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AO POLICIAMENTO OSTENSIVO
RESUMO:
As condutas dos agentes de segurança pública são questionadas a todo momento pela
sociedade e pela mídia, a respeito de excessos e ilegalidades. No presente artigo, será abordado
alguns casos emblemáticos e virais dos últimos anos sob a análise dos códigos de ética e
disciplina das instituições. Os princípios éticos de determinada classe e grupo garantem a
linearidade das atitudes, evitando excessos e erros, que na maioria das vezes podem trazer
consequências inevitáveis. Lado outro, reconhece-se uma cultura de violência como defesa do
sentimento de injustiça das chamadas leis penais brandas. Por fim, discorrerá sobre a segurança
pública, o código de ética e disciplinar de alguns estados e os casos emblemáticos e virais dos
últimos anos.
ABSTRACT:
The conduct of public security agents is constantly questioned by society and the media
regarding excesses and illegalities. In the present article, some emblematic and viral cases of
the last years will be addressed under the analysis of the codes of ethics and discipline of the
institutions. The ethical principles of a particular class and group guarantee the linearity of
attitudes, avoiding excesses and errors, which in most cases can have unavoidable
consequences. On the other hand, a culture of violence is recognized as a defense of the feeling
of injustice of the so-called soft criminal laws. Finally, it will discuss public safety, the code of
ethics and discipline of some states and the emblematic and viral cases of recent years.
INTRODUÇÃO
A ética está relacionada ao estudo de uma atitude aprovável ou não, do bem e do mal,
entre o agir certo e errado. Nesse liame, os princípios éticos de determinada classe e grupo
garantem a linearidade das atitudes, evitando excessos e erros, que na maioria das vezes podem
trazer consequências inevitáveis.
Durante o período da ditadura militar brasileira, por exemplo, se utilizava de torturas,
assassinatos e desaparecimentos (muitos não solucionados até hoje) para o enfrentamento de
crimes contra o Estado. Esse marco de violência policial permanece, ocorrendo diversas
condutas e abordagens ilegais por parte dos agentes da segurança pública, cujo principal
objetivo é a proteção à integridade e o respeito à vida dos cidadãos.
Assim, a população busca ajuda dos agentes estatais de segurança com a intenção em
momentos de urgência e perigo, para salvarguar suas vidas, seu patrimônio; enfim seus direitos.
E por serem servidores do Estado, suas condutas devem ser baseadas em princípios, como
legalidade e proporcionalidade, além de se atentarem aos códigos de éticas das respectivas
instituições. Quando essas ações não estão de acordo com o código disciplinar, têm-se por
consequência casos problemáticos de quebra do código de conduta desses servidores, causando
prejuízos à população e a instituição que sofre descrédito.
As diversas intervenções militares ocorridas nos últimos anos no estado do Rio de Janeiro
e a cultura de violência como defesa do sentimento de injustiça das chamadas leis penais
brandas, contribuem para uma crise das instituições brasileiras, como o Poder Judiciário, o
Poder Executivo e o Legislativo e bem como da ética profissional.
Para tanto, foram utilizados os métodos de pesquisa bibliográfico e documental com
aporte na análise a respeito de condutas antiéticas desses servidores. Dessa forma, traça-se um
parâmetro entre códigos de ética de policias militares de estados diferentes e estudo de casos
sobre ocorrências emblemáticas nos últimos anos de atitudes dos policiais que ferem a ética do
órgão estatal.
Diante disso, o §5º do artigo supracitado determina que cabe a polícia militar o
policiamento ostensivo cuja atividade de policiamento já tinha previsão legal antecedente à
Constituição de 1988. Nesse sentido, para Bretas (1997, p. 40) desde o século XIX a função da
polícia militar estaria relacionada ao “patrulhamento uniformizado de rua”, ou seja, é a presença
do policial devidamente caracterizado nas ruas de forma a inibir a conduta delitiva. Em outras
palavras, a polícia militar atua de maneira preventiva, para assegurar a ordem pública para
dissuadir práticas criminosas através da sua presença (LAZZARINI, 1991, p.42).
Além disso, o §7º da mesma Lei, dispõe sobre a responsabilidade legislativa para
disciplinar o funcionamento dos órgãos da segurança pública, mas é percebido uma ausência
de norma constitucional que regule tacitamente sobre o código de ética dos profissionais da
segurança pública (policiais militares) culminando na omissão legislativa sobre o tema e
prorrogando a regulação da matéria para os demais entes federativos e às próprias instituições,
in verbis:
§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil.
(...)
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. (BRASIL,
1988, Art. 144, inc. 5º e 7º).
Verifica-se que o desrespeito aos direitos humanos, a dignidade da pessoa e aos princípios
da cidadania são tratados como transgressão disciplinar. Nesse escopo, de acordo com Catâneo
(2008, p. 20): “Ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos seres humanos na
sociedade. A Ética estuda, analisa, reflete sobre o comportamento humano, considerado em sua
totalidade, diversidade e variedade”. São conceitos giram em torno de uma determinada
aceitação moral e social, baseada em valores que regem as atitudes da sociedade.
Uma pesquisa feita pela ouvidoria do estado de São Paulo em 2008 afirmou que1:
Na associação entre faixa etária e raça/cor da pele das vítimas, os números da
violência institucional contra negros reforçam a gravidade da desigualdade. Dos 124
mortos com até 17 anos, 70% eram negros. E ainda, das vítimas de 18 a 25 anos, 68
% eram negros. Ou seja, a principal vítima de letalidade por intervenção policial é o
jovem homem negro de até 25 anos.
A taxa de mortes de negros por intervenção policial reforça a noção do quanto a
democracia racial é um mito, como dizia Florestan Fernandes. No ano de 2017, a taxa
de negros mortos (65%) é quase o dobro da de brancos (35%). (SÃO PAULO, 2000).
Através desses dados, pode-se afirmar que a polícia militar do estado de São Paulo está
ignorando o artigo 8º inciso XXIV da Lei Complementar nº 893/2001 que dispõe que constitui
um dos deveres da polícia militar: “exercer a profissão sem discriminações ou restrições de
ordem religiosa, política, racial ou de condição social”.
Quando esses valores não são contatados, as principais vítimas da violência são as
minorias sociais, muitas delas alvos do arbítrio jurídico e da discriminação da justiça
(BIERRENBACH, 1993, p.55).
Com relação ao estado do Rio de Janeiro, apraz citar o Decreto nº 6.579 de 1983 que
dispõe no regime militar o regulamento disciplina da PM do Rio de Janeiro e dá outras
1
OUVIDORIA de Polícia do estado de São Paulo. Pesquisa sobre o uso da força letal por policiais de São Paulo,
no ano 2000. São Paulo: Governo do estado de São Paulo. 2000.
providências. Em todo seu inteiro teor o texto não cita a dignidade da pessoa humana como um
de seus preceitos.
Atualmente, os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (2019)2
demonstram que as mortes sumárias continuam ocorrendo, devido a alta letalidade da polícia
militar. Foi constatado no mês de julho o total de 194 mortes por intervenção de agente de
segurança pública, uma taxa de 49% superior ao mesmo período do ano passado. Nos meses de
maio, junho e julho de 2019 houve um aumento de 20% em relação ao mesmo período em 2018.
Essas mortes por intervenção dos agentes estatais em julho de 2019 é o maior número desde
que o índice começou a ser calculado em 1998.
No ano de 2008, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
publicou o “Guia de Direitos Humanos: Conduta ética, técnica e legal para instituições policiais
militares” 3. O intuito da publicação foi reforçar o dever do policial de respeitar e proteger os
direitos fundamentais dos cidadãos, trazendo princípios éticos que devem ser seguidos nas
ações dos agentes de segurança pública do país. O guia ainda consagra o seguinte texto:
A polícia existe para proteger os direitos humanos de todas as pessoas. O POLICIAL
DEVE PROTEGER: A vida e a integridade física de todas as pessoas; A liberdade de
locomoção, de pensamento, de manifestação, de consciência ou crença. Ninguém
pode ser preso ou detido arbitrariamente.
O direito à igualdade e não discriminação em razão do gênero, da raça ou etnia, da
idade, da orientação sexual ou de deficiência física ou mental. Lembre-se: A tortura e
o tratamento desumano ou degradante são proibidos em toda e qualquer circunstância.
(BRASIL, 2008 p.6)
Cabe salientar que o documento ainda reitera que os princípios éticos, e a legalidade são
essenciais para um trabalho policial mais efetivo e humano que obedece aos devidos
procedimentos, evitando medidas arbitrárias como ocorriam no regime de exceção no Brasil na
ditadura militar.
Portanto, as condutas policiais devem se pautar no regulamento interno de cada
instituição, a fim de que a segurança pública resguarde efetivamente a paz social.
2
RIO DE JANEIRO. INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA – ISP. Indicadores de criminalidade do
estado: julho de 2019. 2019. Disponível em: <http://www.isp.rj.gov.br/Noticias.asp?ident=424>. Acesso em: 29
ago. 2019.
3
BRASÍLIA. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Programa de Apoio
Institucional Às Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário – Secretaria Especial dos Direitos Humanos
(Comp.). GUIA DE DIREITOS HUMANOS: CONDUTA ÉTICA, TÉCNICA E LEGAL PARA
INSTITUIÇÕES POLICIAIS MILITARES. 2008. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/dados/guias/a_pdf/guia_dh_policias_ue.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2019.
Para corroborar o presente artigo, passa-se a tecer sobre casos reais e quanto a importância
de observar e seguir os ditames da ética. O professor Jerome Skolnick, através de estudos
tecidos nos depoimentos de policiais residentes no Reino Unido em julgamentos na cidade de
Sheffield, percebeu que policiais possuem tendência em não obedecer a regras éticas, nem
respeitar a dignidade da pessoa humana. O padrão das falas dos policiais para justificar condutas
antiéticas foram:
Que os tribunais tratam os criminosos de forma muito branda; que os criminosos não
respeitam as leis e a polícia precisa e deve fazer o mesmo para chegar na frente; que
a força é aceitável como um último recurso de investigação quando os outros métodos
falham e uma boa surra é o único meio de desviar um criminoso de sua vida de
crimes(SKOLNICK, 1966 p. 68).
No Brasil, há casos emblemáticos nos últimos anos que leva a presumir a falta de ética
profissional de policiais militares, como o a invasão policial ocorrida em 2007 no Complexo
do Alemão por policiais, que ocasionou 19 mortes de moradores. As imagens foram gravadas
e divulgadas pela mídia, inclusive por redes internacionais. A operação policial envolveu cerca
de 1200 policiais civis e militares que obteve apoio da Força Nacional de Segurança e obteve
pouco resultado no objetivo principal que era frear a atuação do tráfico de drogas e armas na
comunidade (CARVALHO, 2013 p.285).
O Jornal Intercept Brasil trouxe a tona relações entre milicianos e paramilitares em abril
de 2018. De acordo com o levantamento do próprio jornal, através de acesso à Disques
Denúncias no período de 2016 a 2017 houveram cerca de 6.475 ligações anônimas denunciando
milicianos em comunidades do Rio de Janeiro. Esses grupos paramilitares começaram a
dominar zonas não comandadas por traficantes, baseando-se principalmente em extorsão e
exploração clandestina de gás, água e energia para obter o controle da população local através
do medo.
A banalização da violência e o sentimento de que as leis não são efetivas contribuem para
a perpetuação da quebra de conduta ética dos profissionais que em muitos casos resultam em
mortes, tanto do contingente militar quanto de civis. Além disso, mesmo que a violência gratuita
e as execuções sumárias sejam ilegais, estas são incentivadas por uma parcela da população,
“legitimando” a conduta dos militares.
Exemplo disto é a pesquisa Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, 57% das
pessoas acreditam na frase “bandido bom é bandido morto”, indicando crenças da sociedade
civil que incentivam a violência policial4. Ademais, de acordo com o do Datafolha de 2018,
indicando que 57% dos entrevistados são favoráveis a pena de morte no Brasil, sendo esse o
maior índice histórico desde que a pesquisa se iniciou em 1991. Em relação à redução da
maioridade penal para 16 anos a pesquisa apontou que 84% dos adultos aprovam a medida.
A respeito da impunidade dos agentes, vê-se a briga judicial de Márcia Jacintho, que teve
o filho Hanry de 16 anos executado por um policial em 2002; a defensoria pública buscou como
estratégia relacionar a vítima com atitudes criminosas 5. Além disso a defesa dos policiais,
alegaram que a ação foi “auto de resistência”. Esse documento é um formulário que registra
eventos de resistência armada vindos de atividade legal, porém, agentes da segurança pública
o utilizam para camuflar atitudes antiéticas relacionadas à abusos de poder no exercício da
profissão6.
É importante citar que maioria dos casos o agente declara legítima defesa. A Ouvidoria
de Polícia de São Paulo mostra que em média metade dos casos envolvendo homicídios por
parte de policiais chegam à justiça e três quartos são arquivados em razão da “legítima defesa”
ou “estrito cumprimento do dever legal” 7.
Situações como esta ilustram a fragilidade dos recursos materiais e humanos do Estado
para garantir a paz social e infelizmente no Brasil, a violência policial e a prática de condutas
antiéticas são tão graves que o Relatório Mundial de 2019 no Brasil da Humans Rights Watchs
denunciou diversas ações e omissões do país. Este, por sua vez, afirma que “Abusos cometidos
pela polícia, incluindo execuções extrajudiciais, contribuem para um ciclo de violência que
prejudica a segurança pública e coloca em risco a vida de policiais e civis” (Relatório Mundial
2019: Brasil Humans Rights Watchs).
Posto isto, o uso da abusividade do poder de coação é muito comum em casos de violência
policial e prática de conduta antiéticas tendo como os mais afetados as minorias, como negros
e comunidades pobres. Para Séguin apud Carmo (2016), o termo minorias é visto de uma
perspectiva jurídica onde há grupos que sofrem discriminação; são vítimas de intolerância o
que os torna vulneráveis perante o restante da sociedade.
4
SÃO PAULO. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança
Pública 2016. 2016. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_site_18-11-2016-
retificado.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2019.
5
FREIRE, J.; FARIAS, J.; ARAÚJO, F. As gramáticas políticas da dor e do amor em coletivos de "familiares de
vítimas de violência". In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA XIV, 28 a 31 de julho de 2009, Rio
de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2009.
6
Relatório RIO: violência policial e insegurança pública / organização: Diogo Azevedo Lyra... [et al.] ; tradução:
Lincoln Ellis... [et al.] — Rio de Janeiro : Justiça Global, 2004.
7
OUVIDORIA de Polícia do estado de São Paulo. Pesquisa sobre o uso da força letal por policiais de São Paulo,
no ano 2000. São Paulo: Governo do estado de São Paulo. 2000.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado através da segurança pública, tem por função primordial a manutenção da paz
social. Hodiernamente, tem por prática um policiamento ostensivo com fito numa política
punitiva a fim de solucionar a violência instalada na sociedade brasileira; enquanto que as
políticas públicas tem por meta e regra o policiamento preventivo.
Os códigos de ética e disciplina é regulamento ímpar e essencial para um trabalho policial
mais efetivo e humano, que obedeça por sua vez os ditames constitucionais, evitando medidas
arbitrárias como ocorriam no regime de exceção no Brasil na ditadura militar. E juntamente
com a codificação das normas de ética e disciplina, deve o Estado garantir recursos materiais e
humanos eficientes e eficazes.
Diante dos casos emblemáticos trazidos percebe-se que no geral a conduta ética não é
praticada nos órgãos de segurança no país. Há uma cultura de violência enraizada na sociedade
e nas próprias instituições, o que acaba por configurar uma truculência estatal em se empenhar
no não desenvolvimento de seus direitos e liberdades individuais e das forças armadas em agir
com violência, sem respeito ao devido procedimento ético e até mesmo o princípio da presunção
de inocência.
Defende-se políticas públicas eficazes e efetivas nos termos dos ditames que a Carta
Magna de 1988 estabelece, a fim de implementar na sociedade civil uma formulação de novos
planos de segurança, de modo que a comunidade opine a respeito de ações governamentais
diante da influência direta e indireta que sofrerão.
Conclui-se que, ao burlar os preceitos relacionados à integridade e à dignidade humana,
os agentes estão suscetíveis a práticas ilícitas como uso excessivo de poder de fogo, violência
exacerbada, coação física e moral da população que deveriam resguardar e em desfavor da
própria instituição.
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