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ISSN 2316 – 6487


(vol. 2, n. 1. jan. – jun. 2013)

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO FUNDAMENTO DO REGIME


DEMOCRÁTICO: O DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO

Bruno Pereira do Nascimento*

RESUMO

O presente artigo busca realizar depurado estudo sobre o direito


fundamental à liberdade de expressão, previsto no ordenamento
jurídico pátrio, e que permite a qualquer indivíduo a livre
manifestação de ideias, convicções políticas, religiosas e filosóficas.
Abarca as diversas facetas pela qual a aludida liberdade é exercida
pelos veículos de comunicação social, seus limites e reflexos na
sociedade contemporânea, pautando-se, principalmente, por uma
análise crítica, amparada por julgados dos Tribunais Superiores.

Palavras chave: Liberdade de expressão. Direitos fundamentais.


Limites. Mídia.

1 INTRODUÇÃO

No vasto catálogo de direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de


1988, encontramos a consagração de variadas liberdades, as quais sob a égide do princípio da
dignidade da pessoa humana, alçado ao status de fundamento de nosso Estado Democrático
de Direito, constituem-se no vértice da sistematização dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, especial relevância assume a liberdade de expressão, pressuposto
incontestável para a tutela das garantias fundamentais dos cidadãos e para vigência dos
princípios democráticos consagrados na Carta Magna.
Ocorre que embora expressamente disciplinado no ordenamento jurídico pátrio, esse
direito fundamental não é absoluto, deparando-se com limites para seu exercício, os quais, por
diversas vezes, soa não claro a delimitação precisa de sua esfera disponível de atuação.
Nesse ínterim, buscamos realizar estudo sobre as variadas facetas do exercício da
liberdade de expressão em nosso país, promovendo levantamento das origens dos veículos de
comunicação, no intuito de compreendermos o vínculo que os entrelaça ao poderio político
estatal, sempre destacando a magnitude e o intenso poder difusor de ideias que caracterizam o
instituto em comento.

*
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ – UNESP. Endereço
eletrônico: brunopenas@hotmail.com.
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Valendo-se, assim, de uma abordagem dedutiva-bibliográfica, pela qual através de


amplo levantamento de livros, revistas, jornais, artigos, sites e, sobretudo, jurisprudências,
buscamos chegar ao preciso entendimento que os Tribunais Superiores em nosso país vem
concedendo à matéria aqui tratada, de modo que possamos estabelecer ilações pelas quais
como a atuação desse direito fundamental vem gerando reflexos na sociedade contemporânea.

2 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO SUBJETIVO FUNDAMENTAL

Paulo Gustavo Gonet Branco discorre que “As liberdades são proclamadas partindo-
se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da auto-realização, responsável pela
escolha dos meios aptos para realizar as suas potencialidades” (BRANCO, 2010, p. 450). Daí
há a justificativa do Estado Democrático como guarnecedor dessas liberdades, impedindo-as
que se tornem meramente formais, isto é, permanecem apenas no plano dispositivo, sem
apresentarem efetivação no plano concreto.
Em busca de uma conceituação fazemos menção a Jónatas Machado: “O direito à
liberdade de expressão constitui o direito mãe a partir do qual as demais liberdades
comunicativas foram sendo autonomizadas, tendo em vista responder às sucessivas mudanças
tecnológicas, econômicas e estruturais relevantes ao domínio da comunicação”. Conclui ainda
“[...] nesta acepção o direito à liberdade de expressão apresenta-se como elemento
fundamental e constitutivo da personalidade humana, com importantes refracções em todos os
momentos, domínios e modos do seu desenvolvimento”. (MACHADO, 2002, p. 416).
Tratando-se, assim, de um direito fundamental, a Constituição Federal de 1988 em
seu artigo 5º consagra a positivação da liberdade de expressão:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; [...] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença. [...] XIV – é assegurado
a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional;

Em alusão ao guarnecimento do regime democrático, acrescenta ainda o artigo 220


que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
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Constituição”.
Nestes termos, além de direito fundamental positivado na Carta Magna, a liberdade
de expressão constitui-se em cláusula pétrea, consagrada ao povo brasileiro no artigo 60, § 4º,
IV da Constituição Federal de 1988, não suscetível, assim, de alteração ou supressão.
O sentido da previsão adotada faz referência à liberdade de expressão do pensamento
latu sensu, visto que a margem de amplitude que esse conceito abrange é extremamente
diversificada.
Dentre alguns aspectos específicos, destacamos a liberdade de expressão intelectual,
artística e científica, nos termos do artigo 5º, inciso IX, acima mencionado. Nessa temática
discorre José Afonso da Silva “[...] as manifestações intelectuais, artísticas e científicas são
formas de difusão e manifestação do pensamento, tomado esse termo em sentido abrangente
dos sentimentos e dos conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos” (SILVA, 2007, p.
253). Encontra-se legalmente amparada, portanto, a expressão da atividade intelectual, seja
para fins de difusão do conhecimento, seja para fins intuitivos, relativos à arte, bem como às
expressões artísticas, a exemplo das artes plásticas, a literatura e a música.
Quanto à tônica de liberdade de expressão cultural, o Texto Constitucional reservou
capítulo específico sobre a cultura, nos artigos 215 e 216, nos quais “O Estado garantirá a
todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará
e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, dentre estas as
manifestações da cultura popular, indígena e afro-brasileira.
Enaltecendo a magnitude do dispositivo constitucional aludido, José Afonso da Silva
disciplina: “[...] aí se manifesta a mais aberta liberdade cultural, sem censura, sem limites:
uma vivência plena de valores do espírito humano em sua projeção criativa, sem sua produção
de objetos que revelem o sentido dessas projeções da vida do ser humano”. (SILVA, 2007, p.
255).
Cabe-nos ressaltar, também, conforme preceitua Edilson Pereira Nobre Júnior, que as
liberdades de expressão não condizem apenas com o aspecto interno do ser humano, o qual se
manifesta irrelevante juridicamente, mas há o acréscimo de algo mais: “a possibilidade do ser
humano de exprimir o que pensa”, constituindo “algo que é inerente à natureza social do
homem”. (NOBRE JÚNIOR, 2009, p. 05).
Acrescemos, ainda, no mesmo sentido, a precisa lição de Gregóri Badeni (2004, p.
448):
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Para o homem, a liberdade de pensamento resulta insuficiente no âmbito de sua vida


espiritual. Devido a sua natureza social, necessita, além de pensar, poder comunicar
seu pensamento a outros e conhecer o conteúdo do pensamento das pessoas com as
quais vive no marco das inumeráveis comunidades e sociedades que integra.

Devemos frisar também que, em meio ao reconhecimento do direito subjetivo


fundamental de expressarmos livremente nossos pensamentos, alguns regramentos devem ser
observados, impedindo-nos de taxá-lo como direito absoluto, ilimitado ou imune. Em que
pese referido direito estar disposto no rol de cláusulas pétreas, alertando para a
impossibilidade de supressão, a manifestação deve trazer obrigatoriamente sua autoria,
consoante determina artigo 5º, inciso IV “[...] sendo vedado o anonimato”.
Tal preceito tem por fundamento base viabilizar a reparação dos danos causados pela
utilização abusiva e desvinculada dos fins éticos e morais, inerentes à liberdade de expressão
tutelada no ordenamento jurídico pátrio.
Nesse sentido, fazemos alusão ao voto do então Ministro da Suprema Corte Maurício
Corrêa (STF, 2004):

Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta.


Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua
abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As
liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de
maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição
Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de
expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito
individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede
com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade jurídica. (grifo nosso).

3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO: A


GARANTIA DA DIVERSIDADE DE OPINIÕES

Partindo de um aspecto conceitual, temos a liberdade de comunicação como gênero,


da qual derivam diversas espécies, como “[...] as liberdades de expressão do pensamento, de
informação em geral, de informação jornalística e a disciplina dos meios de comunicação”.
(NOBRE JÚNIOR, 2009, p. 06).
Este rol de liberdades, seja em âmbito mais genérico ou específico, é o responsável
pela preservação do sistema democrático, pelo desenvolvimento da personalidade, explorando
todas as potencialidades da cada indivíduo, culminando com um sistema equilibrado em que
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direitos fundamentais são tutelados visando garantir a formação livre da vontade individual.
Nesse mesmo raciocínio fazemos menção ao magistério de Paulo Gustavo Gonet Branco
(2010, p. 451):

A plenitude da formação da personalidade depende de que se disponha de meios


para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo
para que se possa participar de debates e para que se tornem decisões relevantes. O
argumento humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da
dignidade humana. O argumento democrático acentua que “o autogoverno postula
um discurso político protegido das interferências do poder” A liberdade de expressão
é, então, enaltecida como instrumento para o funcionamento e preservação do
sistema democrático (o pluralismo de opiniões é vital para a formação da vontade
livre).

No tocante à liberdade de informação, mais propriamente relativo ao direito de


informar, cabe-nos distingui-la do “direito à informação”. José Afonso da Silva (2007, p.
260), valendo-se das lições de Freitas Nobre, estabelece que o segundo é um direito coletivo,
ou mesmo, um direito da coletividade à informação. O direito de informar, por sua vez,
assume caráter individual, em virtude de sua gênese na liberdade de manifestação do
pensamento, podendo, também, ser caracterizado como direito pessoal e profissional.
Apresenta-se hodiernamente, contudo, “contaminado de sentido coletivo, em virtude das
transformações dos meios de comunicação”, daí, também, que a liberdade de informação
deixou de ser mera função individual para apresentar função social.
A própria Constituição Federal de 1988 acolheu tal distinção, esclarece José Afonso
da Silva, ao preordenar a liberdade de informar completada com a liberdade de manifestação
do pensamento, no capítulo da comunicação (artigos 220 ao 224), e disciplinar em outro
título, mais precisamente no artigo 5º, a dimensão coletiva do direito à informação. (SILVA,
2007, p. 260).
Neste aspecto, enfatizamos o “direito de informar”, pois materializado através de
diversos meios de comunicação social, consubstancia-se na famigerada liberdade de
imprensa.
Ainda fazendo menção ao professor José Afonso da Silva, ao citar Albino Greco em
conceito de “informação” por Chiola, temos “por informação se entende o conhecimento de
fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de
vista jurídico, duas direções: a do direito de informar e a do direito de ser informado”
(SILVA, 2007, p. 260). O caráter dúplice dessa definição jurídica justifica, assim, a função
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social que a liberdade de informação exerce nas sociedades democráticas cotidianas.


Conforme já supraexplicitado, a dimensão de direito individual do direito de informar passou
a ser complementada, na atualidade, pela função social do acesso coletivo à informação.
Ressaltemos, ainda, a precisa lição do renomado professor nessa seara: “a liberdade
de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou
ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos
abusos que cometer” (grifo nosso).
Destacamos a singeleza da definição supra, por abordar todos os enfoques que o
texto constitucional atribui a esse direito fundamental. Em seu artigo 5º, XIV, reconhece-se o
direito individual de todos terem acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte quando
necessário ao exercício profissional. Ressalva-se, contudo, o dever do jornalista e do
comunicador social de declinar a fonte onde obteve a informação divulgada. O artigo 5º, X,
assegura a responsabilidade pelos abusos dos meios de comunicação, ao gerarem prejuízos
para o bom nome, à reputação e à imagem do ofendido.
O segundo e último aspecto que ressaltamos da análise de José Afonso da Silva é a
repulsão à censura, um dos meios mais ultrajantes à democracia substancial. A privação da
liberdade de manifestar livremente o pensamento, expor os fatos com a devida retidão em
alusão ao direito de informar, o receio de perseguições, as retaliações aos dissidentes do
governo, as ameaças e cerceamento de liberdade das manifestações culturais e artistas,
característicos dos regimes extremos de censura, desvaloriza a longínqua evolução gradual de
conquistas no âmbito das liberdades fundamentais. A vigente “era dos direitos” 1, caracteriza-
se, portanto, dentre outros instrumentos, pela garantia da liberdade de opinião, da qual todo
indivíduo, atentando-se para as limitações legais, como a vedação ao anonimato, pode
comunicar-se livremente, expressando as benesses e os desajustamentos da sociedade em que
vive, amparado pelas prerrogativas do regime democrático que vigora em nosso país.

4 A LIBERDADE DE IMPRENSA E OS LIMITES DE SEU EXERCÍCIO

O dicionário Houaiss (2004, p. 404) traz a seguinte definição para o vocábulo


imprensa: “conjunto dos meios de divulgação de informação jornalística; conjunto das

1
Valemo-nos da expressão de Norberto Bobbio.
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publicações periódicas de um determinado lugar ou gênero”. Trata-se de uma definição


atrelada aos tempos modernos, em que a imprensa perdeu a conotação de veículo estritamente
“impresso”, abordando novos meios de difusão da informação. Conforme preleciona Nunes e
Souza: “o sentido lato de imprensa pretende abranger outros campos, como o das várias
técnicas modernas de difusão do pensamento (rádio e televisão), a que se acrescentariam os
espetáculos – o cinema [...]” (SOUZA, 1984, p. 04).
Importante atermo-nos, ainda, para relevante conceituação de Marx sobre a imprensa
livre e seus reflexos na sociedade da qual ela emerge (SILVA, 2007, p. 246):

A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo


nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a
cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza
suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder
da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo
se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria.

Conforme exposto, vislumbra-se a magnitude dessa liberdade informativa, essencial


para a consolidação do regime democrático e responsável por assegurar as liberdades públicas
e os direitos fundamentais de ordem individual e coletiva.
Quanto ao regramento constitucional relativo à liberdade de imprensa, previsto no
capítulo Da Comunicação Social, o artigo 220, §1º dispõe: “Nenhuma lei conterá dispositivo
que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Temos
que com o advento das novas tecnologias, a informação jornalística passou a ser difundida
não somente por meio escrito, “a imprensa stricto sensu”, mas ganhou outros veículos de
propagação da informação. No escólio de José Afonso da Silva: “A informação jornalística
alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de
comunicação social”. (SILVA, 2007, p. 246).
A Constituição Federal de 1988 não precisou o significado da expressão “veículos ou
meios de comunicação social”, contudo, a realidade tecnológica presente nos indica a
existências de publicações em veículos impressos, de radiofusão (difusão sonora) e por meio
de imagens.
O cerne da problemática vigente, quanto ao sobredito direito, encontra-se no seguinte
fundamento explicitado por José Afonso da Silva: “A liberdade [da empresa jornalística ou do
jornalista] é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos
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indivíduos a uma informação correta e parcial.” (SILVA, 2007, p. 247).


Nesse sentido, Nuno E Souza disciplina a liberdade de imprensa como um direito
subjetivo e uma garantia institucional, na qual não é possível exarar uma definição precisa que
abranja o vasto contexto moderno em que ela se insere, tomando-se por base os problemas
suscitados na atualidade. “Simplesmente, uma definição nunca traduz a total realidade das
coisas, pois há vários pontos de vista nos diversos quadrantes doutrinais a propósito da
essência da liberdade de imprensa”. (SOUZA, 1984, p. 42).
O mesmo autor levanta questões incidentes a aspectos contemporâneos do exercício
abusivo do direito de informar exercido pelos veículos de comunicação de massa (SOUZA,
1984, p. 41):

[...] a garantia do direito dos cidadãos à objectividade da informação, a


independência perante as forças econômicas financiadoras das empresas, o direito
de acesso dos cidadãos aos instrumentos de informação, quer mediante o combate à
concentração dos jornais, quer pela prática de critérios não discriminativos na
admissão à carreira de jornalista. (grifo nosso).

Em que pese, portanto, a sobreposição da liberdade de manifestação do pensamento e


informação, em detrimento da ingerência estatal no cerceamento dos direitos individuais e
coletivos, não há liberdade absoluta, em pertinência à própria higidez constitucional do
sistema normativo. “Poucos são os direitos fundamentais que garantem propriamente um
âmbito livre [...]. Toda a liberdade tem limites lógicos, isto é, consubstanciais ao próprio
conceito de liberdade”. (SOUZA, 1984, p. 256).
A fixação de limites para a liberdade de imprensa, por sua vez, faz-se imprescindível
para que não tenhamos uma ditadura inversa dos meios de comunicação social. Temos que o
conceito de limite, portanto, está ínsito ao conceito de direito.
Nuno E Souza leciona que os direitos de liberdade podem sujeitar-se a limites não
escritos. Assim, “os direitos fundamentais respeitam os limites imanentes: resultantes da
interpretação do âmbito da norma ou contidos no preceito garantidor do direito”. (SOUZA,
1984, p. 258). A nosso juízo aí está o fundamento base da limitação constitucional à liberdade
de imprensa. Trata-se de aspectos limitativos principiológicos, que devem se ater a harmonia
hierárquica vigente no sistema normativo constitucional.
Dessa forma, a Carta da República de 1988, atentando-se para seus fundamentos
principiológicos, prevê alguns dispositivos de contenção do exercício da liberdade de
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imprensa de forma absoluta.


O artigo 5º, inciso V, dispõe: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” em consonância com o
artigo 5º, inciso X, no qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”.
Seguindo a harmonia do ordenamento jurídico pátrio, o Código Civil de 2002 prevê
em seu artigo 186 “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” no
mesmo sentido do artigo 927 “aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”.
O Código Penal (Decreto-lei nº 2.848/1940), no Título I “Crimes contra a Pessoa”,
Capítulo V “Dos crimes contra a honra” arrola os tipos penais de calúnia (art. 138), difamação
(art. 139) e injúria (art. 140), delitos ofensivos à honra e dignidade das pessoas, que podem
ser cometidos, também, por veículos de comunicação social, os quais passam a responder,
além do âmbito cível indenizatório, na seara criminal. 2
Fazemos menção ao julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que foi
reconhecido excesso ao direito de informação, por meio de veículo jornalístico, ao difundir
informação depreciativa de pessoa morta, culminando com o devido dever indenizatório
(BRASIL, 2008):

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INFORMAÇÃO


DEPRECIATIVA DE PESSOA MORTA - DANO POR RICOCHETE -
DIVULGAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO - EXCESSO AO DIREITO DE
INFORMAÇÃO CONFIGURADO - DANO MORAL - INDENIZAÇÃO DEVIDA
- RECURSO PROVIDO. Os direitos da personalidade estão vinculados,
inexoravelmente, à própria pessoa humana, razão pela qual são tachados de
intransmissíveis. Conquanto essa premissa seja absolutamente verdadeira, os bens
jurídicos protegidos por essa plêiade de direitos, compreendem aspectos da pessoa
vista em si mesma, como também em suas projeções e prolongamentos. A pessoa
viva, portanto, pode defender - até porque dito interesse integra a própria
personalidade - os direitos da personalidade da pessoa morta, desde que tenha
legitimidade para tanto. Tal possibilidade resulta nas conseqüências negativas que,
porventura, o uso ilegítimo da imagem do parente pode provocar a si e ao núcleo
familiar ao qual pertence, porquanto atinge a pessoa de forma reflexa. É o que a
doutrina, modernamente, chama de dano moral indireto ou dano moral por ricochete.

2
A Lei n. 5.250 de 09-02-1967 (Lei de Imprensa), revogada em 30 de abril de 2009 no julgamento da ADPF 130
pelo STF, previa os mesmos delitos do Código Penal para os veículos da imprensa com penas mais severas nos
respectivos artigos 20, 21 e 22.
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A veiculação de informação feita de forma ofensiva, ridícula ou vexatória impõe o


dever de indenizar por supostos danos morais. (grifo nosso).

Devemos repisar, contudo, que tais preceitos elencados na Constituição Federal


justificam-se no aspecto de disciplinar a veiculação legal de informações e as diversas
manifestações de pensamento de modo a não gerar abuso de direito e ofensa à integridade
moral das pessoas que receberam tais mensagens.
Ocorre em nosso país, hodiernamente, uma crescente judicialização referente a
ações interpostas, por indivíduos que se sentiram lesados, com o intento de auferir verbas
indenizatórias decorrentes de possíveis excessos dos meios de imprensa.
Contudo, não podemos suprimir a imprensa (livre) que promove críticas, cria
crônicas, emite opiniões nos diversos setores sociais, como o político e o econômico, sob o
receio da excessiva judicialização, em processos, cuja maior parte dos casos, são desprovidos
de fundamento legal. 3

4.1 ADPF 130: a revogação da “lei de imprensa”

A Lei nº 5.250 de 9 de fevereiro de 1967, denominada Lei de Imprensa, foi publicada


posteriormente à Constituição Federal de 1967, instaurada, portanto, durante o regime militar.
Apresentava como fim regular a manifestação do pensamento e informação.
Vigente durante o regime de exceção, essa lei foi utilizada ao alvedrio pelos
ditadores de modo a estabelecerem toda a sorte de censuras e cerceamentos a qualquer forma
de expressão do pensamento.
Passados quarenta anos da promulgação da propalada lei, em 30 de abril de 2009, o

3
“O STJ já decidiu, também, que a simples veiculação de fotografia para divulgação, feitas no local de trabalho,
não gera, por si só, o dever de indenizar o fotografado, mesmo sem prévia autorização.
No caso (Resp 803.129), a Universidade do Vale do Rio dos Sinos contratou profissional em fotografia para a
elaboração de panfletos e cartazes. O objetivo era divulgar o atendimento aos alunos e ao público frequentador
da área esportiva. Além das instalações, as fotos mostravam o antigo técnico responsável pelo departamento no
cumprimento de suas funções.

O técnico entrou com pedido de indenização pelo uso indevido de sua imagem. Ao analisar o recurso da
universidade, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que as fotos serviram apenas para a divulgação dos
jogos universitários realizados no local onde o técnico trabalhava. ‘Nesse contexto, constato que não houve
dano algum à integridade física ou moral, pois a Universidade não utilizou a imagem do técnico em situação
vexatória, nem tampouco para fins econômicos. Desse modo, não há porque falar no dever de indenizar ’,
explicou o ministro.” Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao /engine.wsp ?tmp.
area=398&tmp.texto=101305>. Aceso em 11 mar. 2012.
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Supremo Tribunal Federal revogou-a integralmente, reconhecendo sua incompatibilidade com


a nova ordem constitucional (Carta da República de 1988) vigente no país, de modo que a
mesma não poderia permanecer vigente no ordenamento jurídico pátrio. (BRASIL, 2009).
Em estudo realizado, Ana Carolina Oliveira de Andrade aponta, como argumento
preponderante para a revogação da lei em comento, o contexto histórico em que ela foi
editada. “O diploma legal impugnado é produto de um Estado Autoritário que restringiu
violentamente as liberdades civis em geral e a liberdade de comunicação em particular [...]”.
(ANDRADE, 2010, p. 274).
Reconheceu-se, assim, que atos administrativos e judiciais, decorrentes dos
dispositivos da lei revogada, violavam os seguintes preceitos fundamentais da Carta de 1988:
artigo 5º, incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV; artigos 220 e 223.
O ministro Menezes Direito, votando pela procedência da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, argumentou: “Quando se tem um conflito possível
entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade. O preço do silêncio para a
saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação das
ideias”.(ANDRADE, 2010, p. 276).
Da mesma maneira discorreu o Ministro Ricardo Lewandowski: “Além de não se
harmonizar com os princípios democráticos e republicanos presentes na Carta Magna, é
supérfluo, uma vez que a matéria encontra-se regulamentada pela própria Constituição”.
(ANDRADE, 2010, p. 277).
Defendendo a vigência de parte dos dispositivos da aludida lei, os Ministros Ellen
Gracie, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes argumentaram que alguns artigos estavam em
harmonia com o Texto Constitucional vigente.
Entre os argumentos contrários à revogação integral, encontra-se a questão referente
4
ao direito de resposta, previsto no Capítulo IV, do artigo 29 ao artigo 36 da aludida Lei.
Nestes termos, todo indivíduo, órgão ou entidade pública possuía o direito de resposta ou
retificação quando um veículo de comunicação social expusesse fato inverídico, ou errôneo.
O Ministro Gilmar Mendes, manifestou em seu voto a necessidade de regulamentação por
norma infraconstitucional dos limites para a aplicação do direito de resposta, também previsto
no artigo 5º, V, da Constituição Federal. A revogação da Lei de Imprensa, asseverou o

4
BRASIL. Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a liberdade de manifestação do pensamento e
informação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 fev. 1967.
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Ministro, ocasionará o “[...] surgimento de uma insegurança jurídica tanto para o cidadão
como para os órgãos de mídia, que se submeterão ao arbítrio do Judiciário”. (ANDRADE,
2010, p. 278).
Sabemos que o texto da lei em comento restou não recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, de modo que dentre as principais alterações elencamos: não há mais previsão
para penas de prisão específicas para jornalistas, de modo que os tais crimes passam a ser
regulamentos pelos dispositivos do Código Penal, com penas mais brandas, e os juízes não
5
podem mais proferir decisões com base na extinta Lei. Devem-se aplicar, então, os
dispositivos previstos no Código Civil, Código Penal e a Constituição Federal.
Outro debate aflorado diz respeito à necessidade de um novo dispositivo legal que
regulamente a matéria. A nosso juízo, em consonância com entendimento de Ana Carolina
Oliveira de Andrade e os votos favoráveis à procedência da ADPF 130, o ordenamento
jurídico brasileiro, nos diversos preceitos legais, possui aparato normativo suficiente para dar
o devido suporte legal em caso de exercício impróprio da liberdade de informação por parte
da imprensa. Nesse sentido (ANDRADE, 2010, p. 281):

Evidente é que a extinção da Lei de Imprensa não acarretará a impunidade daqueles


que causarem danos a outrem, tendo o ordenamento vigente total respaldo legal para
a devida repressão e obrigação ao dever de indenização, não se prendendo, contudo,
a limites preestabelecidos do quantum indenizatório, conforme se via na extinta Lei.

Fato é que conforme todo período de transições e mudanças, grandes debates


florescem em meio à situação vindoura, no caso em tela, jurídica. Temos que a revogação da
referida legislação, oriunda do período ditatorial, restou benéfica, pois em consonância com o
entendimento da Suprema Corte, seu texto legal não fora recepcionado pelos princípios
fundamentais da Constituição Vigente. Vale acrescer: “[...] a criação de uma nova lei
específica para o caso demonstra-se desnecessária, carecendo-se apenas de certo tempo para
que se constitua novo repertório jurisprudencial baseado nas leis vigentes, para que seja
aniquilada a insegurança jurídica que então paira”. (ANDRADE, 2010, p. 282).

5
“Um jornalista condenado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com base na Lei de Imprensa, a um
ano e quatro meses de detenção — pena substituída por pena restritiva de direitos, foi inocentado pelo
Superior Tribunal de Justiça. Em seu voto, a ministra Laurita Vaz citou o artigo 2º do Código Penal —
‘Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a
execução e os efeitos penais da sentença condenatória’. A ministra anulou a condenação com base no fato de
que a Lei de Imprensa foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.” Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2011-jul-30/jornalista-condenacao-anulada-revogacao-lei-imprensa>. Acesso em:
12 mar. 2012.
68

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4.2 “A ironia da liberdade de expressão”:6 a democracia no Brasil cmoo um mal-


entendido

Analisando a atual conjectura dos meios de comunicação presentes em nosso país,


cremos prescindir da célebre e memorável frase de Sérgio Buarque de Holanda, relativa à
nascença de nosso povo tupiniquim, para compreendermos os aspectos contemporâneos que
permeiam os meios midiáticos (HOLANDA, 2011, p. 160):

A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia


rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus
direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o
alvo da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação
tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que
pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos.
(grifo nosso).

Nossa herança colonial repousa, portanto, no predomínio de direitos e privilégios,


conservadores do status quo do solo europeu, típicos de uma minoria, em detrimento de uma
maioria “selvagem”, “aculturada”, cujas raízes e práticas culturais foram preteridas por meio
um processo avassalador de disseminação de novos costumes e hábitos desconhecidos. A
permanência de uma oligarquia restrita no poder, ditando os preceitos ao seu alvedrio,
culminou com a consolidação da classe popular dependente e alienada de sua realidade social,
facilmente manipulada (atentemo-nos para a realidade social contemporânea) por aparatos
estatais ou privados de comunicação de massa.
Em meio, assim, às raízes de nossa dominação e “escravização” por pequenos grupos
da elite social, detentores do poder há tempos, encontramos nas liberdades de difusão da
informação, com todos seus aspectos atrelados à crítica e à formação de opinião, uma
verdadeira ironia, que se traduz numa duplicidade ao longo da história de nosso país.
Por um lado a liberdade de expressão caracteriza-se como um direito fundamental a
ser exercido diante do arbítrio estatal. Por outro, grupos privados de comunicação social
assumem verdadeiro monopólio da comunicação, mais precisamente na formação da opinião
e veiculação da informação, o que nos faz carecer da ingerência estatal para conter o avanço e
o predomínio exacerbado de tais corporações monopolizadoras. Temos que aí reside a
6
Valemo-nos da expressão de Owen Fiss na obra intitulada “A liberdade de expressão: Estado, regulação e
diversidade na esfera pública” (Editora Renovar, 2005).
69

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verdadeira “ironia da liberdade de expressão”, entendida contemporaneamente, em


consonância com a gênese de nossa história social.
Explicitando mais pormenorizadamente essa duplicidade da liberdade de expressão
apontada em nosso país, e seus reflexos no âmbito social, analisemos um primeiro aspecto
referente a um “conflito” instaurado entre grandes corporações privadas de comunicação com
o Estado, outrora, grande repressor e implementador de censura e diversos cerceamentos.
No intuito de ilustrar nossa exposição, valemo-nos de uma realidade vigente no
Brasil, mais precisamente no Estado do Maranhão, onde um grande grupo de comunicação
social, o Sistema Mirante de Comunicação, “maior conjunto de empresas privadas de mídia
existente no Maranhão, pertencente à família Sarney, cujo domínio da cena política remonta
ao ano de 1966 e perdura até hoje”. (CASTRO, 2012).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 7 do Maranhão é o penúltimo dentre os
Estados brasileiros, restando grande parte de população em estado de extrema necessidade,
sem acesso a políticas públicas adequadas de saúde, educação e, até mesmo, de saneamento
básico.
O aparato midiático existente nessa Unidade da Federação não caracteriza verdadeiro
“conflito” com o Estado Brasileiro, conforme narramos acima, uma vez que essa verdadeira
monopolização da liberdade de imprensa, busca, dentre outros fins, a perpetuação no poder,
com a consolidação hegemônica sobre os principais setores econômicos e de comunicação
social presentes naquele Estado.
“Constitui-se, assim, em um instrumento de dominação e permanência no poder. Não
fica clara a linha que separa governo e mídia”. 8 O “conflito” instaurado, conforme pudemos
observar, traduz-se como fachada, uma decoração externa, consoante o equívoco da
democracia no Brasil, eternizado por Sérgio Buarque de Holanda. A liberdade de expressão,
direito fundamental, de gozo coletivo ou individual, é manipulada por grandes corporações de
mídia, monopolizadas em poucas pessoas de uma mesma descendência, com a conivência
estatal, culminando na alienação e conformação da população carente e miserável.
Outra ilustração desse choque entre Estado e grandes grupos privados de

7
BRASIL. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br / id
h />. Acesso em: 13 mar. 2012.
8
BRASIL. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br / id
h />. Acesso em: 13 mar. 2012.
70

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comunicação social ocorreu recentemente na Argentina, quando a então presidente, Cristina


Kirchner, enviou projeto de lei ao Congresso, objetivando alterações nas leis de imprensa
vigentes (estabelecidas durante a ditadura militar) no país, no intuito de consolidar a
democracia nessa seara social. Esse projeto de lei desagradou o Grupo Clarin, maior
conglomerado de mídia da Argentina, que proferiu ferrenhas críticas ao governo. 9
Esse caso torna oportuna a lição de Owen Fiss (2005), professor da Universidade de
Yale, quando desmistifica a figura do Estado como um inimigo natural da liberdade. Devemos
compreendê-lo, também, como uma fonte de liberdade.
O segundo aspecto da duplicidade da liberdade de expressão que ora analisamos,
reflete uma visão clássica, na qual o Estado assume a figura de repressor e usurpador dos
direitos individuais e coletivos, sob as vestes, contudo, de um Estado promotor das causas
sociais, que encontra na referida “liberdade” o meio para consolidar-se em hegemonia.
Na história de nosso país, deparamos com essa situação durante a Era Vargas, quando
por meio de um decreto presidencial, em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e
Propaganda – DIP, “[...] com o fim de disseminar os ideais do Estado Novo, governado por
Getúlio Vargas, junto à população”. (SANTANA, 2012).
O objetivo do DIP era “ordenar, guiar e centralizar a publicidade local e exterior,
censurar as esferas teatrais, cinematográficas, esportivas e recreativas, produzir eventos
patrióticos, exposições, concertos, palestras e gerir o sistema de radiodifusão oficial do setor
governamental” (SANTANA, 2012), de modo que sua influência e seu nível de mergulho nas
esferas sociais gerou verdadeira censura na vida cultural brasileira do mencionado período.
Ana Lúcia Santa discorre ainda que “O DIP era essencial para Getúlio Vargas que, ao
chegar no poder sem nenhum suporte partidário, precisava fortalecer sua imagem junto à
massa. Portanto, o estadista precisava ter sob seu domínio um órgão que administrasse a
publicidade oficial em torno de si”. Tratou-se, portanto, de período abalado pela execrável
censura, que viria a agravar-se durante período propriamente ditatorial, na história brasileira,
entre os anos de 1964 até 1985.
Abordado os dois aspectos, dos quais afirmamos tratarem-se a ironia da liberdade de
expressão na história de nosso país até os tempos modernos, temos, por derradeiro, mencionar

9
Esse projeto foi convertido em lei pelo Congresso no dia 22 de dezembro 2011. “A lei estabelece critérios de
preços, comercialização e produção para atender à demanda interna dos jornais, através de um aparato
regulatório a cargo do ministério da Economia.” In: Congresso argentino aprova lei do papel de imprensa.
Disponível em: <http://entretenimento.uol.com.br/ noticias/afp/2011/12/22/ congresso-argentino-aprova-lei-do-
papel-de-imprensa.htm>. Acesso em: 13 mar. 2012.
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a lição do professor José Afonso da Silva, quando ao dever ético e moral da empresa
prestadora da informação, ou mesmo do jornalista, independente da atuação condescendente
do Estado ou antidemocrática dos grandes veículos de comunicação de massa (SILVA, 2007,
p. 247).

A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação,


a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de
exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se-
lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e ideias, mas sobre ele
incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e ideias,
objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do
contrário, se terá não informação, mas deformação. (grifo nosso).

5 CASUÍSTICA DA MÁCULA NA IMPRENSA BRASIELIRA

A história da imprensa no Brasil, além das vultosas conquistas ante à repressão


imposta pela censura no período militar, lamentavelmente, apresenta verdadeiras máculas,
oriundas do exercício descompromissado com os fins éticos e morais, que devem nortear toda
informação jornalística.
Destacamos, portanto, um dos episódios que ilustram essa leviandade dos meios de
comunicação na prática de seu mister.

5.1 Caso Bodega: “um crime de imprensa”10

Em agosto de 1996, numa choperia, situada na zonal sul da cidade de São Paulo, um
assalto entraria para as páginas desmedidas e inconsequentes da imprensa brasileira. O crime
culminou na morte do dentista José Renato Tahan, de 26 anos, e da estudante de odontologia
Adriana Ciola, de 23 anos. Quanto aos autores, além da investigação confusa e ineficiente das
autoridades policiais, a busca pelos culpados contou com um forte “aliado”: os meios de
imprensa.
O menor Cléverson Almeida de Sá foi o primeiro a ser preso, em virtude de um
assalto mal sucedido. Já no Distrito Policial, foi apontado pelas autoridades presentes, sem

10
Valemo-nos da expressão de Carlos Dorneles na obra: DORNELES, Carlos. Bar Bodega: um crime de
imprensa. São Paulo: Globo, 2007.
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sombra de dúvidas, tratar-se “[...] de um dos caras do Bar Bodega”. (DORNELES, 2007, p.
30).
A truculência dos policiais e as inúmeras atrocidades cometidas contra Cléverson,
através da tortura, levaram-no a confessar sua autoria no crime, indicando como parceiros, na
referida empreitada criminosa, os primeiros nomes que lhe vinham à mente.
Como um ato em cadeia, seguido sempre de muita tortura física e psicológica, nove
“suspeitos” de terem praticado o assalto supramencionado foram presos, muitos dos quais,
sequer tinham passagem pela polícia.
Os meios de imprensa na época, sedentos por manchetes impactantes,
disseminadoras de uma sensação de insegurança e violência acirrada na sociedade paulistana,
talvez atrelado ao fato de ter havido eleições municipais no referido ano, não pouparam
nenhum dos supostos envolvidos, promovendo do lamentável ocorrido, um verdadeiro
espetáculo.
De acordo com as páginas dos jornais e com os noticiários televisivos diários, o
crime estava esclarecido, não havia dúvidas de que os suspeitos eram realmente os assaltantes
do caso Bodega, mesmo com as inúmeras contradições nas supostas confissões apresentadas,
com as incertezas no reconhecimento pessoal por partes das testemunhas e, ainda, sem o
término do relatório final a ser elaborado pelo Delegado, na fase do inquérito policial.
Finalmente, em meio ao verdadeiro martírio no qual se transformara as vidas
daqueles inocentes, alvos de um ódio externado pelos diversos veículos de imprensa, surge a
figura do Promotor de Justiça Eduardo Araújo da Silva.
O representante do Órgão Ministerial, cumpridor de seus deveres constitucionais,
investido de coragem e retidão, arquivou o aludido expediente investigatório, argumentando
que o trabalho técnico da perícia, as confissões que não se encaixavam na verdadeira
dinâmica dos fatos e os elementos de convicção coligidos nos autos, que destoavam
totalmente dos depoimentos das vítimas que se encontravam no bar quando do assalto,
consubstanciavam em verdadeira insuficiência de provas para processar aqueles suspeitos.
Assim, foi determinada a soltura dos indivíduos. Estes, contudo, jamais seriam os
mesmos após serem os personagens principais de verdadeiras atrocidades, típicas das
selvagerias atreladas à mentalidade vigente nos tempos medievais.
Por fim, em março de 1997, cinco novos acusados do caso Bodega foram levados a
julgamento e condenados a penas que variavam de 23 a 48 anos. Na sentença, o juiz Ernesto
73

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de Matos Lourenço se referiu diretamente ao comportamento da imprensa no caso em questão


(DORNELES, 2007, p. 174):

De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares


de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria
humana, sem se dar conta dos seus limites. Passaram a acusar, julgar e penalizar
com execração pública. Os holofotes das câmeras funcionam como luzes ribalta. A
vaidade descontrolada provoca o esquecimento dos valores. A dignidade do ser
humano passou a ter importância mínima ou nenhuma. A imagem das pessoas é a
matéria-prima da diversão (grifo nosso).

Derradeiramente, Carlos Dorneles, com extrema maestria, sintetiza: “Se há uma


fantasia maior, uma mentira mais poderosa, um mito mais vulgar, é o de que a imprensa só
retrata”. (DORNELES, 2007, p. 220).

6 CONCLUSÃO

Em nosso Estado Democrático de Direito vige a liberdade de expressão, a qual fora


consolidada em meio à longa luta contra os abusos de poder, inicialmente praticados pelos
ocupantes do poder político.
As múltiplas facetas de aplicação desse direito fundamental implica na difusão e
manifestação livre do pensamento, através dos quais, qualquer cidadão possui a garantia de
expressar sentimentos, opiniões, convicções políticas, religiosas, conhecimentos científicos,
intelectuais, obras artísticas. Trata-se da possibilidade sublime de o homem declarar o que
pensa, tendo em vista à natureza social inerente ao ser humano.
Dentre suas espécies, deparamo-nos com a liberdade de informação em geral, como a
jornalística, consubstanciada na liberdade de imprensa. É o marco delimitador, pelo qual
vigora um sistema democrático de governo, que de forma alguma, admite a predominância da
censura, entendida como um dos meios mais ultrajantes à democracia substancial.
Assim, embora compreendida a relevância vital de garantir a efetividade desse
direito fundamental, intimamente vinculado à democracia substancial, deve-se conceder
especial atenção à questão atinente especificamente à liberdade de imprensa, no que tange ao
direito de informar. A faculdade de informar, no exercício de seu mister, requer do jornalista
apurado senso crítico e de responsabilidade, os quais, quando deficientes, implicam, por certo,
em um dever indenizatório de reparação do dano causado.
74

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Temos, portanto, que a problemática da esfera de atuação do direito em comento se


agrava quando há a deturpação da mensagem levada até à sociedade, por meio dos veículos de
comunicação social. A postura tendenciosa, parcial e, de certa forma, imoral desses meios
informativos, pode gerar lamentáveis consequências à coletividade, dentre as quais, citamos a
título de exemplo dois trágicos episódios que marcaram a história da imprensa em nosso país:
o Caso do Bar Bodega e o Caso da Escola Base, ambos ocorridos na cidade de São Paulo.
A pré-condenação de inocentes, em grande parte ocorrida devido à atuação
desmensurada da mídia informativa, gerou marcas, cujos reflexos estão eternizados na
memória daqueles que presenciaram uma das piores experiências que qualquer ser humano
pode vivenciar.
Por derradeiro, repisamos que o direito fundamental à liberdade de expressão é um
marco notável de progresso presente em nossa sociedade contemporânea. O exercício desse
direito pela mídia informativa, contudo, deve ser alvo de patente regramento jurídico, sob
pena de presenciarmos uma ditadura inversa dos meios de comunicação, cuja atuação
desmedida pode lesionar os direitos fundamentais personalíssimos dos cidadãos, além de
caracterizar exercício leviano de uma suposta “liberdade de expressão”.

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FREEDOM OF EXPRESSION AS THE FOUNDATION OF DEMOCRATIC REGIME:


THE FUNDAMENTAL RIGHT TO INFORMATION

ABSTRACT
76

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This article seeks to study in detail about the fundamental right to


freedom of expression, present in the brazilian legal system, that allow
anyone the free expression of ideas, political, religious and
philosophical convictions. Include various facets whereby the cited
freedom is exercised by media outlets, its limits and reflections on
contemporary society, basing itself, mainly, for a critical analysis,
supported by judgments of Superior Courts.

Keywords: Freedom of expression. Fundamental rights. Limit.


Media.

Recebido em: 04/01/2013.


Aprovado em: 29/04/2013.

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