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CRIMINOLOGIA, POLICIAMENTO E SEGURANÇA PÚBLICA NO SÉCULO XXI - CÁRCERE E

MARGINALIDADE SOCIAL

A Constituição Federal (CF) estabelece a segurança como um direito individual, ao


afirmar, no caput de seu art. 5º, que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos [...].
Ao mesmo tempo a CF inclui, no art. 6º, a segurança como um direito coletivo ou social:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
O art. 144, da CF, por sua vez, indica que a segurança é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos.
Da soma do que consta nesses dispositivos constitucionais é possível afirmar que a
segurança pública é um direito que se refere à prevenção e ao controle da criminalidade e da
violência ao mesmo tempo que é um dever dos órgãos públicos e da sociedade em geral.
Vale a pena diferenciar segurança pública de ordem pública pois, apesar de serem
usados muitas vezes como sinônimos, tratam-se de conceitos diferentes.
A ideia de ordem pública é mais ampla do que a de segurança, e pode ser retirada do
conceito que se encontra no Decreto Federal nº 88.777, de 1983:

DECRETO Nº 88.777, DE 30 DE SETEMBRO DE 1983


Art. 2º [...] Ordem Pública - Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da
Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público,
estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia,
e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.
Em outras palavras, ordem pública é o conjunto de condições básicas de
convivência social, dentro das quais se inclui a segurança pública.
Os conceitos de ordem e segurança pública nos levam a outros dois conceitos os quais
vale a pena, desde já, diferenciar: polícia e policiamento.
Polícia pode ser definida como a estrutura pública organizada e especializada que
desempenha, de forma profissional, funções de manutenção da ordem e da segurança pública,
podendo utilizar a força de forma legítima para alcançar suas finalidades.
Policiamento, por outro lado, consiste na atividade típica de patrulhamento preventivo,
realizado pela presença ostensiva de policiais que atuam em áreas previamente definidas, dentro
de uma estratégia institucional (que contém os princípios, valores e eixos estruturantes da
atuação policial).
A polícia é ligada ao crime da mesma forma que se relacionam os médicos à doença, ou
seja, em outras palavras, que assim como cabe ao pessoal médico prevenir e controlar doenças,
é papel da polícia prevenir e combater a criminalidade. O problema é que, ao contrário do que
ocorre na área médica, na área de segurança pública não há uma definição clara do papel da
polícia em relação à criminalidade.
A situação se complica ainda mais pois a polícia, além de combater o crime, em seu dia a
dia, cuida de uma série de outros assuntos: Eles emitem autorizações para eventos e credenciam
pessoas; emitem certificados e fazem vistorias; liberam portes de armas; acompanham
manifestações públicas; protegem testemunhas e custodiam pessoas nos tribunais; atendem
solicitações dos mais variados serviços; buscam crianças desaparecidas; localizam objetos
perdidos; transportam pessoas doentes aos hospitais e, muitas vezes, fazem partos de
emergência; guardam prédios; protegem reservas ambientais e policiam as rodovias; intervêm em
brigas de casais; socorrem pessoas feridas; salvam animais; ressuscitam afogados; controlam
multidões em estádios de futebol; auxiliam portadores de deficiência; amparam pessoas
alcoolizadas ou sob o efeito de outras drogas etc.
Ou seja, o trabalho policial é complexo, sendo um fenômeno de diferentes funções e
responsabilidades. Diante disso, a polícia, compete “proteger pessoas” ou “assegurar a todos o
exercício dos seus direitos elementares” (dentre os quais estaria, o direito à vida, à integridade
física, à liberdade de opinião e à propriedade).
Para a maior parte dos policiais o verdadeiro trabalho policial consiste em prender os
criminosos, de modo que, todas as outras atividades cotidianas de policiamento são vistas
normalmente como “perda de tempo” (não deveriam,
portanto, serem realizadas por policiais).
Esse modo de enxergar o trabalho policial — identificado com a ideia de uso da força —
traz impactos sobre a forma de policiamento que é desempenhado, conforme vamos estudar no
tópico seguinte.

- MODELO REATIVO DE POLICIAMENTO


Quando do surgimento das primeiras polícias profissionais, não se tinha em mente que a
missão exclusiva ou principal da polícia deveria ser a de combater o crime. Nesse sentido, as
organizações como a Polícia de Boston e a Polícia de Nova York, até a segunda metade do
século XIX, além das funções típicas de persecução penal, eram responsáveis por uma variedade
de funções de controle e fiscalização, tais como saúde e limpeza, cuidado com pessoas em
situação de rua e expedição de alvarás, entre outras.
O policiamento realizado por essas primeiras forças policiais modernas baseava-se em
vínculos estreitos com a comunidade, uma vez que as rondas policiais eram feitas a pé e os
postos policiais eram tidos como centro de referência para a comunidade e para os policiais.
Tal proximidade resultava em identidade entre os membros da comunidade e os policiais.
Em dado momento, houve uma “quebra” nessa convergência comunidade-polícia, isto é,
houve o afastamento entre os policiais e a comunidade. Essa transformação que se deu com a
introdução de três recursos tecnológicos que alteraram completamente a forma do policiamento
moderno: o carro de patrulha, o telefone e o rádio de intercomunicação.
O modelo de policiamento reativo vai se tornando majoritário mundo afora, até substituir
completamente, no decorrer do século XX, o modelo antigo de policiamento proativo.
Tal mudança teve, como principais consequências, as seguintes:
• a burocratização do trabalho policial;
• o aumento da corrupção;
• a adoção de uma estrutura policial fundada na disciplina rígida e na hierarquia
(imitando a estrutura clássica das Forças Armadas);
• a impessoalidade cada vez maior no tratamento dispensado à população;
• o aumento da desconfiança em relação à polícia e, em certos casos, hostilidade em
certas comunidades.

O modelo de policiamento reativo, além de tornar a polícia afastada da comunidade,


produziu outra situação: a de uma polícia ineficaz.

- TENDÊNCIAS DO POLICIAMENTO NO SÉCULO XXI


Conforme vimos o modelo de policiamento reativo, que vem sendo utilizado há décadas
por polícias do mundo todo, não atende mais aos anseios da população, uma vez que as cidades
não estão mais seguras e a sensação de medo do crime e da violência é uma constante. É
necessário que se encontrem soluções que realmente aumentem a eficácia das polícias.
Neste tópico vamos estudar duas propostas de policiamento proativo.

Policiamento Comunitário
O policiamento comunitário, nas últimas décadas, ganhou interesse mundo afora e foi
adotado por várias polícias em todos os continentes. Apesar das iniciativas, no entanto, o modelo
que predomina ainda é o reativo. No Brasil também há interesse pelo tema, tendo alguns estados
realizado experiências com esse modelo de policiamento, mas ainda de forma limitada e
esporádica (normalmente tratam-se de esforços realizados por oficiais das Polícias Militares
alternativas pontuais ao modelo reativo).

A ideia principal em torno do modelo de policiamento comunitário é interação


efetiva entre o trabalho dos policiais e as comunidades.
É um modelo que pressupõe, que as tarefas de manutenção da paz e de conquista da
segurança devem ser concebidas como algo a ser compartilhado entre o Estado e a sociedade.
• prevenção do crime, tendo como base a comunidade;
• reorientação das atividades de patrulhamento, enfatizando os serviços não-
emergenciais;
• descentralização do comando;
• maior responsabilidade das comunidades locais.
A primeira ideia relacionada ao PC é a de prevenção, isto é, a polícia não mais espera
pela prática da infração, mas adota uma postura proativa para identificar imediatamente os
fatores que impulsionam as condutas delituosas (é a troca do modelo reativo pelo modelo
proativo).
O segundo conceito diz respeito a uma reorientação da organização da polícia, e com
este novo conceito, como regra, certos policiais devem atender ocorrências emergenciais
enquanto os policiais que realizem patrulhas a pé concentram seus esforços estabelecendo
relações de natureza social com os moradores, atendendo demandas que não envolvam
assuntos de natureza criminal ou, ao menos, que não digam respeito a crimes graves.
A descentralização é outro conceito importante e passa pela crianção de mini delegacias
ou de postos policiais que possam servir como pontos de referências para a comunidade e como
apoio às patrulhas.
A descentralização proposta tende a redefinir a conduta típica dos policiais. No caso
brasileiro, os policiais civis costumam gozar de uma dose muito alta de autonomia por conta de
uma visão diluída de hierarquia e disciplina e, também, da fragilidade dos mecanismos de
controle interno. Já os policiais militares estão, normalmente, submetidos a uma estrutura bem
mais rigorosa de hierarquia e disciplina, e os mecanismos institucionais de controle interno
costumam ser empregados com maior frequência.
No primeiro caso, temos uma estrutura que estimula a iniciativa individual, mas que, por
conta de sua fluidez e ausência de procedimentos padronizados, acaba facilitando práticas
desviantes e dificultando o controle. Já no segundo caso, temos a prevalência de uma estrutura
orientada por imperativos que desestimulam a iniciativa individual e a criatividade, submetendo-
as, muito comumente, à inflexibilidade de uma ordem burocrática e alienada.

Policiamento Orientado para Solução de Problemas


O policiamento orientado para solução de problemas (Posp) surgiu de um modelo
conceitual proposto pelo professor Herman Goldstein, da Universidade de Wisconsin, nos
Estados Unidos, em um ensaio publicado em 1979.
O Posp se propõe a ser um modelo de policiamento que age sobre as causas que dão
origem aos problemas de segurança repetitivos e não meramente reage às ocorrências ou tenta
impedi-las por meio de policiamento ostensivo.
Ocorrências repetitivas, acontecidas no mesmo lugar e, quase sempre, causadas pelo
mesmo grupo de pessoas, geram sobrecarga de trabalho e, também, sensação de
desmoralização aos policiais. Como solução para os problemas repetitivos, propõe-se uma
abordagem de quatro etapas, identificada pela sigla em inglês Sara, abreviação de Scanning,
Analysis, Response and Assessment (Levantamento, Análise, Resposta e Avaliação) aplicada ao
modelo do Posp.
A sigla em lingua inglesa Sara, criada por John Eck e Bill Spelman para descrever as
quatro fases de solução de problemas (Scanning, Analysis, Response and Assessmet) é
traduzida pela maioria dos autores brasileiros como Método Iara (Identificação, Análise,
Resposta e Avaliação).
Levantamento
• Identificar os problemas recorrentes que preocupam as pessoas e a polícia;
• Priorizar os problemas que serão enfrentados;
• Estabelecer objetivos definidos;
• Confirmar a existência e a dimensão dos problemas;
• Selecionar um problema para exame;
• Coletar e examinar dados a respeito.

A primeira etapa do método é o Levantamento (como chama Rolim; a maioria dos autores
utiliza Identificação; no entanto, apesar de termos distintos, a ideia é a mesma). Dentro do
contexto do Posp, consiste em definir o que é considerado um problema, tanto para a
comunidade quanto para a polícia. É o momento de eliminar “achismos”.

Análise
• Tentar identificar e compreender os eventos e condições que precedem e
acompanham o problema;
• Identificar as consequências do problema para a comunidade;
• Identificar a frequência do problema e há quanto tempo ele vem ocorrendo;
• Identificar as condições que permitiram a emergência do problema;
• Definir o problema da forma mais precisa e específica possível;
• Ser criativo e identificar os recursos disponíveis que possam auxiliar o
desenvolvimento de uma compreensão mais aprofundada do problema.

A segunda fase é considerada o “coração” do método, dentro da qual se buscam as


raízes do problema para, a partir desse conhecimento, atacar suas causas.
No contexto do Posp, esta fase consiste na formulação do chamado triângulo do crime,
criado dentro da teoria da atividade rotineira elaborada por Lawrence Cohen e Marcus Felson.
Esta teoria da atividade rotineira afirma que o crime acontece quando um potencial infrator
encontra um potencial alvo no mesmo tempo e lugar, sem que haja a presença de um guardião
eficaz.
Resposta

• Pesquisar o que já foi feito em outras comunidades que enfrentaram o mesmo


problema e quais os resultados obtidos;
• Permitir que todos possam dar sua opinião e produzir uma “tempestade de ideias”
(brainstorm);
• Escolher uma das soluções possíveis;
• Elaborar um plano concreto e identificar as responsabilidades de cada um;
• Estabelecer objetivos específicos;
• Identificar os dados relevantes a serem coletados durante a implementação do plano
para permitir uma avaliação posterior;
• Sustentar as atividades planejadas.

Uma vez realizado o levantamento/identificação e a análise do problema o próximo passo


dentro do contexto do Posp é buscar o meio mais efetivo de lidar com ele.

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