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Belo Horizonte
2012
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Belo Horizonte
2012
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Professor Doutor Vicente de Paula Maciel Junior (orientador)
______________________________________________________________
Professor Doutor Vitor Salino de Moura Eça - PUCMINAS
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Professor Doutor Leonardo Augusto Marinho - PUCMINAS
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Professor (a) Orlando Aragão Neto - FAMINAS
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Professor (a) Juliana Maria Mattos - UNESA
AGRADECIMENTOS
Clarice Lispector
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RESUMO
ABSTRACT
merit issues becomes a legitimate prerogative of every subject who may promptly
submit, throughout the procedure of the thematic action, a coherent theme or
argument to that initially done in court. Therefore, the procedural merit ceases to be a
consequence of a judgment unilaterally rendered by the judge, being consequently
the result of extensive isonomic debate of the claim, the locus of the procedure, for all
diffuse and collective interested persons, both in the first moment of the procedure
(preparatory phase = defining the issues and matters of merit) and second moment
(instructions phase = time when all the merit subjects are debated broadly and
equally by all interested persons). The fundamental right to participate in the process,
as well as the principles of procedural isonomy, justification of judicial decisions,
contradictory, legal defense, due process of law and access to the judiciary constitute
theoretical basis for critical understanding of the participative construction of
procedural merit in the model of collective action brought by a democratic State.
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14
4.4 O mérito participado visto sob a perspectiva da Teoria das Ações Coletivas com
Ações Temáticas .................................................................................................... 318
4.4.1 A procedimentalização da construção participada do mérito no processo
coletivo democrático ............................................................................................... 324
4.5 Análise crítica da participação dos legitimados no processo coletivo
................................................................................................................................ 335
4.5.1 O instituto do Amicus Curiae e a participação dos legitimados no processo
coletivo brasileiro: historicidade e previsão legislativa ........................................... 342
4.5.1.1 Resgate histórico-legislativo do instituto do Amicus Curiae ....................... 345
4.5.2 O Amicus Curiae como herança do Sistema Representativo no Processo
Coletivo vigente e a sua pseudo-participação na construção do mérito processual
................................................................................................................................. 360
4.5.3 Um estudo crítico da ADIN 3510 sob a perspectiva da participação do Amicus
Curiae na construção do mérito processual
............................................................................................................................... 367
4.6 Síntese ............................................................................................................ 371
1. INTRODUÇÃO
claro que os temas trazidos pelos interessados difusos para o processo coletivo
constituem a matéria ou as questões de mérito que conduzirão todo o debate
processual da pretensão em momento posterior à fase de saneamento e anterior à
decisão (provimento).
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa teórico-bibliográfica e
documental, desenvolvida com o propósito de testificar o conhecimento científico
mediante a problematização crítica. A delimitação do problema teórico decorreu de
proposições dedutivas, cuja compreensão somente foi possível por meio de análises
temáticas, teóricas, interpretativas, comparativas, históricas e, essencialmente,
crítico-constitucionalizadas.
21
PROPOSTA DE PESQUISA.
1
Importante ressaltar que pela pesquisa ora desenvolvida não houve, a partir de 1928, relevante
contribuição filológica com relação ao conceito de mérito.
23
2
[...] Demonstrando a promiscuidade do legislador na utilização da expressão, em caminho seguido
por outros processualistas, Cândido Rangel Dinamarco mostrou que o legislador brasileiro, na
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, conferiu à palavra l”lide”, dentre outros, o
significado de “mérito”, o mesmo ocorrendo, quase sempre, ao longo do mencionado diploma legal.
Assim, expressões como “julgamento antecipado da lide” (v.g. nomenclatura utilizada na seção em
que se encontra o artigo 330), “julgar total ou parcialmente a lide” (artigo 468), litisconsórcio por
“comunhão de direitos ou de obrigação relativamente à lide” (artigo 46, inciso I), “ conhecimento da
lide” (artigo 110) e outras tantas são exemplos da utilização da expressão lide com sinônimo de
mérito. (MADEIRA, 2010, p. 109).
3
Todas as vezes que for mencionado ao longo dessa pesquisa a expressão “Escola Instrumentalista
de Processo” ou “Escola Paulista de Processo” pretende-se fazer uma remissão aos estudos
científicos e sistematizados especialmente pelos professores e pesquisadores da Universidade de
São Paulo, e mais recentemente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialmente os
professores doutores Cândido Rangel Dinamarco, Alfredo Buzaid, Kazuo Watanabe e Ada Pelegrini
Grinover, cujos estudos científicos no âmbito do direito processual são relevantes e foram
desenvolvidos a partir das proposições teóricas de Enrico Tullio Liebman.
4 IDEOLOGIA: “Esse termo foi criado por Destut de Tracy (Idéologie, 1801) para designar a análise
das sensações e das idéias segundo o modelo de Condillac. A I. constituiu a corrente filosófica que
marca a transição do empirismo iluminista para o espiritualismo tradicionalista e que floresceu na
primeira metade do século XIX (v. ESPIRITUALISMO). Como alguns ideologistas franceses fossem
hostis a Napoleão, este empregou o termo em sentido depreciativo, pretendendo com isso identifica-
los com sectários ou dogmáticos, pessoas carecedoras de senso político e, em geral, sem contato
com a realidade (PICAVET, Lês idéologues, Paris, 1891). Aí começa a historia do significado
24
moderno desse termo, não mais empregado para indicar qualquer espécie de análise filosófica, mas
uma doutrina mais ou menos destituída de validade objetiva, porém mantida pelos interesses claros
ou ocultos daqueles que a utilizam. {...}. Hoje, por I. entende-se o conjunto dessas crenças, porquanto
só têm a validade de expressar certa fase das relações econômicas e, portanto, de servir à defesa
dos interesses que prevalecem em cada fase desta relação. Foi exatamente com esse sentido que a
I. foi estudada pela primeira vez em Trattato di sociologia generale (1916) de Vilfredo Pareto, apesar
de, nesta obra, não ser usado o termo I. (que fora empregado em Sistemi socialisti, 1902, pp. 525-
26). Em Paeto, a noção de I. corresponde à noção de teoria não-cientifica, entendendo-se por esta
última qualquer teoria que não seja lógico-experimental [...]”.(ABBAGNANO, 2003, p. 531-532).
5
Dogma: opinião ou crença. Nesse sentido a palavra é usada por Platão e contraposta pelos céticos
à epoché, ou suspensão do assentimento, que consiste em não definir a própria opinião em um
sentido ou em outro. Kant entendeu por dogma uma proposição diretamente sintética que deriva de
conceitos e como tal distinta de uma proposição do mesmo gênero, derivada da construção dos
conceitos, que é um matema. Em outros termos, o dogma são proposições sintéticas a priori de
natureza filosófica, ao passo que não poderiam ser chamadas de dogma as proposições de cálculo e
geometria (ABBAGNANO, 2003, p.292).
6
Objeto litigioso, pois, é conceito menor do que objeto do processo. Em conclusão, diz que o objeto
litigioso “é o mérito, assim entendido o pedido do autos formulado na inicial ou nas oportunidades em
que o ordenamento jurídico lhe permita ampliação ou modificação; o pedido do réu na reconvenção; o
pedido do réu formulado na contestação, nas chamadas ações dúplices; o pedido do autor ou do réu
nas ações declaratórias incidentais (sobre questões prejudiciais); o pedido do autor ou do réu contra
terceiro na denunciação da lide; o pedido do réu no chamamento ao processo; o pedido do terceiro
contra autor e réu, formulado na oposição. Em suma, é o pedido que, na opinião de Sydney Sanches,
caracteriza o objeto litigioso (DINAMARCO, 1987, p. 213).
7
O artigo 330 do Código de Processo Civil vigente (CPC 1973) estabelece: “O juiz conhecerá
diretamente o pedido, proferindo sentença: I- quando a questão de mérito for unicamente de direito,
ou, sendo de direito ou de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II- quando
25
ocorrer a revelia”. (BRASIL, Código Civil, Comercial, Processo Civil e Constituição Federal, 2008,
p.642). Nesse dispositivo legal verifica-se a relação intrínseca entre o mérito e a matéria de fato. Pelo
que se extrai da leitura do dispositivo o legislador limitou o instituto do mérito às alegações de fato e
de direito, inerentes à pretensão, cuja apreciação dar-se-á a partir do exercício da jurisdição pelo
julgador, que quando da análise do mérito excluirá qualquer participação das partes (demandante,
demandado e demais sujeitos juridicamente interessados na pretensão) na construção do mérito.
Assim, pode-se afirmar que o conceito de mérito adotado pelo legislador do Código de Processo Civil
de 1973 advém de uma concepção autoritária de processo e do entendimento da jurisdição enquanto
sacerdócio e poder exercido pelo julgador.
8
Grosso Modo, pode-se dizer que haverá julgamento conforme o estado, sem que se aprecie o
mérito, se o juiz verificar de oficio ou se convencer da alegação de uma das partes, quanto à
inexistência de pressuposto processual ou de quaisquer das condições da ação, ou quando houver a
presença de pressuposto processual negativo. (WAMBIER, 2005, p. 420)
9
O julgamento antecipado da lide, que é uma espécie do gênero “julgamento conforme o estado do
processo, pode ocorrer em três situações. Pode o pedido envolver só direito e não fato, não havendo,
portanto, necessidade de produção de provas, além daquelas que já terão sido produzidas com a
própria petição inicial (documentais). [...] Também deve haver julgamento antecipado se, embora o
mérito envolva matéria de fato e de direito, não houver necessidade de produção de provas em
audiência. Nesse caso, inspirado pelo principio da economia processual o legislador autorizou o juiz a
dispensar a audiência de instrução e julgamento. Por último, pode haver julgamento antecipado da
lide se, tendo o réu se omitido com relação ao ônus de contestar, sendo, portanto, revel, ocorreram os
efeitos da revelia. Esses efeitos, como se viu, ocorrem se preenchidas as condições legais (como, por
exemplo, não se tratar de direito indisponível) e se o juiz considerar verossímeis os fatos narrados
pelo autor na petição inicial, em respeito ao principio do livre convencimento motivado. (WAMBIER,
2005, p. 421-422).
26
O mérito já foi dito que é o pedido, que é a lide, que é o pedido nos limites
da lide e, atribuída à lide a conotação de realidade intra-autos, seria (a meu
ver) a lide nos limites do pedido, a lide não transbordante do pedido. Sem
maiores discussões sobre a doutrina, não se pode deixar de admitir que o
mérito, qualquer que seja a concepção, haja de refletir o conjunto de
questões subordinadas à preclusão do deduzido e do dedutível (VIEIRA,
2000, p. 116).
10
Arito 330 do Código de Processo Civil: “O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo
sentença: I- quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não
houver necessidade de produzir prova em audiência; II- quando ocorrer a revelia (artigo 339)”
11
Aritigo 468 do CPC: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites
da lide e das questões decididas”.
27
pretensão tem relação intrínseca com todas as alegações trazidas pelas partes aos
autos.
Os pressupostos processuais de validade e de existência (competência do
juízo) da relação jurídico-processual são vistos como questões pré-meritórias ou
exteriores ao mérito da pretensão, tendo em vista que não possuem qualquer
relação com os fundamentos daquilo que está sendo debatido pelas partes no
processo.
A extinção do processo sem julgamento do mérito12 por carência da ação
deve ser vista como um meio ilegítimo de exclusão das partes na construção
participada do mérito processual. É a ratificação do entendimento já solidificado de
que a relação processual é um recinto conduzido pessoalmente pela percepção que
o julgador tem do caso concreto. Isso fica muito evidente no estudo do processo
coletivo na atualidade, tendo em vista que o sistema jurídico-processual adotado
hoje pelo Brasil, no que tange à proteção jurídica dos direitos de natureza
metaindividual, é uníssono ao excluir o cidadão individual como autor da ação
coletiva. A falta de legitimação para agir ao indivíduo que busca o exercício da tutela
coletiva o impossibilita de participar discursivamente da construção do mérito
processual, conforme entendimento preconizado por Vicente de Paula Maciel Junior:
12
[...] caracteriza-se a sentença terminativa por desfechar o processo na instância sem a apreciação
do seu mérito, deixando de ser conhecido e enfrentado o pedido formulado pelo autor na peça inicial,
o que se justifica em virtude da existência de um vício formal, que macula a relação jurídica.
(MONTENEGRO FILHO, 2006, p. 563)
30
13
A visão analítica das relações entre processo e Constituição revela ao estudioso dois sentidos
vetoriais em que elas se desenvolvem, a saber: a) no sentido Constituição-processo, tem-se tutela
constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados a nível constitucional; b) no sentido
do processo-Constituição, a chamada jurisdição constitucional, voltada ao controle da
constitucionalidade das leis e atos administrativos e à preservação de garantias oferecidas pela
Constituição (“jurisdição constitucional de liberdades”), mais toda a idéia de instrumentalidade
processual em si mesma, que apresenta o processo como sistema estabelecido para a realização da
ordem jurídica, constitucional inclusive. A tutela constitucional do processo tem o significado e escopo
de assegurar a conformação dos institutos do direito processual e o seu funcionamento aos princípios
que descendem da própria ordem constitucional (DINAMARCO, 1996. p. 25).
14
Acredito estejamos caminhando para o processo como instrumento político de participação. A
democratização do Estado alçou o processo à condição de garantia constitucional; a democratização
da sociedade fá-lo-á instrumento de atuação política. Não se cuida de retirar do processo sua feição
de garantia constitucional, sim fazê-lo ultrapassar os limites da tutela dos direitos individuais, como
hoje conceituados. Cumpre proteger-se o indivíduo e as coletividades não só do agir contra legem do
Estado e dos particulares, mas de atribuir a ambos o poder de provocar o agir do Estado e dos
particulares no sentido de se efetivarem os objetivos politicamente definidos pela comunidade.
31
Teoria das Ações Coletivas como Ações Temáticas (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 117)
e da Teoria Neo-Institucionalista do Processo a partir dos princípios institutivos,
visando-se, assim, compreender o processo como um espaço de discursividade
democrática (LEAL, 2009, p. 86)15.
Há aproximadamente 10 anos o professor e processualista Vicente de Paula
Maciel Junior estuda o processo coletivo e publicou no ano de 2006 obra intitulada
Teoria das Ações Coletivas como Ações Temáticas, com o propósito de revisitar a
propedêutica do processo coletivo clássico desenvolvido a partir do sujeito. Propõe o
autor o estudo do processo coletivo a partir do objeto, fundamento esse considerado
imprescindível ao entendimento democrático-constitucionalizado do processo
coletivo como recinto da discursividade e da dialogicidade como parâmetros lógicos
à construção participada do mérito processual. É por isso que “quanto maior fosse a
participação na formação do mérito, maior seria a legitimação da decisão do
processo coletivo em relação aos efeitos que produziria em face dos interessados
difusos” (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 181)
O principio do contraditório, enquanto pressuposto da dialogicidade passa a
ser o fundamento da regência do modelo constitucional de processo. Adolph Wach,
já no século XIX (especificamente no ano de 1865), ao sistematizar cientificamente o
estudo do Direito Processual, já mencionava a importância do contraditório ao
enaltecer que tal princípio oportunizava às partes (autor e réu) a possibilidade de
dialogo no âmbito processual, podendo o réu rebater legitimamente as alegações
propostas pelo autor (WACH, 1977, p. 23-25).
Sob a ótica constitucionalizada e democrática o contraditório deve ser visto
como um princípio que assegura a todos interessados na construção participada do
provimento o direito de influenciar nas decisões judiciais e não serem surpreendidos
por uma decisão unilateralmente imposta pelo julgador (NUNES, 2008, p. 233-235).
Além disso, tal princípio estabelece o dever do julgador se posicionar e se
Despe-se o processo de sua condição de instrumento de formulação e realização dos direitos. Misto
de atividade criadora e aplicadora do direito, ao mesmo tempo (PASSOS, 1988, p. 95).
15
Infere-se que uma teoria neo-institucionalista do processo só é compreensível por uma teoria
constitucional de direito democrático de bases legitimantes na cidadania (soberania popular). Como
veremos, a instituição do processo constitucionalizado é referente jurídico-discursivo de estruturação
dos procedimentos (judiciais, legiferantes e administrativos) de tal modo que os provimentos
(decisões, leis e sentenças decorrentes) resultem de compartilhamento dialógico-processual na
Comunidade Jurídica, ao longo da criação, alteração, reconhecimento e aplicação de direitos, e não
de estruturas de poderes do autoritarismo sistêmico dos órgãos dirigentes, legiferantes e judicantes
de um Estado ou Comunidade. (LEAL, 2009, p. 86).
32
16
[...] o principio do contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizado,
traduzindo, em seus conteúdos, a dialogicidade necessária entre interlocutores (partes) que se
postam em defesa ou disputa de direitos alegados, podendo, até mesmo, exercer a liberdade de nada
dizerem (silêncio), embora tendo direito-garantia de se manifestarem. Daí, o direito ao contraditório
ter seus fundamentos na liberdade jurídica tecnicamente exaurida de contradizer, que, limitada pelo
tempo finito (prazo) da lei, converte-se em ônus processual se não exercida. Conclui-se que o
processo, ausente o contraditório, perderia sua base democrático-jurídico-principiológica e se
tornaria um meio procedimental inquisitório em que o arbítrio do julgador seria a medida colonizadora
da liberdade das partes. (LEAL, 2009, p. 97).
17
Liga-se aos princípios da ação, da defesa e do contraditório, e ao método do livre convencimento
do juiz, a obrigação de motivação das decisões judiciais, vista, sobretudo, em sua dimensão política.
Com efeito, a razão da necessidade de motivar pode ter dois enfoques distintos. A mais antiga atém-
se a razões exclusivamente técnicas, endoprocessuais, restritas às partes, às quais se assegura o
direito de conhecer as razões da decisão, para, adequadamente, impugna-la; e aos órgãos de
segundo grau, para dar-lhes meios de controlar a justiça e legalidade das decisões submetidas a sua
revisão. [...] Salienta-se, hoje, a função política da motivação, sendo seus destinatários não apenas
as partes e o juiz da impugnação, mas quisquis de populo, com a finalidade de aferir-se, em concreto,
a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça de decisão [...] Por isso é que diversas Constituições
modernas elevam o principio da motivação à estatura constitucional, e o que não significa apenas
conferir-lhes maior estabilidade, mas, sobretudo, atribuir-lhe dimensão de garantia do correto
exercício da jurisdição [...] (GRINOVER, 1990, p. 34).
33
18
A isomenia, em minha teoria neo-institucionalista, que é instituto operacional do principio da
legalidade, define-se pela oportunidade de colocar todos os destinatários normativos (intérpretes) em
simétrica posição ante idêntico referente lógico-jurídico construtivo, aplicativo, modificativo ou
extintivo do sistema jurídico (LEIS). É o devido processo, no sentido da teoria neo-institucionalista,
que é o referente lógico-jurídico (interpretante) a balizar os limites hermenêuticos de um sistema
jurídico de “Estado Democrático de Direito” em concepções de uma sociedade aberta [...]. (LEAL,
2010, p. 271.
34
19 Nos treze séculos da historia romana, do século VIII aC ao século VI d.C, assistimos, naturalmente,
a uma mudança contínua no caráter do direito, de acordo com a evolução da civilização romana, com
as alterações políticas, econômicas e sociais, que a caracterizaram. [...] Tal divisão pode basear-se
nas mudanças da organização política do Estado Romano, distinguindo-se, então, a época régia
(fundação de Roma no século VIII a C até a expulsão dos reis em 510 a C), a época republicana (até
27 a C), o principado até Diocleciano (que in iciou seu reinado em 284 d C.) e a monarquia absoluta,
por este último iniciada e que vai até Justiniano (falecido em 565 d C). Outra divisão, talvez preferível
didaticamente, distingue no estudo do direito romano, tendo em conta sua evolução interna: o período
arcaico (da fundação de Roma no século VIII a. C. até o século II a C), o período clássico (até o
século III d.C) e o período pós-clássico (até o século VI d C) (MARKY, 1995, p. 5-6).
36
clássico que corresponde os anos de 284 a 565 d.C) (PETIT, 2003, p. 813; LEAL,
2009, p. 24-26).
Durante os dois primeiros sistemas verifica-se a divisão das funções judiciais,
ou seja, a primeira fase era realizada diante do magistrado e a segunda perante o
juiz20. O magistrado era quem regulava a marcha procedimental e delimitava o
objeto do debate, enquanto o juiz era quem analisava as peculiaridades do caso
concreto e proferia a sentença (PETIT, 2003, p. 814). Verifica-se, portanto, que a
magistratura, por meio dos reis, dos cônsules e posteriormente dos pretores, era
quem detinha a legitimidade para a administração da justiça, cabendo aos juizes
proferirem as decisões a partir das predeterminações advindas da magistratura. Ou
seja, eram os magistrados que estabeleciam a viabilidade jurídica de discussão da
pretensão, o que demonstra que a ação não era um direito do cidadão, visto que seu
exercício era condicionado aos entendimentos dos magistrados.
Os magistrados tinham legitimidade de propor uma regra de direito, aplicar
uma regra de direito preexistente e publicar editos, que eram normas com conteúdo
aplicável a todos os cidadãos (PETIT, 2003, p. 816). Como se observa, as funções
dos magistrados equiparam ao que temos hoje como função legislativa, visto que os
magistrados eram revestidos da legitimidade de criar e de determinar a aplicação do
direito mais adequado ao caso concreto, cabendo-se aos juízes a ratificação desse
entendimento. Eram os magistrados que determinavam os direitos que podiam ser
reivindicados pelos homens, até porque o direito de ação somente existia se a
magistratura assim autorizasse.
Nesse contexto pode-se verificar a gênese do mérito processual, visto que a
delimitação das questões fáticas (objeto) e do direito a ser aplicado ao caso concreto
(questão de direito) era uma prerrogativa exclusiva do magistrado (pretor, reis ou
20
A este respecto hay que distinguir em el procedimiento clasico dos fases distintas; uma primera
ante el magistrado (in iure) durante la cual los litigantes formulan las reclamaciones y argumentos
jurídicos, y uma segunda ente el juez privado (apud iudicem) en la que se rinden las pruebas y se
pronuncia el iudicatum fundamentado en una opinión (sententia) del juez. El magistrado pues, se
inhibe de juzgar, y sus facultades (iurisdictio) se limitan a determinar el contenido del litigio y
garantizar el cumplimiento de la posterior sentencia; el iudex en cambio, ejerce la iudicatio, que
consiste en resolver la contienda al tenor de las pruebas. Que la acción es concreta o típica significa
que a cada litigio corresponde una acción: la jurisprudencia o el Edicto ofrecen modelos de
reclamaciones, pero éstos son adaptados durante la fase in iure, para que reflejen de la manera más
exacta el contenido actual de la controversia. Precisamente, las actuaciones ante el magistrado tienen
como finalidad principal el determinar cuál es el contexto exacto de la acción; el documento que
recoge estos términos, llamado formula, constituye el único principio vinculante para el juez privado,
quien deberá atenerse a las instrucciones en él contenidas si pretende que el iudicatum pueda tener
eficacia ejecutiva (SAMPER, 1993, p. 48).
37
21
Embora uma corrente de romanistas admita a existência da litis contestatio no período das legis
actiones (Pugliese, Il processo civile romano,1º v., p. 390), a função por ela desempenhada aparece
mais compreensível no momento da introdução do processo formulário, com a bipartição da relação
processual entre procedimento in jure e apud judicium, quando a litis contestario passa a
corresponder ao ato de encerramento da primeira fase do processo, desenvolvida perante o pretor.
(SILVA, 1996, p. 72)
40
22
A partir do século V a C., com a expulsão dos reis e o advento da república romana, aboliu-se o
sistema rígido das legis actiones e a função de árbitro (judex) foi exercida pelos peritos que se
notabilizaram como juristas, surgindo a figura dos jurisconsultos (convocadores do povo para
deliberar sobre projetos de lei) e do pretor, nomeado pelo governo (magistrado), que, por via dos
éditos (um programa publico de critérios de aplicar o direito vigente), exercia funções jurisdicionais de
fornecer a fórmula ao árbitro (instrumento redigido pelo próprio Pretor) que continha o resumo,
limites e o objeto da demanda (litiscontestatio), o nome do árbitro livremente escolhido pelos
demandantes e o compromisso a ser assinado pelo árbitro e pelos litigantes de seguirem os termos
da fórmula e de os litigantes obedecerem a decisão (sentença) a ser proferida pelo árbitro. (LEAL,
2009, p. 25) (grifo nosso)
23
Em el perído formulário, la litis contestatio coincide com el momento em que, mediante el decreto
del pretor que emite la fórmula y la aceptación de ésta por parte de los litigantes, se establecen
precisamente los términos fundamentales en que habrá de desarrolharse el judicio; lo cual se
realizaba, en el procedimiento de la legis actiones, mediante la solemne invocación de los testigos.
Con la diferencia, naturalmente, de que en la litis contestatio del procedimiento formulario no hay ya
foirmas solemnes ni la solemne invocación de los testigos. (SCIALOJA, 1954, p. 87-88)
41
24 A fórmula foi uma criação espetacular. Era uma espécie de decreto pretoriano, em forma de carta
dirigida ao juiz, resumindo a causa, estabelecendo os limites subjetivos e objetivos da lide processual,
indicando as provas a serem produzidas. Ao gerar uma decisão revestida da coisa julgada material,
sem decisão de mérito, funcionava como um relatório definitivo. Quem julgava a causa era o juiz ou o
árbitro, resolvendo-se a fórmula. Com o processo formular o pretor passa a se impor para resolver
com eqüidade os casos concretos, antes submetidos ao rigorismo das formalidades. É um processo
mais rápido, menos formalista e escrito. (MACIEL. Disponível:
http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=156. Acesso: 12 abr. 2011)
42
25
Logo em 17 a . C., Augusto reorganiza o sistema processual do ordo iudiciorum privatorum, então
em vigor, ao promulgar a lex Julia privatorum. O detido exame das fontes referentes a essa lei, que,
como se sabe, introduziu em definitivo o processo per fomulas, em substituição àquele das legis
actiones, levou Palazzolo a convencer-se de que a finalidade última de tal reforma foi tão-só a de
racionalizar o regramento processual vigente, mas certamente o desejo de tolher do arbítrio do pretor
o maior número possível de controvérsias, incluídas, de modo especial, aquelas que se fundavam nas
normas do ius honorarium (TUCCI, 1987, p. 27).
26
[...] É o período da ordo judiciorum privatorum, ou ordem dos processos privado, posto que tudo
se passa entre os particulares sem a presença efetiva do Estado, verdadeira justiça privada. (LUIZ,
1999, p. 84) (grifo nosso).
43
27
Segundo José Eduardo Carreira Alvim “[...] o jurista alemão não criou o conceito de relação jurídica
processual, vez que a intuição da relação jurídica processual, de resto, já se encontra em textos de
Búlgaro (iudicium est actum trium personarum: iudicis, actoris et rei). O mérito de Bulow foi o de ter
sistematizado a relação processual (2005, p. 164). Veja-se, no entanto, que a relação processual de
que Búlgaro aproxima-se mais da relação privada, porque, na tradução que o próprio Carreira Alvim
oferece para a célebre afirmativa de Búlgaro, “Juízo (processo) é ato de três pessoas: juiz, autor e
réu” (2004, p 164), fica clara a alusão a um “ato” (e nenhuma referencia à relação jurídica
propriamente dita) – o que implica que o processo teria uma origem contratual, em posição oposta à
defendida por Bulow. (LEAL, 2008, p. 38-39)
46
28
Embora Bülow deixe claro em sua obra (ainda que em breves notas de rodapé) que buscou
inspiração na máxima de Búlgaro (jurista italiano do século XII): “judicium est actum trium
personarum: judicis, actoris e rei” (o processo é ato de três personagens: do juiz, do autor e do réu)),
é na obra de Bethamann-Hollweg (Der Civilprozess Rechets in geschichtlicher Entwicklung, 1864-
1874) – “O processo civil do direito comum em seu desenvolvimento histórico”), não resta dúvida de
que foi também fortemente influenciado pelas teses de Bernhard Windcheid, que em sua obra
publicada em 1856 – Die Actio des ro:mischen Zivilrechts von Standpunkte des heutigen Rechts (“A
ação do Direito Romano do ponto de vista do direito civil), possibilitou a conciliação de uma
determinada noção de direito subjetivo (prerrogativa sobre a conduta alheia) com a de processo,
restando, portanto, a Bulow apenas a estruturação da teoria da relação processual. (AGUIAR;
COSTA; SOUZA; TEIXEIRA, 2005, p. 23-24)
29
[...] desde que los derechos y las obligaciones procesales se dan entre los funcionários del Estado y
los ciudadanos, desde que se trat en el proceso de la función de los oficiales públicos y desde que,
también, a las partes se las torna em cuenta unicamente em el aspecto de su vinculación com la
actividad judicial, esa relacións pertence, con toda evidencia ao derecho publico y el proceso resulta,
por tanto, una relacións juridica publica. (BULOW, 1964, p. 2)
30
Segundo Bülow, a exceção teve origem na exceptio dos romanos. Em Roma, no entanto, a
exceptio referia-se aos limites da argumentação de defesa do réu ou, dito de outra forma, dizia
respeito à articulação fático-jurídica de que o réu poderia se utilizar para evitar que o autor fosse
vitorioso no conflito concernente à relação jurídica privada encaminhado ao magistrado para
resolução. (LEAL, 2008, p. 40)
47
[...[ a lei vai do comando abstrato (lex generalis) ao concreto (lex specialis
contida na sentença) e finalmente à realização deste (execução), tudo isso
significando que o direito (não só o subjetivo, como também o objetivo)
sofre uma fundamental transformação através do processo (DINAMARCO,
2002, p. 46)
31
Según lo dicho, no puede ya pensarse que el complejo de pressupuestos procesales debe ser
mirado desde el punto de vista de las excepciones procesales, como há ocurrudi siempre hasta
ahora. Todo el supuesto de hecho de la relación procesal encuentra tan poco lugar en el concepto de
exceptio com el de relacións material y aún mucho menos. Todavia se quiere permanecer aferrado a
la teoria de las excepciones procesales, de modo que sólo queda eligir e ampliar el concepto de
excepcións a todo lo que el demandado diga ocasionalmente ante el tribunal, en vez de restringirlo a
lo que debe decir y probar ante el mismo, o afirmar que no se da validez alguna a las prescripciones
procesales, ni nulidad del proceso a causa de la transgresión del derecho procesal. Em pocas
palabras, o una nocion ridicula de exceptio o proceso contratual puro, es el precio que se puede
pagar nada más que por el mantemiento de las exceciones procesales. (BULOW, 1964, p. 294)
51
32
No que diz respeito aos pressupostos processuais (elementos constitutivos da relação processual),
Bulow os define como sendo aqueles requisitos imprescindíveis ao nascimento da relação processual
e que englobam os requisitos de admissibilidade e as exigências prévias para que se efetive a
relação processual inteira. Dizem respeito às pessoas, ao objeto (litígio) ao fato ou ato gerador (atos
necessários à formação da relação processual), à capacidade e legitimação para praticar tais atos
[...]. (AGUIAR; COSTA; SOUZA; TEIXEIRA, 2005, p. 26-27).
52
33
Mas o pensamento de Savigny evoluiu no sentido de procurar uma fusão entre o direito subjetivo e
o direito objetivo, quando então desenvolve uma teoria sobre o “direito de ação”, que foi construída
sob o perfil da violação dos direitos. Nessa perspectiva seria o próprio direito que, quando violado, se
modificaria e entraria em estado de defesa, transformando-se.
Da violação do direito nasceria uma relação entre ofendido e ofensor, cujo conteúdo seria a faculdade
de pedir uma reparação. Essa relação para Savigny se chama “direito de agir”, ou ação em sentido
substancial, que é diferente da ação em sentido formal, ou seja, da efetiva atividade do ofendido
mediante a qual ele faz valer o seu direito de agir, atividade que com suas condições e formas diz
respeito à teoria do processo. Com isso Savigny enraíza o direito de agir no sistema do direito
privado, desvinculando-o das formas processuais mutáveis e abandona a ação em sentido formal ao
direito público, sem todavia que a distinção signifique para ele a existência de um limite preciso e a
necessidade de observá-lo rigorosamente. Para Savigny, o processo e o direito de ação, concebido e
analisado em sua relação com o direito, são estreitamente coligados e devem ser deixados para
avaliação de cada um dos cultores de uma e outra disciplina, porque pertencem a um campo limítrofe
(ORESTANO, 1978, p. 33 apud MACIEL JUNIOR, 2006, p. 81-82).
34
O Movimento do Direito Livre, assim como a jurisprudência dos interesses e a sociologia jurídica
empírica, é a ramificação da doutrina do positivismo jurídico, que concebia o direito como um dado do
mundo exterior (fato sociológico) ou um dado do mundo interior (fato psicológico). (AGUIAR; COSTA;
SOUZA; TEIXEIRA, 2005, p. 46-47).
53
DIREITO PROCESSUAL
de Chiovenda, pode ser visto como o debate conduzido pelo juiz acerca das
questões fático-jurídicas que refletirão diretamente na atuação da vontade concreta
da lei.
A definição ou a formulação do direito a ser aplicado ao caso concreto sempre
foi alvo de profundos debates entre os estudiosos do processo. Em Bülow o juiz
encontrava-se livre em seu julgamento, podendo-se nortear pelo senso comum
jurídico, pelos costumes e, também, pelo seu senso de justiça quando da análise do
caso concreto. No Direito Romano, especificamente na primeira fase do processo
formular, o pretor romano era quem detinha a legitimidade para estabelecer a
fórmula e o direito mais adequado a ser aplicado ao caso concreto.
Em Chiovenda a atuação da vontade concreta de lei é o direito a ser aplicado
ao caso concreto, ou seja, em sua obra a atuação do juiz é regrada pelos contornos
da lei, não decorrente de uma interpretação ou compreensão livre do direito a ser
aplicado ao caso concreto. A atuação da vontade positiva da lei ocorre no momento
em que o juiz, através do processo, garante à parte autora um bem da vida mediante
o cumprimento e a aplicabilidade do disposto na lei. Em contrapartida, a atuação da
vontade negativa da lei advém da aplicabilidade de lei ao caso concreto para
reconhecer judicialmente que a parte autora não tem direito ao bem da vida
pretendido inicialmente, o que por conseguinte nos permite concluir que a atuação
da vontade concreta de lei no presente caso ocorrerá em favor do réu.
Nesse contexto, é plenamente possível afirmar que as proposições teóricas
trazidas por Chiovenda, no que tange à atuação da vontade concreta da lei visa
assegurar bilateralmente tanto o bem da vida pertencente ao autor quanto ao réu,
razão essa que justifica a distinção acima mencionada: atuação da vontade positiva
da lei e atuação da vontade negativa da lei.
Do estudo sistemático da obra do processualista italiano observa-se a sua
preocupação quanto à limitação e o controle da atividade jurisdicional35 no que tange
à atuação da vontade concreta da lei:
35
La jurisdicción puede ser definida como la función del Estádo que tiene por fin la actuación de la
voluntad concreta de la ley mediante la substitución, por la actividad de llos órganos públicos, de la
actividad de los particulares o de otros órganos público, sea al afirmar la existencia de la voluntad de
la ley, sea al hacerla prácticamente efectiva. (CHIOVENDA, 1940, p. 1-2). A jurisdição pode ser
definida como a função do Estado que tem por fim a atuação da vontade concreta da lei mediante a
substituição, pela atividade dos órgãos públicos, da atividade dos particulares ou de outros órgãos
públicos, seja para afirmar a existência da vontade da lei, seja para torna-la praticamente efetiva
(tradução livre).
57
[...] Outra coisa é considerar isso como mister do juiz, perigosa máxima que
pode encorajar as interpretações individuais e cerebrinas. Com desdobrada
razão podemos dizê-lo das doutrinas inspiradas no princípio da maior
liberdade do julgador (a chamada escola do direito livre) e que a
exageraram ao ponto de admitir um poder de correção da lei. Os juizes
rigorosamente fiéis a lei conferem aos cidadãos maior garantia e confiança
do que os farejadores de novidades em geral subjetivas e arbitrárias.
(CHIOVENDA, 2002-a, p. 63)
numa demanda nula o juiz, sobre não poder entrar no mérito, não pode sequer
examinar se existem os pressupostos processuais [...]” (CHIOVENDA, 2002-b, p.
383).
A constituição válida da demanda decorre da citação do ré. “O vício máximo
de uma demanda é a falta de comunicação ao réu” (CHIOVENDA, 2002-b, p. 383). A
ausência de regular comunicação do réu acarreta a inexistência da relação jurídica.
A demanda judicial regularmente constituída representa a oportunidade que
as partes têm de delimitar questões fáticas e jurídicas que permearão a construção
do mérito processual perante o juiz. É o momento em que o objeto do processo é
definido, vinculando o juiz quanto à análise do mérito, tendo em vista que o
magistrado não pode se pronunciar a favor ou contra as pessoas que não são
sujeitos da demanda; o juiz não pode conceder nem negar coisa diversa da
demanda e a causa petendi40 não pode ser unilateralmente alterada pelo julgador
(CHIOVENDA, 2002-b, p. 405-406). Ou seja, a demanda judicial é o pressuposto
lógico do mérito processual, que não é definido unilateralmente pelo magistrado,
cujo julgamento de mérito fica vinculado e adstrito ao que as partes alegaram em
juízo.
Temos uma intrínseca relação entre mérito processual e demanda judicial na
obra de Chiovenda. O juiz, ao exercer a jurisdição, não tem liberdade para formar o
seu convencimento desvinculado das questões postas pelas partes em juízo.
Significa dizer que a construção do mérito processual em Chiovenda decorre da
autoridade do juiz, regrada pelo principio da legalidade, cujos critérios para a análise
do mérito são jurídicos e vinculados aos fatos e fundamentos apresentados e
debatidos pelas partes no processo.
40
[...] Etimologicamente causa petendi significa ragione del domandare, titolo giuridico sul quale la
domanda si Fonda, comprendente “i fatti e gli elementi didiritto constituenti le ragioni della domanda”
(n. 4 art. 163): ma tale definizione, per la sua evidente genericità. È inidônea a descrivere, anche in
combinazione com il petitum, la realtà sostanziale che sta a base della domanda introduttiva ed, in
particolare, ad individuare modalità ed eventuali limite entro i quali il diritto a rapporto giuridico
sostanziale affermato entra a far parte della domanda, contribuendo, per ciò stesso, ad identificarla.
Non sembra inutile ricordare che l’elaborazione della nozione di causa petendi è stata fortemente
influenzata dallo sviluppo e dalla sucessiva contraposizione delle teorie, di origine germanica, della
sostanziazione e della individuazione: la prima, di più ântica concezione (che si ricollega al principio di
eventualità, cioè ad um’ida del processo como giudizio su uma serie di fatti), richiede che la domanda
debba indicare tutti rilevanti ed identifica la causa petendi nel compendio dei fatti costitutivi posti a
fondamento della domanda. La seconda richiede che la domanda specifichi il diritto sostanziale in
base al quale si chiede la tutela, assumendo essere compito del processo esclusivamente quello di
accertare l’esistenza od inesistenza del diritto, ed assegna allá causa petendi la funzione di
individuare soltanto il rapporto giuridico controverso (causa agendi próxima). (MONTESANO; ARIETA,
1996, p. 148).
60
41
[...] A relação processual é uma relação autônoma e complexa, pertencente ao direito público.
Autônoma, porque tem vida e condições próprias, independentes da existência da vontade concreta
da lei afirmada pelas partes, visto fundar-se sobre outra vontade da lei, quer dizer, sobre a norma que
obriga o juiz a pronunciar-se em referência a pedidos das partes, quaisquer que sejam:UMA COISA
É, POIS, A AÇÃO, OUTRA A RELAÇÃO PROCESSUAL: aquela compete à parte
61
[...] Ao juiz não é dado, efetivamente, entrar numa relação jurídica a que
faleçam condições de validez. Por essa razão, declara de oficio sua própria
incompetência; argúi de ofício sua própria incapacidade subjetiva;
manifesta de ofício sua própria capacidade subjetiva; manifesta de oficio a
incapacidade das partes; a falta das autorizações necessárias para
comparecer em juízo; a incapacidade de ser parte; a falta de procuração; a
carência do ius postulandi e assim por diante. (CHIOVENDA, 2002-b, p.
421-422).
42
Chiovenda é um exemplo. Ele diz que “objeto do processo é a vontade concreta da lei de cuja
existência e atuação se trata, bem como o poder de pedir a sua atuação, i.é, a ação”. A referência à
ação e sua inclusão no objeto do processo não só expressa essa postura mental diferente da dos
arautos do método que faz deste o centro, como ainda traz uma impropriedade: como pode a ação
como poder que é (ou direito público subjetivo, como muitos preferem), ser posta diante do juiz? a
ação não é um ato, ela se situa no plano das situações jurídicas. Melhor se expressou Chiovenda, em
outra passagem já citada, quando associou a demanda (ato inicial do exercício da ação) e não a ação
em si mesma ao conceito de mérito (DINAMARCO, 1987, p. 210).
62
43
Naturalmente, a realização do principio da oralidade comportava um abandono radical do velho
sistema, ou seja, do denominado “processo comum”, e isto significava evidentemente uma profunda
ruptura daquela unidade que havia nascido nos séculos da Idade Média e que, pelo menos em parte,
havia sobrevivido ao longo do século XVIII. Mas posto que o século passado foi um século
predominantemente inspirado, pelo menos na Europa, em movimentos ideológicos e políticos
nacionais e nacionalistas, a ruptura daquela unidade correspondia perfeitamente à tendência
dominante na ideologia e na política da época. Por outro lado, como já se teve ocasião de
demonstrar, a ruptura da antiga unidade, devida aos novos códigos e leis processuais inspirados em
critérios radicalmente novos foi-se convertendo sucessivamente em um fenômeno de tal modo
difundido e generalizado na Europa que se pode, hoje em dia, sustentar que, por meio daquela
ruptura, foi-se formando uma nova tendência para uma nova unidade. Isto quer dizer que as
legislações nacionais que, sucessivamente, acolheram o sistema processual oral foram sendo cada
vez mais numerosas, de modo que hoje em dia pode-se afirmar que representam a grande maioria
dos sistemas nacionais europeus. No principio da oralidade, inspiraram-se, com efeito, mais ou
menos terminantemente, ou, além dos dois códigos, alemão e austríaco, já lembrados, todos os
códigos europeus do nosso século, desde o código húngaro de 1º de janeiro de 1911, elaborado
principalmente por Alexandre Plóz, o dinamarquês, em vigor desde 1919; o norueguês em vigor
desde 1927; o polonês que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1933; o iuguslavo, de 13 de julho de
1939, que entrou em vigor entre 1933 e 1934 (quase literalmente modelado sobre o código austríaco)
– para chegar às leis mais recentes, como o código federal suíço de 1947 e o código sueco, em vigor
desde 1º de janeiro de 1948, assim como as leis processuais dos paises socialistas da Europa,
baseadas também fortemente no critério da relação imediata e oral do juiz com as partes e os outros
sujeitos do processo (CAPPELLETTI, 2001, p. 44-45).
63
CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS
44
O processo não é somente uma série de atos que devem se suceder numa determinada ordem
estabelecida pela lei (ordo procedendi), senão que é também, no cumprimento desses atos, um
ordenado alternar de várias pessoas (actus trium personarum), cada um a das quais, nessa série de
atos, deve atuar e falar no momento preciso, nem antes nem deposi, do mesmo modo que na
recitação de um drama cada ator tem que saber “entrar” a tempo para sua intervenção, ou numa
partida de xadrez têm os jogadores que se alternar com regularidade no movimento de suas peças.
Mas a dialeticidade do processo não consiste somente nisto: não é unicamente o se alternar, numa
ordem cronologicamente preestabelecida, de atos realizados por distintos sujeitos, senão que é a
concatenação lógica que vincula cada um desses atos ao que o precede e ao que o segue, o nexo
65
psicológico em virtude do qual cada ato que uma parte realiza no momento preciso, constitui uma
premissa e um estímulo para o ato que a contraparte poderá realizar imediatamente depois. O
processo é uma série de atos que se cruzam e se correspondem como os movimentos de um jogo:
de perguntas e respostas, de réplicas e contra-réplicas, de ações que provocam reações,
suscitadoras por sua parte de contra-reações. (CALAMANDREI, 1999-c, p. 225).
45
Para disciplinar a estrutura exterior de cada ato processual considerado por si mesmo, o direito
processual estabelece por quem pode ser cumprido cada ato (pelos órgãos judiciais ou pelas partes
ou por terceiros), que meios de expressão devem ser empregados (idioma oficial, art. 122 do C. p. c.;
forma escrita ou forma oral, exemplo, art. 180; publicidade ou segredo, exemplo, art. 128), que
condições de lugar (exemplo, art. 139 do C. p. c.) ou de tempo (exemplo, art. 147 do C. p. c.) devem
ser observadas para cada um deles. (CALAMANDREI, 1999-a, p. 259)
66
adotado tanto pelas partes quanto pelo juiz, no que diz respeito à busca de todos os
elementos, os fundamentos e a análise de todas as alegações fático-jurídicas que
orientarão a decisão a ser proferida ao final do procedimento pelo julgador. Nesse
sentido
[...] Também durante a fase preparatória o juiz dirige as partes e colabora
com elas; e também antes de chegar ao pronunciamento da providência de
mérito que irá por fim ao processo, pode ocorrer que tenha de tomar no
curso do processo providências de caráter – Arts. 176-187 – ordinário e
preparatório (ver art. 176, art. 187 etc.) que não fecham a série, mas que
se intercalam entre as atividades das partes, marcando outras tantas fases
internas, cada uma das quais constitui um passo em direção à providência
final. (CALAMANDREI, 1999-a, p. 260).
46
A denominação de “partes” com que, desde a terminologia jurídica latina, se indica às pessoas
entre as quais versa o litígio perante o juiz, é uma das palavras, freqüentes na linguagem processual,
cuja etimologia alude às origens primitivas do processo, concebido como uma luta legalizada a
presença de um árbitro neutro; se chamam “partes” os contendentes no processo, no mesmo sentido
em que se fala de partes em todos os caso em que há uma contraposição de adversários que
competem entre si para a obtenção de uma vitória: um duelo, em um torneio cavalheiroso, em uma
competição de ginástica, em uma luta política de partidos ou de frações. (CALAMANDREI, 1999-b, p.
226).
67
[...] Decorre desta observação a profunda diferença que se deve fazer entra
a relação substancial, que é o mérito da causa, isto é, o tema que o órgão
judicial põe diante de si como um evento histórico que já tem sido vivido
pelos contendentes antes e fora do processo; e a relação processual, que
se cria no mesmo momento em que as partes entram em relação com o
juiz e na qual juiz e partes atuam numa cooperação viva, na qual cada um
dos seus atos deve conformar-se a outros tantos preceitos jurídicos que o
direito processual dirige a cada um deles, momento a momento.
(CALAMANDREI, 1999-a, p. 276)
47
A ação pode ser concebida de conformidade com a teoria que consideramos hoje historicamente
preferível, como um direito subjetivo autônomo (isto é, tal que pode existir por si mesmo,
independentemente da existência de um direito subjetivo substancial) e concreto (isto é, dirigido a
obter uma determinada providência jurisdicional, favorável à petição do reclamante. (CALAMANDREI,
1999-a, p. 206).
68
[...] com o fim de que o órgão judicial possa chegar a aplicar o direito
substancial, isto é, a prover sobre o mérito, é necessário que antes as
atividades processuais tenham se desenvolvido de conformidade com o
direito processual. Somente se o processo se desenvolve regularmente,
isto é, segundo as prescrições ditadas pelo direito processual, o juiz
poderá, como se diz, “entrar no mérito”; se, vice-versa, tais prescrições não
têm sido observadas, as inobservâncias de direito processual, quando
sejam de uma certa gravidade, constituirão – Caráter instrumental do
processo – um impedimento para a decisão de mérito (“litis ingressum
impedientes”). [...] a investigação do juiz sobre a relação substancial não
acontece senão através de um processo regularmente constituído.
(CALAMANDREI, 1999-a, p. 277).
48
La contraposición de los errores in judicando a los errores in procedento, dice Beling, parte de uma
supuesta diversidad entre dos especies de normas jurídicas que el juez, al ejercitar su actividad en el
proceso, podría violar: unas serían normas de derecho procesal, destinadas a indicar al juez el modo
de regular su conducta durante el proceso (in procedendo); otras serían normas, por lo general de
derecho substancial, destinadas a ser aplicadas en la sentencia para la decisión de la relación
litigiosa de mérito (in iudicando). (CALAMANDREI, 1945, p. 165).
69
49
O estudo da composição do processo engloba não somente os elementos da lide e do processo,
propriamente dito, mas também o conhecimento das relações entre processo e litígio. (PACHECO;
MAGALHÃES; FONSEÇA, 2004, p. 155).
73
50
Mas, o que há de se entender por composição justa do litígio? Já observei que a justiça é a
conformidade com uma regra (supra, nº 7). Por conseguinte, a composição será justa quando for
conforme à regra que no processo se tende a aplicar e, por isso, conforme os casos, quando seja
conforme o Direito ou à equidade. Por outro lado, a conformidade com a regra é, por sua vez, um
juízo; por isso, a composição será justa enquanto seja julgada como tal, distinguindo-se, nesse
sentido, da justiça individual e a social (CARNELUTTI, 2000-a, p. 372)
51
Como já asseverado por Carnelutti, o destino do processo para a composição da lide expressou-se
já metaforicamente várias vezes como “relação de continente a conteúdo” (Carnelutti, v. 2, 2000, p.
797). Esta metáfora está na base da continência do processo, que é uma fórmula para expressar tal
relação: o processo contém aquela quantidade de litígio que serve para compor (Carnelutti, v. 2,
2000, p. 797). (PACHECO; MAGALHÃES; FONSEÇA, 2004, p. 155-156).
52
[...] a composição do litígio não é um fim em si mesmo, e sim um meio para a proveitosa
conveniência social. E esta eficácia sua pode se explicar de dois modos: enquanto a composição se
extinga, dentro do possível, a aversão entra os litigantes, que contém um gene anti-social e,
enquanto, por meio do exemplo, induza a outros litigantes à composição espontânea de conflitos
análogos. É evidente que esta influência sedativa e difusora da composição não pode se exercer em
si e por si, e sim apenas enquanto seja idônea para satisfazer a necessidade da justiça.
(CARNELUTTI, 2000-a, p. 371)
74
juiz. O litígio deve ser visto na obra de Carnelutti como o pressuposto do processo,
ou seja, “[...] um processo sem litígio é como uma tela sem moldura” (CARNELUTTI,
2000-b, p. 25).
Não há atividade jurisdicional sem lide, considerando-se a lide como um
fenômeno extraprocessual, metaprocessual e metajurídico que é delimitada quando
da propositura da ação, ou seja, trata-se de uma porção do conflito sociológico que
ingressa no mundo do processo. “O conflito e interesses se converte em litígio em
virtude de uma atitude específica das partes, uma das quais pretende, enquanto a
outra resiste à pretensão” (CARNELUTTI, 2000-b, p. 30). A pretensão decorre da
subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio, ou seja, a
dialeticidade53 da relação litigiosa é considerada o fundamento norteador ao
entendimento da lide enquanto pressuposto da relação processual. Quando o titular
do interesse oposto se subordina ao interesse próprio, a pretensão foi suficiente
para resolver o conflito; quando isso não acontece instala-se o litígio. È nesse
ínterim que esclarece Carnelutti que ao conflito de interesses, quando efetivado com
a pretensão ou com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda, ou mesmo de
controvérsia, mas que lhe pareceu mais conveniente e adequado aos usos da
linguagem o de lide (CARNELUTTI, 2006, p. 102) – que, por sua vez, foi apropriado
em grande parte nas proposições teóricas desenvolvidas por Enrico Tullio Liebman.
O desenvolvimento de toda teoria do processo em Carnelutti decorre do
entendimento da lide enquanto um conflito intersubjetivo de interesses qualificado
por uma pretensão resistida. A composição imediata do conflito de interesses dar-se-
ia através das normas materiais, ao passo que a composição mediata far-se-ia com
o uso de normas instrumentais que atribuem ao juiz o poder para a composição do
conflito. Os reflexos de tais proposições teóricas encontram-se na exposição de
motivos do Código de Processo Civil de 1973, em que Alfredo Buzaid utiliza-se da
palavra lide para designar o mérito da causa. È nesse sentido que Cândido Rangel
Dinamarco afirma que para Carnelutti o mérito da lide significa um complexo das
questões materiais que a lide apresenta (DINAMARCO, 1986).
53
É evidente que a apresentação da demanda em juízo sempre se faz, de parte a parte, do ponto de
vista do interesse pessoal. Nenhuma das partes, em são consciência, irá desenvolver suas
argumentações pondo em destaque os pontos que favorecem ou que possam favorecer o seu
adversário. A lide é, portanto, uma realidade técnica, intra-autos, por isso mesmo que o magistrado
compõe o litígio mediante a busca da verdade formal. (VIEIRA, 2002, p. 61).
76
55
A ação seria, então, direito ao cumprimento dos atos em que se resolve a tutela jurídica [...]. Não
seria direito contra o Estado (Ofício) mas contra o Oficial [...]. Resolve-se em Carnelutti o problema da
ação em que a sujeição da parte, quando sucumbente, não é ao direito da outra, mas ao poder que o
reconheça [...]. O reverso desse direito seria a obrigação do funcionário. [...] Assim declinou Carnelutti
a novidade de seu direito de ação contra o juiz (não contra o juízo). (VIEIRA, 2002, p. 48-49)
79
Buzaid, Moacir Amaral dos Santos, José Frederico Marques, Cândido Rangel
Dinamarco e Kazuo Watanabe. A repercussão das proposições liebmanianas no
Brasil pode ser claramente percebida no Código de Processo Civil de 1973,
especificamente no que tange às condições da ação, ao julgamento antecipado da
lide (art. 330 CPC), a compreensão do instituto da coisa julgada a partir da ideologia
da imutabilidade e da indiscutibilidade da decisão judicial. Visando ressaltar a
influência das teorias de Liebman sobre o processo civil brasileiro Cândido Rangel
Dinamarco ressalta que
56
Julgar quer dizer valorar um fato do passado como justo ou injusto, como lícito ou ilícito, segundo o
critério do juízo fornecido pelo direito vigente, e enunciar em conseqüência a regra jurídica concreta
destinada a valer como disciplina do fato típico em exame (Caio deve mil a Tício; Semprônio está
condenado à reclusão). A operação lógica do juízo pode ser feita de quem quer que seja, dotado da
necessária cognição e dará lugar a um parecer, uma opinião; mas apenas a que advém do juiz e é
expressa numa sentença tem um conteúdo vinculativo e uma eficácia vinculante. Mediante a
execução forçada, por sua vez, os órgãos judiciários dão atuação prática efetiva àquilo que a lei
dispõe para o caso singular em concreto. (LIEBMAN, 2003, p. 23)
57
O juiz como intérprete qualificado da vontade da lei não significa que “ele possa atribuir à norma
conteúdos conforme à sua preferência subjetiva e arbitrária; pelo contrário, ele deve se esforçar para
exprimir as exigências e os valores da sociedade de seu tempo. O fim último da sua atividade é a
justiça e, com ela e por meio dela, a paz social” (LIEBMAN, 2003, p. 24)
81
58
[...] Entendendo por jurisdição a atividade do poder judiciário, destinada a realizar a justiça
mediante a aplicação do direito objetivo às relações humanas intersubjetivas, no processo de
cognição somente a sentença que decide a lide tem plenamente natureza de ato jurisdicional, no
sentido mais próprio e restrito. Todas as outras decisões tem caráter preparatório e auxiliar: não só as
que conhecem dos pressupostos processuais, como também as que conhecem das condições da
ação e que, portanto, verificam se a lide tem os requisitos para poder ser decidida. Recusar o
julgamento ou reconhece-lo possível não é ainda, propriamente, julgar: são atividades que por si
próprias nada tem de jurisdicionais e adquirem esse caráter só por serem uma premissa necessária
para o exercício da verdadeira jurisdição. A ordem jurídica tende com a jurisdição ao fim de realizar-
se praticamente. Esse fim é conseguido pela decisão de mérito, não pelo exame da existência das
condições para que ela possa ser proferida. Nessa fase preparatória o processo funciona, em certo
sentido, como um filtro para evitar que haja exercício de jurisdição quando faltam os requisitos que a
lei considera indispensáveis para que se possam alcançar resultados satisfatórios. (LIEBMAN, 2001,
p. 109)
82
59
“O processo é feito para dar razão a quem a tem; mas exatamente por isso no processo é garantida
a ambas as partes a possibilidade de defender as próprias razões e de lutar com armas iguais para
fazê-las triunfar” (LIEBMAN, 2003, p. 49).
60
Falar em decisão evoca desde logo, na mente do processualista, a função jurisdicional e
especificamente o processo de conhecimento. [...] Embora a decisão não constitua exclusividade da
jurisdição, nem a jurisdição só se exerça decidindo, tão importante é o momento decisório na
caracterização desta (nas origens, foi somente judicium), que é muito comum confundi-la com a
função cognitiva e identifica-la nesta. Constitui bem uma expressiva manifestação desse pensamento
arraigado na mente dos juristas a indicação da sentença (de mérito) como “ato jurisdicional magno”,
ou seja, “aquele em que a função jurisdicional realiza a sua função mais nobre e significativa.
(DINAMARCO, 1996, p. 90-91).
83
61
As partes têm direitos subjetivos processuais que consistem em “poderes que a lei lhes reconhece
de provocar a atividade judicial e de determinar que ela se desenvolva numa ou noutra direção”
(LIEBMAN, 2003, p. 49). “Esses direitos subjetivos são abstratos, ou seja, tem por objeto a atividade
do juiz, o resultado favorável ou desfavorável desta atividade, que dependerá por sua vez da
convicção do juiz sobre a existência ou não de fundamento das razoes de uma e da outra parte e,
portanto, de seu julgamento do mérito da causa” (LIEBMAN, 2003, p. 49).
62
É sabido que Carnelutti atribui ao conceito de lide uma importância teórica e sistemática
fundamental tendo, assim, posto muito cuidado em dar-lhe uma conceituação exata, eis, pois, sua
definição: lide é o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela
resistência do outro. A lide, assim conceituada, desdobra-se em duas subespécies: uma que é
caracterizada pela contestação da pretensão de um dos interessados e a outra pela simples
insatisfação daquela pretensão. Deve ficar bem claro que a lide, assim bem entendida, se distingue
rigorosamente do processo, sendo que este constitui o continente e aquela o conteúdo. Por outro
lado, a lide também não deve ser confundida com a antiga noção de controvérsia, produto das
afirmações contraditórias de duas pessoas: para Carnelutti a divergência de afirmações, o contraste
de vontades, representa apenas o sintoma, a manifestação visível, o elemento formal enfim da
matéria viva constituída pelo conflito de interesses efetivos e concretos, interesses de dois sujeitos
que pretendem satisfazer suas necessidades de conteúdo econômico, moral ou psicológico por meio
de um bem e por isso lutam para subordinar o interesse alheio ao interesse público (LIEBMAN, 2001,
p. 95).
84
63
Lide é, portanto, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é
convidado a decidir. Assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na teoria
85
do processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito da causa. Julgar a lide
e julgar o mérito são expressões sinônimas que se referem à decisão do pedido do autor para julga-lo
procedente ou improcedente e, por conseguinte, conceder ou negar a providência requerida
(LIEBMAN, 2001, p. 103).
64 [...] o juiz está ligado e limitado em seus poderes por essa escolha do autor: ele não pode de ofício
compor o conflito na forma que achar mais apropriada e sim se limitar a concordar, ou não, com a
solução que lhe foi apresentada. A lei dá ao autor a liberdade, a iniciativa e a responsabilidade da
escolha no modo de resolver a controvérsia, exigindo dele a indicação da forma concreta e
determinada de tutela que pretende conseguir para satisfação de seu interesse. A tarefa do juiz é
unicamente decidir se a solução proposta é conforme ou não com o direito vigente. (LIEBMAN, 2001,
P. 98-99).
65
Fixado desse modo o conceito de mérito é claro que todas as questões por ele não abrangidas
constituem questões prévias, cujo exame pode levar a uma destas duas conseqüências: ou à
continuação do processo para o julgamento do mérito, ou à terminação do processo sem
conhecimento do mérito (absolvição da instância em sentido amplo). [...] A lei estabelece, porém,
algumas regras, cuja observância é necessária para que o processo se realize com as devidas
garantias de imparcialidade, eficiência, ordem, respeito ao direito dos terceiro e assim por diante. A
86
67
A profundidade com que a idéia do processo como “relação jurídica” arraigou-se na ciência do
Direito Processual Civil pode ser apreendida na exposição de CÂNDIDO R. DINAMARCO:”A doutrina
da relação jurídica processual nasceu na Alemanha há pouco mais de um século e tem hoje ampla
aceitação em toda a literatura do mundo romano-germânico. Embora a idéia já andasse pela doutrina
do processo, dela não se tinha senão mera intuição e foi apenas no século passado que se observou
a sua existência – ressaltando-se que se trata de relação nitidamente distinta da de direito
substancial, da qual difere, em seus pressupostos, em seu objeto e em seus sujeitos” (GONÇALVES,
2001, p. 71).
88
68
Abbiamo rilevato la natura della quale valore; qui accenniamo allá su strutura, Sul piano lógico-
formale la norma consiste nel cânone di valutazione di uma condotta, il qualer si articola: nella
descrizione Del comportamento, o atoot che dir si voglia (in essa sono i9ndicati i vari elementi, o
requisiti, dell’atto; nel collegamento all’atto di uma delle qualifiche di lecito e di doveroso (FAZZALARI,
1996, p. 46-47)
69
A distinção entre elas se mantém pelo conteúdo que comportam, e não pela referibilidade a
qualquer hierarquia, pois enquanto as normas materiais se destinam a valorar a conduta,
qualificando-as como lícita e como ilícita, tendo como matéria as situações jurídicas de que decorrem
direitos e deveres, as normas processuais disciplinam a jurisdição: o exercício da função jurisdicional
e o instrumento pelo qual se manifesta o processo. (GONÇALVES, 2001, p. 49-50).
89
70
A norma jurídica, do ponto de vista de sua estrutura lógica, é contemplada não apenas como
“cânone de valoração de uma conduta”, isto é, como regra vinculante e exclusiva que expressa os
valores da sociedade, mas também em relação à conduta por ela descrita, a que se liga a valoração
normativa. Sendo o ato sinônimo de conduta (que tem no comportamento o seu conteúdo), dessa
valoração resulta a qualificação do ato jurídico como lícito (o uso do próprio bem), ou como devido. A
posição do sujeito em relação à norma permite falar em posição subjetiva, ou posição jurídica
subjetiva, e qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever,
se é valorada como devida (GONÇALVES, 2001, p. 106).
71
[...] o procedimento se verifica quando se está de frente a uma série de normas, cada uma das
quais reguladora de uma determinada conduta (qualificando-a como lícita ou obrigatória), mas que
enunciam como condição da sua incidência o cumprimento de uma atividade regulada por outra
norma da série, e assim por diante, até a norma reguladora de um ato final. (FAZZALARI, 2006, p.
93).
90
72
Já se disse que os provimentos são – quanto ao seu conteúdo, emanações de vontade dos órgãos
públicos, os quais, por sua vez, pertencem ao gênero mais amplo no qual estão compreendidas,
como espécies distintas em razão da peculiaridade da disciplina, também as vontades de direito
privado (ou seja, os negócios jurídicos) (FAZZALARI, 2006, p. 443).
91
73
O provimento implica na conclusão de um procedimento, pois a lei não reconhece sua validade, se
não é precedido das atividades preparatórias que ela estabelece. Mas o provimento pode ser como
ato final do procedimento não apenas porque este se esgota na preparação de seu advento. Pode ser
concebido como parte do procedimento, como seu ato final, como o último ato de sua estrutura. É na
possibilidade de se enuclearem os provimentos, em conjunto, segundo esta ótica, pela qual eles são
o próprio ato final do procedimento, que FAZZALARI encontra a perspectiva própria para o estudo do
processo (GONÇALVES, 2001, p. 112).
74
A orientação ainda dominante gira, porém, em torno da convicção de que o processo e
procedimento pertencem ao mesmo gênero. Isso não só sob o perfil extrínseco, enquanto se trata de
esquemas que se resolvem ambos em uma sucessão ordenada de atos, mas também sob o perfil
intrínseco, enquanto obedeceriam ambos a um mesmo tipo de racionalidade. Nesse quadro, não se
pode negar que o contraditório não representa uma necessidade “imanente” ao processo, porque não
diz respeito diretamente ao momento fundamental do juízo. A sua função se exaure no garantir às
partes a “paridade de armas” através de uma contraposição mecânica de teses e assim, em última
análise, em um instrumento de luta. Voltam à mente as analogias entre jogo e processo, que implicam
a reconstrução do contraditório como princípio lógico-formal (PICARDI, 2008, p. 141-142).
92
75
A situação que o legitima a emanar o provimento jurisdicional (e legitima as partes a recebê-lo) é
constituída não somente pela “situação substancial” – em sede civil: dever, direito, lesão, -0 mas
também, e previamente, pela regularidade do processo desenvolvido, isto é, dos atos processuais
criados até o momento. Por isso deve enfrentar, além das imprescindíveis “questões de mérito” (nos
seus componentes de fato e de direito), também, e em primeiro lugar, aquelas de “rito” (obviamente,
mesmo quando elas se refiram ao fato ou ao direito) se existem (poderá, em verdade, dar-se que não
tenham sido levantadas questões processuais, nem o juiz se dê conta de suscita-las de ofício, ou
mesmo que elas tenham sido já resolvidas no meio tempo: por exemplo, tendo a Corte de Cassação
sentenciado em matéria de regulamento de jurisdição que o juiz de quo é competente), e, afinal,
declarará estar legitimado ao provimento jurisdicional, o juiz a emanará (legitimação ativa ao
provimento) e as partes se submeterão (legitimação passiva ao provimento); se, entretanto, no final
ou no curso da cognição de que estamos falando, o juiz constatar não possuir aquela legitimação,
deverá rejeitar a demanda (Como já dito e como ainda veremos, o provimento de rejeição não é
jurisdicional em sentido estrito, mas sim de rito: constitui a recusa a emitir o provimento, isto é, de
condenar, ou declarar, ou constituir) (FAZZALARI, 2006, p. 442-443).
93
pelo juiz. “O juiz deve, pois, individuar e interpretar a norma jurídica substancial [...],
aplicá-la aos fatos verificados e deduzir as conseqüências. [...] É esse, como se
disse, o chamado juízo de direito” (FAZZALARI, 2006, p. 462-463). A interpretação
da norma a ser aplicada no julgamento do mérito da demanda pressupõe a
determinação da fatispécie legal, ou seja, da situação através da qual se dá a
valoração de um comportamento que viabilizará o juízo de direito, assim como o juiz
deverá se ater à análise da individuação do comportamento descrito pela norma.
Qualquer intérprete que exorbita o seu dever de apreender a norma se coloca fora e
contra o ordenamento constitucional italiano, que preza pelo controle da legalidade
no exercício da atividade jurisdicional (FAZZALARI, 2006, p. 481).
No direito processual civil italiano a situação substancial (que nada mais é do
que a situação de direito material que será discutida no decorrer do processo, e
decidida no ato final do provimento, ou seja, trata-se do direito subjetivo pretendido,
considerado como a posição de vantagem de um sujeito em relação a um
determinado bem) não é considerada condição prévia para a instauração do
processo jurisdicional, “pois a lei processual requer a exposição do pedido, mas não
a exposição dos fatos e do direito como condição para o processo, podendo ela ser
feita em fase posterior a sua inauguração” (GONÇALVES, 2001, p. 157). “O juiz
deve limitar-se a recusar a demanda por falta de pressuposto substancial da
pronúncia jurisdicional, o que não significa declarar ilícita a conduta não disciplinada
no ordenamento: a sentença de rejeição é pronúncia de rito e não de mérito”
(FAZZALARI, 2006, p. 479-480). Fica clara a distinção proposta por Fazzalari: a
análise do mérito processual não ocorrerá sempre que a parte autora deixar de
demonstrar a sua legitimação76 (titularidade do Direito Subjetivo = posição de
vantagem de um sujeito com relação a um bem) na construção participada do
provimento mediante a implementação efetiva do contraditório. A ausência de
legitimação para o provimento decorrerá da não demonstração da situação
substancial, o que ensejará uma sentença de rejeição da demanda, não considerada
para Fazzalari uma sentença de mérito (o pressuposto para a sentença de mérito é a
existência, a análise e o debate processual da situação substancial = Direito
76
FAZZALARI resolveu a questão distinguindo a legittimazione ad agire e a legittimazione al
provvedimento. Esta última não ocorrerá no caso em que se constata a inexistência do dever e, ou,
direito subjetivo (ou que o autor e o réu não são, respectivamente, titulares do direito e do dever) e,
conseqüentemente, da lesão ao direito. Entretanto, o processo existiu, como existiu a ação, como
série de posições subjetivas das partes que o acompanha do princípio até o momento do provimento
(GONÇALVES, 2001, p. 160).
94
77
Como exposto, FAZZALARI caracterizou os provimentos como atos imperativos do Estado,
emanados dos órgãos que exercem o poder, nas funções legislativa, administrativa ou jurisdicional. O
procedimento, como atividade preparatória do provimento, possui sua especifica estrutura
constituída da seqüência de normas, atos e posições subjetivas, em uma determinada conexão, em
que o cumprimento de uma norma da seqüência é pressuposto da incidência de outra norma e da
validade do ato nela previsto (GONÇALVES, 2001, p. 111-112).
78
Tale struttura consiste nela partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale allá fase
preparatória del medesimo; nella simmetrica parità delle lo posizioni. (FAZZALARI, 1996, p. 83).
79
O contraditório é a garantia da participação das partes, em simétrica igualdade, no processo, e é
garantia das partes porque o jogo de contradição é delas, os interesses divergentes são delas, são
elas “os interessados e os contra-interessados” na expressão de FAZZALARI, enquanto, dentre todos
os sujeitos do processo, são os únicos destinatários do provimento final, são os únicos sujeitos do
processo que terão os efeitos do provimento atingindo a universalidade de seus direitos, ou seja,
interferindo imperativamente em seu patrimônio. O contraditório não é o “dizer” e o “contradizer” sobre
matéria controvertida, não é a discussão que se trava no processo sobre a relação de direito material,
não é a polêmica que se desenvolve em torno dos interesses divergentes sobre o conteúdo do ato
final. Essa será a sua matéria, o seu conteúdo possível. O contraditório é a igualdade de
oportunidade no processo, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade de
todos perante a lei. É essa igualdade de oportunidade que compõe a essência do contraditório
enquanto garantia de simétrica paridade de participação no processo (GONÇALVES, 2001, p. 127).
95
passa entre elas, elas são as detentoras de interesses que serão atingidos pelo
provimento” (GONÇALVES, 2001, p. 121). Mesmo não tendo interesse direto na
demanda, o juiz é o responsável pela construção, em conjunto com as partes
legitimadas ao provimento, do mérito processual. Não se pode deixar de ressaltar
que a noção de mérito processual em Fazzalari decorre do entendimento do autor
acerca do Direito Subjetivo, considerado o norte do debate da demanda judicial.
MÉRITO PROCESSUAL
80 Artigo 39 do Código de Processo Civil brasileiro de 1939: Ordenada a citação, ficará suspenso o
curso da lide.§ 1º A citação do alienante far-se-á:a) quando residente na mesma comarca, dentro de
oito (8) dias, contados do respectivo despacho;b) quando residente em comarca diversa, ou em lugar
incerto, dentro de trinta (30) dias.(grifo nosso). § 2º Se a citação não se fizer no prazo marcado, a
acção prosseguirá contra o réu, não lhe assistindo, em caso de má fé, direito a ação regressiva contra
o alienante. BRASIL. Decreto-lei 1608, de 18 de setembro de 1939. Disponível:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12170. Acesso: 01 mai. 2012.
81
Art. 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das
questões decididas BRASIL. Decreto-lei 1608, de 18 de setembro de 1939. Disponível:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12170. Acesso: 01 mai. 2012.
82
Art. 684. Quando a medida fôr preparatória, será proposta por meio de petição escrita, que
indicará:IV – o objeto da lide principal e as razões que a determinam. BRASIL. Decreto-lei 1608, de
18 de setembro de 1939. Disponível:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12170. Acesso: 01 mai. 2012.
83 Art. 687. As medidas preventivas só terão eficácia enquanto pendente a ação, podendo ser
revogadas ou modificadas.§ 2º Se a sentença que resolver a lide transitar em julgado, cessará de
pleno direito a eficácia da medida, embora não expressamente revogada. BRASIL. Decreto-lei 1608,
de 18 de setembro de 1939. Disponível:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12170. Acesso: 01 mai. 2012.
96
84
Deixa-se claro, contudo, que a defesa de mérito direta não se dirige apenas contra o fato alegado,
podendo também se voltar contra o efeito jurídico que o autor deseja retirar desse fato. De modo que
o réu pode simplesmente contestar o fato constitutivo, mas também negar o efeito jurídico que o autor
pretende extrair do fato afirmado, sendo que em ambas as hipóteses estará exercendo defesa de
mérito direta (MARINONI, 2006, p. 324).
85
Contudo, o réu pode, adotando o principio da eventualidade, articular defesa de mérito indireta –
em que o fato constitutivo poderia ser dito “implicitamente aceito” – e, ao mesmo tempo, apresentar
defesa de mérito direta – negando expressamente o fato constitutivo. Nesse caso, o fato
expressamente negado na defesa direta, considerando o principio da eventualidade, na realidade não
é admitido na indireta. O fato é sempre negado, afirmando-se que, na eventualidade de não ser
aceita a defesa indireta, deverá ser acolhida a direta, uma vez que a afirmação de fato do autor não é
verdadeira. Assim, por exemplo, o réu pode alegar que o crédito afirmado pelo autor, caso existisse,
estaria prescrito, situação em que o réu alega a prescrição (defesa indireta) mas não admite o fato
constitutivo (defesa direta) (MARINONI, 2006, p. 325).
98
86
Não há como pensar me incompatibilidade entre a defesa processual e a defesa de mérito, ou entre
a defesa de mérito indireta e a defesa de mérito direta que nega os efeitos jurídicos que o autor
pretende extrair do fato que alegou. O real problema se apresenta quando se pensa na alegação de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo que possa ser incompatível com a negação de fato
constitutivo (MARINONI, 2006, p. 325).
99
87
O juiz tem, no processo civil brasileiro, o poder de conduzir a instrução do processo. Tal poder (que
se desdobra em vários outros poderes menores, como o de determinar as provas que serão
produzidas, conduzir sua produção e valorar cada prova produzida, por exemplo),está descrito,
fundamentalmente, em dois dispositivos do Código de Processo Civil: os arts. 130 e 131 (CÂMARA,
2008, p. 30).
103
que tange ao entendimento do tema “mérito processual”, haja vista que o julgamento
de mérito passa a ser visto como uma prerrogativa exclusiva do magistrado e reflexo
do que o julgador considera ou não relevante na análise do caso concreto. A
legitimidade de conduzir a instrução processual confere ao juiz o poder de definir
quais questões de mérito são consideradas por ele relevantes para o caso concreto,
muitas vezes ignorando ou desconsiderando outras questões relevantes levantadas
ou suscitadas pelas partes interessadas ao longo do procedimento.
Quando o magistrado deixa de apreciar uma ou mais questão de mérito
alegada pelas partes, não se preocupando sequer em fundamentar sua recusa,
ocorre a negativa da jurisdição, que no Estado Democrático de Direito deve ser vista
como um direito assegurado a todos indistintamente de poder propor, debater e
argumentar em juízo todas as pretensões as quais são titulares. A negativa da
jurisdição materializa-se em diversas situações, tais como: a) a supressão do direito
das partes alegarem questões de mérito consideradas relevantes ao caso concreto e
a pretensão inicialmente deduzida em juízo, ou seja, pela negativa do magistrado
em não permitir que todas as partes juridicamente interessadas na pretensão
deduzida possam participar da definição das questões de mérito; b) a retirada do
direito das partes juridicamente interessadas debaterem amplamente as questões de
mérito levadas aos autos; c) a dispensa do magistrado em não ter o dever de se
posicionar e de fundamentar todas as questões de mérito trazidas aos autos pelas
partes interessadas, além de configurar verdadeira negativa de jurisdição, acarreta
às partes interessadas o cerceamento de defesa e o absoluto abandono do modelo
de processo preconizado pela Constituição Federal de 1988.
Por isso, pensar o processo civil sob a égide do constitucionalismo
democrático pressupõe inicialmente implementar, de forma efetiva, o principio da
participação, principio esse que deve ser visto como um meio legitimo de garantia de
formação participada do mérito mediante a proposição e o debate das questões de
mérito por todos os sujeitos juridicamente interessados na pretensão. Em sentido
absolutamente contrário a tal entendimento está o posicionamento do jurista
Alexandre Freitas Câmara, para quem o “processo, instrumento de realização da
jurisdição, é um microcosmo do Estado a que serve” (CÂMARA, 2008, p. 35). Na
seqüência do raciocínio, o autor em comento afirma que “é ponto pacífico que só há
democracia (e, portanto, Estado Democrático de Direito), onde haja legitimidade no
exercício do poder” (CAMARA, 2008, p. 35).
104
88
O fenômeno da preclusão, estudado e sistematizado por Giuseppe Chiovenda, assume função
muito relevante no processo civil. A partir da classificação do mestre italiana, considerada sob os
aspectos temporal, lógico e consumativo, Antônio Alberto Alves Barbosa a definiu como o instituto
que impõe a irreversibilidade e a auto-responsabilidade no processo e que consiste na
impossibilidade da prática de atos processuais fora do momento e da forma adequados,
contrariamente à lógica, ou quando já tenham sido praticados válida ou invalidamente. A preclusão,
assim, garante ordem, coerência e direcionamento aos atos processuais, impedindo avanços e
recuos que tumultuem a seqüência das fases procedimentais. É o impulso que movimento o
encadeamento dos atos processuais e assegura celeridade na resolução dos conflitos. Incide tanto
em relação às faculdades e ônus processuais das partes como em relação às questões decididas
pelo juiz (CPC, art. 471). Há, ainda, a preclusão pro iudicato, que produz efeitos externos ao processo
(LUCON; GABBAY, 2007, p.83).
105
89
As matérias de processo e de ação, na lei brasileiro, quando ausentes, levam a resultados diversos,
pois a matéria de processo, se ausente e inconvalidável em qualquer um de seus aspectos, provoca a
extinção do processo, enquanto a matéria de ação, em igual circunstância, enseja a carência da ação
com extinção do processo. O certo é que, quando o juiz aprecia o mérito, porque presentes os
elementos formativos ou funcionais do procedimento, fala-se que a sentença que julgou o pedido é de
procedência ou improcedência (sentença de mérito) e, se transitada em julgado, é sentença.
definitiva, enquanto a sentença transitada que só julgou matéria de processo e (ou) matéria de ação
é sentença terminativa – extingue o processo ou profere a carência da ação e extingue o processo.
(LEAL, 2009, p. 136) (grifo nosso)
106
93
O saneamento é a ocasião em que o juiz resolve as questões processuais pendentes
(pressupostos processuais e condições da ação) e determina as provas a serem produzidas,
designando audiência de instrução e julgamento, se necessário (Cód. Proc. Civil, art. 331, §2º).
Nesse momento, são fixados os pontos controvertidos objeto de comprovação. Como referido ato de
fixação é meramente auxiliar do desenvolvimento da instrução, o juiz pode revê-lo no curso desta. Daí
ser desprovido de conteúdo decisório, tendo natureza ordinatória. Já o saneamento, propriamente
dito, tem caráter decisório, recaindo sobre as questões processuais, alegadas ou não, e sobre as
provas requeridas pelas partes (SANTOS, 2008, p. 276).
94
O magistrado, quando fixa os pontos controvertidos, limita a instrução probatória, apenas
permitindo sejam feitas indagações às partes e às testemunhas, no momento da realização da
audiência de instrução e julgamento, se coincidentes com os pontos fixados anteriormente
(MONTENEGRO FILHO, 2011, p. 408).
108
a fase instrutória e que por isso não pode ser apequenada. O sucesso, a
bem da verdade, daquela nova fase do procedimento depende desta prévia
fixação com vistas a realizar adequada e suficientemente o princípio da
economia e da eficiência processuais (BUENO, 2007, p.230).
95
Duas grandes modificações implantou o Código de Processo Civil em relação ao estatuto de 14939,
quanto ao antigo despacho saneador. A primeira delas reside no sentido bem mais restrito que tem a
expressão “saneamento do processo” hoje, do que a de que vinha carregado o “despacho saneador”
de antigamente. No regime antigo, a atividade do juiz na “fase saneadora”, ou “fase do despacho
saneador”, realizava, conforme o caso, três tarefas distintas: a) declarava regular o processo e
presentes as condições da ação, dispondo sobre provas e designando dia e hora para a audiência de
instrução e julgamento; b) determinava a regularização do processo, quando existente alguma
nulidade sanável; c) punha fim a ele desde logo, sem julgar-lhe o mérito, quando não tivesse
condições de prosseguir (tudo isso nos termos dos arts. 294-296 do velho Código). No Código
vigente, o “saneamento do processo” significa bem menos. Após a resposta do réu, virão as
providências preliminares (arts. 323-328) e depois delas, o julgamento conforme o estado do
processo (arts. 329-331). Consistirão aquelas, conforme o caso, em: a) mandar que o autor
especifique provas (arts. 324); b) ouvir o autor, em dez dias, sobre fatos novos alegados pelo réu (art.
326) ou sobre qualquer defesa preliminar (art. 327). E consiste o julgamento conforme o estado do
processo em: a) extinção deste (art. 329); b) julgamento antecipado da lide (art. 330); c) saneamento
do processo (DINAMARCO, 1987, p. 169-170).
109
96
Para a Escola Paulista de Processo o magistrado exercerá sua autoridade de julgador tanto no
âmbito do processo civil quanto no contexto do processo coletivo. Nesse sentido se posiciona Paulo
Henrique dos Santos Lucon: [...] o juiz assume funções de direcionamento e gerenciamento
importantes no Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos. As preclusões, que não
deixaram de existir, são apenas atenuadas, notadamente no que se refere à fixação do objeto litigioso
do processo, submetido à interpretação extensiva do juiz, nos limites da necessidade de proteção do
110
Federativa do Brasil, conforme preconizado pela Teoria das Ações Coletivas como
Ações Temáticas.
Todo esse debate científico ora desenvolvido reflete diretamente na noção de
mérito no processo coletivo vigente, cuja construção e compreensão advém do
debate instaurado apenas entre os sujeitos legitimados a propositura das ações
coletivas juntamente com o julgador e o Ministério Público.
É evidente a exclusão de participação de todos os sujeitos juridicamente
interessados no provimento. No Brasil o modelo de processo coletivo vigente
estrutura-se na ideologia do sistema representativo, que se funda na pressuposição
de escolha, pelo legislador, de todos aqueles sujeitos e instituições considerados
preparados e legitimados à propositura das ações coletivas. Não é possível, assim,
vislumbrar o exercício da cidadania a partir do modelo de processo coletivo adotado
atualmente no Brasil.
A elaboração de uma Teoria Geral do Processo Coletivo construída a partir do
modelo de processo constitucional no Estado Democrático de Direito se faz
necessária com a finalidade de vislumbrar a superação dos reflexos das teorias
civilistas no entendimento do processo coletivo. A compreensão unitária 100 do direito
processual torna-se inviável em virtude das evidentes distinções existentes entre os
mais diversos ramos do processo, especificamente o processo coletivo, cujo objeto
e todas as discussões processuais não versam sobre interesses de cunho
essencialmente individual.
A autonomia cientifica do processo coletivo pressupõe a sistematização de
uma teoria geral construída a partir do sistema participativo, que oportuniza
amplamente a possibilidade de participação de todos os sujeitos juridicamente
interessados na construção do mérito processual. Tal sistematização teórica
justifica-se pelo fato do processo coletivo democrático ser visto como uma instituição
que garante a inclusão (não a exclusão) de todos os interessados no debate fático e
jurídico de todas as questões relevantes à construção do provimento. Em
contrapartida, pode-se afirmar que o processo civil brasileiro vigente não adota um
sistema que viabiliza a participação de todos os interessados na construção do
provimento, haja vista que a autoridade exercida pelo julgador quase sempre
representa um sistema de exclusão de participação das partes no processo.
100
Modernamente a ciência do direito processual tem recebido uma inspiração unificadora. Após
séculos de tratamento distinto, o direito processual civil e o direito processual penal
112
Deve revelar essa consciência ao longo do processo e de sua instrução e depois, ao sentenciar, no
modo como encara a prova e seus resultados, como interpreta os fatos diante do direito e os textos
legais diante do objeto do processo em julgamento (DINAMARCO, 1988, p. 118).
104
[...] Assim, para essa escola, o direito material (bem da vida jurídica) era imanente à ação para
exercê-lo, o que queria dizer que ação e direito surgiam de modo geminado, não sendo possível
separa-los. Percebe-se claramente que a palavra ação, nessa corrente histórica, tinha significado, ao
mesmo tempo, de direito de movimentar a jurisdição e direito ao procedimento de modo
inerente e sincrônico ao direito material instituído. Há, portanto, aderência do procedimento ao direito
criado, formando uma só e única figura jurídica (LEAL, 2009, p. 130).(grifo nosso).
113
brasileiro de 1916: “a todo direito corresponde uma ação que o assegura” (SANTOS,
2007, p. 48). Depreende-se a ínsita relação existente entre o mérito processual e o
direito de ação na perspectiva imanentista, haja vista que a noção de mérito decorria
diretamente do direito material e da matéria fática que permeava o conceito de
demanda levada ao Judiciário.
A autonomia do direito de ação frente ao direito material irrompeu-se com a
polêmica de Windscheid e Muther, para os quais a ação era respectivamente um
direito exercido em desfavor dos interesses jurídicos do réu ou um direito à
prestação jurisdicional. Adolph Wach lançou as bases do concretismo, teoria na qual
a ação passou a ser vista como um direito a uma sentença favorável ao autor (LEAL,
2009, p. 131). “Para Wach, a ação seria direito público, dirigido contra o Estado,
perante o réu, objetivando a prestação jurisdicional, mas autônomo por excelência”
(SANTOS, 2007, p. 48).
Degenkolb e Plosz delinearam a acepção abstrata da ação, agora
compreendida “como um direito incondicionado de movimentar a jurisdição, pouco
importando o reconhecimento do direito material alegado” (LEAL, 2009, p. 131). A
efetivação da autonomia do direito material com relação ao exercício do direito de
ação ocorreu com a superação do concretismo. A concepção de mérito processual
que se pode abstrair desse contexto não se vinculava ao reconhecimento, pelo juiz,
dos pedidos do autor, tal como preconizado pelo concretismo, visto que o mérito
processual decorria da oportunidade que o juiz tinha de analisar as questões fáticas
e jurídicas trazidas pelas partes, independentemente do acolhimento do pedido da
parte autora.
No inicio do século XX Chiovenda sistematizou a teoria da ação como um
direito potestativo, cujo exercício, pelo autor, materializava-se no poder de exigir do
réu um bem da vida perante o Judiciário. Seguindo o mesmo raciocínio inicialmente
proposto por Chiovenda, Carnelutti e Liebman sistematizaram o exercício do direito
de ação a partir da observância prévia das condições da ação e dos pressupostos
processuais, vistos juridicamente como matéria processual pré-meritória, ou seja,
que antecede a compreensão e a análise da matéria de mérito, considerada um
conceito diretamente relacionado com a matéria de fato e as questões de direito que
delineiam o entendimento da demanda judicial.
A compreensão da ideologia do acesso à justiça não pode se limitar ao
entendimento atinente ao direito de estar em juízo, ao direito de reconhecimento
114
105
Essa visão de acesso à justiça não representa apenas o acesso ao Judiciário, mas o acesso a
todo meio legítimo de proteção e efetivação do Direito, tais como o Ministério Público, a Arbitragem, a
Defensoria Pública etc. Até no plano jurisdicional, o direito de acesso à justiça não é só o direito de
ingresso ou o direito à observância dos princípios constitucionais do processo, mas também o Direito
constitucional fundamental de obtenção de um resultado adequado da prestação jurisdicional (art. 5º,
XXXV, da CF). A decisão que se projeta para fora, atingindo as pessoas, como resultado da
prestação jurisdicional, deverá ser constitucionalmente adequada e justa (ALMEIDA, 2010, p. 171).
106
[...] a Justiça Constitucional tem sido chamada a agir em benefício da realização efetiva dos
direitos sociais contidos na Constituição, e muitas vezes, também tem sido conclamada a exercer
função normativa ou normogenética, o que vem sendo admitido na literatura mais especializada (cf.
AGRA, 2005: 235); interventiva e ativista, repercute na própria atuação e construção de prioridades
pelo Estado prestacional. Certas Constituições, em determinados âmbitos ou tópicos específicos e
por meio da previsão de certos institutos inovadores, reforçam ou conferem suporte a essa leitura da
Justiça Constitucional substantiva (TAVARES, 2010, p. 13).
115
107
O estabelecimento de condições para a ação, em face do modelo constitucional que amplia o
acesso à Justiça, constitui um óbice à apreciação da lesão e da ameaça a direito, ofendendo o Texto
Constitucional (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 168).
108
Inspirando-nos nas doutrinas até aqui colacionadas e levando em conta o principio da Supremacia
da Constituição, do qual emerge a garantia fundamental do devido processo constitucional,
entendemos que, em sentido jurídico amplo, ação, espécie do gênero direito constitucional de
petição, é direito assegurado a qualquer pessoa (natural ou jurídica, de direito público ou de direito
privado), exercido contra o Estado, consistindo em lhe exigir seja prestada a jurisdição, tendo por
base a instauração de um processo legal e previamente organizado segundo o devido processo
constitucional, no qual postulará decisão sobre uma pretensão de direito material (Constituição
Federal, art. 5º, inciso XXXIV, alínea a, e incisos XXXV, LIV e LV) (DIAS, 2010, p. 82).
116
109
A ação, principalmente nos modelos constitucionais que asseguram o livre acesso à Justiça não
deve ter condicionantes, mas sim evolui para um sistema que estabeleça responsabilidades
decorrentes dos atos abusivos e ilícitos oriundos dos excessos no uso do direito de ação. Saber se
há ou não legitimação para agir é questão que envolve o julgamento a luz de provas dos autos e da
verificação ou não se o interesse afirmado pela parte corresponde a um direito que o autor invoca
para si. Dizer que a parte não é legítima significa o mesmo que afirmar a inexistência do direito em
face do interesse manifestado pela parte. Saber se alguém é parte para invocar a aplicação da lei a
um interesse manifestado é questão que envolve o próprio mérito da demanda e conduz a
procedência ou a improcedência do pedido. Se alguém não é reconhecido pelo processo judicial
como o titular de um interesse manifestado não terá por conseqüência o objeto de sua pretensão. O
pedido será improcedente. É improcedente porque, após o processo, restou comprovado que o direito
objetivo invocado pela parte não corresponde ou pode ser aplicado à situação jurídica relatada. A
manifestação do interesse da parte não encontra suporte normativo (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 164-
165).
117
110
É muito importante apresentar o entendimento do jurista Gregório Assagra de Almeida acerca da
temática “acesso à justiça” no contexto da instrumentalidade do processo e pautado na perspectiva
de Mauro Cappelletti: “[...] Nesta fase instrumentalista do direito processual, é que se desenvolveram
as denominadas ondas renovatórias do acesso à justiça. A primeira onda renovatória do acesso à
justiça é conhecida como gratuidade da justiça aos pobres; esse primeiro movimento pelo acesso à
justiça não foi suficiente, especialmente por tratar o pobre como individuo e esquecer-se da
coletividade (direitos massificados). A segunda onda renovatória do acesso à justiça, que aqui nos
interessa particularmente, é conhecida como representação em juízo dos interesses difusos e tem
inicio no final da década de 1960 e início da década de 1970 nos Estados Unidos e na Europa
(França, Suécia etc.). Esta segunda onda renovatória do acesso à justiça é conhecida também como
movimento mundial pela coletivização do processo. Entretanto, as duas primeiras ondas renovatórias
do acesso à justiça não foram suficientes, o que fez surgir uma terceira onda chamada de um novo
enforque sobre o acesso à justiça. Esta terceira onda renovatória do acesso à justiça possui três
dimensões. A primeira dimensão é que ela é abrangente das ondas renovatórias anteriores, mas vai
além. Pela segunda dimensão, o acesso à justiça passa a ser visto por intermédio de um novo
método de pensamento – como direito ao acesso a uma ordem jurídica justa, o que passa a ser
objeto de indagação da filosofia do direito e da teoria geral do direito, de sorte que não há sentido em
se falar em direito sem efetividade, pois a efetividade é um problema relacionado diretamente com a
temática do acesso à justiça. Em uma terceira dimensão, esse novo enfoque sobre o acesso à justiça
(terceira onda renovatória do acesso à justiça) propõe um amplo e moderno programa de reformas do
sistema processual, que se viabilizaria por intermédio: a) da criação de meios alternativos de solução
de conflitos (substitutivos jurisdicionais, equivalentes jurisdicionais), tais como alguns já implantados
no Brasil (arbitragem, a tomada pelos órgãos públicos legitimados às ações coletivas do compromisso
de ajustamento de conduta às exigências legais etc.); b) da implantação de tutelas jurisdicionais
diferenciadas (podemos citar, no Brasil, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida;
os juizados especiais; o procedimento monitório etc.); c) de reformas pontuais no sistema processual,
a fim de torná-lo mais ágil, eficiente e justo (ALMEIDA, 2007, p. 23-24).
111
O acesso à justiça dentre outros aspectos a ser considerado, sempre foi ligado à idéia de custo.
Inegável que há um custo implicitamente vinculado ao acesso à justiça seja ele obtido pela via
jurisdicional, processual, seja pela via extraprocessual. Esses custos, de qualquer espécie, dificultam
e, às vez desestimulam e até inviabilizam o acesso à justiça (BEZERRA, 2001, p. 181).
118
112 O direito de acesso à Justiça é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa. São
dados elementares desse direito: 1- o direito à informação e perfeito conhecimento do direito
substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada à aferição
constante da adequação entre ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do País; 2- direito de
acesso à Justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e
comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; 3) direito à preordenação dos
instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; 4) direito à remoção de
todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características
(WATANABE, 1988, p. 135).
113 Superação do entendimento do processo, como garantia de direitos individuais, alçado ele a
115
A Escola Instrumentalista de Processo compreende o principio do contraditório como o direito que
as partes tem de influenciar na formação da convicção do juiz. Trata-se de um entendimento
autoritário acerca do principio do contraditório que decorre da acepção de que a jurisdição é um
poder do magistrado decidir solitariamente o mérito da pretensão deduzida em juízo. Nesse sentido
temos: “O núcleo essencial do principio do contraditório compõe-se, de acordo com a doutrina
tradicional, de um binômio: “ciência e resistência” ou “informação e reação”. O primeiro destes
elementos é sempre indispensável, o segundo, eventual ou possível. [...] É que o contraditório no
contexto dos “direitos fundamentais”, deve ser entendido como o direito de influir, de influenciar, na
formação da convicção do magistrado ao longo de todo o processo. Não se deve entende-lo somente
do ponto de vista negativo, passivo, defensivo. O Estado-juiz, justamente por força dos princípios
constitucionais do processo, não pode decidir, sem que garanta previamente amplas e reais
possibilidades de participação daqueles que sentirão, de alguma forma, os efeitos de sua decisão
(BUENO, 2008, p. 107-108).
116
As condições da ação não se confundem com os pressupostos processuais. a jurisdição é
imparcial. Para que se faça correto julgamento, mister se faz que o processo se tenha formado
validamente. Existem, assim, três ordens de matéria que o juiz, necessariamente, enfrenta, quando
julga no processo: matéria de processo, matéria de ação e matéria de mérito. As duas primeiras,
conjuntamente, podemos chamar de condições de admissibilidade do julgamento da lide (SANTOS,
2007, p. 52).
117
“Exercitado o direito de ação, espera-se a prolação da sentença de mérito (que atribua a vitória a
uma das partes), uma vez observados os princípios e as normas processuais, e oportunizado ao réu
o direito de apresentar a sua defesa, concordando ou contrapondo-se às pretensões aduzidas pelo
autor na peça inicial. Contudo, para que isto se confirme, é necessário o preenchimento de requisitos
mínimos, atinentes à própria validade da ação, sem os quais é impossível aprofundar na análise do
direito defendido pelas partes em litígio. Encontramo-nos diante de exigências formais, decorrentes
do exercício do direito de ação. Nesse particular, verificamos que a Lei de Ritos adota a teoria ecética
da ação, desenvolvida por Liebman, dispondo que a ação é um direito subjetivo que não se prende
ao direito material nela envolvido (como defendia a teoria concreta), sujeitando-se, contudo, à
observância de condições, sem as quais não se pode validar a ação. Essa teoria situa-se no meio-
termo entra as teorias concreta e abstrata (MONTENEGRO FILHO, 2011, 114-115).
120
122
Na concepção de Jaime Guasp “La pretensión procesal es uma declaración de voluntad por la que
se solicita uma actuación de un órgano jurisdiccional frenta a persona determinada y distinta del autor
de la declaración” (GUASP, 1998, p. 206).
123 A cognição é, portanto, um ato de inteligência, de lógica do juiz. Mas não se limita a isto. É,
também, uma atividade fortemente marcada pela ingerência de outros elementos, intitulados de
componentes de caráter não-intelectual pelo professor Kazuo Watanabe. [02] Assim, condicionanes
culturais, econômicos, políticos, sociais, axiológicos, volitivos, ocasionam os mais diversos reflexos na
atividade cognoscente desenvolvida pelos juízes (GUEDES, Disponível:
http://jus.com.br/revista/texto/18025/a-cognicao-judicial-no-processo-civil-brasileiro. Acesso: 17 set.
2011)
124
124
Disponível: http://jus.com.br/revista/texto/18025/a-cognicao-judicial-no-processo-civil-brasileiro.
Acesso: 17 set. 2011.
125
125
A identificação entre lide e mérito, todavia, apesar de inspiração carneluttiana, salvo engano jamais
foi feita assim, em termos tão claros e radicais, pelo próprio Carnelutti. Como vimos, este conceitua o
mérito a partir da lide, mas não diz que ele seja a lide. Mérito é, para ele, “o complexo de questões
materiais que a lide apresenta”. Ao construir a sua conceituação em sede doutrinária, Alfredo Buzaid
disse também, após expor o conhecido conceito de lide a partir de seu elemento material, que é o
conflito de interesses: “o julgamento desse conflito de pretensões mediante o qual o juiz, acolhendo
ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma decisão definitiva
de mérito”. Ele invocou também o pensamento de Liebman, que dissera: “lide é o fundo da questão, o
que equivale dizer: o mérito da causa” (DINAMARCO, 1987, p. 200).
126
Mérito,meritum, provém do verbo latino mereo (merece) que, entre outros significados, tem o de
“pedir, pôr preço” (é a mesma origem de “meretriz” e aqui também há a idéia do preço, exigência).
Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida,
merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto,
etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para seu
exame (DINAMARCO, 1987, p. 202).
127
127
A lei processual é particularmente severa, ao sancionar o principio da correlação entre o
provimento jurisdicional e a demanda, mesmo porque o provimento que ultrapasse qualquer dos
limites postos por estas (partes, causa petendi, petitum) constituirá, de certa forma, exercício não
provocado da jurisdição. A regra geral está no Código de Processo Civil, cujo artigo 128 estabelece
que “o juiz decidirá a lide (rectius: a demanda) nos limites em que foi proposta”; fundamentos de fato
diferentes dos alegados na demanda não podem ser considerados e o Código de Processo Penal
exige providências destinadas a assegurar a mecânica do contraditório (art. 384), ou mesmo nova
demanda (aditamento à denúncia ou queixa), quando fatos novos surgirem na instrução e forem
relevantes; é defesa a prolação de provimento diverso do postulado, ou abrangendo objeto mais
amplo que o indicado na petição inicial (CPC, art. 460). Os pronunciamentos extra ou ultra petita, ou
de alguma outra forma violadores das limitações postas pela demanda, trazem surpresa para a parte
vencida e constituem inegável violação à exigência constitucional do contraditório, bem merecendo,
portanto, a repulsa que lhes devota a lei (DINAMARCO, 1987, p. 186-187).
128
Outros autores, tais como Redenti, Friedrich Lent e Fazzalari 128, adotam
entendimento distinto dos que já foram expostos anteriormente, tendo em vista que
afirmam que “o mérito, portanto, ou objeto do processo, seria representado pela
relação jurídica substancial controvertida129 pelas partes: controvertida quanto à sua
existência, inexistência, modo de ser” (DINAMARCO, 1987, p. 196). Os respectivos
autores partem da pressuposição de que a relação jurídica controvertida preexiste
ao processo, é de natureza privada e, por isso, se utilizam do processo como
instituto que viabilizará às partes buscarem judicialmente uma manifestação do
julgador no que tange à controvérsia ora exposta.
Delimitar o entendimento do mérito processual a uma relação controvertida de
direito material é o mesmo que reconhecer a existência do debate de questões de
mérito apenas no contexto do processo de conhecimento. Praticamente toda a
produção cientifica no âmbito do processo civil sinaliza para o estudo e o debate
jurídico do mérito como algo inerente ao processo de conhecimento. Dessa forma,
não seria possível visualizar a discussão meritória no processo de execução, uma
vez que a sua finalidade seria, tão somente, garantir a satisfatividade de um direito
material incontroverso esculpido em um título executivo. Da mesma maneira, não
seria possível identificar a discussão meritória nos procedimentos especiais de
jurisdição voluntária, tendo em vista a ausência de litigiosidade ou de relação jurídica
controvertida.
Para aqueles estudiosos que vinculam o estudo do mérito à ideologia do
processo como instrumento de resolução e de apreciação ou análise de relações
jurídicas litigiosas ou controvertidas, é certo não será possível imediatamente pensar
o mérito processual sob a égide do processo de execução e dos procedimentos
especiais de jurisdição voluntária. Porém, a compreensão sistemática do tema ora
exposto perpassa pela revisitação e a reconstrução teórica do próprio conceito de
128
Para o processualista italiano Elio Fazzalari o mérito é o objeto da controvérsia da demanda
judicial, ou seja, a situação substancial e seus componentes. A alusão à situação substancial, como
expressão do mérito, não é tão inconveniente quanto a referência à relação controvertida. Situação
jurídica é locução menos precisa e mais ampla e correspondente, na linguagem desse autor, ao
direito subjetivo deduzido em estado de asserção. A posição de Fazzalari, bem pensado, significa
que o mérito (“parâmetro para a determinação dos deveres do juiz e poderes das partes”) reside na
afirmação de direito subjetivo, da obrigação correspondente, da lesão e (eventualmente) da situação
extraordinariamente legitimante (DINAMARCO, 1987, p. 197-198).
129
A relação jurídica litigiosa relevante para o processo é, no pensamento de Betti, relação jurídica
afirmada e cuja existência será objeto de declaração a ser dada afinal pelo juiz (DINAMARCO, 1987,
p. 198)
130
130
O reconhecimento mais autorizado da existência do mérito na execução está no próprio título de
famoso livro de Liebman “Le opposizioni di merito nel processo di esecuzione”. A tradução brasileira
abandonou a literalidade do título original (seria: os embargos de mérito), sendo conhecida como
Embargos do Executado (DINAMARCO, 1987. p. 207).
133
131
O mérito da execução, quando julgado através dos embargos (CPC, art. 471, inc. VI: fundamentos
de direito material), conduz a uma sentença que declara procedente ou improcedente a execução
mesma. Os termos são inversos: procedência dos embargos, improcedência da pretensão executiva;
improcedência dos embargos, procedência desta. O próprio Código de Processo Civil, aliás, fala de
uma sentença “que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública” (art. 475, inc.
III): é a que julga procedentes os embargos de mérito opostos a ela, acolhendo-os (DINAMARCO,
1987, p. 207-208)
134
132
Não havendo litígio não se fala de partes, e do mesmo modo, de contestação. Na jurisdição
voluntária têm-se interessados e a citação dá oportunidade manifestação de um dos interessados em
10 dias. Não havendo litígio nem um processo contencioso, não se admite nessa manifestação ou
resposta a notificação reconvenção, embora, possa incidir efeito da revelia. A litigiosidade pode
ocorrer no efeito incidental e o juiz tem ampla e livre liberdade de investigação dos fatos podendo
aplicar às soluções os elementos de conveniência e oportunidade, como por circunstâncias
supervenientes, sem prejuízo aos efeitos já produzidos, poderá modificar a sentença. (AYRES, 2010)
Disponível: http://www.webartigos.com/artigos/jurisdicao-voluntaria/33601/. Acesso: 12 out. 2011.
133 As diversas teorias sobre a natureza jurídica da jurisdição voluntária podem ser enquadradas, a
grosso modo, em cinco grupos, onde é encarada I) como uma atividade administrativa; II) como uma
atividade genuinamente jurisdicional; III) como um tertium genus; IV) como uma atividade negocial e
V) como não sendo jurisdicional e não se sabendo a que categoria pertence, presumindo que seja
administrativo. (MARQUES, 2011) Disponível:
http://web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_setembro2000/corpodiscente/pos-
graduacao/jurisdicao_contenciosa.htm. Acesso em: 12 out. 2011.
134
Disponível: http://jusvi.com/artigos/2119. Acesso em: 12 out. 2011.
135
Disponível: http://jusvi.com/artigos/2119. Acesso em: 12 out. 2011.
136
A jurisdição contenciosa produz coisa julgada, a voluntária não produz. Até porque a decisão final
paira sobre numa equação de incógnitas eternamente variáveis. Aliás, a coisa julgada é bem mais
adequadamente conceituada como a qualidade de que se reveste a sentença tornando-se numa
135
assim que o art. 1.112 e seguintes do CPC in verbis menciona “o procedimento terá início...”.Assim na
jurisdição contenciosa há ação e pretensão; na voluntária não há ação nem pretensão, entendida a
pretensão como a exigência de que um interesse alheio se subordine ao próprio (LEITE, 2004)
Disponível: http://jusvi.com/artigos/2119. Acesso em: 12 out. 2011.
138 A Exposição de Motivos do Código de Processo Civil consagrou que a lide só é usada no projeto
para designar o mérito, embora o Código de Processo Civil empregue o vocábulo lide em sentido
diverso. Evidente a influência Carneluttiana na identificação entre lide e mérito; mas o mestre italiano
não fez tal identificação. Embora conceitue mérito a partir da lide, não diz ser essa o próprio mérito.
Este “é o complexo de questões materiais que lide a apresenta” (DINAMARCO, 1986, p. 200)
(RODRIGUES, 2002, p. 60).
136
139
Para, então, desenvolver e desempenhar a função de Justiça Pública, estabeleceu-se a
JURISDIÇÃO, como o “PODER QUE TOCA AO ESTADO, ENTRE AS SUAS ATIVIDADES
SOBERANAS, DE FORMULAR E FAZER ATUAR PRATICAMENTE A REGRA JURÍDICA
CONCRETA QUE, POR FORÇA DO DIREITO VIGENTE, DISCIPLINA DETERMINADA SITUAÇÃO
JURÍDICA”, segundo Liebman (MARQUES, 2011) (grifo nosso). Disponível:
http://web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_setembro2000/corpodiscente/pos-
graduacao/jurisdicao_contenciosa.htm. Acesso em: 12 out. 2011.
137
140
As condições da ação são requisitos indispensáveis à análise do mérito da pretensão e ao
reconhecimento da pretensão deduzida pelas partes, ou seja, são requisitos extrínsecos ao mérito
processual que visam garantir a validade da relação jurídica mediante a observância da legitimidade
ad causam, interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido (SATTA; PUNZI, 2000, p. 134).
138
141
Uma primeira orientação atribui ao juiz a função de “descobrir” (Rechtsfindung) as regras,
escavando na magma do direito, estendendo ou restringindo, integrando ou corrigindo o dado
normativo, o juiz desenvolve uma série de operações hermenêuticas, a sua vez sofisticadas, dirigidas
a descobrir a regula iuris e aplicá-la no caso concreto. Em definitivo, segundo tal orientação o juiz,
“encontrada” a regra, “declara-a” (Rechtsprechung); o legislador, por sua vez, dita a regra
(Rechtssetzung) (PICARDI, 2008, p. 13).
139
142
Na verdade, a discricionariedade é um conceito de relação. A discricionariedade do juiz, em
particular, é colocada em conexão indissolúvel com a própria função judiciária. Nas hipóteses em que
o juiz deva escolher entre duas ou mais alternativas, igualmente legítimas, deverá tomar a decisão
mais oportuna para desempenhar a função reclamada. O poder discricionário do juiz se, de um lado,
não é um poder vinculado, de outro, nem mesmo é um poder absoluto, enquanto relacionado à
própria função jurisdicional e, como tal, sujeito a limites. Com efeito, a margem de discricionariedade
concedida aos juizes é relativa, na medida em que opera em um determinado âmbito espacial e
temporal e, portanto, pode variar segundo os diversos ordenamentos e épocas. Uma alteração
normativa, ou de fato, ou até uma alteração socioeconômica, pode ampliar ou restringir a margem de
discricionariedade deixada ao juiz (PICARDI, 2008, p. 17).
143
Embora a Lei Fundamental de Boon tenha sido produzida no contexto do direito alemão, ressalta-
se a sua direta influência quanto ao direito processual civil italiano.
140
144
Analisando o processo civil italiano verifica-se que a legitimidade processual ativa decorre da
demonstração, pelo autor da ação, da viabilidade jurídica da pretensão, assim como a demonstração
da coerência dos fatos e dos fundamentos jurídicos ora alegados em juízo ( PICARDI; GIULIANI,
2004, p.13).
145
Importante esclarecer que assim como no processo civil brasileiro, o processo civil italiano
diferencia sentença definitiva de sentença não definitiva (terminativa) (PICARDI, 2003, p. 70)
143
discussão meritória a análise das questões que integram (não somente permeiam) a
pretensão deduzida em juízo. Já as prejudiciais de mérito são questões que
permeiam o mérito processual e que se constatadas inviabilizam a análise das
questões inerentes ao mérito da pretensão deduzida.
As prejudiciais de mérito, conforme mencionado anteriormente são questões
que se encontram mais diretamente vinculadas ao direito material (não são questões
processuais que inviabilizam a análise do mérito, tais como as preliminares de
mérito), e que quando constatadas impedem que o mérito seja julgado pelo juiz.
Uma ação proposta por um servidor investido em cargo comissionado visando uma
vantagem pecuniária assegurada apenas aos servidores de cargos efetivos é um
exemplo que ilustra bem a distinção existente entre questão prejudicial de mérito e o
mérito processual propriamente dito. Nesse caso, o juiz competente não poderá
adentrar especificamente à análise do mérito da pretensão deduzida (que consiste
no direito à gratificação pecuniária e no valor de eventual condenação do Estado)
pelo fato da existência de uma questão prejudicial, que consiste na demonstração de
que o próprio autor da ação não tem legitimidade para reivindicar tal direito. Não se
tratar de hipótese de ilegitimidade processual ativa porque a comprovação de tal
situação perpassa pela análise do direito material e não se refere especificamente
ao direito processual. Considerar-se-ia preliminar de mérito no presente caso se
fosse constatado de imediato que o autor da ação não era servidor publico
(comissionado ou efetivo). Como foi necessário avaliar o direito material antes da
análise do mérito processual, considera-se que se trata de clássico exemplo de
prejudicial de mérito, tendo em vista que foi necessário que o juiz competente
verificasse inicialmente que o direito à pretendida vantagem pecuniária estende-se
apenas aos servidores efetivos, e não aos servidores comissionados. Não era
possível, mediante análise preliminar, que no presente caso o magistrado auferisse
a ilegitimidade processual ativa, uma vez que foi necessário adentrar à análise de
questões referentes ao direito material para constatar a impossibilidade de
julgamento do mérito da pretensão deduzida em juízo.
Outra discussão que surge no presente contexto é a seguinte: no momento
em que o magistrado acolhe uma prejudicial de mérito será proferida sentença
definitiva ou sentença terminativa. O esclarecimento cientifico de tal indagação
perpassa inicialmente pelo estudo crítico-sistematizado do mérito processual.
Considera-se sentença definitiva ou sentença de mérito aquela em que o magistrado
146
148
Disponível: http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-
ii/breve-relato-historico-das-reformas-processuais-na-italia-um-problema-constante-a-lentidao-dos-
processos-civeis/. Acesso: 25 set. 2011.
149
Disponível: http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-
ii/breve-relato-historico-das-reformas-processuais-na-italia-um-problema-constante-a-lentidao-dos-
processos-civeis/. Acesso: 25 set. 2011.
148
2.14. SÍNTESE
exclusiva do juiz, mas sim como uma prerrogativa das partes, cujo exercício dar-se-á
a partir do debate da pretensão mediante a implementação dos princípios
constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da isonomia processual e do
devido processo legal. A resignificação teórica da cognição sob o patamar
democrático-constitucionalizado deve ser vista como o fundamento teórico regente
ao entendimento crítico do mérito processual como um espaço que legitima as
partes interessadas ao debate fático-jurídico da pretensão deduzida.
O mérito no processo civil deve ser entendido como toda a matéria de fato e
de direito, trazida pelas partes (autor e réu) para o processo, e definida como
relevante pelo julgador no momento em que for apreciar e decidir as peculiaridades
e as questões que integram a pretensão deduzida em juízo. O mérito no processo
coletivo é resultado da participação de todos os interessados difusos e coletivos na
definição da matéria e das questões de mérito para, assim, viabilizar a constituição
de um lócus processual de ampla discursividade da pretensão e alcançar, por
conseguinte, a legitimidade democrática do provimento jurisdicional.
154
150
Desde os primórdios das ações em grupo (representative actions) na Inglaterra, o caráter coletivo
esteve associado e vinculado ao interesse comum (common interest), tendo sido transplantado
posteriormente para outros países. Em determinadas legislações, como nos Estados Unidos, a
essência coletiva do processo passou a estar ligada à obrigatoriedade da proteção metaindividual, no
caso, mediante o uso das class actions (mandatory class actions). No ordenamento americano, a
solução judicial unitária se faz necessária, expressamente, para impedir condutas incompatíveis da
parte adversa da classe, nos termos da Regra 23 (b) (1) (A), e, também, para não permitir que a
instauração de um processo, por determinada pessoa, acabe, na prática, dispondo sobre o interesse
de outros indivíduos, que não figuram como parte, ou interferindo de modo a impedir ou prejudicar os
interesses destes (MENDES, 2006, p. 36).
156
151
As ações de grupo tornaram-se freqüentes nos séculos VIV e XV, especialmente nos povoados
(villages) e paróquias (parishes), refletindo, por certo, a estrutura e organização social daquela época,
em que as instituições intermediárias, como a família, as vilas, a Igreja, concentravam importância
econômica e política, formando a base do sistema de produção. A defesa dessas células sociais no
processo pelos seus respectivos lideres, foi se desenvolvendo e multiplicando naturalmente
(MENDES, 2009, p. 39).
158
152
Segundo a Regra 12, quando uma quantidade grande de pessoas possuísse o mesmo interesse,
em qualquer procedimento, o processo poderia ser inicia e prosseguir, se a corte não determinasse
diferentemente, pela iniciativa ou em face de apenas um ou alguns dos interessados que estariam
representando os demais (MENDES, 2009, p. 45-46).
153
A Order 15, Rule 13, das Rules of the Supreme Court previa, por sua vez, em circunstâncias
limitadas, que as ações poderiam ser ajuizadas por pessoas que não detinham também a titularidade
do direito em litígio. Diferenciava-se, assim, da hipótese contida na Regra 12, na medida em que
estariam os processos, por um lado, circunscritos a lides relacionadas com herança, com bens
sujeitos à custódia e administração de terceiros e à interpretação de documentos escritos, inclusive
de leis, mas, por outro, a legitimação extraordinária não estaria restrita às pessoas que estivessem
partilhando do interesse comum afetado (MENDES, 2009, p. 47).
154
A Rule 23 previa, na verdade, três categorias diversas de ações coletivas: a) as puras,
verdadeiras, autênticas ou genuínas (true); b) as híbridas (hybrid); c) as espúrias (spurious) –
classificação que é atribuída ao professor J. W. Moore, que participou da redação do Código. A
distinção, segundo consta em geral nos livros, propiciou certa dificuldade de interpretação e definição
clara das hipóteses. A ação de classe pura pressupõe a existência de unidade absoluta de interesse
do grupo, ou seja, pressupõe a demonstração efetiva da natureza indivisível do direito ou do interesse
comum a todos os membros do grupo. Nas ações de classe hibridas os membros da classe
compartilham do interesse em relação a um bem jurídico objeto da ação, entretanto, o direito não é
único ou comum a todos (há uma pluralidade de direitos que incidem sobre o mesmo objeto). Nas
ações de classe espúrias há uma pluralidade de interesses decorrentes de uma questão comum de
fato ou de direito a indicar como apropriada a agregação dos direitos individuais para a utilização de
um remédio processual comum (MENDES, 2009, p. 64-66).
159
155
Em termos normativos, a legitimação para os sindicatos, prevista no art. 28 da Lei 300, de 1970,
costuma ser apontada como importante precedente na introdução da tutela coletiva no direito positivo
italiano. As associações sindicais podem, com fulcro no dispositivo, pedir a cessação da conduta anti-
sindical e a remoção de seus efeitos. As providências previstas possuem caráter essencialmente
inibitório (MENDES, 2009, p. 107). Em termos de meio ambiente, a participação das associações
recebeu impulso, embora modesto, com a edição da Lei 349, de 08-07-1986, que prevê a
possibilidade de intervenção tanto nos processos judiciais versando sobre indenização por danos
ambientais, bem como de recorrer, em sede de jurisdição administrativa, contra os atos
administrativos considerados ilegítimos, visando a sua anulação. Para tanto, as associações de
caráter nacional ou com estruturação em pelo menos cinco regiões estar registradas junto ao
Ministério do Meio Ambiente, incumbido de baixar decreto relacionando, inclusive, a finalidade
programática das entidades, de modo de disposição interna e o funcionamento democrático conforme
previsto nos respectivos estatutos (MENDES, 2009, p. 108).
156
O desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial no sentido da admissibilidade de postulação, no
contencioso administrativo, da tutela de interesses supraindividuais, posteriormente acabou
recebendo o beneplácito legislativo. O art. 18 de Lei 349, de 08-07-1986, que instituiu o Ministério do
Meio Ambiente, conferiu expressamente legitimação, às associações individualizadas com decreto do
titular da respectiva pasta para postular perante a justiça administrativa a anulação de atos ilegítimos
e lesivos ao meio ambiente [...] O art. 28 da Lei 300, de 1970, conferiu instrumento de proteção de
situações subjetivas de grupo de trabalhadores que somente podem ser tuteladas de forma coletiva,
como v. g., o exercício do direito de greve, cujo acesso à justiça seria inviabilizado na hipótese de
concessão de via de tutela em caráter exclusivamente individual. [...]. Com a Legge n. 244 de 2007,
foi introduzida e disciplinada no ordenamento italiano a ação coletiva com escopo ressarcitório de
interesses de consumidores, atendendo às diretrizes elaboradas no plano da Comunidade Econômica
Européia. A demanda é proposta por associação de defesa de consumidores, podendo a ela aderir
através de manifestação escrita, em momento próprio e após publicidade adequada a respeito da
existência do litígio coletivo, membros do grupo de pessoas lesadas em relações de consumo que
são especificadas nos dispositivos que regulam essa nova modalidade de prestação jurisdicional
(LEONEL, 2011, p. 56-59).
164
157
Quanto ao art. 52, a Constituição especifica, agora no n. 3, os contornos da ação popular,
conferindo “a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o
direito de acção popular nos caso e termos previstos na lei, nomeadamente o direito de promover a
prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, a degradação
do meio ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do patrimônio cultural, bem como de
requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização (MENDES, 2009, p. 131-132),
166
158
Están legitimados para ejercer e impulsar lãs acciones previstas em la ley, La Fiscalía de Estado,
El Ministerio Público, las municipalidades, los organismos descentralizados o autárquicos con
capacidad para estar em juicio según sus estatutos, los entes reguladores, las entidades legalmente
constituidas e inscriptas em el registro respectivo para La defensa de los intereses difusos o derechos
colectivos y cualquier asociación civil, sociedad o particular, cuando accionen invocando La
afectación de um interes difuso o colectivo que les concierna de manera personal y diresta (art. 8)
(GRINOVER, WATANABE, MULLENIX, 2008, p. 76).
168
Cumpre ressaltar, contudo, que esse diploma legal constitui o marco para
grandes avanços que se sucederam e para um efetivo acesso à justiça,
proporcionando agora a possibilidade de se postular em juízo a tutela dos
interesses transindividuais, pois veiculou novidades que obrigaram uma
releitura do tradicional art. 3º do Código de Processo Civil, concebido,
repita-se, sob o influxo da visão processualista que ainda necessitava
vencer a segunda fase metodológica da ciência processual referida. Menos
de um ano antes do advento da Lei nº 7347/85, o legislador brasileiro já
dava demonstração de sua preocupação com o que Cândido Rangel
Dinamarco denomina de universalização da jurisdição, ou seja, com a
preocupação de cada vez mais trazer ao seio do Judiciário o maior número
possível dos conflitos de interesses detectáveis na sociedade, a fim de
solucioná-los com legitimidade e justiça, perseguindo a pacificação
(VIGLIAR, 1999, p. 21).
A class action pode ser inicialmente definida como uma ação de classe
proposta por uma ou mais pessoas ou uma entidade com a finalidade de buscar a
proteção jurídica de direitos pertencentes a um grupo de pessoas e cujo julgamento
vinculará o grupo como um todo159 (GIDI, 2003, p. 334).
O instituto da class action, a partir do direito norte-americano160, pode ser
compreendido como um procedimento jurídico-legal através do qual uma pessoa ou
um grupo de pessoas é considerado legitimado para representar um grupo de classe
de pessoas que compartilham, entre si, de interesse comum ou coletivo. O
pressuposto básico da respectiva ação de classe é a demonstração prévia, pelo
autor da ação, da sua legitimidade para representar um grupo de pessoas que tem
direitos comuns entre si. A sua utilização limita-se à determinadas hipóteses ou
situações em que a junção de todos que detém a legitimidade de ser parte no
processo não é algo plausível, porque a junção de todos numa mesma relação
processual causaria dificuldades insuperáveis ao exercício da jurisdição e
possivelmente tornaria a demanda judicial interminável (FRIEDENTHAL; KANE;
MILLER, 1985, p. 728).
A gênese das class actions161 é o direito inglês do século XVII, no bill of
peace162, que estabelecia um procedimento através do qual reconhecia-se a
159 a class action is the action brought by a representative plaintiff (collective standing), in protection of
a right that belong to a group of people (object of the suit), which judgment will bind the group as a
whole (res judicata).
160
Nos Estados Unidos, como é cediço, é bastante intensa a participação popular na gestão do
interesse público (de que são um bom exemplo as class actions), do mesmo modo como é intensa a
fiscalização e supervisão estatal em todas as matérias concernentes aos interesses difusos
(MANCUSO, 1997, p. 189).
161
A origem das class actions remonta ao denominado Bill of peace do direito inglês do século XVII,
procedimento no qual era possível propor uma ação ou sofrer uma ação por intermédio de partes
representativas (representative parties). Eram admitidas nos juízos de equidade, perante a Court of
Chancery. Posteriormente, com a fusão entre os sistemas da law e da equity, decorrente da Court of
Judicature Act, de 1873, a class action acabou sendo estruturada de forma mais aproximada a suas
características modernas, nos moldes em que vigora nos países do common law. A Regra 10 do
referido diploma determinava que, havendo multiplicidade de partes comungando do mesmo
interesse em uma controvérsia, uma ou mais das partes poderiam acionar ou ser acionadas, ou ainda
autorizadas pela Corte para litigar em beneficio das demais. Demonstrados os requisitos necessários,
como a existência de grande numero de litigantes cuja junção fosse impraticável, comunhão de
interesses, e ainda que as partes nomeadas estivessem em condições de adequadamente
representar os ausentes, seria admitida a class action (LEONEL, 2011, P. 61).
173
possibilidade de propor uma ação ou ser demandado em uma ação proposta por
intermédio de partes representativas (representatives parties). Os requisitos do
respectivo procedimento adotado no direito inglês eram semelhantes àqueles
previstos nas class actions, quais sejam, a existência de um grande número de
pessoas que compartilham interesses comuns envolvidos no conflito, bem como a
existência de uma pessoa ou de um grupo de pessoas legitimado a representar
adequadamente os interesses jurídicos daqueles que não figuravam,
expressamente, no processo (COUND; FRIEDENTHAL; MILLER; SEXTON, 1979, p.
261-262).
O advento da Federal Equity Rule 38, no ano de 1912 nos Estados Unidos da
América, foi decisiva para o aprimoramento e a compreensão da class action, tendo
em vista que o presente diploma normativo foi o primeiro a definir o instituto e
também a estabelecer os requisitos essenciais a sua aplicabilidade. A
representatividade por um membro da classe de pessoas é imprescindível em
virtude da inviabilidade de participação de todos os membros da classe na relação
processual. A existência de uma questão de fato ou de direito comum a todos os
interessados também é pressuposto essencial à propositura regular da class action
(TARUFFO, 1969, p. 619).
No ano de 1938 ressalta-se, nos Estados Unidos da América, o advento da
Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure, cuja finalidade principal foi descrever
detalhadamente quando se verificava a hipótese de cabimento de uma class action.
A sistematização das class actions a partir da Rule 23 ensejou diversas
classificações163 conforme a extensão dos efeitos da decisão proferida com relação
162
Trata-se de uma prática dos Tribunais Ingleses dos séculos XVII e XVIII utilizado para resolver
conflitos de interesses de natureza não exclusivamente individual, ou seja, de disputas legais
envolvendo múltiplas partes que compartilham aspectos comuns.
163
Esta nueva version de la Regla 23 restringió lãs acciones de clase a três tipos o categorias [...] (1)
Una acción de clase será acogida si la interposición de acciones separadas puede crear um riesgo de
decisiones judiciales inconsistentes o contradictorias vinculadas a los miembros individuales de la
clase que podrían determinar que la parte que se opone a la clase deba efectuar conductas
incompatibles. Asimismo, la acción también será receptada em el caso de que la multiplicidad de
acciones individuales pueda crear um riesgo de decisiones judiciales respecto de algún miembro de la
clase que haga imposible, perjudique o disminuya la ulterior protección de los intereses de los otros
miembros ajenos al proceso individual. (2) Se autoriza la interposición de uma acción de clase,
cuando la parte opuesta a la clase – contraparte – ejecutó um acto, se negó a actuar o dejó de ejercer
um deber legal de modo uniforme ante el grupo o unan omisión cuyos efectos son aplicables a la
generalidad de la clase y puede ser remediada, con relación a toda la clase, con un mandato de
hacer o no hacer. (3) El juez considera que las cuestiones de hecho y derecho comunes a la clase
predominan sobre otras cuestiones que afectan solamente a miembros individuales y que una acción
de clase es superior a otros métodos que puedan servir para resolver eficazmente la controvérsia.
Para esa determinación el juez deberá tener en cuenta: a) la conveniência para los intereses de los
174
Antes da Reforma de 1966164, a Regra 23, como visto, ensejava uma tríplice
distinção das class actions, dependendo do character of the right deduzido
em juízo e, por isso, diferente era a extensão dos limites subjetivos da coisa
julgada (binding effect) em cada uma das espécies então concebidas. Com
efeito, na denominada true class action – quando o direito da categoria era
joint ou common – a eficácia ultra partes da decisão atingia diretamente
todos os membros do grupo, ainda que estranhos ao processo. Tratando-se
de hipótese de hybrid class action – quando os direitos dos componentes
eram distintos (several), mas referentes a um único bem, na qual havia um
interesse comum, os efeitos da denominada claim preclusion atingiam todos
os membros tão-somente em relação aos seus respectivos direitos sobre o
bem que havia sido objeto da controvérsia [...]. Por outro lado, na hipótese
de spurious class action – quando os direitos dos componentes eram
distintos (several), mas dependentes de uma questão comum de fato ou de
direito, ensejando uma decisão uniforme, a qual, como decorre da própria
denominação, apenas do ponto de vista prático era inserida entre as class
actions, a sentença projetava seus efeitos exclusivamente àqueles que
participavam do processo [...] (1990, p. 26).
(a) – uno o más miembros de uma clase pueden demandar o ser demandados como partes
representantes de otros, em el caso de que: (1) La clase sea tan numerosa que resulte impracticable
la participación de todos em el proceso. (2) Existan cuestiones de derecho o hecho comunes a la
clase, que permitan uma resolución judicial común a todos los miembros de Ella. (3) Los reclamos o
defensas del representante de la clase Sean típicos de los reclamos o defensas propios de la clase.
En otras palabras, el representante debe compartir los mismos intereses y debe ser uno de los
miembros de la clase, por lo que la acción será propuesta em su próprio nombre y em nombre de
todas las personas em situación similar. (4) Pueda estimarse que el representante de la clase
protegerá adecuadamente los intereses de SUS miembros, como requisito esencial para que sea
cumplido El debido proceso legal em cuanto a los miembros presentes y a los ausentes de la clase
(MAURINO; NINO; SIGAL, 2005, p. 35).
176
166
Existe controvérsia doutrinária sobre tratar-se a representatividade adequada como uma questão
preliminar ou prejudicial, porém, é pacífico entre os estudiosos de que a representatividade adequada
é uma questão prévia que deve ser necessariamente resolvida antes do julgamento do mérito da
pretensão (ALVIM, 1977, p. 11-25).
178
167
La sección (c) (2) de la Regla 23 establece, solamente para el caso de configurarse una acción de
clase del tipo (b.3), que la notificación debe ser la mejor posible, esto es la notificación individual de
todos los miembros del grupo que puedan ser razonablemente identificados y la notificación general
para todos los miembros que no lo sean. A su vez la ley determina que la notificación debe incluir,
como mínimo: a) El anuncio de que el juez excluirá del grupo al miembro que así lo requiera dentro
del plazo estipulado y notificado em esse momento; b) que el fallo sea favorable o no a los intereses
de la clase, incluirá a todos los miembros que no soliciten su exclusión dentro del plazo anteriormente
señalado; y c) Que cualquier miembro que no haya solicitado su exclusión podrá participar del juicio
com patrocínio letrado (MAURINO; NINO; SIGAL, 2005, p. 39).
179
168
Para a aceitação de uma demanda proposta por um interessado como class action, é necessário o
atendimento de alguns requisitos: a) deve haver uma classe; b) aquele que se pretende adequado
representante deve ser membro atual da classe; c) a classe deve ser tão numerosa que a reunião de
todos os seus membros demonstre-se impraticável; d) as questões que dão ensejo ao litígio de fato
ou de direito, devem ser comuns aos membros da classe e predominar com relação às questões
individuais; e) as pretensões deduzidas pela “parte ideológica” devem ser típicas da classe; f) há
necessidade de reconhecimento de efetiva representação adequada (não simplesmente potencial)
dos interesses de toda a classe, pelo individuo presente na relação processual (o que envolve não
somente a ausência de conflitos entre os membros da classe e os ausentes, como ainda a presença
de advogado especializado, que tenha condições de lidar com a complexidade de questões que
podem se apresentar no desenvolvimento do processo); g) a hipótese trazida a juízo se amoldar a
uma das situações indicadas na Rule 23, i. é. se há risco de se ter regras individuais de conduta
incompatíveis entre si, se há busca de uma injunção a favor ou contra a classe para que sejam
respeitados direitos civis, ou, ainda, se é conveniente, por economia processual e segurança jurídica,
a junção de centenas, milhares ou milhões de lides individuais (multiple litigation) para uma decisão
vinculante, conjunta e uniforme, salvo hipótese de autoexclusão (LEONEL, 2011, p. 65).
169 As class actions norte-americanas podem ter a sua origem histórica traçada já no século XII,
quando grupos sociais litigavam nos tribunais ingleses, representados pelos seus líderes. Trata-se da
gênese do instituto da representatividade adequada considerado o fundamento regente ao
entendimento do instituto das class actions a partir das proposições teóricas delineadas pelo direito
norte-americano (GIDI, 2007, p. 40-57).
180
são as pessoas que nela estão incluída , assim como, deverá demonstrar
quais pessoas podem ser incluídas em tantas subclasses quantas forem
consideradas viáveis e necessárias ao caso concreto.
2- Aquele que se pretende adequado representante deve ser membro atual da
classe. A condição de legitimado processual do representante adequado
perpassa pela demonstração de que é membro integrante da classe que
pretende representar.
3- A classe deve ser tão numerosa que a reunião de todos os membros torna-se
algo impraticável, ou seja, é necessário que o representante adequado
demonstre que o número excessivo de membros da classe torne dificultoso
(ou até inviável) o exercício regular da jurisdição.
4- As questões que deram ensejo ao litígio, sejam as de fato, sejam as de
direito, devem ser comuns a todos os membros da classe, ou seja, é
necessário demonstrar previamente o caráter coletivo da pretensão objeto da
ação de classe. É necessário esclarecer preliminarmente qual será o objeto
da ação coletiva a fim de delimitar previamente os possíveis limites objetivos
da coisa julgada.
5- A pretensão deduzida pelo autor da ação (representante adequado) deve ser
comprovadamente de caráter coletivo e nunca ter natureza exclusivamente
individual. Somente será possível a extensão dos efeitos da decisão para
todos os membros da classe se comprovadamente o objeto da ação de
classe for de natureza coletiva.
6- O representante adequado deverá efetivamente representar os interesses de
toda a classe, adotando todas as medidas jurídico-legais necessárias para a
defesa dos direitos de titularidade de todos os membros que compõe a
classe, não se omitindo e, tampouco, quedando-se inerte na proteção dos
direitos coletivos e difusos que integra a pretensão deduzida em juízo.
7- Na proteção dos direitos de toda uma classe o Judiciário deve ser cuidadoso
no sentido de não violar regras que protegem condutas individuais e, ao
mesmo tempo, ser cauteloso para também não proteger direitos individuais
em detrimento dos direitos coletivos e difusos. A fim de garantir a economia
processual e a segurança jurídica o julgador deverá conciliar, na medida do
possível, todos os direitos de natureza individual e coletiva no momento em
181
170
En lo que respecta AL procedimiento de las acciones de clase, el juez deberá decidir en primer
lugar se acepta la acción como proceso de clase a través del acto de certificación. Esta orden será
condicional y puede ser modificada em cualquier momento hasta la decisión sobre el fondo Del
asunto (MAURINO; NINO; SIGAL, 2005, p. 38).
171
Si todos los prerrequisitos y los requisitos da la acción de clase han sido satisfechos, la decisión
final tendrá efectos vinculantes para todos los miembros de la clase, hayan participado o no del
proceso. Esta es una excepción a cierto principio general asumido em Estados Unidos según el cual
una persona que no haya tenido su “dia em la Corte” no puede ser sometida a uma decisión judicial.
Refleja um reconocimiento de que el sistema judicial debe ser capaz de evitar la demora y gastos que
ocasionan múltiples litígio por uma misma cuestión (MAURINO, NINO; SIGAL, 2005, p. 40-41).
182
A Corte deve ser precisa na distinção dos danos sofridos pela classe como
um todo frente aos danos causados pelo réu a cada membro integrante da classe
especificamente. Nas hipóteses em que o pagamento de todos os danos
individualmente sofridos não esgotar a responsabilidade do devedor tal como ficou
decidido, existe a possibilidade da Corte se utilizar do fluid class recovery, que se
trata de um instituto cuja utilização é mais voltada para fornecer um beneficio geral
para toda a classe do que especificamente compensar cada um dos indivíduos que
a formam. Além disso, o respectivo instituto também se presta a garantir a reparação
dos danos para aquelas pessoas ou membros da classe que, sequer, tenham
conhecimento da ação e que, entretanto, não teriam direito a propositura de uma
ação individual para vindicar o quanto declarado na sentença, tendo em vista o
advento da coisa julgada172 e de seus efeitos jurídico-legais. O fuid class recovery é
um instituto freqüentemente utilizado com o propósito de assegurar que a
indenização reconhecida em uma class action beneficie todos os membros da classe
presentes ou ausentes, de forma individual e coletiva, sem qualquer exceção.
Outro tema correlato a toda problemática cientifica em questão diz respeito à
possibilidade de realização de acordo envolvendo o objeto das class actions. Na
sistemática jurídica adotada pelos Estados Unidos da América, toda proposta de
acordo visando o encerramento de uma ação coletiva, especificamente uma ação de
classe, deve ser submetido ao crivo da Corte, que é quem detém a legitimidade da
análise e da aprovação ou não do respectivo acordo, cuja produção dos efeitos
jurídico-legais somente será possível após a regular homologação pelo órgão
jurisdicional. A proposta de acordo apresentada pela parte demandada deve ser
conhecida integralmente pela parte autora, ou seja, conforme estabelece a Rule
23(e), nas hipóteses em que a classe já tenha sido certified, obrigatoriamente deverá
ser efetivada uma fair notice da proposta de acordo, garantindo-se, por conseguinte,
à representatividade adequada, ou seja, o direito de participar de forma direta do
172
No que atine ao binding efect, ou seja, limites subjetivos da coisa julgada, desde que considerada
adequada a representação, e tendo os integrantes da classe recebido a notificação (fair notice) dando
conta da propositura da demanda coletiva, a decisão, acobertada pelos efeitos da coisa julgada,
vinculará todos os integrantes da classe tanto na hipótese de procedência como de improcedência da
ação. A Regra 23 atribui certo poder discricionário ao juiz de delimitar a extensão dos efeitos
subjetivos da res judicata. Ademais, assegura-se ao membro da classe regularmente notificado, nos
casos de ação destinada à obtenção de indenização, a possibilidade de requerer a sua autoexclusão
(right to opt out), e não ser atingido pelos efeitos da decisão, podendo a qualquer tempo ajuizar
demanda individual com relação aos mesmos fundamentos de fato deduzidos na demanda coletiva
(LEONEL, 2001, p. 73).
183
cada interessado (devem ser decididas de forma idêntica para todos os membros da
classe). Considerando-se a indivisibilidade do objeto da ação coletiva, sabe-se que
em eventual acordo torna-se temerário pensar na proteção jurídica individualizada
dos interesses de cada membro da classe.
O modelo de processo coletivo norte-americano foi construído basicamente a
partir do sistema das class actions173, regida essencialmente pelo sistema
representativo. Trata-se de um modelo de processo coletivo semelhante ao que
existe no Brasil: no Brasil terá legitimidade para a propositura de uma ação coletiva
todas aquelas pessoas e instituições previamente autorizadas pelo legislador a
atuarem na condição de legitimados extraordinários; nos Estados Unidos da América
uma pessoa ou um grupo de pessoas terá legitimidade para propor uma ação de
classe a fim de defender e vindicar em nome próprio direito próprio e direitos alheios
(número determinado, determinável ou indeterminado de pessoas titulares de
direitos comuns = direitos coletivos e direitos difusos).
Certamente trata-se de um modelo de processo coletivo incompatível com a
Constituição brasileira de 1988 que adotou o Estado Democrático de Direito,174
regido essencialmente pelos princípios da soberania popular e pela cidadania,
fundamentos jus-filosóficos hábeis a legitimar discursivamente a participação de
todos os interessados difusos e coletivos na construção participada do mérito
processual das ações coletivas.
173
Sintetizando o regramento da class action, podemos anotar que: a) quanto ao objeto da demanda,
há necessidade de pluralidade de interessados determinados ou determináveis, cuja atuação
conjunta se torna impraticável, sendo o objeto litigioso comum a todos; b) quanto à legitimação, há
possibilidade de atuação de qualquer componente da classe, sem necessidade de autorização, desde
que titular de uma posição jurídica similar à dos demais; c) quanto aos poderes do juiz, são amplos,
tanto na condução do processo como na delimitação do seu objeto; d) resta assegurado o due
processo of law através da adequacy of representation; e) quanto à extensão ultra partes dos limites
subjetivos do julgado, ocorre indiscriminadamente, na medida em que tenha ocorrido regularmente a
far notice a respeito da demanda, assegurando-se o direito de exclusão (right to opt out) (LEONEL,
2001, p. 73).
174
Pela ótica de que a cidadania, além de ser o fundamento da Democracia, é o comprometimento
com os fundamentos da auto-existência e esta inclusão deve ser solicitada pelo processo (direito
garantia de reivindicar e fiscalizar os direitos assegurados na Constituição (DEL NEGRI, 2008, p. 78).
185
175Outro padrão adotado é o dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e outros países que admitem a
class action. Nesse sistema há um alargamento do juízo para a discussão de um problema referente
a uma classe ou categoria de pessoas. Aquele que propõe a ação (chamado de class actori) não
precisa de prévia autorização através de lei especifica. Normalmente é uma associação que se
apresenta em juízo como representante de uma classe. O ressarcimento do dano não fica limitado ao
indivíduo prejudicado, alcançando toda a extensão do ato violador. O juiz deve exercer um importante
papel de controle da admissibilidade da representação (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 139-140).
Segundo Vigoriti (1979, p. 261), a “class actio” é oriunda do Bill of Peace do direito inglês, no século
XVII, cujo desenvolvimento e importância somente foram alcançados com a Regra 23 das Federal
Rule of Civil Procedure, de 1938. Nessa norma se reafirma que somente se pode recorrer à class
action quando resulte praticamente impossível unir no mesmo processo todos os interessados
(MACIEL JUNIOR, 2006, p. 142)
186
176 [...] Os modelos de legitimação para agir que se seguiram, como veremos adiante, na verdade
procura reduzir o fenômeno coletivo, difuso, a um sistema de representação no qual se reconheceria
a “um” ente ou a uma pessoa qualidade para representar a vontade de todos. Como veremos, isso
nada mais é do que a reprodução do modelo da legitimação para agir do processo individual, no qual
um sujeito eleito pela norma como o detentor da legitimação representa todos os possíveis
interessados e em nome deles atua como um representante adequado daqueles que suportam os
efeitos do provimento (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 135).
177
Os legitimados para a ação civil pública são aqueles que integram o rol do art. 5º da Lei Federal nº
7347/85, ou então, aqueles constantes do rol do art. 82 da Lei Federal nº 8078/90, sempre lembrando
que as disposições desse último diploma se aplicam não apenas às ações coletivas em que se
tutelem os interesses transindividuais dos consumidores, mas também a quaisquer interesses
187
difusos, coletivos, ou individuais homogêneos, diante da reciprocidade dos diplomas, criadas através
do art. 21 da Lei de Ação Civil Pública e do art. 90 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
(VIGLIAR, 1999, p. 74).
188
178
Pressupondo o processo como um instrumento democrático da racionalidade, ele necessariamente
deverá permitir que dele participem todos os que afirmem um interesse e invoquem o prejuízo sofrido
demandando uma solução hipoteticamente prevista na norma, no sistema jurídico (MACIEL JUNIOR,
2006, p. 170).
190
3.3.1 O MÉRITO PROCESSUAL NAS AÇÕES COLETIVAS VISTO SOB A PERSPECTIVA DOS
180
Além de não existir, nas propostas apresentadas a público, a disciplina de todos os institutos
estruturais do direito processual coletivo, nota-se que essas propostas não rompem com as amarrar
liberais individualistas do Código de Processo Civil (ALMEIDA, 2007, p. 4).
194
181
Na fase instrumentalista, o direito processual passa a ser concebido como meio, como instrumento
de realização da justiça por intermédio dos denominados escopos da jurisdição. A postura metódica,
nesta fase instrumentalista do direito processual, que é a visão que hoje prevalece, é pluralista e se
compõe de vários elementos (político, técnico-jurídico, social, sistemático, ético, econômico, histórico
etc.) (ALMEIDA, 2007, p. 22-23).
195
182
Dentro de uma visão mais flexível, há quem identifique a origem remota do código na Antiguidade.
Essa concepção considera como códigos obras como o Código Theodosiano (Codex Theodosianus)
e o Corpus Iuris do Direito Romano. Dentro desse contexto, há quem faça a distinção entre
codificações antigas e codificações modernas. Para tal doutrina, as codificações antigas possuíam
um caráter geral e visavam ao direito em sua totalidade. As codificações modernas seriam especiais
e disciplinavam um só ramo do direito. As antigas decorriam de simples compilações, já as modernas
eram sistematizadas em sua forma. Os códigos antigos eram compostos pela reunião de leis,
princípios jurídicos, doutrinas e os códigos modernos, compostos somente de preceitos legais
enunciadores de regras ou de princípios. Os códigos antigos eram redigidos de forma difusa,
diferentemente dos códigos modernos, que utilizavam forma breve e concisa. Entretanto, existem
aqueles que, partindo de uma concepção mais restritiva, diretamente ligada à noção de sistema no
campo do Direito, somente admitem a idéia de código, como sistemas de direito, a partir dos séculos
XVIII e XIX, por força do iluminismo e do jusracionalismo (ALMEIDA, 2007, p. 7-8).
198
longo do século XIX, em que a premissa maior era a norma legal em abstrato
(genérica), a premissa menor era o caso concreto e a conclusão consistia na
adequação dos fatos mediante a aplicação da norma ao caso concreto. Nesse
período o direito vigente se pautou essencialmente na filosofia liberal-individualista e
foi constituído por meio de sistemas jurídicos codificados, rígidos, hermeticamente
fechados, auto-suficientes e em cima da idéia de completude do próprio sistema
jurídico. “Com a impermeabilidade e inflexibilidade dos grandes diplomas normativos
oitocentistas às mudanças e às transformações sociais, esses sistemas de
codificação fechada vieram a perder a legitimidade social [...]” (ALMEIDA, 2007, p.
19).
Em virtude do dinamismo e da complexidade das relações sociais ao longo da
história183 da humanidade os códigos oitocentistas184 deram lugar, a partir do século
XX, às codificações mais flexíveis e, em especialmente, àquelas desenhadas em
cima de conceitos indeterminados e cláusulas abertas. Rompe-se com o positivismo
centrado em interpretações essencialmente literais para iniciar um novo período em
que o direito passa a ser interpretado conforme o contexto histórico e social em que
o mesmo será aplicado. “É necessário que os códigos atuais sejam dotados de
mobilidade necessária que possam ser atualizados por intermédio de interpretação e
aplicação concreta. Para tanto, é fundamental que sejam dotados de cláusulas
gerais que lhes confiram a mobilidade necessária” (ALMEIDA, 2007, p. 19).
Não se pode confundir conceitualmente os conceitos de codificação e de
consolidação: “a consolidação é o mero recolhimento de normas já existentes, com
incidência especialmente nos momentos de exaustão legislativa, ao passo que o
código, formado por um corpo legislativo novo, é animado por um espírito inovador”
183
Com o fenômeno denominado sociedade de massa e, especialmente, com sua manifestação
social, a emergência cada vez mais intensa da sociedade de consumo, com o surgimento de novas
relações jurídicas não regulamentadas por esses sistemas fechados, em que o consumidor passava a
figurar cada dia mais intensamente como a parte mais fraca, esse sistema do direito civil, implantado
por força do liberalismo, tornou-se obsoleto, totalmente inadequado para a regulamentação de
situações jurídicas novas e especiais, o que passou a ser vivenciado já no final do século XIX e se
intensificou radicalmente após a Segunda Guerra Mundial, com a eclosão da massificação social,
geradora de intensa conflituosidade social (ALMEIDA, 2007, p. 27).
184
As codificações francesas, ao lado das codificações belga, prussiana, austríaca e ainda algumas
codificações esparsas italianas no inicio do século XIX, representaram um fenômeno totalmente novo
na conjuntura moderna. Diferentemente das codificações de outras eras, como a justiniana, a veda ou
a mosaica, o que ocorreu no século XIX foi a efetivação de um novo método de aplicabilidade
jurisdicional, caracterizado pela subsunção de casos concretos a dispositivos escritos e abstratos.
Esse fenômeno tem características próprias – de certa forma, inéditas na história conhecida -, porque
as demais codificações primaram-se pela sua natureza enciclopédica ou antológica, constituindo, de
fato, compêndios e registros de um tempo ou de uma civilização (GONTIJO, 2011, p. 10).
199
(ALMEIDA, 2007, p. 8). A primeira grande codificação ocorreu no ano de 1804 com o
advento do Código Civil de Napoleão185, que em termos jurídicos e históricos
representa um marco no estudo e na compreensão do direito civil, sendo utilizado
como norte para o inicio de um movimento de codificação que se estendeu ao longo
de todo o século XIX e especialmente durante a primeira metade do século XX, com
reflexos diretos no direito brasileiro. Em 1812 temos o Código Civil austríaco,
embora o Código Civil alemão (BGB), do ano de 1896, é apontado como a segunda
grande codificação e reflexo do amadurecimento das proposições teórico-jurídicas
trazidas pelo Código Civil de Napoleão186. “Depois vieram as codificações
denominadas tardias, tais como o Código Civil Suíço de 1907, o grego de 1940, o
italiano de 1942 e o português de 1966, que mantiveram, em síntese, as principais
diretrizes das duas grandes codificações anteriores [...]” (ALMEIDA, 2007, p. 11).
Ao longo de todo o século XIX os estudiosos se debruçaram sobre o debate
acerca da autonomia cientifica do direito processual em face do direito material; ou
seja, buscava-se a superação do modelo imanentista, em que o direito material era
considerado o patamar e o fundamento para o entendimento do direito processual.
Historicamente o Código de Processo Civil francês no ano de 1806 representa o
marco legislativo da autonomia cientifica do direito processual frente ao direito
material, algo que veio se sedimentar mais tardiamente com a obra do alemão Oskar
vön Bulow no ano de 1868 (Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais),
para quem o processo é visto como uma relação jurídica entre juiz, autor e réu e
185
Eis uma história do Code Napoleón (Código de Napoleão): o discurso político subversivo iluminista
pregava a necessidade de criação de um corpo legal escrito, sob a justificativa de buscar clareza,
simplicidade, objetividade e unidade. De todas essas pretensões, à idéia de unidade, em particular,
dá-se maior importância, pois ela coaduna com as aspirações sistematizadoras, por influência das
ciências naturais. A idéia de um ordenamento jurídico sistematizado e, portanto, unificado, tornou-se
uma das estruturas metodológicas mais aceitas pelas escolas de direito nos tempos subseqüentes
(GONTIJO, 2011, p. 11-12)
186
A aprovação final do Código Civil francês se deu por iniciativa do próprio Napoleão Bonaparte, que
a partir de 1800 nomeou uma comissão de juristas coordenados pelo político liberal Jean Etienne
Marie Portalis. Aqui se apresenta um segundo aspecto percebido na decorrência da construção do
Código. Além do abandono definitivo da concepção humanista, de cunho iluminista. Napoleão, como
Primeiro-Cônsul, portanto representante do Poder Executivo, invadiu o espaço do Poder Legislativo,
no momento sob a nomenclatura de Conselho do Estado. Na verdade, o principio da tripartição do
poder defendido por Montesquieu, por efeito francamente iluminista, estava sendo pisado. Bonaparte
participou de 57 das 102 sessões para a discussão e votação do projeto.
Ora, como o Código Civil regularia, segundo o convencimento da época, todas as dimensões sociais
francesas? Napoleão, estando à frente desse empreendimento, se considerava estrategicamente
responsável por este fulminante passo histórico. De sorte que atraia muita atenção política, sobretudo
de grupos econômicos que lhe atribuíam mais poder. Dessa forma, Bonaparte colocava-se
estrategicamente à frente da barganha política angariando-lhe maior gama de jogos de interesses,
pois se entendia o direito civil como coluna dorsal de todo corpo jurídico (GONTIJO, 2011, p. 14).
200
187
[...] o modelo das codificações atuais são móveis, dinâmicos e até abertos, os quais devem permitir
a mais adequada permeabilidade com o meio social. São modelos pautados por princípios e
cláusulas gerais que permitem maior dinamismo e destacada mobilidade do sistema implantado. São
modelos mais harmônicos e que se fundam no diálogo entre outras fontes legislativas, evitando-se
conflitos de normas muitas vezes insolúveis e prejudiciais à sociedade (ALMEIDA, 2007, p. 35).
202
procedimento que regerá as ações e o processo coletivo nos ditames trazidos pela
constitucionalidade democrática; a ressemantização do dogma da coisa julgada e de
seus efeitos jurídico-legais com relação a todos os interessados difusos e coletivos
que integraram ou não a relação processual ora instituída; a revisitação do sistema
representativo de institucionalização prévia dos legitimados à propositura das ações
coletivas a partir do entendimento do principio da participação popular e do exercício
da cidadania como um dos pilares do Estado Democrático de Direito e, acima de
tudo, a reconstrução crítica de toda a estrutura proposta de um modelo de processo
coletivo que se estruturou e se desenvolve hoje no Brasil ainda preso aos
paradigmas liberais que orientaram a confecção da legislação processual civil
vigente.
“O objeto formal do direito processual coletivo é composto pelo conjunto de
princípios, garantias e regras processuais que disciplinam o exercício da ação
coletiva, jurisdição coletiva, do processo coletivo, da defesa do processo coletivo e
da coisa julgada coletiva” (ALMEIDA, 2007, p. 58). A autonomia cientifica do direito
coletivo e do direito processual coletivo, assim como a superação do liberalismo
individualista clássico188, considerado a base de todo o processo civil, representam
os primeiros passos para justificar fundamentadamente a possibilidade de
codificação do direito processual civil coletivo.
A codificação do direito processual coletivo tornará mais uniforme e claro o
objeto formal dessa área do Direito, que consiste, simultaneamente, na
regulamentação tanto do direito processual coletivo comum (visa a resolução de
conflitos coletivos no plano da concretude) como do direito processual coletivo
especial (voltado para o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade)189.
Classicamente o processo coletivo é visualizado quando do estudo da ação popular,
da ação civil pública e do mandado de segurança coletivo, voltados para a
apreciação e a resolução de conflitos envolvendo direitos coletivos ou difusos no
plano concreto. Porém, não se pode deixar de ressaltar que nos processos em que
188
[...] Os institutos clássicos do direito processual civil (legitimidade, estabilização da demanda,
pedido e sua interpretação, coisa julgada etc.), conceituados e concebidos com base em uma técnica
fundada no liberalismo individualista dos séculos XVIII e XIX, não se amoldam às diretrizes do direito
processual massificado, de natureza coletiva constitucional (ALMEIDA, 2007, p. 58).
189
o jurista Gregório Assagra de Almeida subdivide o direito processual coletivo brasileiro em especial
e comum. O direito processual coletivo especial destina-se ao controle concentrado e abstrato de
constitucionalidade por meio da ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de
constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental, ressaltando-se que o
seu objeto material consiste na tutela de interesse coletivo objetivo legitimo.
203
190
Em que pesem pequenas variações semânticas em torno desse núcleo essencial, entende-se
como Estado Democrático de Direito a organização política em que o poder emana do povo, que o
exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas,
mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como
proclama, entre outras, a Constituição brasileira. Mais ainda, já agora no plano das relações
concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se
empenha em assegurar aos cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos,
mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a
solene proclamação daqueles direitos (MENDES, COELHO; BRANCO; 2008, p. 149).
191
O principio democrático, portanto, é a diretriz primária estrutural que deve orientar a construção de
um código brasileiro de direito processual coletivo que corresponda aos verdadeiros anseios sociais
às garantias constitucionais fundamentais do Estado Democrático de Direito consagrado na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (ALMEIDA, 2007, p. 63).
205
192
A utilização freqüente pelos autores da escola paulista de processo da expressão “direito
processual civil coletivo” denota claramente a ausência de superação do paradigma liberal-
individualista como norte ao estudo e a compreensão jurídica do direito processual coletivo como
ramo autônomo da ciência jurídica.
206
associações sem fins lucrativos legalmente constituídas há pelo menos dois anos.
Não houve substanciais avanços e modificações quanto à legitimidade processual
ativa se pegarmos como referência o disposto no artigo 5º da Lei 7347/85 (Lei de
Ação Civil Pública).
No item 2.1 o anteprojeto prevê a possibilidade do grupo como um todo e
seus membros serem partes no processo coletivo representados em juízo pelo
legitimado coletivo (GIDI, 2008, p. 447). Já no item 2.2 verifica-se que sempre que
possível “o grupo será representado em juízo por mais de um legitimado coletivo, de
forma a promover uma representação adequada dos direitos do grupo e de seus
membros (GIDI, 2008, p. 447).
Nos itens 2.1 e 2.2 estaria o autor do anteprojeto adotando o principio
participativo como critério de sistematização do processo coletivo brasileiro?
Certamente tal afirmação seria precipitada no sentido em que pela análise
sistemática do conteúdo de todo o anteprojeto verifica-se que a titularidade para a
propositura das ações coletivas concentra-se basicamente nas mãos de entidades
que representam os interesses de toda uma coletividade ou um grupo de pessoas.
Além do mais, o autor do anteprojeto não deixou claro que todo e qualquer
legitimado teria interesse e legitimidade processual quanto à propositura de uma
ação coletiva. A legitimidade foi conferida expressamente ao grupo de pessoas
titular de um direito comum ou a um representante desse grupo de pessoas
habilitado a pleitear em nome dos demais um determinado direito, tal como ocorre
no sistema das class actions. No momento em que há a limitação da participação
dos interessados difusos ou coletivos na propositura de uma ação coletiva não é
possível afirmar que houve a efetiva implementação do sistema participativo, até
porque, o que o autor do anteprojeto faz é autorizar a nomeação de um
representante adequado, tal como se verifica no sistema norte-americano das class
actions. Importante esclarecer que conferir legitimidade processual para o
representante adequado propor ação coletiva para tutelar direitos em nome de um
grupo de pessoas, não oportunizando a participação direta do titular da pretensão no
debate do mérito processual da demanda, não significa a ruptura com o sistema
representativo e a adoção do sistema participativo no contexto das ações coletivas.
No item 2.5 temos ainda um modelo de processo coletivo centrado
essencialmente na pessoa do julgador: “o juiz poderá dispensar o requisito da pré-
constituição e da pertinência temática ou atribuir legitimidade coletiva a membros do
208
193
Ao longo de todo o livro Rumo a um Código de Processo Civil Coletivo o jurista Antônio Gidi
demonstrou que o norte de todas as suas reflexões voltadas a codificação do processo coletivo no
Brasil pautou-se exclusivamente no direito norte americano, tal como a seguir exposto (GIDI, 2008):
a)”Devemos buscar inspiração nós mesmos diretamente na fonte, sem o intermédio da doutrina
italiana (p. 37); b) “Nas décadas de 80 e 90, os juristas brasileiros estudaram o instituto norte-
americano, através da lente distorcida dos juristas italianos, para criar nossas leis (LACP e CDC) (p.
38); c) “ A Rule 54 (c), das Federal Rules of Civil Procedure norte-americanas, prescreve que exceto
no caso de revelia, a sentença conterá o provimento que a parte tenha direito, mesmo que a parte
não tenha feito pedido na petição inicial” (p. 46); d) “Trata-se de norma influenciada indiretamente
pelo direito processual civil norte-americano, que possui um sistema muito mais flexível do que o
brasileiro, permitindo que o processo se adapte às modificações da situação de fato e às expectativas
das partes, que se alteram no decorrer do processo” (p. 46); e) “a norma do Anteprojeto Original, que
autoriza o juiz a desmembrar o processo e a separar os pedidos ou as causas de pedir, tem origem
no processo civil individual norte-americano” (p. 57); f) “A norma do Anteprojeto Original sobre a
notificação coletiva adequada (adequate notice) ao grupo e seus membros tem origem na tradição
das class actions norte-americanas” (p. 61); g) “O excesso de familiaridade com o direito norte-
americano pode ter nos traído [...]” (p. 107); h) “[...] os critérios que construímos com a experiência
das class actions norte-americanas [...]” (p. 107); i) “[...] décadas de experiência prática com
processos coletivos nos Estados Unidos para servir de guia para a atuação das partes e do juiz
brasileiros” (p. 110); j) “O estudo das class actions norte-americanas demonstra [...]” (p. 116); k)” O
209
class actions; talvez seja por isso que a jurista Ada Pelegrini Grinover e o
pesquisador Kazuo Watanabe não tenham aceitado de imediato o anteprojeto
original como referencial à elaboração da proposta de um Código Modelo Ibero-
Americano por considerá-lo extremamente americanizado ao reproduzir, em muitos
pontos, o modelo de processo coletivo adotado no direito norte-americano. Antônio
Gidi certamente pretendeu implantar no Brasil o sistema das class actions194,
conforme análise atenta e detalhada da proposta legislativa abaixo (GIDI, 2008, p.
448-459):
estudo do direito processual civil norte-americano demonstra [...]” (p. 125); l) “Uma prova de que a
sentença genérica (ilíquida) não é exigência da natureza da demanda coletiva em tutela dos direitos
individuais homogêneos é a realidade norte-americana” (p. 158).
194
Deve-se observar, ademais, que o “Código de Processo Civil coletivo” parte de uma visão
monotemática do processo coletivo. Segue, exclusivamente, um único paradigma: o sistema das
ações coletivas norte-americanas. Isso ficou demonstrado no livro Rumo a um Código de Processo
Civil coletivo, uma vez que todas as observações feitas a respeito do processo coletivo brasileiro
tomam como ponto de partida o modelo norte-americano; em toda a obra não há citação de
jurisprudência brasileira. A referência jurisprudencial feita é toda baseada em decisões de tribunais
americanos. Basta verificar que o trabalho critica ferrenhamente o disposto no artigo 28 do
Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos se valendo de decisões norte-americanas.
Não foram sequer mencionados os inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça a respeito do
assunto. Claro que as class actions norte-americanas ocupam lugar de destaque na seara processual
coletiva. Todavia, existem vários outros paradigmas a serem observados e estudados. Sem prejuízo
da hegemonia dos Estados Unidos no cenário mundial, o fato é que existe vida fora dele. E vida
jurídica. E vida processual coletiva (FERRARESI, 2011).
195
O estudo das class actions norte-americanas demonstra a utilidade prática de uma fase preliminar
de certificação do processo coletivo, na qual o juiz analisará a presença dos requisitos processuais
para o seu processamento na forma coletiva. No direito norte-americano, antes que uma ação possa
ser considerada em sua forma coletiva, o juiz deverá verificar se todos os requisitos processuais
estão presentes. Essa decisão, que autoriza e dá estrutura coletiva à ação proposta, é chamada
“certificação” (certification). Trata-se de uma decisão fundamental dentro da sistemática processual
coletiva norte-americana. Entre as questões mais importantes analisadas no momento da certificação
de uma class action estão: a numerosidade, a questão comum, a tipicidade, a adequação da
representação, as hipóteses de cabimento, a predominância, superioridade, administrabilidade, a
definição do grupo e a notificação (GIDI, 2008, p. 116-117).
196
A advocacia no Brasil é constitucionalmente tratada com função essencial a justiça e o seu
exercício deve ser livre e independente. A legitimidade para o controle do exercício legítimo da
advocacia pelos seus profissionais cabe ao órgão de classe, qual seja, a Ordem dos Advogados do
Brasil. O magistrado não tem legitimidade para controlar nem para valorar a qualidade do serviço
prestado pelo profissional da advocacia. Por isso, manifesta-se no sentido de reconhecer como
inconstitucional a respectiva proposta legislativa por limitar e deslegitimar o exercício livre e
210
independente da advocacia tal como preconizado expressamente nos artigos 133 a 135 da
Constituição brasileira de 1988.
197
[...] é importante não tornar esse procedimento financeiramente inviável ou um entrave
burocrátizante para o processo coletivo. Por exemplo, as cartas poderiam ser enviadas apenas para
as associações e entidades públicas mais ligadas ao tipo de controvérsia e, talvez, para alguns
membros do grupo selecionados por amostragem; os demais membros poderiam ser notificados por
técnicas menos custosas (Anteprojeto Original, art. 5.1). Tudo deve ser feito de forma simples,
econômica e rápida. O art. 5.13 do Anteprojeto Original autoriza, quando cabível, que a notificação
seja inserida na correspondência periódica que o réu envie aos membros do grupo (GIDI, 2008, p.
67).
198
A regra tradicional, que limita rigidamente o objeto do processo e proíbe o juiz de julgar além do
que foi pedido pelo autor, que já é inútil e injusta no processo individual, passa a ser, não somente
desnecessária, como altamente perigosa, se for transferida para o processo coletivo, no qual o autor
não é o titular do direito levado a juízo. No processo coletivo, a necessidade de tutelar a controvérsia
211
coletiva de forma completa e adequada é mais importante do que esse dogma do processo civil
individual (GIDI, 2008, p. 47).
O amadurecimento do Processo Civil brasileiro contemporâneo já comporta o repensar das vetustas
normas de preclusão e do principio da eventualidade, fugindo de um sistema rígido para um sistema
flexível de estabilização da demanda. No Anteprojeto Original, de acordo com os arts. 7 e 16, o objeto
do processo coletivo será o mais abrangente possível, envolvendo toda a controvérsia coletiva entre o
grupo e a parte contrária, independentemente de pedido, incluindo tanto as pretensões
transindividuais, de que seja titular o grupo, como as pretensões transindividuais, de que seja titular o
grupo, como as pretensões individuais, de que sejam titulares os membros do grupo, desde que não
represente prejuízo injustificado para as partes e o contraditório seja preservado (GIDI, 2008, p. 48).
199
A norma do Anteprojeto Original, que autoriza o juiz a desmembrar o processo e a separar os
pedidos ou as causas de pedir, tem origem no processo civil individual norte-americano. Essa norma
deve ser compreendida em conexão com aquela do objeto amplo do processo, acima analisada.
Como o Anteprojeto Original optou por delimitar o objeto do processo de forma tão abrangente, essa
flexibilidade poderia causar complexidade desnecessária ao processo coletivo, a ponto de dificultar o
seu andamento. Portanto, para facilitar a condução do processo, se faz necessário autorizar ao juiz
desmembrar o conflito coletivo em partes menores (GIDI, 2008, p. 58).
200
A norma sobre o controle judicial da “representação” adequada tem origem na tradição das class
actions norte-americanas. O seu objetivo é minimizar o risco de colusão entre as partes, incentivar
uma conduta vigorosa pelo “representante” e pelo advogado na tutela dos interesses de todos os
membros do grupo (GIDI, 2008, p. 76).
212
201
Gregório Assagra de Almeida divide o Direito Processual Coletivo em comum e especial. Segundo
a classificação do autor, o processo coletivo comum destina-se à resolução dos conflitos coletivos
subjetivos concretos através da ação civil pública, das demandas coletivas do CDC, do mandado de
segurança coletivo etc. Já o processo coletivo especial destina-se ao controle concentrado e abstrato
da constitucionalidade das leis, através da ação direta de inconstitucionalidade (por ação ou
omissão), argüição de descumprimento de preceito fundamental etc (GIDI, 2008, p. 397).
215
202
Uma adequada notificação é o mínimo que um processo coletivo adequado (ou “devido”) precisa
proporcionar aos membros do grupo titular da pretensão. De nada adianta o direito de propor
demanda individual de liquidação dos danos, de intervir no processo coletivo para auxiliar e controlar
a adequação do representante, se o membro do grupo (e os demais legitimados coletivos) não têm
informação adequada sobre a existência da demanda coletiva (GIDI, 2008, p. 65).
216
203
Com uma notificação adequada, somada à ampla possibilidade de intervenção (art. 6º) e ao amplo
objeto do processo coletivo (art. 7º), o Anteprojeto Original dá aos processos coletivos, de certa
forma, o caráter de “ação temática” propugnado por Vicente de Paula Maciel Junior (GIDI, 2008, p.
67).
217
IBERO-AMÉRICA.
204
A primeira versão do Anteprojeto de Código Modelo previu a conceituação tripartida dos interesses
e direitos coletivos lato sensu em conformidade com a legislação brasileira, subdividindo-os em
difusos, coletivos e individuais homogêneos. Na segunda versão do Anteprojeto, que restou mantida
220
no Código, procurou-se o consenso mediante uma divisão bipartida, fundada na dicotomia entre
direitos, essencialmente coletivos, porque indivisíveis, e acidentalmente coletivos, na medida em que
apenas a defesa é coletiva, tendo em vista a homogeneidade dos direitos individuais em jogo,
decorrentes de uma origem comum. Na nova redação, não houve, contudo, uma ruptura total em
relação à primeira versão do Anteprojeto. Os direitos e interesses antes denominados difusos e
coletivos em sentido estrito foram, na verdade, agrupados e denominados de difusos, passando o
novo inciso I a compreender conceito alargado e que correspondia anteriormente a incisos I e II da
primeira versão do Anteprojeto (MENDES, 2006, p. 36).
221
205
O caminho trilhado pelo Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América foi no
sentido de democratizar o acesso à Justiça, fortalecendo as ações coletivas, a partir da ampliação do
rol de legitimados. A proposição rompe, portanto, com sistemas tradicionais, que procuram atribuir
222
certa exclusividade a legitimidade ora para órgãos públicos, ora para associações e organizações não
governamentais, como ocorre na Alemanha, ou principalmente para os indivíduos, como acontece
nos Estados Unidos, com as class actions. Previu-se, assim, que são legitimados concorrentemente
para a ação coletiva: 1- qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de
que seja titular em grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato; II- o
membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica base e para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos; III- o
Ministério Público, o Defensor do Povo e a Defensoria Publica; IV- as pessoas jurídicas de direito
público interno; V- as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo
Código; VI- as entidades sindicais, para a defesa dos interesses e direitos da categoria; VII- as
associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins
institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos no código, dispensada a autorização
assemblear; VIII- os partidos políticos, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins
institucionais. Ressalte-se que tanto o Defensor Del Pueblo quanto as entidades sindicais foram
incluídos na segunda versão do Anteprojeto, e ainda acrescentados, por proposta do autor deste
artigo, na redação final, a Defensoria Pública e os Partidos Políticos (MENDES, 2006, p. 38-39).
223
206
Os direitos nascem da aceitação, do consenso sobre as manifestações dos interesses dos sujeitos,
ou do reconhecimento compulsório da validade do interesse manifestado pelo sujeito e admitido pelo
juiz em uma sentença. Os interesses pertencem a uma fase pré-lógica, antecedente, e nunca se
confundirão com os direitos, que exigem um processo de validação, de legitimação dos interesses da
sociedade para que possam ser chamados de direitos (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 55).
225
207
O primeiro ponto positivo é a previsão de legitimação ativa concorrente e pluralista (art. 3º), o que
já estava consagrado no sistema jurídico brasileiro (arts. 129, §1º; 103; 125, §2º, todos da CF/88; art.
5C da Lei 7.347/85; art. 82 da Lei 8.078/90, entre outras disposições legais), que serviu de inspiração
do dispositivo (ALMEIDA, 2007, p. 89).
226
208
A adoção da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova prevista no §1º do art. 12 do Código-
Modelo, cuja orientação pauta-se no sentido de que incumbe à parte que detiver conhecimentos
técnicos ou informações sobre os fatos, ou maior facilidade de demonstração, também é novidade
sem precedente expresso na legislação brasileira, é ponto positivo que representa necessária
mobilidade do sistema jurídico (ALMEIDA, 2007, p. 90).
231
pelos estudiosos que afirmam não se tratar de um código de caráter inovador, tal
como preceitua Gregório Assagra de Almeida209.
A coisa julgada, a conexão e a litispendência são outros temas que possuem
relação direta com a problemática do mérito processual compreendido a partir do
sistema participativo. Em caso de conexão210 e de litispendência211 (a litispendência
no processo coletivo poderá ocorrer mesmo sendo diferente o legitimado ativo e a
causa de pedir) deverá ser assegurado amplamente a todos os interessados difusos
e coletivos (de todas as ações ora propostas e em andamento) o direito de participar
do amplo debate isonômico da pretensão, ou seja, não existe qualquer privilégio ou
prioridade do sujeito que inicialmente propôs a ação coletiva antes dos demais
interessados com relação ao debate e a construção participada do mérito.
O Código-Modelo é expresso ao afirmar que a ação coletiva não induz
litispendência para as ações individuais, ressaltando-se a obrigatoriedade de
suspensão da ação individual (no prazo de 30 dias a contar da ciência da ação
coletiva) para que os seus autores sejam beneficiados pelos efeitos da coisa julgada
coletiva. É dever do demandado na ação coletiva informar o juízo da ação individual
209 [...] O Código-Modelo analisado não traz essa inovação em relação ao sistema jurídico brasileiro,
que até serviu como base para sua elaboração. Para outros países, ele poderá realmente representar
uma inovação, mas para o Brasil não. Os pontos positivos apontados antes, que podem ser
facilmente extraídos da principiologia constitucional do direito processual coletivo, não são suficientes
para eliminar os defeitos estruturais e pontos pontuais negativos, não obstante seja louvável a
iniciativa. O problema estrutural vislumbrado decorre da tímida disposição-extensão do Código-
Modelo, composto somente de 41 artigos, os quais são insuficientes para o tratamento adequado
dessa área do Direito de tão grande impacto e importância social. Não que desejemos uma
codificação com milhares de dispositivos. Não, o que entendemos como razoável é que seja dado
tratamento adequado a todos os institutos relacionados com a projeção jurisdicional dos interesses ou
direitos massificados, o que não ocorre no Código-Modelo. Na forma da sistematização em questão,
o Código-Modelo não rompe com as amarras individualistas do direito processual civil, pois não
disciplina todos os institutos estruturais do direito processual e ainda prevê a aplicação subsidiária do
CPC e legislação especial pertinente sem dispor de regras interpretativas de controle e de limitação
dessa aplicabilidade. Assim, não há, por exemplo, no Código-Modelo, disposição sobre a jurisdição
coletiva, sobre a defesa no processo coletivo, sobre os pressupostos processuais, sobre a
intervenção de terceiros etc. (ALMEIDA, 2007, p. 91).
210
Se houver conexão entre as causas coletivas, ficará prevento o juízo que conheceu da primeira
ação, podendo ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a reunião de todos os
processos, mesmo que nestes não atuem integralmente os mesmos sujeitos processuais
(GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 431).
211
A primeira ação coletiva induz litispendência para as demais ações coletivas que tenham por
objeto controvérsia sobre o mesmo bem jurídico, mesmo sendo diferente o legitimado ativo e a causa
de pedir. A ação coletiva não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa
julgada coletiva (art. 33) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da ação coletiva. Cabe ao
demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de ação coletiva com o mesmo
fundamento, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva
mesmo no caso da demanda individual ser rejeitada (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p.
431).
238
212
Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se
o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova. Mesmo na hipótese
de improcedência fundada nas provas produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação,
com idêntico fundamento, no prazo de (2) dois anos contados da descoberta de prova nova,
superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si só, para mudar
seu resultado (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 431).
239
213
A idéia inicial, voltada para a apresentação de sugestões e propostas para a melhoria do
anteprojeto formulado em São Paulo, acabou evoluindo para uma reestruturação mais ampla do texto
original, com o intuito de se oferecer uma proposta coerente, clara e comprometida com o
fortalecimento dos processos coletivos, culminando com a elaboração de um novo Anteprojeto de
Código Brasileiro de Processos Coletivos, que ora é trazido a lume e oferecido ao Instituto Brasileiro
de Direito Processual, aos meios acadêmicos, aos estudiosos e operadores do Direito e à sociedade,
como proposta para ser cotejada e discutida (MENDES, 2006, p. 281).
242
acarretará a suspensão, por trinta dias, de processos individuais que versem sobre o
mesmo direito em questão; dentro do prazo de suspensão, os autores individuais
poderão requerer a continuação do processo individual, sob pena de extinção sem
julgamento do mérito). Os interessados difusos e coletivos que não tiverem ações
individuais em andamento e que não quiserem sofrer os efeitos da coisa julgada
coletiva poderão optar entre o requerimento de exclusão ou o ajuizamento de uma
ação individual no prazo assinalado, hipótese em que equivalerá à manifestação
expressa de exclusão.
Em busca da maior efetividade214 e celeridade processual a sentença
proferida no processo coletivo, sempre que possível, deverá ser líquida, ou seja, o
juiz deverá fixar na sentença do processo coletivo o valor da indenização individual
devida a cada membro do grupo, categoria ou classe. Trata-se de uma tentativa de
ruptura com a sistemática da condenação genérica no processo coletivo e as
subseqüentes liquidações e execuções individuais que acabam sendo bastante
complexas e demoradas. Apenas quando não for possível é que o juiz proferirá uma
sentença ilíquida.
Novamente temos a previsão da ação coletiva passiva, assim como ocorre no
Código-Modelo. Trata-se de ação em que no pólo passivo encontramos uma
coletividade ou um número indeterminado de interessados difusos ou coletivos
supostamente responsáveis pela eventual violação de direitos. Esclarece-se,
preliminarmente, que os efeitos jurídicos da coisa julgada decorrente das ações
coletivas passivas (assim como nas demais) somente atingirão os membros do
grupo, da categoria ou da classe a quem efetivamente foi assegurado o direito de
participação no debate e na construção do mérito processual da ação coletiva em
questão.
Na análise do artigo 1º encontramos expressamente evidenciada a intenção
de o legislador garantir a maior efetividade possível às tutelas processuais,
autorizando expressamente a possibilidade de utilização de todas as espécies de
ações e de provimentos coletivos capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela. Novamente verifica-se o descuido do legislador quanto à distinção teórica
214
Na esperança que o presente Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos possa
representar uma efetiva contribuição para o aprimoramento do acesso à Justiça, para a melhoria na
prestação jurisdicional e para a efetividade do processo, leva-se à lume a proposta formulada,
submetendo-a aos estudiosos do assunto, aos profissionais do Direito e a toda a sociedade, para que
possa ser amplamente analisada e debatida (MENDES, 2006, p. 285)
243
dos conceitos de “direito e interesse”, haja vista que temos a sua utilização como
palavras sinônimas ao designar os “interesses ou direitos difusos”, os “interesses ou
direitos coletivos” e os “interesses ou direitos individuais homogêneos”.
O parágrafo único do artigo 2º merece uma reflexão especial ao estabelecer:
“Não se admitirá ação coletiva que tenha como pedido a declaração de
inconstitucionalidade, mas esta poderá ser objeto de questão prejudicial, pela via do
controle difuso”. Inicialmente é importante esclarecer que são considerados espécies
de processos coletivos, em razão da natureza coletiva da pretensão, as ações direta
de inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental. Por isso, a primeira parte do parágrafo
único do artigo 2º deve ser cuidadosamente interpretada, até porque, o próprio
objeto das ações ora mencionadas quase sempre é a discussão da
constitucionalidade em tese ou em abstrato de dispositivos legais que integram a
legislação infraconstitucional no Brasil.
A discussão da constitucionalidade de uma lei em sede de controle difuso ou
concentrado, por si só traz no seu âmago o caráter coletivo da pretensão, a ensejar
o direito de todos os interessados e sujeitos afetados pelos efeitos do provimento
poder participar da construção do mérito processual. Desvincular a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade da natureza
coletiva da sua pretensão é descaracterizar todo o sistema jurídico do processo
coletivo a fim de reduzi-lo apenas para a noção casuística e concreta.
A prioridade no processamento e no julgamento215 do mérito processual das
ações coletivas é uma opção legislativa que condiz com a ordem constitucional
democrática brasileira, cujo foco de análise central é a proteção jurídica dos bens e
dos direitos pertencentes a toda uma coletividade de pessoas que anseiam pela
concretização dos Direitos Fundamentais previamente previstos no plano
constituinte.
A possibilidade de conexão entre ações coletivas é resolvida pelo critério da
prevenção, com o intuito de uniformizar os critérios e os fundamentos fático-jurídicos
do debate da pretensão deduzida num mesmo juízo competente para a análise do
mérito para, assim, alcançar a segurança jurídica no que tange à expectativa de
evitar decisões judiciais díspares e contraditórias para um mesmo caso concreto.
Art. 4º. Prioridade de processamento – o juiz dará prioridade ao processamento da ação coletiva
215
216
Art. 13. Custas e honorários – Os autores da ação coletiva não adiantarão custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo comprovada má-fé,
em honorários de advogados, custas e despesas processuais. §1º - Nas ações coletivas de que trata
este código, a sentença condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos, honorários
periciais e quaisquer outras despesas, bem como em honorários de advogados. §2º. No cálculo dos
honorários, o juiz levará em consideração a vantagem para o grupo, categoria ou classe, a
quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa. §3º. Se
o legitimado for pessoa física, sindicato ou associação, o juiz poderá fixar gratificação financeira
quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da ação coletiva. §4º. O litigante de má
fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão solidariamente condenados ao pagamento das
despesas processuais, em honorários advocatícios e até o décuplo das custas, sem prejuízo da
responsabilidade por perdas e danos (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 440).
246
217
A leitura que devemos fazer do principio da congruência no processo coletivo decorre do dever
legal do julgador se manifestar sobre todas as questões fáticas e jurídicas trazidas pelos interessados
difusos e coletivos até a fase saneadora, ou seja, é através do principio da congruência que é
possível identificar o objeto que obrigatoriamente deverá ser analisado pelo juiz quando do
julgamento e da construção participada do mérito processual. Ronaldo Bretas de Carvalho Dias
disserta de maneira bastante clara e objetiva acerca do principio da congruência em sua obra
intitulada “Processo Constitucional”, conforme a seguir: “O principio da fundamentação das decisões
jurisdicionais ainda se perfaz pelo principio da congruência (ou principio da adstrição do juiz ao
pedido), este significando correspondência entre o que foi pedido pelas partes e o que foi decidido, ou
seja, deve existir correlação entre o objeto da ação ajuizada, que originou o processo, a pretensão,
revelada no pedido formulado pela petição inicial, e o objeto da decisão jurisdicional nele proferida. O
principio da congruência decorre do duplo dever do órgão julgador de se pronunciar sobre tudo o que
as partes pediram e somente sobre o que foi por elas pedido” (DIAS, 2010, p. 134-135).
248
218
§3º, art. 22 – Na hipótese dos interesses ou direitos individuais homogêneos, apenas não estarão
vinculados ao pronunciamento coletivo os titulares de interesses ou direitos que tiverem exercido
tempestiva e regularmente o direito de ação ou exclusão (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007,
p. 442).
249
219
§4º, art. 23 – A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas
optar o autor ou se impossível a tutela especifica ou a obtenção do resultado prático correspondente
((GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 442).
220
Art. 29. Fundo dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos – O fundo será
administrado por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, de que participarão
250
222
O acesso à Justiça desses conflitos de massa vem levando à releitura do trinômio jurisdição-ação-
processo: a jurisdição, antes praticamente confinada à jurisdição singular (conflitos intersubjetivos,
tipo Tício versus Caio), teve que ir se adaptando às novas exigências postas pelas ações de tipo
coletivo, onde a inafastável expansão da coisa julgada faz com que o comando judicial ganhe em
eficácia social, aumentando o grau de responsabilidade do julgador e levando o Judiciário a
participar, numa certa medida, da co-gestão dos interesses gerais (como ocorre, por exemplo, na
coerção à publicidade enganosa); o processo não mais fica limitado a uma relação jurídica entre os
próprios e os diretos contraditores, passando a operar como um veiculo idôneo a conduzir ao
Judiciário conflitos coletivos de largo espectro, como se verifica, por exemplo, nas demandas que
contrapõem a classe de ex-fumantes e a indústria fumerígena; enfim, a ação deixou se ser uma
singela representacao de demandas intersubjetivas, incompossíveis pelas vias suasórias, tendo que ir
se adaptando às novas e amplas controvérsias, agora formuladas não mais por um determinado
“titular” de um direito subjetivo, mas por uma sorte de condutor processual especialmente
credenciado: o ideological plaintiff do processo norte-americano, as associations agréees, na França,
o ente esponenziale, dos italianos, ou o representante adequado, de nossas ações de finalidade
coletiva (art. 1º da Lei 4717/65; art. 5º da Lei 7347/85; art. 82 da Lei 8078/90), ocorrências que Nery e
Nery, invocando a fórmula alemã, sintetizam numa “legitimação autônoma para a condução do
processo” (grifo nosso) (MANCUSO, 2006, p. 225). (grifo nosso)
252
223
Art. 32. Citação e notificações – Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do
réu, a publicação de edital no órgão oficial e a comunicação dos interessados, titulares dos direitos ou
interesses individuais homogêneos objeto da ação coletiva, para que possam exercer no prazo fixado
seu direito de exclusão em relação ao processo coletivo, sem prejuízo da ampla divulgação pelos
meios de comunicação social. § 1º. Não sendo fixado pelo juiz o prazo acima mencionado, o direito
de exclusão poderá ser exercido até a publicação da sentença no processo coletivo. § 2º. A
comunicação prevista no caput poderá ser feita pelo correio, por oficial de justiça, por edital ou por
inserção em outro meio de comunicação ou informação, como contracheque, conta, fatura, extrato
bancário e outros, sem obrigatoriedade de identificação nominal dos destinatários, que poderão ser
caracterizados enquanto titulares dos mencionados interesses, fazendo-se referência à ação e às
partes, bem como ao pedido e à causa de pedir, observado o critério da modicidade do custo
(GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 443-444).
224
Art. 33. Relação entre ação coletiva e ações individuais – O ajuizamento ou prosseguimento da
ação individual versando sobre direito ou interesse que esteja sendo objeto de ação coletiva
pressupõe a exclusão tempestiva e regular desta. § 1º. O ajuizamento da ação coletiva ensejará a
suspensão, por trinta dias, a contar da ciência efetiva desta, dos processos individuais em tramitação
253
que versem sobre direito ou interesse que esteja sendo objeto no processo coletivo. § 2º. Dentro do
prazo previsto no parágrafo anterior, os autores das ações individuais poderão requerer, nos autos do
processo individual, sob pena de extinção sem julgamento do mérito, que os efeitos das decisões
proferidas na ação coletiva não lhes sejam aplicáveis, optando, assim, pelo prosseguimento do
processo individual. § 3º. Os interessados que, quando da comunicação, não possuírem ação
individual ajuizada e não desejarem ser alcançados pelos efeitos das decisões proferidas na ação
coletiva poderão optar entre o requerimento de exclusão ou o ajuizamento da ação individual no
prazo assinalado, hipótese que equivalerá à manifestação expressa de exclusão. § 4º. Não tendo o
juiz deliberado acerca da forma de exclusão, esta correrá mediante simples manifestação dirigida ao
juiz do respectivo processo coletivo ou ao órgão incumbido de realizar a nível nacional o registro das
ações coletivas, que poderão se utilizar eventualmente de sistema integrado de protocolo
(GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 444).
254
225
Art. 47. Cabimento – Conceder-se-á mandado de injunção coletivo sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania, relativamente a direitos ou
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007,
p. 445).
226
Art. 49. Legitimação passiva – O mandado de injunção coletivo será impetrado, em litisconsórcio
obrigatório, em face da autoridade ou órgão público competente para a edição da norma
regulamentadora; e ainda da pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que, por
inexistência de norma regulamentadora, impossibilite o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais relativos a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos
(GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 446).
256
227
Na revisitação da técnica processual, são pontos importantes do Anteprojeto a reformulação do
sistema de preclusões – sempre na observância do contraditório -, a reestruturação dos conceitos de
pedido e causa de pedir – a serem interpretados extensivamente- e de conexão, continência e
litispendência – que devem levar em conta a identidade do bem jurídico a ser tutelado; o
enriquecimento da coisa julgada, com a previsão do julgado secundum eventum probationis; a
ampliação dos esquemas da legitimação, para garantir maior acesso à justiça, mas com a paralela
observância de requisitos que configuram a denominada “representatividade adequada” e põem em
realce o necessário aspecto social da tutela dos interesses e direitos coletivos, coletivos e individuais
homogêneos, colocando a proteção dos direitos fundamentais de terceira geração a salvo de uma
indesejada banalização (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 450).
258
232
Artigo 24, § 4º. Na hipótese de ser incomensurável ou inestimável o valor dos danos coletivos, fica
dispensada a indicação do valor da causa na petição inicial, cabendo ao juiz fixá-lo em
sentença(GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 458).
233
O Capítulo III, que vai do art. 36 ao art. 39, disciplina a denominada ação coletiva passiva, que, na
verdade, é a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas em face de grupo, categoria ou classe.
Como já manifestamos anteriormente, não concordamos com a utilização da expressão ação coletiva
passiva, nem também com o uso da expressão ação coletiva passiva, desprovida de boa técnica
jurídica, pois o que define uma ação como coletiva não é propriamente sua legitimidade ativa ou
passiva, mas seu objeto material, aferível na causa de pedir e no pedido (ALMEIDA, 2007, p. 101).
234
O Capítulo IV, que vai do art. 39 ao art. 41, dispõe, de modo bem tímido, sobre o mandado de
segurança coletivo. Apesar de ampliar a legitimidade ativa para a impetração prevista no art. 5º, LXX,
da CF/88, somente inclui o Ministério Público e a Defensoria Pública, o que contraria a própria
magnitude do mandado de segurança como garantia constitucional fundamental e a orientação já
prevista no art. 5º, da LACP, em sua combinação com os arts. 80 e 83 do CDC (ALMEIDA, 2007, p.
101).
235
O Capítulo V, que contém duas seções e dois artigos, traz a disciplina das ações populares. A
Seção I dispõe sobre o que é denominado ação popular constitucional (art. 42) e não traz qualquer
inovação, constando da redação simplesmente que são aplicáveis à ação popular constitucional as
disposições do Capítulo I do anteprojeto e as da Lei 4.717/65. A Seção II trata da ação de
improbidade administrativa, arrolada como espécie de ação popular contrariamente ao disposto nos
arts. 37, §4º, e 129, III, da CF/88, constando do único dispositivo reservado ao tema que a ação de
improbidade administrativa é regida pelas disposições do Capítulo I do anteprojeto e pelas
disposições da Lei 8.429/92 (ALMEIDA, 2007, p. 101).
260
237
Uma inovação importante do art. 20.7 do Anteprojeto Original é a permissão, ao membro do grupo
que requereu a suspensão da sua demanda individual, que mude de idéia e se desligue da demanda
coletiva, ao requerer o prosseguimento da sua demanda individual. Essa norma tem origem em
estudo que fizemos sobre a coisa julgada e litispendência em processos coletivos. A inovação do
Anteprojeto Original foi adotada, com linguagem ligeiramente diferente, pelo Anteprojeto USP, em seu
art. 7º, § 2º (GIDI, 2008, p. 303).
238
Art. 8º. Comunicação sobre processos repetitivos. O juiz, tendo conhecimento da existência de
diversos processos individuais correndo contra o mesmo demandado, com identidade de fundamento
jurídico, notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que
proponham, querendo, demanda coletiva, ressalvada aos autores individuais a faculdade prevista no
artigo anterior. Parágrafo único: Caso o Ministério Público não promova a demanda coletiva, no prazo
262
de 90 (noventa) dias, o juiz, se considerar relevante a tutela coletiva, fará remessa das peças dos
processos individuais ao Conselho Superior do Ministério Público, que designará outro órgão do
Ministério Público para ajuizar a demanda coletiva, ou insistirá, motivadamente, no não ajuizamento
da ação, informando o juiz (GRINOVER; MENDES; WATANABE; 2007, p. 454-455).
263
239
Art. 21. Do termo de ajustamento de conduta – Preservada a indisponibilidade do bem jurídico
protegido, O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, ainda com critérios de equilíbrio e
imparcialidade, poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta à lei,
mediante fixação de modalidades e prazos para o cumprimento das obrigações assumidas e de
multas por seu descumprimento. §1º. Em caso de necessidade de outras diligências, os órgãos
públicos legitimados poderão firmar compromisso preliminar de ajustamento de conduta. § 2º.
Quando a cominação for pecuniária, seu valor deverá ser suficiente e necessário para coibir o
descumprimento da medida pactuada e poderá ser executada imediatamente, sem prejuízo da
execução específica. § 3º. O termo de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação,
com eficácia de titulo executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade de homologação judicial
do compromisso, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial (GRINOVER;
MENDES; WATANABE; 2007, p. 457).
264
240
São autores do anteprojeto do Código de Processo Coletivo Brasileiro: professor Vicente de Paula
Maciel Junior; Alessandra Macedo Pessoa; Ana Lúcia Ribeiro; André Bragança Brant Vilanova; Anna
Carolina Marques Gontijo; Fabiana Carvalho Vieira; Francis Vanine de Andrade Reis; Joaquim
Adelson Cabral de Souza; Joaquim Márcio; Joaquim Urbano Pacheco Resende; José dos Passos T.
de Andrade; Josan Feres; Juliana Maria Matos Ferreira; Kelen Cristina Fonseca; Leonardo Martins
Wykrota; Marcelo Baltar Bastos; Marius Fernando Cunha de Carvalho; Natália Chernicharo
Guimarães; Priscila Aparecida Borges Camões; Roberto Apolinário de Castro Júnior; Soraia Mônica
Fonseca Murta; Teresa Cristina da Silva; Wagner Mendonça Bosque; Wilce Paulo Léo Neto.
Disponível: http://www.fmd.pucminas.br/. Acesso: 11 jan. 2012.
266
241
O anteprojeto trabalha expressamente toda a discussão cientifica proposta. “Art. 9º. Encerrada a
fase de formação participada do mérito, o juiz delimitará a proposta de objeto da ação temática,
catalogando os pontos controvertidos, aglutinando os que tiverem idêntico sentido e separando os
que formarem pontos diversos a serem debatidos na ação temática. A seguir decidirá sobre as provas
necessárias e apreciará eventuais pedidos de antecipação de tutela, podendo designar audiência, a
qual comparecerão os interessados e seus procuradores”. Na seqüência temos: “Art. 10. Findo o
prazo para a manifestação dos interessados, o escrivão fará a conclusão dos autos para que o juiz no
prazo de 10 (dez) dias determine, conforme o caso as providências preliminares e delimite o tema da
ação proposta. Disponível: http://www.fmd.pucminas.br/. Acesso: 12 jan. 2012.
270
deduzida em juízo. É por isso que se torna necessário esclarecer que no contexto
das ações coletivas como ações temáticas o direito de amplo acesso ao Judiciário,
assegurado a todos os interessados difusos e coletivos indistintamente, implica no
direito que cada qual tem de participar diretamente da construção do mérito
discursivo da ação coletiva.
Importante ressaltar que, em momento algum no anteprojeto apresentado
pela Pucminas, verifica-se o instituto do representante adequado, o que denota
claramente a superação do sistema representativo como norte ao entendimento
critico do modelo constitucional-democrático de processo coletivo, desenvolvido
essencialmente sob a ótica do principio participativo, previsto expressamente no
artigo 1º da Constituição brasileira de 1988.
Conforme anteriormente mencionado, qualquer interessado poderá manifestar
interesse na ação temática e formular pedido declaratório, constitutivo ou
condenatório que confirme, rejeite ou modifique o pedido inicial. Sabe-se que a
participação no debate do mérito processual da ação temática fica condicionada a
ampla publicidade do objeto da ação. Foi por isso que os autores do anteprojeto
foram enfáticos ao estabelecerem que o princípio da publicidade é corolário dos
princípios da ampla defesa e do contraditório, até porque, o direito de argumentação
jurídica da pretensão no espaço processual pressupõe inicialmente a ampla e efetiva
publicidade do objeto da ação temática. Foi por isso que se estabeleceu que a
citação do demandado será por carta, com aviso de recebimento, para aquelas
pessoas indicadas na exordial e que possuam endereço certo, sabendo-se que
também teremos a citação por edital, a fim de atender todos os demais interessados
em participar do processo.
Considerando-se que somente o edital não é medida efetiva para garantir a
ampla publicidade do objeto da ação temática no Brasil, haja vista que não faz parte
da cultura do povo brasileiro a leitura de editais de citação, o juiz deverá se utilizar
dos meios de comunicação mais eficazes na comarca, bem como a publicização
nos órgãos de comunicação oficial da União e Estados. Além disso, torna-se
necessária a utilização de veículos de imprensa escrita, falada e televisionada,
assim como a ferramenta da Internet e das redes sociais (Orkut, facebook, msn,
272
242
Art. 8º. As ações para a tutela dos direitos difusos seguirão a forma procedimental a seguir
delineada: [...] III- Ao receber a inicial o juiz determinará a citação por carta, com aviso de
recebimento, daquelas pessoas indicadas na petição inicial e que possuam endereços certos e, por
edital, com prazo mínimo de 30 (trinta) dias, para que qualquer interessado possa comparecer e
participar do processo. IV- O juiz deverá dar ampla publicidade à ação temática nos meios de
comunicação mais eficazes disponíveis na comarca, sendo obrigatória a publicação no órgão de
comunicação oficial da União, Estados e Municípios, em local próprio e de fácil visualização. Deverá
ainda ser publicado o edital pelo menos uma vez em jornal de grande circulação local, e divulgado em
rede de rádio local pelo menos três vezes por semana, em horários diferentes do dia, até o término do
prazo do edital. O jornal e rádio locais não poderão recusar a divulgação, sob pena de ser imposta
multa diária pelo juiz até o cumprimento da ordem, sem prejuízo das sanções administrativas e penais
cabíveis à espécie. Disponível: http://www.fmd.pucminas.br/. Acesso: 12 jan. 2012.
273
243
Art. 11, § 1º. O ônus da prova poderá ser invertido de acordo com a especificidade das provas que
serão produzidas. Neste caso o juiz deverá sempre garantir o contraditório antes de apreciar o pedido
de inversão e proferir decisão fundamentada na qual esclareça os pontos que motivaram em sua
decisão. Disponível: http://www.fmd.pucminas.br/. Acesso: 12 jan. 2012.
274
244 Art. 14. Quando o ônus probatório for incumbência do interessado, cuja capacidade de produção
de provas seja limitada por critérios econômico-financeiros demonstrado nos autos, o juiz determinará
que o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos (FDD), arque com
todas as despesas referentes à produção da prova. § 1º. Nas hipóteses em que ocorrer litigância de
má-fé, nos termos dos arts. 16 e seguintes do CPC, o interessado fica obrigado a ressarcir todas as
despesas adiantadas pelo FDD, sem prejuízo da multa do art. 18 do mesmo diploma legal, o que será
declarado e executado nos próprios autos da ação temática. Disponível: http://www.fmd.pucminas.br/.
Acesso: 12 jan. 2012.
245
Art. 24. Em caso de litigância de má-fé, nos termos dos artigos 16 a 18 do Código de Processo
Civil, o vencido será condenado a pagar multa não excedente a 10% (dez por cento) do valor da
causa, ressalvada a indenização da parte contrária pelos prejuízos sofridos em razão da conduta
ilícita. Disponível: http://www.fmd.pucminas.br/. Acesso: 12 jan. 2012.
275
3.4 SÍNTESE
246
Art. 26. Nas ações temáticas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada erga omnes e
haverá a preclusão máxima das questões objeto da ação temática, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer interessado poderá intentar outra
ação, com mesmo tema, valendo-se de nova prova. § 1º. Em qualquer hipótese que houver prova
nova poderá ser ajuizada nova ação temática com o mesmo tema antes proposto, desde que
constitua novo fundamento. § 2º. Os efeitos da coisa julgada nas ações temáticas, se procedente o
pedido, beneficiarão os interessados e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à
execução, nos termos dos artigos dos Livros II e III deste Código. § 3º. A competência territorial do
órgão julgador não representará limitação para a coisa julgada erga omnes. Disponível:
http://www.fmd.pucminas.br/. Acesso: 13 jan. 2012.
276
do direito processual coletivo a partir da Teoria das Ações Coletivas como Ações
Temáticas.
Dos anteprojetos analisados, o único que atende ao principio participativo é o
proposto pela Pucminas, uma vez que rompe com a concepção teórica de estudo e
de análise do direito processual coletivo sob o foco exclusivo do sujeito legitimado
ativo às ações coletivas, tal como propõe os demais anteprojetos. O Brasil hoje
adota, sob o ponto de vista legislativo e teórico, um modelo de processo coletivo que
foi construído à margem da discursividade democratizante, uma vez que, pela
análise da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor os
sujeitos que serão diretamente afetados pelo provimento estão excluídos de
participarem de sua construção e do debate das questões que integram a matéria de
mérito. O que as ações coletivas como ações temáticas propõe é justamente
viabilizar a implementação do principio participativo como o substrato teórico de todo
o modelo de processo coletivo que se desenha basicamente a partir do objeto, e não
mais do sujeito.
Dessa forma sabe-se que, a construção do conceito de legitimidade dos
interessados difusos e coletivos não decorrerá exclusivamente da vontade do
legislador em escolher quem pode e quem não pode propor uma ação coletiva. Pela
Teoria das Ações Coletivas como Ações Temáticas, a ação poderá ser proposta por
qualquer sujeito juridicamente interessado no debate processual da matéria de
mérito, permitindo-se que outros sujeitos, ao longo do procedimento, tragam para o
espaço processualizado outros temas correlatos à pretensão inicialmente deduzida,
para, assim, publicizar e ampliar ao máximo, no contexto do contraditório e da ampla
defesa, o objeto da ação coletiva.
Pretende-se, com isso, superar a noção preconizada pelo processo civil de
que o objeto se define quando da propositura da ação e da apresentação da defesa
pela parte demandada (assim como pela utilização da reconvenção e do pedido
contraposto). No processo coletivo, visto e compreendido sob a égide das ações
temáticas, a exordial é o primeiro momento processual de definição do objeto da
ação coletiva, uma vez que, ao longo de todo o procedimento, e até a fase
saneadora, os interessados poderão imiscuir-se diretamente na delimitação de toda
a matéria de mérito que regerá e orientará todo o debate processual na fase
instrutória. Essa é a base e o fundamento central para o entendimento preliminar da
construção participada do mérito processual no contexto das ações temáticas, que
279
247
Quando Cândido Rangel Dinamarco proclama, ao se contrapor a Fazzalari, que a diferença entre
ambos “é que o professor de Roma põe o Processo ao centro do sistema” enquanto a proposta é que
“ali se ponha a jurisdição”, conclui-se facilmente que o insigne professor paulista e seus inúmeros
discípulos, em todo o Brasil e no mundo, ainda não fizeram opção pelo estudo do direito democrático,
pensando ainda ser o plano da DECISÃO exclusivo do decididor (juiz) e não um espaço
procedimental de argumentos e fundamentos processualmente assegurados até mesmo para discutir
a legitimidade da força do direito e dos critérios jurídicos de sua produção, aplicação e recriação.
Em face da teoria constitucional legalmente adotada na Constituição brasileira de 1988, o momento
decisório não é mais a oportunidade de o juiz fazer justiça ou tornar o direito eficiente e prestante,
mas é o instante de uma DECISÃO a ser construída como resultante vinculada à estrutura
procedimental regida pelo PROCESSO constitucionalizado.
Nessa perspectiva, que é de direito democrático, o processo não é instrumento da jurisdição ou mera
relação jurídica entre partes e juiz, porque é instituição-eixo do principio do existir do sistema (aberto)
normativo constitucional-democrático e que legitima o exercício normativo da jurisdicionalidade em
282
todas as esferas de atuação do Estado que, por sua vez, também se legitima pelas bases
processuais institutivas de sua existência constitucional (LEAL, 2002, p. 68-69).
248
[...] o que se busca com uma teoria neo-institucionalista do processo é a fixação constitucional
do conceito do que seja juridicamente processo, tendo como base produtiva de seus conteúdos a
estrutura de um discurso advindo do exercício permanente da cidadania pela plebiscitarização
continuada no espaço processual das temáticas fundamentais à construção efetiva de uma
Sociedade Jurídico-Política de Direito Democrático (LEAL, 2009, p. 89) (grifo nosso).
249
É que, quando escrevemos, em direito democrático, sobre cidadania como conteúdo de
processualização ensejadora da legitimidade decisória, o que se sobreleva é o nivelamento de todos
os componentes da comunidade jurídica para, individual ou grupalmente, instaurarem procedimentos
processualizados à correição (fiscalização) intercorrente da produção e atuação do direito positivado
como modo de auto-inclusão do legislador-político-originário (o cidadão legitimado ao devido
processo legal) na dinâmica testificadora da validade, eficácia, criação e recriação do ordenamento
jurídico caracterizador e concretizador do tipo teórico de estabilidade constitucionalizada.
Em direito democrático, o processo abre, por seus princípios institutivos (isonomia, ampla defesa,
contraditório) um espaço jurídico-discursivo de auto-inclusão do legitimado processual na comunidade
jurídica para a construção conjunta da sociedade jurídico-política. [...] (LEAL, 2002, p. 150).
283
250
Nas sociedades complexas, devido à pluralidade de interesses e ao alto grau de insatisfação, a
linguagem é frágil e por isso instável, para sozinha tornar previsível as decisões. Então, o direito
assume a função de estabilizar a linguagem, ou seja, institucionaliza, atribui validade às pretensões
de verdade (proposições), o que faz Habermas mais tarde transpor o agir comunicativo para o agir
discursivo mediado pelo direito, vindo a construir a teoria discursiva do direito, momento em que irá
contrapor a visão liberal de democracia à visão republicana, para elaborar uma compreensão
procedimentalista da democracia e introduzir uma proposta procedural do discurso para a
compreensão da emancipação humana (ALMEIDA, 2005, p. 41).
251
[...] a jurisdição, sob ângulos de jurisdiciariedade ou jurisdicionalidade geral, é a atividade e
instrumento do Estado, submetidos à principiologia do processo como pressuposto inarredável de
garantia máxima de direitos fundamentais na Sociedade Democrática de Direito (LEAL, 2009, p.
65).(grifo nosso).
286
252
O processo lastreado em um modelo constitucional (Andolina, Vignera) constitui a base e o
mecanismo de aplicação e controle de um direito democrático. Processo democrático não é aquele
instrumento formal que aplica o direito com rapidez máxima, mas, sim, aquela estrutura normativa
constitucionalizada que é dimensionada por todos os princípios constitucionais dinâmicos, como o
contraditório, a ampla defesa, o devido processo constitucional, a celeridade, o direito ao recurso, a
fundamentação racional das decisões, o juízo natural e a inafastabilidade do controle jurisdicional.
Todos esses princípios serão aplicados em perspectiva democrática se garantirem uma adequada
fruição de direitos fundamentais em visão normativa, além de uma ampla comparticipação e
problematização, na ótica policêntrica do sistema, de todos os argumentos relevantes para os
interessados (DIAS, 2010, p. 92 apud NUNES, 2008, p. 247-250).
287
253
Se colocado o problema de acerto da decisão sob crivos principiológicos assistemáticos, como se
as sentenças fossem atos isolados dos juízes, afasta-se também, nesse contexto, a conquista
jurídico-teórica do processo (devido processo constitucional) como instituição regente da
estruturação dos procedimentos pelo contraditório, ampla defesa, isonomia das partes, direito ao
advogado e à movimentação incondicional da jurisdição. Com efeito, a hermenêutica desenvolvida no
procedimento processualizado, nas democracias plenas, não se ergue como técnica interpretativa do
juízo de aplicação vertical (absolutista) do direito, mas como exercício democrático de discussão
horizontal de direitos pelas partes no espaço-tempo construtivo da estrutura procedimental fixadora
dos argumentos encaminhadores (preparadores) do provimento (sentença) que há de ser “a
conclusão” das alegações das partes e não um ato eloqüente e solitário de realização de justiça
(LEAL, 2009, p. 57).(grifo nosso).
288
254
[...] o instituto do devido processo legal define-se pela coexistência dos princípios da ampla
defesa (necessariamente aqui incluído o direito ao advogado) e do contraditório, acrescentando-se o
da isonomia à configuração constitucional da instituição do processo. (LEAL, 2009, p. 65).
255
A parte já constitucionalmente legitimada é o agente do dever-ser normativo (devido processo
legal) que se concretiza na procedimentalidade (efeito expansivo) para criação (legiferação) ou
definição (judicação) do direito. O espaço-político (isegoria) de criação do direito só será continente
democrático se já assegurados os conteúdos processuais dialógicos da isonomia – que são
isotopia, isomenia e isocrítica -, em que haja, portanto, em sua base decisória, igualdade de todos
perante a lei (isotopia), igualdade de todos de interpretar a lei (isomenia) e igualdade de todos de
fazer, alterar ou substituir a lei (isocrítica). Essa situação jurídico-processual devida é que permitirá a
enunciação das democracias como governo de uma nova totalidade social concreta, isto é: povo
concretizador e criador da sua própria igualdade jurídica pelo devido processo constitucional
(LEAL, 2009, p. 61).(grifo nosso).
289
Já, por muitas vezes, falamos da polissemia exalada pela palavra “justiça”
prodigamente utilizada pelos juristas que colocam a jurisdição como
módulo central do sistema teórico e normativo do Direito Processual, a
exemplo de Cândido Rangel Dinamarco, dizendo que o “processo é
permeável aos influxos axiológicos da sociedade, devendo o modo de ser
do processo estar presente no espírito do juiz no momento do julgamento”.
Evidente que, a aceitar sem reservas tais colocações, o processo se
transfigura em estranha ritualística de judicância carismática, num
retrocesso desalentador que chega às raias do hermetismo, porque só
plenamente operável por uma sensibilidade superior e imanente ao bom
juiz, como donativo da divindade (LEAL, 2009, p. 66).(grifo nosso)
256 É certo que o juízo do bem e do mal das condutas humanas é feito em primeiro lugar pelo
legislador e depositado no texto da lei, mas também ninguém desconhece que esta, uma vez posta,
se destaca das intenções de quem a elaborou e passa a ter o seu próprio espírito; a mens legis
corresponde, assim, ao juízo axiológico que razoavelmente se pode considerar como instalado no
texto legal. Ao juiz cabe esse trabalho de descoberta. Mesmo não sendo legislador ou a ele
equiparado, mesmo negando-se que o juiz seja substancialmente criador de direitos e obrigações
(repúdio à Teoria Unitária do ordenamento jurídico), mesmo desconsiderando-se a influência que
emana do direito jurisprudencial (Richterrecht), ainda assim sempre é preciso reconhecer que o
292
momento da decisão de cada caso concreto é sempre um momento valorativo. Como todo intérprete,
incumbe ao juiz postar-se como canal de comunicação entre a carga axiológica atual da sociedade
em que vive e os textos, de modo que estes fiquem iluminados pelos valores reconhecidos e assim
possa transparecer a realidade de norma que contém no momento presente. O juiz que não assuma
essa postura perde a noção dos fins de sua própria atividade, a qual poderá ser exercida até de modo
bem mais cômodo, mas não corresponderá às exigências da justiça. Para o adequado cumprimento
da função jurisdicional, é indispensável boa dose de sensibilidade do juiz aos valores sociais e às
mutações sociológicas de sua sociedade. O juiz há de estar comprometido com esta e com as suas
preferências. Repudia-se o juiz indiferente o que corresponde a repudiar também o pensamento do
processo como instrumento meramente técnico. Ele é instrumento político, de muita conotação ética,
e o juiz precisa estar consciente disso. As leis envelhecem e também podem ter sido mal feitas. Em
ambas as hipóteses carecem de legitimidade as decisões que as considerem isoladamente e
imponham o comando emergente da mera interpretação gramatical. Nunca é dispensável a
interpretação dos textos legais no sistema da própria ordem jurídica positiva em consonância com os
princípios e garantias constitucionais (interpretação sistemática) e sobretudo à luz dos valores aceitos
(interpretação sociológica, axiológica) (grifo nosso) (DINAMARCO, 1996, p. 294-295).
293
259
A Teoria do Discurso reconhece o aporte de cada uma dessas tradições para o pensamento
político contemporâneo; a teoria republicana nos ensina que o processo de autoconsciência é feito
por meio da solidariedade obedecendo a estruturas de comunicação pública e ao diálogo envolvendo
questões de valor; seu legado é, pois, a discursividade. A tradição liberal nos mostra uma
característica fundamental do direito moderno que é a formalização e a procedimentalização
(REPOLÊS, 2002, p. 92).
301
interessado de não ser surpreendido com qualquer provimento que não tenha sido
submetido ao procedimento discursivo.
A processualização constitucionalizada do discurso democrático é o médium
lingüístico para garantir a legitimidade dos provimentos fora de uma realidade nua,
ou seja, o discurso jurídico não pode ter como conseqüência a prevalência de
determinados argumentos construídos pelo juízo da autoridade, pela imposição do
dogma do melhor argumento, pela sobreposição de direitos coletivos sobre direitos
individuais, assim como se ressalta a vedação a todo tipo de conduta praticada no
sentido de delimitar ou de restringir o espaço de argumentação processual.
A compatibilização dos interesses individuais com os direitos de natureza
transindividual é considerada um dos grandes desafios enfrentados pela sociedade
contemporânea. Importante esclarecer inicialmente que a legitimidade do processo
coletivo democrático não poderá ser construída em cima de uma falsa ideologia que
prega abstratamente a supremacia dos direitos coletivos e difusos com relação aos
direitos de natureza individual. A pertinência da critica ora realizada se justifica em
face da evidente distinção envolvendo as pretensões coletivas e as pretensões
individuais. Mesmo assim, caso haja alguma pretensão envolvendo o debate
simultâneo de pretensões coletivas e individuais, ressalta-se que a resolução dessa
questão passará pelo amadurecimento do debate sistemático dos fundamentos
fáticos e jurídicos que ensejarão a construção participada do mérito processual no
contexto da constitucionalidade democratizante dos Direitos Fundamentais.
O paradigma procedimentalista de Habermas “assegura a cada cidadão o
direito de tomar parte nas decisões políticas e jurídicas que lhe circundam”
(MATTOS, 2011, p. 143). Assim, o cidadão deterá a legitimidade para atuar, de
forma decisiva, em todos os debates ocorridos na sociedade civil, envolvendo
particulares, associações, o próprio Estado e qualquer outra pessoa interessada no
provimento, de tal forma a decidir e a deliberar sobre questões envolvendo direitos
aos quais são titulares.
A racionalização do discurso pelo processo assegura aos indivíduos
condições jurídicas de exercício pleno da cidadania. “Para Habermas, os cidadãos
são, necessariamente, pessoas morais, possuidoras de um senso de justiça e,
conseqüentemente, de uma concepção própria do que seja o bem” (MATTOS, 2011,
p. 146). Sob o prisma do processo coletivo, a implementação da cidadania no
Estado Democrático de Direito somente ocorrerá quando a definição da matéria e
304
262
É nesta idéia de poder comunicativo mobilizado que Habermas ancora o conceito de comunidade
de intérpretes proposto por Haberle, especialmente porque os princípios e o sistema de direitos
fundamentais abstratamente configurados na Constituição ganham densidade e corporificação
apenas através de um processo hermenêutico do qual todos devem participar (CITTADINO, 2000, p.
211).
263
A linguagem está sempre encerrada num determinado contexto social e participa da consciência
dos comunicantes para efetivar-se. Toda comunicação é permeada por uma dimensão intencional e
reside aí, naquilo que revela, oculta ou recria. Em outras palavras e segundo a orientação da lingüista
Villaça Koch, da UNICAMP, a linguagem deve ser “encarada como forma de ação, ação sobre o
mundo e dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se, portanto, pela
argumentatividade”. A autora dispõe ainda, em complemento a esta idéia supra citada – que compõe,
até certo ponto, o objetivo maior de suas proposições no campo da argumentação – que a linguagem
deve ser analisada como capacidade de refletir de maneira critica sobre o mundo e em especial sobre
a utilização da língua como instrumento de interação social.
Se pensarmos as relações do direito com o mundo a partir desta teoria, ou seja, a filosofia analítica,
podemos, enfim, compreender como o sistema jurídico pode ter um fechamento operacional, e
também pode, ao mesmo tempo, abrir-se para o mundo externo, interagindo com este, completando-
o e sendo completado (GONTIJO, 2011, p. 142).
305
coletivo democrático sob a ótica da Teoria das Ações Coletivas como Ações
Temáticas. A partir dessa teoria todo o processo coletivo no Brasil é revisitado por
meio de novas proposições desenvolvidas no patamar da constitucionalidade
democrática. O aprofundamento no debate científico referente à construção do
mérito processual somente é possível mediante o entendimento sistemático das
ações temáticas enquanto lócus de sedimentação do amplo debate democrático de
todas as particularidades de ordem fática e jurídica envolvendo, direta ou
indiretamente, a pretensão coletiva ou difusa levada ao Judiciário. No próximo item
será desenvolvido um estudo especifico com o propósito de explicitar e explicar os
pilares teóricos utilizados para o entendimento crítico das ações temáticas.
4.3. TEORIA DAS AÇÕES COLETIVAS COMO AÇÕES TEMÁTICAS: O PROCESSO COLETIVO
VISTO SOB A ÓTICA DO OBJETO (NÃO DO SUJEITO )
264
Vicente de Paula Maciel Junior, ao discorrer sobre o tema, expõe: “Ephraim de Campos Jr. (1985,
p. 86-96) admite grandes dificuldades enfrentadas na questão da legitimação quando se trata dos
interessados difusos e coletivos em face de haver um declínio da concepção individualista do
processo, normalmente centradas nas relações intersubjetivas, para a adoção de uma nova
perspectiva, hoje direcionada para a solução de conflitos metaindividuais. Para o autor, a solução da
legitimidade nessas categorias de interesses poderia ser encontrada com a admissão da substituição
processual, adotando-se a legitimação extraordinária concorrente dos diversos co-interessados, o que
viabilizaria uma tutela efetiva com o fornecimento de todos os substituídos em virtude da atividade do
substituto.
Existe a tendência, segundo informa, de se adotar a substituição processual através dos corpos
intermediários, como associações, sindicatos, devendo, no entanto, haver limites para se evitarem
abusos. A seguir enumera várias hipóteses que considera representativas da substituição processual,
quais sejam: o art. 513, a da CLT; Lei 6.708/79, que confere a legitimidade ao sindicato para agir na
qualidade de substituto processual para obter os reajustes deferidos nesta Lei; a Lei 1.134/50, que
defere às associações de classe a representação perante às autoridades administrativas e a Justiça
ordinária; Lei 4.215/63, que confere à Ordem dos Advogados do Brasil o poder de representação dos
interesses gerais da classe dos advogados e os individuais da profissão (atual Lei 8.906/94, art. 44,
inciso II); Lei 6.766/79, que confere às associações comunitárias, ao Ministério Publico, e ao vizinho,
a qualidade de parte legitima para agir no sentido de impedir a construção em desacordo com
restrições e posturas legais e contratuais. E conclui que a enumeração das vantagens de se adotar a
306
substituição como mecanismo hábil para a defesa dos interesses difusos e coletivos, ressaltando os
seguintes aspectos: não haver para o interessado ausente, que é representado no processo, a ofensa
ao principio do contraditório; poder ser formada com relação ao substituído a coisa julgada ultra
partes; haver a congregação de ações relativas a interesses econômicos relativamente pequenos, os
quais, se levados a cabo individualmente, teriam pouco estimulo ao demandante; a substituição
processual serve como adequação a uma fase de transição da visão individualista do processo para a
concepção social de direitos (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 133-134).
307
único interessado na demanda coletiva. Além disso, existem casos em que o próprio
autor da ação detém a capacidade postulatória sem, portanto, ser um dos titulares
da pretensão coletiva, como é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública,
que atuam na condição de legitimado extraordinário.
A capacidade postulatória não pode ser confundida com a condição de
legitimado processual à demanda coletiva. A legitimidade das partes ao processo
coletivo se materializa no momento em que são resguardadas no direito de participar
da construção e da análise das questões que integram o mérito da pretensão. O fato
de o legitimado extraordinário deter a capacidade postulatória e poder participar do
debate das questões meritórias não excluirá o direito dos demais interessados
difusos e coletivos participarem do processo. A institucionalização jurídica da
legitimidade processual extraordinária no processo coletivo não pode ser vista como
instrumento de supressão, limitação ou extinção do direito dos interessados
participarem do debate processual do objeto da demanda coletiva.
Considerando-se que o processo coletivo democrático é o lócus do debate
jurídico e amplo da pretensão, serão legitimados ao provimento todos aqueles
sujeitos que demonstrarem interesse em participar do discurso jurídico da pretensão.
A partir da análise critica do principio democrático no contexto das ações temáticas,
o rol de legitimados processuais à propositura de uma ação coletiva sempre deverá
ser exemplificativo, ou seja, não se admite e não se reconhece jurídico-
constitucionalmente o rol taxativo de legitimados, haja vista que essa é uma forma
ilegítima de exclusão dos interessados do debate processual das questões
meritórias que integram o objeto da demanda. Por isso, é importante esclarecer que
o atual modelo de processo adotado pelo Brasil e produto das contribuições
cientificas de estudos desenvolvidos pelos representantes da Escola Paulista de
Processo (Ada Pelegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco),
não é compatível com o Estado Democrático de Direito em virtude de adotar um rol
taxativo de legitimados dotados de uma pseudo-legitimidade jurídica de
representação dos sujeitos titulares de direitos metaindividuais, excluindo-se, desse
rol proposto, o próprio cidadão e titular individual de direitos coletivos e difusos de
ser autor de uma ação coletiva.
A instauração regular do principio do contraditório no processo coletivo
democrático ocorrerá quando for conferida “a possibilidade de titulares de situações
subjetivas diversas participarem da demanda ao lado do legitimado ordinário”
308
vez que a legitimação para agir no processo coletivo deve ser entendida como a
legitimidade de todos os protagonistas do processo que sofrerão os efeitos da
decisão. Foi por isso que Fazzalari reconstruiu o conceito de parte em suas
proposições teóricas, ao afirmar que parte não é aquele que propõe ou em desfavor
de quem se propõe uma determinada ação; considera-se como parte no processo
todo aquele sujeito de direito destinatário do provimento. É nesse sentido que se
afirma que “o eixo referencial da legitimação para agir, segundo Fazzalari, situa-se
no provimento, que permitirá com base na situação legitimante, que se identifique
quem será o sujeito que, dentre os participantes do processo (as partes, o juiz,
auxiliares do juízo, Ministério Público quando exigido), poderá ou deverá cumprir
certo ato processual” (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 134).
É nesse contexto do debate cientifico que podemos afirmar que a legitimidade
extraordinária no processo coletivo não poderá excluir a participação daqueles
sujeitos que serão afetados pelo provimento. O representante adequado é aquele
sujeito que atua em nome próprio na defesa dos direitos dos demais interessados e,
por isso, poderia ser enquadrado no conceito de legitimado extraordinário. Isso
significa dizer que aqueles sujeitos que sofrerão os efeitos jurídicos da coisa julgada
coletiva não foram incluídos no processo de construção participada do mérito, uma
vez que se verifica a transferência ou a delegação da legitimidade dos interessados
difusos e coletivos para a pessoa do representante adequado.
O instituto do representante adequado retira qualquer possibilidade de
construção participada do mérito processual nas ações coletivas, tendo em vista que
é uma forma de retirar ou de excluir a participação dos legitimados à construção do
provimento e ao exercício do contraditório. É daí que decorre a incompatibilidade do
modelo de processo coletivo vigente no Brasil com o paradigma do Estado
Democrático de Direito. O fenômeno da coletivização das demandas judiciais não
pode ser reduzido “a um sistema de representação no qual se reconheceria a um
ente ou a uma pessoa a qualidade para representar a vontade de todos” (MACIEL
JUNIOR, 2006, p. 135).
Vincenzo Vigoritti (1979, p. 3) afirma que a instituição da democracia
representativa, expressão do pensamento jurídico liberal, vivencia uma expressiva
crise de natureza irreversível, uma vez que seus fundamentos não são mais
suficientes para viabilizar a construção do entendimento democrático-
constitucionalizado do modelo de processo coletivo que efetivamente assegure a
310
265
Interesse é a manifestação de um sujeito em face de um bem para suprir suas necessidades.
Vontade Individual é a expressão do interesse individual. Vontade Coletiva é a expressão,
representação do interesse atribuído a um grupo, depois de o mesmo haver deliberado segundo o
processo de escolha e legitimação do interesse prevalente dentre os diversos interesses dos
membros do grupo, segundo a lei vigente (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 154).
312
266
O interesse é sempre individual. Enquanto no direito coletivo stricto sensu temos um bem comum e
sobre ele haverá a manifestação de uma série de interessados para que, segundo os estatutos e a lei
seja extraída a vontade comum, esse processo não existe no direito difuso. O direito difuso não é
organizado, não tem assembléia, nem deliberação para estabelecer a vontade da maioria. O direito
difuso se expressa na norma que tutela bens que afetam muitas pessoas e serão legitimadas naturais
a uma ação todas as pessoas que manifestem seu interesse individual em relação ao bem (MACIEL
JUNIOR, 2006, p. 155).
314
267
Ocorre que a decisão sobre o mérito do processo que envolve o bem jurídico coletivo interessa a
um número indeterminado de interessados. Quando ocorre isso estamos perante uma ação coletiva
para tutela de direitos difusos e a sentença, afetando o destino dado ao bem objeto do litígio,
necessariamente afetará aos demais interessados, tenham ou não participado do processo (MACIEL
JUNIOR, 2006, p. 155).
316
268
Mas, pressupondo o Estado Democrático de Direito como modelo de Estado vigente, como no
caso brasileiro, é ínsito aos sistemas democráticos que possam demandar aqueles que demonstrem
interesse. E nos sistemas que adotam o direito de acesso à Justiça para a tutela da lesão e ameaça
de direito, é esperado que se restaure e interprete ampliativamente a extensão da legitimação para
agir a qualquer um dos interessados naturais atingidos pelo bem (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 156).
269
No direito difuso a legitimação será definida a partir do bem que se pretende tutelar. Se a decisão
for sobre um bem objeto da ação que vá afetar um número indeterminado de pessoas, temos
interessados difusos e a ação coletiva terá efeitos coletivos, difusos. Nas ações coletivas para a tutela
de direitos difusos é fundamental que haja o reconhecimento da legitimação para agir aos
interessados difusos, porque eles na verdade são os destinatários do provimento que vão deliberar
sobre o bem que diz respeito a todos ( MACIEL JUNIOR, 2006, p. 158)
317
270
O fato, o bem ou a situação jurídica em que se afirme o direito lesado ou ameaçado que atinge um
número indeterminado de pessoas são, portanto, o eixo na interpretação desse fenômeno processual
da legitimação para agir no processo coletivo (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 176).
271
A exclusão dessas pessoas da legitimação para agir, impõe o fechamento a uma série de
possíveis interessados que poderiam, com grande proficiência, mover uma demanda coletiva na
tutela do meio ambiente, mas que restaram excluídos dessa possibilidade.
[...] se a legitimação é do tipo “aberto”, qualquer interessado pode tanto em nível preventivo, quanto
corretivo, ajuizar a demanda coletiva.
A legitimação para agir concorrente, na qual se permita a qualquer interessado individual, bem como
a órgãos e associações, o acesso à Justiça para a defesa de direitos difusos é a forma ideal de
estruturação da legitimação para agir em tema de tutela coletiva (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 160-
161).
272
A ação, principalmente nos modelos constitucionais que asseguram o livre acesso à Justiça não
deve ter condicionantes, mas sim evoluir para um sistema que estabeleça responsabilidades
decorrentes dos atos abusivos e ilícitos oriundos dos excessos no uso do direito de ação.
Saber se há ou não legitimação para agir é questão que envolve o julgamento a luz das provas dos
autos e da verificação ou não se o interesse afirmado pela parte corresponde a um direito que o autor
invoca para sim. Dizer que a parte não é legítima significa o mesmo que afirmar a inexistência do
direito em face do interesse manifestado pela parte.
Saber se alguém é parte para invocar a aplicação de lei a um interesse manifestado é questão que
envolve o próprio mérito da demanda e conduz à procedência ou improcedência do pedido.
Se alguém não é reconhecido pelo processo judicial como titular de um interesse manifestado não
terá por conseqüência o objeto de sua pretensão. O pedido será improcedente. É improcedente
porque, após o processo, restou comprovado que o direito objetivo invocado pela parte não
318
corresponde ou pode ser aplicado à situação jurídica relatada. A manifestação do interesse da parte
não encontra suporte normativo (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 164-165).
319
mérito das ações coletivas. Isso evidencia também que antes de falarmos em
construção participada do mérito processual, torna necessário esclarecer a
participação dos sujeitos na formação da matéria e das questões que integrarão o
debate meritório a ser desenvolvido no processo.
A formação da matéria do mérito é algo que ocorre na primeira fase do
procedimento da ação coletiva, ou seja, na etapa que antecede a fase saneadora.
Trata-se do momento processual em que os sujeitos interessados no bem jurídico
coletivo ou difuso se inserem no contexto processual com a finalidade de cada qual
dar a sua contribuição para a definição da matéria de mérito. Fica claro então que a
etapa do procedimento que antecede a fase de saneamento presta-se para definir a
matéria de mérito, uma vez que o debate e a construção participada do mérito
ocorrerá principalmente na fase instrutória, momento processual em que os
interessados poderão debater de forma fundamentada e apresentar argumentos
fático-jurídicos com relação àquelas questões anteriormente definidas por eles na
fase pré-saneamento e no despacho saneador.
A partir dessas colocações iniciais começa-se a delinear o formato do
procedimento e dos atos processuais a serem praticados ao longo das ações
temáticas. Podemos dividir o procedimento das ações temáticas em três grandes
eixos: 1) Fase Técnica ou Preliminar; 2) Fase Saneadora; 3) Fase Instrutória.
A primeira fase presta-se a uma análise técnica e preliminar do julgador
acerca da natureza jurídica da pretensão deduzida. Trata-se do momento em que o
juiz averiguará, de forma fundamentada, se a pretensão deduzida tem ou não
natureza metaindividual (coletiva e difusa). O juízo de análise pelo julgador nessa
primeira etapa deve se pautar numa constatação pré-meritória, uma vez que fica
adstrito a avaliar os possíveis efeitos jurídicos ou a extensão de um provimento
jurisdicional que aprecie o objeto da demanda.
A fase de saneamento é o momento em que o julgador auferirá e analisará a
coerência dos temas trazidos pelos interessados ao longo de todo o procedimento.
Importante ressaltar que a definição da matéria de mérito a ser discutida na fase
instrutória somente ocorrerá se houver a ampla publicidade da propositura e do
objeto da ação temática na fase preliminar ao saneamento, a fim de assegurar
indistintamente a todos os interessados o direito de imiscuir-se no profundo debate
das questões relevantes à análise discursiva da pretensão coletiva.
323
273
O que será fundamental para estabelecer os limites da demanda e, por conseguinte, da extensão
dos futuros efeitos da coisa julgada nas ações coletivas será uma clara definição sobre o mérito ou o
conteúdo da demanda, que não será formado apenas pelo objeto do pedido constante na petição
inicial, mas pela efetiva oportunidade de ingresso na ação do maior numero de interessados difusos
que tenham teses diferentes dos já existentes no processo. Isso necessariamente provoca a
possibilidade de alteração ou ampliação do mérito da ação proposta, o que é de admissão
restritíssima dentro do processo civil individual (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 180).
325
274
Entendemos que a lei deve fixar um prazo razoável e um amplo meio de divulgação em espaço
público e privado nos meios de comunicação, a fim de que os interessados possam vir participar da
formação do mérito e, portanto, do conteúdo do provimento final da ação coletiva.
328
A importância da ação coletiva fundada em direito difuso ser temática é que ela trará para o seu bojo
um conjunto maior de questões para serem discutidas e terá maiores condições de abranger o
conflito pelos diversos ângulos que ele possua. Isso será fundamental para que se possa estabelecer
uma política legislativa sobre a preclusão das questões referentes ao processo coletivo, afetando
diretamente o tema da coisa julgada (MACIEL JUNIOR, 2006, p. 181).
329
275
Recebida a defesa e os eventuais aditamentos à inicial, deveria haver um despacho saneador no
qual o juiz obrigatoriamente fixasse os pontos controvertidos e o objeto da prova e resolvesse as
demais questões do processo.
Contra essa decisão poderia ser prevista uma impugnação em prazo razoável (mais ou menos 10
dias), no sentido de permitir a ampliação do objeto da lide ou revisitar qualquer equivoco na fixação
dos pontos controvertidos. Em seqüência à decisão sobre o objeto daquele processo, que não
poderia a partir de então ser alterado, a não ser na hipótese de reunião de processos coletivos por
conexão com o bem a envolver ambas as demandas e desde que estejam as causas em um mesmo
momento processual (ambas em 1º grau e antes de colhidas provas nos autos) (MACIEL JUNIOR,
2006, p. 183-184).
330
processo coletivo é identificar como fazer isso na prática sem tornar a demanda
coletiva excessivamente demorada. Possivelmente a idéia de permitir que todos os
interessados se manifestem individualmente no processo, obrigando o julgador a
intimar cada qual acerca dos atos processuais praticados em juízo ocasionaria
grandes dificuldades de resolução do mérito processual da ação coletiva.
O que propõe as ações temáticas é que todos os interessados possam
participar do processo coletivo vinculando-se a um dos temas levantados pelas
partes e que será submetido ao debate. Dessa forma, ao dar publicidade do objeto
inicial da ação temática, o juiz estabeleceria um prazo razoável para que as pessoas
interessadas se reunissem e discutissem quais temas seriam apresentados no
processo. Esse debate processual, em bases extrajudiciais, poderia ocorrer por meio
de audiências publicas, que seriam vistas como o momento em que os próprios
interessados poderiam discutir entre si quais os temas por eles considerados
relevantes e que poderiam ser levados a juízo. Além disso, sabe-se que a audiência
pública é uma forma dos interessados na pretensão amadurecerem os fundamentos
do debate para, assim, conseguirem identificar com maior coerência e clareza quais
os temas e as alegações mais pertinentes para o caso concreto.
Após extenso debate extrajudicial pelos interessados, os temas, as alegações
e os pedidos seriam levados ao processo, sem ter a necessidade de cada
interessado ser intimado para se manifestar individualmente acerca dos atos
processuais praticados ao longo do procedimento. Para cada tema apresentado na
ação temática teríamos um representante do grupo de pessoas vinculado a esse
tema específico. Sempre que foi proferida uma decisão referente à ação temática
quem será intimado é o representante de cada grupo de pessoas, que ficará
incumbido de promover a reunião dos interessados com o propósito de discutir entre
si os fundamentos da decisão judicial. Somente após essa deliberação conduzida
pelo representante que ficou responsável de instaurar o discurso entre todos os
interessados é que será possível e legitima a manifestação do representante em
juízo.
A proposta das ações temáticas não se confunde com a figura do
representante adequado, utilizada no sistema norte-americano das class actions.
Nos Estados Unidos da América, primeiro coletam-se todas as assinaturas dos
interessados a propositura da ação de classe, para depois disso, propô-la. Uma vez
proposta e admitida a ação de classe, o representante adequado adquire certa
332
autonomia para agir, decidir e deliberar em favor dos membros da classe sem ter o
dever de se submeter a todas as questões surgidas ao longo do procedimento a um
novo debate entre os interessados. O que o representante adequado faz é buscar o
reconhecimento como legitimado para propor e deliberar autonomamente sobre as
questões coletivas surgidas ao longo do procedimento, dispensando-se novas
consultas e discussões com os interessados acerca das questões que forem
surgindo ao longo do procedimento. Na realidade, a condição de representante
adequado no sistema das class actions condiz com uma ampla autonomia conferida
ao representante de poder agir com liberdade na defesa e na proteção jurídica dos
direitos dos integrantes da classe, sem ter que se dirigir constantemente aos
mesmos, como pressuposto da legitimação de seus atos.
Em contrapartida, nas ações temáticas os representantes dos grupos
temáticos não possuem ampla autonomia para deliberar sobre as questões atinentes
ao processo coletivo sem antes consultar e avaliar a viabilidade de uma decisão
perante os próprios interessados difusos e coletivos. Isso demonstra que o principio
do discurso deverá ser constantemente observado ao longo de todo o procedimento
adotado nas ações temáticas, uma vez que a condição de representante de um
grupo de interessados em um determinado tema apresentado ao debate judicial não
dispensa o representante do dever de sempre consultar os demais interessados.
Dessa forma, a autonomia conferida ao representante condiciona-se à legitimidade
conferida pelos interessados difusos e coletivos quanto à prática de todo e qualquer
ato processual ao longo do procedimento.
As teses apresentadas com o objetivo de integrar a matéria de mérito devem
ser reflexo de intenso e de efetivo debate instaurado entre todos os interessados. O
papel do represente de cada grupo temático é conduzir o debate, levantar e
sistematizar as conclusões obtidas pelo grupo e, ao final, levar para o processo
coletivo o resultado de todo esse debate. Observa-se que o represente de cada
grupo temático não tem autonomia para deliberar de forma individual e solitária o
que seria melhor para o seu grupo, até porque suas decisões e posicionamentos
devem ser reflexos daquilo que foi deliberado pela maioria. Admitir que o
representante do grupo temático teria essa legitimidade é reconhecer a fragilidade
da concepção democrática do modelo de processo coletivo em razão da limitação da
participação efetiva de todos os membros e interessados na pretensão.
333
parte no conceito stricto sensu da palavra, haja vista que atua na condição de
legitimado extraordinário e não possui qualquer aptidão para sofrer os efeitos
jurídicos da decisão judicial final.
No processo coletivo democrático considera-se parte toda aquela pessoa
(física ou jurídica) que possa influir na construção do provimento e ao mesmo tempo
sofrer os efeitos jurídicos da decisão. Por isso, nesse conceito podemos incluir não
apenas aquelas pessoas que foram comunicadas do objeto da ação e se
manifestaram no processo, mas, também, todas aquelas pessoas que, mesmo
informadas acerca do objeto da demanda optaram por não se manifestar nos autos,
quedando-se inertes ao processo de argumentação jurídica da pretensão e de
construção participada do mérito, por mera opção. Essas últimas pessoas
interessadas também são incluídas no conceito de parte pelo fato de sofrerem
diretamente os efeitos jurídicos da decisão final, haja vista que o exercício do
contraditório e da ampla defesa lhes foi concedido.
Outra constatação importante diz respeito a determinadas ações coletivas em
que o objeto é um direito difuso. Em tais ações normalmente a parte demandada é
aquele sujeito ou grupo de pessoas que, por meio de uma conduta omissiva ou
comissiva, praticou alguma ilicitude ou está prestes de praticá-la. Porém, há casos
em que nessas ações não temos uma parte demandada que tenha especificamente
praticado uma ilicitude ou se encontra prestes a violar um determinado direito, como
é o caso de uma ação coletiva cujo objeto é o debate acerca do tombamento de uma
determinada praça pública. Considerando-se que a titularidade do bem a ser
tombado pertence à coletividade, sendo o município mero gestor da coisa pública,
não poderíamos dizer que existe uma parte especificamente demandada para esse
tipo de ação, considerando-se o conceito clássico de parte demandada a partir da
prática de ilicitudes acima mencionada.
A partir da proposta apresentada pelas ações temáticas, sabe-se que esse
tipo de demanda deveria ser levado ao Judiciário, que ficaria incumbido de dar
ampla publicidade acerca do objeto, a fim de oportunizar a todos os interessados
difusos o direito de apresentar temas relevantes à discussão da viabilidade ou não
de tombamento da respectiva praça pública.
Não teríamos, no presente caso, aquela clássica proposta dicotômica advinda
das ações individuais, em que de um lado temos o autor da ação (demandante ou
requerente) e do outro lado teremos o réu da ação (demandado ou requerido). A
339
277
Assim, talvez numa tentativa de democratizar o controle concentrado brasileiro de normas,
principalmente, tendo em vista a avaria do controle difuso de constitucionalidade aqui prevalecente,
além de, também, fazer sobressair o papel do Supremo Tribunal Federal, não como o guardião de
uma ordem concreta de valores, mas, sim, como o protetor do processo de criação democrática do
Direito, cumprindo-lhe proteger um sistema de direitos que torne factível a incidência simultânea da
autonomia privada e da autonomia pública, celebra-se a adoção do instituto do Amicus Curiae no
sistema jurídico brasileiro (MATTOS, 2011, p. 3).
344
278
Terminologia latina para designar a pessoa que a jurisdição civil pode ouvir sem formalidades com
o objetivo de buscar elementos próprios para facilitar sua informação. Por exemplo, para conhecer os
termos de usos e costumes locais ou uma regra profissional não escrita. O amicus curiae não é nem
uma testemunha, nem um perito, e nem se submete às regras da recusa de oitiva pelas partes
(AGUIAR, 2005, p. 4).
279
De toda sorte, percebe-se, pelos contornos de tal instituto, que a participação do amigo no
processo se justifica como instrumento de efetivação da democracia deliberativa e participativa, que
possibilita a setores da sociedade a ampliação do debate acerca de temas relevantes, o que se
traduz em decisões com maior efetividade e legitimação social (AGUIAR, 2005, p. 13)
345
280
A figura do amicus curiae já é antiga no direito. Há notícia de que suas raízes se encontram no
direito romano, mas certamente em uma conformação bastante distinta daquela que chegou até
nossos dias. De forma mais precisa, podemos apontar sua ascendência no direito inglês medieval,
pois que, de certa forma, sua previsão já se encontrava nos chamados Year Books, nos séculos XIV
a XVI. (grifo nosso)
O amicus curiae, nesse período, participava do processo apontando precedentes jurisprudenciais não
mencionados pelas partes ou ignorados pelo julgador, atuando em benefício de menores, chamando
a atenção do juízo para certos fatos, como o erro manifesto, a morte de uma das partes, o
descumprimento do procedimento correto ou a existência de norma especifica regulando a matéria.
Cumpria um papel meramente informativo e supletivo, mas de clara importância para a corte (DEL
PRÁ, 2008, p. 25).
346
281
Nesse sentido, talvez o mais significativo e importante alargamento da função do amicus curiae foi
uma solução parcial para um dos mais sérios problemas do sistema legal conhecido como
adeversarial (ou adversary) system (ou adversary proceedin). Esse sistema caracteriza-se pela
“primazia reconhecida às partes não só na iniciativa de instaurar o processo e de fixar-lhe o objeto –
traço comum à generalidade dos sistemas jurídicos ocidentais -, senão também na determinação da
marcha do feito (e do respectivo ritmo) em suas etapas iniciais, e na colheita das provas em que se
há de fundar o julgamento da causa. Havia, portanto, natural resistência à interferência de terceiros
no processo, que se realizava sob a égide do principio do Trial by duel. Entretanto, essas
características do adversary system acabavam por dar espaços a intentos pouco legítimos das
partes, como os processos movidos com propósitos colusivos. E foi exatamente nesse ponto que a
função do amicus curiae passou a ganhar maior importância para a própria administração da justiça.
O terceiro comparecia em juízo para apontar a intenção fraudulenta e colusiva das partes, não
raramente em casos nos quais ele próprio detinha interesse na demanda, muito embora não
participasse formalmente do processo (DEL PRÁ, 2008, p. 26).
347
que emitisse sua opinião sobre matéria posta para julgamento, que dizia respeito a
questões relativas à marinha. Outro caso bastante referido pelos autores norte
americanos ocorreu em 1823, quando um terceiro atuou sob as vestes de amicus
curiae e demonstrou que a demanda era fraudulenta. Inicialmente o instituto do
amicus curiae foi utilizado nos casos em que a Administração Federal ou outro ente
federado apresentava-se em juízo em detrimento de interesses privados, e a sua
função era exatamente se manifestar acerca de qual lei, federal ou estadual, deveria
ser aplicada ao caso concreto (nesse caso era o interesse publico que legitimava a
atuação do amicus curiae) (BUENO, 2008, p. 93-94).
Gradativamente a partir do inicio do século XX a jurisprudência norte-
americana passou a admitir a intervenção de dois grandes grupos de amicus curiae:
os amici governamentais e os amici privados ou particulares. Enquanto os amici
governamentais pleiteiam sua intervenção judicial em busca da proteção do
interesse público e dos direitos da coletividade, os amici privados tendem a ingressar
em juízo para a tutela dos seus próprios interesses (BUENO, 2008, p. 95).
Todo amicus curiae deverá se conduzir sempre a partir das indicações e
desígnios dos litigantes. Quanto aos amici privados a doutrina norte-americana
passou a compreendê-los como terceiros que buscam em juízo muito mais a tutela
de um direito seu do que, propriamente, a defesa de um direito neutro ou público no
sentido mais tradicional.
No direito inglês o amicus curiae assume um papel de sujeito que passa a
integrar a relação processual numa condição de neutralidade, sem assumir uma
posição específica a favor ou contra a uma das partes envolvidas no litígio. Ao
contrário disso, os amici privados do direito norte-americano não atuam de forma
imparcial ou neutra no processo, tendo em vista que ingressam na relação
processual com a finalidade de buscar a tutela de um direito ou interesse seu.
A evolucionariedade do instituto do amicus curiae no direito americano teve
como conseqüência o redimensionamento da sua finalidade, uma vez que passou a
ser visto como um representante dos direitos da coletividade. O “instituto passou a
cobrir aquelas situações em que se trata de um interesse posto em juízo mas que
não está adequada ou suficientemente representado (tutelado) pelas partes
envolvidas diretamente no litígio” (BUENO, 2008, p. 98). Por isso, vale ressaltar que
na transposição do amicus curiae do direito inglês para o direito americano, verifica-
348
se que o instituto perdeu uma de suas características mais importantes, qual seja, a
neutralidade de sua manifestação em juízo.
Enquanto o amicus curiae no direito inglês era um sujeito imparcial e que se
limitava a auxiliar o juiz lhe fornecer, quando solicitado, todas as informações
necessárias ao julgamento da demanda, no direito americano o amicus assume uma
postura mais pró-ativa, uma vez que passa a ser visto como um ente interessado na
solução da causa, com a possibilidade de participar do julgamento, discutir
amplamente as estratégias processuais e, inclusive, elaborar peças processuais.
Em virtude da redefinição das atribuições e da finalidade da atuação do
amicus curiae no processo, a Suprema Corte americana acabou por alterar a Regra
37 de suas próprias Rules e indicar a necessidade de alteração da Regra 29, do
Federal Rules of Appelate Procedure, algo que se concretizou no ano de 1998. Tais
alterações se justificam de forma mais clara porque “a admissão do amicus privado
deve depender do maior numero possível de informações que revelem, de forma
clara e precisa, a razão pela qual ele pretende ingressar em juízo” (BUENO, 2008, p.
100). Além disso, tal alteração se justifica no sentido de conferir maior Legitimidade
à Suprema Corte na análise objetiva do verdadeiro interesse do amicus.
A expectativa que o Judiciário americano tem com relação à atuação do
amicus curiae é que ele traga conhecimento de novas questões, considerações e
alegações que não foram suficientemente discutidas pelas partes, ressaltando-se
que caso não venha a demonstrar efetivamente sua eventual contribuição para o
processo poderá ter sua intervenção indeferida.
No direito americano o ingresso dos amici privados na relação processual
condiciona-se à anuência escrita das partes, ao requerimento expresso do próprio
tribunal e a demonstração do interesse que justifica a sua intervenção. Uma vez
admitido no processo por meio do consentimento das partes ou por determinação do
próprio tribunal serão estabelecidos os limites de atuação dos amici privados e
também esclarecida a medida que efetivamente poderão auxiliar a corte. Já com
relação à Rule 29, os amici governamentais não precisam do consentimento das
partes ou autorização do tribunal para atuar, devendo descrever em sua petição qual
é o seu interesse a justificar a conveniência do seu ingresso em juízo (BUENO,
2008, p. 103). No sistema americano o objetivo da atuação do amicus curiae,
independentemente se for privado ou público, é a possibilidade de manifestação no
349
282
No Canadá, a possibilidade de intervenção do amicus curiae é expressamente prevista na Rule 92
das Rules of the Supreme Court of Canadá. De acordo com a regra, The Court or a judge may
appoint na amicus curiae in an appeal” (BUENO, 2008, p, 108).
283
Segundo Antonio do Passo Cabral, a aplicação do instituto na Austrália dá-se pela praxe judiciária,
mas ainda não há sistematização legal sobre o assunto. O autor, contudo, faz menção expressa à
Order 11 Rule 22 e à Order 17 Rule 1, que tratariam do tema (BUENO, 2008, p. 109).
284
Em Hong Kong, segundo nos dá notícia Johannes Chan, a prática judiciária segue, basicamente, a
inglesa. Não obstante, é bastante reduzido o número de amicus curiae. De 1942 a 1997, apenas 31
caso de amicus são relatados, enquanto, no mesmo período, 874 casos se verificaram na Inglaterra
(BUENO, 2008, p. 109)
285
[...] a jurisprudência francesa tem, mais recentemente, admitido a intervenção de terceiros na
qualidade de amicus curiae, distinguindo sua participação em juízo daquela desempenhada por
testemunhas ou peritos. Cita, em nota, para dar fundamento a seu entendimento, duas decisões
350
proferidas pela Corte de Apelação de Paris nos anos de 1988 e 1989, seguidas do entendimento, no
mesmo sentido, da Corte de Cassação no ano de 1991 (BUENO, 2008, p. 110).
286
[...] à falta de lei expressa no direito italiano, a intervenção do amicus curiae pode ser determinada,
analogicamente, à possibilidade que o juiz italiano tem, em processo do trabalho, de determinar, de
ofício ou a requerimento das partes, que os sindicatos prestem determinadas informações em juízo,
nos termos do art. 421, comma 2º, e art. 425, ambos do Código de Processo Civil Italiano. Para evitar
a pouca aplicabilidade do instituto, no entanto, a autora sugere que não deve haver prévia fixação de
quais entidades podem intervir na qualidade de amicus, ao mesmo tempo em que se deve admitir a
possibilidade de as entidades, voluntariamente, ingressarem em juízo, mesmo que sua efetiva
participação fique na dependência da concordância das partes e de uma expressa autorização do juiz
(BUENO, 2008, p. 113).
287
De acordo com Miguel Algel Ekmekdjian, entretanto, é possível falar implicitamente do amicus
naquele ordenamento, derivando-o do amplo art. 33 da Constituição daquele país, segundo o qual
“las declaraciones, derechos y garantias que enumera La Constitución, no serán entendidos como
negación de otros derechos y garantias no enumerados, pero que nacen del principio de la soberania
del pueblo y de La forma republicana de gobierno”.
Segundo o autor argentino, a figura do amicus curiae, que pode ser assumida por qualquer pessoa,
particular ou não, nada mais é do que o fornecimento ao tribunal, voluntariamente ou a pedido dele
próprio, de informações, opiniões, ou indicando a existência de alguma questão jurídica que tenha
escapado de sua consideração (BUENO, 2008, p. 116).
351
288
Disponível: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6385.htm. Data de Acesso: 02 nov.2011.
352
discuta a aplicação desta lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no
feito na qualidade de assistente” (DEL PRÁ, 2008, p. 62). Cabe-nos, nesse contexto,
indagar o seguinte: o CADE atuará na qualidade de assistente simples, de
assistente litisconsorcial ou de parte na relação processual em questão?
Possivelmente a intenção do legislador foi estabelecer a intimação do CADE com a
finalidade de prestar esclarecimentos técnicos, caso seja necessário, para
possibilitar ao julgador condições para o seu livre convencimento de julgamento do
feito. Resta esclarecer que a legislação não estabelece a possibilidade ampla e
efetiva de exercício do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e do
duplo grau de jurisdição, uma vez que o legislador não foi expresso no que tange à
possibilidade jurídica do CADE propor recursos. Mesmo assim, sabendo-se que o
legislador foi omisso quanto aos princípios constitucionais ora mencionados, a sua
inobservância acarretaria o cerceamento de defesa.
Outra critica pertinente à legislação referente ao CADE e à Comissão de
Valores Mobiliários é que o legislador optou pelo sistema representativo, não
garantindo amplamente aos cidadãos, de forma geral, o direito de atuar na condição
de Amicus Curiae e, conseqüentemente, participar da construção democrática do
provimento jurisdicional. Novamente fica evidente a limitação na participação e a
incompatibilidade do instituto com a Teoria das Ações Coletivas como ações
temáticas.
A Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil, em seu artigo 49 estabelece a legitimidade dos Presidentes
dos Conselhos e das Subseções atuarem como amicus curiae, nos casos em que
são questionados em juízo as prerrogativas profissionais do advogado289. Trata-se, o
presente caso, de direito coletivo de uma classe de profissionais, o que legitimaria,
na perspectiva das ações temáticas, não apenas os representantes da instituição a
289
A Ordem dos Advogados do Brasil, mercê de suas amplíssimas finalidades institucionais, deve ser
aceita para atuar na qualidade de amicus em outras situações, que não estejam circunscritas à
questão especificamente prevista naquele dispositivo.
Com efeito, de acordo com o inciso I do art. 44 da precitada lei, a OAB também tem por finalidade
“defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a
justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo
aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. [...] Nessas condições, a OAB pode atuar
como amicus curiae para a tutela de todos aqueles bens jurídicos, que dizem respeito, intimamente, à
própria conformação do Estado brasileiro à ordem jurídica e seu desenvolvimento. Tal iniciativa só
pode ser obstada naqueles casos em que a OAB, ela mesma, tome a iniciativa, com base no mesmo
dispositivo legal, de tutelá-los na qualidade de autor, o que é amplamente aceito no ambiente do
processo civil coletivo” (BUENO, 2008, p. 349) (grifo nosso).
353
atuarem com partes no processo de natureza coletiva (visto que seu objeto é
coletivo, por versar sobre as prerrogativas de toda uma classe de profissionais), uma
vez que todos os demais legitimados (profissionais da advocacia) também devem
ser vistos como sujeitos juridicamente interessados na construção participada e
discursiva do mérito processual, pelo fato de serem direta ou indiretamente afetados
pelos efeitos do provimento final.
A Lei 9.279/96, que regula os direitos e as obrigações relativos à propriedade
industrial, estabelece, em seu artigo 57: “A ação de nulidade de patente será
ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.
§ 1º O prazo para resposta do réu titular da patente será de 60 (sessenta) dias. § 2º
Transitada em julgado a decisão da ação de nulidade, o INPI publicará anotação,
para ciência de terceiros (grifo nosso) (BRASIL)290”. Tal dispositivo legal é repetido
no artigo 175 da respectiva lei. Entende-se, a partir da discussão cientifica proposta
e construída até o presente momento que o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial atuará na condição de Amicus Curiae todas as vezes em que a pretensão
deduzida versar sobre o pedido de nulidade de patente. Diante do exposto
questiona-se: e nas demais pretensões em que a discussão versar sobre matéria de
competência do INPI, haverá a obrigatoriedade de sua intimação para figurar como
parte na relação processual? O legislador não foi claro quanto à questão levantada,
novamente demonstrando se tratar de uma legislação construída sob a égide do
sistema representativo, o que inviabiliza, conseqüentemente, a participação ampla
do cidadão na construção do mérito coletivo da pretensão deduzida em juízo. Além
disso, a obrigatoriedade de intimação do INPI não exterioriza o direito de ampla
participação na construção do provimento jurisdicional, uma vez que não há a
previsão expressa do direito de recorrer nem da obrigatoriedade do magistrado se
manifestar acerca das alegações e argumentações levantadas pelo INPI.
A Lei 9.868/99, ao regulamentar o procedimento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade, estabeleceu, em seu artigo 7º, §2º: “considerando a relevância
da matéria e a representatividade dos postulantes pode admitir, por despacho
irrecorrível a manifestação de outros órgão ou entidades” (DEL PRÁ, 2008, p. 83).
Observa-se que a intervenção do Amicus Curiae está condicionada ao arbítrio do
290
Disponível: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L9279.htm. Data de Acesso: 02 nov.2011..
354
291
Em seu voto a Ministra Ellen Gracie explicitou o entendimento acerca da inexistência de um
momento inicial da vida humana e deixou claro não ser papel do Supremo estabelecer conceitos que
não estejam previstos explicita ou implicitamente na Constituição de 1988. Ao final de seu voto
manifesta-se pela improcedência da ADIN sob o argumento de que o embrião humano é formado 14
dias após a fecundação, uma vez que antes do termino dessa etapa o que se tem é uma massa de
células indiferenciadas geradas pela fertilização do óvulo. Dessa forma o que temos são pré-embriões
in vitro e congelados, com uma remota possibilidade de serem aproveitados nos procedimentos
médicos de reprodução assistida. Em virtude disso, entende a Ministra que ficou clara a opção
legislativa de dar destinação nobre a esses embriões excedentários com remotas possibilidades de
se tornarem um feto. Por isso manifesta-se no sentido da utilização apenas dos embriões humanos
inviáveis aos procedimentos médicos de reprodução assistida. Ressalta, ainda, a obrigatoriedade do
consentimento dos genitores e a participação efetiva dos Comitês de Ética em Pesquisa na análise da
utilização dos embriões humanos em pesquisas cientificas. Tipificou como delito penal a utilização de
embriões humanos em pesquisas de clonagem. Ao final conclui que não configura violação do
principio da dignidade humana a utilização de embriões humanos inviáveis e congelados em
pesquisas cientifica, tendo em vista que não teriam outro destino senão o descarte. Disponível:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510EG.pdf. Acesso: 23 jan. 2012.
355
Art. 20. Vencido o prazo do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com
cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.
§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou
circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações
existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações
adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita
parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública,
ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na
matéria.
§ 2o O relator poderá solicitar, ainda, informações aos Tribunais
Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da
aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição.
§ 3o As informações, perícias e audiências a que se referem os parágrafos
anteriores serão realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitação
do relator (BRASIL)292.(grifo nosso)
Nesse mesmo sentido temos o disposto no artigo 6º, §1º da Lei 9.882/99, que
dispõe sobre o processamento, julgamento e procedimento da Ação de Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental:
292
Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm. Data de Acesso: 14 nov.2009.
293
Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm. Data de Acesso: 21 de novembro
de 2009.
356
interessado na demanda, haja vista que a ele deve ser reconhecida a condição de
parte no processo, assim como deve ocorrer com os demais interessados difusos e
coletivos, que devem ser vistos processualmente como partes juridicamente
interessadas na construção discursiva e participada do mérito do provimento
jurisdicional.
Cabe-nos, agora, analisar o tema historicamente na atualidade e sob a
perspectiva pragmática, ou seja, como o vem sendo discutida a participação do
Amicus Curiae junto aos tribunais pátrios. Segundo entendimento do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, a figura do Amicus Curiae somente é admitida se a
matéria tratada for de índole constitucional, não permitindo a formulação de
requerimentos, senão a apresentação de memoriais e sustentação oral na sessão
de julgamento. Novamente verifica-se a limitação na atuação do amicus curiae, cuja
participação na construção do provimento jurisdicional se condiciona à autoridade do
julgador, que é quem detém a legitimidade de permitir ou não a sua intervenção no
processo, ressaltando-se que o julgador poderá ou não levar em consideração os
argumentos fático-jurídicos apresentados em juízo no momento em que for decidir,
ou seja, no momento de julgar o juiz não tem o dever de se manifestar e, tampouco,
de acolher qualquer dos argumentos e das alegações trazidas aos autos pelo
amicus curiae. Nesse sentido temos:
295
Disponível: http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta. Acesso: 20 nov.2009.
358
296
Disponível: http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta. Acesso: 18 nov.2009.
359
PROCESSUAL .
297
Um dos pontos mais complexos que tangenciam o instituto do amicus curiae se encontra na
complexidade que envolve a discussão acerca da natureza jurídica dessa figura. Dentre as
classificações encontradas na doutrina jurídica brasileira, é possível apontar algumas, tais como
aquela que classifica o amicus curiae como hipótese de intervenção de terceiros ou aquela que
admite tratar-se de intervenção atípica de terceiros, terceiro especial, assistência e, por fim, auxiliar
da justiça.
Em um primeiro momento, é possível verificar uma tendência do Supremo em inserir o amicus curiae
na modalidade de intervenção de terceiros, tal como se depreende de trecho do despacho do rel.
Ministro Joaquim Barbosa Gomes na ADI nº 3.311-DF (MATTOS, 2011, p. 167-168).
De outro lado, e em interpretação diametralmente oposta a essa acima esposada, é possível
identificar em outro processo, também de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que a classificação
feita pelo Supremo Tribunal Federal nega a hipótese de configuração de intervenção de terceiros
para o amicus curiae, admitindo-o, portanto, como um terceiro especial. Trata-se da ADI nº 2.548-PN,
cujo relator foi o Ministro Gilmar Ferreira Mendes (MATTOS, 2011, p. 169).
De outra monta, o nosso Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a pessoa
jurídica de Direito Público que atua nos termos da Lei 9.469/1997, bem como o CADE, nos termos da
Lei nº 8.884/1994, já tratado acima, figurariam na qualidade de amicus curiae e se enquadrariam na
hipótese de assistentes (MATTOS, 2011, p. 169).
Há quem classifique o amicus curiae mais especificamente como sendo uma modalidade de
assistência. Quem assim o considera admite o assistente como coadjuvante de uma das partes,
visando a um desfecho que seja bem sucedido entre elas. Essa é a opinião de Edgard Silveira Bueno
Filho, para quem o amicus curiae influirá de forma positiva na lide em questão, no sentido de
concorrer para que uma das partes se favoreça da decisão (MATTOS, 2011, p. 171).
361
298
[...] todos aqueles integrantes do rol do art. 103, da Constituição Federal de 1988, isto é, os
legitimados ativos a proporem a ADI e a ADC, são, também, automaticamente, pré-qualificados a
atuarem no papel de amicus curiae, já que quem conta com legitimidade para propositura daquelas
ações conta, pois, com a representatividade exigida para atuar em juízo. Assim, essas pessoas/entes
já se encontram previamente qualificados a participarem no processo como amicus curiae, restando
apenas a necessidade de comprovação do interesse para adentrar no litígio.
A despeito disso, não estão outras pessoas, órgãos ou entidades afastados da possibilidade de atuar
no processo como amicus curiae, como o próprio dispositivo legal referente ao temo dispõe ao falar
da “manifestação de outros órgãos ou entidades”.
Portanto, têm legitimidade para atuar na qualidade de amicus curiae tanto os legitimados ativos
previstos no art. 103, CF/88, quanto outros órgãos ou entidades, desde que demonstrem, através de
manifestação no processo, como poderão contribuir para ampliar o debate e proporcionar, com isso,
uma maior interação (e integração) com a sociedade civil. Afinal, embora não sejam destinatários
diretos/imediatos da decisão proferida, a participação do amicus curiae pode trazer ao feito elementos
informativos e razões constitucionais fundamentais ao processo, além de fazer alcançar um patamar
mais elevado de legitimidade nas deliberações do Tribunal Constitucional, já que este será
formalmente obrigado a apreciar as interpretações oriundas de diversos setores da sociedade e, com
isso, estará prestando contas à sociedade de uma maneira geral (MATTOS, 2011, p. 179-180).
362
299
Disponível:
http://74.125.47.132/search?q=cache:Amh_bOGHRGQJ:noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-
site/pdfs/ADIN_3510_Fonteles_inicial.pdf+inicial+adin+3510&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso:
01 mai.2009.
368
4.6 SÍNTESE
5. CONCLUSÃO
vista que a noção de mérito no processo civil limita-se aos pedidos e às questões
postas e trazidas pelas partes no processo. A primeira contribuição científica do
presente trabalho de pesquisa consiste na demonstração de que a noção de mérito
processual não pode ficar adstrita ao pedido, à matéria ou às questões de mérito.
Isso não significa dizer que os pedidos, a matéria ou as questões de mérito não
integram o próprio conceito de mérito. Nesse contexto afirma-se que o mérito
processual deve ser visto como um procedimento bifásico, em que na primeira fase
do procedimento todas as partes legitimadas e interessadas na pretensão
inicialmente deduzida em juízo têm a possibilidade de participar da definição da
matéria de mérito, apresentando todas as questões consideradas relevantes e
conexas ao que foi inicialmente alegado pelo autor da ação.
Na segunda fase do procedimento todas as partes interessadas, inclusive o
magistrado, terão a legitimidade de discutirem amplamente todas as questões e as
matérias de mérito suscitadas na primeira etapa do procedimento. Não se pretende
aqui excluir a participação do magistrado na formação do mérito processual. O que é
demonstrado ao longo de toda a pesquisa é que a construção do próprio conceito de
mérito e do julgamento do mérito não é um tema que fica adstrito à manifestação
exclusiva e unilateral do magistrado, até porque todos os sujeitos juridicamente
interessados na pretensão inicialmente deduzida em juízo detêm a legitimidade de
participar da definição, da análise e da discussão de todas as questões de mérito
propostas.
Nesse contexto, pode-se afirmar que o mérito processual seria resultado de
um procedimento bifásico em que num primeiro momento as partes interessadas
definem livremente as questões de mérito para, num segundo momento, poderem
debater e discutir amplamente todas essas questões, juntamente com o julgador. Ao
magistrado cabe o direito de participar ativamente dessas duas fases do
procedimento, manifestando-se, sempre de forma fundamentada, quanto à definição
e a análise das questões de mérito trazidas aos autos. Isso implica dizer que ao juiz
cabe o dever de analisar, apreciar, discutir, se posicionar e esclarecer, de forma
juridicamente fundamentada, quais serão as questões de mérito relevantes para o
caso concreto e como essas questões de mérito consideradas relevantes ao caso
concreto deverão ser decididas.
Todo julgamento de mérito deve ser reflexo não apenas das percepções
unilaterais do julgador, haja vista que a proposta dessa pesquisa é justamente
375
longo de toda produção cientifica é que não apenas essas instituições, assim como
todos os interessados difusos e coletivos, detêm a legitimidade de propor uma ação
coletiva e também de participar amplamente da definição e do debate de todas as
questões de mérito suscitadas, relevantes e conexas com a pretensão inicialmente
deduzida.
No momento em que o legislador brasileiro proibiu o cidadão de propor uma
ação civil pública, restringindo o rol dos legitimados processuais ativos, instituiu o
sistema representativo e reproduziu o conceito de mérito processual proposto pelo
processo civil e amplamente discutido no primeiro capitulo. As ações coletivas
brasileiras e o modelo de processo coletivo adotado pelo Brasil atualmente reproduz
o conceito dogmático, hermético, restritivo e autocrático de mérito processual, haja
vista que não são todos os sujeito legitimamente interessados (todos os
interessados difusos e coletivos) que estão autorizados a participar da definição, da
análise e do amplo debate das questões de mérito. Toda discussão referente às
questões de mérito das ações coletivas no Brasil encontram-se concentradas nas
mãos do magistrado e dos demais sujeitos considerados legitimados previamente
pelo legislador a propor as respectivas ações coletivas. Isso evidencia a opção do
direito brasileiro pela adoção do sistema representativo como referencial a gerir o
entendimento do processo e das ações coletivas.
Considerando-se a opção do Brasil pelo sistema representativo, pode-se
afirmar que o modelo de processo coletivo vigente é autocrático e incompatível com
o Estado Democrático de Direito, que propõe como norte de estudo o princípio
participativo, corolário da soberania popular e da liberdade de participação do
cidadão no controle de todas as questões atinentes aos direitos coletivos e difusos.
Legitimar o sistema representativo é deixar claro que ainda no Brasil não fizemos a
opção pela implementação efetiva do modelo constitucional e democrático de
processo coletivo.
No que tange especificamente ao tema objeto da pesquisa, fica evidente que
o desenvolvimento do segundo capitulo foi fundamental para demonstrar a
incompatibilidade das discussões teóricas dos autores que preconizam e defendem
o sistema representativo em face do tema-problema proposto, qual seja, a formação
participada do mérito processual nas ações coletivas como reflexo de um
procedimento bifásico instituído pelo devido processo legal, isonomia processual,
contraditório e ampla defesa, em que todas as partes juridicamente interessadas na
377
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