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Fortaleza – CE
Janeiro, 2014
EMERSON CASTELO BRANCO MENDES
Fortaleza – Ceará
2014
EMERSON CASTELO BRANCO MENDES
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu – UNIFOR (Orientadora)
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Tereza Aina Sadek – USP (Membro)
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo – UFC (Membro)
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Luciano Lima Rodrigues – UNIFOR (Membro)
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça – UNIFOR (Membro)
À professora e amiga Gina Vidal Marcílio Pompeu, pela orientação firme e segura, com
valiosas contribuições para a construção desta tese.
À minha esposa amada e aos meus filhos, meu porto seguro de amor, de alegria, de
carinho e de compreensão.
À Defensoria Pública do Estado do Ceará, por todo o apoio recebido durante o curso de
doutorado, e aos meus colegas de carreira, com os quais tenho a honra de exercer missões
apaixonantes, em especial à minha amiga Amélia Rocha.
Aos professores Francisco Luciano Lima Rodrigues e César Barros Leal, que, como
membros da banca de qualificação, contribuíram com importantes e enriquecedoras sugestões.
Amélia Rocha
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo analisar a atuação da Defensoria Pública em defesa dos
acusados juridicamente necessitados no processo penal sob a perspectiva dos direitos e
garantias individuais fundamentais. A partir da consolidação do Estado Democrático de
Direito e do constitucionalismo brasileiro, novos paradigmas são propostos para a efetivação
do direito de defesa das pessoas em situação de vulnerabilidade no sistema de justiça penal.
Neste cenário, a nomeação de advogados dativos para prestar assistência aos acusados
juridicamente necessitados constitui séria ameaça à liberdade humana, porque não possibilita
o pleno desenvolvimento do contraditório e da ampla defesa. A advocacia dativa não se
compatibiliza com os princípios institucionais da Defensoria Pública, porque constitui
resquício do antigo modelo de assistência judiciária, por meio do qual o Estado
disponibilizava ao acusado acompanhamento judicial como ato de generosidade, sem a devida
preocupação com a efetividade da defesa e com a promoção dos direitos humanos. A
Constituição Federal de 1988 concebeu a Defensoria Pública com o fim de corrigir
desigualdades sociais históricas no plano jurídico, contribuindo para a concreção do acesso à
justiça. Partindo destas premissas, a recepção da advocacia dativa pela atual ordem
constitucional é analisada. Com o objetivo de tornar efetiva a participação do acusado na
construção das provas e na decisão final do processo, a afirmação do valor igualdade no
sistema de justiça penal possibilita a construção do processo justo e democrático. Propõe-se,
então, novo modelo, estruturado para garantir a concretização do direito de defesa dos
acusados juridicamente necessitados, a partir da atuação da Defensoria Pública, com o fito de
contribuir para a diminuição da crise da justiça penal e, especialmente, para a democratização
do direito de defesa.
The present study have for object to analyze the performance of the Public Defender’s in
defense of legally disadvantaged accused, in the criminal procedure under the perspective of
the essential law and individual guarantee. From of the consolidation of the democratic state
of law and of the Brazilian constitutionalism, news paradigms proposing to the effectuation of
the law of defense of the people in situation of vulnerability in the system of criminal justice.
In this specific scenario the appointment of aid lawyers for providing assistance for legally
disadvantaged accused represent threat for human liberty, because does not provide the full
development of the adversary system and full defense. Dative advocacy does not combine
with the institutional principles of the Public Defender’s, because is a remnant of the old
model of judicial assistance, through which the State provided for accused judicial follow-up
like act of generosity without any regard with the effectiveness by defense and with
promotion of the human rights. The Federal Constitution of 1988 designed Public Defender’s
in order to correct historical social at the judiciary level, contributes to the concretion of the
access to justice parting from this proposals, the reception of the dative advocacy for current
order constitutional is analyzed. With the objective of becomes effective the participated of
the accused in the construction of the proving and in the final decision of the process, a
statement of the value in the system of criminal justice enables the construction of fair and
democratic process. Is proposal, so, new model, structured to ensure the realized of the right
of defence of the legally disadvantaged accused, from of the performance of the Public
Defender’s, with a view to contributing for the reduction of the crisis of the criminal justice,
and, especially for the democratize of the right of defence.
Il presente studio ha come obiettivo analizzare l’attuazione della Difensoria Pubblica in difesa
degli imputati giudizialmente bisognosi nel procedimento penale alla luce dei diritti e
garanzie individuali fondamentali. A partire della consolidazione dello Stato Democratico di
Diritto e del costituzionalismo brasiliano, nuovi paradigmi sono proposti per l’effettivazione
del diritto di difesa delle persone in situazione di vulnerabilità nel sistema di giustizia penale.
In questo scenario, la nomeazione di avvocati dativi per prestare assistenza agli imputati
giudizialmente bisognosi sarebbe minacciata alla libertà umana perché non permette il pieno
svillupo del contraddittorio e dell’ampia difesa. L’avvocatura dativa non è compatibile con i
principi istituzionali della Difensoria Pubblica perché costituisce traccia dell’antico modello
di assistenza giudiziaria per mezzo del quale lo Stato metteva a disposizione all’imputato
accompagnamento giudiziale come atto di generosità, senza la dovuta preoccupazione con
l’effettività della difesa e con la promozione dei diritti umani. La Costituizione Federale del
1988 ha concesso alla Difensoria Pubblica con lo scopo di correggere disuguaglianze sociali
storiche nel piano giuridico, contribuendo per la concretezza dell’accesso alla giustizia.
Partendo da queste premesse, la riception dell’avvocatura dativa dall’attuale ordine
costituzionale viene analizzata. Con l’obiettivo di diventare effettiva la partecipazione
dell’imputato alla costruzione delle prove e alla decisione finale del processo, l’affermazione
di pari valore nel sistema di giustizia penale permette la costruzine del processo giusto e
democratico. Si propone, allora, nuovo modello, strutturato per garantire la concretezza del
diritto di difesa degli imputatii giudizialmente bisognosi, a partire dell’attuazione della
Difensoria Pubblica, con lo scopo di contribuire alla diminuzione della crisi della giustizia
penale e, in particolare, per la democratizzazione del diritto di difesa.
INTRODUÇ Ã O ........................................................................................................................ 11
Os estudos sobre Defensoria Pública são incipientes, por ser instituição bastante nova e
com particularidades genuinamente brasileiras no tocante ao modelo apresentado. Surgida na
ordem constitucional vigente, ainda avança na busca da estrutura ideal. A maior parcela da
população continua em situação de vulnerabilidade jurídica, em razão dos obstáculos ao
acesso à justiça. O relato deste cenário é apropriado para o trabalho desenvolvido, porque a
compreensão dos problemas existentes no mundo contemporâneo não admite percepções
fragmentadas, devendo a construção acadêmica sempre ter um “olhar” na realidade, partindo-
se do pressuposto de que o saber científico não comporta “verdades prontas” e presunções.
À vista disso, a partir das ideias de “justiça para todos” e de “direito ao direito”, foi
criada a Defensoria Pública, com o propósito de assumir o papel de instituição condutora da
concreção dos direitos fundamentais, promovendo o efetivo acesso à justiça sob a diretriz da
dignidade da pessoa humana. Não guarda, portanto, semelhança com a antiga figura intitulada
“assistência judiciária”, restrita ao acompanhamento judicial, sem a preocupação de promover
direitos humanos.
Com isso, investiga-se se existe o direito a uma defesa efetiva ou se esta seria um
ideal inalcançável, sendo o caso de se conformar com os seus distintos modos de atuação.
Não se trata apenas de verificar sua conformação constitucional do ponto de vista ideológico,
senão, principalmente, descortinar sua realidade no Brasil, notadamente no tocante aos
acusados juridicamente vulneráveis. Averíguam-se ainda a posição do Estado-juiz, seus
deveres, compromissos e forma de atuação, dentro da proposta do modelo garantista de
processo penal.
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Por uma questão de cuidado metodológico na delimitação do tema, opta-se por tratar
das atividades da Defensoria Pública especificamente no âmbito do sistema de justiça penal.
Além de se tratar de investigação sobre a instituição da Defensoria Pública e as suas missões
constitucionais no tocante à defesa no processo penal, analisa-se a dimensão do direito de
defesa na perspectiva dos direitos fundamentais, sempre com atenção especial para o
problema da ausência ou ineficácia do seu exercício.
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Defensoria Pública; outra trata o assunto de forma vaga, sem uma ideia clara sobre o
problema da defesa das pessoas juridicamente necessitadas.
A atual discussão sobre o processo penal, sua natureza, sua dimensão, seus parâmetros
e seus efeitos pressupõe o conhecimento dos sistemas processuais, identificando-os dentro
do contexto político de cada época para se chegar à rediscussão sobre posições outrora
“absolutizadas”. Essa vinculação do conhecimento à História é lembrada por Lamego (1989,
p. 157) quando afirma que:
A solução dos conflitos pressupõe a atuação conjunta dos órgãos do Estado em busca da
realização de um determinado fim de paz social. Contudo, mesmo este fim pode ser buscado
por meio da guerra, porque diversos são os caminhos possíveis para se atingir um
determinado objetivo, lembra Hobbes (2008, p. 82):
Donde se nota que, ao tomar um Estado, o usurpador deve ponderar que violências
precisam ser infligidas e praticá-las todas as vezes de uma vez, para não ter de
renová-las a cada dia e assim poder, não as renovando, tranquilizar os homens e
seduzi-los com benefícios. Quem agir de outro modo, seja por tibieza, seja por maus
conselhos, será sempre obrigado a empunhar a espada; nem poderá valer-se de seus
súditos, já que estes, pelas contínuas e renovadas injúrias, não poderão confiar nele.
Por isso as injúrias devem ser cometidas de uma vez só, de modo que, por sua
brevidade, ofendam menos ao paladar; ao passo que os benefícios devem ser feitos
aos poucos, para que sejam mais bem saboreados. (p. 76-77).
Não é suficiente a separação pensada por Aristóteles (2002) entre o mau e o bom
governo, levando em consideração apenas o fato de o governante se pautar pelo interesse
comum ou pelo próprio interesse. Afinal, o argumento do interesse da coletividade nem
sempre está alinhado ao humanismo. Abusos de toda ordem e agressões à condição humana
podem ser cometidos em nome do “interesse comum”.1
No contexto dos debates jurídicos dos séculos XII e XIII não era possível
simplesmente deixar de lado a concepção segundo a qual toda lei tinha sua origem
em Deus. Era possível abrir novos espaços, mas não ao preço do abandono total das
certezas que estruturavam o mundo cristão.
A monarquia era absoluta desde a Idade Média, e para o fato que quando ela se
tornou absoluta, também na prática a partir da Idade Moderna, seu poder efetivo e
seu alcance foram limitados tanto pelo respeito aos costumes fundamentais do reino
quanto pela precariedade dos meios técnicos existentes à sua disposição.
1
Expressão utilizada por Rousseau (2011) como vontade geral. O autor distinguia a vontade de todos da vontade
geral. A vontade de todos seria a soma de interesses privados. Por outro lado, a vontade geral tem em seu
significado o interesse comum.
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Como este sistema concentra todas as atividades no mesmo órgão, o agente inquisidor
possui a incumbência de investigar, de realizar a acusação formal e, ao mesmo tempo, de
julgá-la, assemelhando-se à figura do príncipe, em razão do direito ao poder arbitrário. Nisso
se funda o ditado, critica Locke (1998, p. 533), “de que os reinos dos bons príncipes sempre
foram os mais perigosos para as liberdades de seu povo”.
Esta feição do sistema inquisitório é confirmada pela História e está de acordo com a
natureza das coisas, lembrando comparativamente a própria natureza da monarquia, destaca
Montesquieu (2007, p. 114), “onde quem manda executar as leis se julga acima das leis, tem
se a necessidade de menos virtude do que num governo popular, onde quem manda executar
as leis sente que ele próprio a elas está submetido e que delas sofrerá o peso”. Zilli (2003, p.
39) menciona outras características desse sistema:
Justamente por essas características, não se pode deixar de mencionar a busca ilimitada
pela “verdade”, sendo admitida as angustiantes e medievais práticas de a tortura como método
de investigação e não havendo restrições quanto à natureza das diligências empreendidas.
Possuindo o juiz inquisidor ampla liberdade na colheita de provas, observa Badaró (2003, p.
105):
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envenenam o povo e que – embora este rapidamente se recupere após ser bem-
informado e refletir melhor – tendem, entrementes, a provocar inovações perigosas
no governo e graves opressões sobre a parcela minoritária da comunidade.
Outra característica marcante deste sistema típico dos Estados Absolutistas é a inversão
do ônus da prova, cabendo ao próprio acusado o ônus de provar sua inocência, e não o
contrário, estando o Estado na posição cômoda e uníssona de detentor da verdade até que seja
provado o contrário. Isto, claro, considerando ser possível questionar o elemento probatório
colhido ou mesmo a sentença prolatada, situação nula, em razão da impossibilidade de se
aceitar erro originário do Estado-juiz. Marcando sua atividade em nome de Deus, o Estado-
juiz não comete falhas. E se não falha, devem as pessoas eventualmente inocentes torcer para
terem o prêmio da absolvido apenas, e não com o exercício da defesa.
A dignidade da pessoa humana dos acusados passou a guiar esse conjunto de garantias,
propiciando uma feição garantidora dos direitos fundamentais para estancar a busca frenética
por uma suposta “verdade”, bastante comum nos Tribunais da Inquisição na Idade Média.
Neste aspecto, destaque-se ainda que se passou a olhar o acusado como pessoa inocente, em
vez de se estabelecer um prévio julgamento, muito comum nos sistemas autoritários.
Cumpre observar que a figura do Estado-juiz inquisidor não desapareceu logo de início.
Todavia, sofreu uma mitigação considerável. Efeito disto foi que os elementos de prova
deixaram de ser absolutos e passaram a ser questionáveis, isto é, parte-se da premissa de que o
Estado investigador pode errar no momento da confecção das diligências probatórias, não
havendo como assegurar a sua idoneidade.
A prova passou a ser em essência duvidosa, admitindo contraditório, inclusive, por meio
da apresentação de contraprova. Como se pode observar, assumiu uma natureza mista,
dividindo-se em duas etapas. Na primeira, prevalecia o perfil inquisitório, continuando o juiz
como o responsável pela colheita de provas. Na segunda, era realizada a acusação formal,
procedendo-se a um juízo de admissibilidade da denúncia. Zilli (2003, p. 37) esclarece que,
O erro judiciário é algo que pode acontecer perto de nós, sendo mais comum do que
se pensa e se imagina, e não algo do passado, ou distante. Motivo para se reafirmar a
importância do defensor dentro do processo penal acusatório, sendo fundamental sua
ativa vigilância a apontar muitas vezes o caminho justo, pois a justiça pode errar.
[...] todo sistema processual que configura o juiz como um sujeito passivo
rigidamente separado das partes e o processo como iniciativa da acusação, a quem
compete provar o alegado, garantindo-se o contraditório. Ao contrário, no modelo
inquisitório, o juiz procede de ofício na busca de provas, atuando em segredo e por
escrito, com exclusão de qualquer contraditório ou limitação deste.
Ao contrário do sistema inquisitório, o juiz não está submetido aos interesses do órgão
de acusação. Por isso mesmo, não existem normas determinantes para guiar sua percepção das
provas, possuindo o defensor os meios reais de influir efetivamente em sua decisão.
Desaparece ainda a atuação do magistrado nas investigações preliminares da persecução
penal, passando esta iniciativa aos órgãos da , característica típica do modelo acusatório.
Em vários países, não se adotou o modelo acusatório “puro”, como é o caso da Itália,
depois da reforma processual de 1989, ocasião em que se extinguiu o antigo modelo de
persecução probatória inquisitivo, pondo-se um fim ao juiz da instrução, restando ainda um
resquício do antigo modelo (BUONO; BENTIVOGLIO, 1991). De fato, discorre Badaró
(2003, p. 101):
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As mazelas do processo penal não se restringem à possível limitação da liberdade do acusado. Atingem sua
família, seu trabalho, sua convivência social, sua autoestima, porque a coletividade não respeita o seu estado de
inocência, enquanto não julgado em caráter definitivo. Acerca da relação entre o acusado e a coletividade,
discorre Carnelutti (1995, p. 35): “O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado às feras, como se dizia
uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a
multidão”.
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Todo o estudo do devido processo penal constitucional pressupõe a análise das espécies
de sistemas processuais, analisando-se os métodos utilizados por cada um para estabelecer
qual é o mais adequado à ordem constitucional em vigência. Nesse contexto, a concretização
da dignidade humana depende da valorização da condição do ser humano como indivíduo
sujeito de direitos fundamentais. Todas as discussões acerca das mazelas e das carências do
sistema de justiça penal passam por esse contexto, não sendo possível deixar de observá-lo.
separado da sociedade, levando uma vida fechada e formalmente administrada. O século XXI,
projeta Leal (2010, p. 120):
[...] requer uma nova e prospectiva política penitenciária que mude a dramática e
infame situação de grande parte de nossas prisões, albergando quiçá uma recreação
do sistema de execução penal e rompendo o silêncio carcerário de que nos falava
Rosa Del Olmo, em busca de uma nova era.
Art. 8. Toda pessoa terá direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela. (CIDH, 1969).
aos direitos humanos, devendo os preceitos dos tratados internacionais estarem presentes
na interpretação do processo penal, coadunando-se com o conteúdo do ordenamento
constitucional interno. Na lição de Ramos (2009, p. 185), define-se a internacionalização do
Direito Constitucional:
Num Estado de Direito, em que deve ser protegida a segurança jurídica, em virtude
da qual se deve privilegiar a inteligibilidade, a estabilidade e a previsibilidade do
ordenamento jurídico, não está o aplicador autorizado a buscar a melhor solução por
meio da consideração de todas as circunstâncias do caso concreto, desprezando
justiça geral em favor de justiça particular.
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Por mais que se busque, por meio da fixação dos preceitos de natureza processual, uma
interpretação inquestionável e induvidosa, como se fosse possível uma certeza objetiva, o juiz
deve escolher, dentre os vários sentidos, discorre Ávila (2009, p. 201), “aquele que melhor se
encaixar nos ideais constitucionais”. E continua:
De fato, as regras são aquelas normas que determinam um curso de ação a ser
seguido pelos destinatários nas situações em que o caso se enquadra nos seus
termos. Para eliminar conflito com o mínimo de efetividade, as regras devem
prescrever, de modo inteligível e relativamente incontroverso, uma dada resposta
para uma determinada gama de circunstâncias. Para fazê-lo, porém, elas precisam
selecionar os fatos que serão considerados juridicamente relevantes, incluindo-os na
sua descrição legal. (p. 201).
Por isso mesmo, resta superado o denominado “acesso formal à justiça”. A efetividade
pressupõe o respeito aos direitos individuais fundamentais da pessoa humana, preservando-se
o estado de não culpabilidade do réu, sua liberdade, sua imagem, sua honra e sua dignidade,
garantindo-se-lhe ainda o benefício da dúvida diante de eventuais indeterminações de cunho
probante.
efetivar o direito de punir do Estado como mecanismo de controle social. Nessa linha de
raciocínio, Marques (2000, p. 37) afirma que:
O processo penal, ao mesmo tempo em que busca efetivar a tutela penal, quando
exigido, possui também a finalidade de tutelar os direitos individuais da pessoa humana
presentes na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais, resultando daí
relação com os direitos fundamentais, assim entendidos como aqueles que
são garantidos constitucionalmente. Exatamente por isso, discorre Moreira (2004, online), “o
processo penal de um país o identifica como uma democracia ou como um Estado totalitário”.
A inserção dos direitos fundamentais no processo penal pode ser compreendida em duas
esferas: na dimensão objetiva, caracteriza-se por lhe garantir uma maior carga qualitativa, isto
é, dota as normas processuais de “maior carga de juridicidade”; na dimensão subjetiva, a
dimensão dos direitos fundamentais é a que mais se aproxima das suas origens históricas e
dos seus fins. Freitas (2007, p. 58) afirma que:
Invariavelmente, a proteção das liberdades impõe que toda ação do Estado respeite os
direitos fundamentais da pessoa humana, buscando-se a decisão justa por meio do devido
processo penal constitucional, sob pena de ser considerada ilegítima. Assim, a prestação
jurisdicional não goza de legitimidade absoluta, como algumas autoridades judiciais chegam a
pensar, mas vinculada à observância da ordem constitucional.
O magistrado, no devido processo penal constitucional, não pode limitar sua ação
apenas a observar a atuação das partes, emitindo, ao final, decisões de respostas vazias de
fundamentação, com motivações superficiais e rápidas, em razão da comodidade de condenar,
por ter mais respaldo político na coletividade, em razão das pressões sociais por mais rigor
penal.
Por essa razão, entendendo a necessidade de os atos praticados pelo Estado-juiz serem
desenvolvidos com respeito à dignidade do acusado, esclarece Rocha (2005, p. 46),
“não basta às partes terem o direito de acesso ao Judiciário. Para que o socorro jurisdicional
seja efetivo é preciso que o órgão jurisdicional observe um processo que assegure o respeito
aos direitos fundamentais”.
Não é sem propósito que Grinover, Cintra e Dinamarco (1998, p. 82) identificam o
devido processo legal como princípio constitucional, expressando o conjunto de garantias
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Enunciado no inciso LIV, do art. 5º, da Constituição Brasileira de 1988, sob o postulado
de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”,
significa que o acusado não pode ser privado da sua liberdade sem a observância dos direitos
e garantias individuais fundamentais. Isto posto, o processo somente será “devido” (leia-se:
democrático e justo) se os direitos e as garantias constitucionais forem assegurados e,
destacadamente, efetivados.
natureza constitucional do processo penal, isto é, a prova não pode ser produzida sem o
cuidado de se assegurar os direitos e garantias individuais do acusado por ocasião de sua
busca. Baptista (2002, p. 80-81) evidencia que:
Nesse aspecto, diferenciam-se das regras, porque estas ordenam algo dentro de
prescrições previamente estabelecidas, isto é, fixam direitos e deveres que devem ser
realizados na exata medida de sua descrição na norma. Em razão disso, o “grau de
consecução” das regras encontra-se mais claro. Por outro lado, o grau de consecução dos
princípios pode variar bastante, porque compõem as diretrizes gerais da ordem constitucional.
Alexy (2011, p. 81) utiliza a expressão “mandato de otimização”, no sentido de que exigem a
realização de algo na sua máxima medida. Para Lopes (2010, p. 52), a abstração dos
princípios:
[...] impede determinar com precisão em que casos sua aplicação é procedente. Tal
circunstância abre a possibilidade de que em um único caso vários princípios
possam ser simultaneamente aplicados, exigindo, do juiz constitucional, sua
otimização em um juízo de ponderação ou razoabilidade.
Munindo o sistema processual penal através dos ideais dos direitos fundamentais e do
valor justiça, os princípios constitucionais são utilizados para resolver as mais diversas
equações que lhe são impostas no caso concreto, constituindo o elemento integrador do
convencimento do juiz. Ao mesmo tempo, no constitucionalismo garantista, possuem a
imensa utilidade de reduzir o exercício arbitrário do poder dos juízes, reforçando a
necessidade de motivação racional de suas decisões.
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[...] tratar os princípios jurídicos da mesma maneira que tratamos as regras jurídicas
e dizer que alguns princípios possuem obrigatoriedade de lei e devem ser levados
em conta por juízes e juristas que tomam decisões sobre obrigações jurídicas.
Por mais que nas regras os contornos de sua aplicação em relação aos fatos sejam mais
definidos, é comum a situação em que a regra é insuficiente para resolver determinado
problema que se apresenta, daí se recorrendo aos princípios para trazer para a mente do
julgador a resposta para a situação. A ausência de solução das regras, na linha de pensamento
de Dworkin (2010, p. 52), impõe que se recorra aos argumentos de base principiológica.
Guerra Filho (2001, p. 49) afirma ainda que “esse princípio demarcaria o que a doutrina
constitucional alemã, considerando a disposição do art. 19, II, da Lei Fundamental, denomina
de núcleo essencial intangível dos direitos fundamentais”.
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[...] até como uma necessidade lógica, além de política, pois se os diversos direitos
fundamentais estão, abstratamente, perfeitamente compatibilizados, concretamente
se dariam as ‘colisões’ entre eles, quando então, recorrendo a esse princípio, se
privilegiaria, circunstancialmente, algum dos direitos fundamentais em conflitos,
mas sem com isso chegar a atingir outro dos direitos fundamentais conflitantes em
seu conteúdo essencial.
Como já foi objeto de análise, a atuação dos agentes do Estado no processo penal
constitucional encontra o seu limite na dignidade da pessoa humana e no respeito aos seus
valores fundamentais. Sendo assim, existe a necessidade de se impor limites à utilização de
certos meios de prova que atentem contra esses princípios, tornando-se inidôneas, como é o
caso das confissões obtidas mediante tortura.
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No contexto desses parâmetros impostos pela dignidade humana, núcleo dos direitos
fundamentais, origina-se o direito ao silêncio, assim entendido como o direito de o acusado
não contribuir para a sua própria condenação, podendo este, inclusive, mentir. Na
conceituação de Couceiro (2004, p. 148), o direito ao silêncio é “um direito genérico da
pessoa a não colaborar na produção de prova que venha a prejudicá-la”. Queijo (2003, p. 81)
entende que:
Sob qualquer argumento, não se pode obrigar uma pessoa a se autoincriminar, porque o
direito ao silêncio é inerente à condição humana, sendo garantia indisponível ao próprio
efetivo exercício do direito de defesa, estando protegido constitucionalmente. No momento
em que o acusado não participa de atividade probatória que pode lhe incriminar, encontra-se
no exercício do seu direito de defesa, natural de todo ser humano, não podendo sofrer
restrições. O silêncio, discorre Espínola Filho (2000, p. 16):
[...] longe de significar a falta de defesa de um culpado, que não sabe como se
justificar, traduzindo, antes, o sacrifício de quem não trepida em arcar com a
responsabilidade da falta de outrem, movido por sentimentos dos mais puros, como
a gratidão, a afeição, o amor, a amizade, a dedicação.
Quando isso ocorre, graves são os prejuízos para a ordem constitucional, porque a
atividade jurisdicional estaria deixando de observar os fins pretendidos pelo Estado para
subverter o sistema, sob o argumento do interesse público. Contraditoriamente, se em nome
deste o magistrado toma decisões extremamente temerárias, o próprio Estado perde força, na
medida em que fica distante das metas constitucionais.
decorrer do processo penal. Somente será “devido” se limites forem impostos na busca de se
atingir determinando fim, tendo como parâmetro maior a dignidade da pessoa humana,
indispensável para respaldar eventual legitimidade de uma sentença condenatória.
A expressa previsão do estado de inocência foi fixada no inciso LVII, do art. 5º, da
Constituição Federal de 1988, por meio do postulado segundo o qual “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Gomes Filho
(1994, p. 37) explica que
A liberdade individual é direito fundamental da pessoa humana. Por essa razão, somente
poderia ser constrita juridicamente por meio de um caminho escolhido dentro do próprio
sistema dos direitos fundamentais, devendo-se guardar a coerência entre os caminhos
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escolhidos e os ideais do Estado Democrático de Direito. Reside aí a razão pela qual o estado
de inocência do acusado deve estar presente durante a existência dos atos processuais,
impossibilitando a antecipação do decreto condenatório, preceito presente no art. 8º da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “toda pessoa acusada de delito tem direito a
que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa” (CIDH,
1969).
Steiner (2000, p. 90) lembra que o princípio foi firmado também pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 10 de dezembro
de 1948, que estabelece, em seu art. XI, que “todo homem acusado de um ato delituoso
tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada
de acordo com a lei”.
Jardim (2002) assinala com propriedade a exata dimensão desse princípio, quando
expõe a ideia que este gera no psiquismo das pessoas, fixando a imagem de um processo que
oferece a todas as pessoas a certeza da justiça, afastando a “tirania” do Estado. O referido
autor afirmar que “uma coisa é declarar que não se considera culpado quem não foi
condenado, como o fizeram os escritores medievais, e outra, bem diferente, é afirmar que
o réu se presume inocente até que seja condenado” (p. 281).
Badaró (2003, p. 280) analisa o princípio do estado de inocência sobre vários enfoques:
“a) como garantia política do estado de inocência; b) como regra de julgamento no caso de
dúvida: in dubio pro reo; c) como regra de tratamento do acusado ao longo do processo”. O
autor supracitado explica que a regra de tratamento impõe que o acusado não seja considerado
culpado até o momento da condenação definitiva, sem gerar a antecipação da sanção penal. Já
a regra de juízo consiste na possibilidade legítima de se condenar uma pessoa a cumprir uma
sanção penal somente se existir um grau mínimo de certeza sobre a verdade de um fato.
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Na instrução probatória, não deixa de ser comum a situação em que, ao final, a dúvida
termina não sendo eliminada. Nesse caso, a solução deve ser a absolvição do acusado, não
sendo suficientes provas mínimas, nem mesmo indicativos fortes do cometimento do delito.
Em matéria de julgamento do mérito, a existência de uma dúvida razoável já é o suficiente
para absolver o acusado. Tonini (2002, p. 69) é enfático ao afirmar que: “a prova da
culpabilidade, se é insuficiente ou contraditória, equivale à inexistência de prova”.
Discorrendo sobre o motivo pela qual o princípio in dubio pro reu é exclusivo do
processo penal, considera o referido autor que o ônus da prova varia “de processo para
processo e chega a ser bastante tênue no processo criminal, onde a indisponibilidade do
direito de liberdade conduz à garantia constitucional da ampla defesa e contraditório efetivo”
(DINAMARCO, 2003, p. 247).
[...] se existe prova de que o fato foi cometido na presença de uma excludente de
ilicitude ou punibilidade, ou mesmo se existir dúvida em relação à existência das
mesmas, o juiz profere sentença absolutória. Isso significa que a dúvida sobre a
existência de um fato impeditivo ou extintivo deve ser utilizada em favor do
acusado. A alegação, ainda que de modo insuficiente ou contraditório, acerca da
existência de um fato a si favorável, permite ao acusado realizar o ônus da prova,
desde que consiga incutir no juiz uma dúvida razoável em relação à sua
responsabilidade.
Esse mesmo pensamento é perfilhado por Almeida (1973, p. 81), ao defini-lo como a
“ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”. Como
observa Oliveira Júnior (2013, online), “é preciso que uma pedra se choque contra a outra a
fim de que salte a centelha da verdade”.
Somente por meio do contraditório pode ser realizado o direito de defesa. Por isso,
considera Greco (2003, p. 72), “ninguém pode ser atingido por uma decisão judicial na sua
esfera de interesses sem ter tido ampla possibilidade de influir eficazmente na sua formação”.
E assim discorre o autor sobre o contraditório,
oferece idoneidade à prova, tornando-a legítima para ser valorada. Desenvolvido sem debate,
isto é, sem submeter ao debate pelas partes as questões existentes, o processo não oferece
segurança do ponto de vista da justiça, colocando em risco os pronunciamentos judiciais.
Tonini (2002, p. 70), devotando ao contraditório o método ideal de conhecimento das provas,
averba que “a verdadeira prova não é aquela que se obtém sob sigilo, por meio de pressões
unilaterais, mas aquela cuja formação ocorre de modo dialético”.
Defende-se celeridade como solução para a crise da justiça penal, quando o problema
não é único, envolvendo uma série de aspectos complexos, com razões e soluções distintas. A
morosidade é o efeito, não estando no centro dos problemas da justiça penal, havendo um
sério erro de avaliação pelos poderes do Estado. Assim, o passo inicial para a concreção do
devido processo penal constitucional consiste enfrentar o problema da interpretação
constitucional no processo penal, aplicando ao acusado o mesmo tratamento dispensado a
todo ser humano, por meio da sua identificação como sujeito de direitos fundamentais.
[...] pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a
todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese
da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no
âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a
interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).
52
A motivação das decisões judiciais não pode estar à margem da dignidade da pessoa
humana, constituindo a promoção desta missão dos poderes estatais. Essa aproximação ainda
não se realizou satisfatoriamente no âmbito do processo penal como amplamente vem se
difundindo em outras esferas decisórias, salvo no espaço destacado da jurisprudência do STF,
assinala Sarlet (2011, p. 586):
Como não existia regramento a respeito, as algemas eram empregadas sem critério e
sem fundamentação, quando muito se emprega a justificativa genérica da segurança no
ambiente de audiência. A situação retrata claramente uma interpretação, no âmbito do
processo penal, dissociada da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais
do acusado.
medida em que este não recebia o mesmo tratamento do seu semelhante. Isso sem contar o
caráter vexatório e humilhante proporcionado pela utilização indevida de algemas, lesando a
honra e a imagem da pessoa, isto é, atingindo-o moralmente, causando danos psicológicos; e,
por fim, por ser uma pratica invasiva, atingia a integridade corporal
da pessoa.
Sem ações para a efetivação dos direitos fundamentais, a atuação do juiz no processo
penal como mero administrador termina contribuindo para a segregação do acusado no
sistema penal, deslegitimando as decisões judiciais e prejudicando a formação de um processo
justo. Portanto, ao contrário, deve se posicionar de forma atuante, otimizando os princípios
constitucionais (ALMEIDA, 1973).
O juiz constitucional deve ser garantidor desse sistema processual, deixando a condição
de mero espectador da justiça, como discorre Dias (1988), para se tornar independente perante
o poder político, não se deixando dominar exclusivamente pelo interesse do Estado.
O direito não pode dispor da defesa, sendo esta da essência da natureza humana. Seu
reconhecimento passa pela imposição de se compreender o seu significado, seu escopo e suas
funções, levando-se em conta diversos modelos de Estado. Afinal, a amplitude dos direitos
humanos fundamentais garante a abrangência da defesa, havendo uma relação direta e
indissociável.
3
Esse movimento, discorre Arendt (1989, p. 517), “seleciona os inimigos da humanidade contra os quais se
desencadeia o terror, e não pode permitir que qualquer ação livre, de oposição ou de simpatia, interfira com a
eliminação do ‘inimigo objetivo’ da História ou da Natureza, da classe ou da raça. Culpa e inocência viram
conceitos vazios; ‘culpado’ é quem estorva o caminho do processo natural ou histórico que já emitiu julgamento
quanto ‘às raças inferiores’, quanto a quem é ‘indigno de viver’, quanto a ‘classes agonizantes e povos
decadentes’”.
57
Considerando a proteção dos bens e interesses no processo penal, a defesa assume uma
importância coletiva, social, porque pode representar a violação de um desses bens ou
interesses, especialmente a liberdade, assevera Suannes (2004, p. 147), “quando se fala do
direito do Estado de limitá-la ou mesmo restringi-la drasticamente, em nome de interesses
difusos que se ocultam na vaga expressão ‘interesse público’”.4
Posteriormente, o mesmo princípio foi reafirmado, com atenção especial, nas garantias
judiciais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto
de San José da Costa Rica, assegurando ao acusado o direito de ser ouvido, “com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada”.6
4
Suannes (2004, p. 147) explica a liberdade especialmente protegida pelo direito de defesa sempre como “um vir
a ser”. E continua: “É um processo contínuo de metas alcançadas e metas a alcanças, donde dizer a doutrina que
os direitos fundamentais, dentre os quais a liberdade, podem ser denominados “liberdades públicas” no sentido
de significarem a relação de cada ser humano com o Estado e seu poder”.
5
Redação do artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217
A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Destaque-se ainda a redação do
item I do art. XI: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
6
Garantias judiciais previstas no art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil pelo Decreto
n° 678, de 6 de novembro de 1992. O item 2 do mencionado dispositivo é fundamental para a compreensão da
amplitude do direito de defesa: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor
ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e
pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à
preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor
de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser
assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o
acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da
defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou
peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”.
58
Para Foucault (2009, p. 12), essa “verdade” seria construção de uma vontade de verdade
existente em todo ser humano, refletindo apenas o sujeito na busca de ser senhor de seus atos.
Assim, não haveria necessidade de a defesa buscá-la, mas apenas o cuidado de confrontar a
vontade da verdade. Na linha de pensamento do autor, a “verdade” é produzida neste mundo
“graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentadores de poder”.
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é –
não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções – a
recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles
que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a
múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade
tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de
7
Valle Filho (2004, p. 293) continua sua exposição, esclarecendo: “aqui há o pleno e mais puro sentido de uma
expressão acusatória do processo, pois avança no prestígio à nova postura de dignidade do sujeito processual,
conferindo-lhe atividade efetiva no embate a se travar quanto ao contorno jurídico afetado”.
8
Relacionando a ideia de defesa com o princípio da igualdade, Noronha (1999, p. 210) é preciso ao afirmar:
“significa que as partes são mantidas no mesmo pé de igualdade”.
59
Embora historicamente o processo penal tenha sido construído como uma busca da
“verdade”, esse pensamento resta atualmente superado. A defesa não pode atingir uma
verdade absoluta, analisa Badaró (2003, p. 434):
A defesa deve buscar a máxima aproximação da verdade, ou pelo menos, daquilo que se
convencionou denominar verdade. Se não consegue convencer o juiz da sua vontade de
“verdade”, mas demonstra a existência de uma dúvida razoável, esta será o suficiente para
absolver o acusado, em razão do caráter político consubstanciado em seu conteúdo
axiológico. 9
9
A dignidade humana compõe o conteúdo da defesa. Este é o fundamento de algumas características distintivas
e relevantes do processo penal, como o benefício da dúvida para o réu (in dubio pro reo) e o ônus da prova para
a acusação. Assim, se existisse uma verdade absoluta, esta seria inatingível, não servindo nem para condenar,
nem para absolver. Segundo Badaró (2003, p. 434), “não há sentido em procurar distinguir a verdade formal da
verdade material, como se fossem duas verdades distintas. A verdade processualmente atingível sempre será uma
verdade limitada. A verdade processual é uma probabilidade, ainda que em altíssimo grau”.
10
De acordo com Aranha (2004, p. 82), de fato, se a “verdade” não passa de produto da vontade, a mesma linha
de pensamento impede de se falar certeza, constituindo esta apenas estado anímico do julgador. Nas palavras do
citado autor, “certeza é um estado de espírito pelo qual, no exame dos motivos convergentes e divergentes, um
deles deve ser rejeitado”.
60
Essa nova disciplina aos poucos começa a ser instituída pelo legislador, havendo
necessidade de se construir um novo modelo. Com efeito, a perspectiva constitucional
segmenta a ideia de processo, assevera Choukr (1999, p. 59), “para além da técnica, muito
mais politizada e sem dúvida com outro compromisso ético”.
[...] como objeto o estudo dos princípios e regras de natureza processual positivados
na Constituição e materialmente constitutivos do status activusprocessualis no
ordenamento constitucional português. Neste sentido, o direito constitucional
processual abrange, desde logo, as normas constitucionais atinentes ao processo
penal. Alude-se aqui ao direito constitucional penal ou constituição processual
penal.12
11
Não é aceitável a concepção da defesa como parte do processo “para satisfazer a reprimenda criminal”, como
conceitua Lopes Júnior (2005, p. 11); ou ainda como conceitua Silva (1994, p. 21): “para a aplicação da lei penal
aos casos concreto”. Processo penal não é meio ou instrumento de aplicação de pena. Numa ótica
constitucionalista, o processo é uma forma de garantir à pessoa humana, contra a qual o Estado fez uma
acusação, o respeito a sua dignidade, observando seus direitos e garantias individuais. Nesse contexto da
dignidade humana situa-se a defesa, e não como parte de satisfação da pena.
12
Nessa mesma linha de pensamento, Dias (2002, p. 84) define direito processual penal como “verdadeiro
direito constitucional aplicado”.
13
Fechando seu raciocínio, Scheid (2009, p. 78) esclarece a dupla função do processo penal: “(i) tornar possível
a aplicação da sanção; e, de outro curso, (ii) ser um efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades
61
[...] permitir às partes a dedução adequada de alegações que sustentem sua pretensão
(autor) ou defesa (réu) no processo judicial (civil, penal, eleitoral, trabalhista) e no
processo administrativo, com a consequente possibilidade de fazer a prova dessas
mesmas alegações e interpor os recursos cabíveis contra as decisões judiciais e
administrativas.
A compreensão exata da publicidade para a defesa passa pela motivação das decisões
judiciais. Evidentemente, se as razões das decisões não forem suficientemente explicitadas, de
nada adiantará a defesa. Do mesmo modo, a utilização de termos e expressões vagas, sem
individuais, constituindo-se em um mecanismo por intermédio do qual se limita a atividade punitiva estatal, a
fim de que a pena não seja fruto de uma decisão arbitrária e gestada à ilharga dos direitos individuais da
dignidade constitucional”.
62
significado preciso, não representam verdadeiramente motivação. Tais jargões, critica Nicolitt
(2012, p. 44):
[...] mais parecem palavras mágicas, o que se aplicava muito nas bruxarias, na Idade
Média. Ao mesmo tempo a ausência de fundamentação é instrumento inquisitório.
Desta forma, quando o juiz apela para estas fórmulas cria uma figura essencialmente
incompatível, que é bruxo-inquisidor, pois evoca palavras mágicas como um bruxo e
conduz o processo como inquisidor, figuras opostas naquele período histórico.
[...] se refletir que uma lei que ordenasse aos advogados penais a traição de seus
clientes seria da maior iniquidade e opróbrio. Ao que eu saiba, jamais tirano algum
decretou uma lei semelhante, a qual romperia de modo relativamente infame todo os
mais sagrados vínculos naturais. Posto isso, perguntaremos se o advogado tem uma
ligação mais íntima com o cliente do que a que mantém consigo mesmo! Ora, a
tortura, com as dores, tende a reduzir o homem à traição de si próprio, a renunciar à
sua autodefesa, a ofender e perder a si mesmo. Isso por si só basta para mostrar, sem
outras reflexões, que a tortura é intrinsecamente um meio injusto para buscar a
verdade, e não seria lícito utilizá-la, mesmo que com ela se encontrasse a verdade.
Apesar de não ter desaparecido como método para se alcançar a prova, em razão
publicidade característica dos regimes democráticos, não constitui mais regra. Este, portanto,
é outro aspecto da publicidade que a torna pressuposto do direito de defesa, proibindo
processos secretos e, por conseguinte, autorizadores da tortura, por ausência de contraposição.
Em outras palavras, o processo secreto impede o exercício da defesa, justamente porque ao
14
O segredo somente deve ser regra como garantia individual da pessoa humana. Na definição de Costa Júnior
(2011, p. 81), representa “o círculo concêntrico de menor raio em que se desdobra a intimidade”. E somente
neste sentido pode ser aceito.
15
Beccaria (2010, p. 31) considera a tortura como “uma barbárie que o uso consagrou na maioria dos governos
fazer torturar um acusado enquanto se faz o processo, seja para que ele confesse a autoria do crime, seja para
esclarecer as contradições em que tenha caído, seja para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é
acusado, porém dos quais poderia ser culpado, seja finalmente porque sofistas incompreensíveis pretenderam
que a tortura purgava a infâmia”.
63
defensor não é dado nem mesmo o conhecimento da acusação, sendo este o fundamento para
a publicidade ser considerada pressuposto do direito de defesa.
16
Gloeckner (2013, p. 80) esclarece a utilidade do contraditório como “eficaz instrumento técnico que utiliza o
Direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo”. E ressalta ainda que serve para justificar a
face igualitária da Justiça, constituindo-se em verdadeira exigência para a realização desta.
17
Em suma, assevera Delmanto Júnior (2004, p. 200), “o contraditório real, efetivo, indisponível, ou seja,
substancial, ínsito a toda ação judiciária penal em face do nosso ordenamento constitucional e ordinário, é de
todo incompatível com o conceito técnico-jurídico de ‘processo contumacial’ ou ‘à revelia’”.
64
A despeito de toda essa ebulição acerca da soltura do acusado, por meio de liberdade
provisória como efeito característico e lógico da presunção de inocência, é inegável o ranço
de autoritarismo ainda presente no Estado brasileiro, não sendo de se estranhar a postura de
juízes descompromissados com a nova ordem constitucional e os efeitos desta para o processo
penal. Adorno (1999, p. 19) pontua o Estado brasileiro como tradicionalmente autoritário:
“não é porque ele é Estado, mas porque a sociedade é uma sociedade que tem raízes no
autoritarismo”.
18
Conforme adverte Oliveira (2007, p. 24), “tem-se afirmado até mesmo que algumas das garantias processuais
ali agasalhadas possuem conteúdo prevalentemente político – como se o elemento político não permeasse toda a
elaboração constitucional – sem normatividade ainda suficiente para atingir o direito anterior”.
65
O medo em relação ao crime, explicam Adorno e Lamin (2006, p. 169), “traduz o modo
como lidamos, na contemporaneidade, com nossas angústias e incertezas, mas também com
nossas crenças nas leis, na justiça, na ordem e na democracia”. Não existe o interesse de se
buscar formas de efetivação do direito de defesa para se evitar a condenação do inocente; ao
contrário, os juízes desejam o pragmatismo da antecipação da pena como necessidade de se
dar uma resposta às exigências da coletividade por maior rigor penal.
Sob a ótica constitucional e humanista, uma dúvida razoável já seria o suficiente para
absolver na decisão final, quanto mais para concessão da liberdade provisória, devendo esta
orientação ser dirigida ao juiz para efeito de regra de tratamento e de julgamento do acusado.
A liberdade provisória é um efeito de um dos pressupostos da defesa, mas, ao contrário, não
significa impunidade, porque o réu estará submetido, na observação de Batista (1985, p. 103),
“a restrições e ônus impostos àquele que a obtém”.
19
O suspeito, continua, “quando existissem indícios razoáveis de ser autor de crime de certa gravidade, devia
ficar preso. Para permanecer em liberdade surgiam as contracautelas, entre elas a fiança” (FERNANDES, 2003,
p. 323).
20
O conceito de Gomes (1998, p. 102) é adequado a real dimensão do princípio, porque este não tem a sua
aplicação restrita às decisões judiciais. Trata-se de cláusula geral de proteção da pessoa humana contra todo tipo
de abuso do Estado.
66
constituindo pressuposto de toda defesa, nas palavras de Lima (2002, p. 197), “a presunção de
inocência é sublime”.
[...] no momento que vivemos a preocupação com a Justiça Criminal neste País
obrigatoriamente tem que passar por uma reformulação do sistema penal brasileiro,
pelo sistema das penas e o questionamento sobre como convivemos com a principal
garantia que é a liberdade de comunicação, a liberdade de criação [...].22
21
Percebendo a situação, para Veras (2011, p. 148), “tem-se a opção de continuar-se a aumentar o
distanciamento entre o juiz e o jurisdicionado penal (como na teleconferência), do juiz continuar a ser o
instrumento e o acusado a matéria-prima de um processo penal alienado, ambos coisificados, até o ponto em que
as decisões judiciais não sejam mais consideradas justas (embora formalmente exatas e não totalmente injustas),
apesar de sua imposição pela força do Estado”.
22
E continua o autor: “o que preocupa, isto sim, é a falta de zelo daqueles figurantes da cena da Justiça quando
se defrontam com a mídia. É o advogado que joga para a arquibancada, é o promotor, o procurador, é o juiz
preocupado com quem está julgando e como está sendo noticiado seu julgamento. Inquéritos que são
requisitados com o propósito da notícia do dia seguinte e não com a justiça que se fará daqui a 2 (dois), 3 (três)
ou 4 (quatro) anos. O ritual do indiciamento, que é uma excrescência que continua sendo praticada neste País e
que entendo ser absolutamente inconstitucional [...] O princípio da presunção de inocência presente na nossa
Constituição é violado e, no dia seguinte, a notícia do indiciamento é uma notícia muito mais importante do que
a notícia de uma futura condenação ou absolvição [...] Não é crível que se dê força a esse ato que está no
inquérito policial e que tem, na realidade, força perante a opinião pública. Nós, advogados, somos todos
67
O que mais causa impacto nas notícias veiculadas pelos meios de comunicação, expõem
Adorno e Lamin (2006, p. 152-153):
[...] talvez não seja o conflito de classes ou a miséria em que se encontra imersa
grande parte dos protagonistas. O maior impacto fica por conta do show
proporcionado pela mídia: os textos que revelam a crueza dos acontecimentos, as
fotos que não desmentem ninguém, o vídeo que capta a fala dos diferentes e
desiguais, sejam vítimas, agressores, autoridades ou expectadores transfigurados em
testemunhas. Nesse espetáculo, a violência da desigualdade social cede lugar ao
relato minudente da violência intersubjetiva. Não há qualquer pudor na exposição de
corpos mutilados, nus, desfigurados; não há o mínimo respeito pela privacidade dos
cidadãos, cuja vida é devassada como se nela se pudessem ver com clareza os sinais
de seu infortúnio.
testemunhas do desespero dos nossos clientes quando sabem que ao ser indiciados e de quanto isso lhes pode
custar”.
68
[...] em maior ou menor escala, acaba por atingir até mesmo aqueles não
comprometidos com determinada ordem sociopolítica, dando lugar a
posicionamentos nitidamente pessoais, a respeito de questões que ultrapassam, de
longe, a esfera do interesse individual.
Outro não pode ser o caminho senão se insurgir contra as injustiças cometidas no
processo. Para a efetividade da defesa, não basta a previsão constitucional normativa desta.
Assim como outros direitos fundamentais, precisa ser realizada materialmente no processo
penal, não sendo possível se falar em isonomia ou igualdade enquanto esse objetivo não for
cumprido.
doutrinária em torno da necessidade em torno dos ideais de justiça, liberdade e igualdade, não
deixa de ser mera igualdade “da boca para fora”.23
Apesar do grande salto propiciado pelo humanismo que trouxe a nova ordem
constitucional, inserindo a dignidade humana em posição de destaque, esse espírito de
mudança não atingiu ainda o sistema de justiça penal, porque não recebeu suficientemente o
apoio e a participação dos órgãos de Polícia, da administração penitenciária, do Ministério
Público e do Poder Judiciário.
23
. A atual situação da realidade processual penal brasileira lembra algumas situações históricas destacadas por
Marmelstein (2008, p. 45-46): “a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1789
pelo parlamento francês, começa seu texto proclamando que a ‘os homens nascem e permanecem livres e iguais
em direitos’. Apesar disso, na mesma época, ficou decidido que o direito de voto seria restrito aos homens que
tinham posses (voto censitário). O sufrágio universal sequer foi mencionado. Com isso, grande parcela da
população ficava à margem do jogo político, inclusive as mulheres. Os ‘homens e cidadãos’, mencionados no
texto, eram mesmo pessoas do sexo masculino e não uma figura de linguagem”. O autor refere-se ainda a outro
discurso liberal de mão única: “quando os trabalhadores reivindicavam melhores condições de trabalho, o Estado
esquecia a doutrina do laissez-faire e extrapolava a proclamada condição de espectador, colocando-se ao lado
dos empresários na repressão aos movimentos sociais”.
70
o juiz decretar de ofício prisão, isto é, o juiz pode, cautelarmente, decretar a prisão preventiva
de uma pessoa, sem que esta tenha sido solicitada pelo Ministério Público.
Num futuro Código de Processo Penal essas incorreções precisam ser resolvidas, porque
interferem e prejudicam o exercício da defesa no processo penal, gerando o agravamento do
desequilíbrio de forças, quando o ideal seria diminuí-lo, propiciando igualdade na relação
processual. À s vezes, o Estado-juiz busca mais a condenação do que a própria coletividade,
representada pelo Ministério Público. Assim, se a prisão cautelar resulta na antecipação da
pena, e o juiz a decreta de ofício sem existir pedido nesse sentido do Ministério Público, o
primeiro demonstra o interesse na constrição da liberdade humana sem que fosse interesse do
último.
A função do juiz no processo penal é bem mais ampla, abrangendo decisões que terão o
significado de aplicar ou não o direito material constitucional abraçado na nova ordem
constitucional. Em outros termos, o juiz pode conduzir ou não os atos processuais de acordo
com os princípios constitucionais. O conteúdo constitucional de suas decisões é uma
imposição e uma necessidade do Estado Democrático de Direito.
71
24
Obviamente, num modelo Estado autoritário, cujos interesses anulam completamente os aspectos individuais
da pessoa humana, essa questão não seria nem mesmo discutida. Afinal, os valores e os fins seriam outros.
72
A ideia antiga de tratar o indiciado não como sujeito de direitos, mas sim objeto de
investigação encontra-se completamente abolida no Estado Democrático de Direito, em razão
da posição humanista atual. Taxar um ser humano como “objeto” de uma investigação
representa ideia típica de Estado autoritário. Por isso mesmo, a efetividade da defesa, dentro
desta nova perspectiva do processo penal, impõe o afastamento das construções meramente
técnicas, com o intuito de privilegiar a pessoa humana como sujeito de direitos.
Todos os entraves devem ser vencidos para permitir defesa efetiva aos acusados. E
deve-se dar prevalência ao valor efetividade em relação à celeridade processual. A duração
razoável do processo é direito fundamental, mas jamais pode ser justificativa para a não
completa efetividade da defesa. O sistema de justiça penal deve ser instrumentalizado de
forma eficiente para assegurar concreção da defesa num processo com duração razoável.
Todo esse conjunto de ideias pode ser representado em algumas situações bem
exemplificativas. Imagine-se a figura da prescrição antecipada da pena ou prescrição em
perspectiva. Desde o primeiro momento, quando por ocasião do recebimento da denúncia,
o juiz verifica não existir prescrição, mas constata que, após o término da instrução,
por ocasião da sua decisão, o crime já estará prescrito. De imediato, a solução constitucional
seria antecipar sua decisão, declarando a prescrição e extinguindo a punibilidade
antecipadamente.25
Mas este é o perfil do juiz brasileiro. Essa é a sua formação. E essas são suas decisões,
guiadas pela antiga concepção do formalismo excessivo típico do Estado liberal. E, assim,
25
Para Fernandes (2005, p. 176), “é importante que, no Brasil, a jurisprudência seja alterada para admitir a
avaliação antecipada da pena com o fim de que processos inúteis e desnecessários sejam evitados, colaborando,
assim, para a celeridade da justiça, sem qualquer reflexo negativo na eficiência do sistema criminal. Cuida-se,
ademais, de visão garantista, porque não submete o acusado ao constrangimento ilegal do processo, sendo o
arquivamento do inquérito policial justificado pela falta de justa causa para a ação penal, sem afirmação de
culpabilidade, escorado tão-somente em avaliação provável da pena. Melhor, ainda, que, por alteração
legislativa, admita-se a análise da justa causa para a ação penal em face da pena provável. Aliás, a verificação
antecipada da pena em concreto, com base nas circunstâncias colhidas durante a investigação, poderá representar
forma de avanço da justiça brasileira em prol do consenso, sem atingir a pena privativa de liberdade”.
74
A ordem democrática, constitucional pode ser nova, mas o juiz e seus pensamentos são
antigos. Declaração de direitos, apenas em tese, obriga compromissos, porque sempre existe
como miná-los, descumpri-los, rasgá-los, às vezes explicitamente sem cerimônia, às vezes
disfarçadamente; e nada melhor do que o excesso de formalismo para maquiar o
autoritarismo.
O Estado brasileiro pode não ser mais autoritário em termos de ordem vigente, mas
muitos de seus agentes políticos, dentre os quais se incluem os juízes ainda o são, porque as
raízes construídas ao longo da história não desaparecem facilmente. A cultura do Estado
brasileiro, explica Zilli (2003, p. 169), “foi, e é, pautada pelo constante afirmação de
superioridade do Estado”.26
Definitivamente, no processo penal, o acusado precisa ser enxergado, não apenas nas
decisões que lhe dizem respeito, mas também, e tão importante quanto, nas regras de
tratamento do mesmo. Realmente, como se pretende efetividade no exercício da defesa se o
acusado não é identificado pelo Estado-juiz como sujeito de direitos, como pessoa humana
que porventura rompeu um limite ético determinante que o levou a cometer o delito, ou nem
26
Em relevante estudo sobre as influências do autoritarismo no processo penal, Zilli (2003, p. 169) discorre
sobre a cultura centralizadora e autoritária do Brasil desde o início da sua história: “inicia-se com uma estrutura
colonial arcaica e inerte, com o seu centro de poder fixado exclusivamente na Metrópole. Passa pelo período
imperial no qual a afirmação máxima da autoridade encontra-se focada na pessoa do monarca, chegando até os
mais recentes anos da República. Intercalam-se lampejos históricos de concessões de poder e de participação
popular lamentavelmente insuficientes, a ponto de enraizar uma cultura democrática perene”. No mesmo sentido,
Prado Júnior (2008, p. 289), explicando a ausência de participação popular na formação do Estado brasileiro,
desde o período da colonização.
75
mesmo chegou a cometê-lo. Seja como for, culpado ou inocente, não se pode desprezá-lo,
como se fosse um “abismo”, e assim considerado não interessasse a ninguém.
Sem diálogo, sem defesa efetiva. A lógica positivista com os seus formalismos
excessivos destrói a possibilidade de defesa efetiva. Defesa existe, meramente formal, técnica,
“fria”, sem conteúdo suficiente para influir determinantemente nas decisões judiciais.
Barros (2002, p. 257) entende que não se pode mais aceitar como conceituação de defesa
“as condições de expor e deduzir adequadamente as suas pretensões”.
Mais do que apenas participar, o juiz deve ser o condutor desses diálogos, tornando o
processo dinâmico entre os sujeitos processuais. No processo penal, historicamente, existe
um isolamento. À exceção do Tribunal do Júri, em razão dos debates intensos presentes
em vários momentos, a regra vem sendo a retração. Em outros termos, não se formou uma
cultura do diálogo. A concepção argumentativa aproxima-se muito mais do contraditório do
que a concepção positivista. No contraditório, assinalam Grinover, Cintra e Dinamarco (2005,
p. 57):
[...] as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de
‘colaboradores necessários’: cada um dos contendores age no processo tendo em
vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na
eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve’.
Essa nova forma de pensar o processo penal, contribuindo para a efetividade da defesa,
depende de um “novo” magistrado, comprometido com a dinamicidade exigida pelo
constitucionalismo. Não é fácil vencer a raiz autoritária do Estado, possibilitando o equilíbrio
processual, a participação, os debates, a construção argumentativa diálogo, Muito mais do que
uma participação ativa, deve exercer um novo modo de pensar na condução dos atos
processuais, substituindo o autoritarismo do excessivo rigor formal pela cooperação.
76
A efetividade da defesa depende desse “novo” juiz, mas cumpre ressaltar que, tratando-
se de hermenêutica constitucional e de aplicação concreta de direitos fundamentais no
processo penal, não exerce uma faculdade, mas sim um dever. O juiz não pode escolher entre
ser o e antigo “autoritário” ou o novo “constitucional”. Sua postura precisa estar
adequadamente alinhada às expectativas geradas pela nova ordem constitucional, instaurando
o Estado Democrático de Direito. Em poucas palavras, sentencia Rocha (1995, p. 109):
A efetividade da defesa é obstruída pelo Estado-juiz, justamente aquele que deveria ser
o seu principal colaborador na realização do processo penal constitucional. Especificamente
em relação à produção das provas, o juiz constitucional não pode ser mero espectador das
atividades desenvolvidas pelas partes. Ao contrário, dentro do novo modelo proposto, deve
ser dinâmico na condução da produção das provas, participando ativamente, cooperando e
dialogando durante toda a instrução.
À s vezes, uma posição estática em relação à produção de provas não significa agir com
imparcialidade. O juiz não deveria determinar produção de provas de ofício, como acontece
no processo penal brasileiro, mesmo sendo a título de exceção. Se o juiz passa tomar a
iniciativa da produção de provas, colhendo elementos a favor da acusação, está atuando como
“investigador”, havendo, no caso, clara quebra da isonomia processual. Por outro lado, se
estuda o caso, de forma aprofundada, para proferir uma decisão justa, não promoveu quebra
do equilíbrio processual. Ao invés de prejudicar, contribui para uma defesa efetiva, na medida
27
A Constituição Federal de 1988, discorre Rocha (1995, p. 109), “pelo que representa de inovação na maneira
de conceber o Estado e o direito, implica a transformação do perfil do Judiciário, na medida em que impõe ao
juiz o dever de aplicar suas normas em detrimento da legislação ordinária com ela incompatível, o que muda a
posição de submetimento do juiz à lei. A determinação remota da mudança é, como mostramos, o contexto
histórico emergente do processo de transformação operado nos diversos setores da realidade social”.
77
em que se importará em apreciar cada ponto levantado pela defesa, permitindo-se ser
convencido.
O Estado Democrático de Direito brasileiro ainda é uma nova realidade. Durante quase
todo o século XX prevaleceu o Estado autoritário, centralizador, com raras participações
democráticas. Portanto, esse perfil constitucional do processo penal encontra-se em fase de
alinhamento com as “mentes e os corações” dos sujeitos processuais.
O Estado-juiz autoritário somente deixou de existir a pouco tempo. Seus reflexos ainda
podem ser enxergados. Superado o período em que até as práticas de tortura eram respaldadas
pelo Estado, gerando todo tipo de suplício ao acusado, o processo penal constitucional
democrático ainda tem o desafio de tornar real o direito de defesa, tornando-o efetivo para o
acusado, sendo esta efetividade uma das formas de diminuir as injustiças cometidas.
tipos e classificações, sendo distintas as suas causas e seus fatores determinantes. Assim, não
se pode reduzir o tema a pensamentos descontextualizados da realidade social.
[...] por paradoxal que possa parecer, excluir faz parte dessa reordenação imposta
pela sociedade global. Diferentemente de uma sociedade inclusiva, a globalização
afirma o fenômeno da sociedade excludente. Em outras palavras, é mais barato
excluir e encarcerar as pessoas do que incluí-las no processo produtivo, transformá-
las em ativas consumidoras, através da provisão de trabalho e permitir-lhes uma
qualidade de vida que cumpra a condição de dignidade constitucionalmente prevista.
Neste passo, abordando a abissal desigualdade relacionada à justiça penal, não há como
deixar de ser tratada a histórica questão penitenciária como parte integrante das razões desta
crise, se já na for possível considerá-la não como causa, mas sim como produto das
consequências.
28
Afinal, continua Choukr (2002, p. 11), “os argumentos nascidos dessa falsa cisão levam a extremos
indesejados. A defesa das garantias individuais tende a levar seus defensores à posição de construtores de um
sistema fraco, inoperante face ao caos e ligados política e ideologicamente à esquerda. Avessos às mudanças,
paradoxalmente suas posições são rotuladas superficialmente como conservadoras em face da resistência às
mudanças que são oferecidas. Por seu turno, os defensores da visão segurança social tendem a ser vistos como
legitimantes do autoritarismo estatal em detrimento do indivíduo”.
29
Ayos (2010, p. 49) analisando a relação entre delito e pobreza, considera “que en esta nueva situación la serie
pobreza, peligrosidad y delito se reactualiza como construcción político cultural. Este retorno de las clases
peligrosas como noción que en nuestras sociedades articula esas tres dimensiones, es un elemento de profunda
relevancia para analizar los procesos ligados a La construcción de intervenciones estatales sobre La ‘nueva
cuestión social’”.
79
Ignorando que muitos dos direitos e garantias individuais foram resultado de longos
processos hermenêuticos, ressurgem ideias baseadas em movimentos de Lei e Ordem, Direito
Penal do Inimigo, dentre outras afastadas do atual quadro de constitucionalidade dos Estados
Democráticos de Direito. Não contribui em muita coisa, nas palavras de Choukr (2002, p. 13),
“a (in)cultura e a (in)disciplina da emergência, mormente quando deixa no ar a falsa
impressão que os mecanismos por ela preconizados são inerentes ao estado de direito”.
30
Avolio (2003, p. 22) consegue captar bem o retrato da situação atual: “minado pela acumulação de tarefas, o
inchaço da máquina burocrática, a corrupção administrativa, e o distanciamento, cada vez maior, do indivíduo
em relação aos centros de poder, o Estado contemporâneo mostra-se incapaz de desempenhar suas atribuições
mais inerentes, tais como a manutenção da segurança da coletividade e a distribuição da justiça, especialmente
através da persecução penal”.
80
31
Fazendo análise das crises e conflitos do sistema penitenciário, Coelho (1987, p. 16) mostra que “a disciplina,
a segurança e a relativa tranquilidade nas prisões depende fundamentalmente da disposição da massa carcerária
em submeter-se espontaneamente e em cooperar. E como têm mostrado vários estudos, não há cooperação sem
negociação; e a negociação não se faz sem lideranças dentro da massa carcerária. A ideia de que a autoridade
legal, isto é, o próprio Estado, através de seus funcionários, se veja constrangida a negociar com foras-da-lei as
regras de aplicação da própria lei pode parecer outro absurdo. Mas trata-se simplesmente de mais um dos
dilemas inscritos na natureza das prisões: o poder total – ou a primeira vista total – da administração não tem
como fugir à negociação e à transigência. A alternativa quase sempre será um nível de violência e repressão que
nenhuma sociedade poderá tolerar”.
81
[...] não é a solução mais efetiva para o problema da criminalidade e violência social
no Brasil. O número crescente de presídios não irá necessariamente possibilitar ao
Estado retomar o controle dos estabelecimentos prisionais. O que o Brasil precisa é
de um conjunto de reformas em diferentes fronts.
Diante da pressa por resultados, a Polícia se torna mais violenta e passa a respeitar
menos os direitos e as garantias individuais da pessoa humana. Em alguns casos, as ações
abusivas são respaldadas pelo próprio poder judiciário e pelo Ministério Público,
institucionalizando práticas autoritárias em plena ordem constitucional democrática, o que
termina por agravar a crise, porque aumentam os conflitos entre o Estado e os indivíduos.33
Existe uma força contrária que impede o Estado de se encaixar com a declaração de
direitos fundamentais da Carta Política às ações concretas. Comparativamente, seria como se
estivesse ainda no período da escravidão, no qual, em determinado momento, havia a
consciência da sua desumanidade, mas os discursos e as ideias não se corporificavam em sua
extinção, e não raro pensamento e conduta eram contraditórios.34
32
Este jamais deixou de existir. Todavia, o autoritarismo cometido na penumbra, na ilegalidade, escondido em
subsistemas de poder na prática de atos ilícitos, é bem diferente do autoritarismo explícito, escancarado, aquele
que busca legitimação da sociedade, por meio do sentimento coletivo de justiça, e deseja o apoio institucional do
Estado.
33
Recentemente, uma série de protestos eclodiu pelo país. Corrupção, segurança pública, saúde, educação, valor
da passagem de ônibus, os mais diversos problemas sociais levaram a população a protestar por melhorias. Para
coibir possíveis depredações ao patrimônio público e privado, por ocasião das manifestações, o Ministério
Público ingressou com ação para que fosse concedida autorização judicial, permitindo a Polícia deter
manifestantes para averiguação. Referida “prisão para averiguação” constituía uma das ações mais características
da Polícia na ditadura militar. Quando não se imaginava mais a possibilidade de retorno de práticas antigas, estas
ressurgem numa clara ameaça às liberdades individuais e ao Estado Democrático de Direito.
34
Marmelstein (2008, p. 46) cita os exemplos de John Locke e de Thomas Jefferson. O primeiro, um dos
principais expoentes das ideias que resultaram na formação do Estado Democrático de Direito, paradoxalmente,
defendia a escravidão negra. O segundo, um dos principais autores da Declaração de Independência Norte-
83
Dentro dessa nova perspectiva, não são poucos os desafios impostos, especialmente em
relação à inefetividade do exercício do direito de defesa. A insuficiência desta propicia
julgamentos temerários, em razão da ausência de reação diante da precariedade das provas ou
em decorrência de interpretações equivocadas, porque distantes da correta e necessária
hermenêutica constitucional do processo penal.
Ora, mas quais seriam as consequências, os efeitos de uma defesa insuficiente para
atingir o propósito de influenciar na materialização de uma decisão justa? A indagação é
bastante séria. No Brasil, em decorrência do formalismo exacerbado e da linha de
argumentação estritamente positivista, vem se aceitando uma defesa meramente formal, assim
entendida como a presença profissional habilitado no tempo e no lugar necessário.
Americana, cujo texto proclama que “todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de
certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”, era proprietário de
escravos.
84
Sofrendo os efeitos do autoritarismo, o juiz se isola para proferir sua decisão, sem antes
promover o debate no desenvolvimento dos atos processuais. Ainda assim, não se trata do
afastamento para buscar o estudo aprofundado do caso e a respectiva reflexão. Esse perfil de
julgador simplesmente decide. O importe é o resultado, e não o conteúdo político ideológico
da decisão.36
35
Nos tribunais superiores, procura-se fazer uma distinção entre ausência de defesa e insuficiência desta, como
se realmente fossem bem distintas, ao ponto de ser editada a Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da
defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
36
Lamentavelmente, no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça representa a mais nova figura do autoritarismo
estatal. Basicamente, preocupa-se em pressionar juízes para aumentar a produção de julgamentos, sem se
preocupar com o desenvolvimento dos atos processuais e o conteúdo das decisões. Criou-se um “Tribunal da
Inquisição” dentro do sistema de Justiça, empenhado em realizar a “caça as bruxas”, mas não existem “bruxas”.
Ao invés de se empenhar em resolver os reais problemas que afligem o poder judiciário, criaram um absurdo
sistema de metas, sem concomitantemente oferecer condições para que uma sentença não seja um número, mas
sim uma decisão justa.
37
Acima de tudo, julgar deveria ser um exercício de sensibilidade, porque o juiz é um intérprete do homem, do
mundo e de seus acontecimentos. Quanto mais conhece a realidade a sua volta e as ideias que a permeiam,
provavelmente mais justa será sua decisão, principalmente quando se encontra aberto às possibilidades,
permitindo-se positivamente ser influenciado.
85
p. 159), “esta visão de um contraditório estático somente pode atender a uma estrutura
procedimental monologicamente dirigida pela perspectiva unilateral de formação do
provimento pelo juiz”.
Dessa forma, às vezes não haverá como se valer do contraditório desde o primeiro
momento no processo penal. Todavia, este deve ser a regra. Somente deixará de ser
empregado, excepcionalmente, quando existir a possibilidade risco na adoção de alguma
medida cautelar, como em alguns casos de decretação de prisão preventiva. Para Nunes
(2008, p. 165),
Defesa efetiva é uma exigência da dignidade humana, porque se deve evitar ao máximo
o erro de uma condenação injusta. Sem esse pressuposto da efetividade não há nem mesmo
como garantir a segurança mínima no Estado Democrático de Direito, porque todos estarão
sujeitos a um processo vazio de conteúdo axiológico e a decisões injustas, submetidas ao
Estado-juiz autoritário.
Cada vez mais busca-se, mediante sucessivas alterações legislativas, a simplificação dos
procedimentos, para atender aos objetivos da celeridade processual e da duração razoável do
processo. Enfim, esse modelo que procura conjugar eficiência com celeridade é bastante
procurado não apenas no Brasil como em outros países, atingindo desde a América Latina
até a Europa, em que pese soluções consensuais no sistema penal já serem antigas na
commowlaw (SILVA, 1997).
Não se pode dizer, portanto, que essas alternativas consensuais não têm repercussão
alguma na vida da pessoa. A questão não para por aí. Se consiste em manifestação do poder
87
dispositivo do acusado, este poderia recusá-la ou aceitá-la, mas isso não tem se verificado.
Como o processo penal induvidosamente produz condenação precárias, baseadas em provas
da mesma forma precárias, não havendo compromisso constitucional com a presunção de
inocência e com o princípio in duo pro reu como regra de julgamento, invariavelmente, as
pessoas são convencidas a aceitar a transação penal sob a coação moral dos riscos que
representaria um processo conduzido pelo perfil autoritário do Estado-juiz brasileiro.
Na verdade, a resistência não é apenas contra a temeridade das denúncias vazias. Se esta
é vazia, porque baseada em elementos inidôneos da investigação, precários também são os
atos da polícia representando o Estado. E, em meio a todo esse caos, apresenta-se o último
personagem: um juiz autoritário, arbitrário, estático e “perdido” no modo de pensar suas
decisões. O maior problema, explica Fernandes (2005, p. 176), “é, na realidade, o de fixar a
amplitude aceitável do poder de disposição do acusado”.38
[...] tem-se afirmado que a legislação penal produzida nas duas últimas décadas na
América Latina e especificamente no Brasil representa um dos mais tristes capítulos
na história do Direito. A partir de um populismo irracional, os agentes políticos têm
provocado caos legislativo que, longe de ser orientado por um autoritarismo
ideológico – como o fascista ou nazista – ou conjuntural – como o derivado de
regimes militares –, encontra origem em discursos vazios, de natureza moral.
38
Para Fernandes (2005, p. 176), “o parâmetro deve ser o equilíbrio entre a eficiência do sistema e o garantismo,
equilíbrio traduzido aqui na ponderação entre a necessidade de serem admitidas alternativas procedimentais
simplificadoras que agilizem a justiça criminal e os limites possíveis de disposição, pelo acusado, do direito a
um procedimento-modelo que, com suas fases essenciais, assegure a plena atuação de suas garantias
constitucionais”.
88
Se nos Tribunais de exceção, aos réus não era garantida o direito de apresentar
elementos de prova acerca da sua inocência, estando preso ao autoritarismo e das avaliações
subjetivas deste, atualmente a defesa do acusado, mesmo inserida dentro de um sistema de
direitos e garantias individuais fundamentais, encontra-se em crise, porque não consegue
superar o formalismo positivista para tornar efetivo o seu conteúdo constitucional, no sentido
de propiciar decisões justas e democráticas.39
39
Esse paradoxo precisa se resolvido em definitivo. Afinal, o direito de defesa não pode ser apenas a expressão
da retórica, devendo ser meio hábil para provar a inocência do acusado, ou, ao menos, forma de lhe garantir a
condenação justa, se for esta o caso.
40
Muitos modelos punitivos defendem a diversificação de reprimendas penais, levando-se em conta a
multiplicidade de crimes e de criminosos, inúmeros tipos de consequências e graus de perigosidade, avaliação
relevante até mesmo para se realizar prevenção geral especial. Jakobs (2009), teórico idealizador da teoria do
direito penal do inimigo, poderia ter seguido essa linha, preservando os direitos e garantias individuais, ainda que
os flexibiliza-se excepcionalmente. O problema, razão de críticas contundentes por parte de toda a doutrina
contemporânea mundial, foi exatamente negar ao “inimigo” a condição de ser humano. Dividiu os infratores em
“criminoso-cidadão” e “criminoso-inimigo”. Os primeiros praticam infrações de pequeno a médio potencial, não
constituindo motivo de preocupação, porque jamais deixariam de existir. Os segundos cometem delitos de alta
ofensividade, agem de forma habitual e representam grande fator de risco para a coletividade. Os últimos perdem
juridicamente a condição de ser humano e, portanto, estaria legitimada até mesmo a tortura destes.
89
Afirmar a defesa como “teatro garantista” no processo penal brasileiro não é exagero,
nem mesmo novidade, porque nada mais inquestionável do que a evidência dos fatos. A
norma, com seus valores, seu conteúdo axiológico e suas interpretações pode ser questionada,
mas os fatos e as vidas como se mostram no dia a dia da realidade forense são
inquestionáveis. Portanto, a flexibilização dos direitos e garantias é realidade histórica do
Brasil. Se o discurso ideológico for o avanço no autoritarismo e na intolerância, o passo
seguinte não é redução ou flexibilização, mas sim supressão.
sistema penal, porque tem adotado a política do isolamento, distanciando-se cada vez mais do
acusado, numa postura de omissão e de desinteresse constrangedora.
A análise dos efeitos de maior repressão penal desde a promulgação da Lei nº 8.072, de
25 de julho de 1990, denominada Lei dos Crimes Hediondos, demonstra que houve nem a
estabilidade desses delitos. Na verdade, relata Franco (2005, p. 540), as expectativas foram
frustradas, porque não existiu o efeito desestimulador esperado.
tratado como “objeto” da execução, na medida em que não se consegue visualizá-lo como ser
humano possuidor de direitos fundamentais.41
Fato analisado pelo autor supracitado, na História da Loucura, a lepra pode ser trazida
para o século XXI, bastando substituí-la pela imagem do criminoso, e a história se repete.
Essa questão da imagem e da representação é de altíssimo valor para compreender como a
coletividade e as instituições do Estado identificam o criminoso, podendo ser encontra nesta
referência histórica parte da explicação para a sua segregação atual. Sobre a fixação da
imagem, discorre Foucault (2004, p. 6),
[...] aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo do que a lepra, e
que se manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios,
são os valores e as imagens que tinham aderido à personalidade do leproso; é o
sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e
temida que não se põe de lado sem se traçar à sua volta um círculo sagrado.
41
Antes de 2011, na execução da pena, se o condenado cometesse falta grave, perdia todos os dias remidos, não
havendo direito a procedimento administrativo disciplinar, mediante contraditório e ampla defesa, situação
semelhante ao afastamento da defesa no curso da investigação criminal. Ambas as situações, em momentos
completamente distintos, são exemplificativas do autoritarismo estatal. Na execução penal, existiu uma correção
parcial a partir da Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, alterando a redação do art. 127, da Lei de Execução
Penal, para estabelecer, em vez da perda dos dias remidos, apenas a redução até um terço, de acordo com
critérios previamente estabelecidos. Resta resolver a questão da obrigatoriedade do contraditório e da ampla
defesa no procedimento administrativo disciplinar, ainda inexistente, para aferir a falta grave. Por fim, quanto ao
inquérito policial, em plena ordem constitucional democrática do século XXI, o procedimento continua
ocorrendo sem contraditório, sem ampla defesa e sem fiscalização e controle de seus atos. Aliás, no
interrogatório realizado na fase policial, a presença de um defensor é uma opção. Como a maioria das pessoas
presas pertence às classes pobres, opção para poucos.
92
[...] que faz ato de presença no dia a dia das prisões, onde tudo tem seu custo (há
tabelas de preços), desde a própria cela, as chamadas telefônicas e a lista de presença
até o exame criminológico e a visita familiar ou íntima – explica em grande medida
o livre acesso da massa carcerária a drogas, armas e celulares. Os agentes prisionais,
por sua aproximação com os reclusos e seus baixos salários, são com freqüência
cooptados para fazer caso omisso ou ter uma participação ativa em episódios de
desvio de mercadorias, ingresso irregular de objeto, extorsões, malversação de
fundos, etcétera.
Não adianta a discussão em torno da eficiência e da eficácia da defesa sem antes existir
uma mudança de pensamento. Os obstáculos são muitos, conforme discorrido no presente
capítulo. Nesse caminho de desconstrução do “teatro garantista” da defesa atualmente
exercida para a assunção de uma defesa efetiva, não há como se prescindir de um juiz
constitucional, dinâmico, participativo, capaz de vencer as amarras do formalismo e sair do
isolamento do autoritarismo.
Para fins de uma correta delimitação conceitual de Defensoria Pública, não há como
deixar de sedimentar três ideias relacionadas aos seus propósitos constitucionais: liberdade,
igualdade e justiça. A afirmação desses três valores compõe se coadunam com os fins do
Estado Democrático de Direito, especialmente quando se avalia a desigualdade social
presente na realidade brasileira e a situação de milhares de pessoas excluídas dos seus direitos
e do acesso à justiça.
Mesmo pensamento possui Rawls (2008), concluindo não ser possível pensar a
igualdade sem a justiça. Liberdade não garante igualdade, observando, inclusive, que a
liberdade pode ser desigual quando algumas pessoas possuem mais liberdade do que outras.
Por isso, “a justiça se apresenta como um dos elementos essenciais e juridicamente
indispensáveis à legitimidade e à continuidade mesma do direito positivo” (p. 7).
42
Muitas vezes, para que se possa aplicar a igualdade constitucional, discorre Piazzeta (2001, p. 166), “é
necessário que certas medidas venham a ser tomadas para que indivíduos socialmente inferiorizados sejam
efetivamente favorecidos. Surgem, então, as ‘ações afirmativas’, também chamadas de ‘discriminações
positivas’. Destinam-se a realizar a igualdade material para aqueles socialmente inferiorizados através da
geração de uma igualdade de fato”.
96
43
Retratando a atual dimensão constitucional da Defensoria Pública, este conceito é encontrado no art. 1º, da Lei
Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, com redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 7 de
outubro de 2009.
97
44
A expressão utilizada, antes da criação da Defensoria Pública, era “assistência judiciária”. E os profissionais
que a exerciam eram denominados “advogados de ofício” (GIANNELLA, 2002, p. 42).
98
encontra na Defensoria Pública o motor mais importante na luta pela efetivação dos
direitos e pela prevalência da igualdade. 45
Os três óbices mencionados se referem ao real acesso à justiça, assim entendido como
instrumento de concreção de direitos fundamentais da pessoa humana, não devendo ser
confundidos com ingresso no Poder Judiciário, algo bem mais restrito. O ingresso no
Judiciário não chega ser um desafio, nem mesmo uma meta a ser alcançada, porque, por si só,
não significa realização de direitos humanos por meio da justiça. Pelo contrário, sem
criatividade e inoperante, o Poder Judiciário brasileiro, analisa Wolkmer (2006, p. 91):
[...] trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, age com demasiada submissão
aos ditames de ordem dominante e move-se através de mecanismos burocrático-
procedimentais onerosos, inviabilizando pelos custos e acesso da imensa maioria da
população de baixa renda.
[...] precisa ser deixado claro para que de logo se mostre a inconsistência de se
entender a obrigatoriedade da assistência jurídica integral e gratuita apenas na defesa
dos direitos de liberdade na justiça criminal, porquanto o direito à Defensoria
Pública seja exigível para o exercício de todos os direitos inerentes ao ser humano.
(p. 19)
45
Tratando da relação indissociável entre igualdade e acesso à justiça, Sadek (2013, p. 20) continua: “o direito
de acesso à justiça é o direito primeiro, é o direito garantidor dos demais direitos, é o direito sem o qual todos os
demais direitos são apenas ideais que não se concretizam. A assistência jurídica voltada para os hipossuficientes
e, pois, o móvel indispensável para a realização dos direitos e, em consequência, da igualdade”.
99
[...] o Defensor Público, assim como todos que lutam e resistem à opressão, percebe
que provavelmente jamais tateará o resultado efetivo e acabado de sua resistência.
Compreende que sua conduta cotidiana relaciona-se muito mais aos meios do que
aos resultados imediatos. Entende, enfim, sem que isso importe em sua opção por
resistir como imperativo ético, que a luta é infinita.
E se tratando de ações coletivas, pode ainda utilizar habeas corpus coletivo com vários
objetivos, como alguns casos enumerados por Sousa (2013, p. 211): “toque de recolher de
crianças e adolescentes em Cajuru, contra detenções de moradores de rua por vadiagem em
Franca, contra revistas invasivas em familiares de detentos em Taubaté”. Dessa forma, o autor
constata que: “[...] a atuação coletiva da Defensoria tem servido bastante à defesa – difusa (eis
46
Na mediação de conflitos, o México tem obtido destaque na América Latina, tendo sido um dos pioneiros na
busca de alternativas ao Poder Judiciário, pontua González Calvillo (1999, p. 177).
100
[...] pode-se falar na primazia dos processos coletivos em relação aos processos
individuais quando se veicula a proteção de um direito social, pois, diante da
socialização de seus institutos, a tutela coletiva mostra-se mais racional e eficaz para
a justa distribuição dos benefícios sociais. Neste sentido, reforça-se ainda mais a
legitimidade da Defensoria Pública para utilizar-se deste instrumento de promoção
da cidadania social.
O inc. LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, indica como juridicamente
necessitado aquela pessoa comprovadamente desprovida de recursos. Essa insuficiência de
recursos, de acordo com o § 1º, do art. 4º, da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, também
chamada de Lei de Assistência Judiciária, presume-se por meio de uma declaração da pessoa
até que se prove o contrário. O problema consiste em interpretar o termo “necessitado” na sua
devida dimensão constitucional (BESSA, 2007; BRETAS, 2009).
A renda de pessoa não constitui óbice à atuação do Defensor Público. Ainda assim, sua
legitimação é mais abrangente do que se costuma imaginar, por desconhecimento da
instituição. Segundo Zufelato (2012, p. 234), “pode-se dizer que a instituição já dispõe de um
101
considerável instrumental legislativo, o qual lhe atribui uma série de mecanismos para que se
desincumba de seu mister constitucional de garantir a defesa dos necessitados”.
Observa-se, portanto, não ser exclusivamente a falta de recursos econômicos o fator que
irá limitar as atribuições funcionais do Defensor Público. Nesse aspecto, analisa Rocha (2013,
p. 21), “preserva-se a autonomia individual, impedindo ingerência indevida do Estado na vida
privada, e garante-se o respeito e a impessoalidade no uso dos recursos públicos, como em
qualquer Estado que se queira democrático de Direito”. Afinal, continua a autora,
[...] se a defesa for realizada pelo Estado, tal será por aquele – a bem principalmente
da igualdade do acesso à remuneração pública, do respeito às instituições
constitucionais e do gozo das garantias legais para atuar com independência
funcional – que estiver em exercício daqueles múnus público, mas sempre em
coerência com as diretrizes assumidas em âmbito internacional. É inadmissível que a
escolha se dê por critérios privados e o Estado só seja chamado para ‘pagar a conta’.
(p. 21)
47
Impropriamente, denomina-se “declaração de pobreza” o documento em que uma pessoa afirma não ter
condição de prover o sustento próprio e de sua família. É possível ser juridicamente necessitado sem estar na
faixa de pobreza, não podendo a classe social ser critério exclusivo para a atuação da Defensoria Pública.
Devem-se levar em conta todos os sentidos possíveis para a condição de juridicamente necessitado (BARROSO;
LIMA, 2007).
102
como no caso exemplificado de acusado que possui condições econômicas no processo penal
que resolve não constitui advogado (MOURA, 2009).
[...] a nova lei expressa o que chamamos de legitimação social, pois menciona a
Defensoria como instituição, podendo mesmo na tutela individual oficiar no
processo de execução, ou seja, sem a necessidade de atuar representando ao sujeito
titular do direito material com capacidade civil.48
Essa constatação do autor supracitado é bastante relevante, porque será lento esse
processo de conscientização e de aprendizagem sobre Defensoria Pública, sempre vindo a
mente a imagem da antiga figura de “assistência judiciária”, com a qual a instituição não se
confunde, nem mesmo se assemelha.
48
Isso importa, os autores continuam, “em possibilitar a instituição a agir mesmo nos casos em que o preso não
tenha capacidade civil para se representar e nem possua familiares para tanto, ou ainda naqueles casos em que o
recluso tenha advogado constituído, e que o causídico com mandato não tenha realizado o pedido de benefício
em tempo” (p. 186).
103
49
“Os ordálios eram denominados Juízos de Deus, sob a falsa crença de que a Divindade intervinha nos
julgamentos e, num passe de mágica, deixava demonstrado se o réu era ou não culpado. Embora conhecido de
outros povos, o sistema ordálico desenvolveu-se e aprimorou-se na Idade Média, entre os europeus, sob o
domínio germânico-barbárico. Submetia-se o pretenso culpado a uma prova, para se aferir a sua
responsabilidade. Se nada lhe acontecesse, seria inocente; se se queimasse, sua culpa seria manifesta [...]”
(TOURINHO FILHO, 1997, p. 241).
104
No Brasil, foi estruturada como ato de solidariedade da classe dos advogados, quase
como num exercício de filantropia, sofreu modificações no Brasil Imperial, em meados do
século XIX, com a iniciativa de Nabuco de Araújo, conhecido como “Barão de Itapuã”. Já se
chamava a atenção da comunidade forense, como anota Souza (2011, p. 41), para:
[...] é que as ideias sobre a assistência judiciária defendidas por Nabuco de Araújo
contavam com a simpatia e o apoio do movimento abolicionista brasileiro, que via
neste sistema a garantia de acesso à justiça para os escravos que viriam a ser
libertados.50
50
Nabuco de Araújo ainda foi o criador de um instituto de advogados com a finalidade de prestar
acompanhamento judiciário aos pobres. Passo seguinte, foram criados dois decretos com esse objetivo de
assistência judiciária às pessoas carentes, Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890; e Decreto nº 2.457, de 8
de fevereiro de 1897.
51
Cabe lembrar ainda, discorre a autor, “que a Constituição brasileira de 1934, sob marcante influência da
Constituição de Weimar, pretendia expressar uma ruptura com o velho modelo de Estado de Direito liberal,
buscando estruturar entre nós o novo paradigma de Estado de Direito Liberal, buscando estruturar entre nós o
novo paradigma de Estado Social que se difundia na Europa” (p. 242)
105
Em pleno século XXI, o Direito Penal do Autor continua a existir, porque o Estado-juiz
se utiliza dos mecanismos de repressão penal como forma de segregação social.52 Nos Estados
em que a Defensoria Pública não possui ainda estrutura mínima para assegurar a plena
realização de suas funções constitucionais, esse quadro é agravado, isto é, pessoas são
condenadas em razão de juízos de valor equivocado, relacionados a projeções pessoas e
discriminações.
A Defensoria Pública não possui apenas atividades típicas. Existem ainda as funções
atípicas do Defensor Público, inclusive, com o respaldo do art. 4º da Lei Complementar nº
80/1994, quando usou o termo “dentre outras”, ao destacar o rol das missões da carreira.
Afora as funções típicas, o Defensor Público atua ainda na solução de conflitos mediante
mediação, como afirma Sales (2007, p. 35), “é um meio de solução de conflitos que requer a
participação efetiva das pessoas para que solucionem os problemas, estimulando o diálogo e a
reflexão sobre suas responsabilidades, direitos e obrigações”. Assim, ao se empenhar no
sentido de buscar primeiramente a resolução extrajudicial das questões jurídicas, procurando a
composição entre as pessoas em conflito de interesses, a Defensoria Pública desenvolve
função atípica e não menos relevante (SALES, 2010).
52
O Direito Penal do Autor é muito criticado atualmente, mas durante muito tempo foi aceito, inclusive tendo
nos atributos pessoais da pessoa o fundamento da sanção penal (ZAFFARONI; BATISTA, 2011).
106
53
Dessa forma, o Defensor Público deve evitar o ingresso no Poder Judiciário, porque este não vem sendo
efetivo na prestação jurisdicional. Cumpre-lhe, portanto, proteger as pessoas juridicamente necessitadas destas
mazelas do Poder Judiciário, procurando resolver o problema por meio de mediação, conciliação, arbitragem e
demais técnicas de composição e administração de conflitos.
107
Nessa esteira, como uma dos efeitos de sua independência, encontra-se a possibilidade
de o Defensor Público ingressar com ações contra o próprio Estado e os Municípios. Deve-se
ter em conta que qualquer tentativa de limitação ou de inibição dos objetivos institucionais da
Defensoria Pública representa ofensa ao Estado Democrático de Direito, decorrendo daí uma
demanda pela conscientização entre autoridades públicas e órgãos estatais (DEPINÉ FILHO,
2008).
Outro aspecto da independência funcional merece ser ressaltado: não existe hierarquia
funcional interna entre seus membros, nem mesmo entre a Defensoria Pública Geral e os
Defensores Públicos. Entre membros Defensores Públicos, não se concebe hierarquia
administrativa, sendo completamente inapropriadas expressões como “supervisor” e
“supervisão”. Em sentido similar, não pode Defensor Público Geral ser confundido com
secretário de Estado.56
54
Os princípios institucionais da Defensoria Pública, fixados no art. 3º da Lei Complementar nº 80/1994 são a
unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
55
No decorrer da tese, sempre se parte de formulações teóricas acerca da Defensoria Pública como instituição
independente do Poder Executivo. Assim como o Ministério Público não pertence ao Poder Executivo, a
Defensoria Pública também ali não se encontra, sendo este um dos traços constitucionais comuns entre as duas
instituições.
56
Por isso, não há como concordar com a posição de Menezes (2005, p. 11), segundo a qual, no âmbito
administrativo, os membros da Defensoria Pública “devem respeito, no âmbito administrativo, a seus superiores
hierárquicos”. Contraditoriamente, mais adiante o autor afirma que a formação do convencimento técnico-
109
Desta forma, cada Defensor Público possui uma linha de trabalho a ser seguida dentro
das diretrizes gerais da instituição, devendo-se apenas respeitar a maneira de atuação
escolhida. O Defensor Público é independente para manifestar seu pensamento e para pautar
suas ações, não podendo sofrer influência da Defensoria Pública Geral para seguir
determinado padrão, sem que isso importe em quebra da unidade.
jurídico do Defensor Público deve ser exercida de forma livre e independente, “sem a interferência de quem quer
que seja” (p. 11).
57
Desse modo, explica Galliez (2010, p. 100), “se atuam em nome de outrem, isto é, se operam como longa
manus da Defensoria Pública, é ela – e não os seus membros – quem representa a parte necessitada no processo
judicial. Os Defensores Públicos fazem com que a Defensoria Pública esteja presente no processo, do mesmo
modo como o fazem os Promotores de Justiça e os Procuradores da República com relação ao Ministério
Público”.
110
Portanto, o modelo brasileiro se destaca pela sua independência dos poderes executivo e
judiciário e pelas missões associadas com os objetivos do Estado Democrático de Direito. No
México, não existe Defensoria Pública no padrão brasileiro, prestando o Estado apenas
serviço limitado de assistência judiciária como órgão do Poder Judiciário. E, segundo Moraes
e Silva (1984), o interessado precisa ainda demonstrar que a sua defesa possui um
embasamento minimamente razoável, sendo ainda restrita ao polo passivo.
No modelo brasileiro, a atuação do Defensor Público não pode ser pautada pela vontade
do Poder Executivo e do Poder Judiciário, nem mesmo na vontade do Defensor Público Geral.
Seus deveres são todos previstos expressamente em lei. Caso os descumpra, cometendo algum
tipo de irregularidade ou de ilegalidade, a infração deve ser apurada pela Corregedoria, daí
porque o Defensor Público deve remeter ao Corregedor Geral semestralmente o relatório de
suas atividades em sua área de competência.
Não se trata apenas de liberdade para atuar tecnicamente. O Defensor Público é livre
para escolher a melhor forma de atuação, verificando os meios mais adequados para o
exercício de suas funções, não estando subordinado à vontade da Defensoria Pública Geral.
As diretrizes da sua atuação somente podem ser pautadas pela própria Lei. Dentro dos
parâmetros legais, o Defensor Público possui plena independência para o exercício de suas
atribuições constitucionais (CARVALHO, 2009).
111
58
O § 4º, do art. 50, da Lei Complementar nº 80/1994, prevê a possibilidade de remoção compulsória sempre
que a falta praticada, pela sua gravidade e repercussão, tornar incompatível a permanência do faltoso no órgão de
atuação de sua lotação.
112
Defensoria Pública o órgão responsável por alcançá-los, na medida em que a maioria dos
brasileiros ainda não tem o exato acesso à justiça, por serem juridicamente necessitados.59
Não se pode aceitar essa posição, porque não encontra sintonia com os objetivos
propostos como desafios para a instituição Defensoria Pública. A promoção da dignidade da
pessoa humana das pessoas juridicamente necessitadas não pode ser limitada. Deve-se buscar
sempre a maior abrangência das formas de acesso à justiça, acelerando o processo de
concreção de direitos, não havendo razão para restringir o acesso (CARNAZ, 2007; CINTRA,
2009).
59
O art. 3º da Constituição Federal de 1988 estabeleceu os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
113
Em que pese a tutela dos direitos difusos e coletivos pelo Ministério Público, a
instituição não possui atribuição e legitimidade para o ingresso de ações individuais para a
concretização dos direitos fundamentais das pessoas, cabendo a Defensoria Pública o
exercício dessa missão constitucional (FENSTERSEIFER, 2011).
O advogado dativo não pode ser equiparado ao Defensor Público, porque pertence à
advocacia, considerada esta relevante para o funcionamento da justiça. Todavia, não compõe
atividade de Estado de interesse público. Ao contrário, advogados são profissionais liberais,
desempenhando atividades no âmbito das relações privadas. Nesse aspecto, advogados
dativos, no máximo, exerceriam função meramente formal, sem firmar compromisso com
efetivo acesso à justiça. Sob essa perspectiva, analisa Galliez (2010, p. 103),
O advogado dativo, nomeado pelo juiz para exercer a defesa de um réu juridicamente
necessitado, não exerce função jurisdicional do Estado, atuando apenas verdadeiramente
como auxiliar do juízo, como se fosse um perito judicial, contador, ou tradutor, mas sem
perseguir os objetivos buscados pela Defensoria Pública, apesar de alguns doutrinadores ainda
defenderem se tratar de um múnus público, orientação da qual se discorda na presente tese.
Por isso mesmo, a manutenção dessa figura no ordenamento jurídico é prejudicial para o
avanço da Defensoria Pública, significando um atraso no cumprimento de suas missões
constitucionais. O que é válido sob o prisma jurídico pode ser ao mesmo tempo maléfico sob
a ótica social, afirma Galliez (2010, p. 104) e discorre:
Na esteira desse pensamento, não se pode desprezar o fato de que a pessoa acusada foi
submetida contra a sua vontade a todos os efeitos e as mazelas decorrentes do processo,
passando a fazer parte do sistema. Nesse caso, cumpre ao Estado garantir a igualdade no
exercício de defesa de todos, não podendo aceitá-la como ato de generosidade, ou apenas,
seguindo a percepção de Shimizu e Strano (2013, p. 387), como mera peça de uma
engrenagem na “mais gigantesca máquina de moer carne”.60
Referido dispositivo não pode mais ser aceito. Encontra-se eivado de flagrante
inconstitucionalidade, sendo absurdo raciocinar o legislador infraconstitucional sujeitamdo a
60
Com efeito, analisa Shimizu e Strano (2013), a mudança do olhar, do criminoso para a reação estatal, permitiu
que essa fosse questionada, revelando que o sistema penal tutela interesses bastante diversos daqueles
declarados: o aparato punitivo se vende como uma forma de garantir a segurança e a paz e, no lugar disso,
apenas se presta à manutenção da opressão de classe, bem como à manutenção de outras opressões que já se
verificam no seio social, a custa de muito derramamento de sangue e da produção intencional de sofrimento a
uma coletividade enorme de pessoas que são selecionadas pelo próprio sistema.
115
Defensoria Pública ao Estatuto da Advocacia, por ser este geral, não servindo no contexto
atual. Em outras palavras, sua utilização somente tinha sentido em relação à antiga figura da
assistência judiciária, não mais existente e completamente incompatível com a atual ordem
constitucional vigente.
Como entre as carreiras jurídicas a Defensoria Pública é a mais nova, tendo sido
criada efetivamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, seus princípios
institucionais e objetivos ainda estão se firmando no sistema de justiça. Inclusive, as garantias
e as prerrogativas de seus membros ainda são objeto de desconhecimento, em razão dos
resquícios deixados pela figura do antigo “advogado de ofício”.
satisfatória, sem interferência política de qualquer ordem, relevante ainda para apagar a antiga
figura do “advogado de ofício”, estereótipo estigmatizado ao longo do tempo, sem que fosse
ideal de Defensoria Publica. O Defensor Natural trata-se, em suma, conceitua Lima (2012,
p. 107),
[...] da garantia de que não serão eleitos critérios casuísticos para determinar qual o
Defensor Público que atuará em cada caso. As regras internas de cada Defensoria
Pública devem definir as atribuições dos seus órgãos de execução, de modo que a
distribuição dos processos ocorra aleatoriamente. 61
A existência da figura do “defensor dativo” pode até ser imaginada como um paliativo
para garantir o acesso ao Poder Judiciário, mas não para assegurar o acesso à justiça, no
sentido de promoção e concreção dos direitos fundamentais, possibilitando a igualdade
61
O princípio do defensor natural, portanto, assume duas feições. Pelo lado do assistido, é um direito; pelo lado
do Defensor Público, é a exteriorização da garantia de inamovibilidade.
117
Não podendo ter aspecto secundário, a assistência jurídica gratuita e integral aos
necessitados se destaca ainda mais quando considerada a realidade brasileira e as profundas
desigualdades sociais existentes. Por isso mesmo, explica Lima (2012, p. 111),
62
Exemplificando o significado e a dimensão assumida pela assistência jurídica prestada pela Defensoria
Pública, discorre o autor: “A indicação ao assistido de que o contrato que deseja entabular é válido do ponto de
vista legal, uma vez que obedece aos parâmetros exigidos pela ordem jurídica, conquanto se traduza em
orientação jurídica, pode estar em descompasso com os objetivos perseguidos pela Defensoria Pública. O que é
válido sob o prisma jurídico pode ser ao mesmo tempo maléfico sob a ótica social. Se a primazia da dignidade da
pessoa humana e a redução das desigualdades sociais se constituem em finalidades da Instituição, a regularidade
de qualquer orientação jurídica deve necessariamente passar por estes filtros. Importa saber, por exemplo, se a
assinatura de um contrato legalmente perfeito não conduzirá o cidadão pobre e humilde à bancarrota, ou se a
propositura de uma ação judicial apenas com o intuito de satisfazer aos interesses do assistido não lhe acarretará
prejuízos ainda maiores” (p. 111).
118
Sobre a imparcialidade, parte-se do pressuposto de que não pode ser confundida com
neutralidade. Não existe neutralidade política e de cunho ideológica. Assim, a compreensão
do juiz depende de suas experiências e do seu contexto social. A exemplo das demais pessoas,
analisa Pozzebon (2007, p. 167), “não possuem o dom de
se desvencilhar de experiências passadas, de preconceitos e da forma de observar e interpretar
a estrutura social que os cerca”.
63
Nesse contexto, Maya (2011, p. 54-55) conceitua imparcialidade como “valor estruturante do ordenamento
jurídico que ganhou relevo com o desenvolvimento do direito desde o paradigma racionalista do Estado
moderno, sendo atualmente concebida como um princípio normativo indiscutido, uma atitude ou um valor
central que dá ensejo à regra fundamental de uma ética fundada sobre o respeito às pessoas em função de sua
igualdade. Sob esta ótica, a imparcialidade é concebida como uma regra básica de tratamento que tem por
pressuposto a noção de igualdade, integrando, ao lado das ideias de Justiça, certeza e equidade, grupo de valores
jurídicos”.
119
Portanova (2005) defende um novo símbolo da justiça, não mais com a venda nos olhos,
mas sim os olhos bem abertos, para enxergar as desigualdades e ser capaz de igualá-las,
reequilibrando a balança para proferir um julgamento justo, ou o mais aproximado do justo.
Tomando como base seu pensamento, o Defensor Natural é a porta para a correção das
desigualdades dentro do sistema de justiça.
A garantia do juiz natural não vem sendo suficiente para garantir decisões justas. A
atuação da Defensoria Pública em defesa aos juridicamente necessitados pressupõe o
princípio a existência do Defensor Natural, porque a própria reivindicação dos valores
constitucionais na motivação das decisões judiciais pressupõe uma solução de compromisso
em torno do devido processo penal constitucional.
Dessa foram, o Defensor Natural se apresenta como direito material subjetivo da pessoa
juridicamente necessitada, devendo este pressuposto ser devidamente atestado para evitar o
desvirtuamento das funções da Defensoria Pública e, destacadamente, para se desvincular dos
interesses de governos, implantando um sistema de justiça menos seletivo, mais cooperativo e
democrático. Assim, o princípio do Defensor Natural é indissociável da autonomia da
instituição. A Defensoria Pública, afirma Souza (2011, p. 95),
Referida Lei foi construída para atender aos objetivos do antigo modelo de assistência
judiciária, incompatível com a dimensão e a relevância da Defensoria Pública, porque não
interessa mais garantir o acompanhamento judicial por um profissional da advocacia. As
120
Este dispositivo não pode mais ser adotado em situação ou hipótese alguma por duas
razões bastante claras. Primeiro, não foi recepcionado, porque o objetivo do Estado
Democrático de Direito, com a criação da Defensoria Pública, foi um modelo de defesa
garantista, possibilitando a eliminação das desigualdades materiais. Segundo, porque
contraditória com os princípios institucionais regentes da instituição, sobre os quais já se teve
a oportunidade de discorrer.64
Em outros termos, não existem outras autoridades para exercer cargos equivalentes
ao de Defensor Público, assim como não basta ser advogado devidamente habilitado para
estar apto a substituir o Defensor Público. Pensar de outra forma, no sentido da não
indispensabilidade da Defensoria Pública, equivale a patrocinar o modelo antigo e superado
de assistência judiciária, em grande parte responsável pelos obstáculos históricos do acesso à
justiça. Como lembra Souza (2011, p. 265),
[...] embora a Constituição Federal tenha estabelecido no caput do seu artigo 5º, que
inaugura o catálogo dos direitos e garantias fundamentais, que todos são
formalmente iguais perante a lei, reconheceu, outrossim, que a sociedade brasileira é
ainda materialmente injusta e desigual, instituindo como objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º): ‘I – construir uma sociedade livre, justa e
solidária; [...] III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’.
64
Tendo-se em conta que a própria Carta Política reconheceu, analisa Souza (2011), tanto a igualdade formal, do
ponto de vista jurídico-constitucional, assim como a desigualdade material, no plano fático, instituindo como
objetivo maior da República a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais,
pode-se então afirmar que todas as instituições republicanas estão responsabilizadas pela promoção desta
igualdade, ou sob outro prisma, pela diminuição das desigualdades.
121
A Defensoria Pública não pode ser mais interpretada como a instituição que oferece o
acesso ao Poder Judiciário aos juridicamente necessitados. Essa dimensão resta superada,
porque, durante muito tempo, esteve dissociada do plano material, significando mero
tecnicismo, e não efetivo acesso à justiça. Dito de outra forma, o simples acesso ao Poder
Judiciário não resulta obrigatoriamente em alteração no campo dos acontecimentos no sentido
de assunção de direitos fundamentais, em muitos casos não se prestando para esse fim
específico. A atuação da Defensoria Pública, discorre Sadek (2013, p. 23),
Com essa assertiva, a autora deixa clara sua visão de Defensoria Pública como
instrumento de promoção da igualdade no plano material, possibilitando, por meio do efetivo
acesso à justiça, a inclusão social. Como viver sem o mínimo existencial equivale a não viver,
a transposição do estudo da Defensoria Pública para a abordagem dos direitos fundamentais
possibilita a superação do supérfluo, considerado este como mero acesso ao Poder Judiciário.
O Poder Judiciário, ainda bastante influenciado pelo pensamento dos positivistas puros,
não tem considerado a relevância de outros campos do conhecimento para a consecução dos
122
Por vezes, o Poder Judiciário nega a realidade social e os valores do homem. Essa forma
de pensamento prejudica o desenvolvimento e a construção científica da Defensoria Pública,
na medida em que esta deve ser entendida como direito fundamental à concreção de outros
direitos fundamentais, não se restringindo a uma função instrumental de acesso ao Poder
Judiciário. O conhecimento sobre Defensoria Pública abrange não se resume ao saber
jurídico. Sua atual dimensão pressupõe um conjunto de informações retiras de outros
tipos de conhecimento, como, por exemplo, sociologia, antropologia, filosofia, inclusive,
conhecimento popular, por vezes não lembrado, mas não menos relevante.65
O conhecimento científico sobre Defensoria Pública não pode ser confundido com
outros campos do conhecimento, porque se trata de informações que precisam ser tratadas de
uma determinada forma e devidamente delimitada por meio de formulação de teorias
passíveis de refutação, como assinala Popper (2003). Se for uma teoria científica sobre
Defensoria Pública, então pode ser refutada; caso contrário, não poderia ser classificada como
conhecimento cientifico.66
65
Conhecimento significa saber. Parte da atividade mental do ser humano que o leva a um conjunto de
informações sobre alguma coisa. Na peculiar observação de Reale (2009, p. 47), “conhecer é trazer para nossa
consciência algo que sabemos ou que supomos fora de nós”.
66
Esta é a distinção entre conhecimento e conhecimento científico, porque somente a partir das refutações se
pode descobrir o que é e o que não é. Por isso, exemplificativamente, os conhecimentos mitológicos e religiosos
não podem ser refutados.
123
Essa dimensão da instituição Defensoria Pública deve ser impressa para afastar as
antigas ideias de defesa de pessoas juridicamente necessitadas como ato de generosidade,
como se o Estado não tivesse uma obrigação social em relação à maioria da população. Essa
mudança de pensamento não pode ser desprezada, porque somente assim a instituição será
devidamente equipada com as condições necessárias para o seu funcionamento.
para usar mecanismos de força, quando empreende a repressão penal, mas é ausente, quando
precisa dialogar, cooperar e se envolver ativamente nas necessidades da população carente.
[...] historicamente, não tem sido a instância marcada por uma postura independente,
criativa e avançada em relação aos graves problemas de ordem política e social. Pelo
contrário, trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, age com demasiada
submissão aos ditames de ordem dominante e move-se através de mecanismos
burocrático-procedimentais onerosos, inviabilizando pelos custos e acesso da imensa
maioria da população de baixa renda.
Portanto, o desafio da Defensoria Pública passa pela superação das abstrações da cultura
positivista tecnicista e meramente formal da dogmática brasileira. O Poder Judiciário não tem
conseguida dar respostas mínimas aos anseios da coletividade por mais justiça social. Assim,
cada vez mais se busca alternativas como instrumento de real acesso à justiça, propiciando
igualdade material sem o protagonismo do Estado-juiz, ironicamente um dos responsáveis
pela igualdade apenas no plano formal.
[...] está avesso às demandas sociais, é preciso conceber outros conceitos, mais
plurais, mais eficientes, de modo a ampliar e dar efetividade ao acesso à Justiça,
para além do acesso aos órgãos jurisdicionais. É imprescindível que o cidadão
67
Nessa esteira, Cappelletti e Garth (1988, p. 72) lembra que “sem remuneração adequada, os serviços jurídicos
para os pobres tendem a ser pobres, também”.
126
68
O autor cita o exemplo das forças hegemônicas das grandes empreiteiras e imobiliárias, fixando políticas
urbanistas nos grandes centros em detrimento de comunidades, “supostamente em ocupações irregulares, mas
plenamente suscetíveis de regularização fundiária, mas cujos processos administrativos são obstados pelos
interesses especulativos daqueles grandes grupos econômicos, com total inércia do Poder Público no exercício de
seu dever de pulverizar e democratizar a valorização do solo urbano, cujos lucros são cada vez mais
concentrados, capitalizados e exportados” (p. 109).
127
Nesse desenvolvimento, a Defensoria Pública deve buscar uma atuação conjunta com o
Ministério Público, inclusive em razão algumas semelhanças das missões de cada instituição.
Essa cooperação é relevante, mas não se pode negar o papel preponderante da Defensoria
Pública quando o assunto se trata de promoção de direitos humanos e redução de
desigualdades sociais, destacadamente por causa da situação de pobreza da maioria da
população brasileira.
A busca pela efetivação dos direitos fundamentais possui ainda mais relevância, quando
se constata a realidade brasileira, marcada por abissais desigualdades materiais. Não o
suficiente as instituições do Estado conhecerem esse papel destacado da Defensoria Pública,
porque existe um desinteresse letárgico destas que impede transformações. Essa é a razão pela
qual a mudança precisa vir de fora, isto é, da coletividade para as instituições; e, assim sendo,
tudo termina desaguando em conscientização de direitos e educação para o direito.
69
Diferentemente do que ocorre nos países europeus, no Brasil, assinala Ré (2013, p. 95), “tradicionalmente, a
Instância Administrativa é quase nula, fazendo da via judicial, quando impossível a pacificação extrajudicial do
conflito, a via única a ser obrigatoriamente percorrida, sob pena de perecimento do direito subjetivo violado”.
128
Não se trata apenas de ausência de recurso econômico para propiciar acesso à justiça.
À maioria das pessoas, não se lhes fornece nem mesmo o direito a informações mínimas, isto,
uma orientação simples que, inclusive, poderia ser o suficiente para resolver o seu problema,
ou ao menos para minimizá-los. O real acesso à justiça propiciado pela Defensoria Pública
tem condições de modificar a vida de uma pessoa, fornecendo-lhe condições para o
desenvolvimento do seu potencial humano; e, a partir daí, garantir-lhe a participação social
por todos desejada, mediante cooperação mútua e diálogo permanente.
Se o Estado impõe uma barreira à efetivação dos direitos fundamentais das pessoas
juridicamente necessitadas, cumpre à Defensoria Pública o dever de se insurgir contra esta
realidade, descortinando as desigualdades sociais, a apatia e o comodismo das instituições
responsáveis pela condução do sistema de justiça e, acima de tudo, expondo as distorções
existentes, extremamente discriminatórias e limitadoras.
4 A GARANTIA DA DEFENSORIA PÚ BLICA PARA
CONSTRUÇ Ã O DE UM NOVO MODELO DE DEFESA NO
PROCESSO PENAL E O PROBLEMA DA ADVOCACIA DATIVA
Sob uma perspectiva humanista e garantista, busca-se por meio do processo uma
decisão justa. Decisão justa pressupõe processo justo como método de aquisição da verdade,
mas quando se fala desta, na acepção de Ferrajoli (2010, p. 137), não se está tratando da
verdade inalcançável contida fora do processo. No modelo garantista, a verdade buscada para
a consecução do processo justo é aquela obtida com respeito às garantias da defesa.
70
A Defensoria Pública, discorre Fensterseifer (2011, p. 63), “exerce um papel constitucional essencial na
tutela e promoção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações) das pessoas necessitadas,
pautando-se, inclusive, pela perspectiva da integralidade, indivisibilidade e interdependência de todas elas.
Assim, da mesma forma que a Defensoria Pública atua na tutela dos direitos liberais (ou de primeira dimensão),
conforme se verifica especialmente no âmbito da defesa criminal, movimenta-se também, e de forma exemplar,
no sentido de tornar efetivos os direitos sociais (ou de segunda dimensão), o que se registra, por exemplo, nas
ações individuais e coletivas que reivindicam prestações do Estado – nas esferas municipal, estadual e federal –
nas áreas da saúde (medicamentos e tratamentos médicos) e da educação (vagas em creche e escolas públicas).
130
A defesa ineficiente no processo penal acarreta lesão não apenas ao direito fundamental
à liberdade do acusado juridicamente necessitado, incidindo no direito à igualdade, na medida
em que não se disponibiliza dentro do sistema de justiça penal as mesmas oportunidades para
todos. Incide notadamente sobre as pessoas vulneráveis, aquelas para as quais se deveria ter
uma atenção especial.71
Muito além de atingir a liberdade da pessoa humana, a defesa ineficiente acarreta prisão
de pessoas inocentes. E, neste aspecto, atinge outros direitos como integridade corporal, saúde
física e mental, honra, imagem e família. Considerando as particularidades das prisões
brasileiras, atenta ainda contra a própria vida humana, em razão da falta de segurança nesses
ambientes. Ademais, lembra Sanguiné (2010, p. 290-291):
71
Numa abordagem da tutela judicial efetiva como fundamento para um processo justo, Abade (2005, 191)
lembra que “a manifestação do direito de defesa está baseada na ideia segundo a qual o Estado é obrigado a usar
seus poderes e meios para assegurar que todo material de prova relevante deve estar acessível no processo penal
tanto para a acusação como para a defesa”.
131
O que se coloca em questão, analisa Alvarez (2010, p. 253), “em última instância,
nessas discussões é o diagnóstico acerca da própria crise do Estado e da sociedade na
contemporaneidade”. As respostas da repressão penal baseadas no recrudescimento das ações
foram insuficientes, enquanto isso a pressão decorrente do agravamento dos problemas do
sistema de justiça evidencia a inoperância dos órgãos e das instituições do Estado.72
72
Durante essa longa caminhada do exacerbamento do rigor penal no Brasil, a inflação legislativa serviu apenas
como experimentação falida, atestando mais uma falha dentre as soluções propostas. A Lei dos Crimes
Hediondos não diminuiu a incidência desses delitos de alto potencial ofensivo. O regime disciplinar diferenciado
(RDD) não alterou a situação caótica do sistema penitenciário, cercado de problemas históricos e atualmente sob
o domínio da organização criminosa do Primeiro Comando da Capital (PCC). O aumento das penas do crime de
tráfico ilícito de drogas na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, não surtiu efeito inibitório algum no
cometimento dessas ações. A denominada “Lei Seca” no Código de Trânsito Brasileiro não diminuiu acidentes e
violência nos centros urbanos, servindo concretamente apenas para produzir um software capaz de avisar aos
motoristas os pontos de blitz espalhados pela cidade. A Lei Maria da Penha repercutiu no imaginário popular,
mas não gerou efeito significativo na redução da violência contra a mulher, podendo ser elogiada apenas no
tocante a criação de medidas de caráter protetivo de amparo às vítimas.
73
Especificamente no processo penal, a recusa do acusado em constituir advogado o torna pessoa vulnerável
para efeito de atuação da Defensoria Pública, diante da indisponibilidade dos valores em jogo. Referida
constatação se coaduna com a percepção de Grinover (1998, p. 96), para a qual existem dois tipos de pessoas
juridicamente necessitadas: no plano econômico e no plano organizacional. Neste último, incluem-se “os
consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queriam implementar ou
contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc.”.
132
Esse desprezo acerca do acusado juridicamente necessitado contribui para agravar o seu
quadro de saúde mental, destruindo por completo sua integridade psíquica, na medida em que
se sente desesperado e desolado diante da acusação e paralisado pela falta de opções para
provar a sua versão sobre os acontecimentos. A defesa reduzida ao seu conteúdo formal fere a
usa dignidade, gerando inconformismo.
Constituindo um pressuposto natural para a postulação e defesa dos direitos das pessoas
juridicamente necessitadas, a Defensoria Pública não pode ser substituída por defesas
prestadas como ato de generosidade, porque comprometem a dinamicidade requerida pelo
contraditório e a pela defesa integral, expressa em amplas oportunidades destinadas a influir
no convencimento do julgador.
74
Como instrumento ou meio de realização do direito material, esclarece Fensterseifer (2011, p. 56), “o processo
não pode opor barreiras formais à concretização dos direitos, especialmente quando estiverem em causa direitos
fundamentais, sempre em vista da garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e do
direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva. Tal perspectiva pode ser verificada a partir da criação de
técnicas processuais adequadas e necessárias a uma tutela jurisdicional efetiva”.
133
Os objetivos de uma defesa real no sistema de justiça penal se coadunam com a missão
constitucional da Defensoria Pública, consistente em promover os direitos humanos e reduzir
as desigualdades sociais, procurando vencer, consoante Carvalho (2001, p. 177), “a miopia da
dogmática brasileira, cuja estrutura teórica não permite conceber os detentos como sujeitos
de direito”.
Apesar de não ser possível estabelecer uma hierarquia valorativa dos direitos e garantias
individuais no processo penal, o direito à defesa constitui prestação material indispensável
para assegurar uma decisão minimamente justa. Sendo assim, possui aplicação imediata e
precisa ser efetivo, tornando-se essencial para atestar a construção de uma decisão sob o crivo
do devido processo penal constitucional.
Contudo, justamente o direito de defesa não é efetivo, razão pela qual as consequências
do processo penal brasileiro são degradantes da condição humana. A insuficiência da defesa
prejudica a observância de outros preceitos garantísticos, podendo ser lembrados
imediatamente, em razão dos maiores reflexos, o contraditório, a presunção de inocência
e a proibição de provas ilícitas. O pensamento jurídico contemporâneo, discorre Amaral
(2009, p. 166),
75
Polêmicas à parte, observa Bello (2007, p. 302), “deve-se ter em conta que qualquer análise formulada acerca
das limitações da abrangência das funções institucionais do Ministério Público brasileiro demanda uma
consciência acerca do seu processo de formação, e das suas peculiaridades tanto diante das suas instituições
correlatas no Direito Comparado quanto perante o quadro histórico, social e político nacional”.
135
Barroso (2013, p. 249) retrata a relação entre os réus e o Estado acusador como “tensão
permanente entre a pretensão punitiva do Estado e os direitos e garantias individuais”.
Regulando essa tensão se encontra o princípio da proporcionalidade, no sentido de proibir
excessos. Todavia, não existe mecanismo de controle dessas violações, razão pela qual Sarlet
(2005) sustenta a função protetiva dos direitos fundamentais como função da dignidade
humana.76
Não por outra razão, a realização avançada do direito de defesa no processo penal
brasileiro depende da evolução da Defensoria Pública, enfrentando a desprezo do Estado em
relação ao tema, inclusive invocando os compromissos assumidos pelo país como parte
integrante do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Essa necessária revisão
do modelo de intervenção jurídico-penal, nos dizeres de Bechara (2011, p. 162),
Por isso, justamente com o objetivo de vencer as “amarras” decorrentes das concepções
meramente formais, o pleno exercício do direito de defesa precisa partir do compromisso das
instituições para com a sua realização, assevera Carnaz (2007), dentre as quais se sobressai a
Defensoria Pública.77
Nesta seara específica das condições necessárias para a efetividade do direito de defesa,
desde a promulgação do atual Código de Processo Penal, de 3 de outubro de 1941, a produção
legislativa foi praticamente inexistente, salvo alguns dispositivos esparsos acrescentados
recentemente, como o direito de entrevista prévia com o defensor antes da realização da
audiência, incluído somente no dia 8 de janeiro de 2009, pela Lei nº 11.900.78
76
Referindo-se a controle material, entende ser necessária a observância do núcleo essencial desses direitos
e das exigências da proporcionalidade, assumindo esta última a papel de “limites aos limites dos direitos
fundamentais”.
77
A Defensoria Pública está incumbida, pontua Carnaz (2007, p. 159), “de conferir acesso à justiça para a
grande maioria da população brasileira, privada das mínimas condições de vida digna.”
78
O § 5º, do artigo 185, do CPP, estabelece que o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada
com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos
reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência
do Fórum, e entre este e o preso.
136
da defesa. A situação ainda é mais grave, porque o Poder Judiciário e o Ministério Público
não demonstram interesse num modelo de processo penal baseado na cooperação na produção
de provas e no diálogo na construção das decisões.79
Tratando a defesa como se esta não fosse direito fundamental, carece o juiz, no processo
penal, de uma participação mais ativa, deixando de ser “boca de lei” para ser juiz
constitucional, assumindo a missão de guardião do efetivo exercício da defesa, dentro de uma
perspectiva objetiva dos direitos fundamentais.80 É preciso entender a dimensão política e
democrática que permeia o direito à defesa, porque a efetivação deste significa acesso à
justiça, enquanto a omissão no seu cumprimento se traduz apenas em acesso ao Poder
Judiciário.81
Após longo período de omissão, o tema da crise da defesa no processo penal foi
contemplado nas discussões empreendidas para a construção do novo Código de Processo
Penal, como se pode observar logo nos princípios fundamentais, insculpidos no Título I, em
seu art. 3º: “Todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida
a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais”.
79
A prova, afirma Amaral (2012, p. 280), “como aquilo que nos convence e tendo um destinatário, possui por
finalidade fazer aceitar um corpo de proposições.” Destina-se a lastrear o convencimento e engendrar a
convicção. Por isso mesmo, não há como realizá-la se os participantes obstaculizam a cooperação e o diálogo,
procurando o isolamento, cenário bastante como no processo penal brasileiro.
80
O aspecto instrumental na concreção dos direitos fundamentais não é menos importante do que estes, recorda
Barroso (2001, p. 81).
81
Três ondas espelham o caminho do acesso à justiça, consoante Cappelletti e Garth (1988). A primeira é a
assistência judiciária aos pobres. A segunda é a representação dos interesses difusos. A terceira é justamente a
efetividade dos instrumentos de acesso à justiça. Neste último aspecto, coaduna-se com a necessidade de
estruturação da Defensoria Pública. Especificamente quanto ao exercício da defesa dos acusados juridicamente
necessitados, a terceira onda precisa ser efetivada, porque o acesso ao poder judiciário já não é mais o desafio
apresentado, sendo necessário superar as barreiras do acesso formal à Justiça.
137
de culpa, são levadas à persecução penal em juízo, tornando suspeitos culpados, com o
agravante de ser uma decisão respaldada supostamente pelo contraditório e pela ampla defesa.
82
Nesse sentido, o propósito do processo penal não seria descortinar uma suposta “verdade real”, no sentido de
ser incontestável, absoluta, certa, porque nem mesmo seria possível, porque todos os participantes do processo
possuem uma visão diferente acerca dos fatos, e estes não poderiam ser conhecidos em sua essência, dentro do
processo de reconstrução histórica dos acontecimentos. Por outro lado, é preciso o devido cuidado para a
impossibilidade de se atingir a verdade material não seja utilizada como argumento para decisões condenatórias
baseadas em provas precárias. Haverá necessidade de provas suficientes para se atingir a verdade processual.
139
pensamento de Souza (2011, p. 292), afirmando que “o acesso à justiça penal significa
também acesso a uma ordem jurídico-penal justa”.
O amplo exercício da defesa abrange, inclusive, questões que não dizem respeito
especificamente ao mérito, mas que precisam ser enfrentadas para resguardar a integridade
moral do acusado juridicamente necessitado, como a defesa contra as qualificações
depreciativas deste. Referida posição requer mais uma vez a independência institucional,
somente possibilitada por meio da Defensoria Pública, porque, a depender das circunstâncias,
pode ser o caso de se requerer, inclusive, representação por crime de abuso de autoridade.
[...] o interesse público ínsito ao processo penal exigiria que se provasse o mais
eficientemente possível a realidade dos acontecimentos, de sorte que teria o julgador
liberdade ampla quanto ao objeto e aos meios de investigação, por ele
desenvolvida.83
83
Criticando o modelo adversarial da common law, a autora assinala: “verifica-se que, por vezes, ao se admitir
como fim do processo a pacificação social ou a resolução de conflitos, relega-se a verdade a papel secundário,
porquanto ela é vista como desnecessária. Nesse caso, não importa se a solução se baseia no conhecimento
verdadeiro, desde que decida e resolva o conflito” (p. 167).
84
No campo processual, discorre Souza (2011), o princípio da igualdade também irradia seus efeitos cogentes,
determinando que as partes sejam tratadas com a devida isonomia e sob as mesmas condições. Para resguardar-
se a paridade de armas no âmbito específico do processo penal, este dever de tratamento significa igualdade de
oportunidades entre acusação e defesa.
140
decorrente do Estado juiz autoritário. Agindo desta forma, propicia às camadas mais pobres
da população concretamente a redução da desigualdade social no particular aspecto do acesso
à justiça. Afinal, discorre Galgani (2009, p. 10), “se é verdade que a igualdade entre as partes,
por si só, não é capaz de assegurar o ‘direito ao contraditório’, é, todavia, impossível que este
último princípio encontre realização plena se as partes não gozarem de iguais direitos”.85
85
O conceito de processo justo, continua, “num sentido não formalista, dá um papel fundamental ao direito de
defesa, representando não somente o aspecto do direito ao contraditório, mas também, e acima de tudo, a
garantia de sua genuína implementação” (p. 10).
86
Consoante Mazzilli (2002, p. 471), “existe o princípio implícito do promotor natural, segundo o qual a lei deve
assegurar a existência de um órgão independente do Ministério Público, que possa exercer as atribuições que a
lei conferiu à instituição, escolhido sempre por prévios critérios legais e não casuisticamente para o caso
concreto”.
141
Caso a pessoa venha a ser réu e processada, o Defensor Público atuará num segundo
momento, atuando no sentido de lhe conferir o maior número de oportunidades de defesa,
exigindo um amplo espaço democrático, em torno do contraditório dinâmico, mediante
cooperação e debate entre os personagens do teatro denominado “justiça penal”, culminando
numa decisão final baseada nos ideais de justiça almejados pelo Estado Democrático de
Direito.
O terceiro momento de atuação do Defensor Público como agente político surge por
ocasião de uma sentença condenatória transitada em julgado, devendo, a partir desta etapa,
atuar para o cumprimento da pena não ser um fim em si mesmo, isto é, evitando o caráter
meramente retributivo e impedindo o desvirtuamento dos objetivos traçados pela Lei de
Execução Penal, frequentemente descumpridos no Brasil.88
87
A única esperança, diante de tal quadro do autoritarismo do Estado-juiz, considera Coutinho (2010, p. 12), “é
o juiz desconfiar, sempre e sempre, das suas próprias aparências/imagens e, de consequência, das decisões,
colocando-as à prova até quando não for mais possível”.
88
Nesta fase, ocorre também o afastamento do princípio da ampla defesa, verifica Amaral (2009, p. 163),
“motivado por múltiplos fatores, dentre os quais podem ser arrolados: a baixa sensibilidade social e das
instituições públicas em relação à realidade carcerária; decisões judiciais (oriundas de todos os graus de
jurisdição) formadoras de obstáculos ou de fatores exigentes não previstos na Lei de Execução Penal; e cultura
jurídica referida à questão prisional da qual o processo penal é indissociável”. E, assim, continua, “muito mais do
que a necessidade de se afirmar (o óbvio) a aplicabilidade da garantia do devido processo na execução de penas,
tornou-se imperioso buscar as raízes de sua baixa inobservância (quando não, total inobservância), raízes essas
que são as responsáveis pela detonação dos múltiplos fatores acima apontados. A investigação dessas raízes
profundas possibilita, em boa parte, a busca do devido processo na execução penal” (p. 163).
142
O monitoramento eletrônico pode ser mencionado como instituto por meio do qual se
poderia reduzir substancialmente o encarceramento das pessoas. Todavia, mesmo diante da
previsão legal, prescrevendo a possibilidade de sua utilização em substituição à prisão
provisória, o Estado continua sem aplicá-lo; e, quando o faz, utiliza-o de forma praticamente
insignificante, procurando demonstrar suposta boa intenção na solução do problema.
89
Dessa forma, analisa Souza (2011, p. 197-198), “o defensor era tido - e de certa forma ainda é - como um
empecilho ao correto desenvolvimento do processo e fator de impunidade e ineficiência da justiça criminal”.
144
[...] não poderá funcionar para justificar disfarces para a infração das regras
estabelecidas. Nunca deixará de ser plenamente motivado, tendo o juiz o dever
de justificar e exteriorizar a sua decisão com base na prova dos autos. Trata-se
de realizar uma declaração na qual se pode crer e, sobremaneira, o livre
convencimento, para não se converter numa chave falsa nas mãos de um juiz que se
considera onisciente, impõe a força do rito no lastro das partes.
Outra clara situação de embaraço causado pelo Estado-juiz autoritário pode ser
verificada nas recentes e substanciais alterações normativas promovidas pela denominada
“Nova Lei de Prisões”, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, possuindo dois propósitos
garantistas, bem delineados e vinculados: tornar excepcional o aprisionamento provisório das
pessoas e instituir um conjunto de medidas alternativas à prisão.
90
O modelo garantista impõe o dever de o Estado garantir a participação do indiciado no procedimento
investigatório.
91
Demonstrando o desequilíbrio de forças entre a estrutura do Estado e o investigado na apuração das provas, o
autor observa que o investigado no máximo consegue “sugerir a realização de diligências à autoridade policial,
as quais serão realizadas ou não a critério desta última” (p. 280).
146
Muitos indiciados, por falta de orientação jurídica, terminam produzindo provas contra
si mesmos, porque imaginavam ser obrigatória sua participação na produção de provas. A
situação pode se tornar ainda mais grave, quando esta participação sem a devida orientação
ocorre de forma tendenciosa, desvirtuando a verdade do histórico dos fatos apenas com o
intuito de gerar a prova necessária para respaldar futura ação penal.
92
De fato, o mínimo exigível para se possibilitar um equilíbrio de forças nessa fase é a possibilidade de o próprio
investigado realizar as pesquisas necessárias para reunir elementos de prova a seu favor, devendo por óbvio agir
de forma lícita.
147
do crime dificilmente possibilitem, sendo outra forma de se identificar o acesso à justiça, não
entendido como apenas acesso ao poder judiciário.
Como obstáculo à realização dos fins da Defensoria Pública na justiça penal, importa
ressaltar a inexistência de preocupação com a realização da justiça, tornando o Estado
autoritário, porque somente dedicado a um desfecho satisfatório em termos de controle social,
com resultados rápidos consistentes no isolamento das pessoas. Inserindo-se neste contexto
desfavorável, a advocacia dativa agrava ainda mais a situação da defesa, porque não se
contrapõe ao autoritarismo estatal, nem mesmo reúne condições para enfrentar as pressões
decorrentes deste.
Dentro da ótica do Estado autoritário, a decisão não precisa ser necessariamente justa,
porque o objetivo é uma resposta positiva do ponto de vista da satisfação do populismo
irracional, consistente na aplicação da pena, independentemente de se avaliar se esta cumpriu
os fins a que se destinava, reduzindo a violência e oferecendo segurança pública. Como o
advogado dativo não é agente político de promoção dos direitos humanos e não possui
garantias e prerrogativas para atuar com independência, sua atuação sempre estará
comprometida com a manutenção de um sistema de justiça penal injusto e excludente, porque
não permite à maior parcela dos acusados, pessoas juridicamente necessitadas, o acesso a uma
defesa efetiva.
A criação de metas pelo Conselho Nacional de Justiça foi importante para melhorar
aspectos gerenciais da administração do Poder Judiciário. Porém, particularmente no processo
penal, agravou o quadro do atropelo das etapas processuais, sem a preocupação com o
conteúdo realizado. O Estado-juiz já era pautado pelo extremo formalismo de seus atos,
agindo despretensiosamente no tocante à efetivação dos direitos e garantias individuais do
acusado. E, presentemente, encontraram nas referidas metas mais um argumento a justificar a
celeridade processual ao descompasso do direito de defesa.
Se o acusado não encontra espaço para se expressar, não haverá a oportunidade da sua
participação. Consequentemente, o contraditório dinâmico continuará sendo apenas um ideal
do modelo garantista, ao mesmo tempo em que a defesa permanecerá sendo percebida sob o
aspecto formal, e não substancial. Este último aspecto é marcante no modelo inquisitivo de
natureza essencialmente autoritária.
Desta maneira, sem a atuação efetiva da Defensoria Pública, as opções para o acusado
diminuem, seja pelo desconhecimento completo deste acerca dos atos que o cercam, seja
porque o advogado dativo não tem o compromisso requerido pelo caso, procurando contribuir
apenas para a celeridade do processo sem pesquisar detidamente o caso que acompanha. Sua
presença física no desenvolvimento das etapas do processo e na realização de audiências
judiciais não representa compromisso pela efetivação da defesa, não havendo nem mesmo
carreira para definir objetivos de atuação.
Por meio da Defensoria Pública, o acusado consegue dialogar, expor sua versão dos
fatos e passar informações relevantes acerca das provas, auxiliando na busca de elementos
que lhe possam ser favoráveis. Em outras palavras, estar esclarecido acerca dos pontos da
acusação suficientemente é o primeiro passo para a defesa ser exercida minimamente, e nem
mesmo este aspecto básico vem sendo realizado, quando se nomeia advogado dativo para
acompanhar o acusado juridicamente necessitado, porque referido profissional procura apenas
atender convenientemente a um pedido do juiz que lhe nomeou.
Como a advocacia dativa não constitui uma carreira pública, termina não existindo
concurso para seleção dos melhores profissionais e aperfeiçoamento de suas funções, não
sendo possível se lhes cobrar compromisso institucional. Diferentemente do advogado dativo,
o Defensor Público não pode exercer a advocacia privada ou se dedicar a outras atividades,
salvo o magistério, ou seja, sua dedicação é exclusivamente para as pessoas juridicamente
necessitadas, atuando como agente político de promoção dos direitos humanos.
Como todo ser humano, o acusado deseja expor suas necessidades, mas para isso seria
preciso escutá-lo, mas na investigação criminal e no processo judicial raramente se oportuniza
este momento, ocasionando séria lesão aos direitos humanos. Exemplificativamente, alguns
acusados sofrem abusos sexuais enquanto se encontram presos, mas nem mesmo se lhes
151
a advogados dativos, passo este significativo para a construção de uma defesa efetiva,
coadunada com as bases do Estado Democrático de Direito.
A realidade do sistema de justiça penal brasileiro demonstra que este não está inserido
na plataforma de direitos humanos, sendo o ambiente penitenciário o retrato mais fiel desta
constatação. Ora, se não existe defesa suficiente nem mesmo para enfrentar os vilipêndios
aberrantes à dignidade da pessoa humana, expressos na crise penitenciária brasileira, quanto
mais o enfrentamento de situações mascaradas de defesa no processo penal, representadas
pela manutenção autoritária da advocacia dativa.
É preciso expandir a percepção sobre o que se considera defesa efetiva para afastar os
fatores de vulneração desta, fixando um padrão minimamente aceitável de defesa no processo
penal, sobretudo, porque dentre todas as injustiças possíveis, nenhuma gera mais efeitos
negativos para a dignidade da pessoa humana do que a injustiça penal, afetando a liberdade, a
imagem, a honra e a família do acusado.94
Contudo, no processo penal, existe uma situação delicada, cientificamente, ainda muito
pouco tratada, consistente em saber se ao acusado, mesmo não se encaixando na situação de
pessoa vulnerável economicamente, não constituindo advogado particular, seria possível a
94
Na expressão de Dias (1988, p. 58), não se admite “verdade obtida a todo preço”.
153
atuação da Defensoria Pública. Assim, possuindo recurso financeiro, mas não aceitando
constituir advogado, existe uma lacuna para ser preenchida.95
95
Dentro da ótica da teoria do Direito Penal do Inimigo, o Estado não deveria se preocupar com referida
situação, porque a defesa seria prescindível. Contudo, discorre Conde (2010, p. 95), nas sociedades democráticas
deve-se refutar a ideia de que “seja necessário um ‘direito penal do inimigo’ e, em todo caso, que referido direito
penal seja compatível com o Estado de Direito e o respeito aos direitos humanos”. Inclusive, observa ainda a
ideia de Jakobs (2009) no sentido de redução ao mínimo das garantias penais, propondo a exclusão do direito a
não fazer declaração contra si próprio e a obrigatoriedade de defesa técnica.
154
procura-se preencher o processo penal com ares de legitimidade, ao argumento de que os atos
processuais foram desenvolvidos mediante a presença de um defensor, profissional
formalmente habilitado, a tudo acompanhando, quando sob a ótica material a ampla defesa e o
contraditório não se aperfeiçoaram.
A forma de um ato não lhe garante conteúdo. A realização de uma audiência não
significa exercício do contraditório. A etapa de elaboração de memoriais, necessária para o
preenchimento de uma fase do processo, não significa pleno exercício de defesa, podendo esta
ter sido insuficiente, porque o defensor desconhecia as provas, tendo deixado de examiná-las,
ou porque não utilizou os argumentos jurídicos e fáticos exigidos para a situação.
96
No tocante ao abalo sofrido pelo direito de defesa durante o período do processo inquisitorial, Souza (2011)
esclarece que, em todos os sistemas judiciais do mundo ocidental, quer sejam orientados pelo regime da
155
práticas autoritárias deste tipo, esvaziando o conteúdo axiológico do direito de defesa para o
preenchimento de aspectos meramente formais, de modo alienado à realidade, isto é, sem
compromisso com os valores em jogo.
Common Law ou pela Civil Law, o direito de defesa foi seriamente restringido e até mesmo completamente
suprimido.
97
Discorrendo sobre a evolução do processo penal durante o Império e a Primeira República, Albuquerque
(2007, p. 155) observa a incapacidade se alterar as estruturas sociais e, paralelamente, resolver as questões da
justiça penal: “de pouco adiantou o Código Penal de 1830 ter tentado ignorar os crimes contra o patrimônio
tendo por objeto escravos. Também de pouco parecem ter adiantado as iniciativas, ao longo de todo o século
XIX, procurando humanizar o sistema prisional brasileiro”.
98
Inúmeros são os exemplos da “zona de conforto” do Estado-juiz autoritário, ao ponto de preceitos básicos do
modelo garantístico do Estado Democrático de Direito não serem observados. Juízes continuam produzindo
decretos condenatórios baseados em testemunhos indiretos como forma de substituição dos testemunhos diretos,
como se realizava no passado. Esta realidade é assinalada por Fernandes (2007, p. 225): “É comum no Brasil a
156
Por isso mesmo, pensando pela ótica da praticidade e da celeridade buscadas pelo
Estado autoritário, a mera assistência formal prestada pela defesa seria perfeita para a
repressão penal como um fim em si mesmo, resquício de um período em que o juiz
concentrava os poderes de investigar, de acusar e de julgar, constituindo a defesa “peça de
decoração” nos tribunais, porque não influenciava na decisão final.
Como a Defensoria Pública é uma instituição nova, tendo surgido apenas em 1988,
explica-se de certa forma a confusão entre “assistência jurídica” com “assistência judiciária”,
ainda existente, inclusive, entre os profissionais do Direito. Aos poucos, as missões
institucionais da Defensoria Pública passam a ser conhecidas, notadamente quando se
vislumbram as construções acadêmicas em curso sobre o tema.
utilização dos testemunhos de ouvir dizer. São admitidos depoimentos de policiais sobre declarações feitas pela
pessoa presa em flagrante, ainda quando, no interrogatório, ela tenha usado de seu direito ao silêncio. Aceitam-se
os testemunhos indiretos de policiais sobre delações de co-réu”. O autor critica referidas práticas, porque
somente deveria ser utilizado como prova idônea o depoimento de quem teve percepção originária e direta do
fato, não a cognição reflexa. Fazendo um comparativo com Chile, Costa Rica e Portugal, avalia: “No Chile, há
grande discussão quanto à utilização, pelo Ministério Público, de testemunhas de ouvir dizer, ou seja, a
apresentação de policiais como testemunhas que vão a juízo declarar o que ouviram do imputado sobre o fato,
buscando superar a falta de declaração do acusado que exercera o seu direito ao silêncio. Na Costa Rica, não se
admitem depoimentos de policiais para introduzir no julgamento os informes colhidos de pessoa que ouviu.
Contudo, em virtude do princípio da liberdade probatória, é aceito o confronto entre o que foi dito pela
testemunha no juízo oral e contraditório como o que foi declarado antes ao médico ou ao psicólogo,
especialmente em delitos sexuais. Para o relator, Dr. Javier Llobert Rodrigues, trata-se de prática viciada. Em
Portugal, há proibição do testemunho indireto. Quando houver referência a depoimento de outra pessoa, ela deve
ser chamada, exceto nos casos em que a inquirição da outra pessoa não for possível por morte, anomalia psíquica
superveniente ou impossibilidade de ser encontrada. Não vale como prova o depoimento de quem se recusar a
indicar a fonte do seu conhecimento ou não puder fazê-lo. Pode ser anulada somente a parte do depoimento em
que há alusão a conhecimento de outra pessoa” (p. 226). No Brasil, a defesa deve se insurgir em relação à
admissão deste tipo de depoimento, devendo se contrapor a qualquer tipo de postura autoritária do juízo. O
advogado dativo não exerce a função de agente político, servindo somente como engrenagem da “zona de
conforto” criada para o exercício de posturas autoritárias. O Defensor Público é agente político de promoção dos
direitos humanos, constituindo a defesa prestada por este aos acusados juridicamente necessitados garantia do
devido processo penal. Enfim, procurou-se exemplificar com os testemunhos de ouvir dizer a incompatibilidade
da advocacia dativo com o modelo garantista.
157
Esta é outra razão pela qual se deve infirmar a ideia de advocacia dativa, não estando
coadunada com os princípios regentes da atual política criminal no mundo contemporâneo, no
sentido de evitar a todo custo as intervenções coercitivas desnecessárias à liberdade das
pessoas. As intervenções, pontua Roxin (2010, p. 43), “fora dessa hipótese seriam mesmo
inconstitucionais por violarem a proibição de excesso”.99
Um retrato dessa diferença pode ser visto dentro do sistema penitenciário. A função
constitucional do Defensor Público não se restringe a preparar petições de soltura e de
progressão de regime. Abrange orientação jurídica acerca da situação processual dos presos
provisórios e condenados, como forma de lhes garantir o acesso à informação, servindo para
acalmar angústias que o isolamento pode gerar, bem como vislumbrar as expectativas acerca
da soltura.
99
Para o autor, “a tarefa do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos apenas quando essa proteção não possa
ser alcançada por meio de outras medidas sócio-políticas menos gravosas (como o Direito Civil, o Direito
Público ou o Direito de contraordenações), pois o princípio da proporcionalidade exige que o Estado se dê por
satisfeito com a intervenção menos intensa possível” (p. 43).
100
Nessa linha argumentativa, o voto do Ministro Joaquim Barbosa, do STF: “Não se pode ignorar que enquanto
o defensor público, integrante de carreira específica, dedica-se exclusivamente ao atendimento da população que
necessita dos serviços de assistência, o advogado privado - convertido em defensor dativo - certamente prioriza
os seus clientes que podem oferecer uma remuneração maior do que aquela que é repassada pelo Estado.” (STF -
AR1598/PI - PIAUÍ 15/04/2009 - Ó rgão Julgador: Tribunal Pleno). De fato, essa reflexão demonstra mais um
dos aspectos negativos da advocacia dativa. Os clientes particulares receberiam atenção especial em detrimento
dos acusados juridicamente necessitados, não possuindo a advocacia dativa nem mesmo compromisso
institucional.
158
Aparentemente, numa análise precipitada, poder-se-ia cogitar essa situação como sendo
o único caso de nomeação de advogado dativo, porque o acusado não seria juridicamente
necessitado. Todavia, seria um equívoco interpretar a questão desse modo, porque a
vulnerabilidade, no processo penal, não está na condição econômica da pessoa, mas sim nos
riscos a que está sujeita se a defesa não for efetiva.
Da mesma forma que não se concebem mais as antigas figuras do promotor ad hoc e do
juiz ad hoc, porque ofenderiam os princípios regentes do Poder Judiciário e do Ministério
Público, destacadamente a independência das duas instituições, mesma base argumentativa
deve-se adota em relação à instituição Defensoria Pública para se extinguir o defensor ad
hoc.101
101
Essa figura do juiz ad hoc permeou o início da República no século XIX, com uma feição lesiva aos
princípios da imparcialidade e da independência do Poder Judiciário.
159
Isto posto, é preciso insistir no prisma da defesa material, ou seja, efetiva, real, e não
meramente formal. A presença do advogado dativo no processo penal é inconstitucional,
porque inviabiliza a defesa material, direito subjetivo de todos os acusados, sendo atribuição
exclusiva o exercício desta pela Defensoria Pública em relação aos acusados juridicamente
necessitados.
Uma defesa jamais será realizada de forma idêntica a outra, diante das particularidades
no modo de atuar de cada defensor no cenário da atividade forense, seja este advogado
constituído pelo acusado ou Defensor Público. Contudo, existe a obrigação de ser
minimamente eficiente, assim considerada aquela suficiente para absolver um inocente ou
para possibilitar uma decisão justa e adequada aos culpados.
A locução “defesa técnica” deve ser refutada, porque não traduz a ideia de efetividade.
Afirmar a presença de “defesa técnica” significa somente que o acusado foi acompanhado nas
etapas do processo penal por um profissional habilitado, não havendo como se avaliar o
conteúdo da sua atividade. Diversamente, a expressão “defesa efetiva” possui significado
exato, apresentando forte carga axiológica. Por esse motivo, o Defensor Público não possui
entre as suas missões o dever de prestar “defesa técnica” a acusados juridicamente
necessitados; na verdade, o objetivo é uma defesa efetiva, promovendo direitos humanos e
reduzindo desigualdades sociais históricas.
O Estado-juiz não deveria aceitar os atos praticados pelo advogado dativo, muito menos
nomeá-lo. A ação constitucionalmente adequada seria, na primeira oportunidade de
apreciação da questão, declarar sem efeito os atos processuais praticados pelos advogados
dativos por vício de nulidade absoluta. Ao contrário, compactuam da “teatro garantista”
processual garantista engendrada, não se manifestando ou, quando muito, posicionando-se
somente pela nulidade relativa de referidos atos.103
O contraditório não pode ser considerado apenas abstratamente. Passou-se dessa fase da
teorização e formulação das bases principiológicas do processo penal garantista. É preciso ir
além da abstração, acompanhar a realidade processual e exigir o contraditório efetivo para
atestar o devido processo penal constitucional, expressão do Estado Democrático de Direito.
Somente por meio de uma avaliação empírica, debruçando-se sobre a realidade forense
da justiça penal, analisando os acontecimentos da instrução criminal, seria possível certificar a
presença do contraditório, observando a atividade dos participantes do processo e o exercício
da jurisdição. Nesse contexto, ao juiz constitucional caberia o papel de protagonizar o
exercício do garantismo como fator de legitimação da atividade jurisdicional. Assim, seria
necessário estabelecer uma forma de controle do sistema de garantias processuais, não mais
compactuando com um garantismo meramente teatral.
Não agindo como juiz constitucional, adverte Lopes Júnior (2011), assume a feição
antiga feição do inquisidor, ao ponto de primeiro decidir para somente depois buscar as
provas para fundamentar sua decisão. Age dessa forma justamente porque o autoritarismo é
102
Guardadas as devidas proporções, bastaria imaginar, no plano da saúde, aquele paciente atendido no corredor
do hospital, por ausência de um leito de UTI num hospital público. Sabidamente, se tivesse condições
econômicas seria internado num dos melhores hospitais da cidade, sendo atendido pela melhor equipe médica e
tendo à sua disposição os medicamentos de tecnologia mais avançada. No plano jurídico, não é diferente. O
improviso na nomeação do advogado dativo impossibilita o exercício da defesa, ou ao menos o compromete,
desequilibrando a relação processual, por ausência de paridade de armas. A situação não deixa de ser esdrúxula,
porque o contraditório e a ampla defesa somente existem no plano jurídico abstratamente, havendo uma
aceitação dessa situação, especialmente no tocante ao poder judiciário. O juiz nomeia o advogado dativo e
aceita-o para o preenchimento das formalidades legais, compactuando de uma aleivosia processual, quando
deveria buscar o que é certo, isto é, uma defesa autêntica.
103
O Superior Tribunal de Justiça possui a orientação segundo a qual “a ausência do advogado constituído na
audiência de oitiva de testemunhas não acarreta nulidade se o paciente foi representado por defensor dativo”
(STJ HC 123432/SP 19/09/2011).
163
104
A Súmula n° 523 do STF dispõe que “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a
sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. O ônus da prova do prejuízo seria da defesa,
não pode ser presumido e precisa ser provado objetivamente. Essa posição precisa ser repensada para se passar a
considerar a deficiência de defesa como nulidade absoluta. No processo penal de natureza garantista, não se pode
admitir defesa deficiente, em razão do status libertatis da pessoa humana. Em razão da tutela da liberdade, não
164
É preciso aferir até que ponto o fato de os destinatários dos serviços essenciais da
Defensoria Pública serem em sua maioria pessoas provenientes das camadas mais pobres da
população estaria influenciando no descaso em relação ao pleno exercício de suas garantias
individuais no processo penal, chegando-se ao cúmulo de se admitir a nomeação casuística de
qualquer advogado para o preenchimento de um ato específico, sem se preocupar
minimamente com a efetividade deste.
se pode admitir o risco de se considerar apenas relativa a deficiência de defesa. Afinal, se a defesa foi deficiente,
não pode ser considerada ampla. E se não foi ampla, não se realizou o devido processo penal constitucional,
sendo, portanto, o caso de se considerar a existência de nulidade absoluta.
105
Os precedentes do STJ têm assinalado a linha de pensamento segundo a qual o ônus da prova do prejuízo
pertence à própria defesa do acusado: “a ausência do advogado constituído na audiência de oitiva de testemunhas
não acarreta nulidade se o paciente foi representado por defensor dativo, que compareceu ao ato e atuou de
forma efetiva e diligente, não se verificando qualquer prejuízo à defesa” (STJ HC 68335/SP 22/05/2007).
Observe-se como a simples presença do defensor dativo produz a presunção de efetividade do contraditório e da
ampla defesa, sem necessidade de averiguações outras, caracterizando o culto ao formalismo em detrimento da
defesa substancial: “Não se vislumbra nulidade por ausência do réu e de seu advogado nas audiências de
instrução, pois a própria inicial ressalta a nomeação de defensor dativo, sem demonstrar prejuízo ao paciente.
Advogado do paciente que foi devidamente intimado, inclusive por mandado, para requerer diligências e
apresentar alegações finais, permanecendo inerte. Não resta caracterizada nulidade por deficiência de defesa,
tampouco abandono da causa, ainda mais se a impetração não logrou demonstrar prejuízo concreto ao paciente,
limitando-se a formular alegações de vícios no processo, e se evidenciado que o paciente foi assistido por
defensor durante todo o feito, seja o dativo, seja o por ele constituído. Tratando-se de nulidades no processo
penal, não se declara nulidade de ato, se dele não resultar prejuízo comprovado para o réu” (STJ HC 25951/SP
20/09/2004).
165
Sob este enfoque, a advocacia denominada pro bono representa um retorno ao passado,
porque traz a ideia de que a defesa de pessoas juridicamente vulneráveis pode ser exercida
como ato de generosidade, estimulada pela solidariedade humana, atividade filantrópica da
classe dos advogados. Representaria, portanto, o retorno de uma nova advocacia dativa,
revelada com outra roupagem.
Afora isso, a advocacia pro bono, caso venha a ser regulamentada e estimulada, pode
vir a prejudicar o pleno desenvolvimento da Defensoria Pública, na medida em que um dos
objetivos da instituição consiste justamente em substituir a precariedade e a indeterminação
proveniente de uma defesa fruto de conveniências por uma defesa efetiva, originada do
compromisso político constitucional de seus antes agentes.
existencial, em pleno século XXI, teve suas expectativas constitucionais frustradas pelo
histórico descaso do Estado brasileiro. Considerando o momento de avanço da estruturação da
Defensoria Pública no Brasil para ser o mais legítimo “grito constitucional” dos excluídos
dentro do sistema de justiça, soa bastante estranho os propósitos de uma advocacia pro bono.
Existe o direito ao mínimo para uma existência digna, ideia amplamente desenvolvida
por Bitencourt Neto (2010), estando situado neste núcleo “mínimo” o acesso à justiça.
Considerando as particularidades do Estado brasileiro, constata-se facilmente que a maior
parcela da camada da população não conseguiu desenvolver ainda suas potencialidades em
razão dos obstáculos à concreção de seus direitos fundamentais, demandando este fato, por si
só, um esforço constitucional especial na solução do problema.
Isto posto, partindo da concepção de Canotilho (2003, p. 595), segundo a qual o acesso
à justiça é indissociável do mínimo existencial relativamente à concreção dos direitos
fundamentais, a advocacia pro bono constituiria um grave recuo constitucional. No processo
penal, existe um núcleo essencial desses direitos, intitulado pelo autor como “reduto último de
defesa”, para o qual não estaria compromissado este tipo de atividade.
problemas da Justiça dificilmente pode ser refutada, sendo, inclusive, fácil de construir uma
teoria para procurar de algum modo respaldá-la.
O risco de a advocacia pro bono ser utilizada como paliativo à ausência de Defensoria
Pública é bem diferente da atividade desenvolvida pela instituição, nos núcleos de prática
jurídica, em convênio com as faculdades de Direito espalhadas pelo país. Convênios desse
tipo devem ser utilizados, porque fortalecem e ampliam a atuação da Defensoria Pública, ao
mesmo tempo em que servem para que a instituição cumpra uma das suas missões precípuas,
consistente na educação para direitos.
para o desenvolvimento do todo o seu potencial criativo, sendo este objetivo o pressuposto de
existência do Estado Democrático de Direito.
A complexidade dos problemas da justiça penal brasileira impõe uma nova visão do
processo penal, com o “olhar” na efetividade dos direitos e garantias individuais do réu
juridicamente necessitado, isto é, na concreção destes, razão pela qual as percepções de ordem
abstrata, puramente formais, dogmáticas perdem o interesse, devendo o intérprete levar em
consideração, na análise de Sanguiné (2010, p. 294), as diversas dimensões abertas à
interdisciplinaridade:
Percebida como direito fundamental, não existe mais espaço para a defesa ser exercida
de forma insuficiente, ou mesmo não ser exercida, como ainda acontece em várias situações,
impondo ao Estado e a todos os participantes do processo penal o dever de tornar efetiva a
posição da defesa das pessoas juridicamente necessitadas.
109
A Defensoria Pública não é órgão do Poder Executivo, apesar de alguns Estados procurarem vinculá-la à
Administração, como se fosse um órgão desta, ao ponto de se referir ao Defensor Público Geral como Secretário
de Estado. Referida distorção pode ser explicada, porque a Defensoria Pública é uma instituição nova, somente
surgida com a Constituição Federal de 1988, sendo não raramente confundida com a antiga figura de “assistência
judiciária”. Antes da instituição da Defensoria Pública, o Poder Executivo, em convênio com a OAB, prestava
um serviço de “assistência judiciária”, com o objetivo apenas de realizar acompanhamento de audiências.
Advogados exerciam suas funções como ato de generosidade e de solidariedade em relação às pessoas
componentes das camadas mais pobres da população, não havendo a organização de uma carreira ou uma
instituição destinada a cumprir referida missão.
171
traduza em ações concretas para resolver essa séria questão da justiça penal. 110 Amaral (2009,
p. 179) observa uma:
A primeira proposta consiste numa atuação preventiva, evitando futuras denúncias sem
justa causa ou baseadas em provas precárias e duvidosas. Nas camadas mais pobres da
população, os órgãos de atuação policial agem de forma livre para estabelecer controle social,
sem a devida preocupação com a apuração aprofundada dos fatos, cometendo abusos e
produzindo provas ilícitas, justamente porque não sofrem fiscalização direta e raramente o
depoimento das pessoas investigadas e das testemunhas são acompanhados pela Defensoria
Pública.
110
Nesta perspectiva de superar o discurso jurídico para que o fortalecimento da Defensoria Pública não seja
refém de argumentos relacionados ao caráter programático de suas normas e à cláusula da reserva do possível,
comodamente utilizados para justificar exclusão de direitos fundamentais, Alves (2006) entende que o Poder
Judiciário poderia fixar prazo para que o Estado organize as ações necessárias para a estruturação da Defensoria
Pública.
172
Dito isto, a defesa exercida no âmbito de uma investigação criminal não é idêntica
àquela desenvolvida no processo judicial, porque são realidades e posições distintas. Numa, a
pessoa é investigada; noutra, encontra-se os réus juridicamente necessitados. A defesa
exercida no processo se destina a refutar a acusação, contrapondo-se à imputação realizada; já
no curso da investigação criminal, a defesa é exercida contra abusos, ilegalidades e ainda
contribuindo na produção de provas.
111
No estágio pré-processual, anota Galgani (2009, p. 14), “em seguida à notificação de que a investigação
chegou ao fim, (art. 415-bis, CPP), o réu pode requerer uma entrevista adicional com o acusador, produzir
provas coletadas por seu advogado ou requerer ao promotor que proceda a investigações complementares”.
173
Em razão dos preceitos adotados pelo Estado Democrático de Direito, não pode existir
mais procedimento de natureza inquisitória, estando qualquer norma nesse sentido não
recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Essa deve ser a posição da Defensoria
Pública em relação às pessoas juridicamente necessitadas investigadas, rompendo com as
premissas típicas do positivismo legalista.
Essa atuação preventiva da Defensoria Pública, inclusive debatendo o tema por meio da
realização de audiências públicas, proporciona o adequado equilíbrio entre a defesa e o Estado
desde o início, porque a violação ao direito de defesa vem ocorrendo frequentemente, através
de uma visão distorcida da investigação criminal, afrontando visivelmente a ordem
constitucional.
112
A autora italiana observa ainda a existência de um interessante fechamento das investigações, prestigiando o
direito de defesa: “O advogado deve ser informado da conclusão das investigações e tem o direito de consultar e
ter cópias do dossiê do promotor. O advogado tem, também, o direito de submeter ao promotor documentos e
conclusões da investigação. O acusado tem o direito de pedir uma entrevista posterior com o promotor (art. 415-
bis, CPP)” (p. 24).
174
Contra situações desse tipo, a Defensoria Pública deve se insurgir, valendo-se da ação
de habeas corpus sempre que necessária, porque o interrogatório do indiciado sem a presença
do seu defensor põe em xeque a confiabilidade do conteúdo deste depoimento, podendo
influir determinantemente na opção pelo oferecimento da denúncia, raciocínio semelhante
devendo ser aplicado em relação à colheita do depoimento das testemunhas.
Avanço relevante nessa direção foi a inclusão do § 4º, do art. 289-A, no Código de
Processo Penal, realizada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, estabelecendo a
obrigatoriedade de o preso ser informado dos seus direitos, entre os quais o de permanecer em
silêncio, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. Não possuindo este
último, o caso deve ser comunicado imediatamente à Defensoria Pública, passando a
instituição a lhe prestar a assistência devida.
Analisada sob a ótica constitucional, a investigação criminal não pode ter caráter
inquisitivo, sendo este termo inaceitável, porque significa a exclusão dos direitos e garantias
individuais da pessoa humana, representando resquício do antigo modelo inquisitorial em
pleno Estado Democrático de Direito.
A proposta em tela visa dar concretude a estas garantias previstas pela Carta
Magna, e exequibilidade do exercício da advocacia no curso das investigações,
evitando indiciamentos equivocados, que poderiam ser evitados com a prévia oitiva
dos investigados, os quais poderão contribuir com a investigação requerendo
diligências.
A investigação criminal deve ser exercida sob a perspectiva dos direitos e garantias
individuais da pessoa investigada, assegurando-se-lhe a ampla defesa e, na medida do
possível, o exercício do contraditório, no sentido de possibilitar ao investigado se insurgir em
relação às provas que forem sendo produzidas, requisitando diligências e esclarecimentos
acerca da apuração.
113
Como critério de justificação da convicção, ou seja, legitimador da verificação indutiva do processo, o autor
assevera a carga da prova em posto privilegiado, “dentro das garantias epistemológicas de verificação e
refutação fáticas patentes. Para que indefectivelmente o puro poder não se sobreponha ao saber é que há a
necessidade da prova concretar-se com a carga jurídica da acusação e não ser dissolvida em nenhum critério
vazio de íntima convicção” (p. 301).
177
milhares de brasileiros que sofrem com abusos de autoridade cometidos pelos agentes do
Estado, atuando na área de segurança pública.
Não se pode aceitar mais investigação realizada de forma completamente obscura pela
autoridade policial, sem qualquer tipo de acompanhamento, simplesmente porque uma pessoa
não dispõe do recurso financeiro necessário para constituir profissional habilitado para lhe
auxiliar na investigação criminal, orientando-lhe como proceder e, principalmente,
interagindo para evitar ilegalidades, abusos, ou qualquer tipo de desvio na atuação policial.
No processo judicial, em razão da nova redação do art. 475 do CPP, dada pela Lei
nº 11.689, de 9 de junho de 2008: “[...] o registro dos depoimentos e do interrogatório será
feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica
similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova”.115
autoridade saberia previamente que todos os seus atos estariam sendo gravados; e, por outro
lado, a própria autoridade policial teria uma segurança para si contra alegação de
descomedimentos de toda ordem.
Desta maneira, seu comportamento deve ser proativo, de modo a estar concentrado
na realização da defesa, tanto quanto a própria defesa, sem que isso venha a significar
transgressão de sua imparcialidade. Precisamente porque a defesa é garantia do devido
processo penal, a preocupação com a sua qualidade precisa existir para esta ser efetiva.
179
Afinal, sem defesa efetiva não haverá o alcance do devido processo penal, sem a qual o
magistrado não poderá imprimir legitimidade a suas decisões. Durante todo o percurso
histórico do processo penal brasileiro, não se obteve o desvelo do Estado-juiz na promoção da
defesa dos réus juridicamente necessitados, porque o valor em jogo sempre foi ignorado,
mesmo em face de sua magnitude constitucional, sendo este desprezo o traço mais
característico do autoritarismo estatal do “teatro garantista”.
Não obstante essa constatação, em vez de ser a farsa que se apresenta, o controle
garantístico acerca da efetividade da defesa exercida no processo penal já poderia estar sendo
desenvolvido desde a Constituição Federal de 1988, sendo o suficiente, consoante a linha de
pensamento de Feldens (2005), o compromisso hermenêutico de visualizar o processo penal
como direito constitucional aplicado.116
Com efeito, embora fosse possível, esse compromisso não se verificou, havendo
dificuldade dos juízes brasileiros em assumi-lo, sobretudo, porque ainda estão vinculados ao
antigo modelo autoritário de Estado, responsável pela atual realidade do “garantismo teatral”
mesmo não sendo mais aceito no pensamento jurídico contemporâneo das sociedades
democráticas, apesar de este pensamento ser mero idealismo normativo.
116
O direito processual penal vincula-se à Constitição brasileira por meio dos direitos fundamentais, linha de
pensamento semelhante àquela que procura demonstrar Feldens (2005, p. 40), ao discorrer sobre correlação entre
as normas penais e a ordem constitucional.
180
O atual Código de Processo Penal não disponibiliza os meios adequados para este
controle garantístico da efetividade da defesa, isto é, não possui um dispositivo incumbindo o
juiz de se manifestar, quando verificar ausência de defesa ou defesa manifestamente precária
ou temerária. Em verdade, essa iniciativa somente é prevista numa única hipótese, qual seja
no âmbito do Tribunal do Júri, sendo permitido ao juiz presidente, autorizado pelo art. 497 do
CPP, “nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso,
dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a
constituição de novo defensor”, redação esta dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008.
esta última, em si mesma, não possui significado algum, caso não exista a possibilidade de
debate entre os personagens da farsa.
A defesa exercida pessoal e diretamente pelo acusado sempre foi esquecida, porque não
existia Defensoria Pública para promover o contraditório na realidade do processo penal
182
brasileiro, corrompido pelo “teatro garantista” com o modelo de interrogatório ainda arcaico,
com traços nítidos do antigo sistema inquisitorial, consoante já se teve a oportunidade de
discorrer.
Muito além da atuação judicial, a Defensoria Pública precisa se estruturar para agir
preventivamente, por meio da educação em direitos, construindo um ambiente propício para
proteção das camadas mais pobres da população, vulneráveis pela ausência do Estado e pela
sujeição a uma vida sem oportunidades, isto é, pessoas impossibilitadas de desenvolver seus
potenciais humanos respectivos. Não resta dúvida que nessas condições precárias estão
reféns, com maiores riscos de praticar infrações penais de toda ordem e de ser vítima deste
mesmo sistema, em razão da omissão do Estado em relação às políticas públicas dentro do
convívio social.
Imagine-se uma discussão entre vizinhos, ocasião em que um afirma que causará um
mal injusto e grave contra o outro. Num episódio aparentemente simples de solução, em razão
da omissão do Estado, um crime de ameaça pode vir a se transformar num crime de
homicídio. A ausência de intervenção imediata em situações de conflito vem sendo apontada
como um dos fatores determinantes da violência urbana. Ora, havendo no local um núcleo da
Defensoria Pública especializado em mediação de conflitos, o problema pode ser resolvido
sem consequências mais graves.
Traçando os perigos existentes, não resta dúvida de que é possível uma atuação
preventiva defensiva, demonstrando as consequências extremamente negativas advindas da
prática dos atos delitivos. Assim, a Defensoria Pública pode minimizar essas consequências
para proteger as camadas mais pobres da população, assegurando-lhes proteção aos seus
direitos fundamentais, intermediando a promoção destes.
Todavia, a Defensoria Pública precisa ser dotada de condições para uma atuação efetiva
no âmbito da prevenção de delitos, porque não basta mapear os pontos de risco e desenvolver
um programa para sua atuação como agente político de promoção dos direitos humanos.
Nesta linha de raciocínio, não há como protelar o acesso à justiça dos réus juridicamente
necessitados, por ser o pressuposto de acesso das políticas públicas, dentre as quais se inclui o
direito de ser defendido no âmbito da justiça penal em igualdade, para assegurar a liberdade,
com aquelas pessoas que possuem condição financeira para constituir um advogado
particular.
Por fim, propugna-se pela extinção da figura da advocacia dativa, porque esta não
oferece às pessoas juridicamente necessitadas um serviço especializado, com programas e
com projetos capazes de oferecer defesa efetiva contra acusações infundadas ou precárias e
acompanhamento dos atos do Estado acusador. Saliente-se ainda que a presença da advocacia
dativa gera sérios impactos para os acusados juridicamente necessitados, porque termina por
atrasar o caminho de estruturação da Defensoria Pública no Brasil, impedindo o acesso à
justiça.
preocupação com o que se está conduzindo e como se está julgando. 117 No processo penal
brasileiro, o Estado-juiz quer de qualquer forma, solapando direitos e garantias individuais,
imprimir velocidade de suas etapas processuais, quando como se fosse possível transformá-lo
num rito sumário de condenações, sob a justificativa deplorável de uma grande demanda,
como se a pessoa ré no processo tivesse responsabilidade em relação a este problema, ao
ponto de prejudicar a participação dos acusados juridicamente necessitados e o exercício de
sua defesa. Sistematicamente, procura-se simplificar o exercício da defesa à elaboração célere
de peças processuais, no tradicional estilo “modelão” para antecipar as etapas e a decisão
final.
Qualquer tentativa de contraditório real e debates é deixada de lado, porque geram mais
demora, atrasando a velocidade da “maquina” de sentenças condenatórias. Os aspectos
formais do procedimento são exaltados, gerando defesas deficientes. O acusado juridicamente
necessitado é isolado nas barreiras formais do processo, restando-lhe pouquíssimas
possibilidades, quase nulas.
Não há como medir a repercussão desse tipo de atuação autoritária do Estado e doas
danos gerados às vidas humanas em questão em pleno jogo democrático. Essa verdadeira
manipulação do processo para atender a interesses gerenciais de celeridade do juízo para
responder às pressões sociais compõe o coração da engrenagem do “teatro garantista”, quando
em jogo está o valor liberdade humana, havendo possibilidade de uma pessoa ser inocente.
Nesse contexto, o advogado dativo funciona somente como uma peça utilizada pelo Estado-
juiz para dar vazão às estatísticas de condenações.
117
Não se discute a necessidade de se viabilizar a razoável duração do processo como direito fundamental a ser
implementado, porque a velocidade na resposta do Estado garante maior efetividade aos direitos fundamentais,
principalmente nas situações de lesão ou de ameaça de lesão que não podem esperar outro momento, em razão
dos sérios prejuízos advindos da demora. Por outro lado, não se podem ignorar as particularidades e as
necessidades do processo penal, imprimindo velocidade a este para obter uma resposta célere do Estado ao preço
do solapamento de direitos e garantias individuais, dentre os quais se inclui o efetivo exercício da defesa. Afinal,
está em jogo é a constrição à liberdade da pessoa humana, valor este que impõe muito cuidado e atenção dos
participantes do processo para diminuir ao máximo a possibilidade de erro na decisão final. Enfim, quando se
refere a duração razoável do processo no âmbito da justiça penal é necessário sempre verificar se a celeridade
empreendida está sendo realizada com respeito aos demais primados do devido processo legal.
185
O modelo garantista de processo penal brasileiro sempre foi uma mentira, uma farsa,
mero “teatro garantista”, num País sem compromisso constitucional. E é, portanto,
completamente vazio, daí porque a lesão aos direitos e garantias individuais do acusado é uma
constante, porque um ideal pode ser alcançado ou não, a depender das condições e da
estrutura disponibilizada para atingi-lo e da solução de compromisso das pessoas em torno da
sua realização.
Neste aspecto, situa-se a Defensoria Pública como parte do conjunto de fatores que
devem ser observados para se alcançar o garantismo penal dentro da realidade processual, não
somente como modelo constitucional, senão como influência na dignidade dos acusados, para
os quais somente se objetiva um julgamento justo, como reflexo do próprio Estado
Democrático de Direito.
A advocacia dativa vem servindo de elemento para compor uma “máscara”, verdadeiro
“teatro garantista”, escondendo a face oculta de um Estado-juiz concentrador de poderes e de
uma sociedade extremamente elitista, com pensamentos distantes do ideal de solidariedade
humana. Se a pretensão é a repressão penal, havendo desprezo pela consecução dos direitos e
garantias individuais do acusado, o Estado-juiz age também como acusador.
Isto posto, quando se nomeia o personagem do teatro garantista dvogado dativo para
preencher o formalismo exigido na figura da criticada “defesa técnica”, exerce influência
sobre a defesa, manipulando-a para ser passiva, não questionadora, ao ponto de ser possível
118
Bonavides (1996, p. 543) insere o direito de defesa catálogo dos direitos fundamentais de primeira geração.
Compreendido como direito humano positivado, todo comportamento do juiz no sentido contrário desta
percepção produz o autoritarismo, deslegitimando a atividade jurisdicional desenvolvida no processo penal.
186
afirmar uma “trama” de ideias para se evitar um processo democrático e justo, participativo e
dinâmico.
A advocacia dativa é peça utilizada dentro do “teatro” que se procura formar para
incutir a ideia de que existe no Brasil o devido processo penal, quando tudo não passa de uma
“teatro garantista” para manter controle social por meio da repressão penal. Não existe a
preocupação com a efetividade da defesa do acusado, porque a condição deste não interessa
para o Estado.
1. A defesa somente se aperfeiçoa no momento em que possui potencial mínimo para influir
no convencimento do juiz acerca da interpretação dos fatos, das provas e dos argumentos
jurídicos suscitados. Se não possui potencial para alcançar esse objetivo, não existe
exercício de defesa e, por conseguinte, a atividade jurisdicional não se legitima para
tornar a decisão final democrática, válida e justa;
10. No atual contexto, a defesa estabelece-se incialmente como postura de oposição contra a
precariedade da acusação, baseada na insuficiência de provas e sustentada pela pressão de
uma fantasiosa ordem pública em torno dos temas violência e criminalidade, exigindo-se
condenações independentemente do caráter duvidoso destas ou dos instrumentos
propostos para alcançá-la. Em outros termos, é preciso primeiramente se opor às ilações,
presunções, suspeitas antecipações de julgamento, valorações equivocadas, servindo
como verdadeiro mecanismo de controle do autoritarismo estatal, destacadamente da
postura autoritária do Estado-juiz.
11. O direito de defesa deve ser exercido primeiramente como mecanismo de controle do
Estado-juiz autoritário, para evitar que o acusado seja posto na condição de “objeto”, em
vez de sujeito de direitos. Desta forma, deve impedir qualquer tipo de ofensa à honra, à
intimidade, à vida privada, à integridade física e moral, bens que compõe o núcleo da
dignidade humana. Para atingir referido propósito, o estudo sobre o direito de defesa
proceder-se-á sempre em conformidade com os princípios enraizados na Constituição,
tornando-o o direito processual penal verdadeiro direito constitucional aplicado,
atentando-se para indissociabilidade da hermenêutica constitucional.
12. A proteção do núcleo da dignidade humana deve ser analisada como a referência máxima
do pleno exercício do direito de defesa, orientando a edificação de todas as etapas do
devido processo penal constitucional. Como consequência desta máxima, não se pode
restringir a real oportunidade de participação do acusado juridicamente necessitado de
participação no processo. A força das garantias constitucionais servirá para impedir o
retorno às antigas práticas autoritárias e para obstar tendências atuais do Estado nesse
sentido.
191
13. Durante quase toda a humanidade, a pessoa humana não passava de um mero objeto de
análise do Estado autoritário e repressor, sem valor, daí porque o próprio Estado
patrocina o “circo de horrores” do sistema penal de justiça. No direito processual penal
contemporâneo, depreende-se a garantia constitucional à efetividade da defesa,
caracterizando-se como direito fundamental do acusado não apenas o direito, senão
especialmente o “direito ao acesso ao direito” no sentido de entregar-lhe uma defesa real.
15. A Defensoria Pública tem como missão precípua no processo penal evitar as frustrações
ao direito de defesa dos acusados juridicamente necessitados, decorrente não apenas das
injustas e precárias condenações, mas do completo isolamento deste nos cárceres, numa
visão meramente retributivista, e do menosprezo pela sua condição humana, na medida
em que a pessoa encarcerada é submetida a todo tipo de suplícios, dores, sofrimentos,
com gravíssimas lesões à sua saúde física e mental.
16. Para evitar revolta e inconformismo decorrente das mazelas do processo penal, a
Defensoria Pública deve assegurar ao acusado ao menos o direito de atuar minimamente
na construção do processo, para que este possa ter o sentimento democrático de que teve
a oportunidade a sua disposição. Em virtude de a grande maioria dos acusados
juridicamente necessitados não conhecer com clareza os termos da imputação e raramente
tomar conhecimento do teor das condenações aplicadas, o Defensor Público deve intervir
para tirá-los da margem do sistema de justiça, possibilitando-lhes interagir com todos os
personagens processuais, inclusive, estabelecendo, quando for possível, buscando uma
aproximação da vítima para dar efeito a uma conciliação, dentro da perspectiva da justiça
restaurativa;
18. Por meio de sua independência, a Defensoria Pública deve enfrentar a sensação
extremamente estimulada pela mídia das políticas de rigor penal como solução para
problemas de segurança e de violência, evitando o agravamento da situação de
isolamento do acusado no processo penal, fator este que dificulta ainda mais o já
deficiente exercício do direito de defesa. Deve, portanto, propiciar o debate, dentro de
uma construção dialética, do acusado com o Estado-juiz e com o seu acusador,
importando na redução de danos para o aumento da efetividade da defesa.
19. Referido modelo de atuação dos personagens do processo não recebe ainda respaldo dos
órgãos de segurança pública, do Poder Judiciário e do Ministério Público, sendo este
último aspecto fundamental para manutenção das políticas públicas de extrema repressão
penal. A Defensoria Pública deve exigir do Estado-juiz, responsável pela condução do
processo, o protagonismo do acusado em todas as etapas do processo penal, garantindo-
lhe o direito de interferir de forma lícita e idônea no seu destino, não podendo aceitar a
“vontade” antidemocrática do Estado-juiz e do Ministério Público de empreender
velocidade às etapas do processo, alheios aos direitos e garantias individuais da pessoa
humana.
20. Esta preocupação do Estado-juiz em diminuir a demanda processual para cumprir metas
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é extremamente preocupante no processo penal,
porque a agilidade dos procedimentos penais em detrimento de um amplo processo de
reconstrução histórica dos fatos a acarreta danos irreparáveis, ocasionando a condenação
de muitos inocentes, afora condenações de culpados injustas, porque em
desconformidade com as provas existentes e as linhas de defesa.
com a possibilidade de uma pessoa ser inocente, aspecto este inconcebível na ordem
constitucional democrática;
22. A realidade do processo penal brasileiro vem sendo mascarada, na medida em que se
encobre a negação dos direitos e garantias individuais do acusado pelo Estado-juiz. O
descumprimento da Lei n° 12.403, de 4 de maio de 2011, constitui um exemplo claro de
ausência de compromisso constitucional, porque as medidas cautelares alternativas à
prisão, concebidas para evitar antecipação de penas, até hoje não foram devidamente
aplicadas;
23. À Defensoria Pública cabe verificar a possibilidade de uma composição com a vítima,
evitando o processo judicial como alternativa para a solução do conflito, devendo guiar a
sua atuação pelos princípios do Direito Penal Mínimo e, especialmente, desenvolver
ações proativas para impedir o aprisionamento de pessoas em razão de infrações penais
sem significativo potencial lesivo;
24. A construção de um novo modelo de defesa deve ser intermediada pela Defensoria
Pública, com o propósito de possibilitar ao acusado o exercício integral do contraditório.
O seu exercício deve ser integral para que o acusado juridicamente necessitado esteja
envolvido no próprio futuro dentro do sistema penal de justiça;
25. Sob outra perspectiva, o Defensor Público deve ainda orientar o acusado juridicamente
necessitado a minorar as consequências de suas ações, propondo uma mudança de atitude
em busca a se realinha com a vítima, na construção de uma justiça de natureza
restaurativa e solidária. Para atingir tal propósito, deve buscar a parceria com os órgãos
de segurança pública, deve atuar na elaboração e no acompanhamento das medidas
protetivas. Em outras palavras, seguindo a linha cooperativa, a Defensoria Pública atua
no sistema de justiça também em favor da vítima, mediante atuação e propósitos distintos
do Ministério Público, porque o último age promovendo a ação penal, buscando na
repressão penal a solução, enquanto a Defensoria Pública deve buscar o Direito Penal
mínimo, evitando todas as mazelas geradas pelo processo penal.
26. No processo penal brasileiro, não existe preocupação com a consecução da igualdade, da
liberdade e da justiça. Diferentemente de outras áreas do direito, não há compromisso
constitucional para com o resultado satisfatório. Ao contrário, o isolamento das pessoas é
buscado como forma de controle social, de resultados rápidos. A decisão não precisa ser
194
27. Se o acusado não encontra espaço para se defender, não haverá a oportunidade de
questionar os fatos que lhe foram atribuídos, sendo este um traço marcante do
autoritarismo do Estado no processo penal. Consequentemente, o “teatro garantista” é
moldado e, infelizmente, aceito, com o respaldo da coletividade, sendo pouquíssimas as
pessoas que se preocupam com direitos fundamentais de presos, ou mesmo que
identificam o acusado como pessoa humana detentora de direitos.
28. Ao mesmo tempo em que a defesa permanece sendo percebida sob o aspecto formal, e
não substancial, o autoritarismo do Estado tendo a aumentar em razão das pressões
geradas pelo populismo irracional, diante da onde de violência e de insegurança.
Contrapondo-se a um espaço democrático, a intenção é a aceleração das audiências e de
outras etapas, daí porque a assistência jurídica efetiva para o acusado juridicamente
necessitado é inconveniente, porque termina retirando os protagonistas, quais sejam
Estado-juiz e Ministério Público, da sua “zona de conforto”;
29. O advogado dativo é conveniente ao Estado autoritário, porque não gera problemas, evita
incidente e age como verdadeiro auxiliar administrativo das necessidades pretendidas
pelo juiz na condução dos atos processuais, como se fosse um funcionário do juízo a
serviço do magistrado, sob suas ordens. Dificilmente existe discordância entre o Estado
acusador e Estado-juiz, porque o objetivo termina sendo comum, qual seja, aplicação da
sanção penal como forma de controle social, prestando-se a advocacia dativa apenas para
preencher a farsa gerada por este “teatro garantista”.
30. A advocacia dativa vem servindo de elemento para compor uma “máscara”, encobrindo
um Estado-juiz autoritário, concentrador de poderes e sem compromisso constitucional.
Se a pretensão é a repressão penal, havendo desprezo pela consecução dos direitos e
garantias individuais do acusado, o Estado-juiz age também como acusador. A nomeação
de advogado dativo para preencher o formalismo exigido na figura da “defesa técnica”
exerce influência sobre a defesa, manipulando-a para ser passiva, não questionadora.
Obstaculiza, portanto, o processo penal constitucional democrático, justo, participativo e
dinâmico;
195
31. A Defensoria Pública é a instituição com capacidade para enfrentar o Estado autoritário,
protegendo pessoas juridicamente necessitadas de processos injustos e antidemocráticos,
porque possui autonomia e independência necessárias para a consecução desses objetivos.
Ao contrário, a advocacia dativa age desconsiderando os propósitos constitucionais do
Estado Democrático de Direito, isto é, suas ações destoam da plataforma de direitos
humanos para atender a pretensões diversas ao direito de defesa;
33. A ausência de Defensoria Pública constitui o obstáculo mais evidente para a defesa se
tornar efetiva e, por conseguinte, se alcançar o ideal do processo penal constitucional,
justo e democrático. Sem a assistência da Defensoria Pública, não há compromisso com o
aprofundamento das questões de fato e de direito relacionadas ao caso. Assim, a ausência
de uma atuação efetiva da Defensoria Pública diminui as chances de o acusado provar sua
inocência.
34. As mazelas do sistema de justiça penal geram a impressão de que são impermeáveis,
porque a desigualdade social dentro deste é histórica, ao ponto de os próprios presos
estranharem quando a Defensoria Pública atua em seu favor. Afinal, evidenciam-se em
geral, e não apenas dentro do sistema de justiça penal, pessoas extremamente carentes do
exercício de direitos, sendo a desigualdade no âmbito da justiça penal apenas um reflexo
desta situação;
35. A Defensoria Pública, por meio da promoção dos direitos humanos, deve contribuir para
a superação da visão de que o resultado da justiça penal pressupõe aplicação de pena,
constrição de liberdade do agressor, sofrimento deste, aflição. Diversas são as soluções
para evitar constrições indevidas à liberdade, sendo necessário primeiramente pensar
196
36. Guiados pelo populismo irracional, forjados dentro de uma formação completamente
inadequada para o exercício da função da magistratura, juízes agem de forma fria e alheia
aos interesses dos acusados juridicamente necessitados, em sua maioria pessoas pobres e
acostumadas com a omissão do Estado em relação às políticas públicas. Dentro desse
contexto, insere-se a advocacia dativa como peça utilizada na montagem do “teatro
garantista”, que se procura formar para incutir a ideia de que existe no Brasil devido
processo penal, quando tudo não passa de mera farsa para manter a maioria da população
isolada, por meio da repressão penal.
39. A extinção da advocacia dativa deve ser considerada como parte da realização
constitucional do direito de defesa das pessoas juridicamente necessitadas. Em razão do
autoritarismo dos órgãos e das instituições do Estado, que descumprem escancaradamente
preceitos constitucionais, deve-se avançar da construção ideológica para a conversão
desta para a realidade processual.
41. Exige-se compromisso constitucional para que se ponha fim à banalização quanto ao
exercício do direito de defesa, não se aceitando a defesa precária ou insuficiente
expressada na advocacia dativa. Não se trata especificamente de restaurá-la ou modificá-
la, porque esta representa o antigo modelo de assistência judiciária, completamente
incompatível com os princípios institucionais e os objetivos da Defensoria Pública. Com
fins completamente distintos da advocacia dativa, a Defensoria Pública precisa ser
aperfeiçoada, criando-se as condições favoráveis para um processo penal
verdadeiramente justo, dinâmico e democrático, de tal forma que, ao final, o acusado
possa ter sentimento de justiça e, em certa medida, estar satisfeito por também ter sido
protagonista do seu destino, ainda que não venha a aceitar a decisão condenatória.
43. As discussões acerca das dificuldades para o pleno exercício do direito de defesa dos
acusados juridicamente necessitados não se esgotam na existência da advocacia dativa,
porque existem outras questões que precisam ser trabalhadas especificamente, mas não
estão na dinâmica do presente estudo. O importante é a consciência de que sempre será
possível avançar na construção de um processo penal humanista e eficaz;
45. A presença da Defensoria Pública produz vários benefícios para o acusado no sistema de
justiça penal, porque a busca desenfreada do Estado autoritário pelo aprisionamento das
pessoas como mecanismo de controle social lesa a plataforma de direitos humanos.
198
46. A advocacia dativa dificilmente deixará de existir enquanto os juízes não assumirem uma
postura constitucional e proativa para enfrentar os sérios problemas da ausência de
efetividade da defesa dos acusados juridicamente necessitados. A precariedade da defesa
atende perfeitamente aos anseios de um Estado autoritário, cuja limitação da liberdade
das pessoas é um fim em si mesmo, utilizado como instrumento de controle social;
47. Contra o aparelho de controle social por meio da repressão penal utilizado pelo Estado
autoritário, fomentador do isolamento social da maior camada da população, formada por
pessoas pobres, a Defensoria Pública é o caminho para afastar a advocacia dativa,
buscando a efetividade do direito de defesa, com intuito de promover a inserção do
acusado juridicamente necessitado em todas as etapas do processo penal, possibilitando
um contraditório real e dinâmico, não se admitindo defesa meramente formal;
48. Como a advocacia dativa somente possibilita ao acusado uma defesa meramente formal,
impedindo a dinamicidade exigida pelo contraditório para possibilitar um julgamento
justo, o Código de Processo Penal deve ser alterado, extinguindo a advocacia dativa e
fixando as condições necessárias para o exercício pleno da defesa dos acusados
juridicamente necessitados;
50. O Código de Processo Penal deve ser alterado para tornar efetivo o direito de defesa,
retirando-se da sua redação termos e expressões referentes à advocacia dativa e fixando
expressamente a obrigatoriedade da atuação da Defensoria Pública na hipótese de pessoas
199
51. A atuação da Defensoria Pública deve ser considerada cláusula indispensável para a
realização da defesa dos acusados juridicamente necessitados e para a própria legitimação
da atividade jurisdicional, por ser uma das garantias constitucionais do processo penal.
Sob esta perspectiva, apenas a alteração do Código de Processo Penal não será suficiente.
Paralelamente, o Estado-juiz deve romper com posturas autoritárias, assumindo o
compromisso constitucional de exigir a obrigatoriedade da Defensoria Pública.
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