Você está na página 1de 214

FUNDAÇ Ã O EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR


CENTRO DE CIÊ NCIAS JURÍDICAS – CCJ
PÓ S-GRADUAÇ Ã O EM DIREITO CONSTITUCIONAL
Tese de Doutorado em Direito Constitucional

A ATUAÇ Ã O DA DEFENSORIA PÚ BLICA COMO


GARANTIA DA EFETIVIDADE DA DEFESA DO ACUSADO
JURIDICAMENTE NECESSITADO NO DEVIDO PROCESSO
PENAL CONSTITUCIONAL

Emerson Castelo Branco Mendes


Matr.: 1024306-8

Fortaleza – CE
Janeiro, 2014
EMERSON CASTELO BRANCO MENDES

A ATUAÇ Ã O DA DEFENSORIA PÚ BLICA COMO


GARANTIA DA EFETIVIDADE DA DEFESA DO ACUSADO
JURIDICAMENTE NECESSITADO NO DEVIDO PROCESSO
PENAL CONSTITUCIONAL

Tese apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Direito
Constitucional como requisito
parcial para obtenção do Grau de
Doutor em Direito, sob a
orientação da Profa. Dra. Gina
Vidal Marcílio Pompeu.

Fortaleza – Ceará
2014
EMERSON CASTELO BRANCO MENDES

A ATUAÇ Ã O DA DEFENSORIA PÚ BLICA COMO


GARANTIA DA EFETIVIDADE DA DEFESA DO ACUSADO
JURIDICAMENTE NECESSITADO NO DEVIDO PROCESSO
PENAL CONSTITUCIONAL

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Profa. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu – UNIFOR (Orientadora)

_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Tereza Aina Sadek – USP (Membro)

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo – UFC (Membro)

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Luciano Lima Rodrigues – UNIFOR (Membro)

_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça – UNIFOR (Membro)

Tese aprovada em:


Dedico este trabalho à minha família.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por sua presença em minha vida na condução de minhas escolhas.

À professora e amiga Gina Vidal Marcílio Pompeu, pela orientação firme e segura, com
valiosas contribuições para a construção desta tese.

À minha esposa amada e aos meus filhos, meu porto seguro de amor, de alegria, de
carinho e de compreensão.

À minha mãe e às minhas irmãs, exemplos de bondade e de caráter.

Ao meu amigo Giuliano Menezes Campos, pelo apoio e pela compreensão.

À Defensoria Pública do Estado do Ceará, por todo o apoio recebido durante o curso de
doutorado, e aos meus colegas de carreira, com os quais tenho a honra de exercer missões
apaixonantes, em especial à minha amiga Amélia Rocha.

Aos professores Francisco Luciano Lima Rodrigues e César Barros Leal, que, como
membros da banca de qualificação, contribuíram com importantes e enriquecedoras sugestões.

Aos professores e a toda a equipe do Programa de Pós-Graduação em Direito


Constitucional da Unifor.

A todos os meus alunos, pelos inúmeros debates e discussões instigantes acerca da


Defensoria Pública.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.


A Constituição determinou que é função da
Defensoria levar a Justiça aonde nunca
chegou e demonstrar que Direito não é mero
instrumento de manifestação da força do
Estado, mas mecanismo para direcionar esta
força para a realização dos Direitos
Humanos.

Amélia Rocha
RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar a atuação da Defensoria Pública em defesa dos
acusados juridicamente necessitados no processo penal sob a perspectiva dos direitos e
garantias individuais fundamentais. A partir da consolidação do Estado Democrático de
Direito e do constitucionalismo brasileiro, novos paradigmas são propostos para a efetivação
do direito de defesa das pessoas em situação de vulnerabilidade no sistema de justiça penal.
Neste cenário, a nomeação de advogados dativos para prestar assistência aos acusados
juridicamente necessitados constitui séria ameaça à liberdade humana, porque não possibilita
o pleno desenvolvimento do contraditório e da ampla defesa. A advocacia dativa não se
compatibiliza com os princípios institucionais da Defensoria Pública, porque constitui
resquício do antigo modelo de assistência judiciária, por meio do qual o Estado
disponibilizava ao acusado acompanhamento judicial como ato de generosidade, sem a devida
preocupação com a efetividade da defesa e com a promoção dos direitos humanos. A
Constituição Federal de 1988 concebeu a Defensoria Pública com o fim de corrigir
desigualdades sociais históricas no plano jurídico, contribuindo para a concreção do acesso à
justiça. Partindo destas premissas, a recepção da advocacia dativa pela atual ordem
constitucional é analisada. Com o objetivo de tornar efetiva a participação do acusado na
construção das provas e na decisão final do processo, a afirmação do valor igualdade no
sistema de justiça penal possibilita a construção do processo justo e democrático. Propõe-se,
então, novo modelo, estruturado para garantir a concretização do direito de defesa dos
acusados juridicamente necessitados, a partir da atuação da Defensoria Pública, com o fito de
contribuir para a diminuição da crise da justiça penal e, especialmente, para a democratização
do direito de defesa.

Palavras-chave: Defensoria Pública. Direito de defesa. Processo penal constitucional.


ABSTRACT

The present study have for object to analyze the performance of the Public Defender’s in
defense of legally disadvantaged accused, in the criminal procedure under the perspective of
the essential law and individual guarantee. From of the consolidation of the democratic state
of law and of the Brazilian constitutionalism, news paradigms proposing to the effectuation of
the law of defense of the people in situation of vulnerability in the system of criminal justice.
In this specific scenario the appointment of aid lawyers for providing assistance for legally
disadvantaged accused represent threat for human liberty, because does not provide the full
development of the adversary system and full defense. Dative advocacy does not combine
with the institutional principles of the Public Defender’s, because is a remnant of the old
model of judicial assistance, through which the State provided for accused judicial follow-up
like act of generosity without any regard with the effectiveness by defense and with
promotion of the human rights. The Federal Constitution of 1988 designed Public Defender’s
in order to correct historical social at the judiciary level, contributes to the concretion of the
access to justice parting from this proposals, the reception of the dative advocacy for current
order constitutional is analyzed. With the objective of becomes effective the participated of
the accused in the construction of the proving and in the final decision of the process, a
statement of the value in the system of criminal justice enables the construction of fair and
democratic process. Is proposal, so, new model, structured to ensure the realized of the right
of defence of the legally disadvantaged accused, from of the performance of the Public
Defender’s, with a view to contributing for the reduction of the crisis of the criminal justice,
and, especially for the democratize of the right of defence.

Keywords: Public Defender’s. Right of defence. Constitutional criminal procedure.


RIASSUNTO

Il presente studio ha come obiettivo analizzare l’attuazione della Difensoria Pubblica in difesa
degli imputati giudizialmente bisognosi nel procedimento penale alla luce dei diritti e
garanzie individuali fondamentali. A partire della consolidazione dello Stato Democratico di
Diritto e del costituzionalismo brasiliano, nuovi paradigmi sono proposti per l’effettivazione
del diritto di difesa delle persone in situazione di vulnerabilità nel sistema di giustizia penale.
In questo scenario, la nomeazione di avvocati dativi per prestare assistenza agli imputati
giudizialmente bisognosi sarebbe minacciata alla libertà umana perché non permette il pieno
svillupo del contraddittorio e dell’ampia difesa. L’avvocatura dativa non è compatibile con i
principi istituzionali della Difensoria Pubblica perché costituisce traccia dell’antico modello
di assistenza giudiziaria per mezzo del quale lo Stato metteva a disposizione all’imputato
accompagnamento giudiziale come atto di generosità, senza la dovuta preoccupazione con
l’effettività della difesa e con la promozione dei diritti umani. La Costituizione Federale del
1988 ha concesso alla Difensoria Pubblica con lo scopo di correggere disuguaglianze sociali
storiche nel piano giuridico, contribuendo per la concretezza dell’accesso alla giustizia.
Partendo da queste premesse, la riception dell’avvocatura dativa dall’attuale ordine
costituzionale viene analizzata. Con l’obiettivo di diventare effettiva la partecipazione
dell’imputato alla costruzione delle prove e alla decisione finale del processo, l’affermazione
di pari valore nel sistema di giustizia penale permette la costruzine del processo giusto e
democratico. Si propone, allora, nuovo modello, strutturato per garantire la concretezza del
diritto di difesa degli imputatii giudizialmente bisognosi, a partire dell’attuazione della
Difensoria Pubblica, con lo scopo di contribuire alla diminuzione della crisi della giustizia
penale e, in particolare, per la democratizzazione del diritto di difesa.

Parole chiave: Difensoria Pubblica. Diritto di difesa. Processo penale costituzionale.


SUMÁ RIO

INTRODUÇ Ã O ........................................................................................................................ 11

1 A DIMENSÃ O DO DEVIDO PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL ........................ 17


1.1 Sistemas processuais e direitos fundamentais ................................................................. 17
1.2 Devido processo penal e direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito ....... 29
1.3 Relação entre os direitos e as garantias constitucionais e o devido processo penal ........ 35
1.4 Base principiológica do devido processo penal constitucional ....................................... 38
1.5 Crise de efetividade do devido processo penal constitucional ........................................ 51

2 DIREITO DE DEFESA NA JUSTIÇ A PENAL ................................................................... 56


2.1 Fundamentos e pressupostos do direito de defesa ........................................................... 56
2.2 A efetividade da defesa no sistema de justiça penal ........................................................ 67
2.3 Crise da justiça penal, processo penal de emergência e direito de defesa: e o
garantismo? ..................................................................................................................... 77
2.4 O “teatro garantista” do direito de defesa no Brasil ........................................................ 83

3 A DIMENSÃ O DA DEFENSORIA PÚ BLICA NO ESTADO DEMOCRÁ TICO DE


DIREITO: PROMOÇ Ã O DOS DIREITOS HUMANOS E REDUÇ Ã O DAS
DESIGUALDADES SOCIAIS ............................................................................................. 94
3.1 A estruturação e a amplitude da Defensoria Pública no Brasil ....................................... 94
3.2 Princípios, garantias e prerrogativas institucionais da Defensoria Pública ................... 107
3.3 Princípio do defensor natural......................................................................................... 115
3.4 A contribuição da Defensoria Pública para a concretização dos direitos
fundamentais ................................................................................................................. 121

4 A GARANTIA DA DEFENSORIA PÚ BLICA PARA CONSTRUÇ Ã O DE UM


NOVO MODELO DE DEFESA NO PROCESSO PENAL E O PROBLEMA DA
ADVOCACIA DATIVA ..................................................................................................... 129
4.1 Contribuições da Defensoria Pública para a efetivação da defesa no sistema de
justiça penal ................................................................................................................... 129
4.2 A atuação da Defensoria Pública na crise do sistema de justiça penal: obstáculos,
desafios e o problema da advocacia dativa ................................................................... 142
4.3 A superação da advocacia dativa no processo penal e a construção de um novo
modelo defesa para acusados juridicamente necessitados ............................................ 152
4.4 Paradigmas para o efetivo exercício do direito de defesa dos acusados
juridicamente necessitados: não recepção da Lei de Assistência Judiciária e a
questão da advocacia pro bono ..................................................................................... 164
4.5 Propostas para a construção de um novo modelo de defesa dos acusados
juridicamente necessitados, inserindo a Defensoria Pública como garantia do
devido processo penal constitucional ............................................................................ 169

CONCLUSÃ O ........................................................................................................................ 188

REFERÊ NCIAS ..................................................................................................................... 200


INTRODUÇ Ã O

O objeto de estudo da pesquisa realizada ao longo do curso de Doutorado em Direito


Constitucional da Universidade de Fortaleza foi a defesa do direito à liberdade,
especificamente com foco nas garantias constitucionais e ações desenvolvidas pela Defensoria
Pública, órgão que tem o escopo de promover direitos humanos e de reduzir desigualdades
sociais por meio do acesso à justiça.

O interesse pelo tema “A atuação da Defensoria Pública como garantia da efetividade


da defesa do acusado juridicamente necessitado no devido processo penal constitucional”
originou-se da inquietação no tocante à realidade do sistema de justiça penal brasileiro, no
qual se apresenta um abismo entre o idealismo normativo e as práticas desenvolvidas pelos
órgãos estatais; e, sobretudo, porque inúmeras pessoas em situação de exclusão social,
desamparadas nos seus direitos mínimos, sofrem as consequências das mazelas existentes.
Dentre estas, salienta-se o problema da ausência ou da inexpressividade da defesa.
Impermeável aos princípios constitucionais, o sistema de justiça penal torna-se desigual na
medida em que não permite a todos a mesma participação no processo para formar o
convencimento do juiz e para interferir na decisão final deste.

Os estudos sobre Defensoria Pública são incipientes, por ser instituição bastante nova e
com particularidades genuinamente brasileiras no tocante ao modelo apresentado. Surgida na
ordem constitucional vigente, ainda avança na busca da estrutura ideal. A maior parcela da
população continua em situação de vulnerabilidade jurídica, em razão dos obstáculos ao
acesso à justiça. O relato deste cenário é apropriado para o trabalho desenvolvido, porque a
compreensão dos problemas existentes no mundo contemporâneo não admite percepções
fragmentadas, devendo a construção acadêmica sempre ter um “olhar” na realidade, partindo-
se do pressuposto de que o saber científico não comporta “verdades prontas” e presunções.

Desse modo, a escolha do tema ora apresentado é decorrente da verificação da carência


histórica do sistema de justiça penal brasileiro, bem como da constatação sobre a
inefetividade da defesa prestada às pessoas juridicamente necessitadas. Neste viés, a omissão
12

do Estado na discussão e na elaboração de propostas para solucionar o problema demonstra


desinteresse na promoção dos direitos humanos. Em pleno século XXI, ainda é marcante a
vulnerabilidade da maior parcela da população no tocante ao acesso à justiça penal, porque a
liberdade humana é comprometida por ausência do valor igualdade.

O antigo modelo inquisitivo deitava raízes no desprezo à figura do acusado, tratado


sempre na condição de “objeto”, e não de sujeito de direitos na relação processual. Naquele, o
autoritarismo repressor se impunha diante da condição humana do acusado. Não havia direito
fundamental à defesa, porque os poderes de investigar, de acusar e de julgar estavam
concentrados no mesmo órgão estatal.

Do ponto de vista ideológico, o modelo inquisitivo, degradante da dignidade humana e


fomentador da violência estatal, foi superado na Constituição Federal de 1988, na qual o
sistema processual brasileiro passa a ser primordialmente acusatório, dentro de uma feição
notadamente garantista. Todavia, esta nova ordem constitucional não foi o suficiente para
promover mudanças substanciais na concreção do direito fundamental à defesa.

Ao prescrever, no art. 134 do texto constitucional vigente, como missão da Defensoria


Pública, o dever de orientação jurídica e de defesa, em todos os graus, dos juridicamente
necessitados, quis o legislador constituinte assegurar um mecanismo de efetivo acesso à
justiça, numa clara demonstração de preocupação com as correções das desigualdades sociais
no plano jurídico.

À vista disso, a partir das ideias de “justiça para todos” e de “direito ao direito”, foi
criada a Defensoria Pública, com o propósito de assumir o papel de instituição condutora da
concreção dos direitos fundamentais, promovendo o efetivo acesso à justiça sob a diretriz da
dignidade da pessoa humana. Não guarda, portanto, semelhança com a antiga figura intitulada
“assistência judiciária”, restrita ao acompanhamento judicial, sem a preocupação de promover
direitos humanos.

O surgimento da Defensoria Pública leva a reflexões necessárias acerca das suas


atribuições constitucionais no tocante à redução das desigualdades sociais históricas. É
preciso avaliar os desafios da instituição na caminhada de assunção dos direitos fundamentais
das pessoas em situação de vulnerabilidade. Esta é a razão pela qual a Defensoria Pública e o
acesso à justiça têm sido objeto de um renovado e crescente interesse científico, inserindo-se
nas preocupações mais relevantes do direito processual penal contemporâneo, especialmente
13

no Brasil, em face do notório sacrifício das pessoas em busca da conquista de direitos


mínimos.

Neste trabalho, analisa-se se e em que medida a Defensoria Pública pode ser


considerada garantia do devido processo penal constitucional para efeito de concretizar o
acesso à justiça penal às pessoas investigadas e acusadas em situação de vulnerabilidade
jurídica. Desta forma, a análise de seus princípios institucionais e de sua natureza é
indispensável para sintonizá-la no contexto do processo penal contemporâneo, seguindo-se as
diretrizes do Estado Democrático de Direito.

Sob a perspectiva dos direitos fundamentais e da atual hermenêutica constitucional,


diversas questões pertinentes ao assunto são examinadas, sem perder de vista as
peculiaridades da realidade brasileira. Indaga-se se a presença da Defensoria Pública pode ser
considerada garantia constitucional; inclusive, procede-se à análise dos efeitos da sua
ausência para o exercício da defesa do acusado juridicamente vulnerável.

Num passo seguinte, investiga-se a abrangência do direito à defesa. Busca-se alcançar o


seu significado no contexto da teoria dos direitos fundamentais para corretamente aplicá-lo ao
processo penal na perspectiva deste como direito constitucional aplicado. Dessa forma,
procura-se responder se a defesa pode ser considerada elemento integrador da atividade
jurisdicional. Ao mesmo tempo, discute-se a existência e o significado de um suposto ideal de
“verdade real” ou “verdade absoluta” para respaldar certas ações do Estado em detrimento do
direito de defesa. Pesquisa-se o significado da expressão “defesa técnica”, dentro dos fins
propostos pelo garantismo penal. A própria dimensão do garantismo penal no Brasil é
analisada, com destaque especial para indagações referentes à sua adoção na realidade
processual brasileira, já que do ponto de vista ideológico parece não haver divergência quanto
ao fato de ter sido este o modelo abraçado.

Com isso, investiga-se se existe o direito a uma defesa efetiva ou se esta seria um
ideal inalcançável, sendo o caso de se conformar com os seus distintos modos de atuação.
Não se trata apenas de verificar sua conformação constitucional do ponto de vista ideológico,
senão, principalmente, descortinar sua realidade no Brasil, notadamente no tocante aos
acusados juridicamente vulneráveis. Averíguam-se ainda a posição do Estado-juiz, seus
deveres, compromissos e forma de atuação, dentro da proposta do modelo garantista de
processo penal.
14

Não se deixa de lado, durante o desenvolvimento do trabalho, a relação de forças entre


Estado acusador e acusado. Abordam-se minuciosamente as posições de cada um, por
intermédio de um estudo histórico dos diversos modelos processuais existentes e do
respectivo exercício do poder nestes, com o intuito de compreender algumas práticas abusivas
e arbitrárias do Estado no sistema de justiça penal brasileiro.

Procura-se responder se a advocacia dativa foi recepcionada pela atual ordem


constitucional ou se, pelo contrário, deve ser extinta. Para atingir este propósito, realizam-se
investigações acerca da sua natureza, dos seus fins e dos seus efeitos para a defesa das pessoas
juridicamente necessitadas. Analisa-se se somente a Defensoria Pública está apta
constitucionalmente a defender acusados em situação de vulnerabilidade. Por fim, elabora-se
proposta para um novo modelo de defesa, destinado a oferecer aos acusados juridicamente
necessitados defesa efetiva.

Revela-se que o objetivo geral do presente trabalho consiste em analisar a atuação da


Defensoria Pública em defesa dos acusados juridicamente necessitados sob a perspectiva dos
direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, no contexto do devido processo
penal constitucional, investigando se a presença do Defensor Público pode ser considerada
exigência especial de efetividade da defesa, compondo o quadro geral de garantias individuais
fundamentais.

Nessa perspectiva, os objetivos específicos são: aferir a possibilidade de


comprometimento da defesa por ausência do Defensor Público; verificar o ideal da
efetividade de defesa no processo penal no tocante aos acusados juridicamente necessitados;
aprofundar a discussão acerca da efetivação da defesa dos acusados juridicamente
necessitados, cogitando formas de exclusão de defesas meramente formais; e verificar a
possibilidade de se extinguir a figura do advogado dativo, por incompatibilidade com o
devido processo penal constitucional e com a instituição da Defensoria Pública.

Por uma questão de cuidado metodológico na delimitação do tema, opta-se por tratar
das atividades da Defensoria Pública especificamente no âmbito do sistema de justiça penal.
Além de se tratar de investigação sobre a instituição da Defensoria Pública e as suas missões
constitucionais no tocante à defesa no processo penal, analisa-se a dimensão do direito de
defesa na perspectiva dos direitos fundamentais, sempre com atenção especial para o
problema da ausência ou ineficácia do seu exercício.
15

No primeiro capítulo, abordam-se os aspectos referentes ao devido processo penal


constitucional, depreendendo o seu significado e a sua dimensão. Desenvolve-se uma análise
sobre a relação entre sistemas processuais e direitos fundamentais; por fim, discorre-se sobre
a crise da efetividade do devido processo penal constitucional, concebido com base no
modelo garantista.

No segundo capítulo, procede-se à análise do direito de defesa, seus fundamentos e seus


pressupostos. Abordam-se ainda as condições necessárias para o seu adequado exercício. A
teoria do garantismo penal aplicada ao direito de defesa é retratada. Em seguida, discorre-se
sobre os obstáculos ao seu pleno exercício. Por fim, no último tópico, explora-se a existência
de um suposto “teatro garantista” do direito de defesa no Brasil.

No terceiro capítulo, trata-se especificamente da atuação da Defensoria Pública no


processo penal, mostrando-se inicialmente o seu processo de estruturação. Em seguida,
procede-se à análise da relação entre Defensoria Pública, acesso à justiça e dignidade humana.
Passo seguinte é o estudo da contribuição da Defensoria Pública para a concretização dos
direitos fundamentais como forma de atender ao ideal da dignidade humana. Por fim, são
expostos os desafios da instituição em busca da efetividade do direito de defesa.

No quarto capítulo, discorre-se sobre a garantia da Defensoria Pública para a construção


de um novo modelo de defesa no processo penal, superando paradigmas para o efetivo
exercício desta. Analisa-se a compatibilidade da advocacia dativa com a atual ordem
constitucional. Destacadamente, verifica-se a possibilidade de sua extinção, inclusive
mediante propostas de alteração legislativa.

Neste último capítulo, procede-se ao estudo da Defensoria Pública como garantia do


devido processo penal. Verificam-se as suas contribuições para a construção de um novo
modelo de defesa capaz de corrigir desigualdades sociais no âmbito da justiça penal, por meio
da premissa de que o tratamento adequado a ser dispensado ao acusado deve ser orientado
pela dignidade humana, com sua participação efetiva no destino do processo, atuando como
sujeito de direitos.

Cumpre ressaltar que a relevância do trabalho apresenta-se diante da manifesta


insuficiência de referencial teórico sobre o tema. Parte da doutrina discorre sobre o direito de
defesa no processo penal sem fazer a devida conexão com os princípios institucionais da
16

Defensoria Pública; outra trata o assunto de forma vaga, sem uma ideia clara sobre o
problema da defesa das pessoas juridicamente necessitadas.

Os estudos da tese foram desenvolvidos por meio de metodologia pautada em pesquisas


bibliográficas de natureza qualitativa, partindo-se da premissa de que o desenvolvimento de
bases teóricas da Defensoria Pública pode ser fundamental para o aperfeiçoamento do devido
processo penal constitucional e para a promoção dos direitos humanos, notadamente na busca
da defesa efetiva dos acusados juridicamente necessitados, como forma de resguardar a
liberdade humana por meio do valor igualdade.

Com a missão constitucional de reduzir as desigualdades sociais, por meio do acesso à


justiça, a atuação da Defensoria Pública no sistema de justiça penal deve ser estudada para se
aferir a obrigatoriedade da presença do Defensor Público na defesa de acusados juridicamente
necessitados. Partindo da ideia de essencialidade da defesa como núcleo do sistema
processual, a atuação do Defensor Público como agente político de promoção dos direitos
humanos deve ser investigada para a obtenção de respostas acerca da construção de um novo
modelo de defesa e da recepção da advocacia dativa pela Constituição brasileira.
1 A DIMENSÃ O DO DEVIDO PROCESSO PENAL
CONSTITUCIONAL

Todo estudo sobre o direito de defesa implica no conhecimento do devido processo


penal constitucional, porque deste se irradiam os princípios norteadores da atuação da defesa
no Estado Democrático de Direito. A abrangência e os propósitos da defesa vinculam-se ao
sistema processual adotado, sendo esta a razão pela qual é preciso analisá-la sempre sob a
perspectiva da ordem constitucional vigente e dos direitos fundamentais da pessoa humana.

1.1 Sistemas processuais e direitos fundamentais

A atual discussão sobre o processo penal, sua natureza, sua dimensão, seus parâmetros
e seus efeitos pressupõe o conhecimento dos sistemas processuais, identificando-os dentro
do contexto político de cada época para se chegar à rediscussão sobre posições outrora
“absolutizadas”. Essa vinculação do conhecimento à História é lembrada por Lamego (1989,
p. 157) quando afirma que:

A compreensão cifra-se sempre num adiantamento de sentido, constitui um saber


constitutivamente ligado à situação particular, em que se projeta a estrutura de
pré-compreensão do intérprete. A interpretação não se acaba num conhecer algo que
é dado de antemão.

As fases da evolução da estrutura dos sistemas processuais se alinham a mesma


evolução propiciada no âmbito dos direitos fundamentais, definidos por Lopes (2001, p. 46)
como “normas principiológicas defensoras da dignidade humana que fundamentam e
legitimam o sistema jurídico de cada Estado”. Partindo desta percepção, não se pode deixar de
analisar como se procedeu à construção de cada modelo de sistema processual.

O primeiro modelo de sistema do processo penal, assim compreendido como conjunto


de partes ordenadas entre si com objetivo comum, constituiu a expressão política dos
Estados absolutistas. Dias (1988, p. 37) critica este primeiro sistema, por se tratar de modelo
inquisitivo, baseado nas concepções autoritárias de Estado:

O processo penal inquisitório é dominado, exclusivamente, pelo interesse do Estado,


que não concede ao interesse das pessoas qualquer consideração autônoma, e ligado
18

a uma liberdade inteiramente discricionária do julgador. Reflete, na verdade, uma


estrutura processual penal em que ao juiz – degradado, ao menos no plano dos
factos, à condição de burocrata da justiça, sem independência perante o poder
político – compete simultaneamente inquirir, acusar e julgar; em que a ele pertence o
domínio discricionário do processo.

A solução dos conflitos pressupõe a atuação conjunta dos órgãos do Estado em busca da
realização de um determinado fim de paz social. Contudo, mesmo este fim pode ser buscado
por meio da guerra, porque diversos são os caminhos possíveis para se atingir um
determinado objetivo, lembra Hobbes (2008, p. 82):

E dado que a condição do homem (conforme foi declarado no capítulo anterior) é


uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado
por sua própria razão, e não havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa
servir-lhe de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se
daqui que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo o
corpo dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as
coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a
segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens
viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral da razão, Que todo homem
deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso
não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra.

Dependendo do modelo político de sistema, as formas e os procedimentos escolhidos,


por necessidade de segurança, para atingir esse objetivo podem não se coadunar com os
ideais da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, constituindo, na
expressão empregada por Maquiavel (2010, p. 76): “crueldade bem empregada”. O referido
autor retratou muito bem algumas práticas de que se poderia valer o Estado para atingir
seus fins:

Donde se nota que, ao tomar um Estado, o usurpador deve ponderar que violências
precisam ser infligidas e praticá-las todas as vezes de uma vez, para não ter de
renová-las a cada dia e assim poder, não as renovando, tranquilizar os homens e
seduzi-los com benefícios. Quem agir de outro modo, seja por tibieza, seja por maus
conselhos, será sempre obrigado a empunhar a espada; nem poderá valer-se de seus
súditos, já que estes, pelas contínuas e renovadas injúrias, não poderão confiar nele.
Por isso as injúrias devem ser cometidas de uma vez só, de modo que, por sua
brevidade, ofendam menos ao paladar; ao passo que os benefícios devem ser feitos
aos poucos, para que sejam mais bem saboreados. (p. 76-77).

Assim, no modelo inquisitivo, sustentado na “lei de Deus” e na ideia de perfeição daí


decorrente, não existe a preocupação de fazer justiça, não havendo juízo de valor ou
questionamentos acerca do conteúdo das decisões condenatórias, porque esta não é a “marca
da soberania”, conclui Bodin (2011, p. 298):

A primeira marca do Príncipe soberano é o poder de dar a lei a todos em geral e a


cada um em particular. Mas isso não é o suficiente, pois é necessário acrescentar que
19

isso se dá sem o consentimento de alguém maior, de um par ou de um menor que si,


pois se o Príncipe for obrigado a não fazer a lei sem o consentimento de alguém
maior, ele é, na verdade súdito; se consultar um par, ele terá companheiro; se
consultar os súditos – seja o senado, ou o povo – não será soberano.

Não é suficiente a separação pensada por Aristóteles (2002) entre o mau e o bom
governo, levando em consideração apenas o fato de o governante se pautar pelo interesse
comum ou pelo próprio interesse. Afinal, o argumento do interesse da coletividade nem
sempre está alinhado ao humanismo. Abusos de toda ordem e agressões à condição humana
podem ser cometidos em nome do “interesse comum”.1

Na Idade Média, o sistema processual inquisitorial estava organizado para punir o


suposto criminoso sem levar em conta no desenvolvimento dos seus atos a dignidade da
pessoa humana e os direitos individuais fundamentais, centralizado na ideia da religião e no
poder divino, daí porque não seria possível impor qualquer tipo de obstáculo ou de limitações
às ações do Estado, como observa Bignotto (2001, p. 35):

No contexto dos debates jurídicos dos séculos XII e XIII não era possível
simplesmente deixar de lado a concepção segundo a qual toda lei tinha sua origem
em Deus. Era possível abrir novos espaços, mas não ao preço do abandono total das
certezas que estruturavam o mundo cristão.

O sistema inquisitório foi encontrado, essencialmente, no Império Romano e na Idade


Média, durante o período compreendido entre os séculos XII e XVIII, tendo o seu momento
mais marcante com a Inquisição. Neste modelo de natureza inquisitória, a atuação dos agentes
estatais se caracterizou pela centralização do poder, unindo as funções de investigar, acusar e
julgar no mesmo órgão do Estado, conforme acentua Florenzano (2007, p. 19):

A monarquia era absoluta desde a Idade Média, e para o fato que quando ela se
tornou absoluta, também na prática a partir da Idade Moderna, seu poder efetivo e
seu alcance foram limitados tanto pelo respeito aos costumes fundamentais do reino
quanto pela precariedade dos meios técnicos existentes à sua disposição.

Essa ideia de centralização das atividades da persecução criminal sempre no mesmo


órgão estava associada ao sistema político dos Estados Absolutistas, recebendo o agente
inquisidor delegação divina, ao mesmo tempo em que o interesse da soberania assegurava
o poder de julgar “segundo a sua consciência”, não interessando a fundamentação desta
(BODIN, 2011).

1
Expressão utilizada por Rousseau (2011) como vontade geral. O autor distinguia a vontade de todos da vontade
geral. A vontade de todos seria a soma de interesses privados. Por outro lado, a vontade geral tem em seu
significado o interesse comum.
20

Como este sistema concentra todas as atividades no mesmo órgão, o agente inquisidor
possui a incumbência de investigar, de realizar a acusação formal e, ao mesmo tempo, de
julgá-la, assemelhando-se à figura do príncipe, em razão do direito ao poder arbitrário. Nisso
se funda o ditado, critica Locke (1998, p. 533), “de que os reinos dos bons príncipes sempre
foram os mais perigosos para as liberdades de seu povo”.

Essa atuação exclusiva e exauriente do agente inquisidor impede o exercício da defesa,


por ausência de independência e imparcialidade do órgão julgador, desconsiderando a pessoa
acusada como indivíduo sujeito de direitos fundamentais. Sendo considerado apenas como
objeto de análise de acusações contra si impostas, o acusado não tem oportunidade de
participar da atividade processual, exercendo em sua plenitude o contraditório.

Traço marcante das atividades desenvolvidas no sistema processual de natureza


inquisitória é a ausência de qualquer tipo de discussão acerca dos métodos desenvolvidos para
inquirição dos réus nos processos criminais, bem como para a produção das demais provas,
coadunando-se a ideia segundo a qual o suposto autor de uma infração penal deve ser visto
como objeto da persecução penal investigatória, e não como detentor
de direitos fundamentais da pessoa humana.

Esta feição do sistema inquisitório é confirmada pela História e está de acordo com a
natureza das coisas, lembrando comparativamente a própria natureza da monarquia, destaca
Montesquieu (2007, p. 114), “onde quem manda executar as leis se julga acima das leis, tem
se a necessidade de menos virtude do que num governo popular, onde quem manda executar
as leis sente que ele próprio a elas está submetido e que delas sofrerá o peso”. Zilli (2003, p.
39) menciona outras características desse sistema:

O procedimento consiste em uma investigação secreta, escrita e descontínua; no


campo probatório, impera o sistema das provas legais; a valoração das provas atende
a rigorosos critérios que podem afastar ou reconhecer um fato como elemento hábil
para a formação da convicção; o sistema de recursos reflete a forma hierarquizada de
organização da jurisdição penal; da mesma forma que o monarca delega aos seus
subordinados parcela da jurisdição que por eles é exercida, esta lhe é inteiramente
devolvida quando do exame e julgamento do recurso.

Justamente por essas características, não se pode deixar de mencionar a busca ilimitada
pela “verdade”, sendo admitida as angustiantes e medievais práticas de a tortura como método
de investigação e não havendo restrições quanto à natureza das diligências empreendidas.
Possuindo o juiz inquisidor ampla liberdade na colheita de provas, observa Badaró (2003, p.
105):
21

O acusado, normalmente, permanecia preso durante o processo. Na busca da


verdade material, freqüentemente, o acusado era torturado para que se alcançasse a
confissão. Em suma, o sistema inquisitório baseia-se em um princípio de autoridade,
segundo o qual a verdade é tanto melhor acertada, quanto maiores forem os poderes
conferidos ao investigador. Quanto ao método probatório, há uma substituição da
concepção argumentativa por uma concepção demonstrativa da prova, baseada nos
modelos científico-experimentais.

Essa concentração das atividades de acusar e de julgar no mesmo órgão de atuação


compromete os preceitos basilares da função de julgar, porque impossibilita decisões
imparciais, não estando o magistrado nem mesmo obrigado a justificar seus atos. Por sinal, a
ausência de obrigatoriedade de motivação das decisões constitui outra característica marcante
deste modelo de atuação judicial.

No sistema inquisitório, o órgão julgador sempre atinge o que se entende como


“verdade”, não sendo esta passível de questionamento, apresentando-se ainda como objeto de
utilidade pública, e não como meio de justiça. Os réus são mostrados como inimigos do
Estado, ameaçando a paz, devendo o sistema cuidar positivamente de sua exclusão, não lhe
sendo garantida nem mesmo a possibilidade de infirmar a prova gerada na persecução penal
na fase investigatória.

O sistema processual inquisitório acarreta desrespeito aos direitos da pessoa humana e


compromete a efetivação da justiça, porque, sendo o magistrado o próprio condutor das
investigações, fará de tudo para legitimar os elementos de prova que está colhendo,
utilizando-se de forma abusiva ou mediante a prática de tortura, costurando a legitimidade
desta. Em outros termos, seria contrassenso colocar em xeque a sua função jurisdicional, seus
atos nas etapas da fase procedimental anterior ao processo, deslegitimando sua atuação, algo
inadmissível neste modelo, porque atua em nome de Deus, e este não erra, nem incorre em
contradições, ou em decisões equivocadas.

Neste sistema, agindo de ofício o juiz, realizando a acusação formal contra o


investigado, respaldando provas proibidas, inclusive forjadas, e métodos de investigação
degradantes da natureza do ser humano, ou seja, provas inidôneas em sua essência
manipuladas para dar sustentáculo a acusações infundadas ou fraudulentas, não existe
independência do Poder Judiciário, subjugado aos interesses do Poder Executivo. Sob esta
ótica, Hamilton, Madison e Jay (1984, p. 580) enfatizam que:

[...] esta independência dos juízes é igualmente necessária à defesa da Constituição e


dos direitos individuais contra os efeitos daquelas perturbações que, através das
intrigas dos astuciosos ou da influência de determinadas conjunturas, algumas vezes
22

envenenam o povo e que – embora este rapidamente se recupere após ser bem-
informado e refletir melhor – tendem, entrementes, a provocar inovações perigosas
no governo e graves opressões sobre a parcela minoritária da comunidade.

Outra característica marcante deste sistema típico dos Estados Absolutistas é a inversão
do ônus da prova, cabendo ao próprio acusado o ônus de provar sua inocência, e não o
contrário, estando o Estado na posição cômoda e uníssona de detentor da verdade até que seja
provado o contrário. Isto, claro, considerando ser possível questionar o elemento probatório
colhido ou mesmo a sentença prolatada, situação nula, em razão da impossibilidade de se
aceitar erro originário do Estado-juiz. Marcando sua atividade em nome de Deus, o Estado-
juiz não comete falhas. E se não falha, devem as pessoas eventualmente inocentes torcer para
terem o prêmio da absolvido apenas, e não com o exercício da defesa.

Por derradeiro, no método inquisitório de investigar, tomando o magistrado a


exclusividade na produção da prova e na obtenção da verdade “real” ou “absoluta”, anulando
os personagens do processo e invertendo o ônus da prova para os réus, termina impedindo a
consecução dos ideais de justiça, porque não se utiliza dos meios exatos para atingir esse
propósito. Se a participação dos réus é aniquilada no procedimento por meio do qual seus
destinos serão julgados, não existe defesa e, por conseguinte, a decisão jamais poderia ser
exata, precisa, muito menos justa em sua natureza.

Os ideais dos revolucionários iluministas terminaram retirando a ideia de Deus para


substitui-la pela ideia da Razão, advindo daí uma série de consequências da Revolução
Francesa, sendo esta o nascedouro de um novo modelo de processo, com características que
retratam grandes mudanças no campo das ciências, especialmente no contexto da justiça
penal, quando os postulados da defesa foram lançados como garantias de todos os indivíduos,
apenar da manutenção ainda do Estado-juiz inquisidor, somente desaparecendo este mais
adiante.

Este segundo modelo consagrou um avanço significativo na noção de defesa como


expressão da igualdade, da justiça e da liberdade, resguardando os réus dos abusos
perpetrados pelo Estado-juiz autoritário em sua sina permanente de encontrar culpados para
condená-los. Os réus se transforam em indivíduos sujeitos de direitos fundamentais aptos a
exercê-los para proteger suas liberdades, tendo-se lhes assegurado um conjuntos de garantias
processuais.
23

A dignidade da pessoa humana dos acusados passou a guiar esse conjunto de garantias,
propiciando uma feição garantidora dos direitos fundamentais para estancar a busca frenética
por uma suposta “verdade”, bastante comum nos Tribunais da Inquisição na Idade Média.
Neste aspecto, destaque-se ainda que se passou a olhar o acusado como pessoa inocente, em
vez de se estabelecer um prévio julgamento, muito comum nos sistemas autoritários.

Cumpre observar que a figura do Estado-juiz inquisidor não desapareceu logo de início.
Todavia, sofreu uma mitigação considerável. Efeito disto foi que os elementos de prova
deixaram de ser absolutos e passaram a ser questionáveis, isto é, parte-se da premissa de que o
Estado investigador pode errar no momento da confecção das diligências probatórias, não
havendo como assegurar a sua idoneidade.

A prova passou a ser em essência duvidosa, admitindo contraditório, inclusive, por meio
da apresentação de contraprova. Como se pode observar, assumiu uma natureza mista,
dividindo-se em duas etapas. Na primeira, prevalecia o perfil inquisitório, continuando o juiz
como o responsável pela colheita de provas. Na segunda, era realizada a acusação formal,
procedendo-se a um juízo de admissibilidade da denúncia. Zilli (2003, p. 37) esclarece que,

[...] embora fosse a intenção originária dos revolucionários a adoção de um sistema


acusatório nos moldes daquele seguido pela Inglaterra, com o tempo, os diplomas
legais revolucionários foram sucedidos por outros que mantiveram características
próprias do sistema inquisitório, mescladas com outras típicas do acusatório, razão
pela qual é este também denominado de sistema inquisitório reformado.

A permanência do Estado-juiz inquisidor era resquício do antigo modelo aplicado ao


segundo sistema de natureza mista. Em outras palavras, mantinha-se o autoritarismo, mas sem
escancarar as ações arbitrárias como acontecia no sistema inquisitório. A consequência mais
visível da manutenção do traço inquisitório foi a ausência de uma separação rígida das
funções de investigar, de acusar e de julgar.

Por outro lado, avançou-se substancialmente no que concerne à intitulada “intima


convicção” dos juízes. No sistema inquisitório, as decisões não eram passíveis de
questionamentos. No sistema misto, as fundamentações das condenações começaram a ser
verificadas, apesar de não existir ainda a motivação das decisões judiciais como princípio.
Para Aquino (1989, p. 55), “a suspeita é até certo ponto viciosa, e tanto o mais é quanto
menos fundada for”.
24

A extrema promiscuidade probatória do sistema inquisitório diminuiu com o modelo


misto, no momento em que se passou a discutir a viabilidade das denúncias e,
destacadamente, por meio da averiguação a idoneidade da prova para sustentar decretos
condenatórios, evitando equívocos no julgamento. As aberrações das sentenças condenatórias,
ensejando todo tipo de injustiças, habitual no sistema inquisitório, tornou-se menos frequente
no sistema misto. Ainda assim, num modelo garantista ideal, Martins (2002, p. 176) assinala
que:

O erro judiciário é algo que pode acontecer perto de nós, sendo mais comum do que
se pensa e se imagina, e não algo do passado, ou distante. Motivo para se reafirmar a
importância do defensor dentro do processo penal acusatório, sendo fundamental sua
ativa vigilância a apontar muitas vezes o caminho justo, pois a justiça pode errar.

Mesmo mantendo aspectos típicos do sistema inquisitório, o novo modelo misto


melhorou o exercício do direito de defesa, mas não chegou ao ponto de impedir os malefícios
das investigações probatórias aplicadas pelo julgador, ainda a frente da persecução, estando
comprometida a sua imparcialidade. Passo seguinte ao modelo misto foi a consagração das
ideias acerca do modelo processual acusatório, proposto por Ferrajoli (2010, p. 32), na teoria
do garantismo, como:

[...] todo sistema processual que configura o juiz como um sujeito passivo
rigidamente separado das partes e o processo como iniciativa da acusação, a quem
compete provar o alegado, garantindo-se o contraditório. Ao contrário, no modelo
inquisitório, o juiz procede de ofício na busca de provas, atuando em segredo e por
escrito, com exclusão de qualquer contraditório ou limitação deste.

Portanto, em relação ao modelo acusatório, enfatiza autor supramencionado, “nota-se


uma tendência nitidamente garantista, enquanto o modelo inquisitório se aproxima do
autoritarismo” (p. 32). A “pedra de toque” do sistema acusatório é a separação rigorosa entre
os poderes exercidos ao longo da persecução criminal, viabilizados equilibradamente.

O Estado acusador solicita ao Estado-juiz a incidência da tutela penal, por meio da


aplicação da sanção penal, mas orientando a imputação pelos preceitos basilares de justiça,
como a necessidade de prova mínima para uma pessoa vir a ser denunciada. Não se trata mais
do acusador de feição medieval, com o nítido objetivo de prejudicar inocentes em que estes
tivessem ao menos o direito basilar à autodefesa.

A prática de tortura pelo Estado, instrumento eficiente de investigação nos modelos de


natureza inquisitória, deixa de ser admita como pensamento antes sustentado. Em 1764, com
o tratado Dos Delitos e das Penas, Beccaria (2010) repudiou a tortura como método de
25

investigação, questionando ainda a idoneidade do depoimento das provas testemunhais, em


face de sua fácil manipulação, bem como a precariedade dos interrogatórios procedidos sem o
devido controle.

Como medida de garantia ainda da imparcialidade dos julgamentos, o sistema de


natureza acusatória proíbe atos secretos e impõe as devidas fundamentações dos decretos
condenatórios, servindo como mecanismo de controle do Estado-juiz. Neste aspecto, a
presunção de inocência foi lançada como princípio maior do processo, já como decorrência do
direito à liberdade e da necessidade de se proteger um núcleo mínimo de direitos do ser
humano, não podendo esta ser constrita enquanto não existir um resultado processual em
caráter definitivo, salvo excepcionalmente quando se impõe a prisão como necessidade de
salvaguardar a ordem pública ou para proteger a correta consecução dos atos processuais.

A visão do sistema acusatório consiste na identificação do acusado como sujeito de


direitos, com ampla possibilidade de desenvolver sua participação nas etapas do processo, por
meio de um diálogo dinâmico e claro com o seu acusador e o com seu julgador, permitindo-
lhe refutar as imputações a si atribuídas, influenciado na produção de provas e na definição da
decisão final.

Ao contrário do sistema inquisitório, o juiz não está submetido aos interesses do órgão
de acusação. Por isso mesmo, não existem normas determinantes para guiar sua percepção das
provas, possuindo o defensor os meios reais de influir efetivamente em sua decisão.
Desaparece ainda a atuação do magistrado nas investigações preliminares da persecução
penal, passando esta iniciativa aos órgãos da , característica típica do modelo acusatório.

Em vários países, não se adotou o modelo acusatório “puro”, como é o caso da Itália,
depois da reforma processual de 1989, ocasião em que se extinguiu o antigo modelo de
persecução probatória inquisitivo, pondo-se um fim ao juiz da instrução, restando ainda um
resquício do antigo modelo (BUONO; BENTIVOGLIO, 1991). De fato, discorre Badaró
(2003, p. 101):

Atualmente, não existem sistemas acusatórios ou inquisitórios ‘puros’. Nenhum


legislador estrutura o processo penal de forma totalmente acusatória ou inteiramente
inquisitória. A análise dos diversos ordenamentos jurídicos demonstra a
possibilidade de várias combinações de características dos sistemas acusatório ou
inquisitório: ora o processo é prevalentemente acusatório, ora apresenta maiores
características inquisitoriais.
26

Retratando as características do sistema misto para efeito de compreensão da sua


adoção por alguns países, Badaró (2003, p. 102) afirma ainda que:

A história do processo penal é geralmente reconstruída como a história da


alternância dos modelos acusatório e inquisitório, com destaque para o momento em
que se buscou fundir ambos sistemas, criando um ‘sistema misto’ por meio do Code
d’instructioncriminelle de 1808. Tais sistemas, contudo, são abstrações ou modelos
ideais.

O sistema processual acusatório, em razão do regime de direitos e garantias individuais


do acusado, firmou-se no Estado Democrático de Direito, em razão da necessidade do mínimo
existencial de direitos e garantias que toda Constituição precisa garantir para a consecução de
um processo justo e democrático. Por isso mesmo, seus propósitos se encerram nas
liberdades individuais dos cidadãos diante das posturas de exercício arbitrário do Estado-juiz

Possuindo as características muito semelhantes do garantismo constitucional, modelo de


cunho acusatório se destaca por causa da visão do réu como pessoa humana, com o intuito de
evitar lesões aos seus direitos fundamentais. Desse modo, toda restrição a uma garantia
individual precisa ser indispensável e excepcional, como, por exemplo, na situação de uma
prisão provisória nas etapas processuais.

Neste, deve-se evitar a todo custo a estigmatização do acusado, na medida em que a


coletividade previamente passa a enxergá-lo como culpado, menosprezando a estima que
todo ser humano merece, sendo mais agravante o fato de não ter sido julgado em definitivo,
porque termina sofrendo antecipadamente os efeitos de uma condenação futura, que pode não
vir a se constituir.

O equívoco do julgamento antecipado realizado pela coletividade – na expressão de


Carnelutti (1995), “jogado às feras” – não pode ser respaldado pelo Estado, devendo este
suportar as pressões sociais, inclusive, no âmbito da imprensa e dos meios de comunicação
em geral, para não deixar os argumentos da violência e da gravidade do crime servirem para
relativizar os direitos fundamentais do acusado.2

2
As mazelas do processo penal não se restringem à possível limitação da liberdade do acusado. Atingem sua
família, seu trabalho, sua convivência social, sua autoestima, porque a coletividade não respeita o seu estado de
inocência, enquanto não julgado em caráter definitivo. Acerca da relação entre o acusado e a coletividade,
discorre Carnelutti (1995, p. 35): “O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado às feras, como se dizia
uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a
multidão”.
27

A partir da adoção do sistema acusatório de cunho garantista pelas Constituições dos


Estados de Direito, toda interpretação deve levar em conta substancialmente esse conjunto de
garantias constitucionais, não se admitindo a solução de problemas complexos por meio de
argumentação superficial, desprovida de base principiológica. Refletindo o imperativo social
do Estado de Direito, Canotilho (2003, p. 250) aponta:

[...] para a libertação da angústia da existência da pessoa mediante mecanismos de


socialidade, dentre os quais se incluem a possibilidade de trabalho, emprego e
qualificação profissional e a garantia de condições existenciais mínimas através de
mecanismos providenciais e assistenciais.

Em decorrência desse conjunto de direitos fundamentais presente no modelo de cunho


acusatório, o princípio estruturante basilar deste passa a ser a dignidade humana. Nessa linha
de pensamento, diversos direitos e garantias decorrem deste princípio, como exemplo pode-se
citar o disposto no art. 11, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de 1969
(Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992:

Art. 11. Proteção da honra e da dignidade.


1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua
dignidade;
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida
privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de
ofensas ilegais à sua honra ou reputação;
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.
(CIDH, 1969).

Todo o estudo do devido processo penal constitucional pressupõe a análise das espécies
de sistemas processuais, analisando-se os métodos utilizados por cada um para estabelecer
qual é o mais adequado à ordem constitucional em vigência. Nesse contexto, a concretização
da dignidade humana depende da valorização da condição do ser humano como indivíduo
sujeito de direitos fundamentais. Todas as discussões acerca das mazelas e das carências do
sistema de justiça penal passam por esse contexto, não sendo possível deixar de observá-lo.

Em pleno século XXI, a realidade do sistema penal em diversos países, inclusive no


Brasil, ainda se espelha em antigos modelos, baseados na severidade de aplicação das penas
privativas de liberdade. Esse caráter retributivo da pena (punição, castigo) ainda prevalece,
constituindo sério obstáculo à concretização da dignidade da pessoa humana no processo
penal, inclusive na fase de execução da pena. Isso pode ser explicado pela distância entre o
idealismo normativo e a realidade prática. É preciso superar a era da prisão como “instituição
total”, mencionada por Goffman (2008, p. 11) como local onde um grande número de presos é
28

separado da sociedade, levando uma vida fechada e formalmente administrada. O século XXI,
projeta Leal (2010, p. 120):

[...] requer uma nova e prospectiva política penitenciária que mude a dramática e
infame situação de grande parte de nossas prisões, albergando quiçá uma recreação
do sistema de execução penal e rompendo o silêncio carcerário de que nos falava
Rosa Del Olmo, em busca de uma nova era.

O autor esclarece que existe um desinteresse político, quando se trata do


desenvolvimento de políticas públicas no campo da execução penal, daí porque fatos como
fugas, corrupção, uso de drogas, ocorrem com constância. Não havendo um conjunto de
atitudes concretas para mudar a situação, Leal (2010, p. 135) assevera: “a crudelíssima e
abjeta saturação dos estabelecimentos penais tem um reflexo profundamente negativo sobre o
sistema”.

Comparando a realidade do processo penal brasileiro com as situações das prisões da


Idade Média, várias semelhanças são observadas, como a degradação da personalidade do ser
humano, a mais completa precariedade de segurança para o preso no cumprimento da pena,
promiscuidade intensa, inclusive com abusos sexuais frequentes, afora ser espaço físico
desprovido de condições de higiene e de saúde, impossível para a sobrevivência humana.

A execução da pena é a última fase do processo penal e, justamente nesta, a condição do


preso é mais degradada, demonstrando que a distância entre o idealismo normativo e a
realidade prática quando se fala em concretização dos direitos individuais do preso. O sistema
acusatório, adotando o garantismo constitucional, não consegue ser adotado na realidade do
sistema de justiça penal, numa clara demonstração de força do Estado-juiz, no sentido de
negá-lo, por meio das práticas autoritárias de seus órgãos.

Em síntese, são inadmissíveis todas as práticas ou os discursos que tratam o processo


penal à parte do sistema constitucional em vigor, desprezando a condição do ser humano
detentor de direitos fundamentais. Nesse aspecto, o processo penal não pode ficar adstrito a
uma descrição meramente formal, descontextualizada da vida das pessoas. Não se estabelecer
fins destinados à promoção da dignidade humana, dentro da proposta garantista, se as ações
do Estado-juiz autoritário permanecerem abusivas.
29

1.2 Devido processo penal e direitos fundamentais no Estado Democrático


de Direito

O sistema processual de natureza acusatória vigora nos ordenamentos jurídicos de base


humanista e democrática, compondo o conjunto de garantias fundamentais individuais do
acusado e firmando-se na ideia de preservação da dignidade da pessoa humana, mesmo diante
da necessidade de se atingir os propósitos buscados pelas políticas do sistema de justiça penal,
diante da pressão da coletividade por mais repressão penal.

Os direitos fundamentais da pessoa humana passaram a se consolidar nos tratados


internacionais a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, refletindo no ambiente
interno de diversos ordenamentos jurídicos. No que diz respeito à hierarquia dos tratados
internacionais sobre direitos humanos incorporados no direito interno, o tema foi julgado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), examinando-se a compatibilidade da prisão do devedor
fiduciante em razão da não devolução de veículo alienado a instituição financeira.

Ordenando limites e condições para o exercício da atividade jurisdicional, impedindo o


cometimento de abusos pelo Estado-juiz, a evolução dos sistemas processuais recebeu
contribuição marcante deste novo modelo integrado pelos direitos fundamentais, e afirmado
por diversos documentos internacionais, como no caso do Pacto de São José da Costa Rica,
em seu art. 8º:

Art. 8. Toda pessoa terá direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela. (CIDH, 1969).

O devido processo penal reúne o conjunto de direitos fundamentais, constituindo


verdadeira garantia fundamental da pessoa humana, impedindo acusações infundadas,
Tribunais de exceção, atos de perseguição política e qualquer tipo de ilegalidade ou abuso por
parte do Estado, sendo necessário um mecanismo eficaz de controle da atividade jurisdicional
desenvolvida, notadamente em razão dos amplos e ilimitados poderes dos juízes antes do
sistema constitucional garantista.

Acompanha ainda o processo de internacionalização do Direito Constitucional, porque


não se pode mais aceitar um regime jurídico que não tenha como primazia o respeito
30

aos direitos humanos, devendo os preceitos dos tratados internacionais estarem presentes
na interpretação do processo penal, coadunando-se com o conteúdo do ordenamento
constitucional interno. Na lição de Ramos (2009, p. 185), define-se a internacionalização do
Direito Constitucional:

[...] no sentido de maior permeabilidade do direito interno às normas provenientes


do direito das gentes geral ou convencional, é uma tendência a um só tempo
constatável e desejável. De um lado, acompanha o esforço das entidades estatais
para contornar o problema da perda da efetividade regulatória dos ordenamentos
nacionais, impotentes diante de fenômenos que não se submetem à territorialidade
característica dos Estados contemporâneos. Mas, de outro, corresponde a anseios
institucionais de elevada inspiração ética, assentados na universalidade da condição
humana e na permanente busca da convivência pacífica e construtiva entre os seres
humanos.

A partir da identificação do processo como garantia fundamental, justamente em razão


da necessidade de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, toda interpretação
deste deve observar esse aspecto, tornando-o instrumento de aspecto moral a serviço da
interpretação constitucional que ressalta a dignidade humana, e não simplesmente a serviço
do mero formalismo, vazio de conteúdo. É preciso analisar o conteúdo das decisões judiciais e
dos atos desenvolvidos nas etapas do processo, porque não estão vinculados aos princípios
constitucionais, procurando descortinar as razões.

No Estado Democrático de Direito, observa Barcellos (2006, p. 56), “a Constituição


estabelece como um de seus fins essenciais a promoção dos direitos fundamentais”. Partindo
dessa linha de pensamento, o devido processo penal deve ser construindo a partir da
observância dos direitos fundamentais, servindo esta afirmação como parâmetro de controle
das ações do Estado.

Os mecanismos de controle do poder do Estado autoritário, evitando o cometimento de


injustiças, somente pode ser realizado por meio da consecução dos direitos fundamentais da
pessoa humana, reduzindo as indeterminações que venham a ocorrer se a pretensão punitiva
do Estado se sobrepusesse ao direito do réu de ser processado com a observância de regras
legais mínimas que lhe assegurassem segurança jurídica. Por isso mesmo, reportando-se ao
aspecto da justiça, Á vila (2009, p. 199) defende que:

Num Estado de Direito, em que deve ser protegida a segurança jurídica, em virtude
da qual se deve privilegiar a inteligibilidade, a estabilidade e a previsibilidade do
ordenamento jurídico, não está o aplicador autorizado a buscar a melhor solução por
meio da consideração de todas as circunstâncias do caso concreto, desprezando
justiça geral em favor de justiça particular.
31

No Estado de Direito, a atuação do magistrado na persecução penal deve ser pautada


pela busca de uma solução com linha democrática, fincada no respeito aos direitos
fundamentais do réu, não aceitando as indeterminações o ofenda, decorrendo daí a
interpretação mais favorável, quando presente uma dúvida minimamente razoável. Portanto, a
discricionariedade deve ser limitada, lembra Streck (2011, p. 78), devendo-se perseguir a sua
superação por meio de uma base epistemológica que permita uma correta resposta no sentido
hermenêutico proposto pelo garantismo constitucionalista.

O caminho de uma interpretação do processo penal sob o filtro dos direitos


fundamentais não é único. Dependendo da concepção adotada, a solução poderia ser outra,
assim como o próprio desenvolvimento do processo. Basta se imaginar alguns países
nos quais a suspeita pode ser analisada como verdade absoluta. A dúvida acerca da suficiência
das provas para condenar em nome do objetivo maior do Estado em detrimento dos direitos
individuais do réu.

Na condução do processo, o magistrado deve assumir o compromisso de evitar ou ao


menos diminuir os riscos sempre presentes de condenação de um inocente, prolatando uma
sentença penal adequada ao Estado de Direito e com os direitos fundamentais da pessoa
humana. Não se pode deixar de lembrar, perfilhando do pensamento de Adeodato (2010, p.
123), a relação entre o ativismo judicial e a abertura dos princípios constitucionais,
dificultando a utilização do garantismo para impedir a prestação jurisdicional ilegítima.

Por mais que se busque, por meio da fixação dos preceitos de natureza processual, uma
interpretação inquestionável e induvidosa, como se fosse possível uma certeza objetiva, o juiz
deve escolher, dentre os vários sentidos, discorre Ávila (2009, p. 201), “aquele que melhor se
encaixar nos ideais constitucionais”. E continua:

De fato, as regras são aquelas normas que determinam um curso de ação a ser
seguido pelos destinatários nas situações em que o caso se enquadra nos seus
termos. Para eliminar conflito com o mínimo de efetividade, as regras devem
prescrever, de modo inteligível e relativamente incontroverso, uma dada resposta
para uma determinada gama de circunstâncias. Para fazê-lo, porém, elas precisam
selecionar os fatos que serão considerados juridicamente relevantes, incluindo-os na
sua descrição legal. (p. 201).

Outro aspecto a ser analisado é a necessidade de se afastar da persecução probatória


meramente formal, isto é, aquela vinculada estritamente às regras legais sem a devida
preocupação com a aplicação dos princípios decorrentes do Estado de Direito. As provas
precisam ser valoradas através de um método de caráter indutivo, no contexto de uma
32

probabilidade, e não de forma absoluta. Não se preocupando excessivamente com os


formalismos do procedimento legal, o magistrado deve buscar os mesmos fins almejados pelo
Estado de Direito, tornando o processo instrumento de realização deste, e não engessando sua
ação em prol da mera segurança jurídica, ou mesmo preocupando-se em oferecer respostas
aos medos decorrentes do populismo irracional relacionado aos fenômenos da criminalidade e
da violência.

Por isso mesmo, resta superado o denominado “acesso formal à justiça”. A efetividade
pressupõe o respeito aos direitos individuais fundamentais da pessoa humana, preservando-se
o estado de não culpabilidade do réu, sua liberdade, sua imagem, sua honra e sua dignidade,
garantindo-se-lhe ainda o benefício da dúvida diante de eventuais indeterminações de cunho
probante.

Nos antigos sistemas do processo penal, existia um culto ao tecnicismo, privilegiando-


se a forma em detrimento do conteúdo, como se o processo fosse um
fim em si mesmo, e não instrumento de concretização dos valores e dos fins constitucionais.
Barroso (2001, p. 98) observa que a Constituição brasileira é um sistema aberto em que estão
presentes as ideias de direitos fundamentais e de justiça desempenhando um papel central.

Desse modo, desapegando-se do formalismo e do tecnicismo exacerbado, o intérprete


deve tomar a iniciativa de adotar no processo o modelo proposto pelo Estado de Direito,
expandindo o sentido e o alcance do processo penal para torná-lo a garantia maior dos réus
em consonância com os direitos fundamentais da pessoa humana. A função dignificadora dos
direitos fundamentais, esclarece Lopes (2001, p. 37):

Tem como principal objetivo resguardar a dignidade humana, não apenas


defendendo a esfera individual do homem perante possíveis interferências do poder
público, mas, também, exigindo deste a realização de determinadas atividades que
promovam o desenvolvimento integral daquele como ser social, e exigindo dos
terceiros o respeito a todos esses direitos.

A ciência processual penal contemporânea se preocupa com a fixação e com o estudo


dos direitos fundamentais garantidores do sistema processual penal. Os preceitos baseados
nos direitos fundamentais constituem princípios básicos comuns a todos os sistemas e estão
sintonizados com as diretrizes do Estado de Direito. Por isso mesmo, como expressão do
Estado Democrático de Direito, o processo penal presta-se a assegurar os direitos
fundamentais do réu, não tendo mais valia a antiga visão do processo como mero meio de
33

efetivar o direito de punir do Estado como mecanismo de controle social. Nessa linha de
raciocínio, Marques (2000, p. 37) afirma que:

O processo é instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, às diretrizes


políticas que plasmam a estrutura do Estado. Impossível, por isso, subtrair a norma
processual dos princípios que constituem a substância ética do Direito e a
exteriorização de seus ideais de justiça. No processo penal, então, em que as formas
processuais se destinam a garantir direitos imediatamente tutelados pela
Constituição, das diretrizes políticas desta é que partem os postulados informadores
da legislação e da sistematização doutrinária. Com razão afirmou Goldschmidt que a
estrutura do processo penal de uma nação indica a força de seus elementos
autoritários e liberais.

O processo penal, ao mesmo tempo em que busca efetivar a tutela penal, quando
exigido, possui também a finalidade de tutelar os direitos individuais da pessoa humana
presentes na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais, resultando daí
relação com os direitos fundamentais, assim entendidos como aqueles que
são garantidos constitucionalmente. Exatamente por isso, discorre Moreira (2004, online), “o
processo penal de um país o identifica como uma democracia ou como um Estado totalitário”.

Os direitos fundamentais estabelecidos numa Constituição são atribuídos à pessoa


humana e à pessoa jurídica, constituindo direito subjetivo de exigir do Estado determinadas
prestações. Simultaneamente, entende Freitas (2007, p. 33):

Os direitos fundamentais se caracterizam como elementos essenciais do


ordenamento objetivo da comunidade nacional, sendo, como tais, constitutivos de
uma específica ordem de convivência humana, daí advindo o reconhecimento de sua
dimensão objetiva, eis que não apenas compõem a estrutura básica como também
definem e condicionam cada um dos ramos que integram o sistema jurídico.

A inserção dos direitos fundamentais no processo penal pode ser compreendida em duas
esferas: na dimensão objetiva, caracteriza-se por lhe garantir uma maior carga qualitativa, isto
é, dota as normas processuais de “maior carga de juridicidade”; na dimensão subjetiva, a
dimensão dos direitos fundamentais é a que mais se aproxima das suas origens históricas e
dos seus fins. Freitas (2007, p. 58) afirma que:

A perspectiva da dimensão subjetiva, que se identifica com ensejarem os direitos


fundamentais, com maior ou menor intensidade, (a) uma pretensão de que se realize
determinado comportamento ou (b) um poder de produzir alguns efeitos em
determinadas relações jurídicas, correspondem eles à exigência de uma ação
negativa, à exigência de uma ação positiva ou, ainda, às competências.
Inegavelmente, a dimensão subjetiva dos direitos fundamenta-se na noção de direito
subjetivo e só ali onde este se apresenta configurado, se poderá cogitar da existência
daquela.
34

Essa amplitude do devido processo penal constitucional, decorrente do conteúdo dos


direitos fundamentais que se constituem seu núcleo, é atestada pelo intérprete ao não ficarem
presos ao tecnicismo formal, interpretando as normas sem demasiado excesso de formalismo
e, principalmente, sem deixar que os conceitos meramente técnicos prevaleçam sobre os
preceitos constitucionais.

No devido processo penal constitucional, orientado pela diretriz dos direitos


fundamentais, o intérprete não pode trabalhar a interpretação engessado pelo formalismo
objetivo. Esse aprisionamento, quando ocorre, termina colocando em risco a liberdade do
acusado, restringindo, inclusive, a produção das provas. A discricionariedade deve ser usada
para preencher o conteúdo das formulas legais com os preceitos de ordem constitucional, não
se permitindo deixá-las vazias.

As garantias individuais da pessoa humana se consubstanciam num processo protetor: a


proteção contra os abusos ou contra as ilegalidades cometidas pelo Estado, seja como órgão
acusador, seja como órgão julgador. Asseguram, portanto, as liberdades individuais, pautando
as ações dos agentes estatais na dignidade da pessoa humana e impedindo a busca ilimitada da
verdade. Filiando-se a essa linha de pensamento, discorre Zilli (2003, p. 130):

A idéia de limitação do Estado pelo Direito constitui, indubitavelmente, um dos


maiores legados da filosofia iluminista e das revoluções, a despeito de sua
vinculação com os ideais burgueses. A associação posterior aos princípios inerentes
a um Estado Democrático, longe de invalidar a premissa segundo a qual o poder
central deve estar subordinado ao direito, reforça-a, mas, desta feita, sob os
auspícios gerados pelo reconhecimento da supremacia da vontade popular,
condicionante da legitimidade e validade do direito e do próprio Estado.

Invariavelmente, a proteção das liberdades impõe que toda ação do Estado respeite os
direitos fundamentais da pessoa humana, buscando-se a decisão justa por meio do devido
processo penal constitucional, sob pena de ser considerada ilegítima. Assim, a prestação
jurisdicional não goza de legitimidade absoluta, como algumas autoridades judiciais chegam a
pensar, mas vinculada à observância da ordem constitucional.

O processo penal sofre interferência de cunho político-ideológica de toda ordem. Por


isso mesmo, torna-se fácil relativizar as garantias individuais do acusado, defendendo, por
exemplo, a diminuição das proibições de provas ilícitas e de não autoincriminação, em
determinadas situações, sob argumentos da proteção à segurança pública social.
35

O magistrado, no devido processo penal constitucional, não pode limitar sua ação
apenas a observar a atuação das partes, emitindo, ao final, decisões de respostas vazias de
fundamentação, com motivações superficiais e rápidas, em razão da comodidade de condenar,
por ter mais respaldo político na coletividade, em razão das pressões sociais por mais rigor
penal.

A deformada compreensão do processo penal, deixando de lado a figura do acusado


como pessoa humana para considerá-lo criminoso “inimigo”, arrisca as bases constitutivas do
Estado Democrático de Direito; e, por conseguinte, põe em xeque a prestação jurisdicional,
isto é, deslegitima a prestação jurisdicional penal.

1.3 Relação entre os direitos e as garantias constitucionais e o devido


processo penal

Concebido numa perspectiva dos direitos fundamentais, o devido processo penal


constitucional se transforma numa garantia fundamental da pessoa humana, seja do acusado,
seja da pessoa ameaçada em sua liberdade pelo risco decorrente de uma imputação penal.
Disso decorre a sua natureza constitucional, porque fundada no modelo dos direitos
fundamentais, particularmente no núcleo dignidade da pessoa humana.

Reunindo direitos e garantias constitucionais, a cláusula do devido processo penal foi


incorporada pela Constituição Federal de 1988, assegurando-se aos sujeitos processuais o
estabelecimento e os respeito a um processo judicial, como lembra Barros (2000, p. 61),
“instituído legitimamente por lei e conduzido por um juiz natural, independente e imparcial,
resguardando-se o contraditório, a ampla defesa, a publicidade dos atos e a motivação das
decisões judiciais”. É nesse sentido que a cláusula foi incorporada pela atual Constituição no
campo dos direitos e garantias fundamentais.

Por essa razão, entendendo a necessidade de os atos praticados pelo Estado-juiz serem
desenvolvidos com respeito à dignidade do acusado, esclarece Rocha (2005, p. 46),
“não basta às partes terem o direito de acesso ao Judiciário. Para que o socorro jurisdicional
seja efetivo é preciso que o órgão jurisdicional observe um processo que assegure o respeito
aos direitos fundamentais”.

Não é sem propósito que Grinover, Cintra e Dinamarco (1998, p. 82) identificam o
devido processo legal como princípio constitucional, expressando o conjunto de garantias
36

“que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza


processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional”. Essa ideia da legitimação da
atividade jurisdicional através da observância deste conjunto de garantias constitucionais
precisa sempre ser recordada no processo penal.

E justamente em razão dos direitos fundamentais do cidadão, Nery Júnior (1998)


explica que o conceito do devido processo legal foi se modificando com o tempo para
abrangê-los em seu significado. O referido autor entende que o conceito de devido processo
“foi se modificando no tempo, sendo que doutrina e jurisprudência alargaram o âmbito de
abrangência da cláusula de sorte a permitir interpretação elástica, o mais amplamente
possível, em nome dos direitos fundamentais do cidadão” (p. 33).

O devido processo legal constitucional pressupõe, portanto, a observância dos direitos


fundamentais, estando estes inseridos no conjunto de direitos e garantias constitucionais que,
de um lado, são indispensáveis ao exercício da defesa, porque asseguram às partes a isonomia
processual; e, de outra forma, são indispensáveis ao justo e democrático exercício da
jurisdição, porque são responsáveis para atestá-lo no aspecto da legitimidade.

Partindo do pressuposto segundo o qual o respeito ao devido processo penal


constitucional configura o requisito essencial para que uma decisão judicial possa ser
qualificada como legítima, é possível não se aceitar uma decisão baseada no exercício
arbitrário do poder. O seu reconhecimento e a sua aceitação geral, assevera Zilli (2003, p.
130), “está intimamente relacionada com os meios juridicamente democráticos que tenham
sido escolhidos e adotados pelo Estado”.

Enunciado no inciso LIV, do art. 5º, da Constituição Brasileira de 1988, sob o postulado
de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”,
significa que o acusado não pode ser privado da sua liberdade sem a observância dos direitos
e garantias individuais fundamentais. Isto posto, o processo somente será “devido” (leia-se:
democrático e justo) se os direitos e as garantias constitucionais forem assegurados e,
destacadamente, efetivados.

Essa dimensão constitucional do processo penal reflete diretamente na instrução


probatória, proibindo idoneidade de provas, produzidas com violações constitucionais; e ainda
vedando as provas ilegítimas, produzidas por meio do descumprimento de normas de natureza
puramente processual. Isso ocorre porque não se pode dissociar a atividade probatória da
37

natureza constitucional do processo penal, isto é, a prova não pode ser produzida sem o
cuidado de se assegurar os direitos e garantias individuais do acusado por ocasião de sua
busca. Baptista (2002, p. 80-81) evidencia que:

O direito probatório (righttoevidence) decorre do princípio do devido processo legal


(dueprocessoflaw). Em seguida, afirma ser o devido processo legal uma garantia
fundamental no ordenamento jurídico, já que é dele que a maioria dos outros
princípios processuais derivam, inclusive o princípio da proibição das provas ilícitas,
sendo, portanto, um dos mais importantes, servindo, ainda, como meio de realização
da Justiça, além de ser um direito constitucional do cidadão.

A imposição constitucional de o processo penal ser o instrumento de aplicação eficaz


dos direitos e garantias individuais reside na visão segundo a qual este não pode ser
considerado de forma isolada, estando inserido num sistema de normas. E eventual problema
de ineficácia das normas processuais termina sendo o próprio reflexo da deficiência de
efetividade do ordenamento jurídico como um todo. A ordem normativa, consoante Kelsen
(1999, p. 31), é formada por “um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de
todas elas terem o mesmo fundamento de validade”.

Essa função de equilíbrio no processo penal, desempenhada pelos direitos e garantias


individuais, merece ser destacada, porque todo o início da relação processual se inicia com o
acusado em posição de desvantagem, na medida em que o Estado acusação lhe imputa o
cometimento de uma infração, baseada ainda numa séria de atividades desenvolvidas
antes pelo Estado investigador. O devido processo penal, assim entendido como exercício
de direitos e garantias individuais, impõe algumas exigências mencionadas por Tucci (2004,
p. 69):

a) acesso à Justiça Penal;


b) do juiz natural em matéria penal;
c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal;
d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios
e recursos a ela inerentes;
e) da publicidade dos autos processuais penais;
f) da motivação dos atos decisórios penais; e
g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal.

A concepção do devido processo legal depende da posição política adotada. No Estado


de Direito, os direitos e as garantias individuais do acusado são representações deste, gerando
reflexo em todo o ordenamento jurídico processual penal. Em razão do sistema de direitos e
garantias individuais do acusado, o ideal do processo justo deve prevalecer em detrimento do
ideal de segurança jurídica; assim como a dignidade da pessoa humana deve prevalecer em
38

detrimento da busca ilimitada da prova e da


verdade “absoluta”. Como se observa, o parâmetro constitucional garantista gera efeitos e
interpretações completamente distintas daqueles vazios do ideal dos direitos fundamentais.

1.4 Base principiológica do devido processo penal constitucional

Os princípios compõem o núcleo do sistema jurídico, comportando a compreensão deste


de forma congruente e proporcional, sendo responsáveis por garantir a coerência das
normas, propiciando inúmeras aplicações, porque estabelecem programas de ações, em vez
de prescrições específicas de uma determinada situação. Numa abordagem garantista, são
utilizados para abalizar as decisões judiciais, impedindo o exercício arbitrário do poder.

Nesse aspecto, diferenciam-se das regras, porque estas ordenam algo dentro de
prescrições previamente estabelecidas, isto é, fixam direitos e deveres que devem ser
realizados na exata medida de sua descrição na norma. Em razão disso, o “grau de
consecução” das regras encontra-se mais claro. Por outro lado, o grau de consecução dos
princípios pode variar bastante, porque compõem as diretrizes gerais da ordem constitucional.
Alexy (2011, p. 81) utiliza a expressão “mandato de otimização”, no sentido de que exigem a
realização de algo na sua máxima medida. Para Lopes (2010, p. 52), a abstração dos
princípios:

[...] impede determinar com precisão em que casos sua aplicação é procedente. Tal
circunstância abre a possibilidade de que em um único caso vários princípios
possam ser simultaneamente aplicados, exigindo, do juiz constitucional, sua
otimização em um juízo de ponderação ou razoabilidade.

A abordagem dos princípios do devido processo penal constitucional deve levar em


conta a dimensão nuclear destes no ordenamento jurídico, servindo para compreender a
interdependência entre a efetivação da tutela penal e os fins pretendidos pelo Estado na
Constituição. A Constituição encontra-se impregnada de valores suprapositivos, constituindo
um sistema aberto de princípios (BARROSO, 2001).

Munindo o sistema processual penal através dos ideais dos direitos fundamentais e do
valor justiça, os princípios constitucionais são utilizados para resolver as mais diversas
equações que lhe são impostas no caso concreto, constituindo o elemento integrador do
convencimento do juiz. Ao mesmo tempo, no constitucionalismo garantista, possuem a
imensa utilidade de reduzir o exercício arbitrário do poder dos juízes, reforçando a
necessidade de motivação racional de suas decisões.
39

Sobre o tratamento dispensado aos princípios no processo penal pelos intérpretes,


cumpre ressaltar a mesma indispensabilidade expressada pelas regras processuais, ainda que
estas já tragam seus preceitos ajustados aos fatos de forma bem definida, enquanto os
princípios não possibilitam certezas, respostas padronizadas, precisando de uma avaliação de
dimensão e “peso”. Dworkin (2010, p. 47) entende que se pode:

[...] tratar os princípios jurídicos da mesma maneira que tratamos as regras jurídicas
e dizer que alguns princípios possuem obrigatoriedade de lei e devem ser levados
em conta por juízes e juristas que tomam decisões sobre obrigações jurídicas.

Por mais que nas regras os contornos de sua aplicação em relação aos fatos sejam mais
definidos, é comum a situação em que a regra é insuficiente para resolver determinado
problema que se apresenta, daí se recorrendo aos princípios para trazer para a mente do
julgador a resposta para a situação. A ausência de solução das regras, na linha de pensamento
de Dworkin (2010, p. 52), impõe que se recorra aos argumentos de base principiológica.

O princípio da dignidade da pessoa humana orienta todo o conjunto dos princípios do


processo penal constitucional, atuando como princípio-vetor e núcleo central do Estado
Democrático de Direito, impedindo de toda forma o tratamento desumano do acusado,
devendo o Estado protegê-lo de qualquer tipo de ato degradante, que porventura surjam para
reduzir-lhe a condição humana. O devido processo penal constitucional tem com referência a
dignidade da pessoa humana, conceituada por Sarlet (2006, p. 60) como:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do


mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um com plexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Dentre os “princípios fundamentais gerais”, Guerra Filho (2001, p. 49) destaca o


princípio da dignidade da pessoa humana, merecendo “formulação clássica na ética kantiana,
precisamente na máxima que determina aos homens, em suas relações interpessoais, não
agirem jamais de molde a que o outro seja tratado como objeto, senão como igualmente um
sujeito”.

Guerra Filho (2001, p. 49) afirma ainda que “esse princípio demarcaria o que a doutrina
constitucional alemã, considerando a disposição do art. 19, II, da Lei Fundamental, denomina
de núcleo essencial intangível dos direitos fundamentais”.
40

Desse núcleo indisponível – dignidade humana – várias consequências podem ser


extraídas, como outros direitos e garantias consagrados no Estado Democrático de Direito.
Neste, a Constituição da República condensa todos os direitos fundamentais do homem,
estruturando-os no ordenamento jurídico como legítimas fontes de valores a servir na
interpretação constitucional. Guerra Filho (2001, p. 50) esclarece que, do princípio da
dignidade da pessoa humana, se deduziria o princípio da proporcionalidade,

[...] até como uma necessidade lógica, além de política, pois se os diversos direitos
fundamentais estão, abstratamente, perfeitamente compatibilizados, concretamente
se dariam as ‘colisões’ entre eles, quando então, recorrendo a esse princípio, se
privilegiaria, circunstancialmente, algum dos direitos fundamentais em conflitos,
mas sem com isso chegar a atingir outro dos direitos fundamentais conflitantes em
seu conteúdo essencial.

Sobre a dignidade da pessoa humana e os ideais de justiça no processo penal, Marques


(2000, p. 37) é enfático ao afirmar que:

O processo é instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, às diretrizes


políticas que plasmam a estrutura do Estado. Impossível, por isso, subtrair a norma
processual dos princípios que constituem a substância ética do Direito e a
exteriorização de seus ideais de justiça. No processo penal, então, em que as formas
processuais se destinam a garantir direitos imediatamente tutelados pela
Constituição, das diretrizes políticas desta é que partem os postulados informadores
da legislação e da sistematização doutrinária.

Segundo Canotilho (2003, p. 2), “a densificação constitucional do princípio da


dignidade da pessoa humana consagra a sua dimensão antropológica, conduzindo o homem a
sua condição de pessoa, cidadão, trabalhador e administrado”. Nesta perspectiva, o referido
autor sugere:

[...] uma integração pragmática dos direitos fundamentais. Em primeiro lugar,


afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável
da sua individualidade autonomamente responsável (CRP, arts. 24.º, 25.º, 26.º). Em
segundo lugar, garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre
desenvolvimento da personalidade [...]. (p. 249).

Não é possível respaldar a eficácia de determinados instrumentos utilizados pelo Estado


na atividade probatória pelos resultados objetivos produzidos, porque num sistema guiado
pela diretriz da dignidade humana, os fins não podem justificar os meios. Neste sentido,
destaca Rocha (1995, p. 111) que:

[...] do ponto de vista axiológico, a força transformadora das regras constitucionais


que prescrevem valores e finalidades (elemento ideológico), está em que esses
valores novos, fundados, em última análise, na dignidade da pessoa humana,
importam a revogação das normas ordinárias consagradoras de valores e finalidades
opostos.
41

Inadmissível, portanto, todas as práticas ou os discursos que tratam o direito processual


penal à parte do sistema constitucional em vigor, desprezando a condição do acusado como
ser humano, sob o argumento corrente do interesse público. O Pacto de San José da Costa
Rica estabelece que “a confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma
natureza”. Afora isso, “o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser
submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Quando referidas garantias não existiam
ainda, a base argumentativa para a obtenção de confissão mediante tortura era o interesse
público (CIDH, 1969).

Impede também o Estado de submeter os suspeitos do cometimento de uma suposta


infração penal ou um acusado a situações de lesão à própria natureza humana, como é o caso
da denominada autoincriminação. Ninguém pode ser obrigado a se autoincriminar,
confessando um delito ou produzindo uma prova contra si mesmo, pois isto subverte a
condição natural do homem de procurar se proteger. Daí, serem vedadas, por ofenderem a
dignidade humana, provas a exemplo do exame de “bafômetro”, que era utilizado para
incriminar pessoas.

E a proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana somente se desenvolve na


medida em que se preserva a liberdade do indivíduo, inclusive, no âmbito dos poderes de
fiscalização do Estado sobre o cidadão. A liberdade, entendida em toda sua amplitude,
termina sendo o alicerce substancial para a formação da dignidade humana. Neste sentido,
expressa-se Adiers (2005, p. 112):

Em nosso sistema, vem sendo atribuído um conteúdo preponderantemente


materialista ao conceito de dignidade, identificando-a com poder aquisitivo a ser
prestado pelo Estado via ‘redistribuição de renda’. Neste contexto, onde deve
preponderar o ‘bem comum’ e a ‘justiça social’, o Estado pretende meios cada vez
mais invasivos e intensos de controle e fiscalização, a fim de implementar o conceito
que o Partido tem do que seja o ‘bem comum’, objetivando, sob o falso motivo da
‘inclusão social’ de alguns, a ‘submissão social’ de todos. Sob a falácia de aplacar a
fome do ser humano, põe em segundo plano a sua alma e o seu espírito, violentando
sua natureza.

Como já foi objeto de análise, a atuação dos agentes do Estado no processo penal
constitucional encontra o seu limite na dignidade da pessoa humana e no respeito aos seus
valores fundamentais. Sendo assim, existe a necessidade de se impor limites à utilização de
certos meios de prova que atentem contra esses princípios, tornando-se inidôneas, como é o
caso das confissões obtidas mediante tortura.
42

No contexto desses parâmetros impostos pela dignidade humana, núcleo dos direitos
fundamentais, origina-se o direito ao silêncio, assim entendido como o direito de o acusado
não contribuir para a sua própria condenação, podendo este, inclusive, mentir. Na
conceituação de Couceiro (2004, p. 148), o direito ao silêncio é “um direito genérico da
pessoa a não colaborar na produção de prova que venha a prejudicá-la”. Queijo (2003, p. 81)
entende que:

O fundamento do privilégio contra a auto-incriminação é a dignidade do ser humano


e a proteção de certo âmbito de sua privacidade — a qual deve ser garantida por um
Estado de Direito — prevalecendo sobre a finalidade de averiguar a verdade em um
procedimento investigatório, ainda que ninguém possa conhecer melhor esta verdade
que o próprio investigado.

Em sua pesquisa, a autora supracitada analisou cuidadosamente os antecedentes


históricos do princípio da não autoincriminação até sua elevação à categoria de direito
fundamental constitucionalmente garantido, demonstrando-se que ele é essencial para a
dignidade do cidadão e para o Estado de Direito, porque não possibilita a corrupção da
natureza humana.

Sob qualquer argumento, não se pode obrigar uma pessoa a se autoincriminar, porque o
direito ao silêncio é inerente à condição humana, sendo garantia indisponível ao próprio
efetivo exercício do direito de defesa, estando protegido constitucionalmente. No momento
em que o acusado não participa de atividade probatória que pode lhe incriminar, encontra-se
no exercício do seu direito de defesa, natural de todo ser humano, não podendo sofrer
restrições. O silêncio, discorre Espínola Filho (2000, p. 16):

[...] longe de significar a falta de defesa de um culpado, que não sabe como se
justificar, traduzindo, antes, o sacrifício de quem não trepida em arcar com a
responsabilidade da falta de outrem, movido por sentimentos dos mais puros, como
a gratidão, a afeição, o amor, a amizade, a dedicação.

Como o direito ao silêncio constitui preceito de direito fundamental constitucionalmente


assegurado aos acusados, previsto no inciso LXIII, do art. 5º, da Constituição Federal de
1988, naturalmente encontra seu fundamento na própria dignidade da pessoa humana, porque
desse núcleo decorrem os direitos fundamentais. Dessa forma, em razão das suas
características, não poderia o silêncio ser analisado contra o acusado, não podendo o
magistrado utilizá-lo na motivação para prejudicá-lo. Ao contrário, tanto no procedimento
investigatório como em juízo, deve-se avisar ao indiciado seus direitos, porque a ausência da
43

desta observação pode constrange-lo moralmente a se auto-incriminar, sentindo-se ameaçado


diante das circunstâncias.

No sistema inquisitório, como o silêncio gerava confissão de culpa, o investigado


terminava sendo obrigado a declarar, porque sabia previamente das consequências decorrentes
da sua não manifestação. Era, portanto, advertido dos efeitos da sua não colaboração,
utilizando-se ainda o Estado de técnicas de tortura para obrigá-lo a colaborar. Efetivamente,
tem o imputado o direito de não contribuir para a sua própria condenação. Os mesmos efeitos
reconhecidos para o exercício do direito ao silêncio, explica Couceiro (2004, p. 362), “devem
ser impostos quando da recusa em se apresentar, em realizar qualquer exame, ou em exibir
documento”.

A vedação de provas ilícitas constitui outra base principiológica do devido processo


penal constitucional, porque assegura a toda pessoa humana o respeito a seus direitos
fundamentais, impedindo o Estado de cometer abusos, numa busca ilimitada pela verdade, em
nome do interesse público. Constitui, portanto, cláusula de proteção contra ilegalidades que
eventualmente pudessem vir a ser cometidas na investigação. Greco (2003) entende,
inclusive, que o princípio da vedação de provas ilícitas teria sua origem no princípio da
presunção de inocência.

A vulnerabilidade do processo penal às pressões sócias, decorrentes do populismo


irracional, pode ser constatada através da análise da atuação do juiz na instrução processual,
cedendo a uma determinada decisão por influência do “imaginário coletivo” trazido pelo
Direito Penal simbólico, incutindo sentimentos de medo nas pessoas. Isso pode ser observado,
por exemplo, quando o magistrado decreta a prisão preventiva de um suposto autor da
infração penal baseado na gravidade em abstrato do crime, sem levar em conta os critérios
legais.

Quando isso ocorre, graves são os prejuízos para a ordem constitucional, porque a
atividade jurisdicional estaria deixando de observar os fins pretendidos pelo Estado para
subverter o sistema, sob o argumento do interesse público. Contraditoriamente, se em nome
deste o magistrado toma decisões extremamente temerárias, o próprio Estado perde força, na
medida em que fica distante das metas constitucionais.

Essa contradição do Estado, consistente em lesar direitos fundamentais da pessoa


humana para ter mais eficiência na investigação probatória, precisa ser evitada a todo custo no
44

decorrer do processo penal. Somente será “devido” se limites forem impostos na busca de se
atingir determinando fim, tendo como parâmetro maior a dignidade da pessoa humana,
indispensável para respaldar eventual legitimidade de uma sentença condenatória.

O processo penal se desenvolve com a ameaça à liberdade de locomoção de um ser


humano. Antecipar a condenação de uma pessoa sem provas acarreta danos irreparáveis,
porque indenizar civilmente os erros do poder judiciário não quer dizer concertá-los. Essa é a
razão pela qual a abrangência do devido processo penal constitucional é dada exatamente pela
dimensão dos direitos fundamentais, isto é, pelo nível de desenvolvimento da dignidade da
pessoa humana, envolvendo a atuação dos agentes estatais, destacadamente os atos
empreendidos pelo magistrado para garantir a efetividade da ordem constitucional no
processo.

No processo penal, não se pode negar as graves consequências de decisões injustas,


devendo guiar a interpretação nas hipóteses de dúvida razoável sobre a condenação, e
servindo ainda de regra de tratamento do acusado para protegê-lo no particular aspecto da sua
imagem. Assim, o estado de inocência produz um efeito de considerável relevância para a
ordem constitucional: proíbe qualquer tipo de interpretação ou de decisão baseadas em meras
conjecturas.

A expressa previsão do estado de inocência foi fixada no inciso LVII, do art. 5º, da
Constituição Federal de 1988, por meio do postulado segundo o qual “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Gomes Filho
(1994, p. 37) explica que

[...] nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, instalada em 1.º de fevereiro


de 1987, desde logo o tema mereceu a atenção devida, figurando nos anteprojetos da
Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher
(‘presume-se a inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença
condenatória’ – art. 3º, XIX, g), bem como da Subcomissão dos Direitos e Garantias
Individuais (‘considera-se inocente todo cidadão, até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória’). A redação definitiva, consagrada pelo art. 5º, LVII,
do texto de 5 de outubro de 1988, resultou de emenda modificativa oferecida pelo
constituinte José Ignácio Ferreira, que justificou sua proposta com a necessidade de
‘caracterizar mais tecnicamente a denominada presunção de inocência, expressão
doutrinariamente criticável, mantida inteiramente a garantia’.

A liberdade individual é direito fundamental da pessoa humana. Por essa razão, somente
poderia ser constrita juridicamente por meio de um caminho escolhido dentro do próprio
sistema dos direitos fundamentais, devendo-se guardar a coerência entre os caminhos
45

escolhidos e os ideais do Estado Democrático de Direito. Reside aí a razão pela qual o estado
de inocência do acusado deve estar presente durante a existência dos atos processuais,
impossibilitando a antecipação do decreto condenatório, preceito presente no art. 8º da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “toda pessoa acusada de delito tem direito a
que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa” (CIDH,
1969).

Steiner (2000, p. 90) lembra que o princípio foi firmado também pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 10 de dezembro
de 1948, que estabelece, em seu art. XI, que “todo homem acusado de um ato delituoso
tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada
de acordo com a lei”.

A interpretação baseada em ilações, sem provas substanciais do cometimento de uma


infração penal, põe em risco a própria existência do Estado Democrático de Direito, porque
acarreta o retorno às antigas práticas em que o interesse do Estado estava acima dos valores
da dignidade humana, da justiça e da liberdade. Com efeito, proíbem-se prisões provisórias
vazias de motivação, porque constituem antecipação indevida da pena. Essa garantia de não
antecipação indevida da constrição da liberdade individual da pessoa é uma medida de
política criminal de natureza constitucional.

Jardim (2002) assinala com propriedade a exata dimensão desse princípio, quando
expõe a ideia que este gera no psiquismo das pessoas, fixando a imagem de um processo que
oferece a todas as pessoas a certeza da justiça, afastando a “tirania” do Estado. O referido
autor afirmar que “uma coisa é declarar que não se considera culpado quem não foi
condenado, como o fizeram os escritores medievais, e outra, bem diferente, é afirmar que
o réu se presume inocente até que seja condenado” (p. 281).

Badaró (2003, p. 280) analisa o princípio do estado de inocência sobre vários enfoques:
“a) como garantia política do estado de inocência; b) como regra de julgamento no caso de
dúvida: in dubio pro reo; c) como regra de tratamento do acusado ao longo do processo”. O
autor supracitado explica que a regra de tratamento impõe que o acusado não seja considerado
culpado até o momento da condenação definitiva, sem gerar a antecipação da sanção penal. Já
a regra de juízo consiste na possibilidade legítima de se condenar uma pessoa a cumprir uma
sanção penal somente se existir um grau mínimo de certeza sobre a verdade de um fato.
46

Na instrução probatória, não deixa de ser comum a situação em que, ao final, a dúvida
termina não sendo eliminada. Nesse caso, a solução deve ser a absolvição do acusado, não
sendo suficientes provas mínimas, nem mesmo indicativos fortes do cometimento do delito.
Em matéria de julgamento do mérito, a existência de uma dúvida razoável já é o suficiente
para absolver o acusado. Tonini (2002, p. 69) é enfático ao afirmar que: “a prova da
culpabilidade, se é insuficiente ou contraditória, equivale à inexistência de prova”.

O postulado do estado de não culpabilidade leva à presunção de inocência do acusado,


acarretando ao acusador o ônus de provar o fato imputado. Se ao final, não tiver êxito,
deixando de reunir provas suficientes para garantir a certeza da condenação, não pode inverter
o ônus da prova para o acusado, como se fazia no período inquisitivo. Seguindo nesta linha de
raciocínio, Gomes Filho (1997, p. 47) reitera: “a regra de repartição do ônus da prova não se
aplica ao juízo criminal, pois neste, em virtude da presunção de inocência do réu, o encargo
de prova incumbe exclusivamente à acusação”.

Como decorrência da presunção de não culpabilidade, ressalte-se a necessidade de uma


análise segundo a qual a dúvida deve favorecer o acusado, justificado na prevalência da
dignidade da pessoa humana mesmo diante do interesse do Estado na repressão penal,
devendo o juiz utilizá-la por ocasião do julgamento e em outras situações que mereçam
decisão sobre fatos relevantes. Para Dinamarco (2003, p. 247), no processo penal, “fala-se de
uma ‘presunção de inocência’, que no fundo é formulação menos técnica da regra do ônus da
prova dos fatos da acusação”.

Discorrendo sobre o motivo pela qual o princípio in dubio pro reu é exclusivo do
processo penal, considera o referido autor que o ônus da prova varia “de processo para
processo e chega a ser bastante tênue no processo criminal, onde a indisponibilidade do
direito de liberdade conduz à garantia constitucional da ampla defesa e contraditório efetivo”
(DINAMARCO, 2003, p. 247).

O estado de inocência é amplo, aplicando-se a toda perquirição probatória, seja no


âmbito administrativo do inquérito policial, seja no decorrer do processo judicial. Num caso
ou noutro, indiciado e acusado não podem ser considerados culpados, sofrendo
antecipadamente os efeitos da sanção penal, não sendo suficiente nem mesmo a decisão por
condenação, caso esteja pendente recurso. Analisando a presunção de inocência no contexto
das provas, Tonini (2002, p. 53) acrescenta que:
47

[...] se existe prova de que o fato foi cometido na presença de uma excludente de
ilicitude ou punibilidade, ou mesmo se existir dúvida em relação à existência das
mesmas, o juiz profere sentença absolutória. Isso significa que a dúvida sobre a
existência de um fato impeditivo ou extintivo deve ser utilizada em favor do
acusado. A alegação, ainda que de modo insuficiente ou contraditório, acerca da
existência de um fato a si favorável, permite ao acusado realizar o ônus da prova,
desde que consiga incutir no juiz uma dúvida razoável em relação à sua
responsabilidade.

Acerca do estado de inocência, debate-se a utilização do termo “inocência”,


afirmando-se que o fato de uma pessoa não ser considerada culpada não equivale a
considerá-la inocente, considerando a inexistência de uma decisão final sobre o caso.
Conforme este ponto de vista, a expressão adequada seria “presunção de não culpabilidade”.
Afirmados o direito ao silêncio e À presunção de inocência do acusado, a dignidade da pessoa
humana irradia o mais natural direito de todo ser humano: o direito de defesa, compreendendo
em sua dimensão os princípios do contraditório e da ampla defesa, indissoluvelmente
relacionados.

O direito de defesa apresenta-se como imprescindível para assegurar o devido processo


penal constitucional, não se admitindo a mera existência formal do juiz e das partes, devendo
o defensor acompanhar os atos e os termos do processo, desempenhando a função de
afirmação dos direitos e garantias individuais do acusado. A defesa deve ser fomentada pelo
contraditório, atuando para produzir reais elementos de convencimento do magistrado.

Contudo, conforme se analisará detalhada e separadamente, não se pode restringir o


direito de defesa à atuação de um profissional habilitado, devendo-se aferir a participação
ativa do defensor para não se permitir um hiato entre o direito constitucional à ampla defesa e
a defesa exercida nos fóruns criminais.

O direito de defesa primeiramente materializa-se pelo efetivo exercício do contraditório,


compreendido compro princípio que possibilita a participação das partes no processo, por
meio de um método dialético que garante ao acusado a possibilidade de se defender da
imputação que lhe feita, traduzindo-se no direito à informação e no direito à reação. Sobre a
dimensão do contraditório para o direito de defesa, discorre Fernandes (2003, p. 73):

No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação


permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do
contraditório durante todo o desenrolar da causa até seu encerramento. Efetivo
porque não é suficiente dar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os
atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que
tenha condições reais de contrariá-los. Liga-se, aqui, o contraditório ao princípio da
48

paridade de armas, sendo mister, para um contraditório efetivo, estarem as partes


munidas de forças similares.

O autor supracitado observa ainda a presença de uma primeira fase de conhecimento,


ocasião em que o acusado toma conhecimento da acusação, passando logo em seguida para
uma segunda fase, na qual o acusado tem a oportunidade de se contrapor à imputação,
questionando todos os aspectos possíveis, seja a prova em si, ou as decisões do juiz.

Esse mesmo pensamento é perfilhado por Almeida (1973, p. 81), ao defini-lo como a
“ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”. Como
observa Oliveira Júnior (2013, online), “é preciso que uma pedra se choque contra a outra a
fim de que salte a centelha da verdade”.

Somente por meio do contraditório pode ser realizado o direito de defesa. Por isso,
considera Greco (2003, p. 72), “ninguém pode ser atingido por uma decisão judicial na sua
esfera de interesses sem ter tido ampla possibilidade de influir eficazmente na sua formação”.
E assim discorre o autor sobre o contraditório,

[...] é conseqüência do princípio político da participação democrática e pressupõe: a)


audiência bilateral [...]; b) direito de apresentar alegações, propor e produzir provas,
participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de
ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade
na defesa dos seus interesses [...]; c) congruidade dos prazos [...]; d) contraditório
eficaz é sempre prévio [...]; e) o contraditório participativo pressupõe que todos os
contra-interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente
as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir
os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação. (p. 72-
73).

Num processo de partes, esclarece Martins (2001), o contraditório responde a anseios


como: participação ativa das partes na defesa, na prova, nos recursos, ou seja, em todos os
atos e termos deste. Por isso, a justiça processual requer regularidade procedimental,
igualdade entre as partes, imparcialidade do julgador, contraditório e impugnabilidade das
decisões.

Como parte integrante do direito de defesa, o contraditório compõe o direito subjetivo


do acusado, constituindo garantia expressamente prevista no inciso LV, do art. 5º, da
Constituição brasileira. Pode, inclusive, ser oposto contra o próprio Estado, questionando a
legalidade dos atos realizados pelos agentes públicos e qualquer prova que porventura tenha
sido produzida ou colhida.
49

O exercício do contraditório indica a medida da amplitude da defesa, devendo ser


levado em consideração pelo legislador ao formular as prescrições normativas. Por isso, todo
tipo de redução ou limitação ao emprego do contraditório pelo Poder Legislativo ofende o
direito de defesa, tornando a norma inconstitucional.

Quando a restrição ao direito de defesa é posta em prática pelo magistrado, configura-se


nulidade absoluta, sendo presumida a ofensa sofrida pelo acusado, devendo o mesmo
raciocínio ser aplicado na formação da prova sem o crivo do contraditório ou com este
aplicado de forma limitada, tornando-a inidônea por vício de formação. Exatamente por isso o
direito de defesa e o contraditório devem estar intimamente ligados ao dinamismo do Poder
Judiciário e do Poder Legislativo.

O direito de defesa encontra-se permanentemente em evolução, possuindo a


legislação infraconstitucional traços do antigo sistema inquisitório, claramente constatável
na investigação criminal, realizada sem a presença da defesa e sem a fiscalização do juiz,
não sendo obrigatório nem mesmo o comparecimento do Ministério Público.

Assevere-se que a comunicação entre o juiz e as partes é indispensável para a amplitude


do concreto exercício do direito de defesa. Habermas (2002, p. 36) destaca a relevância da
comunicação para que “os destinatários tomem posição, logo assumam um perfil claro em
relação a suas próprias exigências de validez”.

O processo penal contemporâneo, como direito constitucional aplicado, não se admite


mais interpretação que exclui da investigação criminal o direito de defesa e o contraditório,
por mais que estes não possam se desenvolver da mesma forma que no processo, em razão da
ausência das partes.

Suannes (2004, p. 93) refere-se ao tratamento constitucional diferenciado que se deve


atribuir às provas colhidas na investigação criminal. Ao investigado, como sujeito de direitos,
deve-se assegurar o direito de defesa contra praticas abusivas ou ilegais cometidas pelo
Estado investigador, bem como a possibilidade de contraditar posteriormente todas as provas
produzidas nesta fase.

Traço indispensável do direito de defesa é a contraprova. Produzida a prova, não basta


garantir o acesso a informação. A contraprova precisa ser realizada para certificar o conteúdo
afirmado nesta, tornando-a menos duvidosa e mais segura. Esse último aspecto é o que
50

oferece idoneidade à prova, tornando-a legítima para ser valorada. Desenvolvido sem debate,
isto é, sem submeter ao debate pelas partes as questões existentes, o processo não oferece
segurança do ponto de vista da justiça, colocando em risco os pronunciamentos judiciais.
Tonini (2002, p. 70), devotando ao contraditório o método ideal de conhecimento das provas,
averba que “a verdadeira prova não é aquela que se obtém sob sigilo, por meio de pressões
unilaterais, mas aquela cuja formação ocorre de modo dialético”.

A possibilidade do debate é o termômetro de validade do devido processo penal


constitucional, não podendo ser suavizada pela inatividade do juiz ou das partes, porque não
consiste numa faculdade, e sim num dever constitucional, na obrigação de aplicação concreta
dos direitos fundamentais no processo penal, legitimando-o. A defesa não é uma
generosidade, ressalta Portanova (2005, p. 125), “[...] mas um interesse público. Para além de
uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e
qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático”.

Exatamente a debate entre os personagens permite identificar a relação entre a ampla


defesa e o contraditório, estando presentes em todas as manifestações do processo, passando
por dificuldades para a conquista da amplitude atual do direito de defesa, como lembra
Pedroso (2001), a partir do devido reconhecimento dos direitos humanos. A defesa não pode
ser objeto de renúncia, devendo o Estado garantir o seu substrato independentemente do
interesse do acusado, porque se insere no ideal de justiça buscado no Estado de Direito.

Superada do Estado absoluto tirânico, nos sistemas processuais de feição inquisitória, o


direito processual penal contemporâneo possui uma série de novas preocupações, relacionadas
principalmente com a questão entre os almejados fins de segurança social e os meios idôneos
para se obtê-la. Marques (2000, p. 301) leciona que “o direito de defesa, em sua significação
mais ampla, está latente em todos os preceitos emanados do Estado, como substractum da
ordem legal, por ser o fundamento primário da segurança jurídica na vida social organizada”.

No segundo capítulo, discorre-se apropriadamente sobre as diversas feições do direito


de defesa, analisando suas peculiaridades em diversos países, por meio de estudo de direito
comparado, tratando da sua estruturação no direito processual penal contemporâneo, sempre
seguindo a vertente do processo penal analisado como direito constitucional aplicado,
pressuposto da construção da presente tese.
51

1.5 Crise de efetividade do devido processo penal constitucional

No imaginário da coletividade, a violência e o problema da criminalidade são


superdimensionados, exigindo-se celeridade processual, resultados imediatos de concreção da
sanção penal e rigor penal. Esse pensamento remete às antigas práticas abusivas dos agentes
estatais na busca ilimitada da “verdade”, respaldados pelo argumento do interesse do Estado,
num período em que o sistema penal estava separado dos valores da dignidade da pessoa
humana e dos direitos fundamentais.

Contraditoriamente, a pressão social exige resultados em termos estatísticos como se


isso significasse sinônimo de eficiência. No modelo acusatório de natureza garantista, com
conteúdo firmado nos direitos e garantias individuais fundamentais da pessoa humana, a
eficácia a eficiência reside numa estrutura que garanta a efetivação destes direitos, com a
ampla atuação do juiz e das partes, possibilitando um processo justo, e não num conjunto de
estatísticas.

Defende-se celeridade como solução para a crise da justiça penal, quando o problema
não é único, envolvendo uma série de aspectos complexos, com razões e soluções distintas. A
morosidade é o efeito, não estando no centro dos problemas da justiça penal, havendo um
sério erro de avaliação pelos poderes do Estado. Assim, o passo inicial para a concreção do
devido processo penal constitucional consiste enfrentar o problema da interpretação
constitucional no processo penal, aplicando ao acusado o mesmo tratamento dispensado a
todo ser humano, por meio da sua identificação como sujeito de direitos fundamentais.

Passo seguinte, o intérprete deve assegurar o máximo de eficácia aos direitos


fundamentais no processo penal, procurando se afastar do antigo Estado penal retributivo,
tirânico, cujas atividades se resumiam ao uso da força, cometendo todo tipo de abuso contra a
dignidade da pessoa humana. Discorrendo sobre o princípio da eficiência ou interpretação
efetiva, Canotilho (2003, p. 250) entende que este

[...] pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a
todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese
da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no
âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a
interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).
52

Ferrajoli (2010, p. 128) concebeu o “garantismo penal” como o conjunto de direitos e


de garantias das pessoas necessários para conter todo tipo de ameaça do Estado, quando este
excede seus poderes.

No momento em que uma pessoa é acusada formalmente pelo Estado, encontra-se em


posição de desvantagem perante este, daí porque o garantismo penal, potencializando os
direitos e as garantias individuais, é um mecanismo de isonomia entre acusador e acusado.
Seguindo essa linha de pensamento, na formulação teórica proposta por Ferrajoli (2010) não é
o suficiente, em razão da crise de efetividade dos direitos e garantias individuais no processo
penal. E estas distorções terminam refletindo no processo e na defesa, comprometendo uma
absolvição, quando esta for justa; ou mesmo reduzindo as possibilidades de uma condenação
justa, quando for o caso de condenação.

O devido processo penal constitucional deve assegurar uma argumentação ampla,


conhecendo a realidade do acusado e o contexto processual no qual este foi inserido.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 581) anotam que “apenas a existência de uma
argumentação, que não seja nem coercitiva nem arbitrária, confere um sentido à liberdade
humana, condição de exercício de uma escolha racional”.

No processo penal constitucional, não se pode admitir o princípio de autoridade,


segundo o qual a decisão e a verdade acertada são aquelas emitidas do julgador, em razão dos
poderes que lhe são conferidos, anulando a concepção argumentativa. Por mais que o sistema
processual inquisitivo tenha sido superado, ainda se verifica por parte de alguns juízes a
substituição da concepção argumentativa por uma concepção demonstrativa da prova, baseada
nos modelos experimentais.

É indispensável se buscar os elementos de valoração constitucional presentes na ordem


vigente, porque diversas são as situações em que o magistrado privilegia o formalismo de em
detrimento do preceito constitucional, como acontece quando a prisão provisória de uma
pessoa é estabelecida em razão da gravidade da infração penal cometida, mesmo não tendo
existido fundamento para se decretá-la. E, desta forma, vez por outra, ressurge a antiga busca
ilimitada de provas, pondo em risco o modelo garantista do processo penal, afastando-se os
direitos fundamentais do acusado, como atualmente se verifica por meio da lesão ao direito de
imagem e ao direito à honra cometida por alguns meios de comunicação sensacionalista,
53

atingindo ainda a presunção de não culpabilidade da pessoa e refletindo em sua dignidade, na


medida em que não lhe é oferecido o mesmo tratamento dispensado a seu semelhante.

Outro desafio na concreção dos direitos fundamentais do acusado no processo penal é a


a postura do Estado autoritário, cometendo por meio de seus agentes ilegalidades de toda
ordem, por não enxergarem o processo penal como direito constitucional aplicado, estando
com o pensamento engessado em antigos modelos de controle social, desprovidos do núcleo
valorativo e orientador da dignidade da pessoa humana.

A motivação das decisões judiciais não pode estar à margem da dignidade da pessoa
humana, constituindo a promoção desta missão dos poderes estatais. Essa aproximação ainda
não se realizou satisfatoriamente no âmbito do processo penal como amplamente vem se
difundindo em outras esferas decisórias, salvo no espaço destacado da jurisprudência do STF,
assinala Sarlet (2011, p. 586):

Ainda no que diz respeito ao tema de abertura material do catálogo de direitos


fundamentais, importa destacar o reconhecimento, pelo STF, de um direito à
ressocialização do apenado, iluminado pela concepção de que ao preso há de ser
assegurada a possibilidade de uma reinserção na vida social de modo livre e
responsável (liberdade com responsabilidade), diretriz que, portanto, há de servir de
parâmetro para a interpretação e aplicação da legislação em matéria de execução
penal.

A não antecipação de culpa é efeito da construção teórica do estado de inocência,


proveniente em última instância da dignidade da pessoa humana, manifestando neste aspecto
a sua “dimensão negativa”, expressão utilizada por Sarlet (2011) para designar o conjunto de
medidas utilizadas para coibir as ações invasivas do Estado, como no caso da Súmula
Vinculante nº 11 do STF, fixando a obrigatoriedade de fundamentação para o uso de algemas
no acusado preso.

Como não existia regramento a respeito, as algemas eram empregadas sem critério e
sem fundamentação, quando muito se emprega a justificativa genérica da segurança no
ambiente de audiência. A situação retrata claramente uma interpretação, no âmbito do
processo penal, dissociada da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais
do acusado.

A utilização das algemas sem referência e sem motivação ofendia primeiramente o


postulado do estado de inocência, antecipando efeitos da sanção penal. Produzia efeitos ainda
na dignidade da pessoa humana, ofendendo a condição de pessoa humana do acusado, na
54

medida em que este não recebia o mesmo tratamento do seu semelhante. Isso sem contar o
caráter vexatório e humilhante proporcionado pela utilização indevida de algemas, lesando a
honra e a imagem da pessoa, isto é, atingindo-o moralmente, causando danos psicológicos; e,
por fim, por ser uma pratica invasiva, atingia a integridade corporal
da pessoa.

A discussão acerca do uso de algemas constitui apenas uma situação exemplificativa


dentre inúmeras que atestam os obstáculos na atividade de desenvolver a hermenêutica
constitucional no processo penal, havendo uma distância clara entre o idealismo normativo do
processo penal como direito constitucional aplicado para a realidade prática. Na verdade, a
efetividade do devido processo penal não depende da mera existência formal dos personagens
do processo, não podendo ser resumida ao mero acompanhamento dos termos do processo
sem o real desempenho dos direitos e garantias individuais do acusado, desprovido do
conteúdo da dignidade da pessoa humana, justamente porque não atende aos anseios do
Estado Constitucional de Direito.

O devido processo penal constitucional contemporâneo encontra-se associado a um


momento importante de valoração da justiça processual. A preocupação com a questão da
efetividade na nova ordem constitucional decorre da constatação de o Estado não vem
promovendo suas ações, guiando-se por pelos direitos fundamentais, deixando de impelir em
todas as suas atividades, na expressão utilizada por Canotilho (2003, p. 347), a “força
normativa da Constituição”. Conforme ensina Gomes Filho (1997, p. 100):

[...] de nada serviria outorgar às partes aquele amplo e complexo feixe de


prerrogativas, poderes e faculdades que convergem para a obtenção de um resultado
favorável no final do processo se as atividades concretamente realizadas pudessem
ser desprezadas pelo juiz no momento da decisão. A estrutura dialética do processo
não se esgota com a mera participação dos interessados em contraditório, mas
implica, sobretudo, a relevância desta participação para o autor do provimento.

O processo penal contemporâneo, de natureza constitucional, parte do pressuposto do


reconhecimento dos direitos do homem e da democracia, exigindo do juiz o necessário
compromisso ético para buscar o processo justo. A sua atividade deve ser impelida pela força
vinculante da Constituição e dos valores nela proclamados. Nas palavras de Rocha (1995, p.
112), deve deixar de ser “o fiel aplicador de normas ordinárias, garantidoras da sociedade que
temos hoje, para transformar-se em concretizador de normas constitucionais promotoras de
um novo modelo de sociedade”.
55

O processo penal constitucional não se satisfaz, observa Demercian (2009, p. 28),


“com a formal existência das partes. É importante que o magistrado mantenha equilíbrio
efetivo entre os ofícios de acusação e de defesa, para que a persecução não se transforme num
simulacro a serviço da condenação ou da absolvição”. Caso contrário, por ausência de
efetividade, o ideal do devido processo penal constitucional jamais deixará de ser apenas uma
quimera, adstrita ao mero preenchimento de formalidade, acompanhando dos atos e dos
termos do processo, sem desempenhar a função de promoção da dignidade da pessoa humana,
consistente em afirmar os direitos e garantias individuais do acusado para lhe possibilitar um
julgamento justo.

Sem ações para a efetivação dos direitos fundamentais, a atuação do juiz no processo
penal como mero administrador termina contribuindo para a segregação do acusado no
sistema penal, deslegitimando as decisões judiciais e prejudicando a formação de um processo
justo. Portanto, ao contrário, deve se posicionar de forma atuante, otimizando os princípios
constitucionais (ALMEIDA, 1973).

O juiz constitucional deve ser garantidor desse sistema processual, deixando a condição
de mero espectador da justiça, como discorre Dias (1988), para se tornar independente perante
o poder político, não se deixando dominar exclusivamente pelo interesse do Estado.

A celeridade processual e as pressões sociais não podem se sobrepor ao sistema


constitucional garantista vigente, devendo a atuação juiz ser a segurança deste modelo,
possibilitando ao acusado a concretização dos seus direitos e garantias individuais, como
forma de salvaguardar o interesse de todos, buscando a todo custo a força valorativa da ordem
constitucional e o valor “justiça”.
2 DIREITO DE DEFESA NA JUSTIÇ A PENAL

O direito de defesa interessa à coletividade, porque é expressão da dignidade da pessoa


humana. Paralelamente ao direito do Estado de interferir na liberdade das pessoas, com o
propósito de evitar a autotutela do agredido, o acusado tem o direito de resistir, defendendo-se
das acusações, mediante um processo justo e democrático, norteado pelos princípios
constitucionais.

2.1 Fundamentos e pressupostos do direito de defesa

O direito não pode dispor da defesa, sendo esta da essência da natureza humana. Seu
reconhecimento passa pela imposição de se compreender o seu significado, seu escopo e suas
funções, levando-se em conta diversos modelos de Estado. Afinal, a amplitude dos direitos
humanos fundamentais garante a abrangência da defesa, havendo uma relação direta e
indissociável.

A despeito da ideia de defesa no plano jurídico e do seu conceito variável, em sua


acepção mais simples, esta constitui, segundo Medica (2003, p. 52) “uma tendência de
natureza humana e se apresenta precisamente como a primeira e a mais natural forma de
reação”, quando uma pessoa sofre qualquer tipo de acusação, independentemente de ser ou
não verdade.

No plano filosófico, adotando-se a acepção dada por Arendt (2008), a defesa


é qualidade humana do agir, sendo esta a diferença do mundo social para o mundo
natural. Como tal, deve se contrapor ao “terror”, assim considerado como o movimento que
seleciona os inimigos da humanidade, esvaziando os conceitos de “culpa” e de “inocência”,
sacrificando as “partes” em benefício do “todo”.3

3
Esse movimento, discorre Arendt (1989, p. 517), “seleciona os inimigos da humanidade contra os quais se
desencadeia o terror, e não pode permitir que qualquer ação livre, de oposição ou de simpatia, interfira com a
eliminação do ‘inimigo objetivo’ da História ou da Natureza, da classe ou da raça. Culpa e inocência viram
conceitos vazios; ‘culpado’ é quem estorva o caminho do processo natural ou histórico que já emitiu julgamento
quanto ‘às raças inferiores’, quanto a quem é ‘indigno de viver’, quanto a ‘classes agonizantes e povos
decadentes’”.
57

Considerando a proteção dos bens e interesses no processo penal, a defesa assume uma
importância coletiva, social, porque pode representar a violação de um desses bens ou
interesses, especialmente a liberdade, assevera Suannes (2004, p. 147), “quando se fala do
direito do Estado de limitá-la ou mesmo restringi-la drasticamente, em nome de interesses
difusos que se ocultam na vaga expressão ‘interesse público’”.4

Os documentos internacionais relevantes asseguram o direito de defesa, aparecendo este


pela primeira vez, de forma solene, na Declaração Universal dos Direitos do Homem como o
direito “em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusação criminal contra ele”.5

Posteriormente, o mesmo princípio foi reafirmado, com atenção especial, nas garantias
judiciais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto
de San José da Costa Rica, assegurando ao acusado o direito de ser ouvido, “com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada”.6

Os diplomas internacionais retratam a preocupação com a liberdade da pessoa acusada,


em razão de o Estado agir em substituição da pessoa ofendida. Como tirou de cada um a
possibilidade de aplicar a pena, reagindo a uma injúria sofrida, porque não poderia respaldar a

4
Suannes (2004, p. 147) explica a liberdade especialmente protegida pelo direito de defesa sempre como “um vir
a ser”. E continua: “É um processo contínuo de metas alcançadas e metas a alcanças, donde dizer a doutrina que
os direitos fundamentais, dentre os quais a liberdade, podem ser denominados “liberdades públicas” no sentido
de significarem a relação de cada ser humano com o Estado e seu poder”.
5
Redação do artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217
A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Destaque-se ainda a redação do
item I do art. XI: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
6
Garantias judiciais previstas no art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil pelo Decreto
n° 678, de 6 de novembro de 1992. O item 2 do mencionado dispositivo é fundamental para a compreensão da
amplitude do direito de defesa: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor
ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e
pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à
preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor
de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser
assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o
acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da
defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou
peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”.
58

vingança, assumiu a legitimidade da acusação. Por outro lado, intervindo na liberdade da


pessoa humana, responsabiliza-se pela defesa desta, sendo este dever o núcleo do modelo
acusatório no âmbito constitucional.

A elevação da defesa a um patamar de núcleo convergente dos direitos e garantias


individuais é uma decorrência da dignidade da pessoa humana, constituindo reserva
necessária do Estado para assegurar o equilíbrio entre a defesa coletiva e a defesa individual,
fazendo brotar no acusado, na visão de Valle Filho (2004, p. 293), “sentimento de um
processo justo, legitimado”.7

Muitos autores, ao conceituar defesa no processo, aproximam-na da ideia de igualdade,


comparação esta repleta de significado, porque, se defesa é reação a uma ação, a isonomia de
forças é o suficiente para explicá-la. Compreendida como o direito às mesmas oportunidades,
ao mesmo tratamento e a mesma certeza de uma decisão justa, a defesa possui na igualdade
uma das suas expressões, embora não se confundam.8

A busca da “verdade” não constitui mais fundamento a integrar o conceito de defesa.


Não se pode mais aceitar a ideia da defesa como oportunidade para se provar a “verdade”, a
partir da qual se poderia refutar a acusação, porque este conceito encontra-se em xeque.
Primeiro, porque a “verdade” não pode mais ser considerada absoluta como se pensava antes.
Segundo, porque o seu conceito está mais próximo das relações sociais e de poder do que
propriamente da realidade.

Para Foucault (2009, p. 12), essa “verdade” seria construção de uma vontade de verdade
existente em todo ser humano, refletindo apenas o sujeito na busca de ser senhor de seus atos.
Assim, não haveria necessidade de a defesa buscá-la, mas apenas o cuidado de confrontar a
vontade da verdade. Na linha de pensamento do autor, a “verdade” é produzida neste mundo
“graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentadores de poder”.

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é –
não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções – a
recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles
que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a
múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade
tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de

7
Valle Filho (2004, p. 293) continua sua exposição, esclarecendo: “aqui há o pleno e mais puro sentido de uma
expressão acusatória do processo, pois avança no prestígio à nova postura de dignidade do sujeito processual,
conferindo-lhe atividade efetiva no embate a se travar quanto ao contorno jurídico afetado”.
8
Relacionando a ideia de defesa com o princípio da igualdade, Noronha (1999, p. 210) é preciso ao afirmar:
“significa que as partes são mantidas no mesmo pé de igualdade”.
59

discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as


instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira
como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados
para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que
funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2009, p. 12)

Embora historicamente o processo penal tenha sido construído como uma busca da
“verdade”, esse pensamento resta atualmente superado. A defesa não pode atingir uma
verdade absoluta, analisa Badaró (2003, p. 434):

[...] ante as limitações gnosiológicas do processo enquanto instrumento de


investigação. Além disto, na disciplina do processo há valores jurídicos e políticos
relevantes que devem ser respeitados, e que também acarretam limitações no
acertamento dos fatos.

A defesa deve buscar a máxima aproximação da verdade, ou pelo menos, daquilo que se
convencionou denominar verdade. Se não consegue convencer o juiz da sua vontade de
“verdade”, mas demonstra a existência de uma dúvida razoável, esta será o suficiente para
absolver o acusado, em razão do caráter político consubstanciado em seu conteúdo
axiológico. 9

A necessidade de “certeza”, historicamente, respaldou a tortura como método de


investigação. Na atual perspectiva constitucionalista do processo, sua ideia foi completamente
desconstruída pelos autores filiados às teorias garantistas. “Certeza” seria apenas a persuasão
produzida no ânimo do juiz, de acordo com a normalidade de agir das pessoas, de forma
a excluir qualquer dúvida prudente. A certeza, explica Aranha (2004, p. 82), seria apenas
“a indicação feita pelas provas por meio das quais podemos afirmar que há motivos
legalmente apreciáveis de um fato numa só direção”.10

De outra parte, alguns autores conceituam a defesa como o “fundamento de validade do


processo penal”, porque significa, segundo Cruz (2005, p. 23):

[...] o reconhecimento, pelo Estado, da dignidade do acusado, enquanto ser humano,


a merecer proteção contra possíveis ingerências abusivas em seus interesses.

9
A dignidade humana compõe o conteúdo da defesa. Este é o fundamento de algumas características distintivas
e relevantes do processo penal, como o benefício da dúvida para o réu (in dubio pro reo) e o ônus da prova para
a acusação. Assim, se existisse uma verdade absoluta, esta seria inatingível, não servindo nem para condenar,
nem para absolver. Segundo Badaró (2003, p. 434), “não há sentido em procurar distinguir a verdade formal da
verdade material, como se fossem duas verdades distintas. A verdade processualmente atingível sempre será uma
verdade limitada. A verdade processual é uma probabilidade, ainda que em altíssimo grau”.
10
De acordo com Aranha (2004, p. 82), de fato, se a “verdade” não passa de produto da vontade, a mesma linha
de pensamento impede de se falar certeza, constituindo esta apenas estado anímico do julgador. Nas palavras do
citado autor, “certeza é um estado de espírito pelo qual, no exame dos motivos convergentes e divergentes, um
deles deve ser rejeitado”.
60

Representa, por conseguinte, fator de legitimação da atividade jurisdicional, que é


validada perante a sociedade apenas se obtida com a participação defensiva do
acusado.

A partir da visão constitucional do direito de defesa, aponta-se um novo caminho para o


exercício deste, porque não será suficiente apenas garantir ao réu a presença de um defensor e
conhecimento das informações. Em outras palavras, supera-se a defesa meramente técnica e
abre-se uma nova perspectiva para o exercício de uma defesa efetiva, reconhecendo-se a
relevância desta última para a própria jurisdição.11

Essa nova disciplina aos poucos começa a ser instituída pelo legislador, havendo
necessidade de se construir um novo modelo. Com efeito, a perspectiva constitucional
segmenta a ideia de processo, assevera Choukr (1999, p. 59), “para além da técnica, muito
mais politizada e sem dúvida com outro compromisso ético”.

O perfeito entendimento do direito de defesa depende da relação entre processo e


Constituição, devendo-se sempre ter como referencial a necessidade de se buscar a máxima
eficácia dos direitos fundamentais para possibilitar um processo justo. A partir desta
perspectiva, discorre Canotilho (2003, p. 921), o direito processual constitucional possui:

[...] como objeto o estudo dos princípios e regras de natureza processual positivados
na Constituição e materialmente constitutivos do status activusprocessualis no
ordenamento constitucional português. Neste sentido, o direito constitucional
processual abrange, desde logo, as normas constitucionais atinentes ao processo
penal. Alude-se aqui ao direito constitucional penal ou constituição processual
penal.12

Dessa forma, o modelo do direito de defesa deve ser necessariamente aquele


eleito pela Constituição Federal de 1988. Inquestionavelmente, consigna Scheid (2009, p. 78),
“o devido processo legal coloca-se como o marco ideológico-político no qual se encarta todo
o procedimento penal, tendo um valor fundamental na ordem jurídica, pois influencia a
aplicação e a interpretação das regras procedimentais”.13

11
Não é aceitável a concepção da defesa como parte do processo “para satisfazer a reprimenda criminal”, como
conceitua Lopes Júnior (2005, p. 11); ou ainda como conceitua Silva (1994, p. 21): “para a aplicação da lei penal
aos casos concreto”. Processo penal não é meio ou instrumento de aplicação de pena. Numa ótica
constitucionalista, o processo é uma forma de garantir à pessoa humana, contra a qual o Estado fez uma
acusação, o respeito a sua dignidade, observando seus direitos e garantias individuais. Nesse contexto da
dignidade humana situa-se a defesa, e não como parte de satisfação da pena.
12
Nessa mesma linha de pensamento, Dias (2002, p. 84) define direito processual penal como “verdadeiro
direito constitucional aplicado”.
13
Fechando seu raciocínio, Scheid (2009, p. 78) esclarece a dupla função do processo penal: “(i) tornar possível
a aplicação da sanção; e, de outro curso, (ii) ser um efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades
61

O direito de defesa representa modelo ideal como representação política ideológica do


sistema constitucional vigente, devendo ser reconhecido, segundo Badaró (2003, p. 283),
como “componente basilar de um modelo processual penal que queira ser respeitador da
dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana”. Sendo o processo, na percepção do
autor, “em particular o processo penal é um microcosmo no qual refletem a cultura da
sociedade e a organização do sistema político” (p. 283).

Dentro da proposta da atual hermenêutica constitucional do processo penal, o direito de


defesa deve ser exercido efetivamente, daí a importância de a Constituição Federal de 1988
ter mencionado a necessidade de uma defesa ampla, não se tratando apenas de assegurar
proteção contra abusos e ilegalidade cometidos pelo Estado. A amplitude da defesa diz
respeito à efetiva aptidão do acusado para fazer valer a sua defesa. Para Nery Júnior (2012, p.
260), significa:

[...] permitir às partes a dedução adequada de alegações que sustentem sua pretensão
(autor) ou defesa (réu) no processo judicial (civil, penal, eleitoral, trabalhista) e no
processo administrativo, com a consequente possibilidade de fazer a prova dessas
mesmas alegações e interpor os recursos cabíveis contra as decisões judiciais e
administrativas.

A publicidade é o primeiro pressuposto do direito de defesa. Historicamente, a ausência


de publicidade ocasionava processos secretos e, portanto, sem defesa ou mesmo com defesa
comprometido por ausência de clareza acerca da acusação e das provas existentes contra o
acusado. Efeito imediato de processos secretos é a diminuição do controle sobre a atividade
jurisdicional do Estado.

A amplitude da defesa é proporcional a publicidade do processo. No regime


constitucional do Estado Democrático de Direito, a publicidade é a regra, somente podendo
ser restringida em situações excepcionais. Ao contrário, nos regimes autoritários, onde a
defesa é suprimida ou reduzida, a publicidade não existe, sendo o segredo compatível, lembra
Prado (2001, p. 170), “com os processos penais inquisitivos”.

A compreensão exata da publicidade para a defesa passa pela motivação das decisões
judiciais. Evidentemente, se as razões das decisões não forem suficientemente explicitadas, de
nada adiantará a defesa. Do mesmo modo, a utilização de termos e expressões vagas, sem

individuais, constituindo-se em um mecanismo por intermédio do qual se limita a atividade punitiva estatal, a
fim de que a pena não seja fruto de uma decisão arbitrária e gestada à ilharga dos direitos individuais da
dignidade constitucional”.
62

significado preciso, não representam verdadeiramente motivação. Tais jargões, critica Nicolitt
(2012, p. 44):

[...] mais parecem palavras mágicas, o que se aplicava muito nas bruxarias, na Idade
Média. Ao mesmo tempo a ausência de fundamentação é instrumento inquisitório.
Desta forma, quando o juiz apela para estas fórmulas cria uma figura essencialmente
incompatível, que é bruxo-inquisidor, pois evoca palavras mágicas como um bruxo e
conduz o processo como inquisidor, figuras opostas naquele período histórico.

A ausência de publicidade fomenta práticas de tortura e outros abusos cometidos pelo


Estado de forma secreta.14 Durante longo período da história, a tortura era o método mais
utilizado para a obtenção de provas.15 A prática de tortura ainda pode ser observada na
investigação criminal, cometida pelas polícias de repressão e de prevenção, consequência da
evidência segundo a qual os atos da autoridade policial não se revestem da mesma
publicidade daqueles desenvolvidos pela autoridade judiciária.

A tortura aniquila o mais natural e humano exercício de defesa: a autodefesa.


Analisando a prática da tortura como meio para se obter a verdade, Verri (2000, p. 97) faz
uma análise bastante apropriada de seus efeitos, comparando-a com a traição de um advogado
a seu cliente:

[...] se refletir que uma lei que ordenasse aos advogados penais a traição de seus
clientes seria da maior iniquidade e opróbrio. Ao que eu saiba, jamais tirano algum
decretou uma lei semelhante, a qual romperia de modo relativamente infame todo os
mais sagrados vínculos naturais. Posto isso, perguntaremos se o advogado tem uma
ligação mais íntima com o cliente do que a que mantém consigo mesmo! Ora, a
tortura, com as dores, tende a reduzir o homem à traição de si próprio, a renunciar à
sua autodefesa, a ofender e perder a si mesmo. Isso por si só basta para mostrar, sem
outras reflexões, que a tortura é intrinsecamente um meio injusto para buscar a
verdade, e não seria lícito utilizá-la, mesmo que com ela se encontrasse a verdade.

Apesar de não ter desaparecido como método para se alcançar a prova, em razão
publicidade característica dos regimes democráticos, não constitui mais regra. Este, portanto,
é outro aspecto da publicidade que a torna pressuposto do direito de defesa, proibindo
processos secretos e, por conseguinte, autorizadores da tortura, por ausência de contraposição.
Em outras palavras, o processo secreto impede o exercício da defesa, justamente porque ao

14
O segredo somente deve ser regra como garantia individual da pessoa humana. Na definição de Costa Júnior
(2011, p. 81), representa “o círculo concêntrico de menor raio em que se desdobra a intimidade”. E somente
neste sentido pode ser aceito.
15
Beccaria (2010, p. 31) considera a tortura como “uma barbárie que o uso consagrou na maioria dos governos
fazer torturar um acusado enquanto se faz o processo, seja para que ele confesse a autoria do crime, seja para
esclarecer as contradições em que tenha caído, seja para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é
acusado, porém dos quais poderia ser culpado, seja finalmente porque sofistas incompreensíveis pretenderam
que a tortura purgava a infâmia”.
63

defensor não é dado nem mesmo o conhecimento da acusação, sendo este o fundamento para
a publicidade ser considerada pressuposto do direito de defesa.

O segundo pressuposto do direito de defesa é o contraditório. Entendido por muitos


doutrinadores como consequÊ ncia do direito de defesa, este raciocínio deve ser refutado,
porque a defesa somente pertence ao acusado, enquanto o contraditório é exercido pelas
partes da relação processual. Todavia, não existe defesa sem contraditório, sendo este
pressuposto daquela, e não seu efeito. Importante, observa Guerra Filho (2001, p. 41),

[...] é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de


organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de
organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de
organização do Estado, um direito.

O fato de o contraditório ser pressuposto da ampla defesa não impede considerá-los


princípios com traços distintos. Ambos são analisados no mesmo contexto do direito de
defesa. Nessa linha de pensamento, Nicolitt (2012, p. 39) observa que “enquanto a ampla
defesa é voltada a um dos pólos da relação processual (o réu), o contraditório diz respeito às
partes (autor, réu e intervenientes), sendo possível delinear contornos claros de ambos os
princípios”.

Definindo-o como “método de confrontação da prova”, Gloeckner (2013, p. 80),


relaciona-o com a acusação como uma das expressões do interesse punitivo do Estado; e com
a defesa como “expressão do interesse do acusado em ficar livre de acusações infundadas e
imune a penas arbitrárias e desproporcionadas”.16 No processo penal, o contraditório exercido
pelo acusado pode ser considerado o direito à confrontação com o propósito de assegurar a
sua liberdade.

A própria ideia do contraditório como pressuposto do direito de defesa ganhou um novo


enfoque a partir da reflexão acerca da inexistência de contumácia e de revelia no processo
penal, porque essas consequências somente poderiam coexistir, na exposição de Delmanto
Júnior (2004, p. 200), “com o contraditório formal, estranho ao processo penal”.17

16
Gloeckner (2013, p. 80) esclarece a utilidade do contraditório como “eficaz instrumento técnico que utiliza o
Direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo”. E ressalta ainda que serve para justificar a
face igualitária da Justiça, constituindo-se em verdadeira exigência para a realização desta.
17
Em suma, assevera Delmanto Júnior (2004, p. 200), “o contraditório real, efetivo, indisponível, ou seja,
substancial, ínsito a toda ação judiciária penal em face do nosso ordenamento constitucional e ordinário, é de
todo incompatível com o conceito técnico-jurídico de ‘processo contumacial’ ou ‘à revelia’”.
64

O terceiro pressuposto, assim considerada a presunção de inocência, é parte


indissociável da exata compreensão do direito de defesa, cumprindo o papel de atestar a
extensão desta no processo, porque não é tarefa fácil para o magistrado incorporá-lo em suas
decisões. A crítica acerca da dificuldade de se programar a presunção de inocência, mesmo
compondo o sistema constitucional vigente, é realizada oportunamente por Oliveira (2007, p.
24):

Curiosa e lamentavelmente não é o que se constata ainda na jurisprudência nacional,


da primeira às últimas instâncias, na qual ainda se busca adequar o postulado do
estado de inocência à atual legislação processual penal, submetendo as normas
constitucionais àquelas, ordinárias, do sistema cuja vigência ainda se sustenta. 18

A presunção de inocência fundamenta-se num raciocínio lógico praticamente


irrefutável: se o acusado fosse antecipadamente considerado culpado, a defesa em si perderia
o sentido, porque não lhe restaria nem mesmo a possibilidade de influir positivamente na
decisão final. Ora, se o resultado final máximo é a constrição da liberdade do acusado, a
antecipação deste constrangimento faz a própria defesa perder seu sentido.

A despeito de toda essa ebulição acerca da soltura do acusado, por meio de liberdade
provisória como efeito característico e lógico da presunção de inocência, é inegável o ranço
de autoritarismo ainda presente no Estado brasileiro, não sendo de se estranhar a postura de
juízes descompromissados com a nova ordem constitucional e os efeitos desta para o processo
penal. Adorno (1999, p. 19) pontua o Estado brasileiro como tradicionalmente autoritário:
“não é porque ele é Estado, mas porque a sociedade é uma sociedade que tem raízes no
autoritarismo”.

A possibilidade de influir na decisão final constitui aspecto marcante do direito de


defesa. Todavia, a defesa somente existirá em sua dimensão constitucional se for atendido o
pressuposto da presunção de inocência, utilizada em dupla função: regra de julgamento,
obrigando a dúvida em favor do réu; e regra de tratamento, impedindo a antecipação da sua
prisão. Contraditoriamente, a constrição da liberdade tem sido cada vez mais desejada, diante
das particularidades de uma sociedade em tempos de Direito Penal Simbólico, isto é,
sentimentos de medo em relação ao crime posto no imaginário coletivo.

18
Conforme adverte Oliveira (2007, p. 24), “tem-se afirmado até mesmo que algumas das garantias processuais
ali agasalhadas possuem conteúdo prevalentemente político – como se o elemento político não permeasse toda a
elaboração constitucional – sem normatividade ainda suficiente para atingir o direito anterior”.
65

O medo em relação ao crime, explicam Adorno e Lamin (2006, p. 169), “traduz o modo
como lidamos, na contemporaneidade, com nossas angústias e incertezas, mas também com
nossas crenças nas leis, na justiça, na ordem e na democracia”. Não existe o interesse de se
buscar formas de efetivação do direito de defesa para se evitar a condenação do inocente; ao
contrário, os juízes desejam o pragmatismo da antecipação da pena como necessidade de se
dar uma resposta às exigências da coletividade por maior rigor penal.

Essa inversão do sentido da presunção de inocência gera situações absurdas, levando à


perplexidade os teóricos responsáveis pela construção do processo penal constitucional,
quando o ideal seria preservá-la até mesmo “como maneira de expressar-se” (MANZINI,
1996, p. 76).

Os riscos decorrentes da desconsideração da presunção de inocência não se restringe à


possibilidade de antecipação da pena. Na história, antes do sistema garantista em vigor,
Fernandes (2003, p. 323) informa que a regra era a prisão cautelar, funcionando a fiança como
contracautela. Dessa forma, antes do processo penal constitucional, o objetivo era “manter
preso o acusado pilhado em flagrante, sendo a liberdade a exceção, obtida mediante
pagamento de fiança”.19

Sob a ótica constitucional e humanista, uma dúvida razoável já seria o suficiente para
absolver na decisão final, quanto mais para concessão da liberdade provisória, devendo esta
orientação ser dirigida ao juiz para efeito de regra de tratamento e de julgamento do acusado.
A liberdade provisória é um efeito de um dos pressupostos da defesa, mas, ao contrário, não
significa impunidade, porque o réu estará submetido, na observação de Batista (1985, p. 103),
“a restrições e ônus impostos àquele que a obtém”.

Adotando uma dimensão bastante abrangente do princípio da presunção de inocência,


de acordo com Gomes (1998, p. 102), “viola-se a presunção de inocência como regra de
garantia quando, na atividade acusatória ou probatória, não se observa estritamente o
ordenamento jurídico”.20 De larga aplicação, tendo como fonte a dignidade humana e

19
O suspeito, continua, “quando existissem indícios razoáveis de ser autor de crime de certa gravidade, devia
ficar preso. Para permanecer em liberdade surgiam as contracautelas, entre elas a fiança” (FERNANDES, 2003,
p. 323).
20
O conceito de Gomes (1998, p. 102) é adequado a real dimensão do princípio, porque este não tem a sua
aplicação restrita às decisões judiciais. Trata-se de cláusula geral de proteção da pessoa humana contra todo tipo
de abuso do Estado.
66

constituindo pressuposto de toda defesa, nas palavras de Lima (2002, p. 197), “a presunção de
inocência é sublime”.

A presunção de inocência, lembra Fernandes (2003, p. 323), “sempre foi um princípio


implícito no Brasil, exprimido através do brocardo in dubio pro reo”. Todavia, desde os
primeiros passos do sistema acusatório, vem sendo contrariada, não se respeitando a
necessidade de provas e de condenação para um juízo de culpabilidade em caráter definitivo.

A antecipação dos efeitos da condenação não se restringe à ausência de compromisso


constitucional do poder judiciário. Inicia-se a partir da própria mídia, formando juízo de valor
sobre pessoas presas ou indiciadas, quando noticiam o fato. Prejudica a dignidade humana
particularmente em relação à imagem e à honra da pessoa, mas especialmente influencia do
direito de defesa, ocasionando tratamento e julgamento injusto.

Com efeito, a continuar a aplicação às avessas da presunção de inocência, mantendo os


juízes essa postura fria e afastada do constitucionalismo no processo penal, continuará a se
implementar os traços do sistema inquisitório em pleno sistema processual acusatório,
idealizado à luz do garantismo e da dignidade humana.

Atrelada ao formalismo normativista, analisam Vescovi e Santos (2009, p. 240),


“a magistratura neutraliza as disposições constitucionais que consagram direitos humanos e
sociais, reduzindo a sua atuação ao exercício do poder punitivo consolidado pela hipertrofia
do sistema penal”.21 Na realidade, assinala Dias (1997, p. 139):

[...] no momento que vivemos a preocupação com a Justiça Criminal neste País
obrigatoriamente tem que passar por uma reformulação do sistema penal brasileiro,
pelo sistema das penas e o questionamento sobre como convivemos com a principal
garantia que é a liberdade de comunicação, a liberdade de criação [...].22

21
Percebendo a situação, para Veras (2011, p. 148), “tem-se a opção de continuar-se a aumentar o
distanciamento entre o juiz e o jurisdicionado penal (como na teleconferência), do juiz continuar a ser o
instrumento e o acusado a matéria-prima de um processo penal alienado, ambos coisificados, até o ponto em que
as decisões judiciais não sejam mais consideradas justas (embora formalmente exatas e não totalmente injustas),
apesar de sua imposição pela força do Estado”.
22
E continua o autor: “o que preocupa, isto sim, é a falta de zelo daqueles figurantes da cena da Justiça quando
se defrontam com a mídia. É o advogado que joga para a arquibancada, é o promotor, o procurador, é o juiz
preocupado com quem está julgando e como está sendo noticiado seu julgamento. Inquéritos que são
requisitados com o propósito da notícia do dia seguinte e não com a justiça que se fará daqui a 2 (dois), 3 (três)
ou 4 (quatro) anos. O ritual do indiciamento, que é uma excrescência que continua sendo praticada neste País e
que entendo ser absolutamente inconstitucional [...] O princípio da presunção de inocência presente na nossa
Constituição é violado e, no dia seguinte, a notícia do indiciamento é uma notícia muito mais importante do que
a notícia de uma futura condenação ou absolvição [...] Não é crível que se dê força a esse ato que está no
inquérito policial e que tem, na realidade, força perante a opinião pública. Nós, advogados, somos todos
67

O que mais causa impacto nas notícias veiculadas pelos meios de comunicação, expõem
Adorno e Lamin (2006, p. 152-153):

[...] talvez não seja o conflito de classes ou a miséria em que se encontra imersa
grande parte dos protagonistas. O maior impacto fica por conta do show
proporcionado pela mídia: os textos que revelam a crueza dos acontecimentos, as
fotos que não desmentem ninguém, o vídeo que capta a fala dos diferentes e
desiguais, sejam vítimas, agressores, autoridades ou expectadores transfigurados em
testemunhas. Nesse espetáculo, a violência da desigualdade social cede lugar ao
relato minudente da violência intersubjetiva. Não há qualquer pudor na exposição de
corpos mutilados, nus, desfigurados; não há o mínimo respeito pela privacidade dos
cidadãos, cuja vida é devassada como se nela se pudessem ver com clareza os sinais
de seu infortúnio.

Sendo a preservação do estado de inocência indispensável para o efetivo exercício


da defesa, o Estado-juiz deve atuar para exercer este controle garantístico no processo
penal. As pressões decorrentes do populismo irracional não podem influir na atuação
dos participantes do processo, caso contrário se perderá o ideal de justiça como fim a
ser alcançado.

2.2 A efetividade da defesa no sistema de justiça penal

Desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, com toda a renovação da


ordem jurídica no país, o processo penal passou a ser interpretado nesta nova base assentada
nos direitos fundamentais da pessoa humana. Quando se trata de enunciar os direitos e as
garantias individuais dos réus no processo penal, diversos são os fundamentos para se auxiliar
nas análises, baseados no modelo acusatório adotado pela Constituição brasileira de 1988 e
nas teorias garantistas do Direito Penal.

Na ordem constitucional em vigor, não existe mais a preocupação de outrora,


consistente em se buscar fundamento para se opor às concepções inquisitórias e reacionárias
do processo penal. O desafio a ser enfrentado é a concretização dos direitos e garantias
individuais do investigado ou do acusado, especialmente a realização da defesa. Essa
reconstrução vem avançando. Todavia, a hermenêutica constitucional das normas processuais
penais sofre oposição justamente de órgãos e instituições do Estado-juiz autoritário.

testemunhas do desespero dos nossos clientes quando sabem que ao ser indiciados e de quanto isso lhes pode
custar”.
68

As cautelas na consecução do devido processo penal constitucional se referem,


principalmente, ao exercício do direito de defesa. Esse “enraizamento cultural”, lembrado por
Oliveira (2007, p. 25),

[...] em maior ou menor escala, acaba por atingir até mesmo aqueles não
comprometidos com determinada ordem sociopolítica, dando lugar a
posicionamentos nitidamente pessoais, a respeito de questões que ultrapassam, de
longe, a esfera do interesse individual.

Outro não pode ser o caminho senão se insurgir contra as injustiças cometidas no
processo. Para a efetividade da defesa, não basta a previsão constitucional normativa desta.
Assim como outros direitos fundamentais, precisa ser realizada materialmente no processo
penal, não sendo possível se falar em isonomia ou igualdade enquanto esse objetivo não for
cumprido.

Os obstáculos à realização da defesa no processo penal espelham o abismo social em


toda sua amplitude, sendo a questão relativa à justiça penal parte deste contexto. As
desigualdades presentes no sistema de justiça penal não se resumem às dificuldades de acesso
à justiça a maioria das pessoas acusadas. Hoje, o ponto mais preocupante é a realização
material da defesa.

A igualdade no processo penal não passa um ideal normativo, expressado no direito ao


contraditório e à ampla defesa, mas sem substância, porque não se consegue garanti-los de
forma a se equilibrar as ações entre o Estado acusador e a defesa. Quando se passa ao plano
da realidade processual, a imputação realizada pelo órgão acusador possui a presunção de
veracidade, independentemente das provas colhidas para sustentá-la, porque a imagem do
Ministério Público confunde-se com a própria “verdade” e goza do argumento do interesse
público a seu favor.

O ônus da prova da imputação pertence ao órgão acusador, mas para efeito de


absolvição do acusado. Não se critica suficientemente a posição de desvantagem da defesa, na
medida em que o Ministério Público, no momento do oferecimento da denúncia e no curso do
processo, se vale do manto da “verdade” de forma autoritária em nome dos interesses da
sociedade.

Não existe um interesse verdadeiramente série e focado na realização da defesa. Em


outros termos, não existe o propósito de levar a igualdade proclamada na Constituição Federal
de 1988, saindo do idealismo normativo para a realidade prática. Apesar de toda a construção
69

doutrinária em torno da necessidade em torno dos ideais de justiça, liberdade e igualdade, não
deixa de ser mera igualdade “da boca para fora”.23

Apesar do grande salto propiciado pelo humanismo que trouxe a nova ordem
constitucional, inserindo a dignidade humana em posição de destaque, esse espírito de
mudança não atingiu ainda o sistema de justiça penal, porque não recebeu suficientemente o
apoio e a participação dos órgãos de Polícia, da administração penitenciária, do Ministério
Público e do Poder Judiciário.

A maioria dos acusados, sobretudo os mais carentes, possui defesa imaginária,


fantasiosa, isto é, defesa meramente formal, reflexo da igualdade meramente teatral. Afinal,
representam a face da realidade do sistema de justiça brasileiro, extremamente carente de
direitos. A falta de inclusão social pode não justificar o cometimento de crimes, mas explica
muitas de suas causas determinantes.

As amarras mais visíveis à plena consecução do direito de defesa no processo penal


brasileiro é a atuação do Estado-juiz autoritário, porque este não se desprendeu ainda das
forças do autoritarismo característico do modelo inquisitivo. Esta preocupação é anterior,
inclusive, à imparcialidade do magistrado. No modelo acusatório, o magistrado não investiga
e nem acusa, apenas toma decisões. Todavia, ainda se encontra juiz “investigador” e
“acusador”, porque não se desprendeu do sistema inquisitório.

Essa confusão de funções pode ser constatada facilmente na adoção de medidas


restritivas dos direitos de liberdade individual. As manifestações do Estado-juiz vêm
comprometendo o sistema acusatório e a ordem constitucional, porque a prisão se tornou a
regra, e a liberdade provisória se tornou excepcional. No próprio ordenamento
infraconstitucional, vários dispositivos não foram realinhados ainda à nova ordem
constitucional, contrariando o sistema acusatório, podendo ser mencionada a possibilidade de

23
. A atual situação da realidade processual penal brasileira lembra algumas situações históricas destacadas por
Marmelstein (2008, p. 45-46): “a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1789
pelo parlamento francês, começa seu texto proclamando que a ‘os homens nascem e permanecem livres e iguais
em direitos’. Apesar disso, na mesma época, ficou decidido que o direito de voto seria restrito aos homens que
tinham posses (voto censitário). O sufrágio universal sequer foi mencionado. Com isso, grande parcela da
população ficava à margem do jogo político, inclusive as mulheres. Os ‘homens e cidadãos’, mencionados no
texto, eram mesmo pessoas do sexo masculino e não uma figura de linguagem”. O autor refere-se ainda a outro
discurso liberal de mão única: “quando os trabalhadores reivindicavam melhores condições de trabalho, o Estado
esquecia a doutrina do laissez-faire e extrapolava a proclamada condição de espectador, colocando-se ao lado
dos empresários na repressão aos movimentos sociais”.
70

o juiz decretar de ofício prisão, isto é, o juiz pode, cautelarmente, decretar a prisão preventiva
de uma pessoa, sem que esta tenha sido solicitada pelo Ministério Público.

Nesses casos, o magistrado atua verdadeiramente como juiz “acusador”, porque o


interesse numa prisão, seguindo a mesma lógica da denúncia, pertence ao Ministério Público,
representando o interesse público na acusação. Como juiz “investigador”, o magistrado atua
antes mesmo da instauração do processo, quando lhe é dada a oportunidade de requisitar a
instauração do inquérito policial e de produzir antecipação de provas de ofício. Esse tipo de
atuação não se coaduna com o modelo acusatório e possui constitucionalidade duvidosa.

Num futuro Código de Processo Penal essas incorreções precisam ser resolvidas, porque
interferem e prejudicam o exercício da defesa no processo penal, gerando o agravamento do
desequilíbrio de forças, quando o ideal seria diminuí-lo, propiciando igualdade na relação
processual. À s vezes, o Estado-juiz busca mais a condenação do que a própria coletividade,
representada pelo Ministério Público. Assim, se a prisão cautelar resulta na antecipação da
pena, e o juiz a decreta de ofício sem existir pedido nesse sentido do Ministério Público, o
primeiro demonstra o interesse na constrição da liberdade humana sem que fosse interesse do
último.

A maior preocupação do processo penal é encontrar soluções para a realização direito


constitucional aplicado. E, nesse aspecto, o Estado-juiz autoritário tem prejudicado esta
evolução, adotando posturas extremamente tecnicistas, formalistas, sem a preocupação de
efetivação de direitos fundamentais. Trata-se, portanto, de outro obstáculo à realização da
defesa: o seu formalismo excessivo.

A maioria dos juízes insiste em levar às últimas consequências as exigências formais do


processo sem se preocupar com a condição do acusado como sujeito de direitos. Atuam como
se o acusado fosse invisível. Enxergam o processo do começo ao fim apenas como uma
ordem de atos que devem ser realizados em determinado lugar, sem a preocupação com o
conteúdo de suas decisões.

A função do juiz no processo penal é bem mais ampla, abrangendo decisões que terão o
significado de aplicar ou não o direito material constitucional abraçado na nova ordem
constitucional. Em outros termos, o juiz pode conduzir ou não os atos processuais de acordo
com os princípios constitucionais. O conteúdo constitucional de suas decisões é uma
imposição e uma necessidade do Estado Democrático de Direito.
71

Para entender o que seja “defesa meramente formal” é preciso compreender o


significado de “formalismo”. E, inicialmente, cumpre observar que o formalismo não se
confunde com a forma do ato processual individualmente considerado. Assim, conceitua
Oliveira (2008, p. 125-126),

[...] diz respeito à totalidade formal do processo, compreendendo não só a forma, ou


as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres
dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento
e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas suas finalidades
primordiais.

Assim, a consideração do processo no seu aspecto estritamente técnico, isto é, dentro


dessa estrutura do excesso de formalismo, é um erro, porque se despreza o seu aspecto
cultural, considerada esta como tudo aquilo que o homem consegue arrancar da natureza,
dando-lhe sentido e significado através da História (REALE, 2009, p. 139).

A efetividade da defesa apresenta-se como valor essencial para a o processo satisfazer


seu último fim, consiste na realização da justiça. Diferentemente do que se possa imaginar,
defesa efetiva não representa impunidade; e a realização da justiça, se a defesa foi efetiva,
ocorre com condenação ou absolvição. Em ambos os resultados, interessante é o processo ser
instrumento de realização da justiça, não permitido injustiça nem na absolvição, nem na
condenação.

Existe uma relação de proporcionalidade direta entre a efetividade da defesa e a


realização da justiça. Quando se atinge esse objetivo, consistente conjugação da efetividade
da defesa com a realização da justiça, automaticamente se fortalece a segurança na ordem
constitucional. As pessoas passam a confiar no sistema de justiça penal. O próprio acusado,
caso venha a ser condenado, sabe reconhecer como justa a decisão.

Na verdade, as consequências não se restringem à constrição da liberdade de ir e vir


como efeito da decisão final. São mais sérias, porque o processo em si mesmo agride
psicologicamente o acusado, razão pela qual Carnelutti (1995, p. 35) considera o acusado
como pessoa encarcerada antes, durante e depois do processo. Esse aspecto em particular às
vezes é esquecido. A pessoa humana sofre consequências no seu psicológico, na sua honra e
na sua imagem em três momentos: como investigado, como acusado e como condenado.24

24
Obviamente, num modelo Estado autoritário, cujos interesses anulam completamente os aspectos individuais
da pessoa humana, essa questão não seria nem mesmo discutida. Afinal, os valores e os fins seriam outros.
72

Portanto, quando se critica a ausência de efetividade da defesa no processo penal, a


crítica se refere à ausência de isonomia na relação processual para o equilíbrio de forças.
Afinal, se uma pessoa pode ser acusada do cometimento de uma infração penal, sem que a
esta se garanta um processo justo, com uma decisão justa ao final, cumpre lembrar que todos
como parte desta mesma coletividade um dia podem vir a sofrer os efeitos do arbítrio estatal.

Num sentido pejorativo, o termo “segurança” pode significar imobilismo, manutenção


de status quo, ou num sentido ainda mais restrito, proteção da integridade física e da
propriedade privada. Não se confunda, portanto, o valor segurança jurídica, atrelado ao
cumprimento dos objetivos do Estado Democrático de Direito, com a ideia de “segurança”
como manutenção de status social (AZEVEDO, 1995, p. 13).

A efetividade, discorre Oliveira (2008, p. 133), “está consagrada na Constituição


Federal, art. 5º, XXXV, pois não é suficiente tão-somente abrir a porta de entrada do Poder
Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa”. Portanto, A
efetividade da defesa abrange situações de ameaça à liberdade, mesmo quando a pessoa ainda
está na condição de investigado.

A ideia antiga de tratar o indiciado não como sujeito de direitos, mas sim objeto de
investigação encontra-se completamente abolida no Estado Democrático de Direito, em razão
da posição humanista atual. Taxar um ser humano como “objeto” de uma investigação
representa ideia típica de Estado autoritário. Por isso mesmo, a efetividade da defesa, dentro
desta nova perspectiva do processo penal, impõe o afastamento das construções meramente
técnicas, com o intuito de privilegiar a pessoa humana como sujeito de direitos.

Todos os entraves devem ser vencidos para permitir defesa efetiva aos acusados. E
deve-se dar prevalência ao valor efetividade em relação à celeridade processual. A duração
razoável do processo é direito fundamental, mas jamais pode ser justificativa para a não
completa efetividade da defesa. O sistema de justiça penal deve ser instrumentalizado de
forma eficiente para assegurar concreção da defesa num processo com duração razoável.

Com a emergência dos direitos fundamentais, nessa nova perspectiva de processo


penal, os princípios constitucionais devem ter posição de destaque na aplicação das
normas processuais. Essa mudança de paradigma deve resultar num processo penal menos
preocupado com a ocupação no tempo e no espaço dos seus atos, cortando todo tipo de
73

excesso de formalismo, privilegiando as normas constitucionais para que o processo penal


nada mais seja do que direito constitucional aplicado.

Esse redimensionamento dos direitos fundamentais no processo penal é um passo


importante para solucionar decisões vazias de conteúdo de direitos fundamentais. Preencher
formalismos não significa decisão de natureza constitucional e democrática. Ao contrário, não
raro, quando o formalismo é um fim em si mesmo, leva a decisões injustas.

Todo esse conjunto de ideias pode ser representado em algumas situações bem
exemplificativas. Imagine-se a figura da prescrição antecipada da pena ou prescrição em
perspectiva. Desde o primeiro momento, quando por ocasião do recebimento da denúncia,
o juiz verifica não existir prescrição, mas constata que, após o término da instrução,
por ocasião da sua decisão, o crime já estará prescrito. De imediato, a solução constitucional
seria antecipar sua decisão, declarando a prescrição e extinguindo a punibilidade
antecipadamente.25

Todavia, o juiz pode adotar uma posição autoritária e excessivamente formalista,


considerando-se impossibilitado de realizar de antecipação da extinção da punibilidade,
alegando ausência de previsão legal. Assim procedendo, deixou de se posicionar como juiz
constitucional para agir como juiz do Estado liberal, preocupado com a forma, aplicando
normas, ou simplesmente não aplicando, como no caso analisado, sem passá-las pelo filtro
dos direitos fundamentais, sem buscar os fins a que se destinam, sem lhes avaliar o conteúdo.

Esse juiz se preocupou com a ausência de previsão normativa, esquecendo-se algumas


normas princípios que poderiam ser perfeitamente aplicadas ao caso, como a dignidade
humana e a economia processual. De igual modo, esqueceu-se de um conjunto de valores,
como justiça, igualdade e eficiência.

Mas este é o perfil do juiz brasileiro. Essa é a sua formação. E essas são suas decisões,
guiadas pela antiga concepção do formalismo excessivo típico do Estado liberal. E, assim,

25
Para Fernandes (2005, p. 176), “é importante que, no Brasil, a jurisprudência seja alterada para admitir a
avaliação antecipada da pena com o fim de que processos inúteis e desnecessários sejam evitados, colaborando,
assim, para a celeridade da justiça, sem qualquer reflexo negativo na eficiência do sistema criminal. Cuida-se,
ademais, de visão garantista, porque não submete o acusado ao constrangimento ilegal do processo, sendo o
arquivamento do inquérito policial justificado pela falta de justa causa para a ação penal, sem afirmação de
culpabilidade, escorado tão-somente em avaliação provável da pena. Melhor, ainda, que, por alteração
legislativa, admita-se a análise da justa causa para a ação penal em face da pena provável. Aliás, a verificação
antecipada da pena em concreto, com base nas circunstâncias colhidas durante a investigação, poderá representar
forma de avanço da justiça brasileira em prol do consenso, sem atingir a pena privativa de liberdade”.
74

pode-se denominá-lo de “autoritário”, porque age ignorando as normas constitucionais,


porque não consegue fazer o exercício de interpretar as normas processuais na perspectiva dos
direitos fundamentais; e, por fim, porque prefere o comodismo propiciado pelo rigor formal
do que o desafio de mudar realidades para satisfazer a justiça, por meio de decisões justas.

Esse juiz do caso exemplificado deixou de enxergar o homem, a pessoa submetida a


avaliação do Estado-juiz. Talvez tivesse imaginado não existir dano prosseguindo nos atos
processuais, porque, ao final, a solução seria a extinção da punibilidade da mesma forma; ou
provavelmente nem mesmo chegou a se importar ou a se interessar pelo indivíduo que estava
julgando, postura típica do juiz autoritário, aquele mesmo dos Estados autoritários, quando o
mesmo órgão cumula as funções de investigar, de acusar e de julgar. Enfim, o juiz do Estado
cujos interesses eram tudo; e o acusado não era nada, salvo “objeto” do processo.

A ordem democrática, constitucional pode ser nova, mas o juiz e seus pensamentos são
antigos. Declaração de direitos, apenas em tese, obriga compromissos, porque sempre existe
como miná-los, descumpri-los, rasgá-los, às vezes explicitamente sem cerimônia, às vezes
disfarçadamente; e nada melhor do que o excesso de formalismo para maquiar o
autoritarismo.

O Estado brasileiro pode não ser mais autoritário em termos de ordem vigente, mas
muitos de seus agentes políticos, dentre os quais se incluem os juízes ainda o são, porque as
raízes construídas ao longo da história não desaparecem facilmente. A cultura do Estado
brasileiro, explica Zilli (2003, p. 169), “foi, e é, pautada pelo constante afirmação de
superioridade do Estado”.26

Definitivamente, no processo penal, o acusado precisa ser enxergado, não apenas nas
decisões que lhe dizem respeito, mas também, e tão importante quanto, nas regras de
tratamento do mesmo. Realmente, como se pretende efetividade no exercício da defesa se o
acusado não é identificado pelo Estado-juiz como sujeito de direitos, como pessoa humana
que porventura rompeu um limite ético determinante que o levou a cometer o delito, ou nem

26
Em relevante estudo sobre as influências do autoritarismo no processo penal, Zilli (2003, p. 169) discorre
sobre a cultura centralizadora e autoritária do Brasil desde o início da sua história: “inicia-se com uma estrutura
colonial arcaica e inerte, com o seu centro de poder fixado exclusivamente na Metrópole. Passa pelo período
imperial no qual a afirmação máxima da autoridade encontra-se focada na pessoa do monarca, chegando até os
mais recentes anos da República. Intercalam-se lampejos históricos de concessões de poder e de participação
popular lamentavelmente insuficientes, a ponto de enraizar uma cultura democrática perene”. No mesmo sentido,
Prado Júnior (2008, p. 289), explicando a ausência de participação popular na formação do Estado brasileiro,
desde o período da colonização.
75

mesmo chegou a cometê-lo. Seja como for, culpado ou inocente, não se pode desprezá-lo,
como se fosse um “abismo”, e assim considerado não interessasse a ninguém.

Sem diálogo, sem defesa efetiva. A lógica positivista com os seus formalismos
excessivos destrói a possibilidade de defesa efetiva. Defesa existe, meramente formal, técnica,
“fria”, sem conteúdo suficiente para influir determinantemente nas decisões judiciais.
Barros (2002, p. 257) entende que não se pode mais aceitar como conceituação de defesa
“as condições de expor e deduzir adequadamente as suas pretensões”.

Mas não se está tratando da lógica do comodismo, ou da lógica da celeridade para


produzir números para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Interessa o homem, o acusado,
a pessoa humana em perspectiva e todos os seus direitos fundamentais. Não interessa se o
Estado-juiz sairá da zona de conforto e do comodismo. O processo penal precisa ser “vivo”,
dinâmico, participativo, igualitário, efetivo, por respeito à pessoa humana que está sendo
julgada e arcará com as consequências de ser processada, e de qualquer forma arcará com as
consequências, ainda que seja absolvida, porque os efeitos maléficos deste não decorrem
apenas do decreto condenatório.

Mais do que apenas participar, o juiz deve ser o condutor desses diálogos, tornando o
processo dinâmico entre os sujeitos processuais. No processo penal, historicamente, existe
um isolamento. À exceção do Tribunal do Júri, em razão dos debates intensos presentes
em vários momentos, a regra vem sendo a retração. Em outros termos, não se formou uma
cultura do diálogo. A concepção argumentativa aproxima-se muito mais do contraditório do
que a concepção positivista. No contraditório, assinalam Grinover, Cintra e Dinamarco (2005,
p. 57):

[...] as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de
‘colaboradores necessários’: cada um dos contendores age no processo tendo em
vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na
eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve’.

Essa nova forma de pensar o processo penal, contribuindo para a efetividade da defesa,
depende de um “novo” magistrado, comprometido com a dinamicidade exigida pelo
constitucionalismo. Não é fácil vencer a raiz autoritária do Estado, possibilitando o equilíbrio
processual, a participação, os debates, a construção argumentativa diálogo, Muito mais do que
uma participação ativa, deve exercer um novo modo de pensar na condução dos atos
processuais, substituindo o autoritarismo do excessivo rigor formal pela cooperação.
76

A efetividade da defesa depende desse “novo” juiz, mas cumpre ressaltar que, tratando-
se de hermenêutica constitucional e de aplicação concreta de direitos fundamentais no
processo penal, não exerce uma faculdade, mas sim um dever. O juiz não pode escolher entre
ser o e antigo “autoritário” ou o novo “constitucional”. Sua postura precisa estar
adequadamente alinhada às expectativas geradas pela nova ordem constitucional, instaurando
o Estado Democrático de Direito. Em poucas palavras, sentencia Rocha (1995, p. 109):

[...] a necessidade de uma mudança de papel do Judiciário diante da lei é uma


exigência das pressões sociais, que reclamam a adaptação de suas funções às novas
necessidades decorrentes das transformações científicas, tecnológicas, sociais,
políticas e econômicas, ocorridas nas últimas décadas. 27

A efetividade da defesa é obstruída pelo Estado-juiz, justamente aquele que deveria ser
o seu principal colaborador na realização do processo penal constitucional. Especificamente
em relação à produção das provas, o juiz constitucional não pode ser mero espectador das
atividades desenvolvidas pelas partes. Ao contrário, dentro do novo modelo proposto, deve
ser dinâmico na condução da produção das provas, participando ativamente, cooperando e
dialogando durante toda a instrução.

Apesar de jamais poder se substituir às partes, nada impede o magistrado da iniciativa


de colaborar para produção das provas. Nesse contexto, deve-se investigar aprofundadamente
a realidade passada, contribuindo ativamente para a reconstrução histórica dos fatos, sem que
isso venha a importar quebra da imparcialidade, ou desequilíbrio na relação processual.
Investigar detalhadamente as peculiaridades do caso não significa ter iniciativa probatória em
substituição das partes.

À s vezes, uma posição estática em relação à produção de provas não significa agir com
imparcialidade. O juiz não deveria determinar produção de provas de ofício, como acontece
no processo penal brasileiro, mesmo sendo a título de exceção. Se o juiz passa tomar a
iniciativa da produção de provas, colhendo elementos a favor da acusação, está atuando como
“investigador”, havendo, no caso, clara quebra da isonomia processual. Por outro lado, se
estuda o caso, de forma aprofundada, para proferir uma decisão justa, não promoveu quebra
do equilíbrio processual. Ao invés de prejudicar, contribui para uma defesa efetiva, na medida

27
A Constituição Federal de 1988, discorre Rocha (1995, p. 109), “pelo que representa de inovação na maneira
de conceber o Estado e o direito, implica a transformação do perfil do Judiciário, na medida em que impõe ao
juiz o dever de aplicar suas normas em detrimento da legislação ordinária com ela incompatível, o que muda a
posição de submetimento do juiz à lei. A determinação remota da mudança é, como mostramos, o contexto
histórico emergente do processo de transformação operado nos diversos setores da realidade social”.
77

em que se importará em apreciar cada ponto levantado pela defesa, permitindo-se ser
convencido.

O Estado Democrático de Direito brasileiro ainda é uma nova realidade. Durante quase
todo o século XX prevaleceu o Estado autoritário, centralizador, com raras participações
democráticas. Portanto, esse perfil constitucional do processo penal encontra-se em fase de
alinhamento com as “mentes e os corações” dos sujeitos processuais.

O Estado-juiz autoritário somente deixou de existir a pouco tempo. Seus reflexos ainda
podem ser enxergados. Superado o período em que até as práticas de tortura eram respaldadas
pelo Estado, gerando todo tipo de suplício ao acusado, o processo penal constitucional
democrático ainda tem o desafio de tornar real o direito de defesa, tornando-o efetivo para o
acusado, sendo esta efetividade uma das formas de diminuir as injustiças cometidas.

2.3 Crise da justiça penal, processo penal de emergência e direito de defesa:


e o garantismo?

Existe um sentimento popular, baseado em medos irracionais derivados do Direito


Penal simbólico, direcionado para a adoção de medidas de rigor em combate à criminalidade,
para o qual não se pode deixar de lançar uma atenção especial, porque influenciam políticas
públicas na área de segurança completamente contrárias aos ideais da proporcionalidade e da
intervenção mínima do Direito Penal. Existe, claramente, uma dificuldade de se desmistificar
este suposto poder da atividade repressiva do Estado por meio da aplicação da sanção penal.

A crença de que o poder repressivo Estatal pode disciplinar referidos conflitos e


solucionar o problema da violência impede a devida separação da aplicação da lei penal dos
objetivos na área de segurança pública. Em meio a este contexto, a emergência repressiva,
explica Choukr (2002, p. 4), “acaba se protraindo sem fronteiras e infiltra-se no seio cultural
da normalidade com evidente prejuízo desta”. A Justiça, destaca Moccia (1999, p. 73-74):

[...] segundo os esquemas recorrentes de uma cultura emergencialista acaba por


assumir uma fisionomia particular, bem diferente daquela delineada por um estado
social de direito; essa cultura emergencialista determina preocupantes tentativas de
mistura de papéis, de antecipação de pena, de acertos com as mass media, com o
resultado de realizar processos sumários, sem ritos e extra-institucionais [...].

Ainda que se mostre alguma influência da repressão penal do Estado na repressão da


violência, sabe-se ser algo reflexo apenas, porque o problema é complexo, havendo diversos
78

tipos e classificações, sendo distintas as suas causas e seus fatores determinantes. Assim, não
se pode reduzir o tema a pensamentos descontextualizados da realidade social.

A dicotomia liberdade individual x segurança social, explica Choukr (2002, p. 11),


“tem dificultado a construção de um sistema processual penal menos suscetível de
interferências momentâneas”.28 Os adeptos da liberdade individual filiam-se às teorias do
Direito Penal mínimo, buscando alternativas para a criminalidade e para violência fora da
justiça penal. Do outro lado, situam-se as ideias de maximização do Direito Penal, com
criação de fórmulas para se intensificar a repressão penal.

Em meio a todos os fatores de ordem criminológica, falta de políticas pública, caos


urbano, ausência do Estado, impunidade, corrupção, pobreza, destaca-se a interferência
da exclusão das pessoas numa sociedade extremamente desigual, trazendo inúmeras
consequências no plano das relações humanas e, por conseguinte, produzindo claros reflexos
no sistema de justiça penal. Isso não significa que a crise desta tenha
como fonte apenas a desigualdade, mas particularmente no Brasil não como esconder
a marcante influência da exclusão social e da pobreza na discussão.29 Assim, afirma
Shecaira (2008, p. 34):

[...] por paradoxal que possa parecer, excluir faz parte dessa reordenação imposta
pela sociedade global. Diferentemente de uma sociedade inclusiva, a globalização
afirma o fenômeno da sociedade excludente. Em outras palavras, é mais barato
excluir e encarcerar as pessoas do que incluí-las no processo produtivo, transformá-
las em ativas consumidoras, através da provisão de trabalho e permitir-lhes uma
qualidade de vida que cumpra a condição de dignidade constitucionalmente prevista.

Neste passo, abordando a abissal desigualdade relacionada à justiça penal, não há como
deixar de ser tratada a histórica questão penitenciária como parte integrante das razões desta
crise, se já na for possível considerá-la não como causa, mas sim como produto das
consequências.

28
Afinal, continua Choukr (2002, p. 11), “os argumentos nascidos dessa falsa cisão levam a extremos
indesejados. A defesa das garantias individuais tende a levar seus defensores à posição de construtores de um
sistema fraco, inoperante face ao caos e ligados política e ideologicamente à esquerda. Avessos às mudanças,
paradoxalmente suas posições são rotuladas superficialmente como conservadoras em face da resistência às
mudanças que são oferecidas. Por seu turno, os defensores da visão segurança social tendem a ser vistos como
legitimantes do autoritarismo estatal em detrimento do indivíduo”.
29
Ayos (2010, p. 49) analisando a relação entre delito e pobreza, considera “que en esta nueva situación la serie
pobreza, peligrosidad y delito se reactualiza como construcción político cultural. Este retorno de las clases
peligrosas como noción que en nuestras sociedades articula esas tres dimensiones, es un elemento de profunda
relevancia para analizar los procesos ligados a La construcción de intervenciones estatales sobre La ‘nueva
cuestión social’”.
79

Buscando-se, equivocada e fantasiosamente, através da justiça penal, resolver a


violência, precedentes judiciais, relativizando cada vez mais direitos e garantias individuais,
começam a ser proferidos e utilizados com a pretensão de dar uma resposta aos anseios da
coletividade, tendo no interesse público a base argumentativa para ressurgir o autoritarismo
do Estado. Essa crescente intromissão, aponta Avolio (2003, p. 22), “a pretexto de
salvaguardar o superior interesse público, é um fenômeno de envergadura da vida moderna”.30

Ignorando que muitos dos direitos e garantias individuais foram resultado de longos
processos hermenêuticos, ressurgem ideias baseadas em movimentos de Lei e Ordem, Direito
Penal do Inimigo, dentre outras afastadas do atual quadro de constitucionalidade dos Estados
Democráticos de Direito. Não contribui em muita coisa, nas palavras de Choukr (2002, p. 13),
“a (in)cultura e a (in)disciplina da emergência, mormente quando deixa no ar a falsa
impressão que os mecanismos por ela preconizados são inerentes ao estado de direito”.

No caso da polícia judiciária, a situação ainda é mais grave, principalmente pela


ausência de estrutura mínima para respaldar um sistema de investigação de crimes,
obstaculizando a colheita de elementos de provas. Pode-se, inclusive, considerá-la. A maioria
dos crimes não chega sequer a ser investigado, por ausência de estrutura material e
pessoal.

Contraditoriamente, ações complexas como lavagem de capitais são criminalizadas,


gerando um sentimento de frustração ainda maior. Preocupando-se com os efeitos da
criminalização da conduta de lavagem de capitais, Cervini, Oliveira e Gomes (1998, p. 78)
observam que esta deve ser “concretizada à luz de mecanismos jurídicos e materiais que
possibilitem um mínimo de efetividade diante de um fenômeno tão complexo. Não obstante,
de modo algum se deve potencializar a subversão dos princípios fundamentais do Direito
Penal ordinário”.

No ambiente penitenciário, praticamente inexiste defesa, porque a violação de direitos


foi institucionalizada tacitamente, nada fazendo a respeito a administração penitenciária, seja
porque atingiu o conformismo diante da escassez dos recursos humanos e materiais

30
Avolio (2003, p. 22) consegue captar bem o retrato da situação atual: “minado pela acumulação de tarefas, o
inchaço da máquina burocrática, a corrupção administrativa, e o distanciamento, cada vez maior, do indivíduo
em relação aos centros de poder, o Estado contemporâneo mostra-se incapaz de desempenhar suas atribuições
mais inerentes, tais como a manutenção da segurança da coletividade e a distribuição da justiça, especialmente
através da persecução penal”.
80

necessários para se alterar a situação, ou porque aceitou a cumplicidade da “sociedade dos


cativos”.31

A oportunidade de alteração dos acontecimentos faz parte da essência da defesa. E


essência consiste naquilo que se pondo faz com que a coisa seja; e se retirando faz com que a
coisa deixe de ser, daí porque sem oportunidade de interferir nos acontecimentos, não existe
defesa. No ambiente penitenciário, a defesa se anula porque não se lhe é dada a oportunidade
de alterar a política interna na qual o preso se encontra para viabilizar seus direitos
fundamentais. Por isso mesmo, comenta Coelho (1987, p. 17):

[...] é muito provável que a penitenciária seja, definitivamente, uma daquelas


instituições que, paradoxalmente, são indispensáveis exatamente porque fracassaram
em sua missão específica. Quanto menos conseguem ressocializar e reintegrar à
sociedade o criminoso, mais proliferam e mais recursos consomem.

Obviamente, o poder de defesa, no sentido de abstratamente serem realizadas alegações,


existe. Ao juiz das execuções penais, ou às autoridades administrativas do estabelecimento
penitenciário, a defesa pode realizar vários pedidos. De acordo com Rocha (2005, p. 154), em
seu significado meramente formal de “situação jurídica global do réu, compreendendo todas
as modalidades de defesa”, é possível se assinalar a existência do direito de defesa.

Como consequência de todas estas questões relatadas, agrava-se a crise da justiça


penal em todos os âmbitos, aumentando em relação a esta o sentimento de descrença.
A ação imediata para satisfazer o imaginário coletivo em busca de uma sonhada segurança
sempre é a mesma: o aumento do encarceramento.

Aumenta-se o encarceramento, ao mesmo tempo em que, proporcionalmente, estouram


os índices de violência urbana dos mais diversos tipos, alarmando a crise de segurança
pública, e o que aparentemente parecia ser o melhor custo-benefício em curto prazo
demonstra ser parte do estopim de consequências ainda piores. Um sistema prisional em
permanente expansão, observa Macaulay (2006, p. 28):

31
Fazendo análise das crises e conflitos do sistema penitenciário, Coelho (1987, p. 16) mostra que “a disciplina,
a segurança e a relativa tranquilidade nas prisões depende fundamentalmente da disposição da massa carcerária
em submeter-se espontaneamente e em cooperar. E como têm mostrado vários estudos, não há cooperação sem
negociação; e a negociação não se faz sem lideranças dentro da massa carcerária. A ideia de que a autoridade
legal, isto é, o próprio Estado, através de seus funcionários, se veja constrangida a negociar com foras-da-lei as
regras de aplicação da própria lei pode parecer outro absurdo. Mas trata-se simplesmente de mais um dos
dilemas inscritos na natureza das prisões: o poder total – ou a primeira vista total – da administração não tem
como fugir à negociação e à transigência. A alternativa quase sempre será um nível de violência e repressão que
nenhuma sociedade poderá tolerar”.
81

[...] não é a solução mais efetiva para o problema da criminalidade e violência social
no Brasil. O número crescente de presídios não irá necessariamente possibilitar ao
Estado retomar o controle dos estabelecimentos prisionais. O que o Brasil precisa é
de um conjunto de reformas em diferentes fronts.

Paralelamente, o Estado passa a cometer abusos diante da sua própria inoperância em


lidar com a criminalidade, esquecendo-se da ideia segundo a qual os princípios e os valores
constitucionais precedem qualquer solução. A função do Estado, lembra Lima (2008, p. 23),
“é assegurar, e não afrontar esses mesmos valores”. Assim, não se incorpora solução sem
antes passá-la por rigoroso controle de constitucionalidade, ou, em outras palavras, sem
atestá-la no modelo garantista adotado. O perfeito entendimento desta crise passa pela
polarização de posições em torno das políticas de segurança pública, conforme asseveram
Adorno e Lamin (2006, p. 168-169):

De um lado [...] alinham-se as posições que apostam em políticas distributivas, isto


é, em políticas capazes de promover justiça social e respeito aos direitos humanos,
inclusive para aqueles que cometeram crimes, foram processados, julgados,
condenados à pena de reclusão. De outro, estão aqueles que defendem políticas
retributivas, quer dizer, a contenção da criminalidade depende da aplicação de lei e
ordem, em particular leis draconianas que tornem caro o custo do crime,
desestimulando os criminosos e evitando a reincidência.

O retorno ao autoritarismo, com o ressurgimento de fórmulas fracassadas de repressão


penal, baseadas em encarceramento preventivo, não solucionará o problema da criminalidade
e violência social. Somente a busca por respostas efetivas para a violência pode trazer
soluções. Todavia, existe uma inclinação para se desprezar a particular situação dos infratores
que efetivamente cumprem pena privativa de liberdade no Brasil, havendo uma dificuldade de
se desenvolver esse tipo específico de humanidade.

Para avaliar adequadamente as possibilidades de mudança, seria preciso primeiro


humanizar o sistema de justiça penal e as prisões. Em tempos sombrios, esse passo ainda
parece distante, sendo, guardadas as devidas proporções, uma repetição da história. Afinal,
como rememora Arendt (2010, p. 19),

[...] a história conhece muitos períodos de tempos sombrios, em que o âmbito


público se obscureceu e o mundo se tornou tão dúbio que as pessoas deixaram de
pedir qualquer coisa à política além de que mostre a devida consideração pelos seus
interesses vitais liberdade pessoal.
82

E onde se situa o direito de defesa nesse contexto de “tempos sombrios” de violência,


de segurança pública e sistema de justiça penal? O direito de defesa é afetado, sobretudo pelo
reforço do autoritarismo.32

Diante da pressa por resultados, a Polícia se torna mais violenta e passa a respeitar
menos os direitos e as garantias individuais da pessoa humana. Em alguns casos, as ações
abusivas são respaldadas pelo próprio poder judiciário e pelo Ministério Público,
institucionalizando práticas autoritárias em plena ordem constitucional democrática, o que
termina por agravar a crise, porque aumentam os conflitos entre o Estado e os indivíduos.33

A posição de desvantagem da defesa inicia-se na investigação criminal, porque os


pressupostos desta, quais sejam, publicidade, contraditório e presunção de inocência, não são
devidamente assegurados. Este claro desequilíbrio de forças, porque a ausência de posturas
constitucionais gera o autoritarismo do Estado, incidindo estes justamente nas classes pobres,
onde o compromisso com a proteção da dignidade humana ainda é mais distante, porque a
defesa ainda é menos presente (PEREIRA, 2003). Esta seletividade material do sistema penal
passa pela atividade policial e o relacionamento com o Ministério Público, discorre Choukr
(2002, p. 152), “a ponto de poder legitimamente ser concluído que a legalidade penal e a
obrigatoriedade da ação penal são absolutamente retóricas, se observado que todo o sistema é
selecionado (e é potencialmente selecionável) pela atividade de polícia”.

Existe uma força contrária que impede o Estado de se encaixar com a declaração de
direitos fundamentais da Carta Política às ações concretas. Comparativamente, seria como se
estivesse ainda no período da escravidão, no qual, em determinado momento, havia a
consciência da sua desumanidade, mas os discursos e as ideias não se corporificavam em sua
extinção, e não raro pensamento e conduta eram contraditórios.34

32
Este jamais deixou de existir. Todavia, o autoritarismo cometido na penumbra, na ilegalidade, escondido em
subsistemas de poder na prática de atos ilícitos, é bem diferente do autoritarismo explícito, escancarado, aquele
que busca legitimação da sociedade, por meio do sentimento coletivo de justiça, e deseja o apoio institucional do
Estado.
33
Recentemente, uma série de protestos eclodiu pelo país. Corrupção, segurança pública, saúde, educação, valor
da passagem de ônibus, os mais diversos problemas sociais levaram a população a protestar por melhorias. Para
coibir possíveis depredações ao patrimônio público e privado, por ocasião das manifestações, o Ministério
Público ingressou com ação para que fosse concedida autorização judicial, permitindo a Polícia deter
manifestantes para averiguação. Referida “prisão para averiguação” constituía uma das ações mais características
da Polícia na ditadura militar. Quando não se imaginava mais a possibilidade de retorno de práticas antigas, estas
ressurgem numa clara ameaça às liberdades individuais e ao Estado Democrático de Direito.
34
Marmelstein (2008, p. 46) cita os exemplos de John Locke e de Thomas Jefferson. O primeiro, um dos
principais expoentes das ideias que resultaram na formação do Estado Democrático de Direito, paradoxalmente,
defendia a escravidão negra. O segundo, um dos principais autores da Declaração de Independência Norte-
83

2.4 O “teatro garantista” do direito de defesa no Brasil

No modelo acusatório da ordem constitucional vigente, as funções de investigar, de


acusar e de julgar são rigorosamente divididas. A acusação, a defesa e o julgador formam a
base deste sistema, cumprindo ao juiz constitucional estabelecer o equilíbrio entre a acusação
e a defesa, assegurando a igualdade de condições para o exercício do contraditório e da ampla
defesa, promovendo a cooperação e o amplo diálogo, como forma de assegurar um processo
justo.

Dentro dessa nova perspectiva, não são poucos os desafios impostos, especialmente em
relação à inefetividade do exercício do direito de defesa. A insuficiência desta propicia
julgamentos temerários, em razão da ausência de reação diante da precariedade das provas ou
em decorrência de interpretações equivocadas, porque distantes da correta e necessária
hermenêutica constitucional do processo penal.

Ora, mas quais seriam as consequências, os efeitos de uma defesa insuficiente para
atingir o propósito de influenciar na materialização de uma decisão justa? A indagação é
bastante séria. No Brasil, em decorrência do formalismo exacerbado e da linha de
argumentação estritamente positivista, vem se aceitando uma defesa meramente formal, assim
entendida como a presença profissional habilitado no tempo e no lugar necessário.

É preciso analisá-la dentro da perspectiva do Estado Democrático de Direito, sendo este


estudo de extrema utilidade e atualidade para a construção de uma nova estrutura capaz de
inseri-la na proposta do processo penal constitucional. Acima de tudo, o “teatro garantista”
deve ser descortinado, a “máscara deve cair”, possibilitando a percepção de que a defesa de
hoje ainda é o mesmo “teatro garantista” existente do Estado-autoritário.

Uma das principais expressões da “teatro garantista” da defesa no processo penal é a


minimização do contraditório, concebido apenas como a possibilidade contradizer
formalmente a acusação, sem a cooperação na produção das provas e sem a busca permanente
do diálogo. Sem capacidade de influência, não existe defesa. A influência somente existe na
medida em que, por meio de diálogo e debates, existe confronto de ideias, estando todos os
sujeitos processuais aptos a pensar racionalmente em busca do fim comum da justiça.

Americana, cujo texto proclama que “todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de
certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”, era proprietário de
escravos.
84

Descortinando o “teatro garantista” da defesa no processo penal, cumpre desconstruir a


argumentação segundo a qual defesa insuficiente somente poderia gerar nulidade absoluta se
fosse provado o prejuízo gerado por esta. A insuficiência de defesa aproxima-se bastante da
ausência de defesa, porque deficiência, no processo penal, significa apenas que a defesa
esteve presente estritamente no plano formal. Este, em si mesmo, é vazio de conteúdo, daí
porque não há como refutar a conclusão segundo a qual insuficiência de defesa equivale à
ausência de defesa.35

A decadência do contraditório é evidenciada nesse tipo de defesa figurativa de


supervalorização da forma em detrimento do choque de ideias entre os sujeitos processuais.
Os argumentos são postos de forma isolada e normalmente são repetitivos. Dificilmente se
inova nas provas. E o juiz julga de forma “mecanizada”, encaixando os mais diversos tipos de
situações em modelos de sentença com decisões padronizadas.

Sofrendo os efeitos do autoritarismo, o juiz se isola para proferir sua decisão, sem antes
promover o debate no desenvolvimento dos atos processuais. Ainda assim, não se trata do
afastamento para buscar o estudo aprofundado do caso e a respectiva reflexão. Esse perfil de
julgador simplesmente decide. O importe é o resultado, e não o conteúdo político ideológico
da decisão.36

Na nova perspectiva do processo penal, com defesa efetiva, a participação e o diálogo


entre todos os sujeitos processuais são indispensáveis, abrindo-se o canal de comunicação. O
juiz sai do isolamento e passa a interagir com as partes e com o mundo, especialmente com o
acusado do qual sempre se manteve afastado, insensivelmente.37

A insuficiência de conteúdo axiológico do contraditório impede a defesa de ser exercida


de forma ampla, comprometendo a sua efetividade. Ocorre que, como assevera Nunes (2008,

35
Nos tribunais superiores, procura-se fazer uma distinção entre ausência de defesa e insuficiência desta, como
se realmente fossem bem distintas, ao ponto de ser editada a Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da
defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
36
Lamentavelmente, no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça representa a mais nova figura do autoritarismo
estatal. Basicamente, preocupa-se em pressionar juízes para aumentar a produção de julgamentos, sem se
preocupar com o desenvolvimento dos atos processuais e o conteúdo das decisões. Criou-se um “Tribunal da
Inquisição” dentro do sistema de Justiça, empenhado em realizar a “caça as bruxas”, mas não existem “bruxas”.
Ao invés de se empenhar em resolver os reais problemas que afligem o poder judiciário, criaram um absurdo
sistema de metas, sem concomitantemente oferecer condições para que uma sentença não seja um número, mas
sim uma decisão justa.
37
Acima de tudo, julgar deveria ser um exercício de sensibilidade, porque o juiz é um intérprete do homem, do
mundo e de seus acontecimentos. Quanto mais conhece a realidade a sua volta e as ideias que a permeiam,
provavelmente mais justa será sua decisão, principalmente quando se encontra aberto às possibilidades,
permitindo-se positivamente ser influenciado.
85

p. 159), “esta visão de um contraditório estático somente pode atender a uma estrutura
procedimental monologicamente dirigida pela perspectiva unilateral de formação do
provimento pelo juiz”.

E como transformar em dinâmico o contraditório estático? Provocando, de ofício, os


debates entre a defesa e a acusação acerca de todas as questões relevantes que porventura
venham a ser decididas. Imagine-se o pedido do Ministério Público pela prisão preventiva do
acusado. Aplicando-se estritamente as normas do Código de Processo Penal (CPP), Decreto-
lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, o juiz avaliaria a procedência da medida cautelar,
verificando os pressupostos, as hipóteses de cabimento e os fundamentos desta. A defesa não
interferiria no ato. Decretada a prisão, somente lhe caberia ingressar com ação de habeas
corpus para se opor à constrição da liberdade do acusado.

Quebrando as amarras do tecnicismo formal, em nome da defesa efetiva, do


contraditório e da dignidade humana, o juiz deveria promover o debate entre acusação e
defesa antes de decidir. À acusação, cumpriria convencer o juiz da extrema necessidade de
uma medida excepcional; do outro lado, à defesa cumpria demonstrar a desnecessidade da
medida cautelar de constrição da liberdade, inclusive, confrontando a justificativa da
acusação. Ambas poderiam perfeitamente apresentar as provas necessárias para corroborar
seus respectivos entendimentos sobre o assunto.

Ao final, o juiz decidiria democraticamente sobre a constrição da liberdade do acusado,


porque provocou o debate e se permitiu influenciar pelas partes. Atuando como juiz
constitucional, sem autoritarismo, tornou o contraditório dinâmico, assegurou efetividade à
defesa e, acima de tudo, legitimou pelo valor justiça o desenvolvimento dos atos processuais e
de sua decisão acerca da prisão cautelar do acusado.

Dessa forma, às vezes não haverá como se valer do contraditório desde o primeiro
momento no processo penal. Todavia, este deve ser a regra. Somente deixará de ser
empregado, excepcionalmente, quando existir a possibilidade risco na adoção de alguma
medida cautelar, como em alguns casos de decretação de prisão preventiva. Para Nunes
(2008, p. 165),

[...] o contraditório possui um nexo profundo com a garantia de fundamentação das


decisões, uma vez que o juiz ao enunciar os fundamentos da decisão deve levar em
consideração os resultados do contraditório, delineando o procedimento formativo
do provimento com a indicação efetiva da participação dos interessados em todos os
seus aspectos relevantes, sejam eles fáticos e/ou jurídicos.
86

É preciso desconstruir o “teatro garantista” da defesa formal, ou “defesa técnica”. A


expressão “ampla defesa” deve ser lida como “defesa efetiva”, assim entendida como aquela
que possibilita uma participação real do acusado e seu defensor no desenvolvimento dos atos
judiciais e nas decisões do juiz.

Defesa efetiva é uma exigência da dignidade humana, porque se deve evitar ao máximo
o erro de uma condenação injusta. Sem esse pressuposto da efetividade não há nem mesmo
como garantir a segurança mínima no Estado Democrático de Direito, porque todos estarão
sujeitos a um processo vazio de conteúdo axiológico e a decisões injustas, submetidas ao
Estado-juiz autoritário.

Naturalmente, existe um desequilíbrio de forças no processo penal. O risco das


presunções e das ilações serem consideradas como “verdade”, no curso do processo, é grande,
em razão do perfil autoritário do poder judiciário brasileiro. Se já não bastasse isso, busca-se
cada vez mais a simplificação do procedimento para atender ao objetivo da celeridade
processual.

Cada vez mais busca-se, mediante sucessivas alterações legislativas, a simplificação dos
procedimentos, para atender aos objetivos da celeridade processual e da duração razoável do
processo. Enfim, esse modelo que procura conjugar eficiência com celeridade é bastante
procurado não apenas no Brasil como em outros países, atingindo desde a América Latina
até a Europa, em que pese soluções consensuais no sistema penal já serem antigas na
commowlaw (SILVA, 1997).

O problema é a possível ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório e,


destacadamente, da ampla defesa. Apenas para exemplificar uma situação, comumente, a
pessoa a quem se atribui a infração penal de menor potencial ofensivo é praticamente
obrigada a aceitar a transação penal, ao argumento de que a aceitação desta não representaria
aceitação de culpa. Todavia, em que pese não resultar em efeito penal algum, nem principal,
nem secundário, não deixa de surtir efeitos. Por um determinado prazo, a pessoa não poderá
vir a obter nova transação; e o fato de tê-la aceito, apesar de não gerar antecedentes criminais,
será levado em conta em sua conduta social, por exemplo, se algum dia resolver prestar
concurso público.

Não se pode dizer, portanto, que essas alternativas consensuais não têm repercussão
alguma na vida da pessoa. A questão não para por aí. Se consiste em manifestação do poder
87

dispositivo do acusado, este poderia recusá-la ou aceitá-la, mas isso não tem se verificado.
Como o processo penal induvidosamente produz condenação precárias, baseadas em provas
da mesma forma precárias, não havendo compromisso constitucional com a presunção de
inocência e com o princípio in duo pro reu como regra de julgamento, invariavelmente, as
pessoas são convencidas a aceitar a transação penal sob a coação moral dos riscos que
representaria um processo conduzido pelo perfil autoritário do Estado-juiz brasileiro.

Na verdade, a resistência não é apenas contra a temeridade das denúncias vazias. Se esta
é vazia, porque baseada em elementos inidôneos da investigação, precários também são os
atos da polícia representando o Estado. E, em meio a todo esse caos, apresenta-se o último
personagem: um juiz autoritário, arbitrário, estático e “perdido” no modo de pensar suas
decisões. O maior problema, explica Fernandes (2005, p. 176), “é, na realidade, o de fixar a
amplitude aceitável do poder de disposição do acusado”.38

Outro aspecto a ser analisado, considerando a realidade processual brasileira, é a


influência do Direito Penal Simbólico no exercício da defesa no processo penal. Nessa linha,
observa de modo contundente Bechara (2011, p. 162),

[...] tem-se afirmado que a legislação penal produzida nas duas últimas décadas na
América Latina e especificamente no Brasil representa um dos mais tristes capítulos
na história do Direito. A partir de um populismo irracional, os agentes políticos têm
provocado caos legislativo que, longe de ser orientado por um autoritarismo
ideológico – como o fascista ou nazista – ou conjuntural – como o derivado de
regimes militares –, encontra origem em discursos vazios, de natureza moral.

Todos, autoridade policial, Ministério Público e juiz, levados pelo “populismo


irracional” gerado pelo medo e pela insegurança, buscam num autoritarismo vazio, com
argumentos inócuos, exercer controle, dentro das questões complexas do sistema penal de
justiça, cometendo todo tipo de aberrações, num claro desrespeito constitucional, reduzindo e
suprimindo direitos fundamentais, ao final, numa resposta irresponsável para os reais
problemas apresentados.

Os personagens deste “teatro de horrores” ainda são considerados pela coletividade


como “justiceiros”, num discurso pobre de conteúdo, mas inflamado de argumentos de rigor
penal, a despeito do caráter inidôneo e da duvidosa constitucionalidade de propostas, sempre

38
Para Fernandes (2005, p. 176), “o parâmetro deve ser o equilíbrio entre a eficiência do sistema e o garantismo,
equilíbrio traduzido aqui na ponderação entre a necessidade de serem admitidas alternativas procedimentais
simplificadoras que agilizem a justiça criminal e os limites possíveis de disposição, pelo acusado, do direito a
um procedimento-modelo que, com suas fases essenciais, assegure a plena atuação de suas garantias
constitucionais”.
88

atribuindo ao próprio criminoso e à ausência de rigor penal empregado contra este os


complexos problemas que envolvem segurança pública, criminalidade e violência.

Ao contrário, suas atitudes autoritárias podem ser interpretadas como atos de


descontrole dentro do descontrole do sistema. Verifica-se então, na análise de Bechara (2011,
p. 163),

[...] que a crise do Direito Penal no âmbito da complexidade da sociedade


contemporânea diz respeito, antes de mais nada, à sua capacidade regulativa. A
multiplicidade das funções exigidas ao Estado, a inflação legislativa, a pluralidade
das fontes normativas, sua subordinação a imperativos sistêmicos de natureza
econômica, tecnológica ou política, e, de outro lado, a ineficácia dos controles e as
amplas margens de irresponsabilidade dos poderes públicos geram uma crescente
incoerência e perda de confiança na razão jurídica. Disso resulta a debilitação da
função normativa do Direito Penal e, em particular, a quebra de suas funções de
limite e vínculo para a política e, portanto, de garantia dos direitos fundamentais.

Se nos Tribunais de exceção, aos réus não era garantida o direito de apresentar
elementos de prova acerca da sua inocência, estando preso ao autoritarismo e das avaliações
subjetivas deste, atualmente a defesa do acusado, mesmo inserida dentro de um sistema de
direitos e garantias individuais fundamentais, encontra-se em crise, porque não consegue
superar o formalismo positivista para tornar efetivo o seu conteúdo constitucional, no sentido
de propiciar decisões justas e democráticas.39

Esse desequilíbrio termina influenciando nas decisões judiciais, porque o parâmetro


para o juiz se torna preponderantemente a visão do acusador e do inimigo. A coletividade é a
vítima. O acusado é o inimigo. E a função principal do juiz é resolver o conflito, combatendo
o criminoso inimigo. Para obter êxito, o juiz teria a sua disposição o autoritarismo e a
intolerância, justificados por Jakobs (2009) porque ao criminoso-inimigo seria negada
juridicamente a condição de ser humano40 Com efeito, afirma Bechara (2011, p. 168),

39
Esse paradoxo precisa se resolvido em definitivo. Afinal, o direito de defesa não pode ser apenas a expressão
da retórica, devendo ser meio hábil para provar a inocência do acusado, ou, ao menos, forma de lhe garantir a
condenação justa, se for esta o caso.
40
Muitos modelos punitivos defendem a diversificação de reprimendas penais, levando-se em conta a
multiplicidade de crimes e de criminosos, inúmeros tipos de consequências e graus de perigosidade, avaliação
relevante até mesmo para se realizar prevenção geral especial. Jakobs (2009), teórico idealizador da teoria do
direito penal do inimigo, poderia ter seguido essa linha, preservando os direitos e garantias individuais, ainda que
os flexibiliza-se excepcionalmente. O problema, razão de críticas contundentes por parte de toda a doutrina
contemporânea mundial, foi exatamente negar ao “inimigo” a condição de ser humano. Dividiu os infratores em
“criminoso-cidadão” e “criminoso-inimigo”. Os primeiros praticam infrações de pequeno a médio potencial, não
constituindo motivo de preocupação, porque jamais deixariam de existir. Os segundos cometem delitos de alta
ofensividade, agem de forma habitual e representam grande fator de risco para a coletividade. Os últimos perdem
juridicamente a condição de ser humano e, portanto, estaria legitimada até mesmo a tortura destes.
89

[...] no âmbito da América Latina pode-se afirmar que a intervenção jurídico-penal


se dá por meio de medidas de contenção dirigidas a indivíduos suspeitos, a partir da
presunção de sua periculosidade. Isso justifica o crescimento vertiginoso da
população prisional, a quem se impõem na maioria dos casos penas sem uma
correspondente decisão condenatória formal.

Ideologias como a teoria do Direito Penal do inimigo vão florescendo. Em todas as


teorias, o ponto em comum é a flexibilização, ou mesmo a supressão, de direitos e garantias
individuais do acusado, sob a justificativa genérica do interesse público. Evidente, no âmbito
da América Latina, os problemas são uns; na Europa e nos Estados Unidos, outros. No caso
específico do Brasil, violência e criminalidade estão relacionadas, principalmente, com
questões que gravitam em torno de extrema desigualdade social, forte exclusão social,
desorganização constantemente agravada dos centros urbanos, e, por fim, despreparo,
descontrole e perda da credibilidade do Estado e suas instituições.

Em verdade, analisando a realidade brasileira, modelo penal de segurança da teoria do


Direito Penal do Inimigo já é adotado há bastante tempo, não havendo necessidade nem
mesmo de convencimento da coletividade ou dos agentes políticos do Estado. Da mesma
forma, não precisa o dispêndio de energia para convencer juízes e promotores de justiça
acerca de uma suposta necessidade de se flexibilizar direitos e garantias individuais dos
acusados, porque há tempos estão flexibilizados, desde o colonialismo até a maquiagem dada,
após a Constituição Federal de 1988 e a nova ordem democrática.

Afirmar a defesa como “teatro garantista” no processo penal brasileiro não é exagero,
nem mesmo novidade, porque nada mais inquestionável do que a evidência dos fatos. A
norma, com seus valores, seu conteúdo axiológico e suas interpretações pode ser questionada,
mas os fatos e as vidas como se mostram no dia a dia da realidade forense são
inquestionáveis. Portanto, a flexibilização dos direitos e garantias é realidade histórica do
Brasil. Se o discurso ideológico for o avanço no autoritarismo e na intolerância, o passo
seguinte não é redução ou flexibilização, mas sim supressão.

Como o Estado busca sempre o aprisionamento, caindo na armadilha da “cultura da


emergência”, as suas instituições são conduzidas para o mesmo objetivo, sem a alteração do
discurso. A “inteligência” da Polícia é a sua violência. O Ministério Público, do qual se
poderia esperar um discurso novo e aprofundado sobre temas complexos, prefere o populismo
irracional à construção do debate criminológico. O Poder Judiciário, do qual se poderia
esperar pouco, em razão das suas raízes autoritárias, agravado extremamente o quadro do
90

sistema penal, porque tem adotado a política do isolamento, distanciando-se cada vez mais do
acusado, numa postura de omissão e de desinteresse constrangedora.

A partir da Constituição Federal de 1988, o direito de defesa passou a ser


contextualizado dentro dos objetivos propostos pelo Estado Democrático de Direito, cujo
núcleo é a dignidade da pessoa humana. É a partir desta ideia, segundo a qual o acusado deve
ser visto como homem, e não como “inimigo”, que se estabelecerá a limitação ao poder
punitivo estatal, conferindo credibilidade ao sistema de justiça penal brasileiro.

A análise dos efeitos de maior repressão penal desde a promulgação da Lei nº 8.072, de
25 de julho de 1990, denominada Lei dos Crimes Hediondos, demonstra que houve nem a
estabilidade desses delitos. Na verdade, relata Franco (2005, p. 540), as expectativas foram
frustradas, porque não existiu o efeito desestimulador esperado.

O Estado-juiz passou por cima da ordem constitucional e da dignidade humana,


forjando milhares de prisões baseadas na presunção de culpabilidade, deixando o estado de
inocência distante da realidade processual, “perdido” nas teorias do garantismo e no ideal de
um processo penal constitucional. A antecipação da prisão, antes do julgamento definitivo se
tornou regra.

O argumento populista irracional, patrocinado pela imprensa e abraçado pelas


instituições do Estado, de que “prendendo, haverá um a menos para cometer delitos” não se
sustenta nem mesmo como discurso meramente lógico. Pobres em sua quase totalidade,
discorre Leal (2011, p. 45),

[...] os internos se submetem ao comando dos poderosos – narcotraficantes, líderes


de quadrilhas, chefes do crime organizado –, peixes gordos que atuam com
desenvoltura, abertamente, dentro e fora dos muros prisionais e ditam, sob a
indiferença ou o apoio direto dos funcionários, seu próprios códigos estritos de
conduta e lealdade.

Sempre foi comum, entre vários autores tradicionais, denominar o investigado de


“objeto” da investigação como forma de justificar o pensamento antigo e autoritário segundo
o qual nesta fase pré-processual não haveria ampla defesa e contraditório. A mesma linha de
raciocínio pode ser desenvolvida para o contexto da execução penal, porque o condenado é
91

tratado como “objeto” da execução, na medida em que não se consegue visualizá-lo como ser
humano possuidor de direitos fundamentais.41

Os desdobramentos da superpopulação carcerária são os piores possíveis, porque o


Estado submete pessoas ao regime de isolamento, abandonando-as, como se fazia no na Idade
Média, com as medidas de segregação de leprosos, e nos séculos XVII e XVIII, com a
internação dos “loucos” e dos portadores de doenças venéreas, sob um “conjunto de juízos
morais”, na expressão utilizada por Foucault (2004, p. 9).

Fato analisado pelo autor supracitado, na História da Loucura, a lepra pode ser trazida
para o século XXI, bastando substituí-la pela imagem do criminoso, e a história se repete.
Essa questão da imagem e da representação é de altíssimo valor para compreender como a
coletividade e as instituições do Estado identificam o criminoso, podendo ser encontra nesta
referência histórica parte da explicação para a sua segregação atual. Sobre a fixação da
imagem, discorre Foucault (2004, p. 6),

[...] aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo do que a lepra, e
que se manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios,
são os valores e as imagens que tinham aderido à personalidade do leproso; é o
sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e
temida que não se põe de lado sem se traçar à sua volta um círculo sagrado.

Procurando as relações dos “jogos” de exclusão, Foucault (2004, p. 6) mostra como


estas podem ser repetitivas:

Desaparecida a lepra, apagado (ou quase) o leproso da memória, essas estruturas


permanecerão. Frequentemente nos mesmos locais, os jogos de exclusão serão
retomados, estranhamente semelhantes aos primeiros, dois ou três séculos mais
tarde. Pobre, vagabundos, presidiários e ‘cabeças alienadas’ assumirão o papel
abandonado pelo lazarento, e veremos que salvação se espera dessa exclusão, para
eles e para aqueles que os excluem. Com um sentido inteiramente novo, e numa
cultura bem diferente, as formas subsistirão – essencialmente, essa forma maior de
uma partilha rigorosa que é a exclusão social, mas reintegração espiritual.

41
Antes de 2011, na execução da pena, se o condenado cometesse falta grave, perdia todos os dias remidos, não
havendo direito a procedimento administrativo disciplinar, mediante contraditório e ampla defesa, situação
semelhante ao afastamento da defesa no curso da investigação criminal. Ambas as situações, em momentos
completamente distintos, são exemplificativas do autoritarismo estatal. Na execução penal, existiu uma correção
parcial a partir da Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, alterando a redação do art. 127, da Lei de Execução
Penal, para estabelecer, em vez da perda dos dias remidos, apenas a redução até um terço, de acordo com
critérios previamente estabelecidos. Resta resolver a questão da obrigatoriedade do contraditório e da ampla
defesa no procedimento administrativo disciplinar, ainda inexistente, para aferir a falta grave. Por fim, quanto ao
inquérito policial, em plena ordem constitucional democrática do século XXI, o procedimento continua
ocorrendo sem contraditório, sem ampla defesa e sem fiscalização e controle de seus atos. Aliás, no
interrogatório realizado na fase policial, a presença de um defensor é uma opção. Como a maioria das pessoas
presas pertence às classes pobres, opção para poucos.
92

O motivo para a corrupção generalizada nos estabelecimentos prisionais é a política de


segregação irracional do Estado, tendo o isolamento como aspecto puramente retributivista.
Na execução penal, a defesa somente teria sentido se a própria Lei de Execução Penal fosse
um instrumento legítimo de controle social. Como não o é, para o preso, a defesa perde sua
finalidade. Se existe algo a se resolver, a corrupção existente tem a eficiência que a defesa não
possui. A corrupção, discorre Leal (2011, p. 45),

[...] que faz ato de presença no dia a dia das prisões, onde tudo tem seu custo (há
tabelas de preços), desde a própria cela, as chamadas telefônicas e a lista de presença
até o exame criminológico e a visita familiar ou íntima – explica em grande medida
o livre acesso da massa carcerária a drogas, armas e celulares. Os agentes prisionais,
por sua aproximação com os reclusos e seus baixos salários, são com freqüência
cooptados para fazer caso omisso ou ter uma participação ativa em episódios de
desvio de mercadorias, ingresso irregular de objeto, extorsões, malversação de
fundos, etcétera.

A efetividade da defesa demandará transformações no âmbito das instituições,


especialmente na reconstrução do discurso, porque não adiantam mudanças na legislação
ordinária se “mentes” e “corações” forem os mesmos. A expansão das formas de repressão
penal, mediante a estratégia do isolamento, não se sustenta. Reflexamente, a redução de
direitos e garantias individuais fundamentais prejudica mais a coletividade do que o próprio
criminoso.

No capítulo seguinte, será realizado estudo específico acerca da instituição Defensoria


Pública, sobre como a mais nova das instituições essenciais à justiça pode contribuir para
limitar racionalmente o discurso irracional e autoritário do Estado. Na verdade, a defesa
intransigente dos direitos e garantias individuais do acusado, freando a intolerância do Estado,
é ação de proteção de toda a sociedade.

A Defensoria Pública foi o instrumento encontrado pelo legislador constituinte


originário para contribuir para a redução das desigualdades sociais e para a promoção dos
direitos humanos. No plano do sistema de justiça penal, surge para possibilitar defesa efetiva
para todos, contrapondo-se a todo tipo de “teatro garantista”.

Em especial, será discutida a figura do advogado dativo ou ad hoc, bastante utilizada


pelo Estado-juiz autoritário para compor a “teatro garantista” da defesa no processo penal. O
desafio da missão constitucional do Defensor Público vai mais além de propiciar aos acusados
juridicamente necessitados qualidade na prestação da defesa, assumindo compromisso de
eficiência.
93

Não adianta a discussão em torno da eficiência e da eficácia da defesa sem antes existir
uma mudança de pensamento. Os obstáculos são muitos, conforme discorrido no presente
capítulo. Nesse caminho de desconstrução do “teatro garantista” da defesa atualmente
exercida para a assunção de uma defesa efetiva, não há como se prescindir de um juiz
constitucional, dinâmico, participativo, capaz de vencer as amarras do formalismo e sair do
isolamento do autoritarismo.

A nova leitura da defesa importará na democratização do sistema de justiça penal,


possibilitando, finalmente, a concretude dos direitos e garantias individuais do acusado no
processo. Muito mais do que uma garantia para o acusado, defesa efetiva para todos é uma
garantia do Estado Democrático de Direito, possibilitando a conjugação dos valores justiça e
segurança.

A Defensoria Pública pode ser a instituição capaz de fazer o contraponto do discurso


difundido do rigor penal como solução dos problemas complexos da criminalidade e da
violência, realinhando o Estado e as suas instituições em favor da dignidade da pessoa
humana.
3 A DIMENSÃ O DA DEFENSORIA PÚ BLICA NO ESTADO
DEMOCRÁ TICO DE DIREITO: PROMOÇ Ã O DOS DIREITOS
HUMANOS E REDUÇ Ã O DAS DESIGUALDADES SOCIAIS

A exigência especial de efetividade da defesa de acusados juridicamente necessitados


coaduna-se com o modelo do Estado Democrático de Direito e com concepção da instituição
Defensoria Pública. Inserida no quadro geral das garantias constitucionais do devido processo
penal, a Defensoria Pública possui duas missões precípuas: promoção dos direitos humanos e
redução das desigualdades sociais.

3.1 A estruturação e a amplitude da Defensoria Pública no Brasil

Para fins de uma correta delimitação conceitual de Defensoria Pública, não há como
deixar de sedimentar três ideias relacionadas aos seus propósitos constitucionais: liberdade,
igualdade e justiça. A afirmação desses três valores compõe se coadunam com os fins do
Estado Democrático de Direito, especialmente quando se avalia a desigualdade social
presente na realidade brasileira e a situação de milhares de pessoas excluídas dos seus direitos
e do acesso à justiça.

Em razão de seus gravíssimos desajustes sociais, o baixo índice de desenvolvimento


humano e a redução das desigualdades sociais históricas são os maiores desafios na atual
ordem constitucional brasileira. As conquistas no plano formal do
idealismo normativo não resultaram na assunção de direitos e garantias individuais
fundamentais, salvo como “liberdades burguesas”, na lembrança de Kuntz (2010, p. 155),
sendo “excelentes pra quem pode alcançá-las. Difícil, porém, é explicar sua importância a
quem da cidadania só tem o título de eleitor, porque mal sabe ler, não ganha para alimentar a
família, não tem carteira assinada e só interessa à Justiça quando se transforma em réu”.

Com propriedade, Habermas (1997) analisa a dialética entre igualdade de fato e de


direito, demonstrando como se transformou num dos motores do desenvolvimento do direito,
cujo paradigma é a distribuição das oportunidades de vida geradas socialmente. Para o autor,
a ideia de uma sociedade justa,
95

[...] implica a promessa de emancipação e de dignidade humana. Pois o aspecto


distributivo da igualdade de status e de tratamento, garantido pelo direito, resulta do
sentido universalista do direito, que deve garantir a liberdade e a integridade de cada
um. Por isso, na sua respectiva comunidade jurídica, ninguém é livre enquanto a sua
liberdade implicar a opressão do outro. (p. 159)

Para Bobbio (2000), igualdade, liberdade e justiça são valores intrinsecamente


relacionados. A liberdade seria um estado, enquanto a igualdade uma relação. A indagação
realizada pelo autor italiano consiste em saber se a igualdade precede a justiça, ou se a justiça
precede a igualdade. Assim, observa o autor, “diante de um poder despótico, que seja ao
mesmo tempo opressivo e arbitrário, a exigência de liberdade e de igualdade não pode se
separar da exigência de justiça” (p. 44).

Mesmo pensamento possui Rawls (2008), concluindo não ser possível pensar a
igualdade sem a justiça. Liberdade não garante igualdade, observando, inclusive, que a
liberdade pode ser desigual quando algumas pessoas possuem mais liberdade do que outras.
Por isso, “a justiça se apresenta como um dos elementos essenciais e juridicamente
indispensáveis à legitimidade e à continuidade mesma do direito positivo” (p. 7).

As desigualdades no plano da justiça levaram à concepção da instituição Defensoria


Pública na Constituição Federal de 1988, encontrando-se sua estrutura normativa no caput, do
art. 134. Essencial à função jurisdicional do Estado, incumbe-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos juridicamente necessitados, numa clara demonstração de
preocupação do legislador constituinte originário no tocante às correções das desigualdades
no plano da justiça.

Neste contexto da desigualdade social, a instituição da Defensoria Pública foi pensada


para ser a mais relevante instituição do país em ações afirmativas, porque a maioria das
pessoas não possui acesso ao conjunto de direitos fundamentais necessários para assegurar o
mínimo existencial.42 Diversas potencialidades humanas são desperdiçadas, porque a
igualdade é valor presente apenas nos livros e nas teorias e distante da realidade.

Na verdade, afirma Batista (1990, p. 25), o funcionamento da justiça é seletivo,


“atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais”. Toda a

42
Muitas vezes, para que se possa aplicar a igualdade constitucional, discorre Piazzeta (2001, p. 166), “é
necessário que certas medidas venham a ser tomadas para que indivíduos socialmente inferiorizados sejam
efetivamente favorecidos. Surgem, então, as ‘ações afirmativas’, também chamadas de ‘discriminações
positivas’. Destinam-se a realizar a igualdade material para aqueles socialmente inferiorizados através da
geração de uma igualdade de fato”.
96

história da humanidade foi construída na desigualdade entre as pessoas, surgindo a


seletividade da justiça dessa constatação. No Brasil, atingiu-se a igualdade no plano do
idealismo normativo. Agora, o próximo passo, cuja missão incumbe à Defensoria Pública, é a
sua diminuição por meio do pleno acesso à justiça.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado em 16 de dezembro de


1966, compondo a Carta Internacional dos Direitos Humanos, prevê expressamente no ponto
3, da alínea d, em seu art. 14, a necessidade de ser garantida “plena igualdade” no exercício da
defesa:

[...] a estar presente no processo e a defender-se a si própria ou a ter a assistência de


um defensor de sua escolha; se não tiver defensor, a ser informada do seu direito de
ter um e, sempre que o interesse da justiça o exigir, a ser-lhe atribuído um defensor
oficioso, a título gratuito no caso de não ter meios para o remunerar.

A Defensoria Pública é a instituição permanente, essencial à função jurisdicional


do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em
todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral
e gratuita, aos juridicamente necessitados.43

Paradoxalmente, o próprio Estado, omisso, intolerante e autoritário em relação às


camadas sociais mais pobres, como lembra Boaventura de Sousa Santos, impôs uma barreira
à consecução dos direitos fundamentais das pessoas juridicamente necessitadas, para as quais
somente tem atenção e está presente, quando precisa utilizar mecanismos de repressão, isto é,
quando lhes criminaliza as condutas (SANTOS, 2010).

Reconhecendo a situação dos juridicamente necessitados, o legislador constituinte


originário preocupou-se em criar a instituição Defensoria Pública para representá-los na
promoção dos seus direitos fundamentais, razão pela qual a instituição compõe o núcleo das
funções essenciais à justiça, formada ainda pelo Ministério Público, Advocacia Pública e
Advocacia, cada qual desempenhando um papel próprio (LEAL, 2007).

Observa-se, portanto, a nova dimensão da Defensoria Pública a partir da evolução do


conhecimento científico acerca da instituição. Antes da Constituição Federal de 1988 e, por

43
Retratando a atual dimensão constitucional da Defensoria Pública, este conceito é encontrado no art. 1º, da Lei
Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, com redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 7 de
outubro de 2009.
97

conseguinte, da criação da Defensoria Pública, as ações eram direcionadas aos


economicamente necessitados, no sentido de se lhes assegurar somente uma assistência
judiciária, como se todos os conflitos humanos obrigatoriamente gravitassem em torno do
Poder Judiciário.44

Induvidosamente, dentre as missões constitucionais da instituição, inclui-se a assistência


judiciária. Todavia, esta abrange apenas uma restrita área de sua atuação. O Defensor Público
possui missões bem mais relevantes e amplas, destacando-se como agente político
imprescindível para o êxito das políticas públicas e para a construção de uma realidade social
menos desigual. Antes da sua criação, o Estado autoritário simplesmente entendia a defesa
como uma benesse, devendo esta ser prestado por advogado nomeado pelo juiz, para realizar
o acompanhamento da pessoa pobre na sua audiência judicial. A orientação jurídica era
realizada estritamente para instrumentalizar o Poder Judiciário, e não voltada para a solução
do conflito por meio de alternativas não judiciais.

A promoção da Defensoria Pública à instituição garantidora de direitos fundamentais


trouxe outra perspectiva, devendo o Defensor Público encontrar alternativas às mazelas do
processo judicial. E outras palavras, buscar o consenso entre os personagens, ou simplesmente
a orientação sobre as alternativas ao Poder Judiciário, deixando este como último caminho.

Coincidentemente, a Defensoria Pública surgiu juntamente com a atual ordem


constitucional brasileira e com os desafios daí decorrentes, a partir do momento em que a
educação em direitos passou a ser exaltada. Como lembra Barroso (2013, p. 383), “pela
redescoberta da cidadania e pela conscientização das pessoas em relação aos próprios
direitos”, a demanda por justiça aumentou de maneira significativa.

No Brasil, os obstáculos de acesso à justiça para pessoas juridicamente necessitadas são


significativos. Em um país marcado por extremas desigualdades econômicas, sociais e
culturais, afirma Sadek (2013, p. 20):

[...] os preceitos relativos à igualdade e à inclusão poderiam soar como pura


abstração ou como componentes de uma carta de intenções. A possibilidade real,
contudo, de transformação de mandamentos igualitários em realidade concreta

44
A expressão utilizada, antes da criação da Defensoria Pública, era “assistência judiciária”. E os profissionais
que a exerciam eram denominados “advogados de ofício” (GIANNELLA, 2002, p. 42).
98

encontra na Defensoria Pública o motor mais importante na luta pela efetivação dos
direitos e pela prevalência da igualdade. 45

O primeiro obstáculo é a seletividade da própria justiça, historicamente restrita a


determinadas camadas da população. Segundo, a extrema morosidade na resposta da justiça.
Terceiro, a dificuldade de se substancializar os direitos fundamentais da pessoa humana, para
que deixem de ser mera abstração, porque a não prestação do direito traduz-se em ineficácia
da justiça.

Os três óbices mencionados se referem ao real acesso à justiça, assim entendido como
instrumento de concreção de direitos fundamentais da pessoa humana, não devendo ser
confundidos com ingresso no Poder Judiciário, algo bem mais restrito. O ingresso no
Judiciário não chega ser um desafio, nem mesmo uma meta a ser alcançada, porque, por si só,
não significa realização de direitos humanos por meio da justiça. Pelo contrário, sem
criatividade e inoperante, o Poder Judiciário brasileiro, analisa Wolkmer (2006, p. 91):

[...] trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, age com demasiada submissão
aos ditames de ordem dominante e move-se através de mecanismos burocrático-
procedimentais onerosos, inviabilizando pelos custos e acesso da imensa maioria da
população de baixa renda.

No contexto da atual ordem constitucional, cujo princípio vetor é a dignidade da pessoa


humana, o Defensor Público é um agente político dos direitos humanos e da cidadania, tendo
a incumbência de difundir-lhes entre as pessoas, educando-as para o direito e propiciando um
extenso processo de conscientização em condições de gerar pacificação social. Como lembra
Rocha (2013), por vezes incorre-se no equívoco de se relacionar direitos humanos a “direito
de bandido”, reduzindo-o a direito à liberdade. Tal fato, observa a autora,

[...] precisa ser deixado claro para que de logo se mostre a inconsistência de se
entender a obrigatoriedade da assistência jurídica integral e gratuita apenas na defesa
dos direitos de liberdade na justiça criminal, porquanto o direito à Defensoria
Pública seja exigível para o exercício de todos os direitos inerentes ao ser humano.
(p. 19)

Nesse aspecto da mediação, destaca-se, na sua atuação jurídica, a prestação de


atendimento interdisciplinar, inclusive por meio das carreiras de apoio. Afinal, a solução de
um conflito pode estar distante com o Estado-juiz autoritário; e bastante próxima com um ato

45
Tratando da relação indissociável entre igualdade e acesso à justiça, Sadek (2013, p. 20) continua: “o direito
de acesso à justiça é o direito primeiro, é o direito garantidor dos demais direitos, é o direito sem o qual todos os
demais direitos são apenas ideais que não se concretizam. A assistência jurídica voltada para os hipossuficientes
e, pois, o móvel indispensável para a realização dos direitos e, em consequência, da igualdade”.
99

de paciência e de sensibilidade do Defensor Público, acompanhado de profissionais com


conhecimento em outras áreas relevantes, podendo ser lembrados os relevantes estudos na
área da psicologia.46

Observa-se, portanto, como é raso, limitado, este serviço de assistência judiciária,


quando se avalia todas as possibilidades constitucionais do Defensor Público. O objetivo
maior não consiste em patrocinar o interesse da pessoa juridicamente necessitada em juízo,
mas sim a afirmação do Estado Democrático de Direito, a efetivação da dignidade da pessoa
humana, a redução das desigualdades sociais em todos os planos e a garantia dos princípios
constitucionais do processo penal, tornando realidade o exercício do contraditório e da ampla
defesa. Ao transcender o enfoque meramente processual de sua atuação para se identificar
como tensionador da malha de poder, discorrem Shimizu e Strano (2013, p. 42):

[...] o Defensor Público, assim como todos que lutam e resistem à opressão, percebe
que provavelmente jamais tateará o resultado efetivo e acabado de sua resistência.
Compreende que sua conduta cotidiana relaciona-se muito mais aos meios do que
aos resultados imediatos. Entende, enfim, sem que isso importe em sua opção por
resistir como imperativo ético, que a luta é infinita.

Como o Estado autoritário possui traços de autoritarismo e de intolerância bastante


característicos, no sentido de gerar o isolamento das pessoas, deixando-as à margem do
sistema de justiça, o Defensor Público possui legitimidade para a propositura de ações civis
públicas, sempre tendo em vista o interesse das pessoas juridicamente necessitadas. Portanto,
a ação civil pública da Defensoria Pública se destina a proteção dos direitos individuais,
difusos e individuais homogêneos de pessoas pobres, carentes de constituir advogado para
defender seus direitos fundamentais, podendo atuar em defesa de diversos grupos sociais em
situação de vulnerabilidade, como idosos, mulheres vítimas de violência, crianças e
adolescentes, deficientes físicos e pessoas com transtornos mentais (ANDRADE, 2010).

E se tratando de ações coletivas, pode ainda utilizar habeas corpus coletivo com vários
objetivos, como alguns casos enumerados por Sousa (2013, p. 211): “toque de recolher de
crianças e adolescentes em Cajuru, contra detenções de moradores de rua por vadiagem em
Franca, contra revistas invasivas em familiares de detentos em Taubaté”. Dessa forma, o autor
constata que: “[...] a atuação coletiva da Defensoria tem servido bastante à defesa – difusa (eis

46
Na mediação de conflitos, o México tem obtido destaque na América Latina, tendo sido um dos pioneiros na
busca de alternativas ao Poder Judiciário, pontua González Calvillo (1999, p. 177).
100

que os destinatários são indeterminados e intedermináveis) – dos direitos e garantias de


primeira dimensão. É um ângulo pouco visitado pelos demais legitimados coletivos” (p. 211).

Inúmeras são as atribuições do Defensor Público, sempre com o propósito último de


assunção dos direitos fundamentais das pessoas juridicamente necessitadas, devendo existir o
estímulo às ações coletivas em detrimento de ações individuais. Afinal, o juiz “Hércules”,
construção de Dworkin (2003, p. 379), guiando-se pelo “princípio da integridade na prestação
jurisdicional” não passa de uma abstração, tal como um conto de fadas, inimaginável em se
tratando de Poder Judiciário brasileiro.

Nesse aspecto, verifica-se uma tendência na adoção de ações coletivas, devendo a


Defensoria Pública caminhar no mesmo sentido para atender às pessoas juridicamente
necessitadas. Inclusive, como assinala Carvalho (2013, p. 300):

[...] pode-se falar na primazia dos processos coletivos em relação aos processos
individuais quando se veicula a proteção de um direito social, pois, diante da
socialização de seus institutos, a tutela coletiva mostra-se mais racional e eficaz para
a justa distribuição dos benefícios sociais. Neste sentido, reforça-se ainda mais a
legitimidade da Defensoria Pública para utilizar-se deste instrumento de promoção
da cidadania social.

De acordo com o inciso VI do art. 3º-A, da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de


1994, a Defensoria Pública pode ainda, se for o caso, “representar aos sistemas internacionais
de proteção aos direitos humanos, postulando perante seus órgãos”. A denúncia de violação
de direitos humanos perante o sistema interamericano, observam Silva e Silva Neto (2012, p.
202), “se constitui em importante instrumento a ser utilizado na seara da Execução Penal em
face do Estado brasileiro, diante da realidade caótica observada nas prisões nacionais”.

O inc. LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, indica como juridicamente
necessitado aquela pessoa comprovadamente desprovida de recursos. Essa insuficiência de
recursos, de acordo com o § 1º, do art. 4º, da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, também
chamada de Lei de Assistência Judiciária, presume-se por meio de uma declaração da pessoa
até que se prove o contrário. O problema consiste em interpretar o termo “necessitado” na sua
devida dimensão constitucional (BESSA, 2007; BRETAS, 2009).

A renda de pessoa não constitui óbice à atuação do Defensor Público. Ainda assim, sua
legitimação é mais abrangente do que se costuma imaginar, por desconhecimento da
instituição. Segundo Zufelato (2012, p. 234), “pode-se dizer que a instituição já dispõe de um
101

considerável instrumental legislativo, o qual lhe atribui uma série de mecanismos para que se
desincumba de seu mister constitucional de garantir a defesa dos necessitados”.

Acerca da sua real dimensão constitucional, cumpre inicialmente analisar se existe a


possibilidade de atuação em favor de pessoas com amplo potencial econômico. Imagine-se,
no processo penal, o acusado abastado que se recusa a constituir advogado particular. Essa
situação, em razão do interesse público constitucional de se tutelar a dignidade humana dos
acusados juridicamente necessitados, dentre os quais se incluem o estado de inocência, a
ampla defesa e o contraditório, tornará o acusado juridicamente necessitado, gerará a
obrigatória atuação do Defensor Público.

Observa-se, portanto, não ser exclusivamente a falta de recursos econômicos o fator que
irá limitar as atribuições funcionais do Defensor Público. Nesse aspecto, analisa Rocha (2013,
p. 21), “preserva-se a autonomia individual, impedindo ingerência indevida do Estado na vida
privada, e garante-se o respeito e a impessoalidade no uso dos recursos públicos, como em
qualquer Estado que se queira democrático de Direito”. Afinal, continua a autora,

[...] se a defesa for realizada pelo Estado, tal será por aquele – a bem principalmente
da igualdade do acesso à remuneração pública, do respeito às instituições
constitucionais e do gozo das garantias legais para atuar com independência
funcional – que estiver em exercício daqueles múnus público, mas sempre em
coerência com as diretrizes assumidas em âmbito internacional. É inadmissível que a
escolha se dê por critérios privados e o Estado só seja chamado para ‘pagar a conta’.
(p. 21)

Se a defesa fosse uma opção, consistente na livre conveniência do acusado


juridicamente necessitado, esse pensamento estaria correto. No fundo, essa questão somente
pode ser analisada através do estudo da expressão “juridicamente necessitado”. Caso seja
compreendida como condição econômica em sentido estrito, não haveria alternativa a não ser
a nomeação de um advogado dativo.47

Na verdade, esse pensamento é inapropriado, porque somente aferia a capacidade de


envolvimento da renda da pessoa e de sua família para o básico da existência desta, quando a
dimensão constitucional da expressão “juridicamente necessitado” abrange outras situações,

47
Impropriamente, denomina-se “declaração de pobreza” o documento em que uma pessoa afirma não ter
condição de prover o sustento próprio e de sua família. É possível ser juridicamente necessitado sem estar na
faixa de pobreza, não podendo a classe social ser critério exclusivo para a atuação da Defensoria Pública.
Devem-se levar em conta todos os sentidos possíveis para a condição de juridicamente necessitado (BARROSO;
LIMA, 2007).
102

como no caso exemplificado de acusado que possui condições econômicas no processo penal
que resolve não constitui advogado (MOURA, 2009).

A Defensoria Pública possui outras funções constitucionais. Um exemplo bem claro e


atual de suas outras atribuições constitucionais pode ser encontrado na recente Lei nº 12.313,
de 19 de agosto de 2010, alterando a Lei de Execução Penal, para introduzir no sistema penal
a denominada “legitimação social” da Defensoria Pública. Desse modo, discorrem Arruda e
Correia (2012, p. 186):

[...] a nova lei expressa o que chamamos de legitimação social, pois menciona a
Defensoria como instituição, podendo mesmo na tutela individual oficiar no
processo de execução, ou seja, sem a necessidade de atuar representando ao sujeito
titular do direito material com capacidade civil.48

Dentro da perspectiva apresentada, não se pode confundir “assistência judiciária”


com as missões constitucionais da Defensoria Pública. Seus princípios, seus objetivos
e suas funções ainda estão em fase de sedimentação, especialmente no “coração” e na
“mente” das pessoas, isto é, no amplo processo de conscientização acerca dos seus valores
institucionais.

A introdução do instituto da Defensoria Pública, apresentando o Defensor Público como


agente de promoção dos direitos humanos e de redução das desigualdades social, é construção
genuinamente brasileira, representando, na perfeita observação de Ferrajoli (2010, p. 33), “um
dos grandes méritos da experiência jurídica latino-americana [...] é realmente, desconhecida
da experiência processual-penalística italiana e européia”.

Essa constatação do autor supracitado é bastante relevante, porque será lento esse
processo de conscientização e de aprendizagem sobre Defensoria Pública, sempre vindo a
mente a imagem da antiga figura de “assistência judiciária”, com a qual a instituição não se
confunde, nem mesmo se assemelha.

A “assistência judiciária”, como auxílio a determinadas pessoas, em razão de sua


situação econômica é bastante antiga, havendo relatos segundos os quais funcionava desde
o momento em que as sanções passaram a ser aplicadas através de um processo formal,
com ritos e fórmulas, encontrando-se, desde a antiguidade no Digesto dos Imperadores

48
Isso importa, os autores continuam, “em possibilitar a instituição a agir mesmo nos casos em que o preso não
tenha capacidade civil para se representar e nem possua familiares para tanto, ou ainda naqueles casos em que o
recluso tenha advogado constituído, e que o causídico com mandato não tenha realizado o pedido de benefício
em tempo” (p. 186).
103

Constantino e Justiniano, como narra Souza (2011, p. 34), “a determinação de conceder


advogado aos hipossuficientes: mulheres, pupilos e por qualquer outra razão débeis”.

No próprio Código de Hamurabi, podem ser encontradas pistas para de defesa de


pessoas sujeitas às punições do Estado, mas a primeira inscrição referente ao direito a uma
assistência judiciária propriamente encontra-se no Corpus Iuris Civili, assim descrito no Livro
I do Digesto: “mas se alguém disser que, pelo grande poder de seu adversário, não encontrou
advogado, igualmente providenciará para que lhe dê advogado” (ZANON, 1990, p. 9).

Em Atenas sempre se teve a postura de nomear defensores para réus em condição de


pobreza. Todavia, a consolidação da defesa dos excluídos como obrigação do Estado somente
foi estabelecida em Roma, tendo partido de Constantino a defesa gratuita dos pobres, explica
Souza (2011, p. 35), “e ainda, visando evitar as perseguições e retaliações que suas demandas
poderiam suscitar naqueles demandados poderosos, determinou que o próprio imperador
conhecesse destas causas em primeira instância”.

Na Idade Média, creditava-se a defesa dos pobres e o julgamento à intervenção divina.


Existia defesa para os pobres, mas ficticiamente somente. A experimentação do método
ordálico dos Juízos de Deus não permitiam uma “assistência jurídica” minimamente séria e
efetiva, porque toda a acusação e o julgamento se baseavam em crenças e superstições. Não
havia capacidade de influir na decisão de Deus.49

No século XVIII, a França criou um Tratado de Assistência Judiciária, ocasião em


que a defesa passou a se desligar do sistema que sempre esteve associado a estruturas
políticas centralizadoras, típico dos Estados Absolutistas. As revoluções do Estado Liberal
foram determinantes para a assistência judiciária deixar de ter o fundamento religioso,
transformando-se numa obrigação do Estado, apesar de ainda ser tratada como caridade.
Revela-se, assim, na leitura de Carvalho (2013, p. 300):

[...] um discurso arraigado na ideologia do Estado Liberal, sendo que cabe à


Defensoria Pública a função de desconstituir estas concepções, demonstrando a
imprescindibilidade do respeito a todos os direitos fundamentais, com o escopo de
alterar a realidade social.

49
“Os ordálios eram denominados Juízos de Deus, sob a falsa crença de que a Divindade intervinha nos
julgamentos e, num passe de mágica, deixava demonstrado se o réu era ou não culpado. Embora conhecido de
outros povos, o sistema ordálico desenvolveu-se e aprimorou-se na Idade Média, entre os europeus, sob o
domínio germânico-barbárico. Submetia-se o pretenso culpado a uma prova, para se aferir a sua
responsabilidade. Se nada lhe acontecesse, seria inocente; se se queimasse, sua culpa seria manifesta [...]”
(TOURINHO FILHO, 1997, p. 241).
104

Zilli (2003, p. 37) esclarece que:

[...] embora fosse a intenção originária dos revolucionários a adoção de um sistema


acusatório nos moldes daquele seguido pela Inglaterra, com o tempo, os diplomas
legais revolucionários foram sucedidos por outros que mantiveram características
próprias do sistema inquisitório.

No Brasil, foi estruturada como ato de solidariedade da classe dos advogados, quase
como num exercício de filantropia, sofreu modificações no Brasil Imperial, em meados do
século XIX, com a iniciativa de Nabuco de Araújo, conhecido como “Barão de Itapuã”. Já se
chamava a atenção da comunidade forense, como anota Souza (2011, p. 41), para:

[...] a necessidade de manutenção permanente de um serviço de assistência judiciária


gratuita à população carente, mas, sobretudo, sobre a importância da concessão de
isenção nas custas e impostos cobrados para o processamento de uma demanda
judicial, sob pena de se tornar letra morta o princípio da igualdade de todos perante
a lei.

Digno ainda de nota, discorre Souza (2011, p. 41),

[...] é que as ideias sobre a assistência judiciária defendidas por Nabuco de Araújo
contavam com a simpatia e o apoio do movimento abolicionista brasileiro, que via
neste sistema a garantia de acesso à justiça para os escravos que viriam a ser
libertados.50

A Constituição Federal de 1930 previu o instituto da assistência judiciária, mas somente


na Constituição Federal de 1934 se previu a assistência judiciária às pessoas pobres por meio
de um órgão do Estado especial, constituindo um marco, anota Alves (2006, p. 242): “a
assistência judiciária deixava de ser um ônus legalmente imposto à classe dos advogados,
passando a ser reconhecida como obrigação do poder público”.51

Em seguida, na Constituição Federal de 1937, a assistência judiciária deixou de constar


da estrutura dos direitos fundamentais, somente voltando a ter essa conotação na Constituição
Federal de 1946. Depois, com os golpes de Estado provenientes dos governos militares,
novamente deixou de ser considerada como direito fundamental, somente recuperando essa
condição com a Constituição Federal de 1988 (ALVES; PIMENTA, 2004).

50
Nabuco de Araújo ainda foi o criador de um instituto de advogados com a finalidade de prestar
acompanhamento judiciário aos pobres. Passo seguinte, foram criados dois decretos com esse objetivo de
assistência judiciária às pessoas carentes, Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890; e Decreto nº 2.457, de 8
de fevereiro de 1897.
51
Cabe lembrar ainda, discorre a autor, “que a Constituição brasileira de 1934, sob marcante influência da
Constituição de Weimar, pretendia expressar uma ruptura com o velho modelo de Estado de Direito liberal,
buscando estruturar entre nós o novo paradigma de Estado de Direito Liberal, buscando estruturar entre nós o
novo paradigma de Estado Social que se difundia na Europa” (p. 242)
105

A partir da Constituição Federal de 1988, a expressão “assistência judiciária” cedeu


lugar à expressão mais ampla “assistência jurídica”, com uma dimensão completamente
distinta da primeira, surgindo a instituição da Defensoria Pública, incumbida de uma série de
missões constitucionais de natureza humanista. Como se trata da mais nova dentre as carreiras
jurídicas, os estudos sobre sua relevância para a existência do Estado Democrático de Direito
são relativamente recentes (MUNIZ, 2009).

Observa-se, em relação ao Ministério Público, mesmo após a consecução da sua


autonomia e da sua independência, desvinculando-se do Poder Executivo e das influências
deste, uma letargia na luta pela realização dos direitos fundamentais da pessoa humana,
seguindo o mesmo caminho burocrático e formal de encastelamento do Poder Judiciário.

Em vários momentos da história, pessoas eram julgadas e condenadas não em razão do


fato cometido, mas sim por causa de seus atributos pessoais. Por não se adequar aos padrões
culturais dominantes, explica Gomes (2011, p. 242), “a pessoa poderia ser considerada bruxa,
herege, subversiva, etc. – e, por isso, ser submetida a um julgamento criminal”.

Em pleno século XXI, o Direito Penal do Autor continua a existir, porque o Estado-juiz
se utiliza dos mecanismos de repressão penal como forma de segregação social.52 Nos Estados
em que a Defensoria Pública não possui ainda estrutura mínima para assegurar a plena
realização de suas funções constitucionais, esse quadro é agravado, isto é, pessoas são
condenadas em razão de juízos de valor equivocado, relacionados a projeções pessoas e
discriminações.

A Defensoria Pública não possui apenas atividades típicas. Existem ainda as funções
atípicas do Defensor Público, inclusive, com o respaldo do art. 4º da Lei Complementar nº
80/1994, quando usou o termo “dentre outras”, ao destacar o rol das missões da carreira.
Afora as funções típicas, o Defensor Público atua ainda na solução de conflitos mediante
mediação, como afirma Sales (2007, p. 35), “é um meio de solução de conflitos que requer a
participação efetiva das pessoas para que solucionem os problemas, estimulando o diálogo e a
reflexão sobre suas responsabilidades, direitos e obrigações”. Assim, ao se empenhar no
sentido de buscar primeiramente a resolução extrajudicial das questões jurídicas, procurando a
composição entre as pessoas em conflito de interesses, a Defensoria Pública desenvolve
função atípica e não menos relevante (SALES, 2010).
52
O Direito Penal do Autor é muito criticado atualmente, mas durante muito tempo foi aceito, inclusive tendo
nos atributos pessoais da pessoa o fundamento da sanção penal (ZAFFARONI; BATISTA, 2011).
106

O Defensor Público deve promover a conscientização dos direitos humanos, da


cidadania e do ordenamento jurídico, constituindo esse esclarecimento passo importante
para o acesso à justiça. Perfeita a análise de Reis (2013, p. 736), quando pontua:
“a Defensoria Pública deve contribuir para que a população aprenda a se defender com ela, e
não apenas que seja defendida por ela (que consubstancia uma visão paternalista e, pois,
historicamente questionável do ponto de vista da justiça social)”.

A educação em direitos é fundamental para a assunção dos direitos fundamentais e para


o promoção do potencial humanístico das pessoas. Nesse aspecto, não se confunde com a
orientação jurídica, porque não se trata de aconselhamento de natureza casuística. Educar em
direitos significar preparar as pessoas para o diálogo e para a participação democrática na
ordem democrática. Consoante Ré (2013, p. 96),

[...] a falta de informação da população mais carente e sua relativa inexperiência,


diante das mais complexas relações jurídicas que vêm se desenvolvendo na
atualidade, acaba elevando ainda mais essa vulnerabilidade. Contratos de adesão,
contratos virtuais e serviços de televendas são apenas alguns exemplos que
representam o risco da atual conjuntura comercial e obrigacional, ao qual o modesto
consumidor está submetido.53

O objetivo da mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e


administração de conflitos é a paz social. Esta é ensinada, discorre Sales (2007, p. 38),
“quando se busca o diálogo; quando se possibilita a discussão sobre direitos e deveres e sobre
responsabilidade social; quando se substitui a competição pela cooperação – o perde-ganha
pelo ganha-ganha”.

Portanto, a Defensoria Pública nasce em 1988 como instituição completamente


nova e inovadora nos seus propósitos, com funções típicas e funções atípicas. No próximo
tópico, discorrer-se-á acerca do aumento das suas funções, sua representação no Estado
Democrático de Direito e, especialmente, sobre suas missões constitucionais e sobre os
princípios institucionais da carreira. O objetivo do legislador constituinte originário foi
romper e extinguir a figura da “assistência judiciária”, criando uma instituição com uma
proposta constitucional completamente distinta.

53
Dessa forma, o Defensor Público deve evitar o ingresso no Poder Judiciário, porque este não vem sendo
efetivo na prestação jurisdicional. Cumpre-lhe, portanto, proteger as pessoas juridicamente necessitadas destas
mazelas do Poder Judiciário, procurando resolver o problema por meio de mediação, conciliação, arbitragem e
demais técnicas de composição e administração de conflitos.
107

3.2 Princípios, garantias e prerrogativas institucionais da Defensoria


Pública

No contexto de tantas transformações e incertezas do mundo contemporâneo, para se


compreender o real significado da Defensoria Pública, dos seus princípios, dos objetivos e das
funções, é indispensável ultrapassar as fronteiras da dogmática jurídica e, essencialmente, das
concepções positivistas formalistas, porque ainda marcantes e presentes na atual realidade do
Estado Democrático Brasileiro. A discussão de seus princípios institucionais impõe a
suplantação desses obstáculos, realizando uma incursão na formação e no desenvolvimento do
sistema de justiça brasileiro, quando se trata de concretização de direitos fundamentais.

Não obstante a sua necessária vinculação aos princípios e valores fundamentais da


Constituição, destacadamente a dignidade da pessoa humana, a Defensoria Pública foi
contemplada com certos princípios institucionais a ela inerentes, conferindo-lhe prerrogativas
essenciais para que possa ser identificada como a instituição capaz de reduzir as
desigualdades sociais e de promover os direitos humanos (JUNQUEIRA; REIS, 2012).

Uma breve comparação do texto constitucional e as Constituições anteriores, conforme


se discorreu no capítulo anterior, detona claramente a origem da Defensoria Pública
exatamente como inovação da Constituição Federal de 1988, por inexistir anteriormente. Em
outros termos, a antiga “assistência judiciária” não era Defensoria Pública, nem assim poderia
ser considerada nem a título de antecedentes históricos (LANDIM, 2009).

O primeiro aspecto a se destacar é a condição de agentes políticos de seus membros,


comissões de caráter jurídico e extrajurídico, devendo defender os valores igualdade e justiça
contra o autoritarismo do Estado. Assim, defende os direitos fundamentais e os valores da
democracia da camada pobre da população brasileira, pessoas juridicamente necessitadas,
porque sem o suficiente acesso à justiça. Neste aspecto, como se trata de uma instituição
nova, terá pela frente a necessidade de superar as resistências do Estado-juiz autoritário e
intolerante, daí a relevância de se impor por meio de seus princípios institucionais.
108

Ao se observar seus princípios institucionais54, destaca-se inicialmente a sua


independência dos três poderes do Estado, não pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e ao
Judiciário. Esse perfil institucional da Defensoria Pública reflete nas atribuições e nas
prerrogativas de cada um dos seus membros como agentes políticos, garantindo a todos a
independência funcional necessária para lutar pela dignidade humana das pessoas
juridicamente necessitadas, inclusive enfrentando o próprio Estado, quando este se mostrar
repressor, intolerante, autoritário.55

Em outros termos, a independência funcional da Defensoria Pública assemelha-se a do


Ministério Público, porque se destaca dos demais órgãos, não havendo relação alguma com os
poder executivo, apesar de muitas Defensorias Públicas estaduais serem tratadas como
Secretaria de Governo; nem com o poder judiciário, em que pese todas as barreiras que este
ainda impõe, porque não se realinhou à nova ordem democrática e seus valores, dentre os
quais se inclui Defensoria Pública.

Nessa esteira, como uma dos efeitos de sua independência, encontra-se a possibilidade
de o Defensor Público ingressar com ações contra o próprio Estado e os Municípios. Deve-se
ter em conta que qualquer tentativa de limitação ou de inibição dos objetivos institucionais da
Defensoria Pública representa ofensa ao Estado Democrático de Direito, decorrendo daí uma
demanda pela conscientização entre autoridades públicas e órgãos estatais (DEPINÉ FILHO,
2008).

Outro aspecto da independência funcional merece ser ressaltado: não existe hierarquia
funcional interna entre seus membros, nem mesmo entre a Defensoria Pública Geral e os
Defensores Públicos. Entre membros Defensores Públicos, não se concebe hierarquia
administrativa, sendo completamente inapropriadas expressões como “supervisor” e
“supervisão”. Em sentido similar, não pode Defensor Público Geral ser confundido com
secretário de Estado.56

54
Os princípios institucionais da Defensoria Pública, fixados no art. 3º da Lei Complementar nº 80/1994 são a
unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
55
No decorrer da tese, sempre se parte de formulações teóricas acerca da Defensoria Pública como instituição
independente do Poder Executivo. Assim como o Ministério Público não pertence ao Poder Executivo, a
Defensoria Pública também ali não se encontra, sendo este um dos traços constitucionais comuns entre as duas
instituições.
56
Por isso, não há como concordar com a posição de Menezes (2005, p. 11), segundo a qual, no âmbito
administrativo, os membros da Defensoria Pública “devem respeito, no âmbito administrativo, a seus superiores
hierárquicos”. Contraditoriamente, mais adiante o autor afirma que a formação do convencimento técnico-
109

Ressalvadas as inúmeras diferenciações, a unidade da Defensoria Pública significa que


a instituição constitui um todo orgânico, com a mesma estrutura, objetivos, modos de atuação
comuns, pressupostos e fundamentos, devendo cada um dos seus membros representar a
instituição nas questões relacionadas ao desempenho funcional, em todos os âmbitos
possíveis.57 Portanto, quando se invoca o nome Defensoria Pública, logo se entende estar
tratando de assuntos relacionados à concretização dos direitos fundamentais de pessoas
juridicamente necessitadas, assegurando-lhes pleno acesso à justiça – e não ao poder
judiciário obrigatoriamente –, como forma de corrigir desigualdades sociais históricas e
alarmantes (CONRADO, 2004).

Desta forma, cada Defensor Público possui uma linha de trabalho a ser seguida dentro
das diretrizes gerais da instituição, devendo-se apenas respeitar a maneira de atuação
escolhida. O Defensor Público é independente para manifestar seu pensamento e para pautar
suas ações, não podendo sofrer influência da Defensoria Pública Geral para seguir
determinado padrão, sem que isso importe em quebra da unidade.

A atuação qualificada da Defensoria Pública depende diretamente da garantia da


independência funcional dos seus membros, assegurando o pleno exercício de suas
prerrogativas. Externamente, outros poderes e órgãos não podem interferir na atuação da
Defensoria Pública. Internamente, significa a inexistência de hierarquia entre o Defensor
Público Geral e os Defensores Públicos.

Mesmo nos núcleos e nos órgãos de atuação, os membros da instituição possuem


independência, não sofrendo nenhum tipo interferência em suas atuações. Dessa forma, a
administração da Defensoria Pública não pode impor condutas e formas de ação padronizadas
a seus membros, porque não se confunde com a estrutura do poder executivo, baseada na
hierarquia e em planos de trabalho que obrigam seus membros.

Na Defensoria Pública, em última instância, a independência funcional dos seus


membros significa a ausência da figura de chefes, sendo admissível apenas coordenação nos
núcleos e órgãos de atuação, no sentido de organizar as atividades comuns entre seus

jurídico do Defensor Público deve ser exercida de forma livre e independente, “sem a interferência de quem quer
que seja” (p. 11).
57
Desse modo, explica Galliez (2010, p. 100), “se atuam em nome de outrem, isto é, se operam como longa
manus da Defensoria Pública, é ela – e não os seus membros – quem representa a parte necessitada no processo
judicial. Os Defensores Públicos fazem com que a Defensoria Pública esteja presente no processo, do mesmo
modo como o fazem os Promotores de Justiça e os Procuradores da República com relação ao Ministério
Público”.
110

membros, sempre respeitando a atuação particular de cada membro. A Defensoria Pública


Geral possui a incumbência de coordenar as atividades desenvolvidas pelos Defensores
Públicos em suas respectivas áreas de atuação. Poderá ainda fazer sugestões para o
aperfeiçoamento das atividades desempenhadas. Todavia, coordenação e sugestão não podem
se transformar em imposição de uma forma de atuação.

Portanto, o modelo brasileiro se destaca pela sua independência dos poderes executivo e
judiciário e pelas missões associadas com os objetivos do Estado Democrático de Direito. No
México, não existe Defensoria Pública no padrão brasileiro, prestando o Estado apenas
serviço limitado de assistência judiciária como órgão do Poder Judiciário. E, segundo Moraes
e Silva (1984), o interessado precisa ainda demonstrar que a sua defesa possui um
embasamento minimamente razoável, sendo ainda restrita ao polo passivo.

Como se observa, nesses países, o modelo de Defensoria Pública é completamente


contrário, inclusive atrasados, à proposta brasileira, porque reduz as atribuições desta às
antigas funções de assistência judiciária, patrocinadora das defesas meramente formais. Em
outros termos, a Defensoria Pública não é concebida como instituição responsável pela
promoção de direitos humanos e de redução das desigualdades sociais. Limita-se ao acesso ao
judiciário, e não tendo a pretensão de realizar acesso à justiça, objetivos completamente
distintos, principalmente quando se constata a respostas frustrantes do Estado-juiz.

No modelo brasileiro, a atuação do Defensor Público não pode ser pautada pela vontade
do Poder Executivo e do Poder Judiciário, nem mesmo na vontade do Defensor Público Geral.
Seus deveres são todos previstos expressamente em lei. Caso os descumpra, cometendo algum
tipo de irregularidade ou de ilegalidade, a infração deve ser apurada pela Corregedoria, daí
porque o Defensor Público deve remeter ao Corregedor Geral semestralmente o relatório de
suas atividades em sua área de competência.

Não se trata apenas de liberdade para atuar tecnicamente. O Defensor Público é livre
para escolher a melhor forma de atuação, verificando os meios mais adequados para o
exercício de suas funções, não estando subordinado à vontade da Defensoria Pública Geral.
As diretrizes da sua atuação somente podem ser pautadas pela própria Lei. Dentro dos
parâmetros legais, o Defensor Público possui plena independência para o exercício de suas
atribuições constitucionais (CARVALHO, 2009).
111

A independência funcional é o núcleo essencial das demais garantias da Defensoria


Pública, porque não seria possível caso não existisse a inamovibilidade de seus membros,
inserida no parágrafo único do art. 134, da Constituição Federal de 1988. Significa a
proibição de retirada do Defensor Público do seu órgão de atuação, devendo a remoção para
outro órgão sempre ocorrer por opção do Defensor Público, quando for seu interesse e dentro
das hipóteses possíveis, atendidos os requisitos legais.

A independência funcional e a inamovibilidade para outro órgão de atuação não podem


se transformar em escudos para o cometimento de infrações no exercício da função. Por isso,
os Defensores Públicos são passíveis de sanções, por meio de processo administrativo
disciplinar próprio, dentre as quais se inclui a remoção compulsória, assim como a
magistratura e o Ministério Público.58

As prerrogativas do Defensor Público garantem a sua condição de agente político para o


exercício de suas atribuições constitucionais, constituindo um dos seus traços principais. O
defensor agente político se destaca por desenvolver serviço de alta complexidade, vinculado a
missões de ordem constitucional, daí porque não pode ser confundido o funcionário público
geral. Não se trata de privilégio para a pessoa, mas sim de um reconhecimento da função
constitucional, por isso mesmo, com desempenho especial de exercício da função.

As prerrogativas dos Defensores Públicos encontram-se inseridas no art. 44 da Lei


Complementar nº 80/1994, abrangendo uma série de situações, dentre as quais se incluem o
recebimento das prisões em flagrante. Saliente-se o poder geral de requisições, isto é, a
possibilidade de requisitar de todos os órgãos estatais qualquer tipo de informação, incluindo-
se a elaboração de certidões. Por fim, pode requerer esclarecimentos para tomar as medidas
cabíveis. A partir de este poder geral de requisição, produz provas necessárias para
substanciar investigações cíveis e criminais, assim como procede ao Ministério Público no
âmbito de suas investigações específicas.

As missões especiais da Defensoria Pública decorrem dos próprios objetivos da


República Federativa do Brasil, consistente na erradicação da pobreza e na redução das
desigualdades sociais. A consecução desses fins de natureza bastante complexa depende
primeiramente da consecução no país dos direitos fundamentais individuais, sendo a

58
O § 4º, do art. 50, da Lei Complementar nº 80/1994, prevê a possibilidade de remoção compulsória sempre
que a falta praticada, pela sua gravidade e repercussão, tornar incompatível a permanência do faltoso no órgão de
atuação de sua lotação.
112

Defensoria Pública o órgão responsável por alcançá-los, na medida em que a maioria dos
brasileiros ainda não tem o exato acesso à justiça, por serem juridicamente necessitados.59

A concepção restrito sobre a função do Defensor Público é defendida como


indispensável para atender ao estabelecido pelo legislador constituinte originário, restringindo
a atuação da Defensoria Pública exclusivamente à condição econômica do indivíduo. Procura-
se justificar esse argumento, mencionando o Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar a
utilização da ação civil pública em favor somente de pessoas sem condições econômicas,
havendo ainda a posição que defende a legitimidade ativa da Defensoria Pública somente para
a propositura de ação civil pública no que se refere ao direito do consumidor (ALMEIDA,
2009).

Não se pode aceitar essa posição, porque não encontra sintonia com os objetivos
propostos como desafios para a instituição Defensoria Pública. A promoção da dignidade da
pessoa humana das pessoas juridicamente necessitadas não pode ser limitada. Deve-se buscar
sempre a maior abrangência das formas de acesso à justiça, acelerando o processo de
concreção de direitos, não havendo razão para restringir o acesso (CARNAZ, 2007; CINTRA,
2009).

Analisada em toda a sua dimensão, a Defensoria Pública, anota Fensterseifer (2013,


p. 373):

[...] está legitimada constitucional e infraconstitucionalmente a atuar na tutela e


efetivação do direito fundamental ao ambiente das pessoas necessitadas,
especialmente por conta da dimensão socioambiental que permeia as questões
ecológicas contemporâneas. De acordo com a norma inscrita nos arts. 3º, I, e 4º, X,
da LC 80/94, com redação dada pela LC 132/09, e com base na indivisibilidade e
interdependência dos direitos fundamentais, a Defensoria Pública possui ampla
legitimidade para atuar na defesa de interesses difusos, notadamente no caso da
tutela ecológica, de modo a criar condições favoráveis à inserção político-
comunitária de indivíduos e grupos sociais necessitados, tornando acessível a eles o
desfrute dos seus direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos) e, acima de
tudo, de uma vida saudável em um contexto de pleno bem-estar existencial.

A garantia do acesso à justiça, contribuindo para a diminuição das desigualdades


históricas da realidade brasileira, possui peso igual ou mesmo superior ao exercício da
jurisdição. Não se pode olvidar a realidade brasileira. Poucas pessoas possuem condições de

59
O art. 3º da Constituição Federal de 1988 estabeleceu os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
113

arcar com as despesas decorrentes da constituição de um advogado, porque a desigualdade


social ainda é marcante no país. Quando se vislumbra esse abismo entre aqueles que possuem
acesso qualificado ao sistema de justiça e aquelas que não o possuem, outra não pode ser a
conclusão de que a Defensoria Pública representa uma missão especial no Estado
Democrático de Direito no contexto da realidade brasileira.

Em que pese a tutela dos direitos difusos e coletivos pelo Ministério Público, a
instituição não possui atribuição e legitimidade para o ingresso de ações individuais para a
concretização dos direitos fundamentais das pessoas, cabendo a Defensoria Pública o
exercício dessa missão constitucional (FENSTERSEIFER, 2011).

O Defensor Público é agente político, porque desenvolve atividades complexas a nível


constitucional, possuindo prerrogativas que lhe garantem o exercício pleno de suas funções, e
“igualmente exerce papel fundamental na efetivação do Estado de Direito, no entanto, precisa
ser reconhecida, dada sua enorme importância como principal agente na garantia dos direitos
fundamentais aos cidadãos” (FERREIRA; PAVI; CAOVILLA, 2013, p. 83).

O advogado dativo não pode ser equiparado ao Defensor Público, porque pertence à
advocacia, considerada esta relevante para o funcionamento da justiça. Todavia, não compõe
atividade de Estado de interesse público. Ao contrário, advogados são profissionais liberais,
desempenhando atividades no âmbito das relações privadas. Nesse aspecto, advogados
dativos, no máximo, exerceriam função meramente formal, sem firmar compromisso com
efetivo acesso à justiça. Sob essa perspectiva, analisa Galliez (2010, p. 103),

[...] descarta-se a função meramente burocrática e descompromissada, na qual a


assistência jurídica se esgota nela mesma. É preciso que a orientação e a defesa dos
necessitados transcendam o modelo puramente formal, em que se encontra despido de
preocupações com a realidade. A indicação ao assistido de que o contrato que deseja
entabular é válido do ponto de vista legal, uma vez que obedece aos parâmetros
exigidos pela ordem jurídica, conquanto se traduza em orientação jurídica, pode estar
em descompasso com os objetivos perseguidos pela Defensoria Pública.

O Defensor Público é agente político, membro integrante das carreiras de Estado. A


Defensoria Pública não se limita ao objetivo de prestar assistência jurídica às pessoas
juridicamente necessitadas. Este é apenas o objetivo primeiro, porque a instituição busca a
redução das desigualdades sociais, a promoção dos direitos humanos e a plena realização da
dignidade da pessoa humana.
114

O advogado dativo, nomeado pelo juiz para exercer a defesa de um réu juridicamente
necessitado, não exerce função jurisdicional do Estado, atuando apenas verdadeiramente
como auxiliar do juízo, como se fosse um perito judicial, contador, ou tradutor, mas sem
perseguir os objetivos buscados pela Defensoria Pública, apesar de alguns doutrinadores ainda
defenderem se tratar de um múnus público, orientação da qual se discorda na presente tese.
Por isso mesmo, a manutenção dessa figura no ordenamento jurídico é prejudicial para o
avanço da Defensoria Pública, significando um atraso no cumprimento de suas missões
constitucionais. O que é válido sob o prisma jurídico pode ser ao mesmo tempo maléfico sob
a ótica social, afirma Galliez (2010, p. 104) e discorre:

[...] se a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades


sociais se constituem em finalidades da Instituição, a regularidade de qualquer
orientação jurídica deve necessariamente passar por estes filtros. Importa saber, por
exemplo, se a assinatura de um contrato legalmente perfeito não conduzirá o cidadão
pobre e humilde à bancarrota, ou se a propositura de uma ação judicial apenas com o
intuito de satisfazer aos interesses do assistido não lhe acarretará prejuízos ainda
maiores.

Na esteira desse pensamento, não se pode desprezar o fato de que a pessoa acusada foi
submetida contra a sua vontade a todos os efeitos e as mazelas decorrentes do processo,
passando a fazer parte do sistema. Nesse caso, cumpre ao Estado garantir a igualdade no
exercício de defesa de todos, não podendo aceitá-la como ato de generosidade, ou apenas,
seguindo a percepção de Shimizu e Strano (2013, p. 387), como mera peça de uma
engrenagem na “mais gigantesca máquina de moer carne”.60

As concepções acerca dos traços distintivos entre advogados e Defensores Públicos


passa pela análise do art. 3º, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. O Estatuto da Advocacia
estabelece o exercício da advocacia como atividade privativa dos inscritos na OAB, elencando
em seu § 1º, as instituições que exercem atividade de advocacia, dentre as quais se inclui a
Defensoria Pública, apesar de no próprio dispositivo ressaltar que se sujeitam ainda ao regime
próprio a que se subordinem.

Referido dispositivo não pode mais ser aceito. Encontra-se eivado de flagrante
inconstitucionalidade, sendo absurdo raciocinar o legislador infraconstitucional sujeitamdo a

60
Com efeito, analisa Shimizu e Strano (2013), a mudança do olhar, do criminoso para a reação estatal, permitiu
que essa fosse questionada, revelando que o sistema penal tutela interesses bastante diversos daqueles
declarados: o aparato punitivo se vende como uma forma de garantir a segurança e a paz e, no lugar disso,
apenas se presta à manutenção da opressão de classe, bem como à manutenção de outras opressões que já se
verificam no seio social, a custa de muito derramamento de sangue e da produção intencional de sofrimento a
uma coletividade enorme de pessoas que são selecionadas pelo próprio sistema.
115

Defensoria Pública ao Estatuto da Advocacia, por ser este geral, não servindo no contexto
atual. Em outras palavras, sua utilização somente tinha sentido em relação à antiga figura da
assistência judiciária, não mais existente e completamente incompatível com a atual ordem
constitucional vigente.

Como entre as carreiras jurídicas a Defensoria Pública é a mais nova, tendo sido
criada efetivamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, seus princípios
institucionais e objetivos ainda estão se firmando no sistema de justiça. Inclusive, as garantias
e as prerrogativas de seus membros ainda são objeto de desconhecimento, em razão dos
resquícios deixados pela figura do antigo “advogado de ofício”.

No México, na República Dominicana, no Haiti, no Panamá, em Cuba e em Porto Rico,


ainda existe a figura do advogado de ofício, observam Moraes e Silva (1984), financiados
pelo Governo. Modelo semelhante é encontrado na Europa Continental e nos Estados Unidos
da América, sendo órgão vinculado ao Poder Executivo ou ao Poder Judiciário, incumbido de
garantir acompanhamento judicial somente (ALVES, 2006).

Do ponto de vista científico, os estudos acerca da Defensoria Pública encontram-se em


formação. Em seu aspecto estrutural, a Defensoria Pública não existe ainda como realidade
em muitos municípios, em razão da carência de investimentos no acesso à justiça, ainda
confundido como mero acesso ao poder judiciário. A visão de Defensoria Pública como
instrumento de transformação social e de redução de desigualdades históricas na promoção
dos direitos fundamentais ainda é lenta, porque a maioria das pessoas ainda não conhece as
suas funções e os seus objetivos.

A Defensoria Pública possui função de protagonista no Estado Democrático de Direito


no que tange às transformações sociais, porque está incumbida de realizar no âmbito da
justiça os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, promovendo os direitos
fundamentais individuais da imensa parcela da população ainda distante do sistema de justiça
por falta de acesso, de acompanhamento e de orientação.

3.3 Princípio do defensor natural

Para que se observe adequadamente o grau de intensidade e de eficiência exigidas do


Defensor Público como agente político indispensável para o desenvolvimento da jurisdição,
deve-se assegurar a condição de Defensor Natural, garantia de engajamento e atuação
116

satisfatória, sem interferência política de qualquer ordem, relevante ainda para apagar a antiga
figura do “advogado de ofício”, estereótipo estigmatizado ao longo do tempo, sem que fosse
ideal de Defensoria Publica. O Defensor Natural trata-se, em suma, conceitua Lima (2012,
p. 107),

[...] da garantia de que não serão eleitos critérios casuísticos para determinar qual o
Defensor Público que atuará em cada caso. As regras internas de cada Defensoria
Pública devem definir as atribuições dos seus órgãos de execução, de modo que a
distribuição dos processos ocorra aleatoriamente. 61

Como se vem discorrendo na elaboração da presente tese, considerando a atual


conjuntura social e política vigente no Brasil, o Defensor Público é agente político de
transformação social. Na esteira desse pensamento, para a concretização dos direitos
fundamentais da pessoa humana, seus membros precisam ter garantia de uma atuação
independente, dentro de uma instituição efetivamente autônoma, sem ingerência do Poder
Executivo ou de quaisquer poderes, órgão ou autoridades.

Induvidosamente, essa acomodação em relação à figura do “defensor dativo” é


prejudicial para o acesso à justiça, atrasando o processo de estruturação da Defensoria Pública
no plano material, na medida em que gera acomodação, quando as soluções são profundas,
urgentes e necessárias. Em busca de parâmetros para se interpretar sob o filtro constitucional a
figura do “defensor dativo”, basta se imaginar igualmente as figuras do “juiz ad hoc” e do
“promotor ad hoc”, completamente extintas, por constituírem ofensa, respectivamente, aos
princípios constitucionais do juiz natural e do promotor natural.

Deve-se lembrar ainda a interpretação da doutrina e dos tribunais em relação a essas


figuras, consideradas no campo das nulidades como nulidade absoluta. Incoerentemente,
parece não existir dois pesos duas medidas em relação à interpretação dada à figura do
“defensor ad hoc”. Ao contrário, argumenta-se ser uma solução aceitável, numa fase de
transição, para diminuir as deficiências em relação ao acesso à justiça, como se abrir mão da
Defensoria Pública não tivesse o mesmo peso do Estado-juiz e do Ministério Público.

A existência da figura do “defensor dativo” pode até ser imaginada como um paliativo
para garantir o acesso ao Poder Judiciário, mas não para assegurar o acesso à justiça, no
sentido de promoção e concreção dos direitos fundamentais, possibilitando a igualdade

61
O princípio do defensor natural, portanto, assume duas feições. Pelo lado do assistido, é um direito; pelo lado
do Defensor Público, é a exteriorização da garantia de inamovibilidade.
117

jurídica não apenas no plano formal, mas essencialmente no plano material. Os


questionamentos não param por aí. A Defensoria Pública é direito fundamental com ampla
missão constitucional, sendo absolutamente desarrazoado admitir a utilização de advogado
dativo como paliativo para a ausência de Defensor Público, porque a missão constitucional da
carreira não pode ser confundida com acesso ao Poder Judiciário.

Não podendo ter aspecto secundário, a assistência jurídica gratuita e integral aos
necessitados se destaca ainda mais quando considerada a realidade brasileira e as profundas
desigualdades sociais existentes. Por isso mesmo, explica Lima (2012, p. 111),

[...] descarta-se a função meramente burocrática e descompromissada, na qual a


assistência jurídica se esgota nela mesma. É preciso que a orientação e a defesa dos
necessitados transcendam o modelo puramente formal, em que se encontra despidas de
preocupações com a realidade.62

Se à maioria da população não são entregues as mesmas oportunidades no sentido de


desenvolver minimamente o potencial humano, por meio da promoção de direitos mínimos,
ao menos se deve garantir uma forma eficiente de se conquistá-los por meio de uma prestação
jurisdicional efetiva.

Como se percebe, prejudicial à Defensoria Pública são os convênios realizados pela


OAB com o Poder Executivo para fornecer advogados dativos em substituição aos Defensores
Públicos, situação extremamente grave, porque constitui um retrocesso às antigas práticas de
caridade do passado, em que a defesa era vista como algo disponível, sendo a “assistência
judiciária” exercida como ato de generosidade, caridade com as pessoas pobres. Em outros
termos, agravam a crise do sistema de justiça, escancarando as omissões do Estado em relação
à promoção dos direitos das pessoas juridicamente necessitadas, quadro bastante emblemático
da seletividade existente.

Assim como a atuação jurisdicional com grau de imparcialidade apresenta-se como


fundamental para assegurar o status do Estado de Direito, a atuação de um Defensor Natural é

62
Exemplificando o significado e a dimensão assumida pela assistência jurídica prestada pela Defensoria
Pública, discorre o autor: “A indicação ao assistido de que o contrato que deseja entabular é válido do ponto de
vista legal, uma vez que obedece aos parâmetros exigidos pela ordem jurídica, conquanto se traduza em
orientação jurídica, pode estar em descompasso com os objetivos perseguidos pela Defensoria Pública. O que é
válido sob o prisma jurídico pode ser ao mesmo tempo maléfico sob a ótica social. Se a primazia da dignidade da
pessoa humana e a redução das desigualdades sociais se constituem em finalidades da Instituição, a regularidade
de qualquer orientação jurídica deve necessariamente passar por estes filtros. Importa saber, por exemplo, se a
assinatura de um contrato legalmente perfeito não conduzirá o cidadão pobre e humilde à bancarrota, ou se a
propositura de uma ação judicial apenas com o intuito de satisfazer aos interesses do assistido não lhe acarretará
prejuízos ainda maiores” (p. 111).
118

fundamental para tornar efetivo o direito de defesa do acusado necessitado juridicamente. Em


relação a estes últimos, o interesse na justiça não se limita ao do juiz natural, devendo ser
analisada do mesmo modo a existência do defensor Natural, porque, se a defesa for
ineficiente, a imparcialidade do juiz não terá sido o suficiente para garantir uma decisão
justa.63

Sobre a imparcialidade, parte-se do pressuposto de que não pode ser confundida com
neutralidade. Não existe neutralidade política e de cunho ideológica. Assim, a compreensão
do juiz depende de suas experiências e do seu contexto social. A exemplo das demais pessoas,
analisa Pozzebon (2007, p. 167), “não possuem o dom de
se desvencilhar de experiências passadas, de preconceitos e da forma de observar e interpretar
a estrutura social que os cerca”.

Neste ponto, Ferrajoli (2010) refere-se às garantias da estrita jurisdicionalidade e da


estrita legalidade como formas de redução das arbitrariedades e intolerâncias do Estado-juiz.
Contudo, o autor reconhece as limitações deste modelo garantista, porque, no processo penal,
não seria possível alcançar um grau de abstração que permitisse o exercício da jurisdição
como atividade puramente cognoscitiva.

Se a imparcialidade do juiz constitui-se em componente de uma prestação penal


jurisdicional efetiva, isso não significa efetiva justiça na decisão, porque esta, como regra,
vem escondendo sentimentos próprios de preconceito em relação à figura do acusado
juridicamente necessitado e a conteúdos sombrios, não revelados na motivação explícita
(PRADO, 2008).

O princípio do Defensor Natural mostra-se, portanto, necessário para o Estado


Democrático de Direito, porque poderá contribuir para uma prestação jurisdicional mais justa,
especialmente exigindo motivação de decisões judiciais atreladas aos valores constitucionais,
impedindo o magistrado de utilizar seu livre convencimento para praticar atos de intolerância
e de arbitrariedade, ou, nas palavras de Coutinho (2001, p. 47), “sem refugiar-se sob a
máscara de fórmulas meramente objetivas ou sob a mera transcrição de textos legais”.

63
Nesse contexto, Maya (2011, p. 54-55) conceitua imparcialidade como “valor estruturante do ordenamento
jurídico que ganhou relevo com o desenvolvimento do direito desde o paradigma racionalista do Estado
moderno, sendo atualmente concebida como um princípio normativo indiscutido, uma atitude ou um valor
central que dá ensejo à regra fundamental de uma ética fundada sobre o respeito às pessoas em função de sua
igualdade. Sob esta ótica, a imparcialidade é concebida como uma regra básica de tratamento que tem por
pressuposto a noção de igualdade, integrando, ao lado das ideias de Justiça, certeza e equidade, grupo de valores
jurídicos”.
119

Portanova (2005) defende um novo símbolo da justiça, não mais com a venda nos olhos,
mas sim os olhos bem abertos, para enxergar as desigualdades e ser capaz de igualá-las,
reequilibrando a balança para proferir um julgamento justo, ou o mais aproximado do justo.
Tomando como base seu pensamento, o Defensor Natural é a porta para a correção das
desigualdades dentro do sistema de justiça.

A garantia do juiz natural não vem sendo suficiente para garantir decisões justas. A
atuação da Defensoria Pública em defesa aos juridicamente necessitados pressupõe o
princípio a existência do Defensor Natural, porque a própria reivindicação dos valores
constitucionais na motivação das decisões judiciais pressupõe uma solução de compromisso
em torno do devido processo penal constitucional.

Dessa foram, o Defensor Natural se apresenta como direito material subjetivo da pessoa
juridicamente necessitada, devendo este pressuposto ser devidamente atestado para evitar o
desvirtuamento das funções da Defensoria Pública e, destacadamente, para se desvincular dos
interesses de governos, implantando um sistema de justiça menos seletivo, mais cooperativo e
democrático. Assim, o princípio do Defensor Natural é indissociável da autonomia da
instituição. A Defensoria Pública, afirma Souza (2011, p. 95),

[...] é, incontestavelmente, uma instituição fundamental no Estado Democrático de


Direito, seja em razão de sua hercúlea missão constitucional – promover o acesso à
Justiça a milhões de brasileiros necessitados – como também, e principalmente,
porque em cumprimento este grandioso dever, está igualmente atendendo aos
princípios fundamentais da República, com especial relevo aos princípios da
isonomia ou igualdade material perante a lei e o princípio da dignidade da pessoa
humana. No entanto, embora todos reconheçam a importância da Defensoria
Pública, seu desenvolvimento tem sido desproporcional ao tamanho de suas
atribuições, mormente se comparado a outras instituições também essenciais à
função jurisdicional do Estado.

Nesse diapasão, é possível afirmar a não recepção da Lei nº 1.060/1950, pela


Constituição Federal de 1988, em vários dispositivos. Referindo-se à concessão de assistência
judiciária pelos poderes públicos federais e estaduais, na hipótese em que a pessoa não tenha
condições de arcar com as custas do processo e com os honorários advocatícios, sem prejuízo
próprio ou da família, claramente, no seu §2º, do art. 5º, mostra-se incompatível as missões
assumidas pela Defensoria Pública no Estado Democrático de Direito.

Referida Lei foi construída para atender aos objetivos do antigo modelo de assistência
judiciária, incompatível com a dimensão e a relevância da Defensoria Pública, porque não
interessa mais garantir o acompanhamento judicial por um profissional da advocacia. As
120

atribuições da Defensoria Pública surgem da necessidade de se alcançar a dignidade humana


em todos os níveis e graus da justiça, por meio da efetivação dos direitos fundamentais,
somente possível a partir da igualdade material.

Este dispositivo não pode mais ser adotado em situação ou hipótese alguma por duas
razões bastante claras. Primeiro, não foi recepcionado, porque o objetivo do Estado
Democrático de Direito, com a criação da Defensoria Pública, foi um modelo de defesa
garantista, possibilitando a eliminação das desigualdades materiais. Segundo, porque
contraditória com os princípios institucionais regentes da instituição, sobre os quais já se teve
a oportunidade de discorrer.64

Em outros termos, não existem outras autoridades para exercer cargos equivalentes
ao de Defensor Público, assim como não basta ser advogado devidamente habilitado para
estar apto a substituir o Defensor Público. Pensar de outra forma, no sentido da não
indispensabilidade da Defensoria Pública, equivale a patrocinar o modelo antigo e superado
de assistência judiciária, em grande parte responsável pelos obstáculos históricos do acesso à
justiça. Como lembra Souza (2011, p. 265),

[...] embora a Constituição Federal tenha estabelecido no caput do seu artigo 5º, que
inaugura o catálogo dos direitos e garantias fundamentais, que todos são
formalmente iguais perante a lei, reconheceu, outrossim, que a sociedade brasileira é
ainda materialmente injusta e desigual, instituindo como objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º): ‘I – construir uma sociedade livre, justa e
solidária; [...] III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’.

Dentro desse contexto, mesmo depois de três décadas da promulgação da Constituição


Federal de 1988, as desigualdades sociais são aberrantes; o processo de inclusão social
praticamente inexiste; os índices de desenvolvimento humano continuam baixíssimos; e a
igualdade da justiça compõe o “teatro garantista” existente, sobre o qual já se teve a
oportunidade de discorrer. Todo esse cenário precisa ser compreendido para se entender as
dificuldades impostas pelo Estado autoritário para estruturar a Defensoria Pública de
condições para cumprir suas missões constitucionais.

64
Tendo-se em conta que a própria Carta Política reconheceu, analisa Souza (2011), tanto a igualdade formal, do
ponto de vista jurídico-constitucional, assim como a desigualdade material, no plano fático, instituindo como
objetivo maior da República a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais,
pode-se então afirmar que todas as instituições republicanas estão responsabilizadas pela promoção desta
igualdade, ou sob outro prisma, pela diminuição das desigualdades.
121

3.4 A contribuição da Defensoria Pública para a concretização dos direitos


fundamentais

As contribuições do conhecimento acerca da Defensoria Pública para a ciência do


Direito compõem o conjunto de estudos destinados a promover a igualdade em seu plano
material, superando a necessidade do acesso à justiça para ir mais além, em busca da correção
de desigualdades no plano jurídico, porque a maioria das pessoas possui formalmente direitos
fundamentais, mas não consegue vivenciá-los em sua existência.

A Defensoria Pública não pode ser mais interpretada como a instituição que oferece o
acesso ao Poder Judiciário aos juridicamente necessitados. Essa dimensão resta superada,
porque, durante muito tempo, esteve dissociada do plano material, significando mero
tecnicismo, e não efetivo acesso à justiça. Dito de outra forma, o simples acesso ao Poder
Judiciário não resulta obrigatoriamente em alteração no campo dos acontecimentos no sentido
de assunção de direitos fundamentais, em muitos casos não se prestando para esse fim
específico. A atuação da Defensoria Pública, discorre Sadek (2013, p. 23),

[...] tem a possibilidade de romper com uma situação caracterizada por


desigualdades cumulativas. Tal traço, definidor da realidade brasileira, retrata uma
situação na qual a precariedade de renda implica precariedade em educação,
precariedade em saúde, precariedade em habitação, déficits em qualidade de vida.
Isto é, desigualdades que se agregam constituindo uma situação de exclusão. Nessa
situação, sobra pouco espaço – se algum – para a vivência de direitos.

Com essa assertiva, a autora deixa clara sua visão de Defensoria Pública como
instrumento de promoção da igualdade no plano material, possibilitando, por meio do efetivo
acesso à justiça, a inclusão social. Como viver sem o mínimo existencial equivale a não viver,
a transposição do estudo da Defensoria Pública para a abordagem dos direitos fundamentais
possibilita a superação do supérfluo, considerado este como mero acesso ao Poder Judiciário.

O Estado-juiz caiu no descrédito, porque não foi capaz de corrigir desigualdades


históricas em matéria de efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana, nem mesmo
para garantir o mínimo existencial. Não se trata de menosprezá-lo, mas sim constatar sua
ineficiência social e, assim fazendo, ser possível pensar cientificamente um próximo passo, no
qual, inclusive, este deverá estar incluído, mas numa outra perspectiva.

O Poder Judiciário, ainda bastante influenciado pelo pensamento dos positivistas puros,
não tem considerado a relevância de outros campos do conhecimento para a consecução dos
122

direitos fundamentais, porque não se encontrava preparado para o “novo Constitucionalismo


democrático”, seguindo a linha de pensamento de Sadek (2004, p. 81):

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988, seguindo estas tendências


redefiniu profundamente o papel do Judiciário no que diz respeito à sua posição e à
sua identidade na organização tripartite de poderes e, consequentemente, ampliou o
seu papel político. Sua margem de atuação foi ainda alargada com a extensa
constitucionalização de direitos e liberdades individuais e coletivos, em uma medida
que não guardava proporção com textos legais anteriores.

Por vezes, o Poder Judiciário nega a realidade social e os valores do homem. Essa forma
de pensamento prejudica o desenvolvimento e a construção científica da Defensoria Pública,
na medida em que esta deve ser entendida como direito fundamental à concreção de outros
direitos fundamentais, não se restringindo a uma função instrumental de acesso ao Poder
Judiciário. O conhecimento sobre Defensoria Pública abrange não se resume ao saber
jurídico. Sua atual dimensão pressupõe um conjunto de informações retiras de outros
tipos de conhecimento, como, por exemplo, sociologia, antropologia, filosofia, inclusive,
conhecimento popular, por vezes não lembrado, mas não menos relevante.65

A instituição da Defensoria Pública não pode ser compreendida a partir de


conhecimento empírico, isto é, a partir das experimentações relacionadas à carência de
milhares de brasileiros em relação aos seus direitos fundamentais. Contudo, não se pode negar
o seu imenso valor das observações retiradas da realidade social para compreender as
dificuldades e obstáculos existentes, quando se trata de efetivação dos direitos daqueles
juridicamente excluídos.

O conhecimento científico sobre Defensoria Pública não pode ser confundido com
outros campos do conhecimento, porque se trata de informações que precisam ser tratadas de
uma determinada forma e devidamente delimitada por meio de formulação de teorias
passíveis de refutação, como assinala Popper (2003). Se for uma teoria científica sobre
Defensoria Pública, então pode ser refutada; caso contrário, não poderia ser classificada como
conhecimento cientifico.66

65
Conhecimento significa saber. Parte da atividade mental do ser humano que o leva a um conjunto de
informações sobre alguma coisa. Na peculiar observação de Reale (2009, p. 47), “conhecer é trazer para nossa
consciência algo que sabemos ou que supomos fora de nós”.
66
Esta é a distinção entre conhecimento e conhecimento científico, porque somente a partir das refutações se
pode descobrir o que é e o que não é. Por isso, exemplificativamente, os conhecimentos mitológicos e religiosos
não podem ser refutados.
123

A formulação científica da Defensoria Pública abrange o seu conjunto de princípios-


vetores; as atribuições funcionais de seus membros, classificando-se estas em funções típicas
e funções atípicas; as prerrogativas inerentes ao cargo, bem como os direitos e deveres dos
membros da carreira; e, por fim, a sua posição jurídico-política dentro da plataforma dos
direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito.

E justamente em razão da evolução dos estudos científicos acerca de Defensoria Pública


foram possibilitadas mudanças a nível constitucional e infraconstitucional, tornando-a
instituição autônoma e independente, com prerrogativas político-constitucionais semelhantes
àquelas do Ministério Público, resguardadas as atribuições funcionais de cada uma. Com
traços diferentes no aspecto das missões constitucionais de cada uma, Defensoria Pública e
Ministério Público possuem a mesma representação constitucional de instituições essenciais à
função jurisdicional do Estado, ambas autônomas e independentes do Poder Executivo.

A Defensoria Pública contribui para a diminuição da pobreza e para a redução das


desigualdades sociais, propiciando uma melhora geral de vida para as pessoas juridicamente
necessitadas, por meio da promoção dos direitos fundamentais destas. No plano da justiça
penal, o Defensor Público é agente político de promoção dos direitos humanos, daí porque a
assistência jurídica não se restringe a acompanhamento judicial.

O objetivo do acesso formal aos órgãos jurisdicionados encontra-se superado, porque a


Defensoria Pública, em geral, já se encontra estruturada minimamente para garanti-lo. Por
outro lado, o mesmo não se afirma no tocante à promoção efetiva dos direitos fundamentais
da pessoa humana. A distância entre o acesso aos órgãos jurisdicionais e a concretização
ainda é imensa, apesar do idealismo normativo do princípio constitucional do acesso à justiça,
destacado no inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

Dentre os desafios institucionais da carreira, a Defensoria Pública tem a incumbência


de instrumentalizar o real acesso à justiça aos juridicamente necessitados, buscando a
concretização de seus direitos fundamentas na elaboração de uma decisão justa, ao mesmo
tempo em que deve ser buscado o fim da seletividade existente no sistema de justiça,
por influência da condição financeira, social ou política de uma das partes. Nesse sentido,
Sadek (2013, p. 26) afirma que:

[...] uma cultura impregnada de distinções e privilégios é parte integrante desse


quadro. Seus traços mais característicos estão expressos na descrença na supremacia
da lei, enquanto garantia da igualdade e em sua centenária justificativa: a
124

impunidade de ricos, políticos e poderosos. Para ilustrar bastaria recorrer a máximas


que compõem nossa historiografia e a sabedoria popular: ‘a lei, ora a lei’; ‘aos
amigos tudo, aos inimigos a lei’; ‘todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais
iguais do que os outros’; ‘só pobres, pretos e prostitutas vão para a cadeia’.

Essa dimensão da instituição Defensoria Pública deve ser impressa para afastar as
antigas ideias de defesa de pessoas juridicamente necessitadas como ato de generosidade,
como se o Estado não tivesse uma obrigação social em relação à maioria da população. Essa
mudança de pensamento não pode ser desprezada, porque somente assim a instituição será
devidamente equipada com as condições necessárias para o seu funcionamento.

O protagonismo do Poder Judiciário no sistema de justiça não tem gerado efeitos


sociais, porque o Estado-juiz ainda se encontra vinculado às amarras do positivismo puro. A
partir dessa constatação, destaca-se o papel diferenciado da Defensoria Pública como
instituição responsável por assumir o acesso real aos direitos fundamentais da maioria das
pessoas. Cardoso (2013, p. 36) observa que “[...] o protagonismo na adequação ao espírito
democrático de nosso tempo, no sistema de justiça, até agora tem cabido à Defensoria, em um
caminho que não tardará a se refletir também nas demais instituições”.

Lauris (2009) chama a atenção para a existência de um “ciclo vicioso”, formado


pela desigualdade social e a exclusão da justiça. Desigualdade social gera exclusão dentro
do sistema de justiça; e esta exclusão termina gerando mais desigualdade social. Segundo
análise da autora, “o tema do acesso tem se destacado, sobretudo, pela sua negação, isto é,
pela perpetuação de processos de diferenciação e hierarquização social enquanto causas e
consequências das limitações ao acesso à Justiça e aos direitos” (p. 121).

No sistema de justiça brasileiro, a maioria da população não consegue diálogo com as


instituições, menos ainda com o Estado-juiz. Não existe cooperação, nem diálogo. Em regra,
o contato inexiste; e, quando ocorre, manifesta-se de maneira fria, desinteressada, autoritária e
intolerante, daí porque as pessoas a quem é direcionada a prestação jurisdicional possuem
uma imagem negativa do sistema, vinculada à desesperança em relação ao Poder Judiciário,
acreditando que este somente funciona para pessoas ricas e influentes.

Essa é razão da observação de Santos (2010), segundo o qual a maioria da população,


formada pelas classes sociais pobres, termina tendo contato com o Poder Judiciário somente
pela via repressiva. No âmbito criminal, esse abismo se agrava, porque o Estado é presente
125

para usar mecanismos de força, quando empreende a repressão penal, mas é ausente, quando
precisa dialogar, cooperar e se envolver ativamente nas necessidades da população carente.

Dentre os desafios da Defensoria Pública, encontra-se a necessidade de se descortinar


a realidade social brasileira, aferindo com exatidão quais são e como se processam os
mecanismos de exclusão social dentro do sistema de justiça. Segundo Cardoso (2013, p. 36),

[...] diante do deslocamento histórico do hermetismo ainda hoje vivenciado no


Sistema de Justiça e dos desafios impostos à concretização de direitos sociais, é a
superação do encastelamento do operador público do direito e o seu bem vindo
retorno à condição primeira daquele que deve servir ao público que está em jogo.

Nessa esteira de pensamento, o Poder Judiciário e o Ministério Público não têm


atendido às necessidades urgentes de mudança da realidade social. Dentre as razões para este
protagonismo negativo por parte do poder judiciário, Wolkmer (2006, p. 90) lembra que,

[...] historicamente, não tem sido a instância marcada por uma postura independente,
criativa e avançada em relação aos graves problemas de ordem política e social. Pelo
contrário, trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, age com demasiada
submissão aos ditames de ordem dominante e move-se através de mecanismos
burocrático-procedimentais onerosos, inviabilizando pelos custos e acesso da imensa
maioria da população de baixa renda.

Portanto, o desafio da Defensoria Pública passa pela superação das abstrações da cultura
positivista tecnicista e meramente formal da dogmática brasileira. O Poder Judiciário não tem
conseguida dar respostas mínimas aos anseios da coletividade por mais justiça social. Assim,
cada vez mais se busca alternativas como instrumento de real acesso à justiça, propiciando
igualdade material sem o protagonismo do Estado-juiz, ironicamente um dos responsáveis
pela igualdade apenas no plano formal.

O reconhecimento da Defensoria Pública como instituição pressupõe a consecução da


sua autonomia administrativa e financeira e valorização da carreira por meio de remuneração
compatível com as suas funções de agente político de promoção dos direitos humanos.
Reduzir desigualdades sociais não se trata de generosidade, mas sim de um imperativo da
dignidade humana (WOLKMER, 2006).67 O sistema positivista de resolução dos conflitos, na
exata percepção de Ferreira, Pavi e Caovilla (2013, p. 84):

[...] está avesso às demandas sociais, é preciso conceber outros conceitos, mais
plurais, mais eficientes, de modo a ampliar e dar efetividade ao acesso à Justiça,
para além do acesso aos órgãos jurisdicionais. É imprescindível que o cidadão

67
Nessa esteira, Cappelletti e Garth (1988, p. 72) lembra que “sem remuneração adequada, os serviços jurídicos
para os pobres tendem a ser pobres, também”.
126

compreenda seus direitos e deveres para ser protagonista de mudanças na sociedade.


Para tanto, é necessário destacar o papel importantíssimo da Defensoria Pública no
Brasil, enquanto órgão de representação e orientação às camadas com menor poder
de renda.

A realidade social brasileira necessita de um órgão responsável pela efetivação de


direitos fundamentais individuais. A atual configuração do sistema de justiça é estática, isto é,
não apresenta soluções para os problemas existentes. O desafio da efetivação de direitos passa
pela quebra de paradigmas na solução de conflitos e pela educação em direitos para entender
o serviço prestado pela Defensoria Pública como essencial à existência do Estado
Democrático de Direito, e não como generosidade.

Essa compreensão da Defensoria Pública, vista na perspectiva da dignidade da pessoa


humana, como indispensável ao real acesso à justiça, claramente pode ser percebida, quando
se analisa a proximidade do Defensor Público da coletividade e seus problemas. De fato, é
instituição mais sensível aos problemas sociais, em razão das particularidades da sua atuação,
permitindo maior proximidade das pessoas carentes, ao contrário do Poder Judiciário e do
Ministério Público, encastelados em si mesmos, presos às amarras do positivismo puro. Nessa
linha de pensamento, a percepção de Ré (2013, p. 109):

[...] vivemos uma crise no sistema de Justiça, ainda excludente, elitista,


burocratizado e obsoleto. Os processos, de modo geral, não cumprem seu papel, mas
servem para a legitimação de um sistema ineficiente, mas fundado em legalismos e
formalismos arcaicos que sustentam o status a quo, marcado pelo “patrimonialismo”
nas relações obrigacionais e pelo “patriarcalismo” nas relações pessoais, tudo dentro
de uma estrutura rígida e imóvel de poder.68

O serviço desempenhado pela Defensoria Pública é proporcional à complexidade dos


problemas sociais da coletividade brasileira, exigindo deste grande qualificação e capacitação
para promover real acesso à justiça em detrimento dos formalismos vazios. Todos esses
variados problemas demandam um compromisso hermenêutico. Se o direito da pessoa não for
realizado, não como se imaginar justa uma decisão, não tendo importância o desenvolvimento
dos atos no caminho do acesso à justiça, isto é, a indagação ao final deve ser: a realidade da
pessoa foi modificada para melhor? Se a resposta não for positiva, não como se falar de
justiça.

68
O autor cita o exemplo das forças hegemônicas das grandes empreiteiras e imobiliárias, fixando políticas
urbanistas nos grandes centros em detrimento de comunidades, “supostamente em ocupações irregulares, mas
plenamente suscetíveis de regularização fundiária, mas cujos processos administrativos são obstados pelos
interesses especulativos daqueles grandes grupos econômicos, com total inércia do Poder Público no exercício de
seu dever de pulverizar e democratizar a valorização do solo urbano, cujos lucros são cada vez mais
concentrados, capitalizados e exportados” (p. 109).
127

No Brasil, a falta completa de trato do Poder Executivo em relação às questões de


políticas públicas, raramente, numa situação de conflito, o Estado consegue solucioná-lo na
via administrativa. Existe a cultura de se levar tudo ao Poder Judiciário, porque, afinal, a
atuação deste tem sido o principal instrumento para não se modificar a realidade social,
quando não se pretende grandes alterações.69

Sempre existe uma interpretação cômoda para se manter inalterada a realidade


social, quadro hermenêutico constatável em argumento do tipo reserva do possível,
discricionariedade da Administração Pública e suposto caráter meramente programático
das normas constitucionais de direitos sociais, fator impeditivo da sua aplicação imediata.

Nesse desenvolvimento, a Defensoria Pública deve buscar uma atuação conjunta com o
Ministério Público, inclusive em razão algumas semelhanças das missões de cada instituição.
Essa cooperação é relevante, mas não se pode negar o papel preponderante da Defensoria
Pública quando o assunto se trata de promoção de direitos humanos e redução de
desigualdades sociais, destacadamente por causa da situação de pobreza da maioria da
população brasileira.

O Ministério Público precisa contribuir para o cumprimento dos objetivos da Defensoria


Pública, cooperando com esta e restringindo a sua hiperatividade. Como não pode atuar
diretamente na promoção dos direitos fundamentais das pessoas juridicamente necessitadas, o
Ministério Público deve cooperar com a Defensoria Pública, auxiliando-a no cumprimento de
suas missões constitucionais.

A busca pela efetivação dos direitos fundamentais possui ainda mais relevância, quando
se constata a realidade brasileira, marcada por abissais desigualdades materiais. Não o
suficiente as instituições do Estado conhecerem esse papel destacado da Defensoria Pública,
porque existe um desinteresse letárgico destas que impede transformações. Essa é a razão pela
qual a mudança precisa vir de fora, isto é, da coletividade para as instituições; e, assim sendo,
tudo termina desaguando em conscientização de direitos e educação para o direito.

Todos os problemas sociais, desde questões ambientais a questões relacionadas à saúde


e à educação, geram efeitos que incidem principalmente nas camadas mais carentes da

69
Diferentemente do que ocorre nos países europeus, no Brasil, assinala Ré (2013, p. 95), “tradicionalmente, a
Instância Administrativa é quase nula, fazendo da via judicial, quando impossível a pacificação extrajudicial do
conflito, a via única a ser obrigatoriamente percorrida, sob pena de perecimento do direito subjetivo violado”.
128

população. Essa situação de vulnerabilidade das pessoas juridicamente necessitadas já deveria


ser o suficiente para desviar a atenção das instituições da Justiça para diminuir-lhes o efeito,
inclusive, privilegiando-lhes a solução. Paradoxalmente, são justamente as pessoas que mais
dispõem de condições econômicas que obtém resultados concretos, céleres e precisos aos seus
interesses, enquanto a população pobre sofre com uma justiça lenta e uma resposta ineficaz
aos seus direitos fundamentais. Revela-se, assim, na leitura de Carvalho (2013, p. 300),

[...] um discurso arraigado na ideologia do Estado Liberal, sendo que cabe à


Defensoria Pública a função de desconstituir estas concepções, demonstrando a
imprescindibilidade do respeito a todos os direitos fundamentais, com o escopo de
alterar a realidade social.

Não se trata apenas de ausência de recurso econômico para propiciar acesso à justiça.
À maioria das pessoas, não se lhes fornece nem mesmo o direito a informações mínimas, isto,
uma orientação simples que, inclusive, poderia ser o suficiente para resolver o seu problema,
ou ao menos para minimizá-los. O real acesso à justiça propiciado pela Defensoria Pública
tem condições de modificar a vida de uma pessoa, fornecendo-lhe condições para o
desenvolvimento do seu potencial humano; e, a partir daí, garantir-lhe a participação social
por todos desejada, mediante cooperação mútua e diálogo permanente.

O Estado, pautando suas ações na intolerância e no autoritarismo, terminou


transformando questões sociais em questões de polícia, mediante a criminalização da pobreza,
como alerta Wacquant (2003), para o qual sempre termina existindo uma resposta para a
concentração de renda e para a intensificação dos conflitos sociais. Em relação às políticas
públicas de inclusão social, omite-se; mas quando surgem as consequências desta omissão, de
repente, aparece com o viés punitivo.

Se o Estado impõe uma barreira à efetivação dos direitos fundamentais das pessoas
juridicamente necessitadas, cumpre à Defensoria Pública o dever de se insurgir contra esta
realidade, descortinando as desigualdades sociais, a apatia e o comodismo das instituições
responsáveis pela condução do sistema de justiça e, acima de tudo, expondo as distorções
existentes, extremamente discriminatórias e limitadoras.
4 A GARANTIA DA DEFENSORIA PÚ BLICA PARA
CONSTRUÇ Ã O DE UM NOVO MODELO DE DEFESA NO
PROCESSO PENAL E O PROBLEMA DA ADVOCACIA DATIVA

A partir da nova ordem constitucional, sob a orientação da dignidade da pessoa humana,


é possível construir um novo modelo de defesa, abolindo antigas práticas autoritárias.
Buscando a correção das desigualdades jurídicas materiais históricas do sistema de justiça
penal brasileiro, a Defensoria Pública se insere no contexto das novas propostas destinadas a
tornar efetivo o direito de defesa, diminuindo erros e evitando injustiças.

4.1 Contribuições da Defensoria Pública para a efetivação da defesa no


sistema de justiça penal

Sob uma perspectiva humanista e garantista, busca-se por meio do processo uma
decisão justa. Decisão justa pressupõe processo justo como método de aquisição da verdade,
mas quando se fala desta, na acepção de Ferrajoli (2010, p. 137), não se está tratando da
verdade inalcançável contida fora do processo. No modelo garantista, a verdade buscada para
a consecução do processo justo é aquela obtida com respeito às garantias da defesa.

A Defensoria Pública encontra-se inserida de forma permanente na plataforma dos


direitos humanos, em defesa dos direitos fundamentais de pessoas juridicamente necessitadas,
com incumbência de promovê-los e, por conseguinte, possibilitar a diminuição da histórica
desigualdade social existente no país, sendo sua atuação no plano do poder judiciário apenas
um ponto dentro de um conjunto de missões bem mais amplas, como retratado no capítulo
anterior.70

70
A Defensoria Pública, discorre Fensterseifer (2011, p. 63), “exerce um papel constitucional essencial na
tutela e promoção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações) das pessoas necessitadas,
pautando-se, inclusive, pela perspectiva da integralidade, indivisibilidade e interdependência de todas elas.
Assim, da mesma forma que a Defensoria Pública atua na tutela dos direitos liberais (ou de primeira dimensão),
conforme se verifica especialmente no âmbito da defesa criminal, movimenta-se também, e de forma exemplar,
no sentido de tornar efetivos os direitos sociais (ou de segunda dimensão), o que se registra, por exemplo, nas
ações individuais e coletivas que reivindicam prestações do Estado – nas esferas municipal, estadual e federal –
nas áreas da saúde (medicamentos e tratamentos médicos) e da educação (vagas em creche e escolas públicas).
130

A defesa ineficiente no processo penal acarreta lesão não apenas ao direito fundamental
à liberdade do acusado juridicamente necessitado, incidindo no direito à igualdade, na medida
em que não se disponibiliza dentro do sistema de justiça penal as mesmas oportunidades para
todos. Incide notadamente sobre as pessoas vulneráveis, aquelas para as quais se deveria ter
uma atenção especial.71

Muito além de atingir a liberdade da pessoa humana, a defesa ineficiente acarreta prisão
de pessoas inocentes. E, neste aspecto, atinge outros direitos como integridade corporal, saúde
física e mental, honra, imagem e família. Considerando as particularidades das prisões
brasileiras, atenta ainda contra a própria vida humana, em razão da falta de segurança nesses
ambientes. Ademais, lembra Sanguiné (2010, p. 290-291):

[...] os direitos relativos às liberdades ambulatórias, quer dizer, a liberdade de


residência, de livre circulação pelo território nacional, assim como a possibilidade
de viajar ao estrangeiro, resultam anuladas pela prisão provisória, da mesma forma
que outros direitos, mais ou menos indiretamente, que também exigem para o seu
exercício liberdade de movimentos, como o de reunião, associação e participação
nos assuntos públicos. Embora presumidamente inocente, o preso preventivo sofre
uma restrição na sua liberdade individual, de ir e vir, é separado da família e de seus
amigos, submete-se a constrangimentos quanto ao seu modo de vida na prisão, sem
poder trabalhar, e, enfim, sem poder dispor livremente de seus rendimentos.

Se o encarceramento por si só é o suficiente para degradar a dignidade humana, quando


atinge uma pessoa inocente, toma uma conotação ainda maior, principalmente quando o
próprio Estado compactua com esse resultado. Deste modo, o interesse na repressão penal
jamais pode se sobrepor ao interesse de não se aprisionar pessoas presumidamente inocentes,
porque não julgadas em definitivo. Numa visão humanista, proteger a dignidade das pessoas
acusadas no sistema de justiça penal é interesse de todos, porque o destino de cada pessoa
importa às demais, decorrendo daí o “dever geral de defesa” mencionado por Haberle (2013,
p. 92). Esse é o fundamento para o direito de defesa ser uma segurança para o próprio Estado.

Por isso, a ausência do exercício de defesa em favor de pessoas juridicamente


necessitadas na justiça penal reflete o mais elementar dos pressupostos: a oportunidade de ser
escutado, estabelecendo uma relação de debate, dentro de um processo dialético, com o seu
acusador e com o seu julgador. Se a defesa se estabelece realmente, esse debate será mantido;

71
Numa abordagem da tutela judicial efetiva como fundamento para um processo justo, Abade (2005, 191)
lembra que “a manifestação do direito de defesa está baseada na ideia segundo a qual o Estado é obrigado a usar
seus poderes e meios para assegurar que todo material de prova relevante deve estar acessível no processo penal
tanto para a acusação como para a defesa”.
131

caso contrário, o acusado juridicamente necessitado tornar-se-á invisível, perdendo qualquer


tipo de ponto de partida de atuação.

O que se coloca em questão, analisa Alvarez (2010, p. 253), “em última instância,
nessas discussões é o diagnóstico acerca da própria crise do Estado e da sociedade na
contemporaneidade”. As respostas da repressão penal baseadas no recrudescimento das ações
foram insuficientes, enquanto isso a pressão decorrente do agravamento dos problemas do
sistema de justiça evidencia a inoperância dos órgãos e das instituições do Estado.72

Dessa forma, a intervenção penal tem exercido um papel puramente simbólico no


contexto social, sem resultados na diminuição da violência, cada vez mais agravada pela crise
de omissão do Estado. Mesmo constatando franca evolução na economia e setores
tecnológicos desde 1988, observa Chueiri (2007, p. 70) que “maior ainda foi o crescimento do
número desempregados das favelas e o percentual dos menos favorecidos cresceu ainda mais,
como também subiram as despesas e custas processuais, dificultando ainda mais a defesa dos
direitos dos necessitados e excluídos”.

As pessoas mais sofríveis aos efeitos negativos da ausência de defesa ou da


insuficiência desta são os acusados mais carentes das camadas paupérrimas e sofridas da
população, dispondo de condição financeira ínfima, sofrendo com a precariedade de
ambientes urbanos desorganizados e com a ausência completa de políticas públicas voltada
para a promoção dos direitos humanos. São pessoas carentes de educação qualificada, com
baixa qualidade de bem-estar individual e desprovidas do acesso ao mínimo existencial, como
moradia apropriada, saneamento básico e saúde.73

72
Durante essa longa caminhada do exacerbamento do rigor penal no Brasil, a inflação legislativa serviu apenas
como experimentação falida, atestando mais uma falha dentre as soluções propostas. A Lei dos Crimes
Hediondos não diminuiu a incidência desses delitos de alto potencial ofensivo. O regime disciplinar diferenciado
(RDD) não alterou a situação caótica do sistema penitenciário, cercado de problemas históricos e atualmente sob
o domínio da organização criminosa do Primeiro Comando da Capital (PCC). O aumento das penas do crime de
tráfico ilícito de drogas na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, não surtiu efeito inibitório algum no
cometimento dessas ações. A denominada “Lei Seca” no Código de Trânsito Brasileiro não diminuiu acidentes e
violência nos centros urbanos, servindo concretamente apenas para produzir um software capaz de avisar aos
motoristas os pontos de blitz espalhados pela cidade. A Lei Maria da Penha repercutiu no imaginário popular,
mas não gerou efeito significativo na redução da violência contra a mulher, podendo ser elogiada apenas no
tocante a criação de medidas de caráter protetivo de amparo às vítimas.
73
Especificamente no processo penal, a recusa do acusado em constituir advogado o torna pessoa vulnerável
para efeito de atuação da Defensoria Pública, diante da indisponibilidade dos valores em jogo. Referida
constatação se coaduna com a percepção de Grinover (1998, p. 96), para a qual existem dois tipos de pessoas
juridicamente necessitadas: no plano econômico e no plano organizacional. Neste último, incluem-se “os
consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queriam implementar ou
contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc.”.
132

Esse desprezo acerca do acusado juridicamente necessitado contribui para agravar o seu
quadro de saúde mental, destruindo por completo sua integridade psíquica, na medida em que
se sente desesperado e desolado diante da acusação e paralisado pela falta de opções para
provar a sua versão sobre os acontecimentos. A defesa reduzida ao seu conteúdo formal fere a
usa dignidade, gerando inconformismo.

O direito de defesa é indisponível, ao ponto de ser considerado irrenunciável no


processo penal, possuindo sua base material na dignidade humana, porque todo ser humano
deve ter a oportunidade de ser ouvido e de participar de qualquer processo que envolva uma
decisão sobre a sua vida, especialmente no processo penal, em razão das consequências deste,
que podem redundar numa constrição de sua liberdade.

Assim como os demais direitos fundamentais, o direito de defesa relaciona-se


intimamente com a preservação da dignidade da pessoa humana, no sentido de promover “sua
participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
dos demais seres humanos” (SARLET, 2006, p. 43). E nesse caminhar, os participantes do
processo penal precisam estabelecer um diálogo aberto à teoria dos direitos fundamentais,
contrapondo-se às barreiras formais ao exercício do direito de defesa.74

A vulnerabilidade e a precariedade da defesa, quando inexiste Defensoria Pública


atuando, decorrem da ausência de compromisso do Estado na promoção do devido processo
penal constitucional, representando obstáculo ao efetivo acesso à justiça. Neste sentido,
observa Souza (2011, p. 287), “[...] as dificuldades de implantação e desenvolvimento das
Defensorias Públicas e dos demais sistemas de prestação da assistência judiciária são um dos
principais entraves, senão o maior, ao efetivo acesso à justiça”.

Constituindo um pressuposto natural para a postulação e defesa dos direitos das pessoas
juridicamente necessitadas, a Defensoria Pública não pode ser substituída por defesas
prestadas como ato de generosidade, porque comprometem a dinamicidade requerida pelo
contraditório e a pela defesa integral, expressa em amplas oportunidades destinadas a influir
no convencimento do julgador.

74
Como instrumento ou meio de realização do direito material, esclarece Fensterseifer (2011, p. 56), “o processo
não pode opor barreiras formais à concretização dos direitos, especialmente quando estiverem em causa direitos
fundamentais, sempre em vista da garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e do
direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva. Tal perspectiva pode ser verificada a partir da criação de
técnicas processuais adequadas e necessárias a uma tutela jurisdicional efetiva”.
133

Os objetivos de uma defesa real no sistema de justiça penal se coadunam com a missão
constitucional da Defensoria Pública, consistente em promover os direitos humanos e reduzir
as desigualdades sociais, procurando vencer, consoante Carvalho (2001, p. 177), “a miopia da
dogmática brasileira, cuja estrutura teórica não permite conceber os detentos como sujeitos
de direito”.

Nesta linha de pensamento, o desafio da Defensoria Pública ascende à demonstração do


garantismo penal de Ferrajoli (2010) como modelo processual adotado no Estado
Democrático de Direito. Se a pessoa acusada não recebe tratamento de sujeito de direitos, o
devido processo penal constitucional inexiste, sendo a defesa apenas uma ficção, impossível
de ensejar uma decisão justa.

Apesar de não ser possível estabelecer uma hierarquia valorativa dos direitos e garantias
individuais no processo penal, o direito à defesa constitui prestação material indispensável
para assegurar uma decisão minimamente justa. Sendo assim, possui aplicação imediata e
precisa ser efetivo, tornando-se essencial para atestar a construção de uma decisão sob o crivo
do devido processo penal constitucional.

Contudo, justamente o direito de defesa não é efetivo, razão pela qual as consequências
do processo penal brasileiro são degradantes da condição humana. A insuficiência da defesa
prejudica a observância de outros preceitos garantísticos, podendo ser lembrados
imediatamente, em razão dos maiores reflexos, o contraditório, a presunção de inocência
e a proibição de provas ilícitas. O pensamento jurídico contemporâneo, discorre Amaral
(2009, p. 166),

[...] remete à concepção de que tais princípios formam um conjunto de normas


internas de um sistema, o qual está ordenado e voltado a assegurar expectativas
sociais com a concomitante redução da complexidade do próprio sistema, conforme
programas a serem executados em correspondência com seu respectivo código
binário, de modo que aquilo que se considera processo devido é o resultado do
próprio sistema orgânico e internamente ativo.

A Defensoria Pública foi escolhida para executar esse programa, intermediando a


passagem do idealismo normativo da defesa consagrado no modelo garantista para a realidade
processual, partindo do pressuposto segundo o qual a defesa não é uma opção, senão direito
fundamental. Saliente-se que durante quase toda a história antecedente ao garantismo penal, a
presença da defesa era compreendida como alternativa do acusado juridicamente necessitado,
estando o seu exercício na sua esfera de disponibilidade.
134

Ao se observarem os princípios institucionais do Ministério Público e os seus objetivos


constitucionais, há necessidade de se reavaliar a política adotada pela instituição no âmbito do
sistema de justiça penal, especialmente após a Constituição Federal de 1988, porque sua
atuação vem sendo permanentemente verticalizada na direção da repressão penal, sem pensar
outros papeis dentro do próprio sistema, dentre os quais a sua participação na cobrança do
pacto garantista.75

Nesse sentido, a existência do direito de defesa deve obrigar o Estado-juiz e o


Ministério Público tanto quanto obriga o defensor do acusado juridicamente necessitado. O
Defensor Público é o responsável pela condução da defesa dos acusados juridicamente
necessitados, mas a garantia de efetivo exercício desta não lhe é exclusiva, vinculando todos
os participantes do processo no que concerne ao seu cumprimento. Partindo desta premissa, a
efetividade do direito de defesa das pessoas juridicamente necessitadas implica na própria
legitimidade da jurisdição penal, e a presença do Defensor Público deve ser entendida como
garantia constitucional de um processo justo.

Da forma como vem se apresentando na realidade brasileira, a defesa vem sendo


elaborada dentro de uma discricionariedade alarmante, como ato de generosidade em relação
a todos aqueles que não dispõem de condições financeiras de constituir advogado de sua
confiança, inclusive sua carência é levada a título argumentativo à vala comum da reserva do
possível no âmbito das políticas públicas.

Essa base argumentativa da reserva do possível é utilizada com o propósito de fomentar


uma situação de conformismo em relação à ausência de Defensores Públicos em número
suficiente para a efetivação do direito de defesa, enquanto ainda se admite defesa exercida por
advogados dativos.

As violações ao direito de defesa no sistema de justiça penal, em razão do populismo


irracional gerado na coletividade, parte pela mídia irresponsável sensacionalista, parte pelas
falhas na adoção de políticas de segurança pública eficazes, vem sendo tolerada pelo Estado,
porque seus órgãos e a atuação de seus agentes não são enfrentados, numa clara demonstração
de desequilíbrio de forças.

75
Polêmicas à parte, observa Bello (2007, p. 302), “deve-se ter em conta que qualquer análise formulada acerca
das limitações da abrangência das funções institucionais do Ministério Público brasileiro demanda uma
consciência acerca do seu processo de formação, e das suas peculiaridades tanto diante das suas instituições
correlatas no Direito Comparado quanto perante o quadro histórico, social e político nacional”.
135

Barroso (2013, p. 249) retrata a relação entre os réus e o Estado acusador como “tensão
permanente entre a pretensão punitiva do Estado e os direitos e garantias individuais”.
Regulando essa tensão se encontra o princípio da proporcionalidade, no sentido de proibir
excessos. Todavia, não existe mecanismo de controle dessas violações, razão pela qual Sarlet
(2005) sustenta a função protetiva dos direitos fundamentais como função da dignidade
humana.76

Não por outra razão, a realização avançada do direito de defesa no processo penal
brasileiro depende da evolução da Defensoria Pública, enfrentando a desprezo do Estado em
relação ao tema, inclusive invocando os compromissos assumidos pelo país como parte
integrante do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Essa necessária revisão
do modelo de intervenção jurídico-penal, nos dizeres de Bechara (2011, p. 162),

[...] a partir da orientação constitucional, haverá, outrossim, de abandonar


concepções meramente garantistas sob o ponto de vista formal, para abranger, em
um contexto pluralista, a complexidade das relações sociais e os espaços de conflito
a fim de garantir materialmente a reafirmação dos direitos humanos em matéria
penal.

Por isso, justamente com o objetivo de vencer as “amarras” decorrentes das concepções
meramente formais, o pleno exercício do direito de defesa precisa partir do compromisso das
instituições para com a sua realização, assevera Carnaz (2007), dentre as quais se sobressai a
Defensoria Pública.77

Nesta seara específica das condições necessárias para a efetividade do direito de defesa,
desde a promulgação do atual Código de Processo Penal, de 3 de outubro de 1941, a produção
legislativa foi praticamente inexistente, salvo alguns dispositivos esparsos acrescentados
recentemente, como o direito de entrevista prévia com o defensor antes da realização da
audiência, incluído somente no dia 8 de janeiro de 2009, pela Lei nº 11.900.78

O atual Código de Processo Penal ainda guarda um caráter predominantemente


autoritário, porque não fixa as condições necessárias para o exercício pleno do contraditório e

76
Referindo-se a controle material, entende ser necessária a observância do núcleo essencial desses direitos
e das exigências da proporcionalidade, assumindo esta última a papel de “limites aos limites dos direitos
fundamentais”.
77
A Defensoria Pública está incumbida, pontua Carnaz (2007, p. 159), “de conferir acesso à justiça para a
grande maioria da população brasileira, privada das mínimas condições de vida digna.”
78
O § 5º, do artigo 185, do CPP, estabelece que o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada
com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos
reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência
do Fórum, e entre este e o preso.
136

da defesa. A situação ainda é mais grave, porque o Poder Judiciário e o Ministério Público
não demonstram interesse num modelo de processo penal baseado na cooperação na produção
de provas e no diálogo na construção das decisões.79

Tratando a defesa como se esta não fosse direito fundamental, carece o juiz, no processo
penal, de uma participação mais ativa, deixando de ser “boca de lei” para ser juiz
constitucional, assumindo a missão de guardião do efetivo exercício da defesa, dentro de uma
perspectiva objetiva dos direitos fundamentais.80 É preciso entender a dimensão política e
democrática que permeia o direito à defesa, porque a efetivação deste significa acesso à
justiça, enquanto a omissão no seu cumprimento se traduz apenas em acesso ao Poder
Judiciário.81

Após longo período de omissão, o tema da crise da defesa no processo penal foi
contemplado nas discussões empreendidas para a construção do novo Código de Processo
Penal, como se pode observar logo nos princípios fundamentais, insculpidos no Título I, em
seu art. 3º: “Todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida
a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais”.

Nesta mesma linha da efetividade da defesa como condição para a concretização


do devido processo penal constitucional, dispõe o art. 5º do Título supracitatado:
“A interpretação das leis processuais penais orientar-se-á pela proibição de excesso,
privilegiando a dignidade da pessoa humana e a máxima proteção dos direitos fundamentais,
considerada, ainda, a efetividade da tutela penal”.

A partir do Projeto de Lei do Senado Federal nº 156, de 2009, a efetividade da defesa


passa a ser um dos princípios fundamentais do futuro Código de Processo Penal, ensejando
uma nova perspectiva baseada na utilidade de seus dispositivos para gerar oportunidades reais
para a defesa, traduzindo o inconformismo do acusado juridicamente necessitado em ações

79
A prova, afirma Amaral (2012, p. 280), “como aquilo que nos convence e tendo um destinatário, possui por
finalidade fazer aceitar um corpo de proposições.” Destina-se a lastrear o convencimento e engendrar a
convicção. Por isso mesmo, não há como realizá-la se os participantes obstaculizam a cooperação e o diálogo,
procurando o isolamento, cenário bastante como no processo penal brasileiro.
80
O aspecto instrumental na concreção dos direitos fundamentais não é menos importante do que estes, recorda
Barroso (2001, p. 81).
81
Três ondas espelham o caminho do acesso à justiça, consoante Cappelletti e Garth (1988). A primeira é a
assistência judiciária aos pobres. A segunda é a representação dos interesses difusos. A terceira é justamente a
efetividade dos instrumentos de acesso à justiça. Neste último aspecto, coaduna-se com a necessidade de
estruturação da Defensoria Pública. Especificamente quanto ao exercício da defesa dos acusados juridicamente
necessitados, a terceira onda precisa ser efetivada, porque o acesso ao poder judiciário já não é mais o desafio
apresentado, sendo necessário superar as barreiras do acesso formal à Justiça.
137

tendentes a possibilitar sua ampla participação e, principalmente, garantindo a possibilidade


de influir na decisão do juiz, procurando convencê-lo de sua versão sobre os fatos e de seus
argumentos.

Por meio de um novo Código de Processo Penal, é possível resolver a questão da


normatividade carente dos dispositivos concernentes ao exercício do direito de defesa,
regulando a matéria de forma a garantir-lhe o caráter prioritário que requer no devido
processo penal constitucional. Atuando no processo penal, a Defensoria Pública depara
frequentemente com a desídia e o autoritarismo do Estado-juiz, preocupado apenas com o
caráter quantitativo das decisões judiciais, em busca de atender às metas estipuladas pelo
Conselho Nacional de Justiça, mas desinteressado quanto à qualidade de suas decisões, se
precisas ou imprecisas, se motivadas ou imotivadas, e, acima de tudo, se geradas sob os
pilares dos princípios do devido processo penal constitucional.

Nesse contexto, a ausência de Defensor Público termina ofendendo o conteúdo


constitucional do processo penal, porque serve para o Estado-juiz legitimar suas decisões,
valendo-se do argumento de preenchimento da formalidade da defesa técnica, entendida como
o acompanhamento do acusado juridicamente necessitado por profissional habilitado, quando
deveria ser exigida ampla participação da defesa, por meio da cooperação e do diálogo.

Em outros termos, como se vem admitindo na defesa dos acusados juridicamente


necessitados a utilização de qualquer advogado nomeado pelo Juízo, sem nem mesmo a
estipulação de critérios mínimos para sua atuação, a ausência de Defensoria Pública torna-se
conveniente, porque serve para “blindar” as decisões judiciais na justiça criminal, respaldando
uma série de sentenças condenatórias produzidas de forma absolutamente precária, em
instruções probatórias temerárias.

A necessidade de efetivação da defesa impõe o rompimento com o contraditório


meramente formal ou estático, gerado por defesas fictícias, praticamente inexistentes, ou,
quando existentes, insuficientes, porque desiguais comparativamente àquela exercida em
favor de quem dispõe de condição financeira para constituir advogado qualificado e de
sua confiança.

As prisões provisórias, seguidas de sentenças condenatórias injustas, vêm sendo


produzidas sem a observância do devido processo penal constitucional, mesmo devendo este
nortear a atuação do Estado-juiz. Antigas práticas policiais, baseadas em ilações e presunções
138

de culpa, são levadas à persecução penal em juízo, tornando suspeitos culpados, com o
agravante de ser uma decisão respaldada supostamente pelo contraditório e pela ampla defesa.

Dito de outro modo, a consolidação da Defensoria Pública possibilita uma defesa


efetiva, implicando, entre as várias consequências positivas, a realização de intervenções da
defesa para contraditar todas as provas levantadas pela acusação, proporcionando um
contraditório dinâmico, indispensável para garantir segurança e precisão à decisão judicial,
constituindo este um dos aspectos mais relevantes do direito de defesa.

No processo penal, os riscos de uma decisão injusta, com a possibilidade de condenação


de uma pessoa inocente, serão maiores quanto menos efetiva for a defesa. Daí porque num
novo modelo de defesa devem-se buscar prioritariamente instrumentos jurídicos que
contemplem a eliminação dos riscos existentes. Afinal, assinala Barros (2012, p. 88), “a
condenação só deve ser imposta como providência jurisdicional justa e que apresente a
solução adequada ao pedido formulado pelo autor da ação”.82

Neste sistema de “teatro garantista” quanto ao exercício do direito de defesa, a repressão


penal movimentada contra a população pobre invariavelmente é eficiente para produzir
decisões condenatórias precárias, repletas de interrogações, pontos duvidosos, obscuros,
traduzindo a leniência e a permissividade do Estado em relação aos direitos e garantias
individuais do acusado juridicamente necessitado no processo penal.

O Estado-juiz tem proporcionado inúmeras prisões provisórias e antecipações de penas,


com pré-julgamentos baseados exclusivamente na gravidade em abstrato dos delitos
cometidos. Em decorrência da despretensiosa e paliativa nomeação de advogados para prestar
assistência judiciária, terminam esses profissionais funcionando como verdadeiros auxiliares
do juízo.

Neste aspecto, dificilmente se opõem ao cometimento destas ilegalidades, contraposição


esta somente possível mediante a autuação de uma instituição independente, completamente
desvinculada do Poder Judiciário, missão esta incumbida à Defensoria Pública, na linha de

82
Nesse sentido, o propósito do processo penal não seria descortinar uma suposta “verdade real”, no sentido de
ser incontestável, absoluta, certa, porque nem mesmo seria possível, porque todos os participantes do processo
possuem uma visão diferente acerca dos fatos, e estes não poderiam ser conhecidos em sua essência, dentro do
processo de reconstrução histórica dos acontecimentos. Por outro lado, é preciso o devido cuidado para a
impossibilidade de se atingir a verdade material não seja utilizada como argumento para decisões condenatórias
baseadas em provas precárias. Haverá necessidade de provas suficientes para se atingir a verdade processual.
139

pensamento de Souza (2011, p. 292), afirmando que “o acesso à justiça penal significa
também acesso a uma ordem jurídico-penal justa”.

O amplo exercício da defesa abrange, inclusive, questões que não dizem respeito
especificamente ao mérito, mas que precisam ser enfrentadas para resguardar a integridade
moral do acusado juridicamente necessitado, como a defesa contra as qualificações
depreciativas deste. Referida posição requer mais uma vez a independência institucional,
somente possibilitada por meio da Defensoria Pública, porque, a depender das circunstâncias,
pode ser o caso de se requerer, inclusive, representação por crime de abuso de autoridade.

Esse entendimento da defesa num sentido amplo, não se restringindo à proteção da


liberdade ameaçada do acusado juridicamente necessitado, coaduna-se com a ideia da
dignidade da pessoa humana no processo penal, assim entendida como princípio informador
de todos os atos a serem desenvolvidos. Com base nesse pensamento, a efetividade do direito
a defesa constitui a exigência de concretização da dignidade da pessoa humana no processo
penal. Se a aproximação da verdade é buscada por meio da reconstrução dos fatos, qualquer
equívoco durante esse caminho pode resultar ao final numa decisão injusta, daí porque,
discorre Vaz (2010, p. 167),

[...] o interesse público ínsito ao processo penal exigiria que se provasse o mais
eficientemente possível a realidade dos acontecimentos, de sorte que teria o julgador
liberdade ampla quanto ao objeto e aos meios de investigação, por ele
desenvolvida.83

Legitimada constitucionalmente para atuar em defesa dos acusados juridicamente


necessitados, a Defensoria Pública é responsável pela realização do princípio da igualdade,
estando seus compromissos longe de se resumirem a uma assistência judicial, porque esta
isoladamente não serviu para minorar os desequilíbrios existentes no processo penal.84

Destacando-se o direito de defesa por possuir força constitucional, a instituição


Defensoria Pública deve assegurá-lo, garantindo ao acusado juridicamente necessitado um
serviço público de excelência para lhe proteger de erros e injustiças, na maioria das vezes

83
Criticando o modelo adversarial da common law, a autora assinala: “verifica-se que, por vezes, ao se admitir
como fim do processo a pacificação social ou a resolução de conflitos, relega-se a verdade a papel secundário,
porquanto ela é vista como desnecessária. Nesse caso, não importa se a solução se baseia no conhecimento
verdadeiro, desde que decida e resolva o conflito” (p. 167).
84
No campo processual, discorre Souza (2011), o princípio da igualdade também irradia seus efeitos cogentes,
determinando que as partes sejam tratadas com a devida isonomia e sob as mesmas condições. Para resguardar-
se a paridade de armas no âmbito específico do processo penal, este dever de tratamento significa igualdade de
oportunidades entre acusação e defesa.
140

decorrente do Estado juiz autoritário. Agindo desta forma, propicia às camadas mais pobres
da população concretamente a redução da desigualdade social no particular aspecto do acesso
à justiça. Afinal, discorre Galgani (2009, p. 10), “se é verdade que a igualdade entre as partes,
por si só, não é capaz de assegurar o ‘direito ao contraditório’, é, todavia, impossível que este
último princípio encontre realização plena se as partes não gozarem de iguais direitos”.85

Diferentemente do antigo modelo de assistência judiciária, a Defensoria Pública


representa uma atuação política constitucional de fortalecimento dos direitos fundamentais da
pessoa humana. Este é o enfoque da atuação do Defensor Público no processo penal. Não se
resume a acompanhar uma pessoa numa audiência criminal, mas sim protegê-la amplamente,
preservando ao máximo a sua moral, a sua imagem, a sua honra, isto é, a sua autoestima como
ser humano.

Em outros termos, o Defensor Público deve manter a esperança das pessoas


juridicamente necessitadas sejam inocentes ou culpadas, porque a pessoa inocente merece ser
absolvida, enquanto o culpado merece uma condenação justa. Durante a construção desses
caminhos, o bem-estar das pessoas acusadas deve ser preservado contra os efeitos negativos
gerados pela repressão penal instrumentalizada de forma inadequada.

Dessa forma, o “espírito constitucional” que guia a atuação do Defensor Público no


processo penal propicia ao acusado juridicamente necessitado o sentimento de proteção, no
sentido de que existe uma instituição que prestará todo o apoio para provar sua versão sobre
os fatos, ou ao menos lhe assegurar uma decisão minimamente correta, e estará atenta para
impedir todo tipo de abuso que porventura pudesse vir a sofrer.

A nomeação casuística de um advogado pelo juiz, em substituição ao Defensor Público,


produz a nulidade absoluta de todos os atos processuais produzidos, porque afeta o exercício
do direito de defesa, impedindo a sua efetividade. Parte-se do mesmo pensamento por meio
do qual foi abolida a figura do promotor ad hoc, porque a independência funcional do
Ministério Público estaria comprometida.86

85
O conceito de processo justo, continua, “num sentido não formalista, dá um papel fundamental ao direito de
defesa, representando não somente o aspecto do direito ao contraditório, mas também, e acima de tudo, a
garantia de sua genuína implementação” (p. 10).
86
Consoante Mazzilli (2002, p. 471), “existe o princípio implícito do promotor natural, segundo o qual a lei deve
assegurar a existência de um órgão independente do Ministério Público, que possa exercer as atribuições que a
lei conferiu à instituição, escolhido sempre por prévios critérios legais e não casuisticamente para o caso
concreto”.
141

Possuindo a mesma conformação do Ministério Público, a Defensoria Pública é


instituição do Estado, desvinculada do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário, exercendo parcela da soberania constitucionalmente destinada para o exercício de
suas missões precípuas, consistentes na promoção dos direitos humanos e na redução das
desigualdades sociais. 87

Notadamente no âmbito da justiça penal, exercendo parcela direta da soberania do


Estado, o Defensor Público deve atuar de forma ampla, não apenas se restringindo a defender
o acusado juridicamente necessitado no âmbito do processo penal, preocupando-se em
acompanhá-lo antes, durante e depois da persecução penal, porque é agente político da
promoção dos direitos humanos. Esta é razão pela qual, num primeiro momento, precisa agir
para afastar, ao máximo, imputações injustas, infundadas, baseadas em provas precárias ou
inidôneas, evitando a todo custo repressão penal como forma de controle social e fora dos
padrões exigidos pelo Direito Penal Mínimo.

Caso a pessoa venha a ser réu e processada, o Defensor Público atuará num segundo
momento, atuando no sentido de lhe conferir o maior número de oportunidades de defesa,
exigindo um amplo espaço democrático, em torno do contraditório dinâmico, mediante
cooperação e debate entre os personagens do teatro denominado “justiça penal”, culminando
numa decisão final baseada nos ideais de justiça almejados pelo Estado Democrático de
Direito.

O terceiro momento de atuação do Defensor Público como agente político surge por
ocasião de uma sentença condenatória transitada em julgado, devendo, a partir desta etapa,
atuar para o cumprimento da pena não ser um fim em si mesmo, isto é, evitando o caráter
meramente retributivo e impedindo o desvirtuamento dos objetivos traçados pela Lei de
Execução Penal, frequentemente descumpridos no Brasil.88

87
A única esperança, diante de tal quadro do autoritarismo do Estado-juiz, considera Coutinho (2010, p. 12), “é
o juiz desconfiar, sempre e sempre, das suas próprias aparências/imagens e, de consequência, das decisões,
colocando-as à prova até quando não for mais possível”.
88
Nesta fase, ocorre também o afastamento do princípio da ampla defesa, verifica Amaral (2009, p. 163),
“motivado por múltiplos fatores, dentre os quais podem ser arrolados: a baixa sensibilidade social e das
instituições públicas em relação à realidade carcerária; decisões judiciais (oriundas de todos os graus de
jurisdição) formadoras de obstáculos ou de fatores exigentes não previstos na Lei de Execução Penal; e cultura
jurídica referida à questão prisional da qual o processo penal é indissociável”. E, assim, continua, “muito mais do
que a necessidade de se afirmar (o óbvio) a aplicabilidade da garantia do devido processo na execução de penas,
tornou-se imperioso buscar as raízes de sua baixa inobservância (quando não, total inobservância), raízes essas
que são as responsáveis pela detonação dos múltiplos fatores acima apontados. A investigação dessas raízes
profundas possibilita, em boa parte, a busca do devido processo na execução penal” (p. 163).
142

Cumpre destacar o momento posterior ao cumprimento da pena como parte integrante


da missão do Defensor Público como agente político de promoção dos direitos humanos,
porque os problemas da justiça penal abrangem a situação do egresso, pessoa extremamente
vulnerável à reincidência, caso o Estado não intervenha para evitá-la.

Essa ampla atuação em todos os momentos e cenários do “teatro garantista” do sistema


de justiça penal pressupõe a total independência da Defensoria Pública dos Poderes do
Estado, não estando a instituição vinculada ou subordinada a nenhum destes. Se não pode ser
considerada quarto Poder, a Defensoria Pública possui status constitucional, exercendo como
instituição independente e autônoma parcela da soberania.

4.2 A atuação da Defensoria Pública na crise do sistema de justiça penal:


obstáculos, desafios e o problema da advocacia dativa

Os problemas do sistema de justiça penal são graves ao ponto de o descumprimento dos


preceitos constitucionais serem notórios, apesar da tentativa do Estado na utilização de
“máscaras” para acobertá-los, como se pode observar a partir da aceitação da advocacia dativa
em substituição à Defensoria Pública para a defesa de acusados juridicamente necessitados.
Neste cenário, o acesso à justiça penal ainda se encontra distante, porque a defesa continua
sendo meramente formal e estática, compondo um mero “teatro garantista”, conforme se teve
a oportunidade de se discorrer no capítulo 2.

A concepção de Defensoria Pública se coaduna com as respostas exigidas por


Cappelletti e Garth (1988, p. 73) para resolver o problema dos obstáculos impostos ao acesso
à justiça. O autor elaborou um amplo estudo no tocante às barreiras para a efetivação do
acesso à justiça. Muitas das questões apresentadas conectam-se com a Defensoria Pública,
dentre as quais a pobreza como fator impeditivo, em razão da ausência de capacidade
financeira para constituir um advogado; e a ausência de orientação jurídica acerca dos
próprios direitos.

A defesa da maioria das pessoas é deficiente, ou mesmo inexiste em alguns locais. A


presunção de inocência somente se manifesta como declaração de direitos. O aprisionamento
como forma de controle social é imposto em condições altamente degradantes, num
aterrorizante desrespeito à dignidade humana em pleno século XXI.
143

As soluções apresentadas para diminuir os sérios problemas apresentados normalmente


aparecem no âmbito legislativo, através de um conjunto de dispositivos normativos novos
para tentar resolver determinada questão. Rapidamente, o instituto criado pelo legislador é
absorvido e manipulado pelo Estado autoritário, aplicando-o de acordo com seus interesses e
suas conveniências.

Consoante o pensamento de Souza (2011), historicamente, a participação da defesa no


sistema de justiça penal foi tolhida em razão da ideia equivocada, origina no modelo
inquisitório – presente até hoje na mente dos participantes do sistema penal – segundo a qual
o defensor tentará de todas as maneiras somente a impunidade do acusado.89

Prado (2009, p. 184) observa que os problemas relacionados à crise do sistema de


justiça penal, quando levados ao conhecimento do Poder Judiciário, são considerados apenas
ruídos. Essa incapacidade de vislumbrar fatores metajurídicos decorre da cultura jurídica
nacional formadora de bacharéis em busca de solucionar problemas jurídicos:

[...] sem considerar decisivamente o que ensinam outras ciências como a


Antropologia, a Sociologia, a Economia, a Ciência Política, a É tica, a Filosofia, a
História, a Psicologia etc. A má formação educacional também ajuda fortemente na
criação da cultura jurídica responsável pelos programas vigentes na instância
decisória do sistema de justiça.

O monitoramento eletrônico pode ser mencionado como instituto por meio do qual se
poderia reduzir substancialmente o encarceramento das pessoas. Todavia, mesmo diante da
previsão legal, prescrevendo a possibilidade de sua utilização em substituição à prisão
provisória, o Estado continua sem aplicá-lo; e, quando o faz, utiliza-o de forma praticamente
insignificante, procurando demonstrar suposta boa intenção na solução do problema.

A figura da “prisão virtual”, corretamente aplicada, poderia resolver parte do problema


do aprisionamento provisório, possibilitando a diminuição dos efeitos decorrentes do
descumprimento do preceito do estado de inocência. Neste aspecto, referida inovação
tecnológica é um caminho viável e eficaz para se buscar, dentro do sistema de justiça penal
brasileiro, a realização de princípios básicos do garantismo, no caso, a presunção de
inocência, evitando as aflições à dignidade humana decorrentes da antecipação indevida da
pena.

89
Dessa forma, analisa Souza (2011, p. 197-198), “o defensor era tido - e de certa forma ainda é - como um
empecilho ao correto desenvolvimento do processo e fator de impunidade e ineficiência da justiça criminal”.
144

Apesar do esforço esporádico do legislador em aperfeiçoar algumas normas processuais,


encaixando-as nos fins desejados pela ordem constitucional, não haverá transformação
substancial sem o compromisso do Estado-juiz com as alterações almejadas dentro do sistema
de justiça penal. O monitoramento eletrônico poderia significar no futuro o fim da prisão
preventiva, mas a abolição desta pressupõe uma indagação básica, consistente no interesse
dos órgãos e instituições do Estado na sua extinção.

O autoritarismo do Estado-juiz não apresenta limite, ao ponto de algumas situações


claras de mudanças serem embaraçadas, obstaculizadas, simplesmente porque este resolve
descumpri-la, sem motivação alguma. A expressão livre convencimento, assevera Amaral
(2012, p. 280),

[...] não poderá funcionar para justificar disfarces para a infração das regras
estabelecidas. Nunca deixará de ser plenamente motivado, tendo o juiz o dever
de justificar e exteriorizar a sua decisão com base na prova dos autos. Trata-se
de realizar uma declaração na qual se pode crer e, sobremaneira, o livre
convencimento, para não se converter numa chave falsa nas mãos de um juiz que se
considera onisciente, impõe a força do rito no lastro das partes.

Outra clara situação de embaraço causado pelo Estado-juiz autoritário pode ser
verificada nas recentes e substanciais alterações normativas promovidas pela denominada
“Nova Lei de Prisões”, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, possuindo dois propósitos
garantistas, bem delineados e vinculados: tornar excepcional o aprisionamento provisório das
pessoas e instituir um conjunto de medidas alternativas à prisão.

Na Lei supramencionada, restou estabelecido o dever de o juiz garantir imediatamente a


liberdade provisória ao indivíduo preso logo após o recebimento do auto de prisão em
flagrante, não havendo mais a necessidade de ser provocado. Não deve esperar a formulação
de um pedido em favor da liberdade da pessoa autuada em flagrante, sendo seu dever agir
para assegurar-lhe prontamente.

De outro modo, apenas excepcionalmente, atendendo ao binômio adequação/


necessidade, teria a possibilidade de converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, na
hipótese de estarem presentes os pressupostos, as hipóteses e os fundamentos desta, devendo-
se verificar ainda a possibilitada de aplicação de alguma das medidas alternativas à prisão
preventiva, quando aparentemente for o caso de sua decretação.

A investigação criminal no Brasil, com traços turbulentos do antigo sistema


inquisitorial, é outra barreira à atuação da Defensoria Pública, porque não se exige o
145

acompanhamento jurídico do investigado, afirmando-se a inexistência, nesta fase, da ampla


defesa e do contraditório, ou seja, não seria o momento apropriado para o exercício do direito
de defesa.

No período de duração da investigação criminal, o delegado de polícia possui a


faculdade de requisitar uma série de diligências com o objetivo de apurar a autoria e a
materialidade das infrações penais, assim como as circunstâncias em torno do fato delitivo.
Em algumas situações, a requisição será obrigatória, como no caso de perícia em crime que
deixa vestígios. Outras diligências serão facultativas, ligadas à discricionariedade da
autoridade policial, como é o das acareações, reprodução simulada do fato, dentre outras.

A investigação criminal é conduzida pelo delegado de polícia, exercendo este, com


exclusividade, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, por meio
da elaboração de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei. Todavia, como
lembra Choukr (1995, p. 121), não são admitidos procedimentos “secretos”, característicos
dos antigos modelos inquisitórios.90

O fato é que a realização de uma série de atividades probatórias no curso da


investigação criminal termina sendo analisada discricionariamente pelo delegado de polícia,
devendo este verificar exatamente os pontos de interesse na apuração dos fatos. Nessa etapa,
uma série de abusos ao direito de defesa pode ser cometida, sendo esta a razão pela qual
Malan (2012, p. 280) assinala que, “dentre as diversas desigualdades materiais que
desfavorecem o acusado no âmbito do sistema penal brasileiro, talvez a mais significativa
ocorra justamente na fase de investigação preliminar do delito”.91

Mesmo nova lei prevendo a necessidade de decisão motivada, em razão de interesse


público ou nos casos de inobservância dos procedimentos legais fixados em regramento órgão
policial que prejudique a eficácia da investigação, as situações de interferências políticas
nesta não serão resolvidas como se imagina, porque a fundamentação da remoção do delegado
de polícia pode ser realizada de forma genérica, alegando qualquer razão sob o pretexto de
um suposto interesse público; ou seja, somente a imposição de fundamentação do ato não é
o bastante.

90
O modelo garantista impõe o dever de o Estado garantir a participação do indiciado no procedimento
investigatório.
91
Demonstrando o desequilíbrio de forças entre a estrutura do Estado e o investigado na apuração das provas, o
autor observa que o investigado no máximo consegue “sugerir a realização de diligências à autoridade policial,
as quais serão realizadas ou não a critério desta última” (p. 280).
146

Assim, a possibilidade de manipulação da investigação é mais uma razão para se


sustentar a presença da defesa nesta fase. Discorrendo sobre a denominada “investigação
criminal defensiva”, Machado (2010) alerta para esses aspectos, propondo, inclusive, a
possibilidade de o investigado, orientado por seu defensor, colher todas as provas a seu favor,
podendo realizar os levantamentos necessários para provar sua inocência.92

Muitos indiciados, por falta de orientação jurídica, terminam produzindo provas contra
si mesmos, porque imaginavam ser obrigatória sua participação na produção de provas. A
situação pode se tornar ainda mais grave, quando esta participação sem a devida orientação
ocorre de forma tendenciosa, desvirtuando a verdade do histórico dos fatos apenas com o
intuito de gerar a prova necessária para respaldar futura ação penal.

A relevância da Defensoria Pública na investigação criminal merece ser pontuada na


medida em que cada vez mais se desenvolve a ideia da presença do contraditório e da ampla
defesa nesta fase, sendo este pensamento predominante nos Estados Unidos da América,
abrangendo, segundo Malan (2012, p. 295),

[...] não só os elementos de prova relativos à questão da culpa/inocência do acusado,


como também aqueles elementos probatórios que podem ser utilizados como fatores
de mitigação da pena capital a ser aplicada, na hipótese de condenação.

O contraditório, compreendido como o binômio direito à informação e direito à reação,


encontra-se presente na fase pré-processual, porque o indiciado possui o direito de saber qual
foi diligência probatória realizada e o direito de questioná-la, reagindo contra esta na fase
processual. O próprio exercício da ampla defesa na investigação criminal, integrado ao
contraditório, não pressupõe obrigatoriamente a presença das partes, porque no curso deste
procedimento administrativo abusos, ilegalidades, desvirtuamentos nas diligências podem vir
a ocorrer, cabendo ao Defensor Público, acompanhando a realização desses atos, posicionar-
se para evitá-los, ou a estes se contrapor, se já tiverem sido praticados. Dessa forma, observa
Abade (2005, p. 144),

[...] é perfeitamente possível construir um procedimento que permita certa


participação do investigado no inquérito sem acarretar prejuízo à atividade
investigatória. Isto porque o complexo de normas constitucionais visa a um escopo
fundamental: assegurar um processo justo e leal. Nesta ótica, é possível desenhar um
modelo processual fundamentado em um sistema circular de garantias, onde está
incluído o reconhecimento às partes do direito à prova.

92
De fato, o mínimo exigível para se possibilitar um equilíbrio de forças nessa fase é a possibilidade de o próprio
investigado realizar as pesquisas necessárias para reunir elementos de prova a seu favor, devendo por óbvio agir
de forma lícita.
147

O Defensor Público deve atuar desde o início, orientando o indiciado ou o investigado,


auxiliando-o na investigação criminal, preparando requerimentos à autoridade policial,
requisitando informações de órgãos público, ouvindo pessoas em termos de declaração,
fornecendo testemunhas para a autoridade policial, indicando a realização de perícias que
entenda ser pertinentes.

Dessa forma, o exercício do direito de defesa abrange a atuação do Defensor Público na


investigação criminal, mesmo não sendo este serviço jurídico relacionado diretamente à
colheita de provas na instrução criminal. Afora os objetivos do equilíbrio de forças nesta fase
e de controle dos abusos decorrentes do autoritarismo do Estado, a atuação da Defensoria
Pública possibilita a diminuição das falhas decorrentes da investigação, fator este que termina
influenciando negativamente na persecução criminal em juízo.

Não se pode, portanto, conceber o inquérito policial como procedimento inquisitório,


porque este tipo de interpretação não está ajustada ao modelo acusatório presente na atual
ordem constitucional. A percepção deve ser constitucional, isto é, o correto é conceituá-lo
como procedimento investigatório de natureza constitucional, através do qual o Estado apura
provas acerca da autoria e da existência de um delito.

Nesta linha de pensamento, durante o procedimento investigatório, existe direito de


defesa, devendo-se entender como obrigatória a presença do Defensor Público durante o
interrogatório do indiciado e durante a realização das diligências probatórias, ressalvando-se
apenas aquela em que o sigilo será estritamente necessário para não desnaturá-la, como na
hipótese das escutas telefônicas.

É justamente a amplitude do direito de defesa que confere poderes à Defensoria Pública


poderes investigatórios. Na verdade, seria estranho, por ser inconcebível e injustificável, o
Ministério Público possuir poderes investigatórios e a Defensoria Pública não, mesmo porque
vários outros órgãos possuem referidos poderes, não sendo estes exclusivos da polícia
judiciária. Por fim, em algumas situações de conflito no âmbito criminal, o Defensor Público
atua como mediador, realizando justiça restaurativa, por meio da realização de um encontro
entre vítima e autor do crime, com o intuito de promover uma composição entre ambos.
Referida mediação constitui uma das formas de justiça restaurativa. 93 A oportunidade da
conciliação no âmbito penal deve ser oferecida, mesmo quando a natureza e as consequências
93
Andrade (2007) lembra a necessidade de se resolver o problema sem levá-lo para a via judicial, porque o
objetivo é uma resposta célere e efetiva.
148

do crime dificilmente possibilitem, sendo outra forma de se identificar o acesso à justiça, não
entendido como apenas acesso ao poder judiciário.

Como obstáculo à realização dos fins da Defensoria Pública na justiça penal, importa
ressaltar a inexistência de preocupação com a realização da justiça, tornando o Estado
autoritário, porque somente dedicado a um desfecho satisfatório em termos de controle social,
com resultados rápidos consistentes no isolamento das pessoas. Inserindo-se neste contexto
desfavorável, a advocacia dativa agrava ainda mais a situação da defesa, porque não se
contrapõe ao autoritarismo estatal, nem mesmo reúne condições para enfrentar as pressões
decorrentes deste.

Dentro da ótica do Estado autoritário, a decisão não precisa ser necessariamente justa,
porque o objetivo é uma resposta positiva do ponto de vista da satisfação do populismo
irracional, consistente na aplicação da pena, independentemente de se avaliar se esta cumpriu
os fins a que se destinava, reduzindo a violência e oferecendo segurança pública. Como o
advogado dativo não é agente político de promoção dos direitos humanos e não possui
garantias e prerrogativas para atuar com independência, sua atuação sempre estará
comprometida com a manutenção de um sistema de justiça penal injusto e excludente, porque
não permite à maior parcela dos acusados, pessoas juridicamente necessitadas, o acesso a uma
defesa efetiva.

A criação de metas pelo Conselho Nacional de Justiça foi importante para melhorar
aspectos gerenciais da administração do Poder Judiciário. Porém, particularmente no processo
penal, agravou o quadro do atropelo das etapas processuais, sem a preocupação com o
conteúdo realizado. O Estado-juiz já era pautado pelo extremo formalismo de seus atos,
agindo despretensiosamente no tocante à efetivação dos direitos e garantias individuais do
acusado. E, presentemente, encontraram nas referidas metas mais um argumento a justificar a
celeridade processual ao descompasso do direito de defesa.

Em outros termos, o desfecho satisfatório pretendido é a solução rápida da questão


penal, independentemente do caminho perseguido para alcançá-lo. Neste ponto, jamais se
esteve tão distante de um legítimo processo penal constitucional, levando-se a discutir como
os interesses reais buscados pelos órgãos do Estado podem destoar tanto de um modelo ideal
alicerçado na dignidade da pessoa humana.
149

A incoerência do Estado autoritário no processo penal atinge até mesmo a vítima,


porque muitas vezes esta é prejudicada em termos de satisfação. Enquanto o Estado se
preocupa com a aplicação de um mal em retribuição ao suposto mal causado pelo autor de um
delito, a vítima desejava apenas a satisfação do seu prejuízo. Como o interesse da repressão
penal é guiado pelo populismo irracional, a sanção penal é aplicada sem surtir efeito algum,
continuando a vítima desamparada e esquecida.

Se o acusado não encontra espaço para se expressar, não haverá a oportunidade da sua
participação. Consequentemente, o contraditório dinâmico continuará sendo apenas um ideal
do modelo garantista, ao mesmo tempo em que a defesa permanecerá sendo percebida sob o
aspecto formal, e não substancial. Este último aspecto é marcante no modelo inquisitivo de
natureza essencialmente autoritária.

De fato, o autoritarismo é contrário ao diálogo e à participação nas etapas do processo


penal e até mesmo antes na fase pré-processual. Contrapondo-se a um espaço democrático, a
intenção sempre é a abreviatura da audiência e dos outros momentos, sendo esta a razão pela
qual a assistência jurídica efetiva para o acusado é inconveniente, porque termina retirando os
protagonistas, quais sejam, Estado-juiz e Ministério Público, da sua zona de conforto.

A defesa por meio da advocacia dativa, conformada e acomodada, é aquela pretendida


pelo Estado autoritário, porque não gera problemas, evita incidente, agindo como auxiliar das
necessidades pretendidas pelo juiz na condução dos atos processuais, atuando praticamente
como se fosse um auxiliar do juízo. Dificilmente existe discordância entre a acusação e o
julgador, porque a regra é a sintonia entre referidas atribuições, porque o objetivo é comum,
qual seja, aplicação célere da sanção penal, não havendo preocupação com o mérito, isto é,
com a qualidade do julgamento.

Portanto, dentre as soluções vislumbradas para se vencer os obstáculos ao exercício da


defesa e, por conseguinte, ao efetivo acesso à justiça penal, encontra-se a substituição
definitiva da advocacia dativa pela Defensoria Pública na ordem jurídica. A participação do
acusado na construção de uma defesa sólida, possibilitando por meio de um contraditório
dinâmico um resultado final justo e democrático, somente pode ser viabilizada por meio da
Defensoria Pública.

A advocacia dativa impede o diálogo entre acusado e acusador e entre acusado e


julgador, limitando o contraditório e tornando a defesa inexpressiva, porque o advogado
150

dativo funciona como verdadeiro auxiliar do juízo, atendendo somente às conveniências


gerenciais deste no processo, sem construir conhecimento para possibilitar o convencimento
do acusador e do julgador.

Desta maneira, sem a atuação efetiva da Defensoria Pública, as opções para o acusado
diminuem, seja pelo desconhecimento completo deste acerca dos atos que o cercam, seja
porque o advogado dativo não tem o compromisso requerido pelo caso, procurando contribuir
apenas para a celeridade do processo sem pesquisar detidamente o caso que acompanha. Sua
presença física no desenvolvimento das etapas do processo e na realização de audiências
judiciais não representa compromisso pela efetivação da defesa, não havendo nem mesmo
carreira para definir objetivos de atuação.

Por meio da Defensoria Pública, o acusado consegue dialogar, expor sua versão dos
fatos e passar informações relevantes acerca das provas, auxiliando na busca de elementos
que lhe possam ser favoráveis. Em outras palavras, estar esclarecido acerca dos pontos da
acusação suficientemente é o primeiro passo para a defesa ser exercida minimamente, e nem
mesmo este aspecto básico vem sendo realizado, quando se nomeia advogado dativo para
acompanhar o acusado juridicamente necessitado, porque referido profissional procura apenas
atender convenientemente a um pedido do juiz que lhe nomeou.

Mesmo quando atua de forma remunerada, mediante convênios com a OAB, o


advogado dativo exerce advocacia privada, razão esta que o levará a priorizar seus clientes
mais abastados e as causas que possam lhe oferecer uma remuneração maior do que aquela
que é repassada pelo Estado para remunerar o serviço de advocacia dativa.

Como a advocacia dativa não constitui uma carreira pública, termina não existindo
concurso para seleção dos melhores profissionais e aperfeiçoamento de suas funções, não
sendo possível se lhes cobrar compromisso institucional. Diferentemente do advogado dativo,
o Defensor Público não pode exercer a advocacia privada ou se dedicar a outras atividades,
salvo o magistério, ou seja, sua dedicação é exclusivamente para as pessoas juridicamente
necessitadas, atuando como agente político de promoção dos direitos humanos.

Como todo ser humano, o acusado deseja expor suas necessidades, mas para isso seria
preciso escutá-lo, mas na investigação criminal e no processo judicial raramente se oportuniza
este momento, ocasionando séria lesão aos direitos humanos. Exemplificativamente, alguns
acusados sofrem abusos sexuais enquanto se encontram presos, mas nem mesmo se lhes
151

garante a oportunidade de manifestação, como se essa questão fosse alheia às discussões do


sistema de justiça. Diferentemente do advogado dativo, preocupado em realizar o
acompanhamento judicial de audiências, o Defensor Público deve se insurgir contra todo tipo
de violação dos direitos humanos do acusado juridicamente necessitado, inclusive
enfrentando as pressões decorrentes do populismo irracional e do Estado autoritário
interessado apenas no isolamento das pessoas.

Sendo assim, o direito de defesa é abrangente, não se restringindo à presença de


profissional habilitado em audiências judiciais, papel este representado pela advocacia dativa
no Brasil. Se o preso está sendo lesado na sua integridade física ou moral, a Defensoria
Pública deve intervir imediatamente, tomando as medidas para protegê-lo e praticando os atos
necessários para responsabilizar os geradores do abuso. Consiste ainda na obrigação de
encaminhar o preso agredido para atendimento multidisciplinar, porque a violência sempre
gera efeitos diversos, daí porque a solução não é apenas jurídica.

As mazelas do sistema de justiça penal geram a impressão de que são impermeáveis,


porque a ausência de educação em direitos não permitia às pessoas acusadas juridicamente
necessitadas nem mesmo uma percepção mínima quanto ao real significado do direito de
defesa. Parece impermeável ainda porque a desigualdade social dentro deste sistema é
histórica, ao ponto de os próprios presos e acusados estranharem quando a Defensoria Pública
atua em seu favor, realizando transformações em seu benefício. Afinal, a defesa meramente
formal desempenhada pela advocacia dativa sempre os deixou em situação de desamparo
jurídico, ao ponto de se entender como natural violação de direitos.

Na coletividade, evidenciam-se em geral, e não apenas dentro do sistema de justiça


penal, pessoas extremamente carentes do exercício de direitos, sendo a desigualdade no
âmbito da justiça penal apenas um reflexo de uma situação geral. Foi justamente essa
realidade que ensejou a construção da Defensoria Pública como instituição de promoção dos
direitos humanos e de redução das desigualdades sociais.

A ausência de adesão a um modelo garantista de processo penal agrava o cenário da


violência dentro do sistema de justiça, porque, se a vítima e a coletividade não acreditam
neste, o mesmo pode ser dito em relação ao acusado, produzindo um inconformismo gerador
de mais violência. Deste modo, um sistema de justiça penal justo e democrático impõe a
existência de Defensor Público como agente político de transformação social em substituição
152

a advogados dativos, passo este significativo para a construção de uma defesa efetiva,
coadunada com as bases do Estado Democrático de Direito.

A realidade do sistema de justiça penal brasileiro demonstra que este não está inserido
na plataforma de direitos humanos, sendo o ambiente penitenciário o retrato mais fiel desta
constatação. Ora, se não existe defesa suficiente nem mesmo para enfrentar os vilipêndios
aberrantes à dignidade da pessoa humana, expressos na crise penitenciária brasileira, quanto
mais o enfrentamento de situações mascaradas de defesa no processo penal, representadas
pela manutenção autoritária da advocacia dativa.

4.3 A superação da advocacia dativa no processo penal e a construção de


um novo modelo defesa para acusados juridicamente necessitados

A efetivação do direito de defesa das pessoas investigadas ou acusadas juridicamente


necessitadas constitui um desafio para a instituição da Defensoria Pública, para o qual será
necessário o afastamento da advocacia dativa, em razão dos impactos negativos desta figura
para a defesa, constituindo resquícios da antiga assistência judiciária, numa época em que
acesso à justiça era ato de generosidade, e não direito fundamental.

A corriqueira violação do direito de defesa de pessoas juridicamente necessitadas, seja


pela ausência ou pela insuficiência desta, não será resolvida somente pela extinção da
advocacia dativa. Contudo, esta medida é um pressuposto para a solução do problema,
constituindo passo relevante na construção de um novo modelo de defesa, porque estabelecerá
um marco desta mudança, inserindo a atuação do Defensor Público como garantia da
efetivação do devido processo penal constitucional.

É preciso expandir a percepção sobre o que se considera defesa efetiva para afastar os
fatores de vulneração desta, fixando um padrão minimamente aceitável de defesa no processo
penal, sobretudo, porque dentre todas as injustiças possíveis, nenhuma gera mais efeitos
negativos para a dignidade da pessoa humana do que a injustiça penal, afetando a liberdade, a
imagem, a honra e a família do acusado.94

Contudo, no processo penal, existe uma situação delicada, cientificamente, ainda muito
pouco tratada, consistente em saber se ao acusado, mesmo não se encaixando na situação de
pessoa vulnerável economicamente, não constituindo advogado particular, seria possível a
94
Na expressão de Dias (1988, p. 58), não se admite “verdade obtida a todo preço”.
153

atuação da Defensoria Pública. Assim, possuindo recurso financeiro, mas não aceitando
constituir advogado, existe uma lacuna para ser preenchida.95

Em sintonia com a teoria dos direitos fundamentais, partindo-se do pressuposto de que


não se pode declinar do direito de defesa, esta seria uma situação de pessoa em condição de
vulnerabilidade, devendo ser considerada juridicamente necessitada para efeito de respaldar a
atuação da Defensoria Pública no caso, uma vez que o exercício da defesa em sua plenitude
será necessário para legitimar politicamente o processo e a decisão final do juízo. Em outros
termos, a pobreza não constitui uma causa exclusiva da vulnerabilidade jurídica das pessoas,
sendo possível se vislumbrar pessoa não pobre, circunstancialmente, sem condição financeira
de contratar os serviços de um escritório de advocacia.

Outro aspecto importante, relacionado especialmente ao Poder Judiciário, é a


concentração de poder deste direcionada à tomada de medidas autoritárias, contrárias ao
ideal de processo penal democrático participativo, alinhado à cooperação e ao diálogo.
Essa é a razão pela qual juízes adotam a postura autoritária de nomear advogados dativos
para exercerem a defesa formal dos acusados juridicamente necessitados nas etapas do
processo, participando de audiências e elaborando petições, sem ao menos se lhes exigir um
compromisso mínimo em favor da efetividade da defesa. Não se interessam em assegurar nem
mesmo uma entrevista entre o acusado e o advogado dativo.

Incoerentemente, o Estado-juiz se preocupa na nomeação de um “defensor ad hoc”,


objetivando preencher formalidades do ato processual, sem a preocupação com o conteúdo
deste e seu modo de realização. A iniciativa é tomada para assegurar a presença de um
profissional habilitado em todas as etapas do processo, porém quanto à qualidade do serviço
de defesa realizado a resposta é a omissão. O objetivo do Estado-juiz autoritário é uma
resposta célere em matéria de condenação, seja qual for o caminho para se atingi-la, não
havendo atenção para o conteúdo dos atos processuais, mas tão somente para a forma destes.

Se a mesma demonstração de interesse, quando por ocasião da nomeação do “defensor


ad hoc”, não existe para garantir a qualidade do serviço de defesa prestado, aparentemente

95
Dentro da ótica da teoria do Direito Penal do Inimigo, o Estado não deveria se preocupar com referida
situação, porque a defesa seria prescindível. Contudo, discorre Conde (2010, p. 95), nas sociedades democráticas
deve-se refutar a ideia de que “seja necessário um ‘direito penal do inimigo’ e, em todo caso, que referido direito
penal seja compatível com o Estado de Direito e o respeito aos direitos humanos”. Inclusive, observa ainda a
ideia de Jakobs (2009) no sentido de redução ao mínimo das garantias penais, propondo a exclusão do direito a
não fazer declaração contra si próprio e a obrigatoriedade de defesa técnica.
154

procura-se preencher o processo penal com ares de legitimidade, ao argumento de que os atos
processuais foram desenvolvidos mediante a presença de um defensor, profissional
formalmente habilitado, a tudo acompanhando, quando sob a ótica material a ampla defesa e o
contraditório não se aperfeiçoaram.

A forma de um ato não lhe garante conteúdo. A realização de uma audiência não
significa exercício do contraditório. A etapa de elaboração de memoriais, necessária para o
preenchimento de uma fase do processo, não significa pleno exercício de defesa, podendo esta
ter sido insuficiente, porque o defensor desconhecia as provas, tendo deixado de examiná-las,
ou porque não utilizou os argumentos jurídicos e fáticos exigidos para a situação.

Em verdade, muitas são as situações em que o advogado dativo, defensor ad hoc


nomeado para o ato, manifesta-se genericamente, apenas para preencher a formalidade
exigida de elaboração de determinado ato processual, atendendo ao interesse de celeridade
processual do juízo, evitando que situações de ausência de advogado constituído acarretem
mais demora, como se o processo penal fosse um espaço de conformação e comodismo em
face aos direitos e garantias individuais do acusado.

O autoritarismo do Estado-juiz é escancarado no processo penal, ao ponto de


magistrados não terem nenhum tipo de constrangimento para nomear de qualquer modo
“advogados de corredores” para acomodar os interesses das estatísticas do juízo em
detrimento dos direitos e garantias individuais de acusados juridicamente necessitados. Esta
acomodação constitui a razão pela qual a nomeação de advogados dativos fere o direito à
ampla defesa, porque não existe compromisso institucional em favor dos acusados
juridicamente necessitados.

Dessa forma, em vez de enxergar a situação de vulnerabilidade dessas pessoas,


preocupando-se com a condição destas, contribuindo para garantir uma defesa efetiva como
princípio político garantístico do processo penal, o Estado-juiz age de forma fria e
antidemocrática. Aproveita-se do desamparo jurídico de acusados provenientes das camadas
mais pobres da população para puni-los às avessas, numa postura típica do sistema
inquisitivo, quando as funções de acusar e de investigar estavam concentradas no mesmo
órgão.96 Por isso, no contexto do modelo garantista de processo penal, não se podem admitir

96
No tocante ao abalo sofrido pelo direito de defesa durante o período do processo inquisitorial, Souza (2011)
esclarece que, em todos os sistemas judiciais do mundo ocidental, quer sejam orientados pelo regime da
155

práticas autoritárias deste tipo, esvaziando o conteúdo axiológico do direito de defesa para o
preenchimento de aspectos meramente formais, de modo alienado à realidade, isto é, sem
compromisso com os valores em jogo.

Além disso, a Defensoria Pública é legitimada constitucional para atuar no processo


penal, defendendo os acusados juridicamente necessitados. Interpretar restritivamente as
atribuições do Defensor Público, abrindo margem para atuação de advogados dativos, quando
aquele não estiver presente, contraria o princípio da maior eficácia possível dos direitos
fundamentais, especificamente no que concerne ao direito de defesa das pessoas vulneráveis.

No âmbito da realidade brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais e por


extrema omissão do Estado no desenvolvimento de políticas públicas, a instituição Defensoria
Pública foi concebida para promover direitos humanos e reduzir desigualdades sociais das
camadas excluídas da população. Notadamente no processo penal, pessoas excluídas
socialmente sofrem ainda mais as consequências do autoritarismo do Estado, porque este se
utiliza da repressão penal como um dos seus principais mecanismos de controle social.97

A legitimidade constitucional do Defensor Público para atuar na defesa de acusados


juridicamente necessitados se contrapõe ao antigo perfil de “assistência judiciária”, quando se
providenciavam advogados dativos para acompanhamento judicial. Este equívoco, consistente
em confundir “assistência jurídica” com “assistência judiciária”, mesmo após a Constituição
Federal de 1988, ainda é frequentemente cometido.

A razão desta percepção equivocada acerca da Defensoria Pública é a postura autoritária


do Estado-juiz, porque não deseja perder a “zona de conforto” antes propiciada pela figura
da “assistência judiciária” realizada por advogados dativos. Indiscutivelmente, o efetivo
exercício do direito de defesa incomoda, porque pressupõe mais debates, discussões
aprofundadas, diálogos constantes e questionamentos diversos.98

Common Law ou pela Civil Law, o direito de defesa foi seriamente restringido e até mesmo completamente
suprimido.
97
Discorrendo sobre a evolução do processo penal durante o Império e a Primeira República, Albuquerque
(2007, p. 155) observa a incapacidade se alterar as estruturas sociais e, paralelamente, resolver as questões da
justiça penal: “de pouco adiantou o Código Penal de 1830 ter tentado ignorar os crimes contra o patrimônio
tendo por objeto escravos. Também de pouco parecem ter adiantado as iniciativas, ao longo de todo o século
XIX, procurando humanizar o sistema prisional brasileiro”.
98
Inúmeros são os exemplos da “zona de conforto” do Estado-juiz autoritário, ao ponto de preceitos básicos do
modelo garantístico do Estado Democrático de Direito não serem observados. Juízes continuam produzindo
decretos condenatórios baseados em testemunhos indiretos como forma de substituição dos testemunhos diretos,
como se realizava no passado. Esta realidade é assinalada por Fernandes (2007, p. 225): “É comum no Brasil a
156

Por isso mesmo, pensando pela ótica da praticidade e da celeridade buscadas pelo
Estado autoritário, a mera assistência formal prestada pela defesa seria perfeita para a
repressão penal como um fim em si mesmo, resquício de um período em que o juiz
concentrava os poderes de investigar, de acusar e de julgar, constituindo a defesa “peça de
decoração” nos tribunais, porque não influenciava na decisão final.

Como a Defensoria Pública é uma instituição nova, tendo surgido apenas em 1988,
explica-se de certa forma a confusão entre “assistência jurídica” com “assistência judiciária”,
ainda existente, inclusive, entre os profissionais do Direito. Aos poucos, as missões
institucionais da Defensoria Pública passam a ser conhecidas, notadamente quando se
vislumbram as construções acadêmicas em curso sobre o tema.

A legitimidade da Defensoria Pública em defesa dos acusados juridicamente


necessitados no processo penal decorre do direito fundamental de todos a uma defesa efetiva,
material, e não apenas formal. Devendo igualar o direito à defesa em termos de efetividade, o
Estado deve potencializar ao máximo a atuação do Defensor Público, assegurando-lhe a
estrutura necessária para o exercício de suas atribuições.

A Defensoria Pública está legitimada constitucionalmente para exercer a defesa do


acusado no processo penal, possibilitando a efetivação deste direito fundamental das pessoas
juridicamente necessitadas. Todavia, sua atividade abrange outras missões constitucionais,

utilização dos testemunhos de ouvir dizer. São admitidos depoimentos de policiais sobre declarações feitas pela
pessoa presa em flagrante, ainda quando, no interrogatório, ela tenha usado de seu direito ao silêncio. Aceitam-se
os testemunhos indiretos de policiais sobre delações de co-réu”. O autor critica referidas práticas, porque
somente deveria ser utilizado como prova idônea o depoimento de quem teve percepção originária e direta do
fato, não a cognição reflexa. Fazendo um comparativo com Chile, Costa Rica e Portugal, avalia: “No Chile, há
grande discussão quanto à utilização, pelo Ministério Público, de testemunhas de ouvir dizer, ou seja, a
apresentação de policiais como testemunhas que vão a juízo declarar o que ouviram do imputado sobre o fato,
buscando superar a falta de declaração do acusado que exercera o seu direito ao silêncio. Na Costa Rica, não se
admitem depoimentos de policiais para introduzir no julgamento os informes colhidos de pessoa que ouviu.
Contudo, em virtude do princípio da liberdade probatória, é aceito o confronto entre o que foi dito pela
testemunha no juízo oral e contraditório como o que foi declarado antes ao médico ou ao psicólogo,
especialmente em delitos sexuais. Para o relator, Dr. Javier Llobert Rodrigues, trata-se de prática viciada. Em
Portugal, há proibição do testemunho indireto. Quando houver referência a depoimento de outra pessoa, ela deve
ser chamada, exceto nos casos em que a inquirição da outra pessoa não for possível por morte, anomalia psíquica
superveniente ou impossibilidade de ser encontrada. Não vale como prova o depoimento de quem se recusar a
indicar a fonte do seu conhecimento ou não puder fazê-lo. Pode ser anulada somente a parte do depoimento em
que há alusão a conhecimento de outra pessoa” (p. 226). No Brasil, a defesa deve se insurgir em relação à
admissão deste tipo de depoimento, devendo se contrapor a qualquer tipo de postura autoritária do juízo. O
advogado dativo não exerce a função de agente político, servindo somente como engrenagem da “zona de
conforto” criada para o exercício de posturas autoritárias. O Defensor Público é agente político de promoção dos
direitos humanos, constituindo a defesa prestada por este aos acusados juridicamente necessitados garantia do
devido processo penal. Enfim, procurou-se exemplificar com os testemunhos de ouvir dizer a incompatibilidade
da advocacia dativo com o modelo garantista.
157

educação para direitos, orientação jurídica, conciliação, acompanhamento preventivo, dentre


outras atribuições que não pressupõem o envolvimento do Poder Judiciário, mas são questões
relacionadas à justiça penal.

Esta é outra razão pela qual se deve infirmar a ideia de advocacia dativa, não estando
coadunada com os princípios regentes da atual política criminal no mundo contemporâneo, no
sentido de evitar a todo custo as intervenções coercitivas desnecessárias à liberdade das
pessoas. As intervenções, pontua Roxin (2010, p. 43), “fora dessa hipótese seriam mesmo
inconstitucionais por violarem a proibição de excesso”.99

Um retrato dessa diferença pode ser visto dentro do sistema penitenciário. A função
constitucional do Defensor Público não se restringe a preparar petições de soltura e de
progressão de regime. Abrange orientação jurídica acerca da situação processual dos presos
provisórios e condenados, como forma de lhes garantir o acesso à informação, servindo para
acalmar angústias que o isolamento pode gerar, bem como vislumbrar as expectativas acerca
da soltura.

A proscrição do advogado “dativo” advém de imposição constitucional, não mais se


admitindo a conveniente substituição para o preenchimento de formalidades legais de
presença de defesa técnica, quando se deve discutir qualidade de defesa, isto é, defesa
especializada, defesa efetiva, com compromisso institucional de defender eficazmente pessoas
juridicamente necessitadas.100

A defesa do acusado juridicamente necessitado, assim entendido aquele juridicamente


vulnerável, em razão de não ter constituído advogado particular, somente pode ser exercida
pela Defensoria Pública, sendo vedada a criação de estrutura semelhante pelos Municípios,
por ausência de previsão constitucional.

99
Para o autor, “a tarefa do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos apenas quando essa proteção não possa
ser alcançada por meio de outras medidas sócio-políticas menos gravosas (como o Direito Civil, o Direito
Público ou o Direito de contraordenações), pois o princípio da proporcionalidade exige que o Estado se dê por
satisfeito com a intervenção menos intensa possível” (p. 43).
100
Nessa linha argumentativa, o voto do Ministro Joaquim Barbosa, do STF: “Não se pode ignorar que enquanto
o defensor público, integrante de carreira específica, dedica-se exclusivamente ao atendimento da população que
necessita dos serviços de assistência, o advogado privado - convertido em defensor dativo - certamente prioriza
os seus clientes que podem oferecer uma remuneração maior do que aquela que é repassada pelo Estado.” (STF -
AR1598/PI - PIAUÍ 15/04/2009 - Ó rgão Julgador: Tribunal Pleno). De fato, essa reflexão demonstra mais um
dos aspectos negativos da advocacia dativa. Os clientes particulares receberiam atenção especial em detrimento
dos acusados juridicamente necessitados, não possuindo a advocacia dativa nem mesmo compromisso
institucional.
158

O direito ao Defensor Público natural é subjetivo da pessoa juridicamente necessitada,


devendo esta condição ser devidamente atestada para evitar o desvirtuamento das funções da
Defensoria Pública. Todavia, tendo em conta a particularidade da defesa no processo penal,
pode acontecer de o acusado, mesmo possuindo condições econômicas para constitui
advogado, deixar de fazê-lo.

Aparentemente, numa análise precipitada, poder-se-ia cogitar essa situação como sendo
o único caso de nomeação de advogado dativo, porque o acusado não seria juridicamente
necessitado. Todavia, seria um equívoco interpretar a questão desse modo, porque a
vulnerabilidade, no processo penal, não está na condição econômica da pessoa, mas sim nos
riscos a que está sujeita se a defesa não for efetiva.

De fato, numa perspectiva constitucional, a imprescindibilidade do direito de defesa no


processo penal torna vulnerável qualquer pessoa desprotegida de assistência jurídica
qualificada, razão pela qual o Defensor Público, atuando como agente político de promoção
de direitos humanos, não pode desampará-la.

À vista disso, a expressão terminológica “juridicamente necessitado” possui outra


magnitude, não restrita à condição econômica do acusado, mas sim ao seu estado de
vulnerabilidade diante da possibilidade de uma defesa ineficiente. Se não fosse a sua inserção
na categoria dos direitos fundamentais, a defesa não se constituiria nem mesmo ideal
normativo.

Da mesma forma que não se concebem mais as antigas figuras do promotor ad hoc e do
juiz ad hoc, porque ofenderiam os princípios regentes do Poder Judiciário e do Ministério
Público, destacadamente a independência das duas instituições, mesma base argumentativa
deve-se adota em relação à instituição Defensoria Pública para se extinguir o defensor ad
hoc.101

Pessoas estranhas à carreira de Defensor Público comprometem o exercício dos seus


princípios institucionais, desprestigiando-a e enfraquecendo-a, daí porque não se pode aceitar
a nomeação de advogado dativo para o exercício de atos do processo penal, quando ausente o
Defensor Público natural do juízo, resultando referida substituição em nulidade absoluta.

101
Essa figura do juiz ad hoc permeou o início da República no século XIX, com uma feição lesiva aos
princípios da imparcialidade e da independência do Poder Judiciário.
159

Engendrando uma situação de substituição do Defensor Público pelo advogado dativo, o


juiz prejudica toda a persecução penal, em decorrência da nulidade absoluta de todos os atos
realizados a partir desta, porque lesou o direito de defesa, inviabilizando-a, na medida em que
o acusado juridicamente necessitado deixou de ser defendido no ato pelo Defensor natural que
conhece seu caso e as circunstâncias detalhadas da prova relativa a este, justamente por
acompanhá-lo desde o início.

Isto posto, é preciso insistir no prisma da defesa material, ou seja, efetiva, real, e não
meramente formal. A presença do advogado dativo no processo penal é inconstitucional,
porque inviabiliza a defesa material, direito subjetivo de todos os acusados, sendo atribuição
exclusiva o exercício desta pela Defensoria Pública em relação aos acusados juridicamente
necessitados.

Deve-se, portanto, proibir definitivamente a nomeação de advogados dativos para


acusados juridicamente necessitados, em razão da vulnerabilidade da sua condição, pondo em
perigo o direito fundamental à defesa. Portanto, em último grau, a proibição da advocacia
dativa decorre da sua não conformação com os direitos fundamentais da pessoa humana,
destacadamente o direito de defesa.

Ademais, não se compatibiliza com os princípios institucionais da Defensoria Pública,


inseridos na Constituição Federal de 1988, havendo perfeita simetria com os princípios
regentes da independência do Poder Judiciário e do Ministério Público. Sendo assim, a
Defensoria Pública é autônomo e independente, sendo seus membros agentes políticos
possuidores de prerrogativas para o cumprimento de missões constitucionais.

Salienta-se, na Constituição brasileira, o dever do Estado de prestar assistência jurídica


integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, atribuindo à Defensoria
Pública esta missão, daí ser possível firmar a garantia constitucional ao Defensor Público
dentro do conjunto dos direitos e garantias individuais fundamentais da pessoa humana.

Acompanhando esse pensamento centrado na teoria dos direitos fundamentais, a


presença do Defensor Público, no processo penal, constitui garantia individual do acusado
juridicamente necessitado, tanto quanto as garantias da ampla defesa e do contraditório como
expressão do direito de defesa.
160

Dito isto, a presença do Defensor Público destina-se a garantir o contraditório e a ampla


defesa, daí decorrendo a natureza garantista da instituição. Assim, constitui-se numa garantia
do devido processo penal constitucional, e resulta no direito fundamental de o acusado ser
defendido por Defensor Público. Enfim, a Defensoria Pública é a expressão máxima do
direito de defesa dos acusados juridicamente necessitados no processo penal.

A confirmação do garantismo como modelo de processo penal a ser abraçado no


sistema de justiça penal brasileiro passa obrigatoriamente por uma série de ações afirmativas
da Defensoria Pública como instituição de promoção dos direitos humanos dos acusados
juridicamente necessitados. Afinal, a maioria dessas pessoas encontra-se em situação geral
de vulnerabilidade social, sendo a associação com o crime apenas fração de seu espaço
de exclusão.

O acusado possui a disponibilidade de constituir um advogado de sua confiança,


acertando os respectivos honorários e as linhas de atuação de sua defesa. Todavia, quando não
o faz, em razão da indisponibilidade do direito de defesa, cumpre à Defensoria Pública
garantir-lhe todos os meios necessários para o exercício de uma defesa eficiente.

Em última instância, no contexto do sistema de justiça penal, a Defensoria Pública tem


o objetivo de reduzir desigualdades materiais históricas presentes no exercício do direito de
defesa de pessoas desamparadas juridicamente. E ainda, em última instância, confirmar o
devido processo penal constitucional. O defensor ad hoc compromete o sistema processual
garantista, porque não salvaguarda uma defesa minimamente eficiente.

Uma defesa jamais será realizada de forma idêntica a outra, diante das particularidades
no modo de atuar de cada defensor no cenário da atividade forense, seja este advogado
constituído pelo acusado ou Defensor Público. Contudo, existe a obrigação de ser
minimamente eficiente, assim considerada aquela suficiente para absolver um inocente ou
para possibilitar uma decisão justa e adequada aos culpados.

Esta aproximação entre a defesa desempenhada por advogados particulares e aquela


desenvolvida por Defensores Públicos possibilita a concreção da igualdade no sistema de
justiça penal. E é justamente este compromisso pela qualidade do serviço prestado mais uma
razão para refutar as antigas figuras do defensor ad hoc.
161

Cumpre ressaltar que o acusado possui a disponibilidade de optar pela constituição de


um advogado ou ser assistido juridicamente pelo Defensor Público. Porém, não existe a opção
por uma defesa ineficiente. O direito de defesa estende-se à sua autodefesa, da qual, inclusive,
pode abrir mão. Por outro lado, não existe alternativa quanto à efetividade da defesa, ou seja,
não pode escolher não ser defendido, ou se conformar com defesa precária.

Dito de outra forma, o interesse na efetividade da defesa pertence à sociedade antes


mesmo de pertencer ao indivíduo. Afinal, os direitos fundamentais preexistem ao
cometimento de delitos e devem ser respeitados como núcleo garantidor da condição humana
sob quaisquer circunstâncias. Pensada dessa forma, a defesa é irrenunciável, daí porque
advogados nomeados ad hoc, aleatoriamente, sem compromisso institucional, jamais
poderiam ser uma opção no Estado Democrático de Direito.

A locução “defesa técnica” deve ser refutada, porque não traduz a ideia de efetividade.
Afirmar a presença de “defesa técnica” significa somente que o acusado foi acompanhado nas
etapas do processo penal por um profissional habilitado, não havendo como se avaliar o
conteúdo da sua atividade. Diversamente, a expressão “defesa efetiva” possui significado
exato, apresentando forte carga axiológica. Por esse motivo, o Defensor Público não possui
entre as suas missões o dever de prestar “defesa técnica” a acusados juridicamente
necessitados; na verdade, o objetivo é uma defesa efetiva, promovendo direitos humanos e
reduzindo desigualdades sociais históricas.

Instituindo a Defensoria Pública na ordem constitucional vigente, a Constituição


Federal de 1988 claramente teve o objetivo de transformar a defesa meramente formal em
defesa substancial, através do exercício de um contraditório efetivo e de uma defesa
verdadeiramente ampla. Afirma-se, nesta sua finalidade, a promoção da igualdade no plano
jurídico, no sentido de assegurar a todos as mesmas possibilidades, os mesmos instrumentos
de defesa, não abstratamente, senão, concretamente, nos acontecimentos das etapas do
processo, e até mesmo antes deste.

As desigualdades sociais existentes no país, somadas às deficiências das políticas


públicas, refletem no sistema de justiça. A nomeação de advogados dativos demonstra a
desigualdade no plano jurídico entre aqueles que possuem condições econômicas para
constituir um advogado e, por conseguinte, cobrá-lo na sua atuação profissional, e aqueles
para os quais se nomeia de qualquer forma, sem critério e sem avaliação, um advogado que
162

não conhece o caso e as suas circunstâncias, nem possui o compromisso de se esmerar na


defesa, porque atua improvisadamente.102

O Estado-juiz não deveria aceitar os atos praticados pelo advogado dativo, muito menos
nomeá-lo. A ação constitucionalmente adequada seria, na primeira oportunidade de
apreciação da questão, declarar sem efeito os atos processuais praticados pelos advogados
dativos por vício de nulidade absoluta. Ao contrário, compactuam da “teatro garantista”
processual garantista engendrada, não se manifestando ou, quando muito, posicionando-se
somente pela nulidade relativa de referidos atos.103

O contraditório não pode ser considerado apenas abstratamente. Passou-se dessa fase da
teorização e formulação das bases principiológicas do processo penal garantista. É preciso ir
além da abstração, acompanhar a realidade processual e exigir o contraditório efetivo para
atestar o devido processo penal constitucional, expressão do Estado Democrático de Direito.

Somente por meio de uma avaliação empírica, debruçando-se sobre a realidade forense
da justiça penal, analisando os acontecimentos da instrução criminal, seria possível certificar a
presença do contraditório, observando a atividade dos participantes do processo e o exercício
da jurisdição. Nesse contexto, ao juiz constitucional caberia o papel de protagonizar o
exercício do garantismo como fator de legitimação da atividade jurisdicional. Assim, seria
necessário estabelecer uma forma de controle do sistema de garantias processuais, não mais
compactuando com um garantismo meramente teatral.

Não agindo como juiz constitucional, adverte Lopes Júnior (2011), assume a feição
antiga feição do inquisidor, ao ponto de primeiro decidir para somente depois buscar as
provas para fundamentar sua decisão. Age dessa forma justamente porque o autoritarismo é

102
Guardadas as devidas proporções, bastaria imaginar, no plano da saúde, aquele paciente atendido no corredor
do hospital, por ausência de um leito de UTI num hospital público. Sabidamente, se tivesse condições
econômicas seria internado num dos melhores hospitais da cidade, sendo atendido pela melhor equipe médica e
tendo à sua disposição os medicamentos de tecnologia mais avançada. No plano jurídico, não é diferente. O
improviso na nomeação do advogado dativo impossibilita o exercício da defesa, ou ao menos o compromete,
desequilibrando a relação processual, por ausência de paridade de armas. A situação não deixa de ser esdrúxula,
porque o contraditório e a ampla defesa somente existem no plano jurídico abstratamente, havendo uma
aceitação dessa situação, especialmente no tocante ao poder judiciário. O juiz nomeia o advogado dativo e
aceita-o para o preenchimento das formalidades legais, compactuando de uma aleivosia processual, quando
deveria buscar o que é certo, isto é, uma defesa autêntica.
103
O Superior Tribunal de Justiça possui a orientação segundo a qual “a ausência do advogado constituído na
audiência de oitiva de testemunhas não acarreta nulidade se o paciente foi representado por defensor dativo”
(STJ HC 123432/SP 19/09/2011).
163

sempre tendencioso. Especificamente nesse cenário da justiça penal, conduzido pelo


populismo irracional, “passa a fazer quadros mentais paranóicos” (p. 82).

Todavia, contraditoriamente, poucos magistrados aceitam esse protagonismo


constitucional, daí porque o Estado-juiz é autoritário no pensamento e na condução do
processo penal, porque não atua para atender aos objetivos do Estado Democrático de Direito,
com atenção voltada para a dignidade humana. De fato, se a condução do processo não se
realiza sob a plataforma dos direitos fundamentais, o Estado-juiz assume atua de forma
autoritária, e não constitucional.

Expressão da farsa do garantismo teatral no processo penal é a presença de advogados


dativos, nomeados exclusivamente para o preenchimento de formalidades legais, sem
participação efetiva na defesa dos réus juridicamente necessitados, sem contribuição
significativa para o convencimento do juiz; e sem o compromisso mínimo na formulação e no
embasamento de teses jurídicas de defesa.

Os tribunais superiores apoiam a nomeação de advogado dativo, entendendo que esta


não necessariamente precisaria ser exercida por advogado constituído ou por Defensor
Público. Na ausência deste último, a nomeação de defensor dativo vem sendo respaldada,
numa demonstração de descaso no tocante à efetividade da defesa no processo penal.

Como se discorreu anteriormente, a nomeação de defensor ad hoc em substituição ao


Defensor Público deveria acarretar nulidade absoluta, porque o advogado nomeado limita-se a
assistir o réu juridicamente necessitado durante a realização da audiência, sem ter tido a
oportunidade de se reunir reservadamente com este para entrevistá-lo sobre o caso e,
principalmente, sem ter tido tempo para cotejar minimamente os autos, estudando as provas
com o objetivo de se preparar para a audiência com conhecimento mínimo dos fatos.

Todavia, nessas situações de nomeação de advogado dativo, quando da ausência do


advogado constituído, os tribunais superiores vêm entendendo que se trata de nulidade apenas
relativa, sendo necessária a demonstração objetiva do prejuízo, como se este não fosse
evidente.104 A defesa exercida pelo advogado dativo somente seria capaz de gerar a nulidade

104
A Súmula n° 523 do STF dispõe que “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a
sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. O ônus da prova do prejuízo seria da defesa,
não pode ser presumido e precisa ser provado objetivamente. Essa posição precisa ser repensada para se passar a
considerar a deficiência de defesa como nulidade absoluta. No processo penal de natureza garantista, não se pode
admitir defesa deficiente, em razão do status libertatis da pessoa humana. Em razão da tutela da liberdade, não
164

do ato processual na hipótese de ser comprovado o prejuízo, afirma o Superior Tribunal de


Justiça (STJ) em seus precedentes. Presume-se válida, passando o ônus de provar o contrário
à defesa do réu juridicamente necessitado.

Contudo, existe uma dificuldade praticamente impeditiva de se proceder a esta


verificação, porque se exige uma comprovação objetiva do prejuízo, algo inconcebível
quando se trata de deficiência de defesa, e não de sua ausência.105 Afinal, não seria possível se
comprovar o prejuízo para a defesa sem se proceder a uma análise subjetiva. O problema
surge quando se constata que cabe ao próprio Estado-juiz essa avaliação

É preciso aferir até que ponto o fato de os destinatários dos serviços essenciais da
Defensoria Pública serem em sua maioria pessoas provenientes das camadas mais pobres da
população estaria influenciando no descaso em relação ao pleno exercício de suas garantias
individuais no processo penal, chegando-se ao cúmulo de se admitir a nomeação casuística de
qualquer advogado para o preenchimento de um ato específico, sem se preocupar
minimamente com a efetividade deste.

4.4 Paradigmas para o efetivo exercício do direito de defesa dos acusados


juridicamente necessitados: não recepção da Lei de Assistência Judiciária e
a questão da advocacia pro bono

Os administradores de poder na justiça penal brasileira, historicamente, vêm


demonstrando desinteresse com o exercício do direito de defesa, conforme já se teve
oportunidade de discorrer em tópicos anteriores, ao ponto de a defesa de pessoas vulneráveis,

se pode admitir o risco de se considerar apenas relativa a deficiência de defesa. Afinal, se a defesa foi deficiente,
não pode ser considerada ampla. E se não foi ampla, não se realizou o devido processo penal constitucional,
sendo, portanto, o caso de se considerar a existência de nulidade absoluta.
105
Os precedentes do STJ têm assinalado a linha de pensamento segundo a qual o ônus da prova do prejuízo
pertence à própria defesa do acusado: “a ausência do advogado constituído na audiência de oitiva de testemunhas
não acarreta nulidade se o paciente foi representado por defensor dativo, que compareceu ao ato e atuou de
forma efetiva e diligente, não se verificando qualquer prejuízo à defesa” (STJ HC 68335/SP 22/05/2007).
Observe-se como a simples presença do defensor dativo produz a presunção de efetividade do contraditório e da
ampla defesa, sem necessidade de averiguações outras, caracterizando o culto ao formalismo em detrimento da
defesa substancial: “Não se vislumbra nulidade por ausência do réu e de seu advogado nas audiências de
instrução, pois a própria inicial ressalta a nomeação de defensor dativo, sem demonstrar prejuízo ao paciente.
Advogado do paciente que foi devidamente intimado, inclusive por mandado, para requerer diligências e
apresentar alegações finais, permanecendo inerte. Não resta caracterizada nulidade por deficiência de defesa,
tampouco abandono da causa, ainda mais se a impetração não logrou demonstrar prejuízo concreto ao paciente,
limitando-se a formular alegações de vícios no processo, e se evidenciado que o paciente foi assistido por
defensor durante todo o feito, seja o dativo, seja o por ele constituído. Tratando-se de nulidades no processo
penal, não se declara nulidade de ato, se dele não resultar prejuízo comprovado para o réu” (STJ HC 25951/SP
20/09/2004).
165

excluídas socialmente, ser inexistente ou insuficiente, porque analisada como ato de


generosidade, e não como direito fundamental da pessoa humana.

O exercício da defesa pela Defensoria Pública é um direito subjetivo do réu


juridicamente necessitado contra a violência do Estado. Acompanhando a ideia de Ferrajoli
(2010), não apenas o direito de defesa é direito fundamental, mas o direito de ser assistido
pela Defensoria Pública também o é, razão pela qual o caput do art. 14, da Lei nº 1.060/1950,
não foi recepcionado, porque referido dispositivo se refere a “profissionais liberais designados
para o desempenho do encargo de defensor”, segundo afirma Ferrajoli (2010, p. 78).106

A Defensoria Pública é garantia da própria jurisdição, porque possibilita a prolação de


decisões judiciais legítimas, baseadas no justo processo penal. Profissionais liberais não
podem ser designados para exercer a função de magistrados e promotores de justiça. Do
mesmo modo, não podem exercer a função de Defensor Público, subvertendo a ordem
constitucional e lesando os princípios institucionais da Defensoria Pública.107 A Lei de
Assistência Judiciária possui ainda outros dispositivos que não mais se coadunam com a visão
atual de réu juridicamente necessitado para efeito de legitimidade de atuação da Defensoria
Pública, podendo ser mencionado o art. 2º, ao conceituar pessoa juridicamente necessitada
como aquela cuja situação econômica não lhe permita constituir um advogado, mediante
pagamento de honorários, sem prejuízo do seu sustento e da sua família.108

Com o objetivo de se avançar no fortalecimento do modelo garantista de processo


penal, propõe-se uma futura Emenda à Constituição Federal de 1988, acrescentando ao
art. 134 um novo parágrafo, constando a seguinte redação: “as funções institucionais da
Defensoria Pública devem ser exercidas exclusivamente por integrantes da carreira”.

Especificamente no processo penal, referido acréscimo representaria relevante reforço


para o garantismo, evitando que as atribuições do Defensor Público fossem exercidas por
profissionais não integrantes da carreira, sem formação especializada, sem compromisso
106
Para Ferrajoli (2010), a defesa fornece à coletividade um fator de “confiança” na Justiça, porque as pessoas
em geral se sentem tranquilas quanto à possibilidade de sofrerem ações repressivas injustas.
107
A Defensoria Pública foi concebida para se buscar um avança na consecução dos direitos fundamentais de
pessoas juridicamente vulneráveis, corrigindo desigualdades sociais históricas, notadamente, no processo penal,
a desigualdade quanto ao exercício do direito de defesa. Portanto, afirma Penteado (2006, p. 19), “faz-se
necessária a busca de um avanço constante que, garantindo os direitos individuais, promova a efetividade do
processo, construindo um equilibrado sistema de distribuição de justiça”.
108
A antiga figura da assistência judiciária, esclarece Souza (2003, p. 101), jamais foi inferida como direito
fundamental, embora estivesse presente em outras Constituições do Brasil. Somente após a Constituição Federal
de 1988, o termo foi substituído por “assistência jurídica”, passando a receber posição de destaque na atual
ordem constitucional.
166

institucional e, principalmente, sem a independência necessária para exercer as missões de


agente político de promoção dos direitos humanos.

Busca-se no processo penal contemporâneo a efetividade de seus princípios


informadores como fator de legitimidade das decisões judiciais, não interessando mais saber
se o direito de defesa existe sob o aspecto formal. O interesse está na sua concreção, isto é, se
foi realmente exercido, o processo penal é justo; caso contrário, se não foi observado, deve ser
considerado injusto, sendo a consequência a sua anulação. Em outros termos, o processo
deixa de ser um instrumento meramente técnico para se transformar, na expressão de
Grinover (1999, p. 56), “em instrumento ético e político de atuação da justiça substancial”.

Sob este enfoque, a advocacia denominada pro bono representa um retorno ao passado,
porque traz a ideia de que a defesa de pessoas juridicamente vulneráveis pode ser exercida
como ato de generosidade, estimulada pela solidariedade humana, atividade filantrópica da
classe dos advogados. Representaria, portanto, o retorno de uma nova advocacia dativa,
revelada com outra roupagem.

Afora isso, a advocacia pro bono, caso venha a ser regulamentada e estimulada, pode
vir a prejudicar o pleno desenvolvimento da Defensoria Pública, na medida em que um dos
objetivos da instituição consiste justamente em substituir a precariedade e a indeterminação
proveniente de uma defesa fruto de conveniências por uma defesa efetiva, originada do
compromisso político constitucional de seus antes agentes.

Nada está a impedir o exercício da solidariedade de qualquer advogado como


profissional liberal, atuando num determinado caso, mediante a dispensa de seus honorários
advocatícios. Todavia, não se pode aceitar a regulamentação deste modelo de atividade,
criando um regramento próprio para este tipo de situação, porque a Defensoria Pública é
legitimada para atuar em defesa de pessoas juridicamente necessitadas.

Pensamento contrário, no sentido de sustentar a existência da advocacia pro bono


em substituição da Defensoria Pública, tornaria qualquer prescrição neste sentido
inconstitucional, por usurpação constitucional das funções primordiais da instituição,
consistente em reduzir das desigualdades sociais e promover os diretos humanos.

A maior parcela da população, formada por pessoas extremamente vulneráveis, porque


carentes dos seus direitos fundamentais, algumas desprovidas, inclusive, do mínimo
167

existencial, em pleno século XXI, teve suas expectativas constitucionais frustradas pelo
histórico descaso do Estado brasileiro. Considerando o momento de avanço da estruturação da
Defensoria Pública no Brasil para ser o mais legítimo “grito constitucional” dos excluídos
dentro do sistema de justiça, soa bastante estranho os propósitos de uma advocacia pro bono.

Existe o direito ao mínimo para uma existência digna, ideia amplamente desenvolvida
por Bitencourt Neto (2010), estando situado neste núcleo “mínimo” o acesso à justiça.
Considerando as particularidades do Estado brasileiro, constata-se facilmente que a maior
parcela da camada da população não conseguiu desenvolver ainda suas potencialidades em
razão dos obstáculos à concreção de seus direitos fundamentais, demandando este fato, por si
só, um esforço constitucional especial na solução do problema.

Isto posto, partindo da concepção de Canotilho (2003, p. 595), segundo a qual o acesso
à justiça é indissociável do mínimo existencial relativamente à concreção dos direitos
fundamentais, a advocacia pro bono constituiria um grave recuo constitucional. No processo
penal, existe um núcleo essencial desses direitos, intitulado pelo autor como “reduto último de
defesa”, para o qual não estaria compromissado este tipo de atividade.

Ademais, nada impede um profissional liberal prestar sua atividade gratuitamente a


quem desejá-la, não havendo necessidade de se criar uma figura denominada “advocacia pro
bono”. Esse tipo de atividade de cunho filantrópico, de acordo com a conveniência e com a
solidariedade do profissional que irá exercê-la, não necessita de disposição própria. Um
médico renomado em sua especialidade não precisa de um roteiro normativo, caso deseje
prestar assistência gratuita à saúde de determinados pacientes. Age de acordo com o
sentimento de solidariedade humana que norteia a vida das pessoas. Sob este enfoque, deve
ser analisada a atuação solidária realizada por qualquer advogado. Afinal, qualquer pessoa é
livre para fazer o bem, envolvendo-se em atividades solidárias, filantrópicas.

Em outros termos, um advogado pode dispensar seus honorários, defendendo os


interesses de uma pessoa, seja a título de gratidão, ou a título de solidariedade. Para que isto
seja realizado, não há necessidade de regramento, bastando que o profissional exerça seu
trabalho de forma ordinária, como no caso descrito no parágrafo anterior.

O importante é a advocacia pro bono não representar um retorno da advocacia dativa de


forma maquiada, como se poderia conceber. O perigo à ordem constitucional e à Defensoria
Pública existe, porque a ideia de se desenvolver a solidariedade em face de todos os
168

problemas da Justiça dificilmente pode ser refutada, sendo, inclusive, fácil de construir uma
teoria para procurar de algum modo respaldá-la.

Como a Defensoria Pública ainda não está suficientemente estruturada em todos os


Estados, a advocacia pro bono prejudicaria o avanço da instituição, fazendo ressurgir um
antigo e já superado modelo de assistência jurídica baseada na generosidade humana,
responsável por uma época em que as pessoas não tinham defesa efetiva e mesmo o direito de
defesa não estava consolidado como direito fundamental.

A advocacia pro bono não substitui a Defensoria Pública, porque os direitos


fundamentais da pessoa humana não podem ser objeto de graciosidade, estando a depender
dos sentimentos de solidariedade e de bondade de outras pessoas. Na verdade, não se pode
desobrigar o Estado da sua responsabilidade de promover o acesso à justiça por meio de um
serviço público qualificado prestado pela Defensoria Pública.

Portanto, analisando-se detidamente a denominada “advocacia pro bono”, não existe


contribuição substancial no regramento e no estímulo a este tipo de advocacia prestada por ato
de caridade, isto é, generosidade de um advogado particular em relação a uma pessoa sem
recursos econômicos, porque não existe segurança na qualidade do serviço desempenhado e
no seu acompanhamento.

O risco de a advocacia pro bono ser utilizada como paliativo à ausência de Defensoria
Pública é bem diferente da atividade desenvolvida pela instituição, nos núcleos de prática
jurídica, em convênio com as faculdades de Direito espalhadas pelo país. Convênios desse
tipo devem ser utilizados, porque fortalecem e ampliam a atuação da Defensoria Pública, ao
mesmo tempo em que servem para que a instituição cumpra uma das suas missões precípuas,
consistente na educação para direitos.

Diferentemente da advocacia pro bono, os núcleos de prática jurídica exercem suas


atividade sob o controle e a linhas de orientação da Defensoria Pública, ou seja, existe
acompanhamento permanente das ações desenvolvidas, sem o comprometimento da qualidade
e, principalmente, sem perder o compromisso com a promoção dos direitos humanos,
repelindo-se a antiga ideia de assistência meramente judiciária.

A missão da Defensoria Pública não é a promoção de caridade, mas sim a promoção da


pessoa humana e de seus direitos fundamentais, possibilitando-lhe as condições necessárias
169

para o desenvolvimento do todo o seu potencial criativo, sendo este objetivo o pressuposto de
existência do Estado Democrático de Direito.

Enfim, a ideia de advocacia pro bono é equivocada e perigosa para a ordem


constitucional, porque ainda se baseia na visão ultrapassada de justiça para pessoas carentes
como ato de conveniência proveniente da bondade humana. Diferentemente, a Defensoria
Pública se propõe a corrigir desigualdades matérias de direitos históricas, promovendo o
devido equilíbrio no campo jurídico.

4.5 Propostas para a construção de um novo modelo de defesa dos acusados


juridicamente necessitados, inserindo a Defensoria Pública como garantia
do devido processo penal constitucional

A utilidade da presente tese depende da apresentação de propostas para a construção de


um novo modelo de defesa, levando em consideração a perspectiva de atuação da Defensoria
Pública para a concreção de uma defesa efetiva e de um contraditório dinâmico, inclusive,
para efeito de adoção no novo Código de Processo Penal.

A complexidade dos problemas da justiça penal brasileira impõe uma nova visão do
processo penal, com o “olhar” na efetividade dos direitos e garantias individuais do réu
juridicamente necessitado, isto é, na concreção destes, razão pela qual as percepções de ordem
abstrata, puramente formais, dogmáticas perdem o interesse, devendo o intérprete levar em
consideração, na análise de Sanguiné (2010, p. 294), as diversas dimensões abertas à
interdisciplinaridade:

(a) a dimensão ética, a que pertencem os direitos fundamentais; (b) a sociológica,


que parte do pressuposto de que a ordem jurídica, como instrumento para a
autorregulação social, é sempre dependente de uma determinada sociedade,
preponderantemente definida por sua estrutura econômica; (c) a econômica: a prisão
cautelar priva o preso preventivo de sua remuneração, de maneira que sua família se
vê colocada em uma penosa situação; (d) a psicológica: a estadia na prisão produz
uma quebra na personalidade do preso provisório, com o estigma de ter estado na
prisão; (e) a processual: a impossibilidade de corrigir adequadamente a duração
excessiva da prisão provisória.

Para cumprir esse objetivo, a par da existência de inúmeras possibilidades de atuação do


Defensor Público no âmbito criminal, abrangendo as situações extraprocessuais, um novo
modelo precisa ser construído, com atenção especial às pessoas juridicamente vulneráveis,
historicamente desamparadas quanto à realização material do direito de defesa.
170

Dessa forma, conforme já se teve a oportunidade de se discorrer nos capítulos


anteriores, os princípios institucionais da Defensoria Pública são indispensáveis para a criação
de instrumentos capazes de se contrapor ao autoritarismo estatal em relação à repressão penal,
possibilitando amplo alicerce aos réus juridicamente necessitados em todos os graus e ainda
na fase da investigação criminal.

Este novo regime jurídico-constitucional desenhado para a instituição da Defensoria


Pública, destacadamente quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de
dezembro de 2004, e no plano infraconstitucional por meio da Lei Complementar nº 132, de 7
de outubro de 2009, suplantou a percepção antiga de assistência judiciária, quando o
acompanhamento judicial das pessoas juridicamente necessitadas era considerado uma
generosidade do Estado e da OAB.109

Antes da Constituição Federal de 1988, a assistência às pessoas juridicamente


necessitadas era guiada pela solidariedade, e não por um dever constitucional, porque não
existia Defensoria Pública, nem se tinha a percepção de acesso à justiça como direito
fundamental, sendo esta a razão de um longo processo histórico de exclusão de direitos,
destacadamente nas camadas mais pobres da população.

Percebida como direito fundamental, não existe mais espaço para a defesa ser exercida
de forma insuficiente, ou mesmo não ser exercida, como ainda acontece em várias situações,
impondo ao Estado e a todos os participantes do processo penal o dever de tornar efetiva a
posição da defesa das pessoas juridicamente necessitadas.

A consecução deste objetivo depende da criação das condições necessárias para


tornar realidade o status constitucional do direito de defesa, razão pela qual algumas
propostas serão apresentadas a seguir, aprofundando o curso constitucional de fortalecimento
da Defensoria Pública e transcendendo o discurso a fim de que o idealismo normativo se

109
A Defensoria Pública não é órgão do Poder Executivo, apesar de alguns Estados procurarem vinculá-la à
Administração, como se fosse um órgão desta, ao ponto de se referir ao Defensor Público Geral como Secretário
de Estado. Referida distorção pode ser explicada, porque a Defensoria Pública é uma instituição nova, somente
surgida com a Constituição Federal de 1988, sendo não raramente confundida com a antiga figura de “assistência
judiciária”. Antes da instituição da Defensoria Pública, o Poder Executivo, em convênio com a OAB, prestava
um serviço de “assistência judiciária”, com o objetivo apenas de realizar acompanhamento de audiências.
Advogados exerciam suas funções como ato de generosidade e de solidariedade em relação às pessoas
componentes das camadas mais pobres da população, não havendo a organização de uma carreira ou uma
instituição destinada a cumprir referida missão.
171

traduza em ações concretas para resolver essa séria questão da justiça penal. 110 Amaral (2009,
p. 179) observa uma:

[...] funcionalização do sistema atendendo a outros programas e códigos, reveladores


do baixo amadurecimento da sociedade e do Poder Público para tratar a questão. Isto
é, certamente, uma falta de cumprimento de funções ideais bastante preocupantes, na
medida em que sequer são realizados os antecedentes lógicos da funcionalidade do
sistema, próprios de qualquer sistema jurídico.

A primeira proposta consiste numa atuação preventiva, evitando futuras denúncias sem
justa causa ou baseadas em provas precárias e duvidosas. Nas camadas mais pobres da
população, os órgãos de atuação policial agem de forma livre para estabelecer controle social,
sem a devida preocupação com a apuração aprofundada dos fatos, cometendo abusos e
produzindo provas ilícitas, justamente porque não sofrem fiscalização direta e raramente o
depoimento das pessoas investigadas e das testemunhas são acompanhados pela Defensoria
Pública.

A partir da aproximação da Defensoria Pública dos órgãos de atuação policial, será


possível reduzir abusos e ilegalidades frequentemente cometidas pelo Estado autoritário. Se o
investigado possui condição financeira, comparece a estes órgãos estatais devidamente
protegido e assessorado por advogado de sua confiança; caso contrário, estará refém das
circunstâncias e da postura da autoridade policial, sem defesa alguma contra abusos
eventualmente cometidos.

Em verdade, essa atuação proativa e preventiva da Defensoria Pública durante a


investigação criminal de pessoas desacompanhadas de um advogado constituído já deveria
existir desde a Constituição Federal de 1988, sendo esta a postura apontada pela ordem
constitucional. A defesa não é uma peculiaridade do processo judicial, devendo estar presente
em todo tipo de procedimento administrativo no qual uma pessoa for investigada. Na Itália, a
pessoa já possui um defensor antes mesmo de iniciada a investigação. A denominação

110
Nesta perspectiva de superar o discurso jurídico para que o fortalecimento da Defensoria Pública não seja
refém de argumentos relacionados ao caráter programático de suas normas e à cláusula da reserva do possível,
comodamente utilizados para justificar exclusão de direitos fundamentais, Alves (2006) entende que o Poder
Judiciário poderia fixar prazo para que o Estado organize as ações necessárias para a estruturação da Defensoria
Pública.
172

adotada para esse tipo de situação é “investigação defensiva”, encaixando-se perfeitamente


dentro do modelo garantista do processo penal (GALGANI, 2009, p. 14).111

Dito isto, a defesa exercida no âmbito de uma investigação criminal não é idêntica
àquela desenvolvida no processo judicial, porque são realidades e posições distintas. Numa, a
pessoa é investigada; noutra, encontra-se os réus juridicamente necessitados. A defesa
exercida no processo se destina a refutar a acusação, contrapondo-se à imputação realizada; já
no curso da investigação criminal, a defesa é exercida contra abusos, ilegalidades e ainda
contribuindo na produção de provas.

Se os elementos colhidos na investigação criminal servirão para embasar a denúncia e


guiar a instrução probatória durante a persecução criminal em juízo, como, de fato, vem
ocorrendo, não há como prescindir da defesa nesta fase. Em países, como Brasil e Uruguai,
que não proíbem a utilização na audiência de julgamento dos elementos de convicção das
fases de investigação, a presença da defesa torna-se indispensável. Na Espanha, esclarece
Fernandes (2007, p. 235), “embora inexista a vedação, a jurisprudência impede que sejam
considerados no julgamento elementos anteriormente colhidos”.

De todo modo, no Estado Democrático de Direito, não se pode conceber um


procedimento desprovido de defesa, quando uma pessoa é formalmente investigada.
Pensamento contrário respaldaria o antigo Estado inquisidor, mas essa ideia ainda se encontra
presente na cultura jurídica brasileira no âmbito do inquérito policial sob o argumento da
necessidade de um suposto aspecto inquisitivo deste para a realização da investigação.

Na investigação criminal realizada na Itália, a presença do defensor é obrigatória, apesar


de não existir o direito de ser notificado com antecedência. Pode ainda analisar os resultados
dos procedimentos probatórios, podendo rever os atos do inquérito, informa Galgani (2009, p.
22-23):

[...] durante o estágio do pré-julgamento, o suspeito e seu advogado possuem o


direito de conduzir investigações (ver art. 391-bis/391-decies, CPP, introduzido pela
já mencionada Lei n. 397/2000) e o direito de freqüentar os atos que possuem valor
probatório no julgamento; por exemplo, investigações técnicas irrepetíveis de
pessoas, lugares ou coisas sujeitas a alterações e requerer a presença de um perito
(art. 360, CPP); ou, em caso de ‘incidente probatório’ (art. 392, CPP), em que a

111
No estágio pré-processual, anota Galgani (2009, p. 14), “em seguida à notificação de que a investigação
chegou ao fim, (art. 415-bis, CPP), o réu pode requerer uma entrevista adicional com o acusador, produzir
provas coletadas por seu advogado ou requerer ao promotor que proceda a investigações complementares”.
173

evidência, por razões de emergência, é adquirida segundo as mesmas regras e


garantias da fase de julgamento.112

Não se discute a necessidade do sigilo do inquérito policial para a realização de algumas


diligências probatórias, essencialmente quando existe algum risco de desnaturar a prova, caso
seja publicizado o procedimento. Todavia, o sigilo somente é aquele estritamente necessário
para resguardar as investigações e, por si só, não pode servir de argumento para caracterizar
um procedimento do Estado como inquisitório.

O inquérito policial é um procedimento administrativo investigatório, sigiloso quando


estritamente necessário, mas não inquisitório, porque a defesa deve estar presente para
acompanhar o investigado durante toda a investigação, auxiliando a esclarecer os fatos,
cooperando dentro do possível com a atividade policial e se insurgindo contra qualquer tipo
de abuso ou de ilegalidade que porventura venha a ser cometida.

Em razão dos preceitos adotados pelo Estado Democrático de Direito, não pode existir
mais procedimento de natureza inquisitória, estando qualquer norma nesse sentido não
recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Essa deve ser a posição da Defensoria
Pública em relação às pessoas juridicamente necessitadas investigadas, rompendo com as
premissas típicas do positivismo legalista.

A dimensão do direito de defesa abrange, portanto, o inquérito policial, não podendo a


Defensoria Pública se abster de enfrentar essa característica autoritária do Estado, cometendo
este todo tipo de abuso através da polícia judiciária e outros órgãos auxiliares. Assim, não se
pode mais admitir a realização de interrogatório sem a presença do defensor do indiciado,
suprimindo ou embaraçando o exercício do direito de defesa.

Essa atuação preventiva da Defensoria Pública, inclusive debatendo o tema por meio da
realização de audiências públicas, proporciona o adequado equilíbrio entre a defesa e o Estado
desde o início, porque a violação ao direito de defesa vem ocorrendo frequentemente, através
de uma visão distorcida da investigação criminal, afrontando visivelmente a ordem
constitucional.

112
A autora italiana observa ainda a existência de um interessante fechamento das investigações, prestigiando o
direito de defesa: “O advogado deve ser informado da conclusão das investigações e tem o direito de consultar e
ter cópias do dossiê do promotor. O advogado tem, também, o direito de submeter ao promotor documentos e
conclusões da investigação. O acusado tem o direito de pedir uma entrevista posterior com o promotor (art. 415-
bis, CPP)” (p. 24).
174

Contra situações desse tipo, a Defensoria Pública deve se insurgir, valendo-se da ação
de habeas corpus sempre que necessária, porque o interrogatório do indiciado sem a presença
do seu defensor põe em xeque a confiabilidade do conteúdo deste depoimento, podendo
influir determinantemente na opção pelo oferecimento da denúncia, raciocínio semelhante
devendo ser aplicado em relação à colheita do depoimento das testemunhas.

A rigor, a atuação preventiva da Defensoria Pública precisa ser normatizada no novo


Código de Processo Penal, inserindo-se expressamente a obrigatoriedade da presença do
Defensor Público por ocasião do interrogatório do indiciado e da tomada de depoimento das
testemunhas na investigação criminal.

O Estado não pode se abster da responsabilidade com a efetivação do direito de defesa.


Muito além de um valor de natureza prestacional de política pública, o direito de defesa é
indissociável da ideia de dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito,
preocupado em proteger o indivíduo inocente das injustiças que podem vir a ser cometidas
pelos próprios órgãos do Estado. Dessa forma, a ausência da Defensoria Pública na
investigação criminal constitui evidente violação do direito de defesa, daí porque a assistência
às pessoas investigadas precisa ser obrigatória e devidamente regulamentada dentro da
proposta de um novo modelo de defesa no futuro Código de Processo Penal.

Avanço relevante nessa direção foi a inclusão do § 4º, do art. 289-A, no Código de
Processo Penal, realizada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, estabelecendo a
obrigatoriedade de o preso ser informado dos seus direitos, entre os quais o de permanecer em
silêncio, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. Não possuindo este
último, o caso deve ser comunicado imediatamente à Defensoria Pública, passando a
instituição a lhe prestar a assistência devida.

Na hipótese de ser preso juridicamente necessitado, a Defensoria Pública deve receber


cópia integral do auto de prisão em flagrante, devendo avaliar os requisitos intrínsecos e
extrínsecos deste; e, caso venha a verificar alguma ilegalidade, deve proceder ao pedido de
relaxamento da prisão, ou, na hipótese de regularidade desta, deve formular pedido de
liberdade provisória.

Apesar do avanço representado pela citada Lei nº 12.403/2011, a atuação da Defensoria


Pública nesta fase não pode se resumir ao controle de legalidade da prisão, deixando presos
175

desamparados em suas respectivas defesas, ao argumento segundo o qual o inquérito policial


teria natureza inquisitiva e, portanto, dispensaria o acompanhamento do defensor.

A normatização desse acompanhamento, estabelecendo a obrigatoriedade da presença


do Defensor Público no interrogatório de presos ou de indiciados juridicamente necessitados,
é indispensável para refutar a postura autoritária do Estado nesta fase e para gerar o equilíbrio
necessário entre a pessoa investigada e o Estado investigador.

Analisada sob a ótica constitucional, a investigação criminal não pode ter caráter
inquisitivo, sendo este termo inaceitável, porque significa a exclusão dos direitos e garantias
individuais da pessoa humana, representando resquício do antigo modelo inquisitorial em
pleno Estado Democrático de Direito.

O Projeto de Lei nº 6.705, de 4 de maio de 2013, pretende alterar a Lei nº 8.906, de 4 de


julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), fixando nova redação para o
inciso XIV do art. 7º, no sentido de possibilitar aos advogados:

[...] examinar em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo


sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos
ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos que seja física ou digitalmente, sob pena de incorrer abuso de
autoridade, inclusive pelo fornecimento incompleto e ou retirada de peças já
incluídas no caderno investigativo. [...].

E acrescenta o inciso XXI ao art. 7º da referida Lei, estabelecendo a obrigatoriedade


de os advogados assistirem, sob pena de nulidade, aos seus clientes investigados,
durante a apuração de infrações, bem como o direito de apresentar razões e quesitos, e
requisitar diligências. Na justificativa do referido Projeto de Lei, argumenta-se não haver
“[...] justiça no processo de investigação criminal sem que seja assegurado o direito à ampla
defesa e ao contraditório ao cidadão investigado, que pode ocorrer pela vista dos autos de
todo o processado, bem como pela juntada de provas em seu favor”. E ainda:

A proposta em tela visa dar concretude a estas garantias previstas pela Carta
Magna, e exequibilidade do exercício da advocacia no curso das investigações,
evitando indiciamentos equivocados, que poderiam ser evitados com a prévia oitiva
dos investigados, os quais poderão contribuir com a investigação requerendo
diligências.

O objetivo do projeto de lei é assegurar o exercício da defesa de forma ampla, desde o


início das investigações criminais, exigindo-se o acompanhamento obrigatório pelo advogado
176

constituído pelo investigado, ou pelo Defensor Público, na hipótese de pessoas investigadas


juridicamente necessitadas.

Assim, a atuação da Defensoria Pública desde o início das investigações criminais é


indispensável para evitar a exposição indevida da imagem do investigado, devendo ser
preservada a sua condição de inocência enquanto não for condenado em caráter definitivo,
principalmente nesta fase, em razão da precariedade das provas, podendo gerar equívocos e
lesões indevidas à dignidade da pessoa.

Neste aspecto, o direito de defesa é indissociável do princípio da presunção de


inocência, porque o caráter epistemológico deste último, segundo Amaral (2012, p. 301),
“para além do jurídico, reflete, não uma lógica de valoração das provas, mas de redução do
poder de verificação e denotação fática do juiz, condizente com a segurança máxima de que
nenhum culpável será punido”.113

A investigação criminal deve ser exercida sob a perspectiva dos direitos e garantias
individuais da pessoa investigada, assegurando-se-lhe a ampla defesa e, na medida do
possível, o exercício do contraditório, no sentido de possibilitar ao investigado se insurgir em
relação às provas que forem sendo produzidas, requisitando diligências e esclarecimentos
acerca da apuração.

A efetivação da ampla defesa e do contraditório na investigação criminal servirá


como controle garantístico da atividade discricionária da autoridade policial, atualmente
desempenhada de forma autoritária, sob argumentos que excluem qualquer tipo de cooperação
dentro da investigação para reconstrução histórica dos fatos de forma isenta e sem desvio
de conduta.

A Defensoria Pública atende as pessoas juridicamente necessitadas, destacadamente


aquelas que fazem parte da camada mais pobre da população, não dispondo de condições
financeiras de constituir advogado para acompanhar a fase investigatória, daí porque a
obrigatoriedade da sua presença, bem como acontece em juízo, possibilitará o amparo a

113
Como critério de justificação da convicção, ou seja, legitimador da verificação indutiva do processo, o autor
assevera a carga da prova em posto privilegiado, “dentro das garantias epistemológicas de verificação e
refutação fáticas patentes. Para que indefectivelmente o puro poder não se sobreponha ao saber é que há a
necessidade da prova concretar-se com a carga jurídica da acusação e não ser dissolvida em nenhum critério
vazio de íntima convicção” (p. 301).
177

milhares de brasileiros que sofrem com abusos de autoridade cometidos pelos agentes do
Estado, atuando na área de segurança pública.

Não se pode aceitar mais investigação realizada de forma completamente obscura pela
autoridade policial, sem qualquer tipo de acompanhamento, simplesmente porque uma pessoa
não dispõe do recurso financeiro necessário para constituir profissional habilitado para lhe
auxiliar na investigação criminal, orientando-lhe como proceder e, principalmente,
interagindo para evitar ilegalidades, abusos, ou qualquer tipo de desvio na atuação policial.

Com efeito, as dúvidas frequentes acerca da forma de atuação da autoridade


policial, respeitando o investigado como sujeito de direitos e como pessoa presumidamente
inocente, poderiam desaparecer se medidas simples de transparência de seus atos fossem
implementadas, como a gravação dos procedimentos investigatórios, até mesmo das
diligências sigilosas, porque o sigilo somente deve ser aquele estritamente necessário para
resguardar as investigações, devendo a forma de realização ser publicizada, quando do seu
término, assim como se procede com as interceptações telefônicas.114

No processo judicial, em razão da nova redação do art. 475 do CPP, dada pela Lei
nº 11.689, de 9 de junho de 2008: “[...] o registro dos depoimentos e do interrogatório será
feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica
similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova”.115

Com mais razão, o legislador deveria ter estabelecido a obrigatoriedade do registro do


interrogatório, dos depoimentos, das acareações, das reproduções simuladas dos fatos, bem
como de outras diligências, utilizando-se de recursos de gravação magnética, eletrônica,
estenotipia ou técnica similar, garantindo ampla transparência nesta fase investigatória e, por
conseguinte, dirimindo qualquer dúvida acerca de excessos cometidos.

A criação de dispositivo semelhante no Código de Processo Penal para a fase da


investigação criminal serviria para proteger o investigado de qualquer tipo de abuso, porque a
114
Estudar o princípio da publicidade no contexto do Estado Democrático de Direito não é tarefa fácil. Referido
princípio, discorre Azevedo (2008, p. 97), “foi e continua a ser alvo de um intenso e açodado processo de
transformação social e de inovações tecnológicas. A intensidade e celeridade desse processo, que provoca nas
pessoas a impressão de que, nunca antes na história da humanidade, a sociedade evoluiu tão rápido e em tão
pouco tempo, é que recomenda um novo olhar acerca do princípio da publicidade”. Em relevante análise acerca
da manipulação do princípio da publicidade no processo penal, o autor mostra que o verdadeiro motivo do seu
desvirtuamento pelas autoridades públicas é a manutenção do status quo, com o intuito de manter segregadas as
pessoas investigadas.
115
O parágrafo único do referido dispositivo prevê ainda a necessidade de transcrição do registro para constar
dos autos, depois de feita a degravação.
178

autoridade saberia previamente que todos os seus atos estariam sendo gravados; e, por outro
lado, a própria autoridade policial teria uma segurança para si contra alegação de
descomedimentos de toda ordem.

Na investigação criminal, os direitos humanos começam a ser violados a partir da


exposição ilegal da imagem das pessoas, lesando-se desde o primeiro momento o preceito
constitucional do estado de inocência. Como o Poder Judiciário e Ministério Público têm sido
omissos diante dessas violações, o legislador precisa, em cumprimento ao princípio normativo
da dignidade humana, criar as condições jurídicas necessárias para a plena consecução do
direito de defesa, desde o início das averiguações iniciais acerca do fato criminoso.

A segunda proposta consiste na exigência de uma nova posição do Estado-juiz,


intervindo nas hipóteses em que a defesa de alguma forma não esteja sendo exercida
minimamente, como verdadeiro guardião deste direito indisponível. Deste modo, mesmo
quando o réu juridicamente necessitado possuísse advogado constituído, nada impediria o juiz
de declará-lo indefeso em situações manifestamente inertes, comunicando o acontecimento à
OAB.

Inclusive, na hipótese do réu juridicamente necessitado, se for verificada qualquer


omissão ou desídia no exercício da defesa, resguardando-se o princípio do defensor natural, o
magistrado deveria encaminhar a situação para o órgão da corregedoria da Defensoria Pública
para a tomada das providências cabíveis, sendo este controle da qualidade do serviço público
prestado relevante para a instituição, não podendo ser considerado ingerência na
independência de seus membros.

A defesa das pessoas juridicamente necessitadas pressupõe uma reformulação do Poder


Judiciário brasileiro, modificando pensamentos e maneiras de atuação. O processo penal
contemporâneo, assentado na plataforma de direitos humanos e nos ideais democráticos, não
permite mais autoritarismo. O juiz constitucional não pode ser autoritário, omisso, ou “boca
de lei”. Longe disso, deve ser humanista, sensível aos princípios constitucionais democráticos
e, destacadamente, empenhado na realização dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Desta maneira, seu comportamento deve ser proativo, de modo a estar concentrado
na realização da defesa, tanto quanto a própria defesa, sem que isso venha a significar
transgressão de sua imparcialidade. Precisamente porque a defesa é garantia do devido
processo penal, a preocupação com a sua qualidade precisa existir para esta ser efetiva.
179

Afinal, sem defesa efetiva não haverá o alcance do devido processo penal, sem a qual o
magistrado não poderá imprimir legitimidade a suas decisões. Durante todo o percurso
histórico do processo penal brasileiro, não se obteve o desvelo do Estado-juiz na promoção da
defesa dos réus juridicamente necessitados, porque o valor em jogo sempre foi ignorado,
mesmo em face de sua magnitude constitucional, sendo este desprezo o traço mais
característico do autoritarismo estatal do “teatro garantista”.

Não obstante essa constatação, em vez de ser a farsa que se apresenta, o controle
garantístico acerca da efetividade da defesa exercida no processo penal já poderia estar sendo
desenvolvido desde a Constituição Federal de 1988, sendo o suficiente, consoante a linha de
pensamento de Feldens (2005), o compromisso hermenêutico de visualizar o processo penal
como direito constitucional aplicado.116

Com efeito, embora fosse possível, esse compromisso não se verificou, havendo
dificuldade dos juízes brasileiros em assumi-lo, sobretudo, porque ainda estão vinculados ao
antigo modelo autoritário de Estado, responsável pela atual realidade do “garantismo teatral”
mesmo não sendo mais aceito no pensamento jurídico contemporâneo das sociedades
democráticas, apesar de este pensamento ser mero idealismo normativo.

Essa particular oposição do Estado-juiz na transformação do processo penal em direito


constitucional aplicado, acabando com o “teatro garantista”, impõe a necessidade de se
estabelecer expressamente no texto do novo Código de Processo Penal a obrigação de o
magistrado exercer um controle real de garantias, intervindo em relação ao exercício da
defesa, quando esta for insuficiente, declarando o acusado indefeso se for preciso.

Na hipótese de advogado constituído, a negligência deste deve ser comunicada à OAB


para as providências necessárias, devendo a pessoa acusada ser notificada para se manifestar,
declarando se deseja continuar com o defensor constituído, ou se deseja nomear outro da sua
confiança para substituí-lo; de outro modo, não desejando mais a atuação do defensor
constituído e não dispondo de condição financeira para escolher outro de sua confiança,
automaticamente atuará a Defensoria Pública em cumprimento de suas atribuições
constitucionais. Se a negligência parte do próprio Defensor Público natural do juízo, como

116
O direito processual penal vincula-se à Constitição brasileira por meio dos direitos fundamentais, linha de
pensamento semelhante àquela que procura demonstrar Feldens (2005, p. 40), ao discorrer sobre correlação entre
as normas penais e a ordem constitucional.
180

discorrido anteriormente, deve a Corregedoria da instituição ser comunicada para efeito de


apuração do episódio e de eventual abertura de processo administrativo disciplinar.

O atual Código de Processo Penal não disponibiliza os meios adequados para este
controle garantístico da efetividade da defesa, isto é, não possui um dispositivo incumbindo o
juiz de se manifestar, quando verificar ausência de defesa ou defesa manifestamente precária
ou temerária. Em verdade, essa iniciativa somente é prevista numa única hipótese, qual seja
no âmbito do Tribunal do Júri, sendo permitido ao juiz presidente, autorizado pelo art. 497 do
CPP, “nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso,
dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a
constituição de novo defensor”, redação esta dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008.

A terceira proposta consiste em criar um dispositivo no Código de Processo Penal que


possibilite eficazmente a orientação jurídica de investigados e de acusados, não se limitando o
contato com o Defensor Público às audiências de instrução. Antes da ocorrência desta, o
Defensor Público deve ter o contato prévio com o réus juridicamente necessitados, seja no
estabelecimento penitenciário, se estiver preso; ou ainda na sede da própria Defensoria
Pública ou de seus núcleos especializados.

A reunião do Defensor Público com o réu juridicamente necessitados tem o propósito de


possibilitar a orientação jurídica específica para etapa processual, construindo a melhor
estratégia de defesa, dentro de padrões éticos, morais, lícitos e possíveis. Isto posto, a missão
constitucional da defesa é buscar um julgamento justo, cooperando com a administração da
Justiça, independentemente de o resultado final ser a absolvição ou a condenação do acusado.

O conceito de processo justo, “[...] num sentido não formalista, dá um papel


fundamental ao direito de defesa, representando não somente o aspecto do direito ao
contraditório, mas também, e acima de tudo, a garantia de sua genuína implementação”
(GALGANI, 2009, p. 5).

Essa garantia da realização de um contraditório real e dinâmico é o objetivo do processo


penal no mundo contemporâneo nos países que adotam o modelo garantista defesa, sem
enfrentar o problema do Brasil do “teatro garantista”. Portanto, a defesa efetiva não se resume
à realização de audiência judicial, sendo até mais relevante, em alguns cenários, a correta
orientação jurídica para o acusado do que propriamente a presença física na audiência, porque
181

esta última, em si mesma, não possui significado algum, caso não exista a possibilidade de
debate entre os personagens da farsa.

Em outros termos, a presença física do defensor não significa cooperação, debate,


diálogo e exercício do contraditório, não passando de um “teatro garantista”. O Defensor
Público precisa atuar com objetivo de possibilitar aos réus juridicamente necessitados
entender a denúncia contra si realizada e as provas existentes, mas não o fazem porque são
apenas personagem de ficção do “teatro garantista” no modelo que está posto.

Daí ser indispensável a conscientização para a efetividade da defesa, ao ponto de


constituir parte indissociável desta. O conhecimento dos réus juridicamente necessitados
acerca da acusação é indispensável para que estes consigam enfrentar todos os pontos que
possam lhe atingir de forma negativa. Ainda assim, no processo penal brasileiro, a defesa
prestada diretamente pelo acusado é menosprezada, isto é, centraliza-se na atividade
desempenhada pelo profissional habilitado, advogado constituído ou Defensor Público.

O Estado-juiz despreza completamente a situação das pessoas juridicamente


necessitadas, em situação de vulnerabilidade frente ao Estado juiz autoritário acusador,
tratando a questão de forma omissiva, ao ponto de atribuir à defesa a obrigação de demonstrar
prejuízo, quando for deficiente. Sobre a efetivação da assistência para a consciência do
acusado no processo penal na Itália, Galgani (2009, p. 9) lembra:

[...] o julgamento de inconstitucionalidade pertinente ao art. 119 do CPP


(julgamento da Corte Constitucional 341/1999), segundo o qual também o acusado
surdo, mudo ou surdo-mudo, independentemente do fato de ser capaz de ler ou
escrever, tem o direito de ser ilimitadamente assistido por um intérprete, escolhido
de preferência entre pessoas acostumadas a lidar com essa pessoa.

Nessa perspectiva, incumbe à Defensoria Pública uma postura positiva, dentro de


atuação proativa, auxiliando os réus juridicamente necessitados na elaboração de suas defesas:
contraditando direta e pessoalmente a acusação e as provas referentes a esta, com a construção
do debate; pela atividade desenvolvida pelo defensor, reunindo os elementos probantes para
provar a inocência das pessoas; e, por último, mediante na realização de uma defesa
verdadeira, acabando com a ficção do “teatro garantista”, colocando em xeque todas as provas
apresentadas pelo Estado autoritário.

A defesa exercida pessoal e diretamente pelo acusado sempre foi esquecida, porque não
existia Defensoria Pública para promover o contraditório na realidade do processo penal
182

brasileiro, corrompido pelo “teatro garantista” com o modelo de interrogatório ainda arcaico,
com traços nítidos do antigo sistema inquisitorial, consoante já se teve a oportunidade de
discorrer.

Muito além da atuação judicial, a Defensoria Pública precisa se estruturar para agir
preventivamente, por meio da educação em direitos, construindo um ambiente propício para
proteção das camadas mais pobres da população, vulneráveis pela ausência do Estado e pela
sujeição a uma vida sem oportunidades, isto é, pessoas impossibilitadas de desenvolver seus
potenciais humanos respectivos. Não resta dúvida que nessas condições precárias estão
reféns, com maiores riscos de praticar infrações penais de toda ordem e de ser vítima deste
mesmo sistema, em razão da omissão do Estado em relação às políticas públicas dentro do
convívio social.

Imagine-se uma discussão entre vizinhos, ocasião em que um afirma que causará um
mal injusto e grave contra o outro. Num episódio aparentemente simples de solução, em razão
da omissão do Estado, um crime de ameaça pode vir a se transformar num crime de
homicídio. A ausência de intervenção imediata em situações de conflito vem sendo apontada
como um dos fatores determinantes da violência urbana. Ora, havendo no local um núcleo da
Defensoria Pública especializado em mediação de conflitos, o problema pode ser resolvido
sem consequências mais graves.

Dentro deste último contexto, atuando especificamente no âmbito preventivo, a


Defensoria Pública deve criar núcleos de orientação jurídica e educação para direitos, com
ações direcionadas a resolver situações de risco no âmbito criminal, seja quando as infrações
penais forem praticadas, mas não exista razão para a promoção de ação penal, por existirem
alternativas mais viáveis; seja quando a situação ainda se resume ao perigo da prática da
infração penal, situação que enseja uma atuação preventiva.

Como se observa, a defesa das pessoas juridicamente necessitadas ultrapassa o cenário


judicial, indo, inclusive, muito além da investigação criminal. A relação direta entre algumas
infrações penais e a ausência de políticas públicas traz à baila uma coletividade repleta de
perigos e, contraditoriamente, apresenta um Estado autoritário e arbitrário, que procura ser
presente por meio da repressão penal, procurando utilizá-la como mecanismo de controle
social.
183

Traçando os perigos existentes, não resta dúvida de que é possível uma atuação
preventiva defensiva, demonstrando as consequências extremamente negativas advindas da
prática dos atos delitivos. Assim, a Defensoria Pública pode minimizar essas consequências
para proteger as camadas mais pobres da população, assegurando-lhes proteção aos seus
direitos fundamentais, intermediando a promoção destes.

Esse cenário de ter direitos fundamentais assegurados, inclusive contra as ações do


autoritarismo estatal Estado traz às pessoas segurança e a paz para a resolução de conflitos.
Assim, dúvidas não há de que a Defensoria Pública é indispensável para a efetivação dos
direitos fundamentais desta camada da população pobre carente, extremamente vulnerável aos
ao Estado autoritário repressor, ainda adepto da ideia de que violência se resolve com
retribuição de violência por seus órgãos de segurança pública, isto é, pagar um mal com outro
mal, como se fosse possível esquecer, nesse contexto, programas e planos de promoção de
direitos humanos.

Todavia, a Defensoria Pública precisa ser dotada de condições para uma atuação efetiva
no âmbito da prevenção de delitos, porque não basta mapear os pontos de risco e desenvolver
um programa para sua atuação como agente político de promoção dos direitos humanos.
Nesta linha de raciocínio, não há como protelar o acesso à justiça dos réus juridicamente
necessitados, por ser o pressuposto de acesso das políticas públicas, dentre as quais se inclui o
direito de ser defendido no âmbito da justiça penal em igualdade, para assegurar a liberdade,
com aquelas pessoas que possuem condição financeira para constituir um advogado
particular.

Por fim, propugna-se pela extinção da figura da advocacia dativa, porque esta não
oferece às pessoas juridicamente necessitadas um serviço especializado, com programas e
com projetos capazes de oferecer defesa efetiva contra acusações infundadas ou precárias e
acompanhamento dos atos do Estado acusador. Saliente-se ainda que a presença da advocacia
dativa gera sérios impactos para os acusados juridicamente necessitados, porque termina por
atrasar o caminho de estruturação da Defensoria Pública no Brasil, impedindo o acesso à
justiça.

A presença desta figura serve apenas para atender à comodidade do Estado-juiz


autoritário, dedicado à obtenção de celeridade processual, resultados rápidos, sem a devida
184

preocupação com o que se está conduzindo e como se está julgando. 117 No processo penal
brasileiro, o Estado-juiz quer de qualquer forma, solapando direitos e garantias individuais,
imprimir velocidade de suas etapas processuais, quando como se fosse possível transformá-lo
num rito sumário de condenações, sob a justificativa deplorável de uma grande demanda,
como se a pessoa ré no processo tivesse responsabilidade em relação a este problema, ao
ponto de prejudicar a participação dos acusados juridicamente necessitados e o exercício de
sua defesa. Sistematicamente, procura-se simplificar o exercício da defesa à elaboração célere
de peças processuais, no tradicional estilo “modelão” para antecipar as etapas e a decisão
final.

Qualquer tentativa de contraditório real e debates é deixada de lado, porque geram mais
demora, atrasando a velocidade da “maquina” de sentenças condenatórias. Os aspectos
formais do procedimento são exaltados, gerando defesas deficientes. O acusado juridicamente
necessitado é isolado nas barreiras formais do processo, restando-lhe pouquíssimas
possibilidades, quase nulas.

Não há como medir a repercussão desse tipo de atuação autoritária do Estado e doas
danos gerados às vidas humanas em questão em pleno jogo democrático. Essa verdadeira
manipulação do processo para atender a interesses gerenciais de celeridade do juízo para
responder às pressões sociais compõe o coração da engrenagem do “teatro garantista”, quando
em jogo está o valor liberdade humana, havendo possibilidade de uma pessoa ser inocente.
Nesse contexto, o advogado dativo funciona somente como uma peça utilizada pelo Estado-
juiz para dar vazão às estatísticas de condenações.

Dentro do quadro apresentado, a aberrante figura da advocacia dativa, em pleno século


XXI, compõe a engrenagem da ofensa ao direito de defesa. Afinal, a acomodação do Estado-
juiz em face do exercício do garantismo somente se aperfeiçoa se não existir defesa suficiente,
daí surgindo alguns pensamentos provenientes do imaginário popular: “Justiça é para os
ricos”, “se tivesse dinheiro não estaria preso”, “prisão é para pobre, preto e prostituta”.

117
Não se discute a necessidade de se viabilizar a razoável duração do processo como direito fundamental a ser
implementado, porque a velocidade na resposta do Estado garante maior efetividade aos direitos fundamentais,
principalmente nas situações de lesão ou de ameaça de lesão que não podem esperar outro momento, em razão
dos sérios prejuízos advindos da demora. Por outro lado, não se podem ignorar as particularidades e as
necessidades do processo penal, imprimindo velocidade a este para obter uma resposta célere do Estado ao preço
do solapamento de direitos e garantias individuais, dentre os quais se inclui o efetivo exercício da defesa. Afinal,
está em jogo é a constrição à liberdade da pessoa humana, valor este que impõe muito cuidado e atenção dos
participantes do processo para diminuir ao máximo a possibilidade de erro na decisão final. Enfim, quando se
refere a duração razoável do processo no âmbito da justiça penal é necessário sempre verificar se a celeridade
empreendida está sendo realizada com respeito aos demais primados do devido processo legal.
185

O modelo garantista de processo penal brasileiro sempre foi uma mentira, uma farsa,
mero “teatro garantista”, num País sem compromisso constitucional. E é, portanto,
completamente vazio, daí porque a lesão aos direitos e garantias individuais do acusado é uma
constante, porque um ideal pode ser alcançado ou não, a depender das condições e da
estrutura disponibilizada para atingi-lo e da solução de compromisso das pessoas em torno da
sua realização.

Neste aspecto, situa-se a Defensoria Pública como parte do conjunto de fatores que
devem ser observados para se alcançar o garantismo penal dentro da realidade processual, não
somente como modelo constitucional, senão como influência na dignidade dos acusados, para
os quais somente se objetiva um julgamento justo, como reflexo do próprio Estado
Democrático de Direito.

As considerações feitas da posição de isolamento do acusado no processo penal geram


um desafio para a Defensoria Pública: retirá-lo da invisibilidade como pessoa humana,
desenvolvendo a sua capacidade para participar dos atos do processo e para dialogar com o
seu acusador e o seu julgador. Esta participação pode ser reveladora e legitimará o exercício
da jurisdição.118

Neste aspecto, a obrigatoriedade de Defensoria Pública para assistir o acusado


juridicamente necessitado seria um grave empecilho as pretensões do Estado autoritário,
porque este deixaria de utilizar a figura da advocacia dativa para atender suas necessidades,
manipulando a defesa do acusado de acordo com os seus interesses.

A advocacia dativa vem servindo de elemento para compor uma “máscara”, verdadeiro
“teatro garantista”, escondendo a face oculta de um Estado-juiz concentrador de poderes e de
uma sociedade extremamente elitista, com pensamentos distantes do ideal de solidariedade
humana. Se a pretensão é a repressão penal, havendo desprezo pela consecução dos direitos e
garantias individuais do acusado, o Estado-juiz age também como acusador.

Isto posto, quando se nomeia o personagem do teatro garantista dvogado dativo para
preencher o formalismo exigido na figura da criticada “defesa técnica”, exerce influência
sobre a defesa, manipulando-a para ser passiva, não questionadora, ao ponto de ser possível

118
Bonavides (1996, p. 543) insere o direito de defesa catálogo dos direitos fundamentais de primeira geração.
Compreendido como direito humano positivado, todo comportamento do juiz no sentido contrário desta
percepção produz o autoritarismo, deslegitimando a atividade jurisdicional desenvolvida no processo penal.
186

afirmar uma “trama” de ideias para se evitar um processo democrático e justo, participativo e
dinâmico.

A Defensoria Pública é a instituição com capacidade para enfrentar o Estado autoritário,


protegendo pessoas juridicamente vulneráveis de processos injustos e antidemocráticos,
porque possui autonomia e independência necessárias para a consecução desses objetivos.
Neste ponto, observa-se que os interesses dos participantes do processo penal são diferentes,
quando, na verdade, deveriam ser o mesmo, consistente num processo justo e democrático.

O autoritarismo surge quando se age desconsiderando os fins almejados pelo Estado


Democrático de Direito, isto é, quando as ações de um órgão ou de uma instituição destoam
da plataforma de direitos humanos para atender a outras pretensões. Nessa linha de
pensamento, Lopes Júnior (2006, p. 9) intitula de “direito penal do terror” o tipo de atuação
do Estado pautada na intolerância e na repressão e, consequentemente, em razão dessa feição
autoritária, “[...] o processo passou a desempenhar uma missão fundamental numa sociedade
democrática, enquanto instrumento de limitação do poder estatal e, ao mesmo tempo,
instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias individuais”.

O interesse da acusação não é a condenação, assim como a pretensão da defesa não é a


absolvição. Dentro de uma perspectiva constitucional, o objetivo da acusação e da defesa é
uma decisão democraticamente aceitável. Esta pode ser absolutória e atender ao interesse da
acusação, assim como pode ser condenatória, atendendo ao interesse da defesa. Enfim, o
importante é a decisão ter sido construída de forma correta.

É indispensável superar a visão de que justiça penal pressupõe aplicação de pena,


constrição de liberdade do agressor, sofrimento deste, dores, desespero, aflição, isto é, de que
um mal precisa ser causado para solucionar o problema. Diversas são as soluções para evitar
constrições indevidas à liberdade, sendo necessário primeiramente pensar quais são os
objetivos desejados e, principalmente, qual a ação menos danosa para resolver o problema,
afetando o menos possível os direitos humanos.

A participação do acusado juridicamente necessitado no processo penal deve ser


estabelecida dentro da perspectiva democrática, devendo-se, inclusive, evoluir para se
estabelecer debate aberto e franco com a vítima, possibilitando a solução do conflito de forma
ideal para esta, com algum interesse desta preenchido como resposta ao ato do agente,
187

procurando-se fugir a todo custo o encarceramento e a pena aplicada dentro da visão


retributivista, vencendo o populismo irracional impregnante da atuação do Estado-juiz.

Guiados pelo populismo irracional, forjados dentro de uma formação completamente


inadequada para o exercício da função da magistratura, juízes agem de forma fria e alheia aos
interesses dos acusados juridicamente necessidade, em sua maioria pessoas pobres e
acostumadas com a omissão do Estado em relação a qualquer tipo de política pública.

A advocacia dativa é peça utilizada dentro do “teatro” que se procura formar para
incutir a ideia de que existe no Brasil o devido processo penal, quando tudo não passa de uma
“teatro garantista” para manter controle social por meio da repressão penal. Não existe a
preocupação com a efetividade da defesa do acusado, porque a condição deste não interessa
para o Estado.

Num novo modelo de defesa, mediante a completa extinção da advocacia dativa, o


Defensor Público deve continuamente acompanhar o acusado, oferecendo-lhe amplas
possibilidades de defesa, desde a investigação criminal. A realização meramente formal de
audiências e petições genéricas precisa desaparecer, dando lugar à Defensoria Pública como
pressuposto garantístico da efetividade da defesa dos acusados juridicamente necessitados no
processo penal.
CONCLUSÃ O

Reúnem-se, nesta última parte do trabalho, as conclusões a que se chegou ao longo de


toda a tese.

1. A defesa somente se aperfeiçoa no momento em que possui potencial mínimo para influir
no convencimento do juiz acerca da interpretação dos fatos, das provas e dos argumentos
jurídicos suscitados. Se não possui potencial para alcançar esse objetivo, não existe
exercício de defesa e, por conseguinte, a atividade jurisdicional não se legitima para
tornar a decisão final democrática, válida e justa;

2. A ineficiência do direito de defesa, isto é, a ausência de sua efetividade, interfere


diretamente no procedimento de reconstrução histórica da realidade passada. Impede,
portanto, uma aproximação da “verdade”, entendida esta última como “verdade
processual”, porque o objetivo da defesa e dos demais participantes do processo não
consiste na busca de uma “verdade absoluta”. Desta forma, a efetividade do exercício da
defesa não está em se procurar a “verdade”, porque a “verdade” é mais de uma. Dentro
do primado da razoabilidade, defesa efetiva significa aquela com capacidade suficiente
para produzir um processo democraticamente constitucional. A “verdade processual”,
alcançada na decisão final, pode significar absolvição ou condenação. A eficiência do
exercício do direito de defesa não está vinculada a um ou outro resultado, mas sim ao
caminho processual, porque a defesa sempre será instrumento.

3. Orientado pela necessidade de consecução do pleno exercício do direito de defesa, o juiz


de perfil constitucional deve conduzir as etapas processuais para tornar realidade o
modelo garantista. Desta forma, sua atuação precisa ser proativa em relação à assunção
dos direitos e garantias individuais fundamentais do acusado no processo penal, vencendo
as amarras antigas do Estado autoritário, ainda presentes no sistema penal de justiça
brasileiro, em razão das pressões geradas pelo populismo irracional.
189

4. O direito de defesa é indissociável a proposta do garantismo penal, porque este se


compõe do conjunto de garantias constitucionais que asseguram a legitimidade da
jurisdição e das decisões emanadas do Estado-juiz. Exercida na dinamicidade necessária,
a defesa integral possibilita o equilíbrio da relação processual, possibilitando uma real
participação do acusado na instrução probatória e no diálogo para o convencimento do
juiz, quando da prolação da decisão final.

5. O conhecimento claro dos termos da imputação e o pleno exercício das oportunidades


processuais tornam a defesa efetiva, e não meramente “técnica”, está última entendida
como mero direito a ser acompanhado por profissional habilitado. Nesse sentido, a
“defesa técnica” deve ser abolida, por ser desprovida de carga axiológica, vazia,
prestando-se apenas para atender formalidades das etapas processuais, sem oportunizar
uma atuação real do acusado e de seu defensor.

6. A defesa efetiva é uma decorrência do núcleo essencial da dignidade humana, porque, em


última instância, representa o propósito de se evitar ao máximo os erros das condenações
injustas. Sem a efetividade da defesa, não há como se assegurar o Estado Democrático de
Direito. Todo desequilíbrio de forças, representado, de um lado, pela figura do Estado
acusador autoritário; do outro lado, pela figura do acusado juridicamente necessitado,
gera perdas para a realidade democrática, porque insere o ser humano à margem do
sistema de justiça, sem chance de provar sua versão dos acontecimentos, se for inocente;
ou, ao menos, de obter uma condenação adequada, se for culpado;

7. Não bastasse esse desequilíbrio de forças, acusados juridicamente necessitados


submetem-se a desumanos e degradantes tratamentos, porque, em pleno século XXI, não
foram ainda identificados como pessoas possuidoras de direitos, isto é, a condição
humana não foi ainda reconhecida no sistema de justiça penal, sendo prova cabal disso a
antecipação da pena sem o término do processo.

8. O desequilíbrio de forças fabrica as presunções e as ilações responsáveis pelas


condenações penais injustas, aceitando-se meros indícios como prova plena do que se
deseja demonstrar, numa clara constatação de que o Estado autoritário se vale do Direito
Penal de forma utilitarista para exercer controle social, com o objetivo somente de isolar
as pessoas, e não de produzir justiça;
190

9. Em decorrência da ausência de compromisso constitucional do Poder Legislativo, busca-


se, cada vez mais, celeridade processual, com o intuito de atingirem-se estatísticas, sem o
mínimo de cuidado quanto ao que se está decidindo. Prova disso são alterações
legislativas recentes, imprimindo velocidade às etapas do processo, mediante
simplificação dos procedimentos, sem contemplar a efetivação do direito de defesa.
Nesse contexto, acentua-se o Direito Penal Simbólico, em meio aos discursos populistas
irracionais, prejudicando os acusados juridicamente necessitados.

10. No atual contexto, a defesa estabelece-se incialmente como postura de oposição contra a
precariedade da acusação, baseada na insuficiência de provas e sustentada pela pressão de
uma fantasiosa ordem pública em torno dos temas violência e criminalidade, exigindo-se
condenações independentemente do caráter duvidoso destas ou dos instrumentos
propostos para alcançá-la. Em outros termos, é preciso primeiramente se opor às ilações,
presunções, suspeitas antecipações de julgamento, valorações equivocadas, servindo
como verdadeiro mecanismo de controle do autoritarismo estatal, destacadamente da
postura autoritária do Estado-juiz.

11. O direito de defesa deve ser exercido primeiramente como mecanismo de controle do
Estado-juiz autoritário, para evitar que o acusado seja posto na condição de “objeto”, em
vez de sujeito de direitos. Desta forma, deve impedir qualquer tipo de ofensa à honra, à
intimidade, à vida privada, à integridade física e moral, bens que compõe o núcleo da
dignidade humana. Para atingir referido propósito, o estudo sobre o direito de defesa
proceder-se-á sempre em conformidade com os princípios enraizados na Constituição,
tornando-o o direito processual penal verdadeiro direito constitucional aplicado,
atentando-se para indissociabilidade da hermenêutica constitucional.

12. A proteção do núcleo da dignidade humana deve ser analisada como a referência máxima
do pleno exercício do direito de defesa, orientando a edificação de todas as etapas do
devido processo penal constitucional. Como consequência desta máxima, não se pode
restringir a real oportunidade de participação do acusado juridicamente necessitado de
participação no processo. A força das garantias constitucionais servirá para impedir o
retorno às antigas práticas autoritárias e para obstar tendências atuais do Estado nesse
sentido.
191

13. Durante quase toda a humanidade, a pessoa humana não passava de um mero objeto de
análise do Estado autoritário e repressor, sem valor, daí porque o próprio Estado
patrocina o “circo de horrores” do sistema penal de justiça. No direito processual penal
contemporâneo, depreende-se a garantia constitucional à efetividade da defesa,
caracterizando-se como direito fundamental do acusado não apenas o direito, senão
especialmente o “direito ao acesso ao direito” no sentido de entregar-lhe uma defesa real.

14. Constituindo um dos princípios basilares do devido processo legal, instrumento


fundamental para a consecução dos ideais de justiça, igualdade e liberdade, a garantia
constitucional ao Defensor Público é o direito das pessoas excluídas do acesso à justiça
penal a uma defesa efetiva. Esta garantia material ao efetivo exercício do direito de
defesa resulta na garantia constitucional de ser defendido por Defensor Público, não se
admitindo mais defesas fantasiosas, fictícias, dentro do que no decorrer desta tese
denominamos “teatro garantista”.

15. A Defensoria Pública tem como missão precípua no processo penal evitar as frustrações
ao direito de defesa dos acusados juridicamente necessitados, decorrente não apenas das
injustas e precárias condenações, mas do completo isolamento deste nos cárceres, numa
visão meramente retributivista, e do menosprezo pela sua condição humana, na medida
em que a pessoa encarcerada é submetida a todo tipo de suplícios, dores, sofrimentos,
com gravíssimas lesões à sua saúde física e mental.

16. Para evitar revolta e inconformismo decorrente das mazelas do processo penal, a
Defensoria Pública deve assegurar ao acusado ao menos o direito de atuar minimamente
na construção do processo, para que este possa ter o sentimento democrático de que teve
a oportunidade a sua disposição. Em virtude de a grande maioria dos acusados
juridicamente necessitados não conhecer com clareza os termos da imputação e raramente
tomar conhecimento do teor das condenações aplicadas, o Defensor Público deve intervir
para tirá-los da margem do sistema de justiça, possibilitando-lhes interagir com todos os
personagens processuais, inclusive, estabelecendo, quando for possível, buscando uma
aproximação da vítima para dar efeito a uma conciliação, dentro da perspectiva da justiça
restaurativa;

17. A proposta de atuação direta do acusado juridicamente necessitado na construção das


etapas defensivas ainda não faz parte da realidade brasileira, porque a ideia do
192

retributivismo, baseada no castigo, ainda está presente no pensamento dos atores do


processo, notadamente juízes e promotores de justiça, adeptos do caráter simbólico da
prisão como solução e fator inibitório do delito, isto é, adeptos da retribuição do mal,
afora a imensa representatividade no imaginário popular desse tipo de ação, com ampla
aceitação.

18. Por meio de sua independência, a Defensoria Pública deve enfrentar a sensação
extremamente estimulada pela mídia das políticas de rigor penal como solução para
problemas de segurança e de violência, evitando o agravamento da situação de
isolamento do acusado no processo penal, fator este que dificulta ainda mais o já
deficiente exercício do direito de defesa. Deve, portanto, propiciar o debate, dentro de
uma construção dialética, do acusado com o Estado-juiz e com o seu acusador,
importando na redução de danos para o aumento da efetividade da defesa.

19. Referido modelo de atuação dos personagens do processo não recebe ainda respaldo dos
órgãos de segurança pública, do Poder Judiciário e do Ministério Público, sendo este
último aspecto fundamental para manutenção das políticas públicas de extrema repressão
penal. A Defensoria Pública deve exigir do Estado-juiz, responsável pela condução do
processo, o protagonismo do acusado em todas as etapas do processo penal, garantindo-
lhe o direito de interferir de forma lícita e idônea no seu destino, não podendo aceitar a
“vontade” antidemocrática do Estado-juiz e do Ministério Público de empreender
velocidade às etapas do processo, alheios aos direitos e garantias individuais da pessoa
humana.

20. Esta preocupação do Estado-juiz em diminuir a demanda processual para cumprir metas
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é extremamente preocupante no processo penal,
porque a agilidade dos procedimentos penais em detrimento de um amplo processo de
reconstrução histórica dos fatos a acarreta danos irreparáveis, ocasionando a condenação
de muitos inocentes, afora condenações de culpados injustas, porque em
desconformidade com as provas existentes e as linhas de defesa.

21. A ausência de Defensoria Pública tem prejudicado bastante o exercício da defesa,


gerando o agravamento do “teatro garantista” construído pelo Estado autoritário, dentro
de propósitos extremamente atentatórios ao humanismo, porque não existe a preocupação
193

com a possibilidade de uma pessoa ser inocente, aspecto este inconcebível na ordem
constitucional democrática;

22. A realidade do processo penal brasileiro vem sendo mascarada, na medida em que se
encobre a negação dos direitos e garantias individuais do acusado pelo Estado-juiz. O
descumprimento da Lei n° 12.403, de 4 de maio de 2011, constitui um exemplo claro de
ausência de compromisso constitucional, porque as medidas cautelares alternativas à
prisão, concebidas para evitar antecipação de penas, até hoje não foram devidamente
aplicadas;

23. À Defensoria Pública cabe verificar a possibilidade de uma composição com a vítima,
evitando o processo judicial como alternativa para a solução do conflito, devendo guiar a
sua atuação pelos princípios do Direito Penal Mínimo e, especialmente, desenvolver
ações proativas para impedir o aprisionamento de pessoas em razão de infrações penais
sem significativo potencial lesivo;

24. A construção de um novo modelo de defesa deve ser intermediada pela Defensoria
Pública, com o propósito de possibilitar ao acusado o exercício integral do contraditório.
O seu exercício deve ser integral para que o acusado juridicamente necessitado esteja
envolvido no próprio futuro dentro do sistema penal de justiça;

25. Sob outra perspectiva, o Defensor Público deve ainda orientar o acusado juridicamente
necessitado a minorar as consequências de suas ações, propondo uma mudança de atitude
em busca a se realinha com a vítima, na construção de uma justiça de natureza
restaurativa e solidária. Para atingir tal propósito, deve buscar a parceria com os órgãos
de segurança pública, deve atuar na elaboração e no acompanhamento das medidas
protetivas. Em outras palavras, seguindo a linha cooperativa, a Defensoria Pública atua
no sistema de justiça também em favor da vítima, mediante atuação e propósitos distintos
do Ministério Público, porque o último age promovendo a ação penal, buscando na
repressão penal a solução, enquanto a Defensoria Pública deve buscar o Direito Penal
mínimo, evitando todas as mazelas geradas pelo processo penal.

26. No processo penal brasileiro, não existe preocupação com a consecução da igualdade, da
liberdade e da justiça. Diferentemente de outras áreas do direito, não há compromisso
constitucional para com o resultado satisfatório. Ao contrário, o isolamento das pessoas é
buscado como forma de controle social, de resultados rápidos. A decisão não precisa ser
194

necessariamente justa no Estado autoritário, porque o objetivo é uma resposta positiva


para o imaginário coletivo, não se avaliando se a sanção penal cumpriu os fins a que se
destinava;

27. Se o acusado não encontra espaço para se defender, não haverá a oportunidade de
questionar os fatos que lhe foram atribuídos, sendo este um traço marcante do
autoritarismo do Estado no processo penal. Consequentemente, o “teatro garantista” é
moldado e, infelizmente, aceito, com o respaldo da coletividade, sendo pouquíssimas as
pessoas que se preocupam com direitos fundamentais de presos, ou mesmo que
identificam o acusado como pessoa humana detentora de direitos.

28. Ao mesmo tempo em que a defesa permanece sendo percebida sob o aspecto formal, e
não substancial, o autoritarismo do Estado tendo a aumentar em razão das pressões
geradas pelo populismo irracional, diante da onde de violência e de insegurança.
Contrapondo-se a um espaço democrático, a intenção é a aceleração das audiências e de
outras etapas, daí porque a assistência jurídica efetiva para o acusado juridicamente
necessitado é inconveniente, porque termina retirando os protagonistas, quais sejam
Estado-juiz e Ministério Público, da sua “zona de conforto”;

29. O advogado dativo é conveniente ao Estado autoritário, porque não gera problemas, evita
incidente e age como verdadeiro auxiliar administrativo das necessidades pretendidas
pelo juiz na condução dos atos processuais, como se fosse um funcionário do juízo a
serviço do magistrado, sob suas ordens. Dificilmente existe discordância entre o Estado
acusador e Estado-juiz, porque o objetivo termina sendo comum, qual seja, aplicação da
sanção penal como forma de controle social, prestando-se a advocacia dativa apenas para
preencher a farsa gerada por este “teatro garantista”.

30. A advocacia dativa vem servindo de elemento para compor uma “máscara”, encobrindo
um Estado-juiz autoritário, concentrador de poderes e sem compromisso constitucional.
Se a pretensão é a repressão penal, havendo desprezo pela consecução dos direitos e
garantias individuais do acusado, o Estado-juiz age também como acusador. A nomeação
de advogado dativo para preencher o formalismo exigido na figura da “defesa técnica”
exerce influência sobre a defesa, manipulando-a para ser passiva, não questionadora.
Obstaculiza, portanto, o processo penal constitucional democrático, justo, participativo e
dinâmico;
195

31. A Defensoria Pública é a instituição com capacidade para enfrentar o Estado autoritário,
protegendo pessoas juridicamente necessitadas de processos injustos e antidemocráticos,
porque possui autonomia e independência necessárias para a consecução desses objetivos.
Ao contrário, a advocacia dativa age desconsiderando os propósitos constitucionais do
Estado Democrático de Direito, isto é, suas ações destoam da plataforma de direitos
humanos para atender a pretensões diversas ao direito de defesa;

32. A Defensoria Pública intermedeia a participação dos acusados juridicamente necessitados


na construção de uma nova realidade processual, na qual o acusado consegue debater,
expor sua versão dos fatos e passar informações relevantes acerca das provas. Neste novo
modelo de defesa, a atuação do Defensor Público possibilita o aumento das chances de
uma decisão justa, porque o acusado passa a ter envolvimento efetiva e orientação
jurídica de qualidade, adequada. Abre-se, portanto, um maior espaço para a defesa e as
alternativas decorrentes desta, aproximando-se do garantismo real e afastando-se do
“teatro garantista” presente na atual realidade do sistema penal de justiça brasileiro.

33. A ausência de Defensoria Pública constitui o obstáculo mais evidente para a defesa se
tornar efetiva e, por conseguinte, se alcançar o ideal do processo penal constitucional,
justo e democrático. Sem a assistência da Defensoria Pública, não há compromisso com o
aprofundamento das questões de fato e de direito relacionadas ao caso. Assim, a ausência
de uma atuação efetiva da Defensoria Pública diminui as chances de o acusado provar sua
inocência.

34. As mazelas do sistema de justiça penal geram a impressão de que são impermeáveis,
porque a desigualdade social dentro deste é histórica, ao ponto de os próprios presos
estranharem quando a Defensoria Pública atua em seu favor. Afinal, evidenciam-se em
geral, e não apenas dentro do sistema de justiça penal, pessoas extremamente carentes do
exercício de direitos, sendo a desigualdade no âmbito da justiça penal apenas um reflexo
desta situação;

35. A Defensoria Pública, por meio da promoção dos direitos humanos, deve contribuir para
a superação da visão de que o resultado da justiça penal pressupõe aplicação de pena,
constrição de liberdade do agressor, sofrimento deste, aflição. Diversas são as soluções
para evitar constrições indevidas à liberdade, sendo necessário primeiramente pensar
196

quais são os objetivos desejados e, principalmente, qual o tipo de intervenção menos


drástica para resolver o problema, afetando o menos possível a dignidade humana;

36. Guiados pelo populismo irracional, forjados dentro de uma formação completamente
inadequada para o exercício da função da magistratura, juízes agem de forma fria e alheia
aos interesses dos acusados juridicamente necessitados, em sua maioria pessoas pobres e
acostumadas com a omissão do Estado em relação às políticas públicas. Dentro desse
contexto, insere-se a advocacia dativa como peça utilizada na montagem do “teatro
garantista”, que se procura formar para incutir a ideia de que existe no Brasil devido
processo penal, quando tudo não passa de mera farsa para manter a maioria da população
isolada, por meio da repressão penal.

37. Não existe a preocupação com a efetividade da defesa do acusado juridicamente


necessitado, porque a condição deste não interessa para o Estado autoritário, preocupando
apenas em deixar as pessoas à margem do sistema penal de justiça. Por isso mesmo, no
novo modelo de defesa proposto, a advocacia dativa deve ser extinta. A Defensoria
Pública deve atuar integralmente no acompanhamento dos acusados juridicamente
necessitados para lhes oferecer amplas possibilidades de defesa, desde a investigação
criminal. A realização meramente formal de audiências e petições genéricas, verdadeiros
“modelões”, precisa desaparecer para dar lugar à Defensoria Pública como pressuposto
garantístico da defesa dos acusados em situação de vulnerabilidade;

38. A advocacia dativa obstaculiza os direitos e garantias individuais do acusado


juridicamente necessitado, daí porque a extinção desta é um passo relevante no sentido de
a defesa deixar de ser considerada mero exercício de retórica dos ideais garantistas para
se converter num programa constitucional concretizador da dignidade humana, bastante
atrasado na realidade do sistema processual brasileiro;

39. A extinção da advocacia dativa deve ser considerada como parte da realização
constitucional do direito de defesa das pessoas juridicamente necessitadas. Em razão do
autoritarismo dos órgãos e das instituições do Estado, que descumprem escancaradamente
preceitos constitucionais, deve-se avançar da construção ideológica para a conversão
desta para a realidade processual.

40. Diferentemente da advocacia dativa, restrita ao mero acompanhamento judicial, a


Defensoria Pública tem o dever de garantir o contraditório e a ampla defesa na fase pré-
197

processual, corrigindo mais este aspecto da desigualdade no sistema de justiça penal.


Somente as pessoas sem condições materiais não são defendidas na investigação
criminal, sofrendo os danos decorrentes desta ausência;

41. Exige-se compromisso constitucional para que se ponha fim à banalização quanto ao
exercício do direito de defesa, não se aceitando a defesa precária ou insuficiente
expressada na advocacia dativa. Não se trata especificamente de restaurá-la ou modificá-
la, porque esta representa o antigo modelo de assistência judiciária, completamente
incompatível com os princípios institucionais e os objetivos da Defensoria Pública. Com
fins completamente distintos da advocacia dativa, a Defensoria Pública precisa ser
aperfeiçoada, criando-se as condições favoráveis para um processo penal
verdadeiramente justo, dinâmico e democrático, de tal forma que, ao final, o acusado
possa ter sentimento de justiça e, em certa medida, estar satisfeito por também ter sido
protagonista do seu destino, ainda que não venha a aceitar a decisão condenatória.

42. Ao longo da tese, construiu-se um novo modelo de defesa, sob a perspectiva da


Defensoria Pública como garantia do devido processo penal constitucional, ao ponto de
ser considerada como fator legitimante da própria atuação jurisdicional na hipótese de
acusado juridicamente necessitado.

43. As discussões acerca das dificuldades para o pleno exercício do direito de defesa dos
acusados juridicamente necessitados não se esgotam na existência da advocacia dativa,
porque existem outras questões que precisam ser trabalhadas especificamente, mas não
estão na dinâmica do presente estudo. O importante é a consciência de que sempre será
possível avançar na construção de um processo penal humanista e eficaz;

44. A defesa propiciada pela Defensoria Pública, completamente desvinculada da ideia de


advocacia dativa, é bastante ampla, abrangendo, inclusive, atuação multidisciplinar,
porque se vale da contribuição de outras ciências e de profissionais de áreas diversas com
o propósito de acompanhar o acusado juridicamente necessitado, inclusive sua família,
não apenas no curso do processo judicial, mas sim antes e depois deste, com o fim de
promover os direitos humanos, independentemente dos efeitos da sentença condenatória;

45. A presença da Defensoria Pública produz vários benefícios para o acusado no sistema de
justiça penal, porque a busca desenfreada do Estado autoritário pelo aprisionamento das
pessoas como mecanismo de controle social lesa a plataforma de direitos humanos.
198

Diferentemente do advogado dativo, o Defensor Público é agente político da promoção


dos direitos humanos, devendo atuar para o aprisionamento ser somente uma medida
excepcional no Estado Democrático de Direito. Desta forma, existe uma missão de
caráter político na sua atuação, consistente em corrigir as distorções da política criminal
retributivista, porque esta não se coaduna com o modelo de atuação buscado pelos ideais
humanistas;

46. A advocacia dativa dificilmente deixará de existir enquanto os juízes não assumirem uma
postura constitucional e proativa para enfrentar os sérios problemas da ausência de
efetividade da defesa dos acusados juridicamente necessitados. A precariedade da defesa
atende perfeitamente aos anseios de um Estado autoritário, cuja limitação da liberdade
das pessoas é um fim em si mesmo, utilizado como instrumento de controle social;

47. Contra o aparelho de controle social por meio da repressão penal utilizado pelo Estado
autoritário, fomentador do isolamento social da maior camada da população, formada por
pessoas pobres, a Defensoria Pública é o caminho para afastar a advocacia dativa,
buscando a efetividade do direito de defesa, com intuito de promover a inserção do
acusado juridicamente necessitado em todas as etapas do processo penal, possibilitando
um contraditório real e dinâmico, não se admitindo defesa meramente formal;

48. Como a advocacia dativa somente possibilita ao acusado uma defesa meramente formal,
impedindo a dinamicidade exigida pelo contraditório para possibilitar um julgamento
justo, o Código de Processo Penal deve ser alterado, extinguindo a advocacia dativa e
fixando as condições necessárias para o exercício pleno da defesa dos acusados
juridicamente necessitados;

49. As missões institucionais do Defensor Público na promoção dos direitos humanos e na


diminuição das desigualdades sociais históricas, por meio da consecução dos direitos
fundamentais da pessoa humana, devem permear a realidade do processo penal e do
sistema de justiça penal, daí porque o legislador precisa criar um capítulo próprio no
Código de Processo Penal sobre a Defensoria Pública e suas atribuições;

50. O Código de Processo Penal deve ser alterado para tornar efetivo o direito de defesa,
retirando-se da sua redação termos e expressões referentes à advocacia dativa e fixando
expressamente a obrigatoriedade da atuação da Defensoria Pública na hipótese de pessoas
199

investigadas ou acusadas juridicamente necessitadas, sob pena de nulidade absoluta dos


atos processuais;

51. A atuação da Defensoria Pública deve ser considerada cláusula indispensável para a
realização da defesa dos acusados juridicamente necessitados e para a própria legitimação
da atividade jurisdicional, por ser uma das garantias constitucionais do processo penal.
Sob esta perspectiva, apenas a alteração do Código de Processo Penal não será suficiente.
Paralelamente, o Estado-juiz deve romper com posturas autoritárias, assumindo o
compromisso constitucional de exigir a obrigatoriedade da Defensoria Pública.
REFERÊ NCIAS

ABADE, Denise Neves. Direito de acesso aos autores no processo penal: breve análise crítica.
RBCCrim, v. 13, n. 57, p. 121-158, nov./dez. 2005.

ADEODATO, João Maurício. A retórica constitucional: sobre tolerância, direitos humanos


e outros fundamentos éticos do direito positivo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ADIERS, Leandro Bittencourt. Kyllo vs. United States: a garantia da privacidade como limite
aos poderes investigatórios do Estado na visão da Suprema Corte dos EUA. Revista Jurídica,
v. 52, n. 327, p. 99-113, jan. 2005.

ADORNO, Sérgio. Declaração Universal dos Direitos Humanos: 50 anos de teoria e prática.
In: AMARAL, Ana Lúcia (org.). Dialogando sobre direitos humanos. São Paulo: Artchip,
1999. (Cadernos de Direito e Cidadania I).

ADORNO, Sérgio; LAMIN, Cristiane. Medo, violência e insegurança. In: LIMA, Renato
Sérgio de; PAULA, Liana de (orgs.). Segurança pública e violência: o Estado está
cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2006. p. 151-171.

ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. A situação da Justiça Penal no Brasil do século XIX.


Revista dos Tribunais, v. 15, n. 66, p. 118-156, jun. 2007.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2011.

ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.

ALMEIDA, Renato Franco de. Legitimidade da defensoria pública para ação civil pública:
inconstitucionalidade. Revista CEJ, v. 13, n. 44, p. 36-44, jan./mar. 2009.

ALVAREZ, Marcos César. A vítima no processo penal brasileiro: um novo protagonismo no


cenário contemporâneo. RBCCrim, v. 18, n. 86, p. 247-288, set./out. 2010.

ALVES, Cleber Francisco. Justiça para todos! Assistência jurídica gratuita nos Estados
Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

ALVES, Francisco Cleber; PIMENTA, Marília Gonçalves. Acesso à justiça em preto e


branco: retratos institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

AMARAL, Augusto Jobim do. Faces da evidência: regimes da prova no processo penal.
RBCCrim, v. 20, n. 98, p. 269-316, set./out. 2012.
201

AMARAL, Cláudio do Prado. Em busca do devido processo na execução penal. RBCCrim,


v. 17, n. 81, p. 161-194, nov./dez. 2009.

ANDRADE, Carlos Augusto Medeiros de. A mediação e a conciliação como ferramentas de


atuação da Defensoria Pública. Revista da Faculdade Christus, n. 11, p. 25-44, jan./jul.
2007.

ANDRADE, Renato Faloni de. Apontamentos sobre a legitimação ativa do cidadão, do


Ministério Público e da Defensoria Pública para as ações coletivas, a partir da análise
evolutiva do constitucionalismo. Revista de Processo, v. 35, n. 185, p. 321-339, jul. 2010.

AQUINO, Santo Tomas. Tratado da justiça. Trad. Fernando Couto. Porto: Rés-Editora,
1989.

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.

ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectiva,
2008.

ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Trad. Denise Bottmann. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2010.

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.

ARISTÓ TELES. Apolítica. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2002.

ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da


Ciência”. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM,
Gustavo. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 187-202.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e


gravações clandestinas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

AYOS, Emilio Jorge. Delito y pobreza. São Paulo: IBCCrim, 2010.

AZEVEDO, Bernardo Montalvão Varjão de. Ensaio sobre uma teoria geral dos atos de
comunicação no processo penal brasileiro: à luz da teoria da ação comunicativa habermasiana.
Revista de Direito Constitucional e Internacional/Cadernos de Direito Constitucional e
Ciências Políticas, v. 16, n. 64, p. 127-138, jul./set. 2008.

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Poder judiciário e justiça social. Revista da Ajuris, n. 63, p.
5-16, mar. 1995.

BADARÓ , Gustavo Henrique RighiIvahy. Ô nus da prova no processo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003.

BAPTISTA, Carlos Alberto. A vedação constitucional da prova ilícita. Revista Jurídica, v.


50, n. 300, p. 78-91, out. 2002.
202

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle


das políticas públicas. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flavio (orgs.). Direitos
fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. p. 31-60.

BARROS, Marco Antônio de. A busca da verdade no processo penal. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de


constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília
Jurídica, 2000.

BARROSO, Kátia da Silva Soares; LIMA, Lucienne Borin. Direito fundamental à defensoria
pública. Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Unipar, v. 10, n. 2, p. 381-418, jul./dez.
2007.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 4. ed. São


Paulo: Saraiva, 2013.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo:


Saraiva, 2001.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica do direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Renan,
1990.

BATISTA, Weber Martins. Liberdade provisória, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira. 2. ed. São Paulo:
Edipro, 2010.

BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. Direitos humanos e direito penal: limites da intervenção
penal racional no Estado Democrático de Direito. In: MENDES, Gilmar Ferreira, BOTTINI,
Pierpaolo Cruz, PACELLI, Eugênio (coords.). Direito penal contemporâneo: questões
controvertidas. São Paulo: Saraiva, 2011.

BELLO, Enzo. Perspectivas para o direito penal e para um Ministério Público


Republicano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. (Coleção Pensamento Crítico).

BESSA, Leandro Sousa. A Defensoria Pública como instituição vocacionada aos meios
democráticos de solução de conflitos. Nomos: Revista do Curso de Mestrado de Direito da
UFC, v. 27, p. 227-245, jul./dez. 2007.

BIGNOTTO, Newton. Origens do republicanismo moderno. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

BITENCOURT NETO, Eurico. Direito ao mínimo para uma existência digna. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Almiro Piseta e Lenira Esteves. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2000.

BODIN, Jean. Os seis livros da República: primeiro livro. Trad. José Carlos Orsi Morel. São
Paulo: Ícone, 2011.
203

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília,


DF, Senado, 1988.

BRETAS, José Bolivar. A imperiosa necessidade de defensoria pública. Consulex, v. 13, n.


298, p. 46-47, jun. 2009.

BUONO, Carlos Eduardo de Athayde; BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A reforma


processual penal italiana: reflexos no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.


Coimbra: Almedina, 2003.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Fabris, 1988.

CARDOSO, Luciana Zaffalon Leme. Fendas democratizantes: mecanismos de participação


popular na defensoria pública e o equacionamento da luta social por oportunidade de acesso à
justiça. In: RÉ , Aluísio Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas aprofundados da Defensoria
Pública. Salvador: JusPodivm, 2013.

CARNAZ, Daniele Regina Marchi Nagai. Da legitimidade ativa da defensoria pública na ação
civil pública. Revista de Processo, v. 32, n. 149, p. 157-168, jul. 2007.

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antônio Cardinalli.


São Paulo: Conan, 1995.

CARVALHO, Leandro Coelho de. A defensoria pública e as peculiaridades de sua atuação


processual. Revista Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Ceará, v. 1, n. 1, p. 129-
169, jan./dez. 2009.

CARVALHO, Sabrina Nasser de. Implementação dos direitos de cidadania. In: RÉ , Aluísio
Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador:
JusPodivm, 2013.

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no
Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

CERVINI, Raúl, OLIVEIRA, Willian Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de
capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 1995.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal à luz da Constituição. São Paulo: Edipro, 1999.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal de emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002.
204

CHUEIRI, Omar Simão. Acesso à Justiça: assistência judiciária comprimento da norma


constitucional – A defesa dos excluídos. Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Unipar,
v. 1, n. 1, p. 291-305, jul./dez. 2007.

CINTRA, Antônio Carlos Fontes. Legitimação da Defensoria Pública para propor ação civil
pública. Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 184, p. 171-190, out./dez. 2009.

COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo. São Paulo: Espaço e Tempo, 1987.

COMISSÃ O INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – CIDH. Convenção


Americana sobre Direitos Humanos. 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/
básicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 20 fev. 2013.

CONDE, Francisco Muñoz. As origens ideológicas do direito penal do inimigo. RBCCrim,


v. 18, n. 83, p. 93-119, mar./abr. 2010.

CONRADO, Maria do Carmo Moreira. A Defensoria Pública e o clamor dos excluídos: o elo
para uma revolução social. Consulex, v. 8, n. 172, p. 46-48, mar. 2004.

COSTA JÚ NIOR, Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

COUCEIRO, João Cláudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2004.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In:
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Crítica à teoria geral do direito processual
penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no seu lugar
constitucionalmente demarcado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO,
Luís Gustavo Grandinetti Castanho de (orgs.). O novo processo penal à luz da
Constituição: análise crítica do Projeto de Lei nº 156/2009, do Senado Federal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 1-17.

CRUZ, Rogério Schietti Machado. Processo penal pensado e aplicado. Brasília: Brasília
Jurídica, 2005.

DELMANTO JÚ NIOR, Roberto. Inatividade no processo penal brasileiro. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2004.

DEMERCIAN, Pedro Henrique. Curso de processo penal. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009.

DEPINÉ FILHO, Davi Eduardo. Defensoria pública: ainda não dá para celebrar. Consulex, v.
12, n. 265, p. 66, jan. 2008.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Almedina, 1988.

DIAS, José Carlos. (coord.) D’URSO, Luiz Flávio Borges. Justiça Criminal, seus
Personagens e a Mídia in Advocacia e justiça criminal. Belo Horizonte: Juarez de Oliveira,
1997.
205

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo:


Malheiros, 2003.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. São Paulo:
Bookseller, 2000. v. 3.

FELDENS, Luciano. Constituição penal: a dupla fade da proporcionalidade no controle de


normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FENSTERSEIFER, Tiago. A legitimidade da defensoria pública para a ação civil pública


ambiental e a condição de pessoa necessitada em termos (sócio) ambientais. Uma questão de
acesso à justiça (sócio) ambiental. Revista de Processo, v. 36, n. 193, p. 53-100, mar. 2011.

FENSTERSEIFER, Tiago. A legitimidade da defensoria pública para a ação civil pública


ambiental e a condição de pessoa necessitada em termos (socio)ambientais: uma questão de
acesso à justiça (socio)ambiental. In: RÉ , Aluísio Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas
aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm, 2013.

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003.

FERNANDES, Antônio Scarance. Revista dos Tribunais, v. 66, n. 15, p. 194-236, jun. 2007.

FERNANDES, Antônio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no


processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010.

FERREIRA, Bruno; PAVI, Carmelice Faitão Balbinot; CAOVILLA, Maria Aparecida Lucca.
A Defensoria Pública e o acesso à justiça na América Latina. In: RÉ , Aluísio Iunes Monti
Ruggeri (org.). Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm, 2013.

FLORENZANO, Modesto. Sobre as origens e o desenvolvimento do Estado Moderno no


Ocidente. Lua nova: Revista Cultura e Política, v. 71, p. 11-39, 2007.

FOUCAULT, Michel. A história da loucura. Trad. José Teixeira Coelho Netto. 7. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2004.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2009.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 26. ed. São Paulo:
Vozes, 2004.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007.
206

GALGANI, B. O processo penal italiano e os direitos de defesa no estágio pré-processual.


Meritum, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 5-24, jan./jun. 2009.

GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 5. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

GIANNELLA, Berenice Maria. Assistência jurídica no processo penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002.

GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 5. ed. São


Paulo: Saraiva, 2013.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2008.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A presunção de inocência e o ônus da prova em


processo penal. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais 23/3, São Paulo,
nov. 1994.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997.

GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito e processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998.

GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Periculosidade no direito penal contemporâneo.


In: MENDES, Gilmar Ferreira, BOTTINI, Pierpaolo Cruz, PACELLI, Eugênio (coords.).
Direito penal contemporâneo: questões controvertidas. São Paulo: Saraiva, 2011.

GONZÁ LEZ CALVILLO, Enrique. La mediación en México. Jurídica, México, n. 29. p.


177-208, 1999.

GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Revista Jurídica,


Porto Alegre, ano 51, n. 305, mar. 2003.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1999.

GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido


Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1998.

GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido


Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed.


São Paulo: Celso Bastos, 2001.

HABERLE, Peter. Dignidade da pessoa humana como fundamento da comunidade estatal. In:
SARLET, Ingo Wolfgang. Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia de direito e direito
constitucional, 2. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2013.

HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e razão descentralizada. Trad. Lúcia Aragão. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.
207

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade II. Trad. Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O federalista. Trad. Heitor


Almeida Herrera. Brasília: Universitária de Brasília, 1984.

HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 3.
ed. São Paulo: Victor Civita, 2008.

JAKOBS, Günther. Direito penal do inimigo. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; REIS, Gustavo Augusto Soares dos. O novo
desenho constitucional da Defensoria Pública: autonomia. Revista dos Tribunais, v. 101, n.
920, p. 449-465, jun. 2012.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.

KUNTZ, Rolf. A redescoberta da igualdade como condição de justiça. In: FARIA, José
Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2010.

LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência. Lisboa: Fragmentos, 1989.

LANDIM, Maria Noêmia Pereira. A importância da defensoria pública na concretização do


acesso à justiça. Revista Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Ceará, v. 1, n. 1, p.
160-172, jan./dez. 2009.

LAURIS, É lida. Entre o social e o político: A luta pela definição do modelo de acesso à
justiça em São Paulo. Revista Crítica de Ciências Sociais, São Paulo, v. 87, p. 121-142, dez.
2009.

LEAL, César Barros. A defensoria pública como instrumento de efetivação dos direitos
humanos. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Ceará, v. 15, n. 17, p. 55-62, 2007.

LEAL, César Barros. Execução penal na América Latina à luz dos direitos humanos:
viagem pelos caminhos da dor. Curitiba: Juruá, 2010.

LEAL, César Barros. Vigilância eletrônica à distância: instrumento de controle e alternativa


à prisão na América Latina. Curitiba: Juruá, 2011.

LIMA, Francisco Gerson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo. São


Paulo: Malheiros, 2002.

LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2012.

LIMA, Marco Antônio Ferreira. Acesso à justiça penal no Estado Democrático de Direito.
Curitiba: Juruá, 2008.
208

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad. Júlio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.

LOPES JÚ NIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional: Lei
12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2011.

LOPES JÚ NIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da


instrumentalidade garantista. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

LOPES JÚ NIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3. ed. Rio
de Janeiro: Lumem Juris, 2005.

LOPES, Ana Maria D’Ávila. Bloco de constitucionalidade e princípios constitucionais:


desafios do poder judiciário. Sequencia, Florianópolis, v. 29, n. 59, p. 43-60, 2010.

LOPES, Ana Maria D’Ávila. Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar.
Porto Alegre: Fabris, 2001.

MACAULAY, Fiona. (org.) LIMA, Renato Sérgio de e PAULA, Liana de. Prisões e política
carcerária, Medo, violência e insegurança in Segurança pública e violência – O Estado
está cumprindo seu papel?, São Paulo: Contexto, 2006.

MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010.

MALAN, Diogo. Investigação defensiva no processo penal. RBCCrim, v. 20, n. 96, p. 279-
309, maio/jun. 2012.

MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho procesal penal. Trad. Santiago Sentís Melendo e
Mariano Ayerra Redín. Buenos Aires: El Foro, 1996, v. III.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia
das Letras, 2010.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008.

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas:


Millennium, 2000. v. I.

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. A interpretação da ampla defesa no processo penal


conforme a Constituição. Revista Jurídica, ano 49, n. 289, nov. 2001.

MARTINS, Ricardo Cunha. Prova criminal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2002.

MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da competência


ao juiz de garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

MAZZILI, Hugo Nigro. A natureza das funções do ministério público e sua posição no
processo penal. Revista dos Tribunais, v. 91, n. 805, p. 464-471, nov. 2002.
209

MEDICA, Vincenzo La. O direito de defesa. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: ME Editora
e Distribuidora, 2003.

MENEZES, Felipe Caldas. Defensoria Pública da União: princípios institucionais, garantias


e prerrogativas dos membros e um breve retrato da instituição. 2005. Disponível em:
<http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_principios_institucionais_Felipe.pdf>. Acesso em:
20 fev. 2013.

MOCCIA, Sérgio. Emergência e defesa dos direitos fundamentais. IBCCrim, v. 7, n. 25, p.


58-105, jan./mar. 1999.

MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. Do espírito das leis. Trad. Jean Melville. São
Paulo: Martin Claret, 2007.

MORAES, Humberto Peña de; SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência judiciária:
sua gênese, sua história e a função protetiva do Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Líber Júris,
1984.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. O processo penal como instrumento de democracia. Jus


Navigandi, Teresina, ano 9, n. 318, 21 maio 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/
texto/5224>. Acesso em: 20 fev. 2013.

MOURA, Camila Vieira Nunes. A efetivação do direito fundamental de acesso à justiça


através da inclusão da defensoria pública no rol de legitimados à propositura da ação civil
pública. Revista Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Ceará, v. 1, n. 1, p. 106-
128, jan./dez. 2009.

MUNIZ, Cibele C. Baldassa. A defensoria pública de São Paulo na defesa dos direitos sociais.
RBCCrim, v. 17, n. 77, p. 331-341, mar./abr. 2009.

NERY JÚ NIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998.

NERY JÚ NIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 11. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

NORONHA, Edgar Magalhães. Curso de direito processual penal. 21. ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.

NUNES, Dierle José Coelho. (org.) DIDIER JR., Fredie e JORDÃ O, Eduardo Ferreira. O
princípio do contraditório: uma garantia de influência e de não surpresa, in Teoria do
Processo – Panorama doutrinário mundial, Salvador: Juspodivm, 2008.

OLIVEIRA JÚ NIOR, Eudes Quintino de. A verdade e a mentira na CPI. Disponível em:
<http://www.diarioweb.com.br/editorial/corpo_noticia.asp?IdCategoria=62&IdNoticia=68592>.
Acesso em: 20 fev. 2013.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Á lvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o


formalismo excessivo: teoria do processo – panorama doutrinário mundial. Salvador:
Juspodvm, 2008.
210

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes constitucionais da liberdade provisória. Rio de


Janeiro: Lumen Juris, 2007.

PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal. O direito de defesa: repercussão,


amplitude e limites. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

PENTEADO, Jacques Camargo. Duplo grau de jurisdição no processo penal: garantismo e


efetividade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

PEREIRA, Vera Regina Andrade. A ilusão da segurança jurídica. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003.

PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova


retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

PIAZZETA, Naele Ochoa. O princípio da igualdade no direito penal brasileiro. Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Trad. Benedita Bettencourt. Coimbra: Almedina,


2003.

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do


Advogado, 2005.

POZZEBON, Fabrício Dreyer de Á vila. A imparcialidade do juiz no processo penal


brasileiro. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 34, n. 108, p. 167-182, dez. 2007.

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais


penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. 4.
ed. Campinas: Millennium, 2008.

PRADO JÚ NIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.

QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo:
Saraiva, 2003.

RAMOS, Elival da Silva. Os tratados sobre direitos humanos no direito constitucional


brasileiro pós Emenda Constitucional 45/04. In: AMARAL JUNIOR, Alberto do; JUBILUT,
Liliana Lyra. O STF e o direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Quartier
Latin, 2009. p. 146-188.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

RÉ , Aluísio Iunes Monti Ruggeri. A dimensão quântica do acesso à justiça. In: RÉ , Aluísio
Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador:
JusPodivm, 2013.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
211

REIS, Gustavo Augusto Soares dos. Educação em direitos e Defensoria Pública: reflexões a
partir da Lei Complementar n. 132/09. In: RÉ , Aluísio Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas
aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm, 2013.

ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria Pública: fundamentos, organização e


funcionamento. São Paulo: Atlas, 2013.

ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros,
1995.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. Trad. Pietro


Nassetti. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.

ROXIN, Claus. Reflexões sobre a construção sistemática do direito penal. RBCCrim, v. 18,
n. 82, p. 24-47, jan./fev. 2010.

SADEK, Maria Tereza. Judiciário: mudanças e reformas. Estudos Avançados, São Paulo, v.
18, n. 51, p. 79-101, 2004.

SADEK, Maria Tereza Aina. Defensoria Pública: a conquista da cidadania. In: RÉ , Aluísio
Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador:
JusPodivm, 2013.

SALES, José Rômulo Plácido A atuação extrajudicial da defensoria pública da união.


Consulex, v. 14, n. 326, p. 6-8, ago. 2010.

SALES, Lília Maia de Morais. Mediação de conflitos: família, escola e comunidade.


Florianópolis: Conceito, 2007.

SANGUINÉ , Odone. Efeitos perversos da prisão cautelar. Revista Brasileira de Ciências


Criminais, São Paulo, ano 18, n. 86, p. 289-335, set./out. 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo:
Cortez, 2010, p. 35.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na


Constituição Federal de 1988. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na


Constituição Federal de 1988: uma análise na perspectiva da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBONELL,
Miguel (orgs.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2011. p.
561-595.

SCHEID, Carlos Eduardo. A motivação das decisões penais: a partir da teoria garantista.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
212

SHECAIRA, Sérgio Samolão. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

SHIMIZU, Bruno; STRANO, Rafael Folador. O defensor público e a criminologia: da


“desalienação” à resistência. In: RÉ , Aluísio Iunes Monti Ruggeri (org.). Temas
aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm, 2013.

SILVA, José Adaumir Arruda da; SILVA NETO, Arthur Correia da. Execução penal: novos
rumos, novos paradigmas. Manaus: Aufiero, 2012.

SILVA, Marco Antonio Marques da. Organização da justiça norte-americana: o


procedimento penal, Revista dos Tribunais, v. 736, fev. 1997.

SOUSA, José Augusto Garcia de. 50 atuações coletivas da Defensoria Pública: um estudo
empírico atento aos “consumidores” do sistema de justiça. In: RÉ, Aluísio Iunes Monti
Ruggeri (org.). Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm, 2013.

SOUZA, Fábio Luís Mariani de. A Defensoria Pública e o acesso à justiça penal. Porto
Alegre: Núria Fabris, 2011.

SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo:
Método, 2003.

STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana: sobre Direitos Humanos


e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição hermenêutica e teorias discursivas.


São Paulo: Saraiva, 2011.

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.

TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
v. 3.

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

VALLE FILHO, Oswaldo Trigueiro do. A ilicitude da prova: teoria do testemunho de ouvir
dizer. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

VAZ, Denise Provasi. Estudo sobre a verdade no processo penal. RBCCrim, v. 18, n. 83, p.
163-183, mar./abr. 2010.

VERAS, Frederico Magno de Melo. Por uma comunicação entre o juiz e o acusado. São
Paulo: Universitária de Direito, 2011.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. Trad. Federico Carotti. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
213

VESCOVI, Renata Conde; SANTOS, Ricardo Goretti (orgs.). A lei em tempos sombrios,
Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2009.

WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Trad.
Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do direito. 3. ed., rev. e ampl. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006.

ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. 4. ed. Rio de
Janeiro: REVAN, 2011.

ZANON, Artêmio. Da assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Saraiva, 1990.

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

ZUFELATO, Camilo. Da legitimidade ativa ope legis da Defensoria Pública para o Mandado
de Segurança Coletiva: uma análise a partir do microssistema de direito processual coletivo
brasileiro e o diálogo das fontes. Revista de Processo, São Paulo, v. 37, n. 203, p. 321-346,
jan. 2012.

Você também pode gostar