delineada em diversos dispositivos do texto
constitucional. Inicia-se a partir da previsão do alcance da ação popular, com papel
expresso na defesa do patrimônio cultural e do meio ambiente. Passa pela responsabilidade
dos três entes federativos na sua promoção. Alcança o ápice com a especial disposição do
art. 216 da Carta Magna, verbis:

Artigo 5° - Todos são iguais Perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação
popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência;

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito

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Federal e dos Municípios:


III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras
de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de


natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1° - O Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e
de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2°. Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem.
§ 3°. A lei estabelecerá incentivos para a produção e o
conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4°. Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na
forma da lei.
§ 5°. Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores
de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Cabe lembrar, ainda, que o meio ambiente não abrange


somente o meio ambiente natural (constituído pela fauna, a flora, o solo, a água, o ar
atmosférico), mas também, conforme bem conceitua o eminente ambientalista Édis Milaré,
o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural:

A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu


caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de
uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto
o meio ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo
natural no decorrer do tempo. Esta visão faz-nos incluir no
conceito de meio ambiente, além dos ecossistemas naturais, as
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sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas


múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais
consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso
em realizações significativas que caracterizam, de maneira
particular, os assentamentos humanos e as paisagens do seu
entorno.” (Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 201).

A correta destinação dos imóveis com reminiscências


históricas relevantes componentes do patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal na
região, com destaque para as antigas estações, é medida necessária para preservar o
patrimônio cultural que tem padecido por descaso e inapetência dos órgãos públicos e
concessionária envolvidos, sob pena de aniquilação da importância desse relevante traço da
cultura nacional.

Frise-se, que o processo de tombamento dos bens que


interessam ao patrimônio histórico, cultural e artístico é previsto no Decreto-lei n° 25, de
30 de novembro de 1937, que dispõe em seu art. 1º:

Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o


conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja
conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional
valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados
parte integrante do patrimônio histórico ou artístico nacional,
depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro
Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.

Ressalta-se, portanto, a necessidade em se preservar


resquícios relevantes da história e da cultura da comunidade, sob pena do total
desaparecimento das formas de ser e de viver daqueles que por aqui passaram e deixaram
para as futuras gerações materiais valiosos, que ainda, mas não se sabe até quando,
resistem com o passar do tempo.

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Lamentavelmente, embora existam diversas determinações


de ordem cogente, quanto à responsabilidade do Poder Público e dos particulares pela
proteção do patrimônio cultural, os requeridos deixaram de adotar, há muito, as medidas
efetivas necessárias para a preservação da integridade desse valioso legado de nossos
ancestrais, que devem ser preservados como memória da história nacional.

Percebe-se, a propósito, que nenhum dos requeridos nega


a necessidade em se preservar tais bens, decorrendo a inapetência e omissão
verificados muito mais da negação da responsabilidade para tanto, sempre
imputando-a a outro dos requeridos ou até mesmo aos municípios.

Ora, os municípios têm o dever de fomentar a proteção ao


patrimônio cultural local. Podem fazer isso diretamente ou mediante exercício de seu poder
de polícia, considerando a competência comum com os Estados e a UNIÃO na matéria.

Ocorre que, em não havendo entendimento para uma ação


conjunta, em se tratando de bens de natureza federal, jamais se poderia deixar de
preservar tais bens com a escusa de que os municípios onde eles se localizam o farão.

Muito mais pertinente, portanto, seria até a presença dos


municípios no polo ativo da presente ação. Muitos deles manifestaram o interesse na
preservação dos bens, tendo enorme dificuldade para fazê-lo na espera dos infindáveis
procedimentos burocráticos para transferência da responsabilidade pela gestão dos bens
entre os entes federais envolvidos, que batem cabeça sobre a natureza operacional ou não
de parte da composição do patrimônio da extinta de Rede Ferroviária Federal.

A propósito, diante das enormes dificuldades encontradas


pelo Poder Executivo Federal para gerir o patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal,

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o que certamente contribuiu com os nefastos efeitos do abandono e degradação dos seus
bens de interesse histórico e cultural, foi recentemente editada a Lei nº 13.448/2017.

Tal regramento estabeleceu condições para a prorrogação e a


relicitação de contratos de parceria entre governo e setor privado nos setores rodoviário,
ferroviário e aeroportuário. No entanto, seus dispositivos, diante da solução adotada – a
prorrogação antecipada das concessões que deram errado ao não conseguir atingir as
exigências contratuais - está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal por meio da
ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn nº 5.684/2017.

Em regra, os primeiros contratos de concessão na área de


transportes tiveram prazo de vigência de trinta anos, prorrogáveis por igual período. A
maioria dos contratos se encontra com 50% a 90% do prazo originalmente estipulado,
restando entre 5 a 12 anos para a sua conclusão. Com a renovação antecipada, seriam
acrescidos mais trinta anos ao período previsto nos contratos em vigência.

A nova legislação estabeleceu critérios objetivos de prestação


de serviço adequado bastante permissivos, inferiores aos exigidos nos termos contratuais
vigentes, o que, em tese, colocou em dúvida o interesse público na implementação das
prorrogações antecipadas, motivo que, em síntese, justificou a ADI.

Segundo diagnóstico realizado pela 3ª Câmara de


Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, as atuais concessionárias têm
apresentado resultado insatisfatório, em grande medida, em decorrência de falhas na
execução contratual, da deficiência fiscalizatória dos órgãos reguladores e de
comportamentos indesejados das próprias concessionárias.

Entre as principais reclamações encaminhadas ao Tribunal de


Contas da União (TCU) e ao MPF estão: desativação/abandono de trechos ferroviários;

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lesão ao patrimônio público (bens, histórico e cultural); falhas operacionais e acidentes;


invasão da faixa de domínio; problemas relacionados à realização (ou não realização) de
obras de recuperação, manutenção e conservação da via; dano ambiental (falta de licenças,
contaminação de área); não atendimento e baixa qualidade na prestação do serviço; tarifas
abusivas, entre outros.16

É exatamente pela preocupante situação em que se


encontram esses bens imóveis, que o Ministério Público Federal busca do Poder Judiciário
prestação jurisdicional apta a atender as reivindicações da sociedade enquanto titular do
direito difuso representado na preservação do patrimônio público, histórico e cultural, a
fim de se alcançar a efetividade protetiva das normas impositivas já transcritas.

Nesse sentido, mister se faz a imposição aos demandados de


obrigações positivas no intuito de que o patrimônio público ferroviário objeto da presente
ação seja efetivamente protegido de ações ou omissões que resultem em sua mutilação,
descaracterização ou mesmo destruição.

Importante salientar que a responsabilidade dos demandados


pela conservação dos bens é objetiva e solidária, uma vez que estamos diante de uma lesão
ao meio ambiente, em seu aspecto cultural, cujo objetivo maior e fundamental é a
preservação da memória da história do Brasil, representada pelos referidos bens públicos.

Ressalte-se que, o fato de parte dos imóveis encontrarem-se


invadidos por ocupações irregulares, demonstra ainda mais o descaso dos órgãos
responsáveis com o patrimônio da memória ferroviária que compõem a presente ação. É
certo que a integral revitalização de alguns dos imóveis pode envolver, quando constatada
situação de miserabilidade, a necessidade de implementação de política pública que
promova a remoção e a instalação das famílias que os ocupam em outra localidade.

16 Para mais informações, consulte o link: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-define-estrategias-


em-relacao-a-possivel-renovacao-antecipada-de-concessao-de-ferrovias>, acesso em 30/08/2017.
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Não se pode duvidar ainda que o abandono desses bens se


traduz num verdadeiro “convite” à ação de vândalos, que se sentem à vontade para
deteriorar o patrimônio histórico e cultural, e até mesmo furtar os bens móveis, face à
ausência ou insuficiência de vigilância. Ou seja, é imprescindível que seja rompida a
inércia e que haja uma ação conjunta da UNIÃO, pela SPU, DNIT, ANTT, FCA e IPHAN,
no sentido de adotar medidas efetivas e concretas, visando a preservação de tais bens de
inegável valor histórico e cultural.

No caso dos autos, dúvidas inexistem quanto ao dever legal


de atuação dos requeridos na conservação do patrimônio histórico em questão. Sendo
assim, convém registrar juridicamente a responsabilidade de cada um deles pelo
perecimento do patrimônio público ferroviário em questão:

5.1 Responsabilidade do IPHAN

Como já mencionado, a proteção ao patrimônio cultural é


obrigação imposta ao Poder Público, conforme preceitua o art. 23, incisos II e III e art. 216,
§ 1º, e da Constituição Federal, ao determinar a todos os entes federativos o seu
cumprimento para assegurar a integridade dos bens culturais.

Sendo assim, compete ao IPHAN proteger, fiscalizar,


promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro e exercer as competências
previstas na legislação específica para a gestão dos bens culturais nacionais tombados,
representativos de diversos segmentos da cultura brasileira (art. 216 da Constituição
Federal).

A Lei nº 11.483/07 também atribui ao IPHAN a competência


de zelar pela guarda e manutenção do patrimônio cultural ferroviário, oriundos da extinta

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Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA), senão vejamos:

Art. 9 - Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e
imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da
extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e
manutenção.
§ 1o Caso o bem seja classificado como operacional, o IPHAN
deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário.
§ 2o A preservação e a difusão da Memória Ferroviária constituída
pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário
serão promovidas mediante:
I - construção, formação, organização, manutenção, ampliação e
equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras
organizações culturais, bem como de suas coleções e acervos;
II - conservação e restauração de prédios, monumentos,
logradouros, sítios e demais espaços oriundos da extinta
RFFSA.

O patrimônio ferroviário oriundo da RFFSA compreende


bens imóveis e móveis, incluindo desde construções como estações e terrenos, até material
rodante, como locomotivas, além de bens móveis como mobiliários, relógios, sinos,
telégrafos e acervos documentais. Nesse sentido, cabe ao IPHAN avaliar, dentre todo o
espólio oriundo da extinta RFFSA, quais são os bens detentores de valor histórico, artístico
e cultural, que posteriormente, serão inseridos na Lista do Patrimônio Ferroviário,
instituída por meio da Portaria IPHAN Nº 407/201017, que de acordo com seu Art. 2º:

Os bens inseridos na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário


gozam de proteção, com vistas a evitar seu perecimento ou sua
degradação, apoiar sua conservação, divulgar sua existência e
fornecer suporte a ações administrativas e legais de competência
do setor público.

Deste modo, os bens não operacionais de valor artístico,


histórico e cultural oriundos do patrimônio da extinta RFFSA devem ser transferidos e
geridos pelo IPHAN, enquanto bens operacionais continuam sob responsabilidade do

17 <http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria_Iphan_407_de_21_de_dezembro_de_2010.pdf>,
acesso em 02/08/2017.
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DNIT, que atua em parceria com o IPHAN visando à preservação desses bens.

Pelo apurado, verifica-se que o IPHAN omite-se por


completo no desempenho de tal atividade especial prevista na Lei 11.483/07. Em
nenhum momento, ao longo da tramitação dos inquéritos civis referenciados, o IPHAN
informou ter tomado qualquer atitude concreta para conservação dos bens, mesmo
daqueles em relação aos quais expressamente reconheceu o seu valor cultural.

No caso do patrimônio ferroviário federal, com efeito, o


IPHAN tem atribuições diretas na gestão dos bens. Sua posição é diferente daquela ligada
aos bens privados eventualmente merecedores de proteção, casos nos quais o IPHAN
detém poder de polícia, nos termos do Decreto-Lei nº 25/1937. Aqui, pelo contrário, o
IPHAN recebeu, pela Lei 11.483/07, feições de dono do bem da UNIÃO. Não obstante,
nada fez nesse sentido, mediante necessária articulação com a SPU e o DNIT, tratando o
patrimônio ferroviário da extinta RFFSA como se fosse bem de outrem, em relação ao qual
lhe competiria apenas reconhecer o valor histórico e cultural.

No que se refere à valoração histórica dos bens imóveis


ferroviários, é imperioso ressaltar a expressão afetiva e identitária das comunidades em que
estão inseridos. Portanto, mesmo que não sejam tombados ou incluídos na lista do
Patrimônio Cultural Ferroviário pelo IPHAN, é imperioso que a sociedade local concentre
esforços para preservar os ícones do passado ferroviário.

Ao que consta dos autos dos inquéritos civis públicos que


embasam a presente ação, observa-se que o IPHAN reconheceu, por exemplo, o valor
cultural e histórico da Estação Ferroviária Timboré localizada em Formiga/MG e dos bens
que a cercam, bem como, da Estação Ferroviária Santanense, localizada em Itaúna/MG. No
entanto, a autarquia simplesmente omitiu-se sobre sua incumbência legal, conforme o art.
9º, §2º, II, da lei 11.483/2007, de promover a conservação e restauração dos prédios que

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reconheceu o valor cultural e histórico. Em relação aos demais bens históricos tratados
nesta ação, não se tem notícia nem mesmo acerca da manifestação do IPHAN sobre o
interesse ou não na preservação dos mesmos.

Por consequência, na condição de responsável pela tutela do


patrimônio histórico nacional, o requerido tem o dever de garantir a preservação dos bens
culturais em comento, o que requer não somente a integridade dos bens em si, como
também a observância dos princípios constitucionais que regem a matéria.

5.2. Responsabilidade do DNIT

O DEPARTAMENTO NACIONAL DE
INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT está vinculado ao Ministério dos
Transportes, incumbindo-lhe o desempenho das funções relativas à construção,
manutenção e operação da infra-estrutura dos segmentos do Sistema Federal de Viação,
sob administração direta da União nos modais rodoviário, ferroviário e aquaviário, nos
termos do art. 79 e seguintes da Lei n.º 10.233/01.

Por força do Art. 8º da Lei 11.483/2007, o DNIT, recebeu, por


transferência:

I - a propriedade dos bens móveis e imóveis operacionais da


extinta RFFSA;
II - os bens móveis não-operacionais utilizados pela Administração
Geral e Escritórios Regionais da extinta RFFSA, ressalvados
aqueles necessários às atividades da Inventariança; e
III - os demais bens móveis não-operacionais, incluindo trilhos,
material rodante, peças, partes e componentes, almoxarifados e
sucatas, que não tenham sido destinados a outros fins, com base
nos demais dispositivos desta Lei.
IV - os bens imóveis não operacionais, com finalidade de constituir
reserva técnica necessária à expansão e ao aumento da capacidade
de prestação do serviço público de transporte ferroviário,
ressalvados os destinados ao FC (Fundo Contingente), devendo a
vocação logística desses imóveis ser avaliada em conjunto pelo
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Ministério dos Transportes e pelo Ministério do Planejamento,


Orçamento e Gestão, conforme dispuser ato do Presidente da
República.

Com isto, o requerido tornou-se responsável pela gestão, em


conjunto com a ANTT, em caso de concessão, dos bens móveis e imóveis arrendados às
concessionárias do serviço de transporte ferroviário de cargas. Assim, por força do art. 82.
§4º, da Lei nº 11.483/2007, devem os requeridos, celebrarem instrumento para a
consecução do controle patrimonial e contábil dos bens operacionais na atividade
ferroviária, bem como sua fiscalização.

Além disso, o DNIT é o responsável pela guarda e destinação


dos bens móveis e imóveis não operacionais, ou seja, que não estão em uso pelas
concessionárias.

Em relação aos bens imóveis não operacionais, o DNIT atua


de modo a preservar o patrimônio ferroviário, principalmente pelo seu valor histórico,
celebrando termos de cessão de uso com as prefeituras e entidades civis interessadas na sua
utilização e preservação, em especial para as antigas estações ferroviárias. Ocorre que, a
simples existência de tratativas para tanto, não exime do DNIT a responsabilidade pela sua
conservação enquanto os instrumentos para tais parcerias não são efetivados ou nos casos
em que eles não são devidamente executados.

Por todo o exposto, é inquestionável a responsabilidade do


DNIT pelo perecimento dos patrimônios ferroviários objetos da presente ação civil pública.

5.3. Responsabilidade da UNIÃO

Conforme antes exposto, após a inclusão da RFFSA no


Programa Nacional de Desestatização - PND, a UNIÃO (Poder Concedente – art. 21, XII,

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“d”, da Constituição Federal) passou a ser diretamente responsável pelos serviços públicos
de transporte ferroviário.

Já nos contratos de arrendamento de bens que vinham sendo


utilizados na exploração dos serviços públicos de transporte ferroviário, atrelados à
concessão, foi a RFFSA que figurou como arrendadora dos bens operacionais à FCA.
Neste caso, considerando que foi repassada ao DNIT a propriedade dos bens imóveis
operacionais da extinta RFFSA (artigo 8º, inciso I, Lei nº 11.483/2007), tal autarquia é que
sucedeu a RFFSA no contrato de arrendamento.

É notável a situação de abandono de todo o patrimônio


ferroviário objeto da presente ação civil pública, fato certamente também atrelado ao
descumprimento pela FCA das suas obrigações estipuladas nos contratos de concessão e de
arrendamento. Isto porque, neles, vem expressamente consignado o dever de a
concessionária zelar/manter/conservar os bens de que tem posse. E o poder concedente, in
casu, a UNIÃO, tem o poder-dever de fiscalizar se as cláusulas contratuais estão sendo
fielmente cumpridas.

Ademais, trata-se de encargo conferido ao Poder Concedente,


dentre outros, a fiscalização do escorreito cumprimento das cláusulas constantes do
contrato de concessão, consoante o previsto na Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime
de concessão e permissão da prestação de serviços públicos:

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:


I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente
a sua prestação ;
II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais;
(...)
VI - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do
serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

E não podia ser diferente, pois é incontroverso que, por meio

69
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

da concessão, somente a execução do serviço público é transferida ao particular,


permanecendo, contudo, a sua titularidade com o Poder Público concedente, que
obviamente tem o dever de fiscalização sobre a regularidade e qualidade, notadamente para
“cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas
contratuais da concessão”.

Destarte, a UNIÃO, na qualidade de poder concedente, deve


ser compelida a fiscalizar referidos contratos de concessão de serviços de transporte
ferroviário, adotando as medidas cabíveis relativamente ao inadimplemento pelas
concessionárias, providência que deveria ter sido adotada de ofício, conforme previsão
contratual e legal: Lei nº 8.987/95 e Lei nº 8.666/93.

Vale ressaltar que, quando do encerramento do processo de


liquidação da RFFSA, por meio do qual o Governo Federal assumiu todos os seus ativos e
passivos, teve início o processo de inventário de bens, direitos e obrigações da extinta
RFFSA. Sobre o aludido processo de inventariança, a Lei nº 11.483/2007 estabelece:

Art. 4º Os bens, direitos e obrigações da extinta RFFSA serão


inventariados em processo que se realizará sob a coordenação e
supervisão do Ministério dos Transportes.
Parágrafo único. Ato do Poder Executivo disporá sobre a estrutura
e o prazo de duração do processo de Inventariança, bem como
sobre as atribuições do inventariante.
(...)
Art. 23. Ficam criados, no âmbito do Poder Executivo Federal, os
seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento
Superiores - DAS:
(...)
§ 1º Os cargos em comissão referidos no caput deste artigo
destinados às atividades de Inventariança não integrarão a estrutura
regimental do Ministério dos Transportes, devendo constar dos atos
de nomeação seu caráter de transitoriedade.
§ 2º À medida que forem concluídas as atividades de
Inventariança, os cargos em comissão referidos no § 1 o deste
artigo serão extintos.
§ 3º Ato do Poder Executivo estabelecerá a distribuição dos cargos
em comissão criados por esta Lei.

70
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

Com efeito, é possível constatar, da leitura dos dispositivos


acima transcritos, que os inventariantes ocupantes de cargo em comissão, designados para
proceder à inventariança dos bens, direitos e obrigações da extinta RFFSA, atuam hoje sob
a supervisão e coordenação do Ministério dos Transportes, cabendo, portanto, à UNIÃO, a
responsabilização pelos seus atos quando no exercício das funções de inventariança.

Como visto, a Rede Ferroviária Federal S.A.– RFFSA/SA foi


constituída como uma sociedade de economia mista integrante da administração indireta do
Governo Federal, vinculada funcionalmente ao Ministério dos Transportes, através da
coalizão de dezoito ferrovias regionais, com o objetivo de promover e gerir os interesses da
União no setor de transportes ferroviários. Em 21 de janeiro de 1976, foram criadas
superintendências regionais, como a de Belo Horizonte - SR-2, com a finalidade de agilizar
e descentralizar a administração da RFFSA.

Com a edição da Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro


de 2007, que dispôs sobre o término do processo de liquidação e extinção da RFFSA,
também foi editado o Decreto nº 6.018, de 22 de janeiro de 2007, regulamentando as ações
do processo de inventariança dos bens que posteriormente seriam transferidos aos órgãos e
entidades sucessores, e, ainda, delegando ao Ministério dos Transportes a coordenação e
supervisão dos procedimentos administrativos decorrentes da inventariança.

Como dispõe o referido Decreto, foram criadas Assessorias


da Inventariança indicadas pelos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, da
Fazenda, dos Transportes e a Advocacia-Geral da União.

Objetivando iniciar as atividades da Inventariança, foram


editadas diversas Portarias e Resoluções pelo Inventariante, delegando competência aos
assessores indicados pelos ministérios, para executar a coordenação dos inventários
correlatos as suas áreas de atuação. Para permitir a efetiva execução das atividades do
Inventário, foi elaborada proposta de “Estrutura Organizacional da Inventariança”,
71
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

aprovada por intermédio da Portaria nº. 101 do Ministério dos Transportes, de 20 de abril
de 2007.

Uma das principais diretrizes implementadas pela Assessoria


vinculada ao Ministério dos Transportes foi a adoção de medidas visando a não interrupção
das tarefas desenvolvidas pela extinta RFFSA, em consonância com a busca do
atendimento ao princípio de continuidade da prestação de serviços públicos.

Nesta toada, no que tange as atribuições da Assessoria do


Ministério dos Transportes, os bens operacionais e não-operacionais seriam transferidos ao
Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT, enquanto os contratos de
arrendamentos seriam transferidos para a ANTT.

Dentre os bens que deveriam ser inventariados, estariam


incluídos como operacional um quantitativo de 47.937 locomotivas e vagões, 30.771 itens
de bens móveis, 25.843 km de malha ferroviária, 52.336 bens imóveis, além dos bens
móveis não-operacionais que somam 8,8 milhões de unidades (KG, L, M, M3, etc) a serem
inventariados.

Todo esse trabalho deveria ser desenvolvido pelas unidades


Regionais da Inventariança da extinta RFFSA dentro do curto prazo de 1 (um) ano,
conforme previsto no art. 13 do Decreto nº 6.018/2007, sendo a URBEL (UNIDADE
REGIONAL DE BELO HORIZONTE), a responsável por uma malha operacional de 4.74
km e por uma malha erradicada/desativada, de 2.637 km.18

Ressalte-se que os imóveis não operacionais passaram ao


patrimônio da UNIÃO, por força do art. 2º, inciso i, da Lei nº 11.483/2003. Atualmente,
esses imóveis são geridos pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ligada ao

18 Mais informações em: <http://www.rffsa.gov.br/principal/Relatorio_19_trimestre.pdf>, acesso em 21 set


2017.
72
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Um dos objetivos da Assessoria


do Ministério do Planejamento, é a transferência ao IPHAN dos bens móveis de valor
artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA. O MPOG é o responsável por
autorizar a ocupação dos imóveis públicos federais, estabelecendo diretrizes para
permissão de uso, promoção, doação ou cessão gratuita, quando houver interesse público.

5.4. Responsabilidade da FCA

O Decreto Presidencial nº 473/92 incluiu no Programa


Nacional de Desestatização - PND, dentre outras empresas, a Rede Ferroviária Federal
S/A. O modelo de desestatização aplicado para a privatização dos serviços de transporte
ferroviário separou o patrimônio ferroviário do país em seis regiões, denominadas de
malha.

Em leilão realizado em junho de 1996, a FERROVIA


CENTRO ATLÂNTICA obteve a concessão da Malha Centro-Leste da RFFSA. Em
decorrência do resultado do procedimento licitatório, em agosto do mesmo ano, a Rede
Ferroviária Federal S.A, na qualidade de arrendadora, firmou com a citada concessionária,
na qualidade de arrendatária, contrato de arrendamento de bens vinculados à prestação do
serviço público de transporte ferroviário (Contrato nº 048/96), assim como foi celebrado,
no mesmo ano, contrato de concessão, com vigência de 30 anos, prorrogável pelo mesmo
período, do qual participaram a UNIÃO, por intermédio do Ministério dos Transportes, e a
FCA, tendo por objeto a concessão para exploração e desenvolvimento do serviço de
transporte público de transporte ferroviário de carga da Malha Centro-Leste, constituída
pelas então Superintendências Regionais de Belo Horizonte (SR2), de Salvador (SR7) e de
Campos (SR8).

Em setembro de 1996, iniciou-se a operação dos serviços


públicos de transporte ferroviário de cargas.

73
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

A UNIÃO, por intermédio do Ministério dos Transportes, e a


FCA, celebraram contrato de concessão19 para exploração e desenvolvimento do serviço
público de transporte ferroviário de carga na malha centro-leste, que estabeleceu:

Cláusula Nona
9.1 – Das obrigações da concessionária:
(…)
XIV – Zelar pela integridade dos bens vinculados à Concessão,
conforme normas técnicas específicas, mantendo-os em perfeitas
condições de funcionamento e conservação, até a sua transferência
à Concedente ou à nova Concessionária;

No contrato de arrendamento20, em sua cláusula quarta (das


obrigações da arrendatária), por sua vez, estatuiu-se que:

“Cláusula Quarta – Das obrigações da arrendatária


A ARRENDATÁRIA assume perante a RFFSA as obrigações a
seguir relacionadas:
I) não se exonerar das responsabilidades decorrentes deste
contrato, transferindo-as a terceiro(s);
(...)
III) manter as condições de segurança operacional e
responsabilizar-se pela conservação e manutenção adequadas dos
bens objeto deste contrato, de acordo com as normas técnicas
específicas e os manuais e instruções fornecidas pelos fabricantes;
(…)
IX) abster-se de descaracterizar os imóveis arrendados, e de
invocar quaisquer privilégios sobre os mesmos;

Saliente-se, que a FCA presta o serviço público de transporte


ferroviário por força de contrato de concessão celebrado com o Poder Público Federal,
submetendo-se, portanto, aos termos do respectivo instrumento de delegação e às normas
do ordenamento jurídico que regem a matéria.

19 Disponível em : <http://appweb2.antt.gov.br/concessaofer/contratos/fca.pdf>, acesso em 11/06/2017.


20 Disponível em: <http://appweb2.antt.gov.br/concessaofer/contratos/fca_arrendamento.pdf>, acesso em
11/06/2017.
74
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a concessão de


serviço público é o “contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a
outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por
sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração
decorrente da exploração do serviço.”21

Esse tipo de contrato busca conciliar os interesses do Estado,


consistente na adequada prestação do serviço público à população, com aqueles do
concessionário, que normalmente objetiva o lucro na exploração da atividade. Isso faz com
que a empresa concessionária se submeta a um regime jurídico híbrido, composto por
normas de direito público e privado. Ainda segundo Maria Sylvia:

Como empresa privada, ela atua, em regra, segundo as normas do


direito privado, no que diz respeito a sua organização, a sua
estrutura, as suas relações com terceiros […]; como prestadora de
um serviço público, sua relação com a Administração concedente
se rege inteiramente pelo direito público, já que a concessão é um
contrato tipicamente administrativo.22

Portanto, diante da situação fática narrada, indubitável que a


FCA descumpre suas obrigações legais e contratuais ao manter sem uso e abandonadas as
estações ferroviárias que são objeto de tutela da presente ação civil pública e que se
enquadrem dentro do escopo do contrato de arrendamento celebrado.

Calha asseverar que foi uma tônica durante as apurações


levadas a cabo pelo MPF dúvidas a respeito da condição de operacional ou não de parcela
do patrimônio da extinta RFFSA, neles englobados bens de interesse histórico e cultural,
como algumas estações. Nessa quadra, vários imóveis foram, ao longo da execução do
contrato, transferidos do DNIT para a UNIÃO, com os respectivos reflexos no contrato de
arrendamento celebrado com a FCA. Ocorre que, enquanto essas questões burocráticas

21 In Parcerias na Administração Pública : concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-


privada e outras formas. 5ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo : Atlas, 2006, p. 93.
22 Idem, p. 94.
75
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

eram resolvidas, os bens culturais iam sendo deixados à míngua, como se literalmente não
tivessem dono, tanto é assim que sujeitos à depredação e invasão. Nessa toada, a FCA
eximia-se sempre da responsabilidade pelo cuidado com os mesmos, postura certamente
indevida uma vez que não há dúvida de que, pelo menos em alguma parcela de tempo,
ainda que por avaliação inadequada da operacionalidade, esteve a seu cargo a gestão
de bens culturalmente protegidos, tendo a concessionária sempre se eximido de
responsabilidade e inclusive das provocações do MPF para discutir a questão mediante a
celebração de termos de ajustamento de conduta ou simples participações em reuniões
propostas.

5.5. Responsabilidade da ANTT

A ANTT é a autarquia responsável pela fiscalização do


contrato de concessão e arrendamento firmado entre o Poder Público Federal e a
concessionária na prestação do serviço público de transporte ferroviário deles decorrente.

A Lei nº 10.233/01 criou a AGÊNCIA NACIONAL DE


TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT e atribuiu-lhe a incumbência de regulação da
prestação do serviço público de transportes ferroviários. Dentre as suas competências
legais, a referida lei outorgou-lhe o poder-dever de “fiscalizar a prestação dos serviços e a
manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições
avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento” (art. 24, VIII).

Especificamente em relação ao transporte ferroviário,


sobredito diploma legal conferiu à ANTT as seguintes atribuições:

Art. 25. Cabe à ANTT, como atribuições específicas pertinentes ao


Transporte Ferroviário:
I – publicar os editais, julgar as licitações e celebrar os contratos de
concessão para prestação de serviços de transporte ferroviário,

76
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

permitindo-se sua vinculação com contratos de arrendamento de


ativos operacionais;
II – administrar os contratos de concessão e arrendamento de
ferrovias celebrados até a vigência desta Lei, em consonância com
o inciso VI do art. 24;
III – publicar editais, julgar as licitações e celebrar contratos de
concessão para construção e exploração de novas ferrovias, com
cláusulas de reversão à União dos ativos operacionais edificados e
instalados;
IV – fiscalizar diretamente, com o apoio de suas unidades
regionais, ou por meio de convênios de cooperação, o
cumprimento das cláusulas contratuais de prestação de serviços
ferroviários e de manutenção e reposição dos ativos arrendados;
V – regular e coordenar a atuação dos concessionários,
assegurando neutralidade com relação aos interesses dos usuários,
orientando e disciplinando o tráfego mútuo e o direito de passagem
de trens de passageiros e cargas e arbitrando as questões não
resolvidas pelas partes;
VI – articular-se com órgãos e instituições dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios para conciliação do uso da via
permanente sob sua jurisdição com as redes locais de metrôs e
trens urbanos destinados ao deslocamento de passageiros;
VII – contribuir para a preservação do patrimônio histórico e da
memória das ferrovias, em cooperação com as instituições
associadas à cultura nacional, orientando e estimulando a
participação dos concessionários do setor.
VIII - regular os procedimentos e as condições para cessão a
terceiros de capacidade de tráfego disponível na infraestrutura
ferroviária explorada por concessionários.
Parágrafo único. No cumprimento do disposto no inciso V, a ANTT
estimulará a formação de associações de usuários, no âmbito de
cada concessão ferroviária, para a defesa de interesses relativos aos
serviços prestados. (grifo nosso)

Pelo esboço delineado, verifica-se que a FCA é a


concessionária de serviço público de transporte ferroviário da malha ferroviária Centro-
Leste da RFFSA, mas cabe à ANTT a fiscalização do serviço público concedido pela
UNIÃO. Forçoso concluir, assim, que o poder-dever fiscalizatório da ANTT não tem sido
exercido de maneira satisfatória.

A ANTT tem o dever legal de buscar a preservação dos bens


da extinta RFFSA, bem como fiscalizar o cumprimento das cláusulas contratuais de

77
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

prestação de serviços ferroviários e de manutenção e reposição dos ativos arrendados.


Também cabe a ela, fiscalizar se o DNIT está cumprindo adequadamente as atribuições que
lhe foram cometidas, quando no exercício do controle patrimonial e contábil dos bens
operacionais na atividade ferroviária.

Portanto, deve a ANTT ser compelida a atuar e fiscalizar


para que a concessionária cumpra as obrigações constantes do contrato, especialmente, a
de manter em bom estado os bens necessários ao desempenho da concessão. Por tais
motivos é que se busca a obtenção de decisão judicial que determine que a demandada
cumpra efetivamente as obrigações que lhe foram impostas por lei, vez que, como agência
reguladora, integrante da Administração Pública Indireta, está infringindo diretamente o
princípio administrativo da eficiência.

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

6. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A Constituição da República determina que compete aos


juízes federais processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou
empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral
e à Justiça do Trabalho (…)” (CF, art. 109, I).

Evidente, pois, a competência da Justiça Federal para o


julgamento da causa em questão, seja porque o polo ativo é integrado pelo Ministério
Público Federal, seja ainda porque a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES
TERRESTRES - ANTT, o INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL - IPHAN, o DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRANSPORTES
TERRESTRES – DNIT e a UNIÃO figuram no polo passivo.

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

7. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A presente demanda decorre da busca do cumprimento do


dever que a Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público, ao dispor que
uma de suas funções institucionais consiste, exatamente, em promover a ação civil “[…]
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos” (art. 129, inciso III).

Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial


à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
“Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos;

Da mesma forma que a Constituição da República dispõe


sobre a legitimidade do Ministério Público Federal para atuar no presente caso, a Lei
Complementar nº 75/93, prevê em seu art. 6º, VII, “b” e “d”, que compete ao Ministério
Público da União promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses individuais
indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

Finalmente, a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.437/85),


em seu artigo 1º, inciso IV, também legitima o Ministério Público para a defesa dos
interesses difusos e coletivos tais como os tratados nesta demanda.

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

8. DOS DANOS MORAIS COLETIVOS

Evidencia-se, no caso sub judice, o nexo de causalidade entre


a ação omissiva dos órgãos públicos que compõem o polo passivo da presente demanda e
os danos causados ao patrimônio público em questão, de relevante valor cultural e
histórico.

Em se tratando de violação de direitos coletivos e mesmo


difusos, a condenação por dano moral se justifica tão somente pela sua violação, ou seja,
decorre da própria situação de fato criada pela conduta dos agentes, o que torna
desnecessária a prova do efetivo prejuízo, na medida em que se presume em face da
própria lesão aos direitos extrapatrimoniais da coletividade.

Acerca do tema, Carlos Alberto Bittar Filho conceitua o dano


moral coletivo como:

(…) injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou


seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores
coletivos. (...) Quando se fala em dano moral coletivo, está-se
fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma
certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista
jurídico : quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria
cultura, em seu aspecto imaterial.
Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também
não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se
responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in
re ipsa).23

Nessa esteira, aliás, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já


reconhece faz algum tempo a possibilidade de fixação de indenização por dano moral
coletivo, o qual deve ser aferido in re ipsa, como se observa:

23 Dano moral coletivo no atual contexto brasileiro . Revista de direito do consumidor n. 12. São Paulo:
Revista dos Tribunais, out-dez, 1994, p. 55.
81
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ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE – PASSE LIVRE –


IDOSOS – DANO MORAL COLETIVO – DESNECESSIDADE
DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO –
APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL –
CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE
DIREITO – ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA
DE TRANSPORTE – ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO –
LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e
atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de
comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral
coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades
percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação
jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de
dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação
na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e
coletivos.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos
a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do
passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados,
quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a
apresentação de documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o
sistema normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as
circunstancias fáticas e probatória e restando sem
prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.
6. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA, julgado em 1º/12/2009, DJe 26/02/2010).

Assim, não há dúvidas sobre a possibilidade de fixação de


indenização no caso dos autos, pois a degradação, o descaso e os prejuízos ao patrimônio
público da extinta RFFSA, trouxeram abalos significativos à coletividade.

Deve-se ter em conta que a reparação pelos prejuízos à


coletividade somente se dará de forma completa em sendo observada a sua função punitiva
e inibitória, mediante a fixação de indenização pelos danos causados.

Trata-se, de fato, do caráter punitivo-preventivo que informa


a responsabilização pelo dano moral coletivo, já que sua previsão não apenas objetiva
82
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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compensar a coletividade, revertendo o valor pecuniário em favor de finalidade que a todos


aproveita, como tem, por fim, punir aquele que, de forma ilícita, violou interesse
metaindividual.

Isso porque, mediante a imposição de grave sanção jurídica


para condutas como as dos demandados, confere-se real e efetiva tutela aos direitos
históricos e culturais, assim como a outros bens jurídicos transindividuais.

Portanto, ao se ponderar acerca de verba indenizatória por


dano moral de caráter coletivo, não se pode olvidar a natureza do interesse que o instituto
visa a proteger, bem como a função que exerce no sistema afeto à tutela coletiva.

83
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS

9. DOS PEDIDOS

Embora se pudesse falar em perigo da demora e também


evidência sobre a procedência dos pedidos a seguir lançados, tem-se que a complexidade
da demanda – e do próprio pedido aviado, envolvendo atribuições de diversos órgãos,
recomenda o exauriente, embora mais célere possível, transcurso do contraditório, com
oportunidade de apresentação de contestação, assim como de eventual conciliação e
produção de provas, proferindo-se em seguida sentença. Por tal motivo, a presente ação
civil pública é apresentada, pelo menos neste momento inicial, sem pedido liminar de
antecipação de tutela, sem prejuízo de posterior formulação caso assim se entenda
necessário.

Já há nos autos, no entanto, prova farta dos fatos e a


verossimilhança das alegações, que estão estampadas em diversos documentos juntados
aos autos dos inquéritos civis públicos e notícia de fato que instruem a presente ação.
Ademais, não se pode esquecer que todo esse complexo de bens se traduz na memória da
ferrovia do Brasil, e, principalmente, no caso em tela, da memória das cidades que se
desenvolveram a partir da inauguração dessas estações e imóveis ferroviários. A perda
desses bens acarretará um prejuízo inestimável à história e cultura ferroviária, que no caso
está umbilicalmente ligada à história do desenvolvimento socioeconômico da região
Centro-Oeste de Minas Gerais. Ou seja, se perderá um patrimônio que as origens e a
história das referidas cidades. E isso, indiscutivelmente, é irreparável.

Não há como tolerar o comportamento omisso dos


demandados, que insistem em se manter inertes mesmo sabendo da grave situação
ocorrida a respeito do patrimônio ferroviário que se visa tutelar na presente demanda.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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DIANTE DE TODO O EXPOSTO, requer-se em caráter


definitivo condenação dos requeridos consistente na determinação de:

1. Obrigação de fazer, para que os requeridos, sob


coordenação de algum deles, em prazo breve estipulado em sentença, realizem um
levantamento das medidas imediatas necessárias para garantir a interidade do que resta das
Estações Timboré, Formiga, Garças de Minas, Tigre, Tapiraí, Carmo do Cajuru, Angicos e
Santanense;

2. Obrigação de fazer, para que os requeridos, sob


coordenação de algum deles, em prazo estipulado em sentença, realizem um levantamento
de todos os bens imóveis ferroviários existentes nas linhas Angra dos Reis/Goiandira;
Garças de Minas/Belo Horizonte e Estrada de Ferro Paracatu, localizados nos municípios
sujeitos à competência desse juízo, que possuam relevância histórica e cultural,
contemplando necessariamente a classificação de quais deles são bens operacionais e quais
deles são não operacionais;

3. Obrigação de fazer, para que os requeridos, sob


coordenação de algum deles, em prazo estipulado em sentença, apresente em Juízo e
execute plano a ser aprovado pelo corpo técnico pericial do MPF - ou outro órgão
habilitado ou perito designado por esse Juízo – contendo, com necessário estabelecimento
de metas, prioridades e alocação de recursos, as medidas a serem adotadas por cada um dos
requeridos para tornar efetivas suas obrigações previstas na Lei nº 11.483/2007, no sentido
de zelar pela guarda e manutenção das estações ferroviárias e imóveis da extinta RFFSA
com relevância histórica e cultural, na forma identificada nos dois ítens supra;

Outrossim, requer-se seja fixado relativamente a cada um


dos demandados multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por descumprimento das
obrigações impostas nos primeiros três itens, bem como sejam determinadas, se o caso for,

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as medidas necessárias para o cumprimento da tutela aqui requerida, inclusive restrições ou


suspensão à Ferrovia Centro-Atlântica – FCA, do transporte ferroviário de cargas nos
trechos supra mencionados;

4. Obrigação de fazer, para que a UNIÃO, poder concedente,


seja compelida a fiscalizar os contratos de concessão de serviços de transporte ferroviário
celebrados com a concessionária Ferrovia Centro-Atlântica – FCA, notadamente no que
tange à guarda e conservação dos bens e, uma vez constatada prática de inadimplemento,
adote as medidas cabíveis, previstas tanto no respectivo contrato, como na Lei nº 8.987/95
e na Lei 8.666/93, tendentes a sanar as irregularidades apuradas, apresentando em Juízo
comprovação das medidas adotadas.

5. Obrigação de pagar, para que demandados efetuam


ressarcimento monetário pelos danos morais coletivos causados em razão do
descumprimento de suas obrigações legais e contratuais na guarda e zelo dos citados
imóveis, da extinta RFFSA, em montante a ser arbitrado por esse juízo e não menor que R$
1.000.000,00;

6. Obrigação de pagar verbas de sucumbência.

REQUER-SE AINDA, visando o regular processamento do


feito:

6. o RECEBIMENTO e autuação da presente ação civil


pública, protocolada eletronicamente e instruída com peças selecionadas dos inquéritos
civis públicos e da notícia de fato, em epígrafe, indicadas como documento numerado;

7. a CITAÇÃO dos demandados, para, querendo,


contestarem a presente ação no prazo legal, advertidos dos efeitos da revelia;

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8. a DESIGNAÇÃO de audiência de conciliação somente


após a apresentação da contestação;

Além do que consta dos autos dos inclusos inquéritos civis e


notícia de fato, pretende-se provar o alegado, caso necessário, por todos os meios de prova
admitidos em direito, notadamente prova documental, pericial e testemunhal, bem assim
inspeção judicial, tudo que se fizer necessário à plena comprovação dos fatos.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de


reais, para efeito meramente estimativo).

Divinópolis, 02 de outubro de 2017

LAURO COELHO JUNIOR


Procurador da República

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