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A FUNÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NA PROTEÇÃO DOS CIDADÃOS

_________________________1

1 Graduando no curso de Segurança Pública pela (NOME DA INSTITUIÇÃO) email:

RESUMO

Este texto tem por objetivo associar o debate teórico e acadêmico ao panorama da segurança pública no
Brasil, destacando pontos da sua função na proteção do cidadão que seriam prioritários para o debate
público. O artigo propõe uma análise da arquitetura institucional que regula o funcionamento da segurança
pública no Brasil, entendidas como a construção de elos de articulação entre a adoção de medidas
incrementais de modernização da gestão da atividade das polícias e a defesa de mudanças legislativas
mais substantivas.

Palavras-chave Segurança pública; Brasil; reformas estruturais; polícias; violência.

ABSTRACT

This text aims to associate the theoretical and academic debate with the panorama of public security in
Brazil, highlighting points of the role in protecting the citizen that would be a priority for the public debate.
The article proposes an analysis of the institutional architecture that regulates the functioning of public
security in Brazil, understood as the construction of links between the adoption of incremental measures to
modernize the management of police activities and more substantive legislative changes.

Keywords Public safety; Brazil; reforms carried out; police; violence.

1.INTRODUÇÃO

A democratização política do fim dos anos 1980 é um marco importante


pelas mudanças na relação entre polícias e sociedade, suscitadas pela construção
da democracia e pelas pressões sociais por novos modelos de política e de polícia;
contudo, igualmente importante pelas continuidades de práticas, saberes e teorias
que levam a constatar, em muitos elementos, que o Estado democrático limita-se a
reproduzir relações que serviam ao governo ditatorial. Segurança pública, desse
modo, acaba subsumida às forças policiais e, mesmo após a Constituição de 1988,
não consegue ser pensada para além da gestão da atividade policial e da lógica do
direito penal.

O fato é que a história recente da segurança pública no Brasil tem sido


marcada por demandas acumuladas e mudanças incompletas. Ganhos, como a forte
redução entre 2000 e 2014 dos homicídios, tendem a perder força, na medida em
que não há normas técnicas, regras de conduta ou padrões capazes de modificar
culturas organizacionais ainda baseadas na defesa do Estado e não da sociedade.
Falta-nos um projeto de governança das polícias brasileiras e de alinhamento das
políticas de segurança pública aos requisitos da democracia e à garantia de direitos
humanos.

As instituições policiais e de justiça criminal não experimentaram reformas


significativas nas suas estruturas. Avanços eventuais na gestão policial e reformas
na legislação penal têm se revelado insuficientes para reduzir a incidência da
violência urbana, numa forte evidência da falta de coordenação e controle. Num
exemplo, temos um Congresso que há quase 27 anos tem dificuldades para fazer
avançar uma agenda de reformas imposta pela Constituição de 1988, que até hoje
possui diversos artigos sem a devida regulação, abrindo margem para enormes
zonas de sombra e insegurança jurídica.

Este artigo pretende iniciar uma discussão sobre a função da segurança


pública e justiça criminal brasileira, cujas respostas aos fenômenos do crime e da
violência nos últimos 27 anos têm se mostrado insuficientes para a promoção de
uma sociedade segura e garantidora de direitos. Na primeira parte do artigo,
traçamos um estado da segurança pública, associando-o às estratégias incrementais
de integração e gestão experimentadas pelas unidades da federação entre a década
de 1980 e os dias de hoje. Na segunda parte, analisamos como o conceito de
segurança, tratado nas perspectivas “interna”, “nacional” e “pública”, foi recepcionado
pelas Constituições Federais, e de que modo essas diferentes nomenclaturas
influenciaram no desenho das políticas de segurança implementadas em cada
período, revelando diferentes paradigmas e perspectivas acerca de como devem se
organizar e atuar as instituições do campo.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Segurança Pública: Direito, Dever E Responsabilidade


Inicialmente, é necessário estabelecer a diferença conceitual entre
segurança pública e ordem pública, já que estas expressões têm sido utilizadas
pelos leigos como sinônimas. O Decreto federal n. 88.777, de 1983, conceitua ordem
pública como sendo:
Conjunto de regras formais que emanam do ordenamento jurídico da
Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse
público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado
pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem
comum.
A noção ordem pública é constituída por condições essenciais à
convivência social, sendo que “a segurança dos bens e das pessoas, a salubridade e
a tranquilidade formam-lhe o fundamento”, segundo Vedel (apud AMORIM, 2009, p.
69). Acrescente-se ainda a estes elementos a questão da Dignidade da Pessoa
Humana, segundo Lazzarini (1999, p. 21). Ou seja, a segurança pública é um dos
elementos que compõem a ordem pública, e para que esta seja preservada deve
haver fiscalização por parte do poder de polícia.

A Constituição Federal tratou o tema da segurança como um direito de


natureza individual (Art. 5º) e, ao mesmo tempo, coletivo ou social (Art. 6º):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos seguintes termos [...]
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.

A Carta Magna também estabelece a segurança como dever do Estado,


direito e responsabilidade de todos:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade


de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio [...]”. Tratou a questão, portanto, de modo a
compartilhar com todos os cidadãos a responsabilidade na construção de
uma sociedade mais segura, que viva em harmonia e em busca do
desenvolvimento, conforme leciona Marcineiro (2009, p. 75).
Dentre os diversos autores que conceituam Segurança Pública, cabe
destaque especial à definição de Lazzarini (1999, p. 21), para quem a segurança é o
estado antidelitual que resulta da observância das leis criminais, resultado da ação
de polícia repressiva ou preventiva que afasta todo o perigo que possa afetar a
ordem pública.
Ainda, importante conceituação é a de Bengochea (2004, p. 120):

A segurança pública é um processo sistêmico e otimizado que envolve um


conjunto de ações públicas e comunitárias, visando a assegurar a proteção
do indivíduo e da coletividade e a aplicação da justiça na punição,
recuperação e tratamento dos que violam a lei, garantindo direitos e
cidadania a todos. Um processo sistêmico porque envolve, num mesmo
cenário, um conjunto de conhecimentos e ferramentas de competência dos
poderes constituídos e ao alcance da comunidade organizada, interagindo e
compartilhando visão, compromissos e objetivos em comum; e otimizado
porque depende de decisões rápidas e de resultados imediatos.

O que se depreende destes conceitos é que a segurança pública é um


direito relacionado à ausência de delitos, danos e prejuízos, ao mesmo tempo em
que é um dever a ser desenvolvido pelos órgãos públicos responsáveis e pela
sociedade em geral, conforme Amorim (2009, p. 65). A finalidade da segurança
pública é garantir a cidadania de todos, dentro dos limites da lei, segundo Graciano,
Matsuda e Fernandes (2009, p. 21).
Para corroborar este entendimento, o Ministério da Justiça propõe, em seu
sítio oficial na internet, o seguinte conceito de Segurança Pública: A segurança
pública é uma atividade que cabe aos órgãos estatais e à comunidade como um todo
e tem por finalidade a proteção da cidadania, por meio da prevenção e do controle de
manifestações de criminalidade e violência, garantindo o exercício pleno da
cidadania nos limites da lei.
Portanto, é evidente que a segurança pública foi influenciada pela nova
concepção da Constituição Cidadã, trazendo reflexos na doutrina de polícia e na
própria atividade de segurança pública, como veremos a seguir.

2.2 Um panorama da criminalidade e das políticas públicas de segurança


A violência urbana persiste como um dos mais graves problemas sociais
no Brasil, totalizando mais de 1 milhão de vítimas fatais nos últimos 24 anos. A taxa
de mortes por agressão saltou de 22,2 no ano de 1990 para 28,3 por 100 mil
habitantes em 2013, com variações importantes entre diferentes estados. Estudo
recente divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC) mostrou que o Brasil possui 2,8% da população mundial, mas acumula
11% dos homicídios de todo o mundo (UNODC, 2014).

Como agravante, pesquisa produzida por Daniel Cerqueira, do Instituto de


Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), calculou que, de 1996 a 2010, quase 130 mil
homicídios no Brasil não entraram nas estatísticas de mortes violentas
(CERQUEIRA, 2013). Isso significa que o número real de assassinatos no país é de
cerca de 60 mil ocorrências anuais. Ou seja, se é verdade que o Brasil tem
melhorado seus indicadores econômicos e sociais, o quadro de violência do país
indica a convivência com taxas de crimes letais em muito superiores às de outros
países e nos coloca no triste ranking das sociedades mais violentas do mundo, isso
sem contar as altas taxas endêmicas de outros crimes violentos (roubos, sequestros,
lesões, mortes pela polícia, etc.).

No que diz respeito à evolução regional, São Paulo, por exemplo, que
chegou a registrar mais de 12 mil vítimas de homicídio no ano de 1999, logrou
redução de 68,2% na taxa desse crime entre 2013 e 2020; já estados como Alagoas
e Ceará verificaram crescimento abrupto dos índices de crimes violentos letais,
alcançando taxas que contribuíram para a compilação dos dados contidos nesta
seção. mortes por agressão de 65,5 e 50,9, respectivamente, em 2020. Como
agravante, pesquisas conduzidas no mundo, demonstram que a maioria das mortes
por agressão no Brasil ocorre por meio da utilização de armas de fogo. Armas essas
que também impõem enormes desafios às políticas públicas da área e reforçam a
agenda de supervisão, transparência e controle do Estado.

Afinal, por um lado e de acordo com a CPI do Tráfico de Armas, 85% das
armas apreendidas pelas polícias são brasileiras (CÂMARA DOS DEPUTADOS,
2006). Por outro, um contingente de armas com alto poder de impacto e destruição é
provido pelo tráfico internacional e passa por portos e fronteiras mal monitoradas.
Essas armas acabam nas mãos dos “soldados” do crime organizado e mudam o
cenário das principais metrópoles brasileiras. Por falar em crime organizado, esse é
um problema que não pode ser desconsiderado na construção de um novo modelo
de segurança pública para o Brasil.

São vários os relatos de situações de violência extrema cometidas por


grupos e facções criminosas no país, mas, ao mesmo tempo, muitos estudos têm
demonstrado que o crime também tem parcela de responsabilidade por “pacificar” as
periferias das cidades, em especial quando tais grupos buscam mitigar o impacto da
ação das polícias. A corrupção policial, por sua vez, é um tema que também chama
atenção, mas pela falta de estudos e pesquisas mais recentes. Pouco se tem
analisado sobre novas formas de atuação ilegal de agentes públicos. Do estudo
clássico de Mingardi (1992) sobre a polícia civil, produzido nos anos 1980, pouco se
aprofundou acerca do papel das instituições públicas encarregadas de enfrentar e
prevenir a corrupção. Em especial, há uma agenda em aberto hoje no país sobre
corregedorias e mecanismos de controle. Somado a essa realidade, outro dado é
revelador do quadro vivido pelo país na área e diz respeito às altas taxas de
letalidade da ação policial no país.

As polícias brasileiras atuam a partir de um padrão de policiamento que


comporta um número de mortes em confronto muito superior aos observados em
vários países desenvolvidos do mundo. De acordo com Loche (2010), existem três
critérios usualmente utilizados para aferir o uso da força letal: (1) a relação entre civis
mortos e policiais mortos; (2) a razão entre civis feridos e civis mortos pela polícia;
(3) a proporção de civis mortos pelas polícias em relação ao total de homicídios
dolosos. Se o total de pessoas mortas pela polícia é muito superior ao de policiais
mortos em serviço, se a ação da polícia produz mais mortes do que feridos, e se as
mortes cometidas pela polícia correspondem a um elevado percentual do total de
homicídios, pode-se inferir que a polícia está cometendo excessos no uso da força
letal.

Segundo a autora, estudos realizados nos EUA demonstram que as


mortes de civis decorrentes da ação policial representam 3,6% do total de homicídios
dolosos registrados em todo o país no período de cinco anos. No Brasil é difícil fazer
o mesmo cálculo, pois os dados relativos a esse fenômeno são frágeis, mas,
comparativamente, o percentual de mortos pelas polícias apenas em serviço em
relação ao total de homicídios no ano de 2020 por policiais chega a 11,8%, mais de
quatro vezes superiores ao índice americano. Não à toa, diversos são os relatórios
produzidos por entidades internacionais defensoras dos direitos humanos sobre
violência policial no Brasil (ANISTIA INTERNACIONAL, 2018; HUMAN
RIGHTSWATCH, 2019; ONU, 2020).

Já no campo institucional, é interessante aproveitar que a Lei de


Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 maio 2000) obriga todos os
entes da Federação a divulgarem seus gastos por funções e subfunções e analisar
dados sobre despesas com segurança pública. Assim, segundo os balanços
contábeis da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios brasileiros,
sistematizados pela Secretaria do Tesouro Nacional, o Brasil gastou, em 2020, mais
de R$ 90 bilhões com segurança pública, aproximadamente 1,3% do PIB nacional.
Em termos comparativos, temos o mesmo patamar de despesas na área que países
como Alemanha e Espanha, que contabilizam taxas de homicídio inferiores a 1 por
100 mil habitantes, na evidência empírica de que o aumento de recursos na área não
leva necessariamente a políticas de segurança mais eficientes no combate ao crime.

Os gastos públicos nessa área parecem não guardar relação com a


realidade, mas tão somente com as prioridades políticas assumidas pelas três
esferas do Poder Executivo. Na análise das despesas da União, estados, Distrito
Federal e municípios chama a atenção: (1) o aumento nominal de recursos
destinados à segurança pública realizado pelas UFs ano a ano não foi suficiente para
manter a participação dessas unidades no total de recursos gastos pelas três esferas
do Poder Executivo; (2) não obstante o incremento de 76% nas despesas da União
no período de 2011 a 2020, verifica-se perda de sua participação no último ano
disponível da série; (3) o aumento expressivo de recursos na função “segurança
pública” declarado pelos municípios que, nesse mesmo período, sofreu um
incremento de 197%. Os dados demonstram que os entes subnacionais assumiram
um papel mais ativo (antes eles já financiavam gastos operacionais das polícias,
como aluguéis, contas de consumo e manutenção e combustíveis das viaturas),
porém esbarraram numa séria crise de financiamento de suas ações na área. Não há
fontes de receitas específicas e há uma forte competição pelos repasses voluntários
da União, que, a partir de 2011, com o Fundo Nacional de Segurança Pública, incluiu
os municípios no rol de habilitados a receber recursos para essa área.

Já sobre o sistema prisional brasileiro, convivemos ainda com um sistema


de justiça que não é capaz de julgar os 222.190 encarcerados em situação provisória
nas prisões brasileiras, mesmo frente a um déficit de 203.531 vagas, segundo dados
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para o ano de 2020. A realidade de oito
estados é ainda mais grave na medida em que verificamos que mais de 50% da
população prisional não foi julgada: Sergipe com 70,9%; Piauí com 63,6%;
Pernambuco com 59,1%; Amazonas com 56,6%; Bahia com 54,9%; Maranhão com
54,8%; Mato Grosso com 52,8%; Roraima com 50,3%. Além da evidente
incapacidade do sistema de justiça criminal brasileiro de processar e julgar a
população carcerária que se amontoa nos presídios de todo o país, chama atenção a
evolução do número de presos com relação às vagas existentes no sistema prisional.

2.3 A Segurança Pública na Constituição da República

Sob a égide do Estado Democrático de Direito a República Federativa do


Brasil apresenta como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político
(CR, Art. 1.º e incisos). Nesse contexto constituem objetivos fundamentais da
República construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento
nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (CR, Art.3º e incisos).

Com o advento da Constituição de 1988, no âmbito da segurança pública,


houve uma completa reforma na concepção ideológica e doutrinária da segurança
pública. Reconhecida, nos termos do Art. 144, como sendo um poder-dever do
Estado a nova concepção não se limita exclusivamente as intervenções
contingenciais de manutenção da ordem pública contra manifestações e atos de
desordem regulados pelo interesse do Estado-Nação. Amplia o conceito destacando
o esforço de preservação permanente da ordem pública sob a ótica das atitudes e
dos valores do cidadão e da sociedade como um todo, consubstanciados pelos
fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa, consoante o Estado
Democrático de Direito. Além de “dever do Estado”, como se prescreve no art. 144
da Constituição, a segurança pública também é responsabilidade de todos, pois além
de, numa Democracia, o modelo de Estado estar condicionado a vontade do povo é
certo dizer que provisão de ordem está diretamente relacionada com as atitudes e
valores do cidadão, quer isoladamente ou em coletividade.

3. ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICA

Convém aqui destacar algumas considerações preliminares sobre a


relação entre ordem e segurança pública. O conceito de ordem pública nos remete a
um universo de relações sociais constituídas a partir do ordenamento político e
jurídico do Estado, bem como das demandas e expectativas da sociedade. A noção
de ordem pública refere-se aos modelos legais e legítimos de organização
ramificadas no tecido social, através de processos interativos, individuais ou
coletivos, permanentes ou ocasionais, todos centrados em normas e padrões de
conduta ética orientados para o convívio social pacífico e harmonioso. Já a
segurança pública constitui por excelência uma atividade revestida de dinâmicas
próprias e orientada como função na perspectiva da garantia da ordem. Nas palavras
de Diogo de Figueiredo Neto “A segurança existe para evitar o comprometimento da
ordem” .

3.1. Organização da Segurança Pública na Constituição da República

Para o exercício da segurança pública o Estado, através de órgãos


específicos, realiza funções, organizadas e sistematizadas conforme prescrito no
Capítulo III da Constituição: Capítulo III DA SEGURANÇA PÚBLICA Art. 144. A
segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida
para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – Polícia federal;

II – Polícia rodoviária federal;

III – Polícia ferroviária federal;

IV – Polícias civis;

V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1.º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,


estruturado em carreira, destina-se a:

I – Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em


detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas
e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em
lei;

II – Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o


contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos
públicos nas respectivas áreas de competência;

III – Exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;

IV – Exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.


§ 2.º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-
se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3.º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em


carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias
federais.

§ 4.º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,


incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração das infrações penais, exceto as militares.
§ 5.º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6.º As policias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares


e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7.º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos


responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas
atividades.

§ 8.º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à


proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

4. Funções da Segurança Pública

Nesse contexto, no âmbito da segurança pública e da competência do


poder público estadual, verifica-se a existência de dois níveis funcionais policiais
bipartidos:

1.º a polícia administrativa da ordem pública é a que realiza a prevenção e


a repressão imediata, atuando individual ou coletivamente.

2.º a polícia judiciária é a que apura as infrações pessoais e auxilia o


Poder Judiciário, realizando a repressão mediata, atuando individualmente.

A atuação do Estado, no exercício de seu poder de polícia (o poder de


polícia congrega três atributos fundamentais: discricionariedade, auto-executoriedade
e coercibilidade), se desenvolve em quatro fases: ordem de polícia, consentimento
de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia. Admitidas as exceções
expressas no texto constitucional depreende-se a seguinte consideração no âmbito
das competências funcionais dos órgãos referidos:

Regra geral, o modelo do sistema de segurança pública adotado pela


República Federativa do Brasil obedece à lógica das funções bipartidas, ou seja,
cada polícia cumpre parte das funções previstas para o ciclo completo de atividades
policiais (Polícia Administrativa + Polícia Investigativa + Polícia Técnica). A polícia
federal, na área específica do tráfico ilícito de entorpecentes, contrabando e
descaminho, bem como no exercício das funções de polícia marítima, aérea e de
fronteiras atua preventivamente, promovendo, na eventual ruptura da ordem pública,
a sua imediata restauração, inclusive, se for o caso, atuando repressivamente.

Além disso atua de forma mediata e repressiva (após a ocorrência de


infração penal contra a ordem política e social ou aquelas perpetradas em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em
lei), bem como exerce as funções de polícia judiciária da União.

As polícias rodoviária e ferroviária estadual atuam, mediante a ação de


patrulhamento na fiscalização das rodovias e ferrovias federais, respectivamente. As
polícias civis, ressalvada a competência da polícia federal, atuam de forma mediata e
repressiva (após a ocorrência de infração penal, exceto as militares), bem como
exerce as funções de polícia judiciária.

As polícias militares realizam o trabalho de polícia ostensiva e a


preservação da ordem pública, exercendo, em sua plenitude o desenvolvimento das
fases do poder de polícia do Estado. As polícias militares atuam preventivamente,
promovendo, na eventual ruptura da ordem pública, a sua imediata restauração,
inclusive, se for o caso, atuando repressivamente.

Os corpos de bombeiros atuam no limite inopinado da intervenção sempre


que provocado, sob as mais diversas situações intempestivas, especialmente em
operações de combate a incêndios e defesa civil. De acordo com a Constituição da
República (parágrafo 8º do Art. 144), “os Municípios poderão constituir guardas
municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme
dispuser a lei”. Depreende-se, portanto, que muito embora não haja condições
explícitas para o exercício direto do Poder de Polícia por parte do agente da guarda
municipal, mediante ação fiscalizadora, a autoridade municipal competente,
detentora do Poder de Polícia, pode, através da sua guarda municipal, que estará
sempre respaldada nas exigências legais que autorizam o seu funcionamento,
exercer atividades de proteção patrimonial, serviços e instalações.

Nesse sentido a função primordial da guarda municipal é a vigilância. Em


primeira instância, o agente da guarda atua, através da sua presença ostensiva,
como interlocutor das demandas e expectativas sociais junto ao governo e também,
num segundo momento, como defensor do patrimônio municipal, zelando pelo bom
funcionamento dos serviços e das instalações urbanas, bem como pelo cumprimento
do código de posturas. Em terceira instância, na hipótese de flagrante delito, o
guarda municipal, amparado pelo Código de Processo Legal, atua como agente da
lei.

4.1. Desafios e Perspectivas

O atual modelo do sistema da segurança pública no Brasil, com funções


policiais bipartidas, nos inspira alguns desafios, dentre os quais destaca-se o de se
elaborar políticas de segurança pública capazes de apresentar resultados
significativos. Nesse sentido, aproveitando os ensinamentos do ilustre Dr. Professor
Luiz Eduardo Soares, verifica-se que só há Política de Segurança se houver
diagnóstico tecnicamente orientado sobre a criminalidade e a violência e só há
diagnóstico se houver dados consistentes sobre as diferentes dinâmicas criminais e
violenta que afetam o cotidiano dos cidadãos.

Sem conhecimento adequado sobre as particularidades das dinâmicas


criminais, não pode haver um diagnóstico acurado capaz de mapear as demandas
dos cidadãos, de identificar prioridades, de orientar a alocação eficiente e eficaz dos
recursos de segurança pública, de instruir a definição de metas adequadas e
realistas que produzam os resultados desejados. Sem diagnóstico não pode haver
uma política global, nem políticas setoriais de segurança que efetivamente enfrentem
os reais problemas vividos de forma diferenciada pelos cidadãos. Sem uma política,
isto é, sem planejamento racional, não pode haver avaliação e correções tópicas ou
globais. Sem planejamento não se pode aprender com os erros.
O mais importante não é acertar sempre, o que seria impossível. O
importante é dispor de uma estrutura organizacional e gerencial que nos permita
aprender com os erros. Assim como não se deve falar em violência em geral ou em
criminalidade em geral, pois a criminalidade é diversificada e atua segundo lógicas e
dinâmicas distintas, tampouco se deve falar em uma política de segurança, em
termos genéricos. As perspectivas sinalizam a possibilidade de, a partir da definição
de padrões de modelagem, tecnicamente orientados para a coleta, o tratamento e a
análise dos dados e informações de interesse estatístico se possa produzir
conhecimentos consistentes e qualificados (indicadores de violência, criminalidade e
desordem) capazes de efetivamente orientar a formulação de políticas de segurança
pública, bem políticas públicas de segurança.

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