Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
*
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ – UNESP. Endereço
eletrônico: brunopenas@hotmail.com.
57
Paulo Gustavo Gonet Branco discorre que “As liberdades são proclamadas partindo-
se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da auto-realização, responsável pela
escolha dos meios aptos para realizar as suas potencialidades” (BRANCO, 2010, p. 450). Daí
há a justificativa do Estado Democrático como guarnecedor dessas liberdades, impedindo-as
que se tornem meramente formais, isto é, permanecem apenas no plano dispositivo, sem
apresentarem efetivação no plano concreto.
Em busca de uma conceituação fazemos menção a Jónatas Machado: “O direito à
liberdade de expressão constitui o direito mãe a partir do qual as demais liberdades
comunicativas foram sendo autonomizadas, tendo em vista responder às sucessivas mudanças
tecnológicas, econômicas e estruturais relevantes ao domínio da comunicação”. Conclui ainda
“[...] nesta acepção o direito à liberdade de expressão apresenta-se como elemento
fundamental e constitutivo da personalidade humana, com importantes refracções em todos os
momentos, domínios e modos do seu desenvolvimento”. (MACHADO, 2002, p. 416).
Tratando-se, assim, de um direito fundamental, a Constituição Federal de 1988 em
seu artigo 5º consagra a positivação da liberdade de expressão:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; [...] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença. [...] XIV – é assegurado
a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional;
Constituição”.
Nestes termos, além de direito fundamental positivado na Carta Magna, a liberdade
de expressão constitui-se em cláusula pétrea, consagrada ao povo brasileiro no artigo 60, § 4º,
IV da Constituição Federal de 1988, não suscetível, assim, de alteração ou supressão.
O sentido da previsão adotada faz referência à liberdade de expressão do pensamento
latu sensu, visto que a margem de amplitude que esse conceito abrange é extremamente
diversificada.
Dentre alguns aspectos específicos, destacamos a liberdade de expressão intelectual,
artística e científica, nos termos do artigo 5º, inciso IX, acima mencionado. Nessa temática
discorre José Afonso da Silva “[...] as manifestações intelectuais, artísticas e científicas são
formas de difusão e manifestação do pensamento, tomado esse termo em sentido abrangente
dos sentimentos e dos conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos” (SILVA, 2007, p.
253). Encontra-se legalmente amparada, portanto, a expressão da atividade intelectual, seja
para fins de difusão do conhecimento, seja para fins intuitivos, relativos à arte, bem como às
expressões artísticas, a exemplo das artes plásticas, a literatura e a música.
Quanto à tônica de liberdade de expressão cultural, o Texto Constitucional reservou
capítulo específico sobre a cultura, nos artigos 215 e 216, nos quais “O Estado garantirá a
todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará
e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, dentre estas as
manifestações da cultura popular, indígena e afro-brasileira.
Enaltecendo a magnitude do dispositivo constitucional aludido, José Afonso da Silva
disciplina: “[...] aí se manifesta a mais aberta liberdade cultural, sem censura, sem limites:
uma vivência plena de valores do espírito humano em sua projeção criativa, sem sua produção
de objetos que revelem o sentido dessas projeções da vida do ser humano”. (SILVA, 2007, p.
255).
Cabe-nos ressaltar, também, conforme preceitua Edilson Pereira Nobre Júnior, que as
liberdades de expressão não condizem apenas com o aspecto interno do ser humano, o qual se
manifesta irrelevante juridicamente, mas há o acréscimo de algo mais: “a possibilidade do ser
humano de exprimir o que pensa”, constituindo “algo que é inerente à natureza social do
homem”. (NOBRE JÚNIOR, 2009, p. 05).
Acrescemos, ainda, no mesmo sentido, a precisa lição de Gregóri Badeni (2004, p.
448):
59
direitos fundamentais são tutelados visando garantir a formação livre da vontade individual.
Nesse mesmo raciocínio fazemos menção ao magistério de Paulo Gustavo Gonet Branco
(2010, p. 451):
1
Valemo-nos da expressão de Norberto Bobbio.
62
2
A Lei n. 5.250 de 09-02-1967 (Lei de Imprensa), revogada em 30 de abril de 2009 no julgamento da ADPF 130
pelo STF, previa os mesmos delitos do Código Penal para os veículos da imprensa com penas mais severas nos
respectivos artigos 20, 21 e 22.
65
3
“O STJ já decidiu, também, que a simples veiculação de fotografia para divulgação, feitas no local de trabalho,
não gera, por si só, o dever de indenizar o fotografado, mesmo sem prévia autorização.
No caso (Resp 803.129), a Universidade do Vale do Rio dos Sinos contratou profissional em fotografia para a
elaboração de panfletos e cartazes. O objetivo era divulgar o atendimento aos alunos e ao público frequentador
da área esportiva. Além das instalações, as fotos mostravam o antigo técnico responsável pelo departamento no
cumprimento de suas funções.
O técnico entrou com pedido de indenização pelo uso indevido de sua imagem. Ao analisar o recurso da
universidade, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que as fotos serviram apenas para a divulgação dos
jogos universitários realizados no local onde o técnico trabalhava. ‘Nesse contexto, constato que não houve
dano algum à integridade física ou moral, pois a Universidade não utilizou a imagem do técnico em situação
vexatória, nem tampouco para fins econômicos. Desse modo, não há porque falar no dever de indenizar ’,
explicou o ministro.” Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao /engine.wsp ?tmp.
area=398&tmp.texto=101305>. Aceso em 11 mar. 2012.
66
4
BRASIL. Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a liberdade de manifestação do pensamento e
informação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 fev. 1967.
67
Ministro, ocasionará o “[...] surgimento de uma insegurança jurídica tanto para o cidadão
como para os órgãos de mídia, que se submeterão ao arbítrio do Judiciário”. (ANDRADE,
2010, p. 278).
Sabemos que o texto da lei em comento restou não recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, de modo que dentre as principais alterações elencamos: não há mais previsão
para penas de prisão específicas para jornalistas, de modo que os tais crimes passam a ser
regulamentos pelos dispositivos do Código Penal, com penas mais brandas, e os juízes não
5
podem mais proferir decisões com base na extinta Lei. Devem-se aplicar, então, os
dispositivos previstos no Código Civil, Código Penal e a Constituição Federal.
Outro debate aflorado diz respeito à necessidade de um novo dispositivo legal que
regulamente a matéria. A nosso juízo, em consonância com entendimento de Ana Carolina
Oliveira de Andrade e os votos favoráveis à procedência da ADPF 130, o ordenamento
jurídico brasileiro, nos diversos preceitos legais, possui aparato normativo suficiente para dar
o devido suporte legal em caso de exercício impróprio da liberdade de informação por parte
da imprensa. Nesse sentido (ANDRADE, 2010, p. 281):
5
“Um jornalista condenado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com base na Lei de Imprensa, a um
ano e quatro meses de detenção — pena substituída por pena restritiva de direitos, foi inocentado pelo
Superior Tribunal de Justiça. Em seu voto, a ministra Laurita Vaz citou o artigo 2º do Código Penal —
‘Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a
execução e os efeitos penais da sentença condenatória’. A ministra anulou a condenação com base no fato de
que a Lei de Imprensa foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.” Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2011-jul-30/jornalista-condenacao-anulada-revogacao-lei-imprensa>. Acesso em:
12 mar. 2012.
68
7
BRASIL. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br / id
h />. Acesso em: 13 mar. 2012.
8
BRASIL. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br / id
h />. Acesso em: 13 mar. 2012.
70
9
Esse projeto foi convertido em lei pelo Congresso no dia 22 de dezembro 2011. “A lei estabelece critérios de
preços, comercialização e produção para atender à demanda interna dos jornais, através de um aparato
regulatório a cargo do ministério da Economia.” In: Congresso argentino aprova lei do papel de imprensa.
Disponível em: <http://entretenimento.uol.com.br/ noticias/afp/2011/12/22/ congresso-argentino-aprova-lei-do-
papel-de-imprensa.htm>. Acesso em: 13 mar. 2012.
71
a lição do professor José Afonso da Silva, quando ao dever ético e moral da empresa
prestadora da informação, ou mesmo do jornalista, independente da atuação condescendente
do Estado ou antidemocrática dos grandes veículos de comunicação de massa (SILVA, 2007,
p. 247).
Em agosto de 1996, numa choperia, situada na zonal sul da cidade de São Paulo, um
assalto entraria para as páginas desmedidas e inconsequentes da imprensa brasileira. O crime
culminou na morte do dentista José Renato Tahan, de 26 anos, e da estudante de odontologia
Adriana Ciola, de 23 anos. Quanto aos autores, além da investigação confusa e ineficiente das
autoridades policiais, a busca pelos culpados contou com um forte “aliado”: os meios de
imprensa.
O menor Cléverson Almeida de Sá foi o primeiro a ser preso, em virtude de um
assalto mal sucedido. Já no Distrito Policial, foi apontado pelas autoridades presentes, sem
10
Valemo-nos da expressão de Carlos Dorneles na obra: DORNELES, Carlos. Bar Bodega: um crime de
imprensa. São Paulo: Globo, 2007.
72
sombra de dúvidas, tratar-se “[...] de um dos caras do Bar Bodega”. (DORNELES, 2007, p.
30).
A truculência dos policiais e as inúmeras atrocidades cometidas contra Cléverson,
através da tortura, levaram-no a confessar sua autoria no crime, indicando como parceiros, na
referida empreitada criminosa, os primeiros nomes que lhe vinham à mente.
Como um ato em cadeia, seguido sempre de muita tortura física e psicológica, nove
“suspeitos” de terem praticado o assalto supramencionado foram presos, muitos dos quais,
sequer tinham passagem pela polícia.
Os meios de imprensa na época, sedentos por manchetes impactantes,
disseminadoras de uma sensação de insegurança e violência acirrada na sociedade paulistana,
talvez atrelado ao fato de ter havido eleições municipais no referido ano, não pouparam
nenhum dos supostos envolvidos, promovendo do lamentável ocorrido, um verdadeiro
espetáculo.
De acordo com as páginas dos jornais e com os noticiários televisivos diários, o
crime estava esclarecido, não havia dúvidas de que os suspeitos eram realmente os assaltantes
do caso Bodega, mesmo com as inúmeras contradições nas supostas confissões apresentadas,
com as incertezas no reconhecimento pessoal por partes das testemunhas e, ainda, sem o
término do relatório final a ser elaborado pelo Delegado, na fase do inquérito policial.
Finalmente, em meio ao verdadeiro martírio no qual se transformara as vidas
daqueles inocentes, alvos de um ódio externado pelos diversos veículos de imprensa, surge a
figura do Promotor de Justiça Eduardo Araújo da Silva.
O representante do Órgão Ministerial, cumpridor de seus deveres constitucionais,
investido de coragem e retidão, arquivou o aludido expediente investigatório, argumentando
que o trabalho técnico da perícia, as confissões que não se encaixavam na verdadeira
dinâmica dos fatos e os elementos de convicção coligidos nos autos, que destoavam
totalmente dos depoimentos das vítimas que se encontravam no bar quando do assalto,
consubstanciavam em verdadeira insuficiência de provas para processar aqueles suspeitos.
Assim, foi determinada a soltura dos indivíduos. Estes, contudo, jamais seriam os
mesmos após serem os personagens principais de verdadeiras atrocidades, típicas das
selvagerias atreladas à mentalidade vigente nos tempos medievais.
Por fim, em março de 1997, cinco novos acusados do caso Bodega foram levados a
julgamento e condenados a penas que variavam de 23 a 48 anos. Na sentença, o juiz Ernesto
73
6 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Ana Carolina Oliveira de. Repercussão jurídica do fim da Lei de Imprensa. In:
Revista de Direito Privado. Ano 11. vol. 44. Out.-dez/2010.
BADENI, Gregorio. Tratado de derecho constitucional. Buenos Aires: La Ley, 2004, t.1.
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. In: MENDES, Gilmar Ferreira et. al. Curso de direito
constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DORNELES, Carlos. Bar Bodega: um crime de imprensa. São Paulo: Globo, 2007.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2007.
ABSTRACT
76