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THALES COELHO
BAURU
2018
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BAURU
Mantido pela Instituição Toledo de Ensino
CURSO DE DIREITO
THALES COELHO
BAURU
2018
THALES COELHO
Banca Examinadora:
___/___/____
Dedico este Trabalho à minha irmã Thamires
que, em diversos momentos de minha vida me
mostrou os caminhos corretos, deu aos meus
passos um solo suave, sacrificando muitas
vezes o próprio caminhar e que agora segue a
vida, perseguindo seus sonhos. Minha fonte de
inspiração, meu orgulho e amor maior. Te amo.
AGRADECIMENTOS
The present paper has been developed with the goal of presenting and studying the
possible legal consequences of hate speech delivered by a Parliamentarian. The
main issue relates with the fact that many times, the Parliamentarian uses
constitutionally assured prerogatives to ensure impunity in situations in which he
commits hate speech. For this purpose, by referring international and national
understandings, the right of freedom of speech and the parameters that mark a
speech as hateful – that can‘t find protection on that right – are analyzed.
Subsequently, the Congressmen Statute and The Ethics and Parliamentary
Decorum of the Legislative Houses were scrutinized and, through bibliographic
survey about the theorical assumptions of the theme along with an extensive
research on case laws, national and foreign legislations and the analysis of some
statements content that can be classified as hate speech, it has been concluded that
the right of freedom of expression granted to the Parliamentarian can‘t be used for
declarations that constitutes hate speech. The nature of parliamentarian prerogatives
isn‘t absolute, and the Congressman must be held responsible if hateful statements
occur on his discourse, whether the Congressman is or not on Parliamentary duty.
Therefore, on the building of a fair and democratic society, the people mustn‘t
tolerate hate speech and inviolability mustn‘t be used to promote a shield towards
punishments, which, moreover, should be more severe when applied to
Parliamentarians, considering their power of triggering popular commotion and
shaping opinions.
AI Agravo de Instrumento
EC Emenda Constitucional
HC Habeas Corpus
Min. Ministro
UE União Europeia
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 10
2 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO............................................................. 12
2.1 Conceitos do direito de liberdade de expressão. .................................... 12
2.2 Histórico do reconhecimento do direito à liberdade de expressão ....... 14
2.3 Limites à liberdade de expressão: o discurso de ódio ........................... 19
2.3.1 A busca de um conceito: parâmetros para caracterizar um discurso odioso 19
2.3.2 Discurso de ódio e liberdade de expressão na União Europeia (UE) ........... 22
2.3.2.1 Discurso de ódio e a liberdade de expressão na Alemanha ........................ 30
2.3.3 Discurso de ódio e liberdade de expressão no Sistema Interamericano. ..... 34
2.3.4 Discurso de ódio e liberdade de expressão nos Estados Unidos da América
(EUA)........................................................................................................... 37
2.3.5 Discurso de ódio e liberdade de expressão no Brasil .................................. 43
6 CONCLUSÃO ............................................................................................. 94
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 96
1 INTRODUÇÃO
2 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais
preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade
nos termos previstos na lei.
19-2 toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá
a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer
natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente
ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio a
sua escolha.
Ressalte-se que a parte final foi adicionada por meio do Ato Institucional nº 02
de 27 de outubro de 1965, durante o período ditatorial militar. Apontado sinais de
controle Estatal, pois ―subverter a ordem política e social‖ e até o termo ―propaganda
de guerra‖ podem e devem ser interpretados como ferramentas destinada a suprimir
a oposição ao regime.
Na Constituição de 1967, período da ditadura militar, marcado por posturas
autoritárias do governo federal e censura, a liberdade de expressão vem positivada
18
Em uma carta pós-ditadura, elaborada pelo povo (pode dizer-se que fora a
primeira com massiva participação popular) é claro que os direitos destinados a
assegurar a liberdade terão um destaque e uma importância flagrantes, observa-se
que é vedado o anonimato e censura, de qualquer natureza.
19
A mesma autora ainda afirma que não basta mera discordância com o estilo
de vida atacado, uma implicância com negros, gays, mulheres, judeus ou qualquer
outra minoria não caracteriza o hate speech, é preciso que esse discurso
marginalize, insufle a discriminação para restar caracterizado como discurso de ódio.
Tassinari e Jacob de Menezes Neto (2014, p.19) encaram o assunto como
representações simbólicas que expressam o ódio, desrespeito ou desprezo a outra
pessoa ou grupo.
20
Brugger (2009, p. 118) afirma que o discurso de ódio se refere a palavras que
tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor,
etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que têm a capacidade de instigar
violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas.
Schafer, Leivas e Santos (2015, p. 149), em trabalho de análise a convenções
internacionais associados a doutrinas notoriamente reconhecidas, esclarecem que o
discurso de ódio consiste:
Na manifestação de ideias intolerantes, preconceituosas e discriminatórias
contra indivíduos ou grupos vulneráveis, com a intenção de ofender lhes a
dignidade e incitar o ódio em razão dos seguintes critérios: idade, sexo,
orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idioma, religião,
identidade cultural, opinião política ou de outra natureza, origem social,
posição socioeconômica, nível educacional, condição de migrante,
refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno, deficiência,
característica genética, estado de saúde física ou mental, inclusive
infectocontagioso, e condição psíquica incapacitante, ou qualquer outra
condição.
Emmerich e Pinto Da Costa (2015, p.45) dizem que o hate speech, pode ser
considerado como toda manifestação que denigra ou ofenda os membros de
minorias tradicionalmente discriminadas, que estão em inferioridade numérica ou em
situação de subordinação socioeconômica, política ou cultural.
Yong (2011, p.394/402), assumindo uma postura em clara consonância com a
escola norte americana (que será explorada em momento oportuno) e devendo ser
interpretado desta forma, afirma que existem conceituações e visões do discurso de
ódio extremamente amplas e faz a seguinte classificação do discurso de ódio: a) a
discriminação direcionada, que nada mais é do que uma série de intimidações ou
ofensas em face de indivíduos determinados por conta de uma mesma base de
identidade, que segundo o autor é descoberto pela liberdade de expressão e deve
ser proibido; b) a discriminação difusa, em face de indivíduos indeterminados, com
as mesmas motivações da anterior bem como; c) a defesa politica organizada em
prol de políticas de exclusão e/ou eliminação, como a sustentação de políticas
públicas de eugenia social, por exemplo, que são cobertas pela liberdade de
expressão e não são protegida pelo direito, podendo, ser restringidas pelos Entes
Federados (Estados Membros); d) outras afirmações ou juízos de valor que são
adversas a determinado grupo de mesma base, como associações de uma classe
ou grupo social a uma doença ou a criminalidade, que conforme o pensamento do
autor está coberto pela liberdade de expressão e é protegido, sendo neste caso,
livre.
Por último tem-se as outras afirmações ou juízo de valor que são adversas a
determinado grupo de mesma base, como associações de uma classe ou grupo
social a uma doença ou a criminalidade, que conforme o pensamento do autor está
coberto pela liberdade de expressão e é protegido, sendo neste caso, livre.
Em que pese, tenha-se a concepção legal, associada à doutrina de que existe
o discurso de ódio quando há discriminação justificada por raça, cor, etnia, religião,
procedência nacional, gênero, opção sexual e etc. Silva (2001, p.116) afirma não ser
possível limitar tais qualificações, pois:
22
Oliva (2014, p. 107 a 117), ao estudar o tema afirma que embora o discurso
de ódio seja explicitamente combatido no art. 10 da Convenção, muitas vezes os
discursos que carregam essas mensagens odiosas não se encontram sequer
acobertados pela liberdade de expressão, pois constituem abuso de direito,
conforme posto no art. 17.
Em continuidade, Oliva apresenta alguns entendimentos necessários a
entender os parâmetros europeus ao combate do discurso de ódio.
Ao estudar o art. 17 o autor afirma que o dispositivo legal tem sido aplicado no
que diz respeito ao abuso da liberdade de expressão classificando como abuso de
direito as condutas de ―manifestação de doutrinas totalitárias, manifestações
negacionistas e declarações evidentemente racistas e odiosas‖.
Ao tratar da limitação da liberdade de expressão prevista no art. 10 § 2º, Oliva
trás uma noção densa e completa dos parâmetros e discussões que rondam o tema.
Afirma Oliva (2014, p. 107 a 117) que a Corte Europeia de Direitos Humanos
(CEDH) responde as seguintes perguntas, para identificar – ou não – a legitimidade
da restrição do art. 10:
(a) A interferência está prevista em lei no momento da manifestação da
opinião? Em síntese, a interferência na liberdade de expressão deverá estar
prevista em lei de forma clara e objetiva, sendo possível a qualquer pessoa
prever a consequência – ainda que não exata – da externalização da sua
opinião.
(b) A interferência é justificada com base em um objetivo legitimo? [...]
constituem objetivos legítimos para a restrição da liberdade de expressão:
(i) interesse público [...] (ii) proteção de direito de terceiros [...] (iii)
manutenção da autoridade e imparcialidade do judiciário.
(c) A interferência é necessária em uma sociedade democrática?
ACÓRDÃO:
A interferência com o direito de liberdade de expressão de Féret foi prevista
por lei (lei de 30 de julho de 1981 sobre racismo e xenofobia) e tinha os
objetivos legítimos de prevenir a desordem e de proteger os direitos de
terceiros.
O Tribunal observou que os panfletos apresentavam as comunidades em
questão como criminosos e interessados em explorar os benefícios que eles
obtinham da vida na Bélgica, e que também procuravam zombar dos
imigrantes envolvidos, com o inevitável risco de despertar, particularmente
entre os moradores. Membros menos conhecedores do público,
sentimentos de desconfiança, rejeição ou mesmo ódio pelos estrangeiros.
Embora a liberdade de expressão fosse importante para todos, era
especialmente para um representante eleito do povo: ele ou ela
representava o eleitorado e defendia seus interesses. No entanto, a Corte
29
(2) Estes direitos têm por limites as disposições das leis gerais, os
regulamentos legais para a proteção da juventude e o direito da honra
pessoal.
(3) A arte e a ciência, a pesquisa e o ensino são livres. A liberdade de
ensino não dispensa da fidelidade à Constituição.
Art. 130
I – quem, de forma capaz de perturbar a paz pública:
Brugger (2009, p. 122 a 124) afirma que a Corte Constitucional Alemã tem
entendido que estas proibições ao discurso de ódio são legítimas restrições à
liberdade de expressão, sustentando o aceite destas limitações em um nível abstrato
e em um nível concreto, assentando:
Em nível abstrato, a Corte Constitucional Federal vê tais proibições ao
discurso do ódio como sendo justificadas pelas cláusulas da Lei Básica que
expressamente limitam os direitos de comunicação.
O autor destaca que essa postura demonstra que a Corte Constitucional não
vislumbra a liberdade de expressão como um direito prevalecente. Assenta também,
ao analisar o modus operandi da Corte que:
A Corte Constitucional alemã transformou essas análises funcionais em dois
preceitos doutrinários a serem seguidos em todos os casos de liberdade de
expressão. Em primeiro lugar, aplicando o princípio da proporcionalidade,
leis promovendo interesses públicos ordinários podem não justificar a
interferência na liberdade de expressão — ao contrário, tal interferência
deve ser justificada por um interesse público relevante que não seja
possível atingir por um outro meio menos intrusivo, e isso é particularmente
verdade quando a proibição é baseada em pontos de vista. Em segundo
lugar, ao examinar se o conteúdo de uma mensagem justifica que ela seja
restringida, os tribunais não podem escolher a interpretação punitiva da
mensagem se existir uma interpretação alternativa razoável. Portanto, a
determinação da definição jurídica de uma declaração exige um exame do
contexto linguístico e social no qual a declaração foi feita. Se um tribunal
―escolhe uma [interpretação da declaração] que leva a um julgamento
adverso, sem excluir a outra [interpretação] com base em fundamentos
explícitos e convincentes‖ então há a ofensa à liberdade de expressão.
Acaso a composição tentada pela CmIDH reste inócua, o caso então será
levado até a Corte, que nas palavras do autor trata-se do:
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5 A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda
apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à
discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Conhecido como the land of the free ou seja, a terra dos livres, os Estados
Unidos da América tem uma herança sócio-política e jurídica de valorização e
proteção extrema da liberdade de expressão, sendo esse um dos maiores símbolos
representativo da cultura americana (OLIVA, 2014, p.85).
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Evidente, desta feita, a dificuldade para se atingir o patamar exigido para que
se limite a liberdade de expressão.
As ameaças reais de violência são declarações em que um destinatário
qualquer entenda que o emissor da mensagem tenha intenção real de cometer dano
físico contra o seu destinatário. O exemplo doutrinário clássico é de uma mulher que
foi condenada a oito meses de confinamento depois que ela deixou uma nota
ameaçadora anônima na cadeira de seu colega.
A difamação nos EUA segundo o documento acima citado é uma ―falsa
declaração de fato que prejudica o caráter, a fama ou a reputação de uma pessoa‖
(EUA, 2018, p. 3), ressalte-se que deve ser uma declaração de fato, as declarações
de opinião encontram-se excluídas da legislação que trata da difamação na América
do Norte.
Esta mesma legislação dispõe que funcionários públicos e indivíduos
particulares têm padrões para determinar o crime de difamação. Os emissores têm
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Observa-se, desta feita, a clara postura adotada pelo país, de total ingerência
estatal em face ao discurso de ódio, aplicando-se a ideia de contra discursos e
diálogo. Entretanto, como pode-se aplicar o conceito do mercado de ideias em uma
sociedade com características de opressão e marginalização de determinada
minoria ou grupo social? Este discurso que claramente é odioso será aceito por seu
meio?
O sistema norte-americano de combate ao discurso de ódio (no presente
caso, o não combate) vai contra a tendência Europeia de barrar tais manifestações e
punir os emissores do discurso.
Por fim, traz-se a baila o Habeas Corpus nº 82.424, mais conhecido como o
caso Ellwanger, considerado o hard e leading case brasileiro (BELDA, p.62). Que
será abordado de forma sucinta, pois, o escopo do presente estudo não é realizar
uma análise pormenorizada dos votos de cada Ministro.
Em apartada síntese, o caso versa sobre Siegfried Ellwanger, sócio-gerente
da editora Revisão Editora Ltda., produtora de conteúdo impresso que editava e
realizava a venda e distribuição de obras com teor antissemita que fora denunciado
pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, pelo incurso no art. 20 da Lei nº
7.716/89, tendo sido absolvido em primeira instância e condenado pelo Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul.
Ellwanger impetrou Habeas Corpus (HC) no Superior Tribunal De Justiça
(STJ), cuja a ordem denegada, ingressando em seguida, com o mesmo remédio
constitucional no STF.
A argumentação utilizada pelo paciente consistia na prescrição da ação pela
pena em concreto, visto que entre o recebimento da denúncia e a prolação da
sentença decorreram-se mais de quatro anos, além da inaplicabilidade do art. 5º,
XLII da Constituição Federal, pois o fato era de incitação ao preconceito face aos
judeus e não de racismo, visto que os judeus não caracterizavam uma raça.
O debate na corte esteve em orbita, num primeiro momento, no conceito de
raça, se seria estendido aos judeus e como o Tribunal iria interpretar essa
expressão.
Importante destacar a posição superada do Ministro Moreira Alves que
afirmou em seu voto ―converge para dar a racismo o significado de preconceito ou
de discriminação racial, mais especificamente contra a raça negra‖.
Em um segundo momento fora realizada uma análise da colisão de direitos
fundamentais, onde embatiam a liberdade de expressão e a dignidade humana. Um
voto que merece destaque é do Ministro Gilmar Mendes, que entende que a
proporcionalidade deve ser aplicada, entre o objetivo da Constituição a promover a
Dignidade Humana e o ônus imposto a liberdade de expressão restando como
solução a limitação da última, conforme segue:
Não se contesta, por certo, a proteção conferida pelo constituinte à
liberdade de expressão. Não se pode negar, outrossim, o seu significado
inexcedível para o sistema democrático. Todavia, é inegável que essa
liberdade não alcança a intolerância racial e o estimulo a violência, tal como
afirmado no acordão condenatório. Há inúmeros outros bens jurídicos de
base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma
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Possível concluir, desta feita, que embora a Suprema Corte adote uma
postura protecionista, visando assegurar a liberdade de expressão, já exarou
entendimento que este direito não é absoluto, afirmando que este não comporta
manifestações de conteúdo imoral e que implicam ilicitude penal.
O Min. Gilmar Mendes afirmou em sua obra Curso de Direito Constitucional
(2009, p.413):
Por outro lado, o discurso de ódio, entre nós, não é tolerado. O STF
assentou que incitar a discriminação racial, por meio de ideias anti-semitas,
―que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo
regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos
como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade do povo
judeu‖, constitui crime, e não conduta amparada pela liberdade de
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Inexiste uma precisão histórica acerca das origens dos institutos das
prerrogativas parlamentares, Pinto Ferreira (1983, p. 629) afirma que as
prerrogativas já existiam na Roma Antiga, mencionando que os tribunos, oficiais
eleitos, e os edis, seus auxiliares, eram inatingíveis, invioláveis, considerados
sacrosanctas, palavra latina que em livre tradução significa aquilo que é duplamente
sagrado.
Essa inviolabilidade foi conferida pelo povo romano, tendo como veículo
introdutório a Lei, o que a tornava irrevogável por juramento, com punição capital a
quem atentasse contra o ordenamento. Moraes (1998, p. 03) lembra de que esta
inviolabilidade ―garantia o tribuno no exercício das suas funções ou fora delas,
obstando sua acusação, prisão ou punição‖.
Pinto Ferreira (1990, p. 629), afirma que o instituto tem sua consolidação
histórica no direito público europeu. O autor demonstra a imprecisão histórica ao
citar também a divergência existente entre autores, no que concerne a esta origem.
Afirma que se para Hans Kelsen as imunidades surgiram na época medieval, para
Paul Bockelmann se trata de um fenômeno do Direito Continental Europeu. Afirma
ainda que para Duguit, teria surgido como norma do direito objetivo, quando da
Declaração de Direitos da Inglaterra (1689).
As origens das imunidades remontam de fato a Inglaterra do sec. XVII, onde,
no Bill of Rights promulgado em 1689 restou assentado, após séculos de lutas
legislativas e jurídicas entre a monarquia e o parlamento, que ―a liberdade de
palavra ou debates ou procedimento no Parlamento não será impedida ou
questionada em nenhuma Corte ou lugar fora do Parlamento‖, trecho que garantiu o
direito conhecido como freedom of speech, Krieger (2004, p. 27) afirma que ―Este
dispositivo pode ser considerado como aquele da norma objetiva de onde derivou a
imunidade parlamentar relativa à liberdade de debates na Inglaterra‖.
Importante destacar o contexto histórico vivido pela Inglaterra a época em que
o Bill of Rights, bem como o freedom of speech, foi promulgado, tratava-se de um
53
Pode-se afirmar que a busca pelo equilíbrio entre os poderes era o mote da
discussão que versava sobre as imunidades na França pós-revolução. Nota-se ali o
início das prerrogativas hoje amplamente difundidas em quase todas as
Constituições (MORAES, 1998, p. 03).
Portanto, conclui-se mesmo que de maneira perfunctória, visto a existência de
divergências doutrinárias, que o instituto das prerrogativas parlamentares encontra
seu berço no continente europeu, com traços marcantes no Direito Inglês e Francês,
com reflexos no Brasileiro desde a sua Constituição elementar.
No contexto pátrio, far-se-á um apanhado histórico desde a primeira
Constituição até a presente, com as respectivas alterações, objetivando demonstrar
a evolução histórica e jurídica do tema no Brasil.
Em 1824 outorgou-se a Constituição do Império que previa em seu bojo:
Art. 26. Os Membros de cada uma das Camaras são inviolaveis polas
opiniões, que proferirem no exercicio das suas funcções.
Art. 27. Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua deputação, póde ser
preso por Autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Camara,
menos em flagrante delicto de pena capital.
Art. 28. Se algum Senador, ou Deputado fòr pronunciado, o Juiz,
suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva
Camara, a qual decidirá, se o processo deva continuar, e o Membro ser, ou
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dentro de quarenta e oito horas, à Câmara respectiva, para que, por voto
secreto, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação da culpa.
§ 4º - A incorporação, às forças armadas, de Deputados e Senadores, ainda
que militares, mesmo em tempo de guerra, depende de licença da sua
Câmara, concedida por voto secreto.
§ 5º - As prerrogativas processuais dos Senadores e Deputados, arrolados
como testemunhas, não subsistirão se deixarem eles de atender, sem justa
causa, no prazo de trinta dias, ao convite judicial.
mandato.
§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre
informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato,
nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.
§ 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores,
embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia
licença da Casa respectiva.
§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o
estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços
dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do
recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução
da medida."
Por fim, cabe trazer a baila recente decisão do C. STJ que condenou o
mesmo congressista em relação aos mesmos fatos do caso em comento a indenizar
sua condiscípula em razão das ofensas de cunho pessoal. O fato de que as ofensas
foram proferidas no recinto da Câmara dos Deputados, para o Superior Tribunal de
Justiça, em consonância com o entendimento do STF, não seria óbice à
condenação, afastando, destarte, a cobertura da imunidade.
CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPARAÇÃO POR
DANOS MORAIS. ATOS PRATICADOS POR DEPUTADO FEDERAL.
OFENSAS VEICULADAS PELA IMPRENSA E POR APLICAÇÕES DE
INTERNET. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ALCANCE DE LIMITAÇÕES.
ATOS PRATICADOS EM FUNÇÃO DO MANDATO LEGISLATIVO. NÃO
ABRANGÊNCIA DE OFENSAS PESSOAIS. VIOLÊNCIA À MULHER.
INTIMIDAÇÃO E REDUÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL FEMININA DA
RECORRIDA.
1. Ação ajuizada em 16/12/2014. Recurso especial interposto em
25/04/2016 e atribuído a este gabinete em 03/10/2016.
2. O propósito recursal consiste em determinar o alcance da imunidade
parlamentar por ofensas veiculadas tanto no Plenário da Câmara dos
Deputados quanto em entrevista divulgada na imprensa e em aplicações na
internet.
3. A imunidade parlamentar é um instrumento decorrente da moderna
organização do Estado, com a repartição orgânica do poder, como forma de
garantir a liberdade e direitos individuais.
72
Com previsão nos parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º do art. 53 da Carta Maior, nas
palavras de Moraes, ―a imunidade formal é o instituto que garante ao parlamentar a
impossibilidade de ser ou permanecer preso ou processado sem autorização de sua
Casa legislativa específica‖ (2009, p. 1044), conforme se vê:
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional
não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse
caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre
a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo
voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa
Diretora.
79
Por fim, tem-se a isenção do serviço militar por parte dos parlamentares,
conforme reza o § 7º do art. 53:
§ 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores,
embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia
licença da Casa respectiva.
Tal imunidade confronta-se com o art. 143 da Carta que prevê ―O serviço
militar é obrigatório nos termos da lei‖, e nas palavras de Mores (2009, p. 1050) se
subsiste pois:
A finalidade desta previsão Constitucional é impedir a indevida ingerência
do Poder Executivo – por parte do Presidente da República que é o Chefe
Supremo das Forças Armadas – no Poder Legislativo, com incorporações e,
consequentemente, afastamento das funções parlamentares, de
parlamentares oposicionistas e desafetos dos Governos.
81
Reveste-se, tal isenção, como a última prerrogativa prevista no art. 53, que
tem o escopo de proteger e assegurar um bom trabalho das Casa Legislativas.
4 DO DECORO PARLAMENTAR
Necessário evidenciar que não existe uma definição doutrinária unânime para
o termo decoro parlamentar, pois, este significado está intimamente ligado a fatores
sociais da época estudada.
A definição semântica da palavra pode ser encontrada no Dicionário Houaiss
da Língua Portuguesa, sendo decoro conceituado como:
[...] decoro s.m. 1. recato no comportamento, decência (d. no vestir, no agir,
no falar.
2. acatamento das normas morais; dignidade, honradez, pundonor (é um
indivíduo torpe, sem decoro, sem honra)
3. seriedade das maneiras, compostura [...]
4. postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não
[...] d. parlamentar. Pol. Postura exigida de parlamentar no exercício de seu
mandato [...]
A Câmara dos Deputados agrega em seu bojo uma sanção não existente no
Senado Federal, qual seja a suspensão de prerrogativas regimentais.
V - são passíveis de suspensão as seguintes prerrogativas:
a) usar a palavra, em sessão, no horário destinado ao Pequeno ou Grande
Expediente;
b) encaminhar discurso para publicação no Diário da Câmara dos
Deputados;
c) candidatar-se a, ou permanecer exercendo, cargo de membro da Mesa
ou de presidente ou vice-presidente de comissão;
d) ser designado relator de proposição em comissão ou no Plenário;
Far-se-á uma conexão entre todos os temas até agora abordados no presente
trabalho, com o escopo de provar que a inviolabilidade parlamentar não é revestida
do absolutismo levianamente alegado por alguns detentores de mandato eletivo,
bem como apresentar algumas soluções para diminuir a ocorrência do discurso de
ódio parlamentar, bem como para o seu combate.
Como anteriormente exposto, a inviolabilidade parlamentar não é vislumbrada
pelo STF como um direito absoluto, excetuando-se quando proferida no Plenário.
Entretanto serão apresentadas algumas outras situações em que se defende a não
cobertura pela imunidade material.
Destaca-se que o Parlamentar detém, não só pela natureza do cargo, mas
por razões pessoais, certa influencia em determinado setor da sociedade (ao menos
à aqueles que o elegeram), portanto, é exemplo de conduta para muitos que
depositam sua confiança de cidadão nesta pessoa, assim sendo, não é possível
admitir o hate speech por essas pessoas enquanto representantes do povo e
agentes de formação de opinião.
6 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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EUA: Integração dos Instrumentos de controle para Mudança Social. Brasília,
Entrelivros, 2. ed., 2007.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1 ed. 12. Tir., 1992
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2602341>. Acesso em 11
nov. 2018.
CATRACA LIVRE. Sou homofóbico, sim, com muito orgulho, diz Bolsonaro em
vídeo. São Paulo, out. 2018. Disponível em
<https://catracalivre.com.br/cidadania/sou-homofobico-sim-com-muito-orgulho-diz-
bolsonaro-em-video/> Acesso em 12 jan. 2019.
GROSSI, José Gerardo. O decoro de cada um. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,
04/05/2001, p. 09.
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Tradução de Pedro Madeira. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2011, p. 38-43
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GLOSSÁRIO
Kompetenz-Kompetenz Instituto pelo qual todo juiz tem competência para analisar
sua própria competência.
Sui generis Único; que não se parece com nenhum outro; único em
seu gênero.