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POLÍCIA COMUNITÁRIA E

GESTÃO INTEGRADA
AULA 1

Prof. Dalton Gean Perovano


CONVERSA INICIAL
O termo Polícia Comunitária, como veremos adiante, é uma das
concepções presentes no processo histórico de se pensar, planejar, conceber,
realizar e aplicar a atividade de planejamento nas áreas de Segurança Pública e
Defesa Social.
Nas aulas seguintes trabalharemos em cinco encontros os principais
temas sobre o assunto, que permitirão ao estudante ter uma ampla visão dos
modernos conceitos sobre a Polícia Comunitária e Gestão Integrada.
No primeiro Tema apresentaremos um panorama sobre a relação entre
direitos humanos e a Polícia Comunitária, e como os operadores que participam
das instituições que adotaram essas concepções se comportam diante da
crescente exigência na qualidade da formação de policiais e guardas municipais.
No Tema 2 discutiremos como essa concepção chegou ao Brasil, por
intermédio da apresentação de um panorama histórico como o papel da
Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) e as primeiras experiências
brasileiras com a Polícia Comunitária.
O terceiro Tema versará sobre a Polícia Comunitária e seus
desdobramentos como concepção histórica, conceito e prática laboral.
No Tema 4 demonstraremos o que o policiamento comunitário não é,
quais os pontos de partida para a implantação das ações de Polícia Comunitária
na comunidade, e sobre o papel de vários programas de governo.
O último tema a ser abordado será sobre a gestão integrada e comunitária
da segurança pública, o sistema de segurança pública brasileiro, o paradigma
de modelo policial no estado democrático de direito, os princípios de Polícia
Comunitária e o papel que os servidores da polícia e das guardas municipais
devem desempenhar dentro do modelo comunitário de gestão.

TEMA 1 – OS PRIMÓRDIOS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA


No Brasil, as concepções de Polícia Comunitária foram adiadas em razão
da demora na implantação dos conceitos de direitos humanos. Essa demora
ocorre em razão do forte vínculo das polícias com o modo de pensar e fazer a
“polícia tradicional”, fortemente vinculada ao desenvolvimento de ações em

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segurança pública, voltada à mera resolução do problema do crime e de
respostas pontuais.
Vale salientar que os quatro grandes grupos de estratégias adotadas nos
últimos 1950 anos são: o combate profissional do crime ou Policiamento
Tradicional, o Policiamento Estratégico, o Policiamento Orientado para o
Problema (POP) e a Polícia Comunitária. Esses grupos de estratégias seguem
um processo histórico e evolutivo das instituições, partindo-se do policiamento
tradicional, à última perspectiva que é a Polícia Comunitária.
Nesse sentido, não há como falar em Polícia Comunitária sem tratar do
tema relacionado à evolução da trajetória dos direitos humanos no Brasil. Isso
ocorre por que a Polícia Comunitária é concebida com a finalidade de respeitar
os direitos humanos, e que as ações nessa perspectiva são desenvolvidas para
o bem-estar das pessoas. Portanto, sem os direitos de cidadania não há como
se falar em Polícia Comunitária.
No final do século XIX, o Primeiro Ministro do Interior inglês Robert Peel
instituiu uma polícia moderna, diferente da polícia francesa, que era constituída
pelos burgueses no processo de sua revolução. Essa nova polícia estabelecida
por Peel, deveria ser visível, sem impor medo às pessoas e que estabelecesse
hierarquicamente seus objetivos básicos, que seriam restabelecer a fé do
público, proteger o inocente e sustentar a lei.
Segundo Skolnick e Bayley (2002, p. 23), Sir Robert Peel estabeleceu dez
princípios para a aplicação na Polícia Metropolitana da Inglaterra, fundada em
1829, e discorreu que “É preciso uma força policial baseada em parte num
modelo militar de disciplina interna para fazer face ao fracasso de um sistema de
vigilantes ineficiente e indisciplinado [...]”.

TEMA 2 – ALGUMAS ESTRUTURAS QUE ANTECEDERAM A POLÍCIA


COMUNITÁRIA
Para entendermos a trajetória da Polícia Comunitária no Brasil iremos
percorrer algumas questões importantes referentes a estruturas estabelecidas
pelo governo e de normas que fixaram e deram corpo ao tema. Salienta-se que
a principal instituição que implantou o conceito no país foram as Polícias
Militares, seguidos posteriormente pelas Guardas Municipais.
A primeira estrutura a ser discutida é a criação da Inspetoria Geral das
Polícias Militares (IGPM), vinculada ao Exército Brasileiro no ano de 1967, que
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serviu para organizar aspectos fundamentais sobre as Polícias Militares e
Corpos de Bombeiros Militares no país, como a regulamentação da classificação
hierárquica, padronização do uniforme e os currículos de formação.
Segundo Souza (2016), houve, na cidade de Curitiba (PR), a emergência
de vários tipos de soluções urbanas, como a primeira rua exclusiva para
pedestres nos anos 1970 e vias exclusivas para ônibus. Como exemplo de
projeto em Polícia Comunitária, um dos primeiros experimentos na área foi o
revolucionário Sistema Modular de Policiamento Urbano (SMPU).
Projetos e programas foram amplamente desenvolvidos e adaptados no
Brasil, de acordo com as necessidades das comunidades locais, tais como as
Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), o sistema de PM-BOX (cabines de
fibras, com rádio HT e alojamento), Projeto POVO (policiamento ostensivo
volante), Posto Avançado de Polícia Comunitária (PAPC), o Destacamento
Especial de Polícia Comunitária (DEPC), dentre várias ações com pronta
resposta à população.
Segundo Bondaruk e Souza (2014), os primeiros Conselhos Comunitários
de Segurança do Brasil foram instalados no Estado do Paraná.
Outras ações de absoluta relevância e que proporcionou corpo à Polícia
Comunitária no Brasil foi o Programa Nacional de Direitos Humanos e o Plano
Nacional de Segurança Pública e Prevenção ao Crime (PNSP).

TEMA 3 – CONCEITO DE POLÍCIA COMUNITÁRIA


Alguns autores definem o termo Polícia Comunitária como a atitude
esperada que o policial deve ter em compreender as pessoas que estão sob a
sua proteção, com a aplicação da lei para os criminosos, e com a percepção de
que a maioria delas são ordeiras.
Para o Chief Inspetor Mathew Boggot, da Metropolitan London Police
Departament, Polícia Comunitária é uma atitude na qual o policial, como cidadão,
aparece a serviço da comunidade e não como uma força e, portanto, é um
serviço público antes de ser uma força pública.
Para o Chief Bob Kerr da Polícia Metropolitana de Toronto, o termo Polícia
Comunitária consiste em uma grande parceria entre a polícia e a comunidade.
O termo “polícia comunitária” deve ser aplicado no intuito de ser
transformado em “cultura institucional” nas organizações congêneres. Ou seja,
para Perovano (2014), o amplo processo de institucionalização dessa cultura

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deve não apenas ser trabalhada nos bancos escolares de formação inicial e
continuada para os policiais e guardas municipais, mas fundamentalmente
permeado na gestão de processos organizacionais.
Algumas práticas internacionais, a começar pela gestão do policiamento
comunitário nos Estados Unidos da América, trazem a evolução do modelo
policial norte-americano, que divide a história do policiamento em três períodos
fundamentais: o policiamento moderno, a profissionalização e a modernização
do aparato policial e a “era comunitária”.
Há outros exemplos de experiências exitosas em países como Austrália,
Canadá, Chile e China, com diferenciais de aplicação dos conceitos de Polícia
Comunitária, contextualizados conforme a cultura local e níveis de interação com
a comunidade. A Polícia Comunitária no Japão está estruturada em polícias
provinciais subordinadas administrativamente aos municípios e centralizadas
através da Agência Nacional de Polícia (Kolsatsucho), subordinada à Comissão
Nacional de Segurança Pública (Kokka Koan Linkal) com a Guarnição Policial
local situada em módulos policiais denominados de koban e chuzaishos.

TEMA 4 – POLÍTICAS PÚBLICAS E O POLICIAMENTO COMUNITÁRIO


Quando falamos sobre os papéis exercidos pelos agentes que atuam nas
áreas de Segurança Pública e Defesa Social têm na execução do policiamento
comunitário, frequentemente são cometidos equívocos de interpretação pela
população e, por vezes pelos próprios gestores da área, no que se refere ao
entendimento da correta forma de desempenho das atividades. Isso se dá pela
mera falta de estudos aprofundados sobre o tema.
Vale o alerta de Trojanowicz e Bucquerox (1999) sobre “o que não é
policiamento comunitário”. Desses apontamentos, Da Silva (2003, p. 354-355)
realizou as adaptações às realidades brasileiras, e aponta o que não é
policiamento comunitário:
a. Policiamento comunitário não é uma panaceia, ou seja, não é solução para todos
os problemas da segurança, da criminalidade e da ordem pública;
b. Não é uma tática, uma técnica ou um programa; ou seja não é parte, é o todo;
c. Não é relações públicas;
d. Não é espalhafato;
e. Não é elitismo;
f. Não é algo concebido para favorecer os que têm poder;
g. Não é instrumento para captação de doações da comunidade;

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h. Não é concentração de efetivos policiais numa determinada área;
i. Não é proteção de áreas turísticas;
j. Não é massificação de efetivos em áreas comerciais.

Nas Polícias Militares e nas Guardas Municipais, essa noção foi


gradativamente desconstruída com a adoção dos Cursos de Formação de
Promotores e Multiplicadores de Polícia Comunitária, desenvolvidos pelo
Ministério da Justiça, por intermédio da Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP/MJ).
Várias políticas públicas em âmbito federal foram desenvolvidas com a
adoção da perspectiva de Polícia Comunitária, como o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), a 1ª Conferência Nacional de
Segurança Pública, o Policiamento Especializado de Fronteiras (PEFRON), o
Programa Brasil Mais Seguro e o programa “Crack é possível vencer”. Outras
ações institucionais como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e
à Violência (PROERD), aplicado exclusivamente pelas Polícias Militares do
Brasil e várias outras ações na forma de projetos e programas de Polícia
Comunitária.

TEMA 5 – GESTÃO INTEGRADA E COMUNITÁRIA DA SEGURANÇA PÚBLICA


A integração das ações da Segurança Pública consiste em um complexo
processo e um sistema de proteção e regulação do convívio social. No Brasil
esse sistema foi definido pela Constituição Federal de 1988, e aponta no Art. 144
que é "Dever do Estado, direito e responsabilidade de todos", e é exercida pela
Polícia Federal, Policia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros. A Constituição ainda prevê que fazem parte
desse processo as Guardas Municipais e, nesse amplo sistema não descreve a
aplicação da justiça, nem o sistema penitenciário.
Como é de conhecimento geral, as instituições, por vezes, não trabalham
de maneira integrada, e ainda que no cumprimento de seus papéis
constitucionais, carecem de maior delimitação legal e do cumprimento, por parte
dos gestores, do que já se encontra delineado.
Para superar essas disparidades, Rico e Salas (1992, p. 15) remetem ao
cumprimento das normas que precisam ter valor prático, a menos que o seu

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conteúdo e significado seja compreendido por todos os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei, mediante educação, formação e controle.
Nesse sentido, os conceitos de Polícia Comunitária e os modelos de
policiamento comunitário consistem, como já amplamente discutido, no que
melhor atende aos princípios éticos e a uma lógica de planejamento para as
ações de segurança pública, em qualquer sociedade.
Uma das ferramentas de gestão adotadas no Policiamento Comunitário é
o Policiamento Orientado ao Problema (POP – do original em inglês Problem-
oriented policing). O POP envolve a identificação e análise das especificidades
do crime, da desordem ou do problema, a fim de obter resposta eficaz. O POP
foi desenvolvido por Goldstein no ano de 1979 e ampliado em 1987 por John E.
Eck e William Spelman para o método SARA, também para a resolução de
problemas.

NA PRÁTICA
Em um bairro de periferia na Região Metropolitana de Curitiba (RMC),
estado do Paraná, a Polícia Militar realizou uma pesquisa de levantamento com
a população local. A população era composta por moradores, comerciantes e
diretores de escolas. As perguntas do questionário versavam sobre a percepção
que as pessoas entrevistadas tinham da sua segurança naquele bairro e quais
as suas expectativas quanto aos serviços prestados pelas Instituições de
Segurança Pública e Defesa Social.
Como resultado da pesquisa, a população elencou os seguintes
problemas, apontados por aquela comunidade, por ordem crescente de
frequência:
1. Lixo e roupas descartadas em um canto do bosque;
2. Ausência de zelo dos moradores;
3. Retirada do módulo da Guarda Municipal;
4. Áreas verdes incendiadas;
5. Bueiros sem tampas;
6. Materiais provavelmente usados no consumo de drogas;
7. Ruínas presentes na vila;
8. Terrenos baldios, áreas de demolição e espaços próximos aos rios como
pontos de fuga.

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Com base no cenário (problema) apresentado e nos conteúdos até aqui
estudados, construa um planejamento a fim de trabalhar os aspectos
apresentados pela população da comunidade do município da RMC, seguindo o
seguinte roteiro:
 Elabore: uma breve análise do contexto apresentado;
 Desenhe: um planejamento de uma ação conjunta entre as Instituições
de Segurança Pública e Defesa Social, outras instituições parceiras e a
comunidade, a fim de construir soluções duradouras e autossustentáveis
para a população local;
 Considere: o nível de acesso da comunidade às instituições de
Segurança Pública e Defesa Social e o processo de construção coletiva
(conjunta) de soluções dos problemas peculiares daquela comunidade.

FINALIZANDO
Como podemos observar, o tema sobre Polícia Comunitária e a gestão
integrada possibilita ao gestor público entender o complexo de ações possíveis
determinadas em um planejamento para a Segurança Pública e Defesa Social.
Para entendermos o contexto atual, torna-se necessário compreender o
processo histórico que outros países como o Japão, Estados Unidos, Inglaterra,
Canadá, Chile e demais nações tiveram, no que refere aos novos modos de
articular as atividades de segurança pública e de defesa social, baseadas nas
necessidades das comunidades.
O princípio que norteia a perspectiva de Polícia Comunitária é a interação
entre os organismos de Segurança Pública e Defesa Social com as populações.

REFERÊNCIAS
BONDARUK, R. L.; SOUZA, C. A. Polícia comunitária: polícia cidadã para um
povo cidadão. 4 ed. Curitiba: Comunicare, 2014.

BRASIL. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Editora Método, 2014.

SILVA, J. da. Segurança pública e polícia: criminologia crítica aplicada. Rio de


Janeiro: Forense, 2003.

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PEROVANO, D. G. Manual de metodologia científica para a Segurança
Pública e Defesa Social. Curitiba: Juruá, 2014.

RICO, J. M.; SALAS, L. Delito, insegurança do cidadão e polícia. Rio de


Janeiro, 1992.

SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e


práticas através do mundo. São Paulo: EDUSP: 2002.

SOUZA, C. A. Polícia comunitária e gestão integrada. Curitiba: Editora


InterSaberes, 2016.

TROJANOWICZ, R.; BUCQUEROUX, B. Policiamento comunitário: como


começar. 2. ed. São Paulo: Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1999.

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