Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SISTEMA INTERNACIONAL
No contexto das relações internacionais determinados elementos
estruturantes representam as unidades de um conjunto de variáveis que
permitem quantificar, estruturar e ordenar as relações entre os diversos sujeitos,
actores e agentes que compõem o xadrez geopolítico das relações internacionais.
1
MARINHO, Naira Carneiro. Ubi societas, Ubi Ius: O Processo Natural de Regulação Proveniente das Relações
em Sociedade. Editora: Forteleza, Ceará, 2019. P. 29
2
ABREU, Dalmo DE. Teoria Geral do Estado: Concepção Naturalista e Contratualista. Editora: Lisboa. Lisboa
2005. P. 38
2
Teoria da corrente Contratualista: esta teoria consagra uma
visão diferente da primeira, teorizado por Thomas Hobbes,
Jean Jack Rosseaux e Jonh Luck, os autores divergem com
a corrente anterior e compreendem que para que haja
harmonia dentro na sociedade, o indivíduo necessita de
proceder a transferência da legitimidade a uma entidade
com competência para gerir o Estado. Esta teoria,
fundamenta a necessidade de extinção do princípio
“Homo Homini Lupus”, ou seja o homem é o lobo do
próprio homem, defendendo que o Estado surgiu por meio
de um contracto social através do qual os indivíduos
delegam os seus direitos a um órgão supremo de modos a
garantir paz, a justiça social bem como promover a
segurança, passando a fase de Estado de natureza para o
Estado de sociedade.
A corrente Hegeliana: conhecida também como a teoria “divina”,
do filósofo Alemão, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, traz uma abordagem
meramente religiosa, reconhecendo um ser transcendental, uma realidade
substancial e racional, para este actor o Estado surge através de uma inspiração
“divina”, por meio da incarnação do Espírito de Deus, rejeitando desta forma as
duas teorias acima levantada3.
A corrente Marxista: Esta teoria, que tem seus percursores Karl Marx
e Friedrich Engels, remete a explicação do surgimento do Estado através luta de
classes. Apresenta-se como uma corrente que perspectiva o surgimento do
Estado através de uma racionalidade económica. O fundamento desta visão,
assenta no facto de que o Estado surge por via da divisão de classes, entre
aqueles que detêm os meios de produção e classe proletária, que oferece a mão-
3
NICOLOU, Marcos Fábio, Alexandre. A Ciência da Lógica o no Sistema Hegeliano. Editora: FUNCAP,
Brasília, 2010. P. 12
3
de-obra. Neste sentido, Marx e Engels, consideram o Estado como um aparelho
dominante defendendo os interesses da classe capitalista em relação a classe
proletária4.
Corrente organicista: Os percursores desta corrente são Friedrich
Ratzel, Rudolf Kjellen e Spencer. Divergindo com as anteriores teorias, defende
que o Estado apresenta-se como um organismo natural semelhante a todos os
seres vivos, ou seja, o Estado, por via da antropomorfização, nasce, cresce e
morre. Tal como processo, ocorre no seio de um espaço geográfico, adaptando a
novas realidades quer sejam estas políticas, económicas e culturais5.
1.1.1. Conceito de Estado.
A existência do Estado pressupõe a organização política de um povo,
que controlo soberanamente um território com vista a garantir a justiça e
assegurar o bem-estar da colectividade6.
Assim, o Estado representa uma organização político-jurídica de uma
sociedade de uma sociedade, dispondo de órgãos próprios que exercem o poder
sobre um determinado território interno. Desta interpretação, depreende-se que a
figura do Estado existe pois a sociedade acredita que sem ele não é possível manter
a paz interna, nem assegurar a defesa externa.
Por outro lado, Bonavides levanta um ponto de inflexão mais
adensado, conceituando que, o Estado é a instituição por excelência que organiza e
governa um povo, soberanamente, em determinado território7. O Estado representa
todos os cidadãos, sendo uma entidade pública, responsável pela formação das
instituições públicas, em todas as áreas, como educação, saúde e segurança, sendo
4
DONÁRIO, Arlindo Alegre; SANTOS, Ricardo Borges. A Teoria de Karl Marx. Editora: CARS, Lisboa, 2007.
P.8
5
RATZEL, FRIENDRICH. A Geopolítica como Área de Estudo. Editora: PUC-RIO. Rio de Janeiro, 2018. P.23
6
GOMES, M. A formação do povo grego e as cidades estado. https://pt.slideshare.net. 07/01/2011. Disponível
em: <https://pt.slideshare.net/mariafimgomes/a-formao-do-povo-grego-e-das-cidades-estado> Acesso em:
15/05/2021
7
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Edição: 10ª. Revista e Actualizada. 9ª. Tiragem. São Paulo: Helvética,
2000. P.27.
4
este uma construção lógica e política, baseada em preceitos jurídicos e culturais,
formando com a sociedade um contrato de convivência.
De maneira sintética, importa destacar certas funções própria da
natureza do Estado para a posterior, aquando do aprofundamento do trabalho,
possibilite uma compreensão mais ampla sobre a posição do Estado no Sistema
Internacional bem como dos elementos partes desta monografia.
Neste sentido, para que o Estado possa garantir o normal
funcionamento das suas estruturas bem como proporcionar bem-estar para a sua
colectividade territorial, este exerce determinadas funções específicas a ele
inerente, sendo estas as seguintes8:
Função governativa
Função Legislativa
Função Administrativa
Função Judicial
Em suma, estas quatro funções permitem com que o Estado preserve
certas prerrogativas e permite com que as suas instituições se auto-regulem e
promovam a satisfação das necessidades dos seus cidadãos. Entretanto, não
obstante o Estado ser dotado destes elementos, para que o mesmo possa ser
considerado um órgão legítimo de facto, necessita de possuir as seguintes
características:
População
Poder Político
Território.
A população representa a unidade orgânica que procede ao normal
funcionamento do Estado, o poder político é, portanto, a representação legítima
daqueles que se responsabilizam, através da sua escolha por meio do contrato-
social e por fim, o território, subsiste como um espaço geográfico definido por
8
BRITO, Figueira. O Papel do Estado, suas Funções. 2ª Edição. Editora: OLISSIPO. Lisboa, 2015. P.9.
5
fronteiras terrestre, marítimas e aéreas onde o governo exerce uma autoridade
directa sobre as suas populações e recursos dentro deste espaço geográfico.
Entretanto, no actual contexto das relações internacionais, surge um quarto
elemento que representa uma das características para que se possa constituir um
Estado. Tal pressuposto, encontra fundamento no Direito Internacional Público,
sendo o reconhecimento internacional.
No plano jurídico, o Estado é a pessoa de Direito Internacional
Público9, dotado de capacidade jurídica plena, tanto no âmbito interno, quanto
no externo, recordando-se que nem as organizações internacionais e nem a
pessoa humana, apesar da importância que esta ocupa na actualidade, possuem a
totalidade e a extensão dos poderes inerentes à situação jurídica do Estado.
Por fim, mais do que constituir-se de maneira singular como uma
entidade interna, o Estado desempenha igualmente uma acção externa, sendo
que tais acções têm lugar no que doutrinariamente designa-se como Sistema
Internacional.
1.2. A Evolução histórica do sistema internacional.
A interdependência das economias e a conciliação de políticas
eliminam hipóteses de conflito e consolidam uma economia e uma política forte
de união. É neste sentido que os Estados, com vista a alcançarem os seus mais
profundos interesses, quer seja no âmbito económico, político-diplomático ou
securitário, interagem entre si, e esta interação ocorre no contexto do sistema
internacional.
Raymond Aron definiu Sistema Internacional como um conjunto
constituído por unidades políticas que mantêm entre si relações regulares e que
todas são susceptíveis de ser implicadas numa guerra geral10.
9
Direito Internacional Público é um conjunto de normas e valores, sejam elas positivas e costumeiras que se
aplicam no contexto internacional com vista a regular as relações entre os sujeitos de direito internacional.
MANGUEIRA, Joaquim Belo. O Direito Internacional e a Endoculturação de Valores. Editora: Setúbal. Luanda,
2007. P. 20.
10
Raymond Aron, Apud FERNADES António José. Relações Internacionais Contemporâneas. Do Mundo da
Europa à Europa do Mundo. Editora: universidade do vale do Itajaí. Itajaí, 1998. P. 104
6
Desta definição, entende-se que a intensidade das relações regulares
de todos os actores partes do SI e os mecanismos que os unem criam um
ambiente em que um fenómeno como a guerra ou ainda uma crise económica
afectaria não somente as partes que desenvolvem tal conflito, mas também todos
membros que participam do sistema.
Ainda assim, esta visão apresenta-se simplista, pois que olha
unicamente o Estado como único actor do SI, descurando a presença de outros
actores.
Para Paulo Laraburu, a compreensão de Sistema Internacional está
relacionada a interacção entre diversos actores, tanto directa ou indirectamente e
onde as intenções e movimentações dos mesmos se repercutem sobre o ambiente
que os abriga11.
Assim, Paulo Laraburu, coloca uma definição mais abrangente e
completa, pois enfatiza elementos de pluralidade e destaca o facto de que não
são somente os Estados os únicos actores intervenientes no sistema
internacional. Laraburu faz menção a questão de que os fenómenos que ocorrem
no sistema afectam directamente os mais variados actores em função da
existência da interdependência entre estes.
Deste modo, percebe-se que o sistema internacional é um ambiente
onde os mais variados actores desenvolvem as suas relações e para isso usam
vários meios. Não obstante a isso, como estes actores possuem os seus próprios
interesses, existe assim dentro do sistema uma constante luta para os satisfazer,
facto que torna o sistema internacional num ambiente propenso a existência de
conflitos.
Em termos característico o sistema internacional é anárquico, todavia,
a anarquia neste contexto não pode ser compreendida como a existência de
11
Disponível em: http://visaglobal.blogspot.com/2008/06/o-conceito-dessitemainternacional.html?m=1. Pesquisa
efectuada aos 21-11-20 20 as 10hrs33 min.
7
guerra todos contra todos, pois existe naturalmente uma relativa moralidade que
conduz as relações entre os actores neste mesmo sistema12.
16
MALATESTA Errico. Anarquismo e anarquia. Editora, faísca. Net. 2009.p,4.
17
O Direito Internacional é o conjunto de normas elaboradas para regulamentar as relações externas, sejam elas
entre os Estados, particulares ou organizações. Dados os diferentes interesses dos actores internacionais, o direito
internacional busca promover uma convivência harmoniosa e solucionar possíveis conflitos.
18
SOUSA Fernando. Dicionário de Relações Internacionais. Edições Afrontamento, Lisboa.2005. Op. Cit,p.13.
9
Num sistema anárquico denota-se a necessidade de cada Estado
constituir-se o único guardião da sua própria característica soberana, sua
independência e sua segurança. Mas ainda assim, existe implicitamente uma
relativa moralidade que conduz as relações entre os actores neste mesmo
sistema.
Assim, para Hedley Bull, tendo em conta a característica de soberania
inerente aos Estados, nenhum Estado está sujeito a um Governo Comum, e que
sendo assim, existe uma “anarquia internacional”19.
Neste contexto, embora o sistema internacional se configure como
anárquico e apresente vários actores que em função da ausência de uma entidade
que corporiza o poder e a falta de um “Estado Gendarme 20” que rege por
intermédio da força as variadas relações, estes desenvolvem a cooperação entre
si tendo em conta os mais diversos interesses que partilham em comum, deste
modo surge uma relativa ordem determinada por instituições e normas.
A existência da pluralidade de actores internacionais dá-se pelo facto
de todos os agentes ou ainda protagonistas possuírem a capacidade de intervir
em questões de várias ordens, de modo a atingirem os seus objectivos. A
pluralidade dos actores se traduz na existência de vários centros de decisões.
Para Hudley Bull, cada actor possui um governo e afirma a sua
soberania com reclamação a uma parte da superfície terrestre e tal ocorre quando
os Estados traçam a sua política externa21.
Segundo Philippe Braillard, tal visão das Relações Internacionais
enfatiza a interdependência existente entre os Estados. Pois as relações
internacionais contemporâneas não obedecem o paradigma levantado pelos
ideais conflitual e inter-estatal realista22. Sendo que depois do término da Guerra
19
BULL Hedley. A Sociedade Anárquica, IPRI, São Paulo, 2002, p.57.
20
Estado Gendarme é aquele cuja única função é manter a ordem pública, monitorando e protegendo a liberdade
recíproca dos indivíduos dentro da lei. É, portanto, a antítese do Estado intervencionista em questões
económicas, sociais, técnicas e culturais, cuja manifestação mais aguda é encontrada no Estado totalitário.
21
BULL Hudley : A Sociedade Anárquica, IPRI, São Paulo,2002, P.13.
22
SOUSA, Fernando de, Dicionário de Relações Internacionais. Edição Afrontamentos,Lisboa,2005. P.187.
10
Fria23, e com o desenvolvimento da tecnologia bem como do processo de
globalização, houve uma maior aproximação entre os diversos actores
internacionais que contribuiu para se criar um maior fluxo de interação entre
estes.
Contundo, o determinante do comportamento dos actores no sistema
internacional ocorre em função das características do próprio sistema que tendo
em conta a distribuição do poder cria o seu próprio alinhamento.
1.3.1. A Distribuição do poder no sistema internacional
Partindo do pressuposto de que este trabalho se propõe a analisar a
ordem e estrutura do sistema internacional, torna-se imperioso compreender as
nuances da distribuição do poder que são igualmente característica do próprio
sistema, bem como, entender até que ponto tal influencia para a existência de
determinada ordem entre os mais variados actores partes do sistema.
Deste modo, no que se refere a distribuição do poder, o SI configura-
se em : Sistema unipolar: este sistema possui o poder como elemento
central e a concentração deste mesmo poder em um único pólo. Aqui, existe um
actor com maior poder que os seus semelhantes. Por outro lado, este sistema
pode ainda dar lugar a três tipos de sistema, nomeadamente;
Confederação mundial; entende-se como aquela que tem origem em
decorrência de um processo de integração mundial, com a existência de um
único Governo que uma vez concebido, actuaria sobre todos os outros governos
nacionais e não directamente sobre os indivíduos. O que resultaria na
diminuição da característica soberana dos Estados membros desta mesma
confederação. São exemplos os Estados Federados.
23
Guerra Fria é uma expressão cunhada por Bernard Baruch, conselheiro de Roosevelt, para qualificar o período
compreendido entre os finais da Segunda Guerra Mundial (1945) e a queda do muro de Berlim (1989), período
também qualificado por Raymond Airon, de guerra improvável, paz impossível uma vez que a dissuasão nuclear
impediu as duas super-pontências rivais, EUA e URSS, de desencadearem uma guerra, mas sendo também a paz
impossível, uma vez que os dois actores em causa eram adversários.
11
Estado Universal; este surgiria dentro de uma integração 24 completa.
Dela resultaria a criação de uma comunidade mundial, o que daria lugar a
extinção do nacionalismo e a consequente divisão do actual sistema de Estados
separados por fronteiras terrestres.
Império Mundial; resultaria sob a existência de um Estado
hegemónico com a capacidade de centralizar em si o poder mundial. Tal Estado,
passaria assim, a dominar o globo por meio da demonstração de força que se
entenderia superior com uma capacidade de neutralizar ou aniquilar rapidamente
e por intermédio do poder militar, qualquer outro que pudesse surgir e perigar o
seu status quo25 dentro do sistema.
Sistema Bipolar: Neste tipo de sistema, diferente do sistema unipolar
o poder centraliza-se em dois polos. Tem como composição a existência de duas
superpotências que disputam entre si a hegemonia do poder mundial. Cada uma
delas possui um grau de poder incomparavelmente superior em relação a
qualquer outro Estado parte do sistema. No entanto, aqui não se regista uma
confrontação directa entre os mesmos, partindo do pressuposto que há o receio
da destruição mútua, desloca-se assim a confrontação para as áreas periféricas26.
Um exemplo de sistema bipolar ocorreu aquando da Guerra Fria, onde
havia a coabitação de duas superpotências. Por um lado, os EUA, que liderava o
bloco capitalista, e por outro lado, a União das Repúblicas Socialistas e
Soviéticas (URSS) que liderava o bloco socialista27.
24
Bela Balassa define integração como sendo um processo e um e um estádio. Como processo, a integração
entende-se como as medidas que visam a supressão da discriminação entre as entidades económicas que
resultariam da existência de diferentes Estados nacionais. Por outro lado, como estádio, Bela Balassa, considera
a integração como a ausência de diferentes formas de discriminação entre as entidades económicas nacionais.
25
Status quo é uma expressão abreviada de “in status quo ante”, que significa “no estado em que as coisas
estavam anteriormente”. Status quo é uma expressão que remete para o estado das coisas e situações, e por isso
em Relações Internacionais, quando utilizada, vem geralmente acompanhada de expressões como manter,
defender ou mudar.
26
Entende-se por áreas periféricas ou periferia, aqueles países que geográficas e economicamente encontram-se
numa fase de subdesenvolvimento, em oposição aos países do centro, constituídos pelos países industrializados.
O modelo centro-periferia é um esquema explicativo das relações entre dois espaços.
27
CRSITOVAO, António Lopes. Apontamentos de Relações Internacionais, Instituto de Relações
Internacionais/MIREX,2016.
12
Sistema multipolar: aqui partilha-se o poder em mais de dois polos e
em várias ordens. Tanto económica, militar bem como política.
Sistema difuso: neste tipo de sistema encontra-se uma variedade de
pólos onde está concentrado o poder, facto que torna este sistema variável pela
existência de múltiplos actores que em função da barganha, jogam um papel na
manutenção da balança do poder mundial.
Um exemplo de sistema difuso pode ser o actual sistema
internacional. Onde a capacidade de cada actor, não obstante a sua centralização
geográfica ou sua composição populacional, barganha directamente com aqueles
actores que em perspectiva possuem maior poder. Neste contexto, podemos
referenciar a correlação de força entre os EUA e a Coreia Norte.
Em suma, fica evidente, diante do exposto que a arquitectura do SI
assume-se como importante para a compreensão da movimentação dos actores e
está composto por um conjunto diversificado de definições que variam em
função da orientação teórica de cada autor, e que deste sistema, interactuam
certas forças que se circunscrevem no quadro do domínio da geopolítica.
1.4. Origem da geopolítica.
Ao longo da história da humanidade, tem sido uma constante por parte
de estadistas, diplomatas, militares, filósofos, historiadores e geógrafos de todo o
mundo, a interpretação das características e fenómenos dos espaços geográficos
das regiões visando à formulação de soluções de carácter político para alcançar
interesses específicos das nações ou dos Estados.
Nos vários aportes bibliográficos, encontram-se escritos sobre o
assunto de maneiras não sistematizadas elaboradas na Idade Antiga,
principalmente na Grécia e em Roma (até 476 DC) por Heródoto, Hipócrates,
Tucídides, Platão, Aristóteles, Lucrécio, Estrabão e Possidônio28.
28
MORTON, Adam David. A Geopolítica do Sistema dos e Capitalismo Global em Questão. REVISTA DE
SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007. P.53.
13
Pelas características isolacionistas e corporativistas, houve uma
acentuada queda de interesse pelo assunto durante a Idade Média (até 1453);
encontram-se escritos de Marco Polo, Mandeville, Constantino VII, Marcelino e
Alberto Magno sobre o assunto. Durante a Idade Moderna (até 1789),
Montesquieu, Maquiavel, Jean Bodin, Botero, Münster e outros escreveram sobre
o tema, ao dar realce aos aspectos físicos da geografia com a organização dos
Estados, com suas características culturais e económicas29.
Posteriormente, surgem estudiosos como Brunhes, Haushofer, La
Blache, Bowman, Vallaux, Mahan, Mackinder, Spykman, Roucek, Borden,
Seversky e outros contemporâneos que se dedicaram ao estudo da Geopolítica,
alguns chegaram a estabelecer teorias que servem de base para se analisar as
acções políticas dos Estados30. Conforme citado acima, foram os trabalhos e
conceitos sobre a natureza política, geográfica e social do Estado, de Friedrich
Ratzel, que serviram como base para o estabelecimento da Ciência Geopolítica, o
que vale o seu reconhecimento como o precursor desta nova e importante ciência.
Seu grande mérito foi aproveitar os estudos políticos, económicos e
humanos dentro de um espaço geográfico, ao recorrer a História, através dos
estudos do passado e o momento actual dos Estados. Friedrich Ratzel (1844 1904),
natural da Alemanha e professor de Geografia em Munique e em Leipzig, criador
da Antropogeografia, no desenvolvimento de seus estudos escreve a obra
“Geografia Política”, na qual considera o Estado como resultante do binário solo-
homem; o homem influencia o Estado através de sua cultura e da actividade
política, enquanto o Estado permanece ligado ao solo, como um organismo vivo e,
por isso mesmo, sujeito a leis biológicas inevitáveis. É sobre o solo do Estado,
espaço físico-político, que o homem exerce suas actividades, as quais, se
29
IDEM.P.54.
30
MARTINS, Raul François. Geopolítica e Geoestratégia: O que são e Para que servem. 2º Edição. Editora:
Brasileirense, São Paulo. P. 54.
14
enérgicas, predispõem ao crescimento; se débeis, predispõem ao seu
enfraquecimento e até à extinção31.
Levando-se em conta a visão de poder da época, nota-se que o
conceito “ratzeliano” pressupõe como crescimento do Estado, o crescimento do seu
espaço físico em relação ao território original. Este conceito justificaria,
posteriormente, a política expansionista de Hitler, quando resolveu avançar nos
territórios dos Estados vizinhos. A essência da teoria do espaço vital (lebensraum)
foi base de sua obra, intitulada “Os Estados Unidos da América” 32.
Nesse trabalho, são estudados os fundamentos do poder estatal
exemplificados na hegemonia estadunidense no seio da família americana de
nações. Essa teoria ganhou maior desenvolvimento e profundidade em Leis do
Crescimento Territorial dos Estados Unidos (1896), ampliando ainda mais através
das suas sete leis de expansão do Estado, na obra Geografia Política, publicada em
189733.
Com os seus conceitos, entre outros, Ratzel deixou dois pensamentos
de alto grau de periculosidade: “O Estado é um organismo vivo”; “Espaço é
poder”. Baseado nessas premissas e conceitos, formulou as chamadas “Leis do
Crescimento dos Estados”, também conhecidas como “Leis dos Espaços
Crescentes”, inspiradoras de outras leis básicas da Geopolítica.
Do ponto de vista do seu conceito, Geopolítica pode ser definida como
o conjunto de acções e práticas realizadas no âmbito do poder, geralmente
envolvendo os Estados Nacionais no sentido de promover o gerenciamento e o
controle de seus territórios34.
Neste sentido, pode-se perceber que essas relações muitas vezes vão
além da própria noção de Estado, como a constituição de organizações regionais e
31
CASTRO, Iná Elias de. Geografia e Política: território, escala de análise e instituições. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005. P.5.
32
ARLEY, Santana. A Teoria do Espaço Vital. 1º Edição. Editora: FUNIBER. 2019. P. 23.
33
ASSIS, José Ferreira. A Teoria Geopolítica Clássica de Mackinder Validada Pelas Açoes e Acontecimentos
Envolvendo A Rússia na Atualidade. 1ª Edição. Rio de Janeiro. P.4.
34
CORREIA, Pedro de Pezarat. Manual de Geopolítica e Geoestratégica. Ediçoes:70. Editora: Almedina. 2018.
P.91.
15
mecanismos internacionais, a exemplo da ONU (Organização das Nações Unidas)
e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que constituem
territórios supranacionais.
Por fim, compreende-se que é no plano da geopolítica onde os mais
variados actores das relações interactuam e concebem a estratégia para se
constituírem em alianças ou coalizões num contexto multipolar de distribuição de
poder, onde surgem os países emergentes e a nova ordem mundial.
16
CAPÍTULO II- Os Países Emergentes no Contexto da Nova Ordem
Mundial.
O carácter dinâmico e policêntrico das relações internacionais permite
com que se possa depreender que dentro da dinâmica e do relacionamento
estatal exista, como característica inerente, uma visão de descentralização de
poder bem como concentração de forças em determinados pôlos de poder que,
no contexto de disputa geopolítica ou de construção de uma visão geoestratégica
facilita com que surjam ajuntamento de Estados, que mobilizados através de
interesses comum, se reúnam no sentido de criar-se as bases para o alcance de
seus obejctivos.
Neste sentido, do ponto de vista geral, compreende-se que, uma das
características do mundo que se descortina ao iniciar-se a segunda década do
século XXI é a crescente importância da inserção internacional dos designados
países emergentes. Estes países, através da identificação de determinadas
valências em comum, constroem uma nova geografia económica e social no
mundo, que não permite mais negligenciá-los na discussão dos grandes assuntos
políticos e econômicos internacionais35.
Por outro lado, a relevância cada vez maior dos países emergentes
pode ser concretamente percebida na legitimidade da afirmação do G20 como
principal foro de coordenação econômica mundial, na consolidação do grupo de
concertação dos BRICS bem como na reestruturação dos órgãos de governança
mundial, seja económica, como no caso das mudanças em curso nos
procedimentos das instituições de Bretton Woods, seja política, como na
35
CERVO, Armando Luís. História da Política Externa Brasileira. 2ª Edição. Editora UNB, 2013. p.21.
17
pretendida reforma do Conselho de Segurança da ONU, a fim de lhe conceder
maior representatividade, legitimidade e eficácia.
Desta feita, o presente capítulo propõem-se em abordar, de maneira
concisa, aspectos ligados aos países emergentes, a nova ordem mundial, a
caracterização dos países em desenvolvimento perpassando, no entorno da
caracterização geral dos cinco países membros dos BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, África do Sul), com vista a compreender-se melhor as variáveis
subjacente à cooperação alargada entre os Estados membros desta organização.
2.1. Os países emergentes
Partindo do princípio de que em relações internacionais os fenómenos
não surgem por acaso nem abruptamente, e tendo em conta a necessidade da
adopção do conceito de causas profundas para a compreensão da origem dos
fenómenos, é importante entender-se que, o contexto de criação dos países
emergentes está em geral, associado a realização da Conferência de Bandung em
1955, ao surgimento do Movimento dos Países Não Alinhados, a formação do
Grupo dos 77, e num contexto mais contemporâneo, ao período posterior a
Guerra Fria, em que os países, do ponto de vista da sua estratificação, passaram
a ser objecto de divisão entre norte e sul36.
36
ALFRED, Sauvy. La Place du Tiers Monde dans les Relations Internationals. 1ª Ed. Editora, Larrousse. Paris,
2003. P. 6. (Tradução do autor).
18
configurou-se como designação para identificar países pertencentes ao sul global
que apresentavam níveis de crescimento económico elevado37.
Fortalecimento da globalização;
O crescimento do neoliberalismo;
O surgimento de novos blocos econômicos;
A expansão dos sistemas financeiros internacionais;
A facilidade de transporte e a ampliação da internet;
42
BEZERRA, Juliana. Diferença entre Países Desenvolvidos e em Desenvolvimento. Disponível em:
hhtps://www.diferenca.com/países desenvolvidos-e-subdesenvolvidos/. Pesquisa efetuada ao 21 de Outubro de
2021 às 12h:52min.
43
SOLDERA, Ricardo António. Fundamentos da Ordem Mundial Pós-Guerra Fria. 1ª Ed. Campinas, SP
2016.p.43.
21
juntos representam cerca de 25% da economia mundial e agregam ao mundo a
possibilidade de descentralização de poder, desconstruindo a visão de que o
sistema internacional actual seria marcado por uma centralização de poder onde
apenas 2 ou 3 potências responderiam pelos direitos e deveres da população
mundial44.
Em função disso, os países membro dos BRICS têm unido sinergias,
na intenção de proceder a uma reconfiguração ou roptura com a antiga ordem
mundial, caracterizada por um unipolarismo onde somente um único Estado
exerce a totalidade dos poderes. Numa visão centralizadora, antes apenas cerca
de oito países desenvolvidos se reuniam para tratar da economia mundial,
todavia, no actual contexto, com os BRICS surgiu o G20, onde os países
emergentes se reúnem junto com os desenvolvidos para discussão da economia
mundial45.
22
do Norte e países do Sul. Todavia, antes de proceder-se a introdução da
diferença existente entre os dois tipos de países, importa compreender-se o
conceito de desenvolvimento46.
Neste sentindo, compreendendo que um dos principais papéis do
Estado se consubstancia na promoção do bem-estar social para o seu povo, na
manutenção da paz e no asseguramento da sua soberania interna e externa, o
autor Gilson Oliveira, define o desenvolvimento como sendo um processo que
ocorre mediante alterações e melhorias institucionais sistemáticas dentro de um
Estado e que, em consequência, estas melhorias ou avanço irão refletir-se em
sectores políticos, económicos e fundamentalmente social47.
Deste modo, existem indicadores característicos para determinar o
grau de desenvolvimento dos países. Que são: indicadores simples e os
indicadores compostos48.
Indicadores simples: usam-se para determinar o
desenvolvimento social, demográfico e económico de um país.
Dentre estes indicadores encontram-se o Produto Interno Bruto
(PIB), o grau de industrialização, a taxa de natalidade e
mortalidade, a taxa de escolaridade, a estabilidade das
instituições, o grau de democracia bem como o reconhecimento
dos direitos humanos.
Indicadores compostos: resultam da junção dos indicadores
simples e compostos. Este tipo de indicador permite ter uma
maior precisão da realidade por ser mais geral na análise e tem
como objectivo compreender os dados numéricos resultantes do
estudo da economia, do avanço social e da demografia de um
46
Agência Brasileira de Cooperação. Formulação de Projetos de Cooperação Técnica Internacional (PCT):
Manual de Orientação / Ministério das Relações Exteriores, Agência Brasileira de Cooperação. 2ª Ed. Brasília,
2004. p. 13.
47
OLIVEIRA, Gilson Batista. Uma Discussão sobre o Conceito de Desenvolvimento. Revista. FAE, Curitiba,
Maio/ Ago 2002. V.5, n2, P.37- 48
48
MAIA, Redento. Economia- Lições Fundamentais. 2ª Edição. Plural Editoras- Grupo Porto Editora. Angola,
2015. p. 336
23
país. Estes indicadores são o Índice de Desenvolvimento
Humano. (IDH), o Índice de Pobreza Humana (IPH) e o Índice
de Desenvolvimento Ajustado ao Género (IDG) entre outros.
Por conseguinte, é através destes indicadores que se irão
verificar a diferença de desenvolvimento entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Nos países
desenvolvidos a industrialização teve início em finais do século
XVII, geralmente estes países apresentam um grau de
desenvolvimento económico e social acentuado, o sector
comercial e dos serviços são activos e possuem uma economia
pós-industrial.
24
Sendo assim, é por meio dos factores descritos acima, que verificar-
se-à a diferença de desenvolvimento entre os países desenvolvidos e os países
em desenvolvimento. À princípio, nos países desenvolvidos compreende-se que
a industrialização é objecto de um processo histórico e teve o seu início em
finais do século XVII, na generalidade estes países apresentam um grau de
desenvolvimento económico e social elevado, o sector comercial e dos serviços
são activos e possuem uma economia pós-industrial. Do ponto de vista dos
exemplos, paíseses como os Estados Unidos da América, Austrália, França, Grã-
Bretanha, são alguns destes países51.
53
As medidas de austeridade são tomadas pelo governo durante um período de condições econômicas adversas,
para reduzir seu deficit orçamentário usando uma combinação de cortes de gastos ou aumento de impostos.
54
ADLER. Alexandre. O Novo Relatório da CIA: Como Será o Mundo em 2025. 1ª Ed. Editora, BIZÂNCIO.
Lisboa, 2009. p.198.
55
Enciclopédia Britânica Publicações Ltda.1º Edição; São Paulo-Rio de Janeiro Brasil. P. 1599. 63 IBGE:
Divisão Territorial do Brasil. Disponível em:https://pt.scribd.com/document/420590955/DivisaoRegional-Do-
Brasil-IBGE. Pesquisa efectuada aos 11-11-2021 as 12:30 min.
26
aproximada de um triângulo, possui as bases localizadas em latitudes inferiores
a 6º, com vértice apontado para o sul.
56
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
https://direitodescomplicado.com/download/constituicao-de-1988-em-pdf/. Pesquisa efetuada aos 23-11-2021 as
17hrs35min.
27
2.4.1. Caracterização Geral da Federação Russa
57
PIMENTEL, José Vicente. Debatendo o BRICS.3ª Edição. Editora: FUNAG, Brasília, 2013. p.76.
58
Caderno de Política Externa. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais. V.1 nº1 (março,2015). p.43.
59
GIL, Izabel Castanha. Os BRICS podem Influenciar a Actual Ordem Mundial? Editora: Portas. São
Paulo,2010. p.36.
28
mais importantes áreas de pesca: os oceanos Atlântico e Pacífico. Os principais
parceiros comerciais da Rússia são a China, Brasil, Alemanha, os Estados
Unidos da América, Índia).
60
MODENA, Amanda Vilela. Índia: O país das diferenças. Disponível em:
http://www.brasilescola.com/historia/india-antiga.htm. Pesquisa efetuada aos: 25 de Novembro de 2021, as
12hr30min.
29
Índia, esta constitui um sistema social, uma vez que divide a sociedade em
diferentes castas, que são estabelecidas pela hereditariedade. As castas são
grupos de pessoas e famílias que se diferenciam uns dos outros, de acordo com a
posição social que ocupam, com mais ou menos privilégios e deveres. Este
sistema determina uma forte separação social, que explica assim o papel de cada
indivíduo na sociedade. Oficialmente, o governo indiano não reconhece a
existência de castas, no entanto, estas marcam muito a sociedade e o modo de
vida da população indiana.
Após Mao tse Tung, a China passou por um processo de reformas que
foram aprofundadas por Deng Xiao Ping 27 tanto no plano político como
económico e que representaram uma ruptura radical com todo o caminho de
fechamento que os Chineses viviam até a década de 70, que abarcaram
instituições e o pensamento das Relações internacionais confucionista62.
61
VISENTINI, Paulo ET al. BRICS: As potÊncias Emergentes: China, China, Índia, Brasil e África do Sul. 1ª
Edição. Editora vozes. Petrópoles, Rj.2013. p. 12.
62
MENDONÇA, Bruno Macêdo. A transiçaõ de Deng Xiao Ping e a China Conteporânea: Continuidade e
Aprofundamento das Reformas na era Globalizada. Universidade de Brasília. Brasília, 2009. p.21.
63
31
estimativa do Banco Mundial aponta que, entre 1978 e 2004, 500 milhões de
pessoas teriam deixado a linha de pobreza, com o número de pobres a cair para
60% em 1978, para 10% em 200464.
64
GUIMARÃES, Alendre Queiroz. A Economia Política do Modelo Económico Chinês: O Estado, o Mercado, e
Os Principais desafios. Editora Curitiba. Curitiba Novembro de 2012. p. 104.
65
PEREIRA, Analucia Danilevicz. A longa história da desigualdade na Africa do Sul. IN: Mal-estar na Cultura.
Abril-Novembro de 2010. Disponível em: www.malestarnacultura.ufrgs.br. Pesquisa efetuada em: 15/11/2021 as
16hr57 min.
32
e asiáticos 2,6%. Estima-se que em 2025 a população diminua para 35 109 000
habitantes, como consequência da expansão da epidemia de SIDA66.
66
RODRIGUES, Jorge Luiz. Na África do Sul: Uma Fome que vai Além dos Golos.
http://oglobo.globo.com/esportes/na-africa-do-sul-uma-fome-que-vai-alem-de-gols-3051002. Pesquisa efetuada
em: 27 Novembro 2021.
33
A inclusão da África do Sul está bem mais direccionada para uma
jogada política, visto que o PIB sul-africano é bem menor do que o dos outros
integrantes, ocupando uma posição bem mais baixa no ranking mundial. A
questão é que sendo a África do Sul um membro dos BRICS, este grupo passa a
ter influência em mais um continente. Apesar de ser uma potência emergente a
África do sul não possui uma série de características comuns aos países do
mesmo status, como território extenso, grande população e poder militar, há
ainda a necessidade de eliminar uma série de problemas históricos e recentes,
que poderão garantir maior influência global e uma maior estabilidade do país.
34