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Sistema de Segurança

Pública no Brasil
Introdução

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Fábio Sérgio do Amaral

Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo
Introdução

• Normas Constitucionais que Regem a Segurança Pública


e Apresentação dos Órgãos de Segurança Pública;
• Segurança Pública e Defesa Nacional: O papel das Forças Armadas;
• Diferenciação Entre Segurança Pública e Segurança Privada.


OBJETIVO

DE APRENDIZADO
• Dotar o aluno de uma visão geral dos órgãos de segurança pública e suas atribuições, dife-
renciando-os das Forças Armadas e delimitando sua atuação em relação à segurança privada.
UNIDADE Introdução

Normas Constitucionais que Regem a


Segurança Pública e Apresentação dos
Órgãos de Segurança Pública
Desde que o homem passou a se organizar em sociedade surgiu a necessidade de estabele-
cer regras de convivência para a manutenção de um convívio social minimamente harmonioso.
Assim, espontânea e inconscientemente, o homem é levado a formar grupos sociais:
família, escola, trabalho etc.
Ao formar grupos sociais, a tendência é que, a partir da convivência das pessoas, pa-
drões de comportamentos gerais sejam estabelecidos, definindo-se o que pode e o que
não pode ser feito dentro da coletividade. Evidentemente, o surgimento de tais regras
decorre de conflitos, dos quais acaba por se decidir a quem assiste razão, ou quem está
certo e quem está errado, qual o comportamento justo ou o injusto, e assim por diante.
Em outras palavras, onde existe sociedade existe conflito de interesses, portanto,
existe o direito. É a materialização do consagrado brocardo jurídico ubi societas, ibi jus,
do latim, onde está a sociedade, aí está o direito.
O direito, em nosso modelo de Estado, é, em regra, positivado (escrito), diferente-
mente de países onde os costumes e a jurisprudência têm forte valor normativo, a exem-
plo de países de origem anglo-saxônica, como Inglaterra e EUA.
A norma legal positiva, para ter eficácia e produzir os efeitos desejados, está dotada
de características como a imperatividade (impõe deveres de forma equânime para to-
dos), a coercibilidade (capacidade de o Estado impor a aplicação da norma) e possibilida-
de de sanção (previsão de penalidade para quem descumprir a norma).
Na linha de frente da sociedade, como o primeiro ente responsável pelo respeito e
pela aplicação da lei, destaca-se a polícia.

A palavra polícia vem do latim politia, procedente do grego politeia, que originalmente
significava organização política, sistema de governo (Dicionário On-line de Português).

Logo, em linhas gerais e ainda introdutórias, pode-se afirmar que a polícia repre-
senta o Estado na fiscalização sobre as pessoas e atividades e é a responsável pela
aplicação das leis.

Nas palavras de Bayley (2017):

A polícia não se cria sozinha; ela está presa a unidades sociais das quais
deriva sua autoridade. Hoje estamos acostumados a pensar na polícia
como uma criação do Estado, mas um pouco de reflexão mostrará que
isso é muito restritivo.

E, como bem afirma Fernandes (2019):

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Os modelos policiais formaram-se no mundo ocidental tão logo os governos
se viram às voltas com duas questões a enfrentar: a cidade e o trabalhador.
Essa combinação que se deflagra com a Revolução Industrial, mas que não
ocorreu somente nos países capitalistas, senão que também naqueles à
margem, imersos em economias mercantilistas, como Portugal. Daí porque
a maior parte das polícias ostensivas terem suas fundações entre os séculos
XVIII e XIX, momento em que, por um lado, a cidade trazia maiores perigos
a seus residentes (em relação a um passado feudo-rural) como resultado
do adensamento populacional, e, também, passava a ser um local de forte
agitação social com potencial para a desestabilização dos governos.

Polícias desmilitarizadas: um debate sobre democracia e controle da força no estado brasileiro.


Disponível em: https://bit.ly/3oR5xIA

Oportuno apresentar uma boa e ampla definição de polícia dada pelo próprio Bayley
(2017), que abrange modelos diferentes do brasileiro, segundo o qual é possível dizer que
o termo polícia se refere a pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações
interpessoais dentro desse grupo, a partir da aplicação de força física.

Ou seja, essa definição traz três elementos essenciais para entender o que é polícia:
(i) ela detém o monopólio do uso de força física para aplicação da lei; (ii) ela está auto-
rizada a fazer uso interno da força (somente naquele grupo específico); e (iii) ela conta
com a autorização ou delegação coletiva desse mesmo grupo para agir em seu nome.

No entanto, a responsabilidade pela segurança da coletividade nem sempre foi pública.


Não é comum, mas as comunidades podem autorizar a aplicação da lei sem controlar ou
manter uma força policial.

Antes do período da Revolução Industrial, a segurança era exercida das mais variadas
formas e pelos mais diversos entes encarregados de fiscalizar as pessoas e aplicar a lei.

No auge do feudalismo, por exemplo, a aplicação da lei na Inglaterra era mantida


por lordes com títulos sobre extensões territoriais e, embora a ordem fosse mantida em
nome do Rei, não havia oficiais (agentes do Estado) para a aplicação da lei.

Essa é uma breve reflexão sobre a origem e, de certo modo, inevitabilidade da exis-
tência, da polícia nas sociedades modernas.

A preocupação com segurança e ordem pública não é exclusiva dos ocidentais nem decor-
rente apenas dos conflitos sociais pós-Revolução Industrial. No clássico romance japonês,
mundialmente reconhecido, Musashi1, de autoria de Eiji Yoshikawa, o herói trava o seguinte
diálogo com o jovem Iori:
— Se os homens soubessem conviver em paz, o mundo seria um paraíso. Infelizmente, porém,
todo ser humano nasce com duas naturezas, uma santa e outra diabólica. Um passo em falso,
e o mundo se transforma num inferno. Para que isso não aconteça, é preciso inibir a ação da

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YOSHIKAWA, E. Musashi. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p. 1222.

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UNIDADE Introdução

metade diabólica, dando o devido valor à cortesia e valorizando a dignidade. As autoridades,


por seu lado, fazem cumprir a lei e só assim se estabelece ordem numa sociedade.

Mas o entendimento do que venha a ser segurança pública vai muito além da com-
preensão do que seja a polícia, que é apenas um dos atores nesse fundamental teatro
da vida em sociedade.

A segurança pública, a partir da Constituição Federal de 1988, alçou o status de


norma constitucional e o direito à segurança ganhou contornos de direito fundamental.

O preâmbulo da Lei Maior já nos dá uma ideia da importância do tema para o Parla-
mento Constituinte e para o povo brasileiro, ao afirmar que:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...].

A segurança aparece em diversas passagens do texto constitucional, mas, para não


tornar a leitura enfadonha, serão discutidos os principais aspectos constitucionais relati-
vos à segurança pública e suas repercussões, deixando a critério do leitor a liberdade de
buscar, ao longo do texto, outras menções que porventura lhe interessem.
O art. 5º da Constituição, consagrado a trazer o principal (mas não derradeiro) rol de
direitos e garantias fundamentais, traz ainda em seu caput a segurança. O art. 6º eleva
a segurança à categoria de direito social.
A segurança pública vem delineada no Título V da Carta Política, que versa sobre a “De-
fesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Esse Título é composto de três Capítulos:
do Estado de Defesa e do Estado de Sítio; das Forças Armadas; Da Segurança Pública.
O art. 144 da CF/88, ao dispor sobre a segurança pública, reafirma que ela é um dever
do Estado e um direito de todos. No entanto, acrescenta uma importante palavra que
é determinante para a compreensão do que seja a segurança pública: responsabilidade.
A segurança pública é, portanto, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.
Será exercida pelos órgãos enumerados no art. 144, evidentemente, porém sem excluir
a participação de toda a sociedade (responsabilidade de todos). Esse detalhe é de suma
importância para compreender que segurança pública não se faz somente com polícia.

É evidente que a polícia é o órgão principal na execução de atividades, programas e


políticas públicas de segurança, mas não é o único.

A segurança pública (ou insegurança pública) decorre de múltiplos fatores, os quais


estão associados a políticas públicas de diversas áreas, como educação, saúde, sanea-
mento básico, lazer, acessibilidade, transporte etc.

Todos esses fatores afetam, direta ou indiretamente, a qualidade de vida e a cidadania


das pessoas, o que, por sua vez, também afeta a maior ou menor percepção de seguran-
ça pública na coletividade. A maioria deles, como se vê, não está sob a responsabilidade
dos órgãos de segurança pública.

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Aos órgãos de segurança cabe entender o fenômeno criminológico e propor e co-
ordenar ações nas mais diversas áreas, em parceria ou mediante orientação, para o
enfrentamento das causas da insegurança, o que vai muito além de prender criminosos
e fazer policiamento ostensivo.

Eis os órgãos de segurança pública instituídos pela Constituição Federal nos incisos
do art. 144:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

I V – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares;

V I – polícias penais federal, estaduais e distrital.

A própria CF/88 delineia as principais atribuições dos órgãos de segurança pública


ao longo dos parágrafos do art. 144. Ao longo do curso, serão apresentados os órgãos,
um a um, com maior grau de aprofundamento.

Polícia Federal (art. 144, § 1º, da CF)


A polícia federal, órgão pertencente à estrutura da União, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em de-
trimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prá-
tica tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão
uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de
outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Polícia Rodoviária Federal (art. 144, § 2º, da CF)


A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido
pela União, destina-se ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
Polícia Ferroviária Federal (art. 144, § 3º, da CF)
A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido
pela União, destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
Vale nesse ponto fazer uma breve observação com relação a esse órgão.

Previsto no rol do art. 144 da Constituição, a Polícia Ferroviária Federal


sequer chegou a ser constituída.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca da obrigatoriedade de realização


de concurso público para preenchimento dos cargos da Polícia Ferroviária Federal, após

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UNIDADE Introdução

a estruturação da carreira, não sendo permitido o aproveitamento dos empregados da


extinta Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA, pelo simples fato de que eles desenvol-
viam funções similares que seriam exercidas por policiais ferroviários federais.

Atualmente, as funções de policiamento ostensivo e de vigilância na rede ferroviária


são exercidas por outros órgãos policiais ou por empresas de segurança privada.

Polícia Civil (art. 144, § 4º, da CF)


Às polícias civis incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Polícia Militar (art. 144, §§ 5º e 6º, da CF)


Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições defini-
das em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares
e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e
as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios.

Polícia Penal (art. 144, § 5º-A, da CF)


Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da
unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos
penais.

Em dezembro de 2019, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 104,


que criou a Polícia Penal. Ainda em fase embrionária de implantação, o preenchimento dos qua-
dros da Polícia Penal, de acordo com o art. 4º da EC nº 104, de 2019, será feito de dois modos:
• pela transformação dos atuais cargos de Agentes Penitenciários (ou outro nome do
cargo respectivo) em cargos de Policiais Penais;
• por meio de admissão de novos agentes por concurso público.

Pelo que determina o § 7º do art. 144 da CF/88, a lei orgânica de cada órgão dis-
ciplinará o funcionamento e a estrutura de cada um dos órgãos de segurança pública,
objetivando garantir a eficiência de suas atividades.

Importante notar que as Guardas Municipais não estão relacionadas nos incisos do
art. 144 da CF. Elas estão previstas no seu § 8º, que faculta aos Municípios a sua constitui-
ção, objetivando a proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Em outras palavras, apesar do relevante papel preventivo e suplementar de segurança


pública que as Guardas têm, especialmente em razão de sua ostensividade, decorrente do
uso de uniformes e viaturas, as guardas não são órgãos policiais.

Da mesma forma, órgãos de trânsito, órgãos de vigilância sanitária, e outros tantos


que executam importantes atribuições do Estado, também não se confundem com polícia.

O Supremo Tribunal Federal já assentou, de forma pacífica e incontroversa, que não


podem ser criados órgãos de segurança pública além dos constantes do rol taxativo do
art. 144 e seus incisos. Isso se aplica também aos Estados que criaram Polícias Cientí-
ficas como Corporações autônomas, como é o caso de São Paulo.

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Veja o que ficou decidido nos autos da ADI 2.827, RS:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional


nº 19, de 16 de julho de 1997, à Constituição do Estado do Rio Grande
do Sul; expressão “do Instituto-Geral de Perícias” contida na Emenda
Constitucional nº 18/ 1997, à Constituição do Estado do Rio Grande do
Sul. [...] 3. Criação do Instituto-Geral de Perícias e inserção do órgão no rol
daqueles encarregados da segurança pública. [...] 5. Observância obrigatória,
pelos Estados-membros, do disposto no art. 144 da  Constituição da
República. Precedentes. 6. Taxatividade do rol dos órgãos encarre-
gados da segurança pública contidos no art. 144 da Constituição da
República. Precedentes. 7. Impossibilidade da criação, pelos Estados-
-membros, de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos
no art. 144 [...] 10. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente pro-
cedente. (grifei)

Os Estados-membros, assim como o Distrito Federal, devem seguir o modelo federal


instituído no art. 144 da Constituição, que aponta os órgãos incumbidos do exercício da
segurança pública, sendo-lhes vedado inovar.

Da mesma forma, como adiante será mais bem explicitado, as Forças Armadas não
se constituem órgãos de segurança pública. Elas têm papel fundamental na defesa da
Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, desempenhando papel suplementar de
garantia da lei e da ordem, nos casos de falência dos órgãos de segurança pública.

Segurança Pública e Defesa Nacional:


O papel das Forças Armadas
Hoje em dia, fala-se na doutrina de segurança em um conceito mais amplo, chamado
“grande segurança”, o qual abarca duas espécies distintas: a segurança nacional (defesa
da pátria) e a segurança pública.

Segundo a Política Nacional de Defesa, a Defesa Nacional é o conjunto de medi-


das e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território,
da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas,
potenciais ou manifestas.

Saiba mais em Política Nacional de Defesa, disponível em: https://bit.ly/3cIL2eN

Sendo espécies de um gênero maior, evidentemente que ambas se relacionam, ora


em maior, ora em menor grau.

Atualmente, a insegurança é causada mais por conflitos armados internos do que por
guerras entre países. Daí haver forte conexão entre os papéis das Forças Armadas e das
forças de segurança pública.

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UNIDADE Introdução

Yuval Noah Harari, em sua belíssima obra Homo Deus, apresenta sua visão do motivo
pelo qual houve severa redução dos números de conflitos armados em todo o mundo.

Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

Para o autor, a economia global abandonou suas bases puramente materiais e se


assentou no acúmulo de conhecimento. Se antes as principais fontes de riqueza eram
ouro, petróleo e produtos agrícolas, hoje o conhecimento e a tecnologia são a maior for-
ça das grandes economias mundiais. Embora seja possível conquistar poços de petróleo
por meio da guerra, não se conquista conhecimento dessa forma.

Então, o ser humano não se tornou necessariamente melhor, na visão acurada de


Yuval, mas passou a entender que, para possuir as riquezas de que necessita, precisa
fazer parcerias onde antes se faziam guerras.

Eis o exemplo da grande potência mundial da República Popular da China, maior


parceiro comercial da maioria dos países do globo terrestre.

Some-se a isso o fenômeno da internet e das redes sociais, que deram voz a qualquer
pessoa de qualquer canto do mundo, bastando-lhe ter às mãos um smartphone para que
faça sua “revolução” ou trave sua “guerra”. Ou seja, até mesmo os conflitos mudaram
de paradigma, saindo dos necessários e quase exclusivos confrontos físicos e passando
para uma “guerra” assimétrica ou irregular em que ataques cibernéticos, disseminação
de fake news e polarização política dão o tom dos novos desafios em termos de segu-
rança pública e defesa nacional.

Bem, se os conflitos externos já não são a maior preocupação das nações, certamente
os conflitos internos são um importante fator de inquietação.

Tais conflitos podem ser guerras civis ou disputas entre quadrilhas armadas, criminalida-
de ultraviolenta, terrorismo doméstico, atirador ativo ou crime organizado, o que a doutrina
moderna convencionou chamar de conflito de quarta geração ou guerra assimétrica.

De notar que, no modelo brasileiro, as Forças Armadas e as forças de segurança


pública têm papéis claramente definidos e distintos. No entanto, a Constituição permi-
te que as Forças Armadas atuem em operações de garantia da lei e da ordem – GLO,
assim como alça as polícias militares à condição de reserva ativa do Exército Brasileiro,
podendo a ele se submeter em caso de guerra.

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Figura 1 – Existe uma área de intersecção nas atividades das forças
de segurança e das Forças Armadas, mas elas não se confundem
Fonte: Getty Images

Como se nota, há uma área de intersecção entre defesa nacional e segurança pública,
a qual, apesar de comum, deve ser mantida como excepcional.

No que tange às atribuições das Forças Armadas, assim estabelece a CF/88:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército


e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria,
à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem. (g.n.)

Em linhas gerais, são as seguintes as atribuições de cada Força:

Marinha
Mais antiga Força Armada a operar no País, a Marinha do Brasil atua na defesa das
águas marítimas e fluviais nacionais, que conta a maior bacia hidrográfica do planeta. O país
tem 4,5 milhões de km² de área marítima e um litoral de 7,4 mil quilômetros de extensão.

Cabe à Marinha desenvolver estratégia de monitoramento e controle para a prote-


ção do litoral, bem como fortalecer o conhecimento sobre o meio ambiente marítimo
e posicionar os meios operacionais disponíveis para responder a eventuais crises ou
emergências no mar territorial brasileiro.

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UNIDADE Introdução

Exército
O Exército Brasileiro – EB tem papel relevante na manutenção da unidade e da inte-
gridade nacional. Ele tem a missão condicionada pelas dimensões continentais do Brasil
e pela variedade de ambientes geográficos, bem como por uma faixa de fronteira com
dez países que se estende por quase 17 mil quilômetros.

O EB atua também no apoio às atividades de Defesa Civil, bem como nos proce-
dimentos de recuperação e reconstrução, por meio de seu corpo de engenheiros, que
também coopera constantemente na consecução de obras públicas.

Nas áreas de fronteira terrestre, o Exército atua na prevenção e repressão contra


delitos transnacionais e ambientais, de forma isolada ou em coordenação com outros
entes estatais.

Também tem atuação no apoio à política externa nacional, contribuindo com o maior
número de efetivos militares brasileiros em operações de paz e de ajuda humanitária.

Aeronáutica
A Força Aérea Brasileira – FAB tem a missão de manter a soberania do espaço aéreo
nacional, prevenindo e impedindo a prática de atos hostis ou contrários aos interesses
do País, tanto na vigilância quanto no controle e na defesa do espaço aéreo.

As atribuições do Comando da Aeronáutica incluem o provimento da segurança da


navegação aérea; a operação do Correio Aéreo Nacional; o apoio logístico, de inteligên-
cia, de comunicações e instrução na repressão a delitos que envolvam o uso do espaço
aéreo e as áreas aeroportuárias; além do controle do espaço aéreo brasileiro em coope-
ração com os organismos de fiscalização competentes.

Até onde se viu neste estudo introdutório, já é possível concluir que não é papel das
Forças Armadas realizar, de forma ordinária, o policiamento ostensivo nas ruas. Esse
papel incumbe aos órgãos de segurança.

No entanto, como destacado no art. 142, citado anteriormente, por iniciativa de um


dos poderes constituídos, as Forças Armadas poderão atuar na garantia da lei e da
ordem, nas chamadas operações de GLO.

Normalmente, é o Presidente da República, por meio de Decreto, que determina o


emprego da Força em determinada área, estabelecendo o período e a missão correspon-
dente. Como exemplo, ao longo de quase todo ano de 2020, o Exército foi empregado
em operação de GLO na área da Amazônia Legal, visando coibir o desmatamento ilegal.

• Marinha do Brasil, acesse em: https://bit.ly/3jopA06


• Exército Brasileiro, acesse em: https://bit.ly/2MZ0Q24
• Força Aérea Brasileira, acesse em: https://bit.ly/2LsEGVO

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Figura 2 – Mapa da área que abrange a Amazônia Legal
Fonte: ibge.gov.br

GLO será implementada em 3 estados da Amazônia Legal.


Disponível em: https://youtu.be/1xqR86GsUzE

Assim, utilizando a conceituação contida no manual MD33-M-10 – Operação de Ga-


rantia da Lei e da Ordem (Op GLO), aprovado pela Portaria Normativa nº 186, de 31 de
janeiro de 2014, do Ministério da Defesa, a Operação de Garantia da Lei e da Ordem
pode ser entendida como uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas de for-
ma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por ob-
jetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
em situações de falência operacional dos órgãos previstos no art. 144 da Constituição,
ou em outras em que se presuma ser possível a grave perturbação da ordem.

Como se nota, o papel das Forças Armadas na preservação da ordem pública tem
caráter suplementar e deve ser exercido somente em situações excepcionais, quando
os instrumentos ordinários (forças de segurança) não puderem dar conta das demandas
operacionais para assegurar a preservação da ordem pública.

Da mesma forma, a atuação das forças de segurança pública na defesa da soberania


nacional é excepcional, mas pode ocorrer.

O art. 22, inciso XXI, da Constituição prevê que é competência da União legislar so-
bre normas gerais de convocação das polícias militares e corpos de bombeiros militares.

O Decreto-lei federal nº 667, de 02 de julho de 1969, que reorganiza as polícias mili-


tares e corpos de bombeiros militares, foi recepcionado como lei ordinária e determina,
em seu art. 3º, alínea d, que compete às polícias militares atender à convocação,
inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para
prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção,

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UNIDADE Introdução

subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições específicas


de polícia militar e como participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial.

Mais uma situação de tangência de atribuições e intersecção de atividades.

Importante!
O que é a Força Nacional de Segurança Pública – FNSP?
A FNSP não é uma instituição policial, até porque não está prevista no rol do art. 144 da CF.
Sua criação é inspirada no modelo da Organização das Nações Unidas (ONU) de intervenção
para a paz, cuja atuação se baseia na cooperação para a resolução de problemas.
É um programa de cooperação entre os estados-membros e a União Federal, a fim de
executar, por meio de convênio, atividades e serviços imprescindíveis à preservação da
ordem pública, à segurança das pessoas e do patrimônio, atuando também em situ-
ações de emergência e calamidades públicas, composta de policiais militares e civis,
bombeiros militares e peritos dos estados e do Distrito Federal.

Diferenciação Entre Segurança


Pública e Segurança Privada
A segurança pública, direito fundamental que recebe especial atenção em nossa
Constituição Federal, é dever do Estado, mas este não pode impor sua atuação de forma
indiscriminada. A própria Carta Magna impõe limites à atuação do poder público para
o exercício do poder de polícia e de seus atributos.
Além disso, o aumento da violência relacionada aos crimes patrimoniais e as dificulda-
des para seu enfrentamento por parte dos órgãos de segurança pública, associados a uma
cultura de sensacionalismo por boa parte da imprensa e à disseminação de vídeos e infor-
mações (nem sempre corretas) sobre crimes em redes sociais, faz crescer a sensação de in-
segurança na sociedade, fato este que tem levado, nas últimas décadas, a um significativo
crescimento das atividades de segurança privada, como forma de complementar a atuação
do Estado, que não consegue suprir todas as demandas da sociedade por segurança.
Esse fenômeno impulsionou significativamente a atividade de segurança privada, as-
sim como fomentou o crescimento de condomínios residenciais e comerciais, shoppings
centers, escolas particulares e outros espaços controlados para uso coletivo que deman-
dam cada vez mais essa atividade.
Como destaca Pastana (2003) sobre esse fenômeno, corroborando o que foi exposto
linhas atrás:
De fato a rua não é mais um espaço público de sociabilidade. As pessoas,
apressadas e agarradas aos seus pertences, não param mais para responder a
ninguém e quando o fazem é de maneira aflita e desconfiada. Em determinados
locais e horários, motoristas não obedecem mais à sinalização de trânsito
com medo de assalto e os transportes públicos também não se mostram
como a alternativa segura para o cidadão amedrontado.

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Dessa forma, de maneira bastante preliminar, pode-se dizer que, em regra, os órgãos
de segurança pública, fora das situações de flagrante delito, desastres ou cumprimento
de mandados judiciais, atuam somente extramuros. Ou seja, a sua atuação é voltada ao
bem de toda a coletividade, e não de um indivíduo ou de uma parcela dessa coletividade.
Nas áreas privadas ou para a proteção de bens e interesses particulares, seja em re-
sidências, empresas, shoppings centers, indústrias, casas de espetáculos etc., a atuação
dos órgãos de segurança dependerá de autorização do proprietário ou morador, ou,
ainda, da ocorrência de alguma das situações excepcionais anteriormente nominadas.
A segurança privada, de outro giro, será exercida para a proteção de bens e interes-
ses particulares, seja de um indivíduo, de uma família, de um condomínio, de um grupo
de pessoas, seja de uma empresa. A atuação da segurança privada, portanto, em regra,
é intramuros. A exceção fica por conta das atividades de escolta armada, transporte de
valores e segurança pessoal, que ainda atuam na proteção de bens e interesses particu-
lares, mas a atividade se dá extramuros.
Em suma, a segurança privada é um ramo de atividade econômica, desenvolvido por
pessoas legalmente habilitadas, que tem por objetivo a proteção do patrimônio particular ou
de grupos de pessoas individualizados ou individualizáveis, nos limites permitidos pela lei.
A segurança pública é atividade estatal voltada à preservação da ordem e incolumi-
dade do patrimônio e das pessoas de toda a coletividade.

Como se verifica, o âmbito de atuação da segurança pública é complementar em


relação ao da segurança privada, e vice-versa. Cada um atua onde o outro não pode
atuar, até que aconteça um crime. Nesse caso, os órgãos de segurança passam a ter o
dever de atuar, ao passo que os agentes de segurança privada, como qualquer pessoa
do povo, têm a faculdade de agir:

CPP

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agen-


tes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

No Brasil, a atividade de segurança privada é regulamentada pela Lei nº 7.102, de


20 de junho de 1983, incumbindo à Polícia Federal a fiscalização de todas as atividades
correlatas a esse setor.

A segurança privada, de acordo com o art. 1º, § 3º, da Portaria nº 3.233/12-DG/PF,


pode atuar nos seguintes segmentos:
• Vigilância patrimonial: Atividade exercida em eventos sociais e dentro de estabe-
lecimentos, urbanos ou rurais, públicos ou privados, com a finalidade de garantir a
incolumidade física das pessoas e a integridade do patrimônio;
• Transporte de valores: Atividade de transporte de numerário, bens ou valores,
mediante a utilização de veículos, comuns ou especiais;
• Escolta armada: Atividade que visa garantir o transporte de qualquer tipo de carga
ou de valor, incluindo o retorno da equipe com o respectivo armamento e demais
equipamentos, com os pernoites estritamente necessários;

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UNIDADE Introdução

• Segurança pessoal: Atividade de vigilância exercida com a finalidade de garantir


a incolumidade física de pessoas, incluindo o retorno do vigilante com o respectivo
armamento e demais equipamentos, com os pernoites estritamente necessários;
• Curso de formação: Atividade de formação, extensão e reciclagem de vigilantes.

Importante notar que a lei faculta a que empresas que não atuam no segmento de se-
gurança privada possam constituir, com corpo próprio de funcionários, uma segurança
orgânica para a execução dessas atividades, desde que deem cumprimento ao disposto
na lei e demais legislações pertinentes.

No caso de estabelecimentos financeiros, em que haja guarda de valores ou movi-


mentação de numerário, é obrigatória a existência de sistema de segurança devidamente
aprovado pelos órgãos competentes.

Em Síntese
Nesta unidade foram abordados aspectos conceituais e introdutórios sobre:
• A origem e evolução da polícia como é entendida nos dias atuais;
• O que é segurança pública;
• Quais são os órgãos de segurança pública definidos na Constituição Federal;
• A diferença entre segurança pública e defesa nacional;
• O papel das Forças Armadas;
• A diferença e a complementariedade entre segurança pública e segurança privada.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Gestão de incidentes em segurança pública: artigos de ciências policiais e treinamentos de ações corretivas
AGUILAR, P. A. Políticas públicas de educação em ciências policiais por meio da
identificação, análise, avaliação e gerenciamento de riscos em segurança pública. In:
ULHOA CINTRA, C. R. et al. Gestão de incidentes em segurança pública: artigos
de ciências policiais e treinamentos de ações corretivas. São Paulo: Biografia, 2020.

Vídeos
Fantástico – Desafios da Segurança Pública no Brasil
https://youtu.be/aOmG-usRXHU
Segurança Pública não é só polícia!
https://youtu.be/2J17B1Dsufs

Leitura
Polícias Desmilitarizadas: um debate sobre democracia e controle da força no estado brasileiro
https://bit.ly/3oR5xIA

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UNIDADE Introdução

Referências
BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. 2.
ed. São Paulo: EdUSP, 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso
em: 20/11/2020.

________. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo


Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689com-
pilado.htm>. Acesso em: 20/11/2020.

________. Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969. Reorganiza as Polícias Mili-


tares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Fe-
deral, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto-lei/del0667.htm>. Acesso em: 20/11/2020.

CINTRA, C. R. U., et al. Gestão de incidentes em segurança pública: artigos de


ciências policiais e treinamentos de ações corretivas. São Paulo: Biografia, 2020.

FERNANDES, A. Polícias desmilitarizadas: um debate sobre democracia e controle da


força no estado brasileiro. Disponível em: <https://defendapm.org.br/policias-desmilita-
rizadas-um-debate-sobre-democracia-e-controle-da-forca-no-estado-brasileiro/>. Acesso
em: 08/08/2019.

HARARI, Y. N. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia
das Letras, 2016.

PASTANA, D. R. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social


e cidadania no Brasil. São Paulo: Método, 2003.

Sites visitados
BRASIL. Ministério da Defesa. Aeronáutica. Disponível em: <https://www.gov.br/de-
fesa/pt-br/assuntos/estado-maior-conjunto-das-forcas-armadas/forca-aerea-brasileira>.
Acesso em: 20/11/2020.

________. Ministério da Defesa. Exército. Disponível em: <https://www.gov.br/defe-


sa/pt-br/assuntos/estado-maior-conjunto-das-forcas-armadas/exercito-brasileiro>. Acesso
em: 20/11/2020.

________. Ministério da Defesa. Marinha. Disponível em: <https://www.gov.br/defesa/


pt-br/assuntos/estado-maior-conjunto-das-forcas-armadas/marinha-do-brasil>. Acesso
em: 20/11/2020.

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________. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa. Disponível em: <https://
www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/copy_of_estado-e-defesa/politica-nacional-de-defesa>.
Acesso em: 20/11/2020.

Dicionário Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/policia/>.


Acesso em: 18/11/20.

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