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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

TESE DE DOUTORADO

A CENOGRAFIA ALÉM DO ESPAÇO E DO TEMPO.


O Teatro de dimensões adicionais.

DORIS ROLLEMBERG CRUZ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIAS E TÉCNICAS TEATRAIS

Rio de Janeiro, agosto de 2008.


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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

TESE DE DOUTORADO

A CENOGRAFIA ALÉM DO ESPAÇO E DO TEMPO.


O Teatro de dimensões adicionais.

Autora: DORIS ROLLEMBERG CRUZ

Texto apresentado à Banca de tese


como requisito necessário para
obtenção do título de Doutora em
Teatro.
Orientadora: Profª. Drª.
Lidia Kosovski.

2
À minha pequena, inusitada e muito linda família, meu melhor lugar: Renato, Denise,
Samuel, Maria Clara e Spike, amorzinho eterno.

3
Agradecimentos

À Lidia Kosovski, agradeço a orientação segura, confiante e incentivadora.


Ao José Dias, o começo da carreira de cenógrafa, lugar de muitas alegrias. Com Dias,
iniciei também a pesquisa em Teatro, o encontro de um outro lugar. A ele, meu
reconhecimento. Sou grata ainda pela entrevista que me concedeu e pelo material
prontamente disponibilizado.
À Ana Bulhões, a leitura atenta e compreensiva, percebendo de imediato o meu lugar de
observação.
Ao Helio Eichbauer, que viu e me fez ver o olho-espelho. Agradeço a generosa e a
impressionante habilidade de leitura e a capacidade de síntese que me trouxeram de
volta à Física, paixão esquecida. Agradeço-lhe o precioso material que, generosamente,
colocou à minha disposição; e a entrevista, compartilhando comigo seu tempo, sua
lucidez e seu brilhantismo. Um encontro registrado em mim para sempre.
Ao Ricardo Kosovski, que reencontro após vários anos, ambos agora ocupando lugares
diferentes.
À Carmem Gadelha e ao Ricardo Brugger que, sem me conhecer, aceitaram estar na
banca.
À Maria Helena Werneck, que me acompanha com carinho ao longo desse percurso.
Também agradeço à Alessandra Cadore, minha assistente, que atravessou comigo esses
quatro longos anos.
Ao Marcus Vinícius Rosas e à Aline Soares da Silveira, funcionários da Pós-graduação,
a sempre gentil e atenciosa presença.
Ao Renato, companheiro presente da vida real e à minha amiga, mais que irmã, Denise
Rollemberg, que me orgulha todo dia.

4
5
Resumo:

A tese pretende estudar o Teatro de dimensões adicionais; investigar a cenografia teatral hoje, e
conseqüentemente, a cena contemporânea; refletir sobre a criação do dispositivo cênico,
contribuindo para a compreensão da cenografia teatral e o seu fazer, do nascimento da forma, da
concepção e da realização.
O estudo da cenografia hoje deve ultrapassar a tridimensionalidade do espaço da cena,
incorporando a quarta dimensão, o tempo, gerado por sua utilização, seu funcionamento a partir
dos deslocamentos físicos do ator no espaço; deve trabalhar a multiplicação de focos de
observação do espectador, para quem a encenação é criada.
O objetivo é pensar a geometria do espaço cênico, a sua ocupação pelo ator, portanto, a relação
temporal como quarta dimensão do espaço e, ainda, a ampliação desse olhar para o espaço
total, a inclusão do lugar do observador no processo como a quinta dimensão espacial. Propõem
o conceito de geometral, não se tratando exclusivamente da cena, mas da totalidade do espaço;
a explicitação do Teatro como espaço multidimensional; o paralelo do espaço cênico com a
noção de campo da Física.
Aborda, igualmente, a criação cenográfica através da análise do processo criativo de dois
cenógrafos - Helio Eichbauer e José Dias -, verificando como se processam os seus meios de
produzir e alimentar a elaboração do dispositivo cênico.
As cenografias selecionadas permitem verificar como ocorreram a ocupação na cena e a relação
com o espectador. O estudo do dispositivo cênico visou investigar as dimensões adicionais do
espaço: os exemplos dilatam a definição de geometral. Para tal, a observação de duas
montagens cenografadas por Eichbauer - O Valor do Amanhã e Péricles. O Príncipe de Tiro –
e uma de José Dias - A Controvérsia.
Duas polêmicas questões são discutidas: a instauração de um espaço primordial entre
encenador- cenógrafo, denominado espaço da criação;1 a inaugural tese de Helio Eichbauer do
cenógrafo como co- autor da encenação.
A primeira parte da tese concentra- se em conceitos necessários para a cenografia
contemporânea; a segunda, confirma o geometral como um traçado dinâmico para o Teatro
multidimensional, baseando-se na análise de três experiências concretas.

1
Cf. Doris Rollemberg. “O encenador e o cenógrafo: a construção do espaço cênico”. Propunha refletir
sobra a existência de um ‘espaço’ primeiro no processo criativo: o espaço de criação, fundado pelo
encenador e o cenógrafo durante o processo de trabalho. Esse ‘lugar’ singular deve ser inicialmente
traçado para a instauração do start criativo, ou seja, é necessária a construção de um ‘espaço’ anterior no
relacionamento encenador-cenógrafo. A partir desse lugar, desse posicionamento, e naturalmente, desse
ponto de vista é que haverá o nascimento da idéia, da cenografia, e conseqüentemente, da encenação.

6
Abstract:

The present thesis studies the theater through a series of different dimensions. I investigate
today’s theatrical cenography and, consequently, the contemporary scene. I also reflect upon the
creation of scenic elements, contributing to the comprehension of theatrical scenographic and its
construction, from the birth of its forms to its conception and realization.
The study of scenography in today’s theater must go beyond the three dimensional space
occupied by the scene and incorporate the fourth dimension of time. One must look at how time
is generated for the functioning of the scene via the physical movements of the actor through
space. Today’s scenery must work to multiply spectators’ foci of observation, potentializing the
scenery’s utilization by those for whom its ultimately created: the members of the audience.
My objective here is to think about the geometry of scenic space, its occupation by the actor
and thus its temporal relationships as a fourth dimension of space. I wish to widen my critical
eye to taken in the entire theatrical space, including the observing audience as a fifth spatial
dimension. I thus propose a geometrical conception of theatrical space which does not simply
look at a scene, but at its placement within the totality of the space that surrounds it. I am thus
concerned with exploring the theater as a multi-dimensional artifact, with scenic space being
understood as something that might best be conceived as parallel with the notion of a field as
this is understood by physics.
I also approach scenographic creation through an analysis of the creative processes of two
scenographers – Helio Eichbauer e José Dias – looking to describe how they produce and
operate the scenic machinery which they create.
The scenographies which I’ve elected to study here permit me to verify how scenes are
occupied in relationship to the spectator. This study of the scenic apparatus thus seeks to
investigate additional dimensions of space: precisely those dimensions which expand our
current geometric definitions of scenic space. To better achieve this goal, I have thus observed
and analyzed two productions scenographed by Eichbauer - O Valor do Amanhã and Péricles.
O Príncipe de Tiro – and one by José Dias - A Controvérsia.
Finally, I take up two polemical questions: the creation of a primordial space between the
director and the scenographer, denominated the “creative space2, and Helio Eichbauer’s
inaugural thesis which situates the scenographer as the co-author of the scene.
The first part of the present thesis concentrates on the concepts which are necessary for
contemporary scenography, while the second seeks to understand geometrics as a dynamic way
of tracing the multidimensional theater, based upon the analysis of three specific experiences.

2
Cf. Doris Rollemberg. “O encenador e o cenógrafo: a construção do espaço cênico”. I propose to reflect
upon the existence of a “first space” in the creative process: the creative space, which is founded by the
director and scenographer during the process of their work. This singular “place” must be initially layed
out in order to jumpstart creativity. In other words, it’s necessary to construct a “space” prior to
constructing a relationship between the director and the scenographer. It is from this space, this
positioning, and – naturally – this point of view that the idea of scenography – and consequently of
playing a scene – is born.

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Résumé :

Cette thèse étudie le Théâtre de dimensions additionnelles, la scénographie théâtrale actuelle et,
par conséquent, la scène contemporaine. Elle se penche en outre sur la création du dispositif
scénique et contribue à la compréhension de la scénographie théâtrale et de son faire, de la
naissance de la forme, de la conception et de la mise en scène.
De nos jours, l’étude de la scénographie doit franchir la tridimensionnalité de l’espace de la
scène et incorporer cette quatrième dimension qu’est le temps, engendré par son utilisation et
son fonctionnement à partir des déplacements physiques de l’acteur dans l’espace. Elle se doit
de travailler la multiplication des points d’observation du spectateur, pour qui la mise en scène
est créée.
L’objectif est de penser la géométrie de l’espace scénique, son occupation par l’acteur et,
donc, le rapport temporel comme quatrième dimension de l’espace, mais encore,
l’élargissement de ce regard vers l’espace total, l’inclusion du lieu de l’observateur dans le
processus comme cinquième dimension spatiale. Surgit alors le concept de géometral, qui
n’inclut pas exclusivement la scène, mais la totalité de l’espace, l’explicitation du Théâtre
comme espace multidimensionnel, le parallèle entre l’espace scénique et la notion de champ de
la physique.
La création scénographique est également abordée au travers de l’analyse du processus créatif
de deux scénographes (Helio Eichbauer et José Dias) pour constater par quels moyens ils
produisent et alimentent l’élaboration du dispositif scénique.
Les scénographies sélectionnées permettent de vérifier comment prennent place l’occupation de
la scène et le rapport au spectateur. L’étude du dispositif scénique explore les dimensions
additionnelles de l’espace : les exemples dilatent la définition du géometral. Pour ce faire, deux
mises en scène d’Eichbauer : O Valor do Amanhã(la valeur du lendemain) et Péricles. O
Príncipe de Tiro (Périclès. Le prince de Tyr) et une de José Dias : A Controvérsia (La
controverse) sont examinées.
Deux questions polémiques sont discutées : l’instauration d’un espace primordial entre metteur
en scène et scénographe, dénommé espace de création,3 et la thèse inaugurale de Helio
Eichbauer du scénographe comme coauteur de la mise en scène.
La première partie de la thèse se concentre sur des concepts nécessaires pour la
scénographie contemporaine et la deuxième confirme le géometral comme un tracé
dynamique pour le théâtre multidimensionnel, en se basant sur l’analyse de trois
expériences concrètes.

3
Cf. Doris Rollemberg. “O encenador e o cenógrafo: a construção do espaço cênico” où je proposais de
réfléchir sur l’existence d’un « espace » premier dans le processus créatif : l’espace de création, fondé par
le metteur en scène et le scénographe pendant le processus de travail. Ce « lieu » singulier doit être
initialement tracé pour instaurer le start créatif, ce qui signifie qu’il faut construire un « espace » antérieur
dans la relation metteur en scène - scénographe. C’est à partir de ce lieu, de cette position et,
naturellement, de ce point de vue que naîtra l’idée, la scénographie et, par conséquent, la mise en scène.

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Lista de ilustrações.

PARTE I:
Capítulo I: Amplitudes Cenográficas.
1.1.- Espaço e encenação.
Cortes sucessivos da caixa cênica. Foto de cena: Matogrosso e panejamentos. ... 33
Capítulo III: As dimensões adicionais da cena.
3.3.3- Outros espaços: olhares diversos.
Arquitetura do Renascimento. ............................................................................. 83
Teatro Grego. .......................................................................................................... 89
Espaço Elizabetano. ............................................................................................... 90

3.3.4.- O Círculo Aberto.


Teatro Bouffes Du Nord. ................................................................................ 95 - 97
Foto de Cartier Bresson. Relação da figura humana com a fundo. .................. 108
Detalhe da Capela Cistina. .................................................................................. 109
Painel de referências. ............................................................................................ 110
Adaptações de espaços teatrais por Jean Guy Lecat. ..................................111 - 112

PARTE II:
Capítulo II: Sobre Hélio Eichbauer.
2.3- Ver e fazer ver ↔ ver e entender.
Vista de olhos do teatro de Besançon. Ilustração de Claude-Nicolas Ledoux. .....142
Esquema de Oskar Schlemmer: a relação entre o espectador e o ator. ............... 142
Face anterior da Pedra de Bollinger. .................................................................... 143
Corte do Teatro de Besançon. .............................................................................. 143

2.4- Das encenações: Dispositivos cênicos multidimensionais.


2.4.1 - O Valor do Amanhã. .......................................................................... 151 - 158
Esquema de Oskar Schlemmer: a relação entre o espectador e o ator. ........... 159
2.4.2 - Péricles. O Príncipe de Tiro.
O dispositivo cênico construtivista - cenografia - objeto. ............................ 162 - 165

Capítulo III: Sobre José Dias.


3.1 - A implantação do geometral da cena a partir do triângulo de força do palco
italiano. ............................................................................................................ 171 - 172
3.2 - A novacontrovérsia. ................................................................................ 181 - 182

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Sumário

Por um Teatro multidimensional. ................................................................. 12


O Eterno Começo. .......................................................................................... 20
PARTE I:
Capítulo I: Amplitudes Cenográficas.............................................................. 25
1.1.- Espaço e encenação. ................................................................................ 25
1.2. Vazio e movimento. .................................................................................. 39
1.3- Criação, espacialidade e síntese. .............................................................. 41
Capítulo II: Geometral. .................................................................................. 54
2.1: O traçado sintético da cena. ......................................................................54
2.2: Geometral: Um Campo cênico. ................................................................ 59
Capítulo III: As dimensões adicionais da cena............................................... 62
3.1- O Tempo em Michio Kaku. ...................................................................... 62
3.2 - Appia: O homem que viu a quarta dimensão na cenografia. .................. 69
3.3- Espaço Dilatado. ...................................................................................... 73
3.3.1- O lugar do observador no espaço: A quinta dimensão. ......................... 73
3.3.2- Espaço Puro? ........................................................................................ 76
3.3.3- Outros espaços: olhares diversos. .......................................................... 81
3.3.4.- O Círculo Aberto. ................................................................................. 91
PARTE II:
Capítulo I: Sobre a Criação cenográfica. .......................................................113
1.1. Observar, Colecionar, Ordenar, Iluminar o que se encontra disperso. .... 113
1.2- O Cenógrafo: ‘Senhores do Hiperespaço’. ............................................ 120
1.3- Método e processo: Escolha e imaginação. ........................................... 125
Capítulo II: Sobre Hélio Eichbauer. .............................................................. 129
2.1- O cenógrafo como co-autor da encenação. ............................................. 129
2.2- ‘O mais cosmopolita dos nossos cenógrafos’. ......................................... 133
2.3- Ver e fazer ver ↔ ver e entender. ........................................................... 139
2.4- Das encenações: Dispositivos cênicos multidimensionais. ...................... 144
2.4.1 - O Valor do Amanhã. ............................................................................ 145
2.4.2 - Péricles. O Príncipe de Tiro.
O dispositivo cênico construtivista - cenografia - objeto. ............................... 160

10
Capítulo III: Sobre José Dias. ....................................................................... 166
3.1 - A implantação do geometral da cena a partir do triângulo de força do palco
italiano. ............................................................................................................ 166
3.2 - A novacontrovérsia. ................................................................................ 173

A Cenografia é o lugar do espectador. ........................................................... 183

Bibliografia. ................................................................................................... 186

Anexo: ........................................................................................................... 198


Ficha técnica das encenações:
O Valor do Amanhã, Péricles. O príncipe de Tiro e A controvérsia. ............. 198
Entrevista realizada pela Autora com Helio Eichbauer em 18/12/2007. ....... 203
Entrevista realizada pela Autora com José Dias em 04/01/2008. ................... 225

11
Por um Teatro multidimensional.

O principal objetivo da tese é avançar na reflexão sobre a criação cenográfica,

contribuindo para a compreensão da cenografia teatral nos dias atuais e de como se

verifica o seu fazer, desde o nascimento da forma, a sua concepção até a sua realização.

A resultante formal da cenografia faz com que todos vejam o que foi, antecipadamente,

visto pelo cenógrafo, aquele que antevê a cena.

O objeto da investigação é, portanto, a cenografia teatral hoje, e conseqüentemente, a

cena contemporânea.

Ao me situar aqui no lugar de observação, incorporo a prática de há mais de vinte anos

projetando espaços e como docente.

Assim, o enfoque da cenografia possui um ponto de vista duplo, um vetor com duas

direções. Em outras palavras, estudar o Teatro de dimensões adicionais expõe o meu

olho-espelho, como uma imagem reflexiva.4

Trata-se, primeiramente, de repensar o conceito de cenografia e a atualização das

funções do cenógrafo.

Há mais de cem anos o Teatro incorpora o tempo como a quarta dimensão, estudada e

aplicada à cena. A pesquisa, então, pretende ampliar o foco para outra dimensão, a

quinta, incorporando o lugar e o olhar do espectador. Portanto, investiga o espaço que

espera a cena, no qual a participação efetiva do público deve ser incluída.

Para tanto, pretendo rever e ampliar conceitos e fundamentos para o estudo do espaço e

da cenografia (Parte I).

Amplitudes Cenográficas (Capítulo I) foi decomposto em três itens. Espaço e

encenação (o primeiro) estuda os conceitos de cenografia e o verbete cenógrafo. Revê,

4
Ver ilustração de capa. Agradeço a Helio Eichbauer a sugestão da imagem.

12
ainda, o surgimento da concepção do espaço cênico como um dispositivo que responde

a concepção do encenador, na qual o espetáculo deve ser realizado com toda a equipe,

em especial, com a intervenção dos atores que ocuparão o espaço. Trata-se de noções

totalmente compreendidas, nesse início do século XXI.

O conceito de cenografia da virada dos séculos XIX para o XX compreende o espaço

projetado na sua tridimensionalidade, substituído pela expressão dispositivo cênico mais

contemporaneamente. Essa expõe a relação da cenografia com a sua variável temporal

ou o conceito de quarta dimensão espacial, estudado por Adolphe Appia ao desenvolver

o conceito de ritmo do espaço.

Nesse item, são trabalhadas as definições espaciais de Anne Ubersfeld e Patrice Pavis,

que partem de diferentes pontos de vista. O espaço gestual de Pavis também é objeto de

reflexão.

A pesquisa pretende verificar como os deslocamentos, sejam eles dos atores ou dos

espectadores - aparentemente inertes - agem sobre o espaço e influenciam a atuação;

criticar a caixa cênica italiana, propondo retrabalhá-la a partir da sua própria

configuração e dos seus conceitos fundamentais.

Vazio e movimento (o segundo item) desenvolve a noção do palco como um espaço

vazio a ser preenchido, idéias encontradas em Appia e Artaud.

Pavis analisa também essa tese, revelando outras formas de tratar o espaço que espera a

cena. Entretanto, o teórico defende a noção de dilatação da forma, em si, da matéria e

de seus significados e não a idéia de preenchimento. O que possibilita o estudo do

conceito da cinética de geometral, não se tratando exclusivamente da cena, mas da

totalidade do espaço.

Criação, espacialidade e síntese (1.3) procura conceituar geometral, para analisar o

processo de criação e os seus modos da composição. Para tal, recorre a autores e

13
criadores como Klee, Kandinsky, Fayga Ostrower e Gropius, além de Appia, Meyerhold

e Peter Brook. Da mesma forma, Baudelaire e Arnheim foram preciosos na revisão de

conceitos como síntese formal, tema da forma e ordenação, assim como na relação da

percepção com a comunicação, função primeira do Teatro.

A importância essencial do desenho como partitura de comunicação é também aqui

apresentada. Verifica-se a estreita conexão da espacialidade, traduzida em síntese

formal, com o movimento, possibilitando a ocupação mais variável do ator e as

diferentes maneiras de explorar a relação com o público; defende a noção de

simplificação em oposição ao detalhe.

Através desses criadores e pensadores, localiza-se a essencial afinidade do artista com a

curiosidade e sua relação com o seu tempo.

Geometral (o segundo Capítulo) divide-se em dois itens.

Em O traçado sintético da cena (2.1), o interesse é verificar quando a solução

cenográfica revela-se ideal para a ocupação da cena pelos atores. Também é tratada a

noção de pressentimento da forma, de Peter Brook. Meyerhold é a referência teórica

para a análise. Inicia-se a definição de geometral como o plano da cena que antevê o

movimento dos deslocamentos do ator na cena.

Geometral: um Campo cênico (2.2) traça a diferença entre o desenho bidimensional da

planta baixa e o esquema revelado pelo geometral, explicitando o Teatro como um

espaço multidimensional. Essa constatação é desenhada pelo paralelo do espaço cênico

com a noção de campo da Física.

As dimensões adicionais da cena (terceiro capítulo) apresenta em O Tempo em

Michio Kaku (3.1): a teoria do Hiperespaço como o espaço de dimensões adicionais.

Com a sua teoria, é possível ‘visualizar’ o tempo como a quarta dimensão, percebendo

como essa idéia está intrinsecamente ligada ao movimento no espaço.

14
É matéria de estudo, igualmente, a teoria riemanniana de Georg Bernhard Riemann

(1854), e ainda como essa nova geometria influenciou, de maneira direta, as artes.

Nesse panorama, Appia desenvolve os estudos para a cenografia como espaços rítmicos,

na qual o ator, ocupando a tridimensionalidade do espaço, revela a variação temporal da

cena. Portanto, é Appia: o homem que viu a quarta dimensão na cenografia (3.2).

Aqui, relacionam-se a noção de espaço- vivo de Appia e a expressão Espaço Gestual de

Pavis e esta, com a noção de site specific. Amplia-se, dessa maneira, o conceito de

geometral desenvolvido no item anterior.

Espaço Dilatado (3.3) foi subdividido em quatro subitens. O lugar do observador no

espaço: a quinta dimensão (3.3.1) parte da noção do espaço cênico compreendido não

mais tridimensional e sim tetradimensionalmente. O estudo estende o olhar do espaço

para outro ponto de vista, incluindo o espectador. No espaço total, ele também passa a

modificá-lo. Essa alteração é pensada não só por sua subjetividade, mas, sobretudo,

pelas variações da posição dos espectadores no espaço teatral. O conceito de geometral

é, portanto, redefinido como traçado do espaço total.

Espaço Puro? (3.3.2) parte do conhecimento prévio da íntima ligação da proposta de

encenação com o espaço no qual estará inserida. Com O Espaço vazio, de Peter Brook,

verifica-se até que ponto o espaço é realmente puro ou, se já é habitado por

interferências. O espaço puro seria uma idealização?

Estuda-se a indissociável conexão entre espaço teatral, espaço cênico, espacialidade e

atuação. O espaço teatral abriga o “lugar” do público e este, inserido na forma total, não

pode ser desprezado. Os entraves na utilização da caixa cênica italiana são, portanto,

repensados.

A relação espaço teatral e atuação é, sem dúvida, fundamental para o estudo da cena

contemporânea, quando desenvolvida num espaço outro que não o cúbico. Esse é o

15
tema tratado em Outros espaços: olhares diversos (3.3.4). O Teatro com multiplicidade

de pontos de vista do público pretende desenvolver com este, uma participação mais

ativa, não o tratando como o observador fora do jogo. Esses olhares criam campos

óticos que se deslocam no espaço.

A participação na Oficina “O círculo aberto de Jean Guy Lecat” permitiu aprofundar

essa reflexão, além de possibilitar a verificação, na prática, do processo criativo,

resultando em pequenas encenações. São os assuntos de O Círculo Aberto (3.3.4). Jean

Guy Lecat defende o encontro como fator social do Teatro, no qual o público deve se

sentir como convidado participativo do acontecimento teatral. Essa tese possui

correlação direta com a noção de quinta dimensão.

Outros conceitos, como “neutralidade das paredes” da sala e “espírito do teatro” são

também estudados, relacionando-os à tese de Anne Ubersfeld. A teórica traça pontes

entre os espaços teatrais e a sua época e a imagem que se faz da sociedade. É, portanto,

fundamental questionar, mesmo apenas conceitualmente, como esses temas podem ser

tratados na cenografia contemporânea.

A Parte II, com três capítulos, aborda a criação cenográfica.

Observar, Colecionar, Ordenar, Iluminar o disperso (Capítulo I, 1.1) visa a conhecer

e analisar o processo criativo individual de alguns cenógrafos, verificando como se

processam os seus meios de produzir e alimentar a elaboração do dispositivo cênico.

Os olhares de dois criadores - Helio Eichbauer e José Dias - sobre os próprios processos

de criação serão tratados. Para tal, o critério de escolha foi a entrevista.

As cenografias selecionadas permitem verificar como se deram a ocupação na cena e a

relação com o espectador. Portanto, através do estudo do dispositivo cênico, pretendeu-

se investigar as dimensões adicionais do espaço: os exemplos dilatam a definição de

geometral.

16
Duas polêmicas questões são discutidas: a instauração de um espaço primordial entre

encenador-cenógrafo, denominado espaço da criação;5 a inaugural tese de Helio

Eichbauer do cenógrafo como co-autor da encenação.

O Cenógrafo: senhores do Hiperespaço (1.2) busca a reformular a definição do

vocábulo cenógrafo, em função da atualização das suas funções.

Método e processo: escolha e imaginação (1.3) visa a chegar à ‘confissão criadora’ do

projeto cenográfico; conhecer o processo de criação da concepção à resultante.

Importa, essencialmente, como o cenógrafo lê o texto, a sua proposta de encenação, sua

relação com o espaço teatral; como age e pensa. A proposta é investigar o seu método;

desvendar o processo criativo, sem cair na desmistificação do nascimento da idéia.

Permitindo, a cada leitura dessa tese, despertar, no outro, alegrias que possibilitem que

as formas dos dispositivos cênicos sejam repensadas ou recriadas, continuamente.

Em Sobre Hélio Eichbauer (Capítulo II), encontram-se quatro seções, sendo a última

subdividida na análise de duas de suas obras.

O cenógrafo como co-autor da encenação (2.1) discute a tese do cenógrafo como co-

autor na encenação, essencial para pensar a função do cenógrafo na atualidade.

‘O mais cosmopolita dos nossos cenógrafos’ (2.2) não pretende biografar Hélio

Eichbauer, e sim expor suas influências e referências, o amor a Filosofia, Matemática,

Geometria e Literatura. A sua metodologia para o nascimento da idéia desvenda a

confissão criadora. Revela como a maquete - incríveis objetos-plásticos -, proporciona

no processo a experimentação dos deslocamentos da figura humana no espaço,

antecipando as dimensões adicionais do Teatro.

5
Cf. Doris Rollemberg. “O encenador e o cenógrafo: a construção do espaço cênico”. Propunha refletir
sobre a existência de um ‘espaço’ primeiro no processo criativo: o espaço de criação, fundado pelo
encenador e o cenógrafo durante o processo de trabalho. Esse ‘lugar’ singular deve ser inicialmente
traçado para a instauração do start criativo, ou seja, é necessária a construção de um ‘espaço’ anterior no
relacionamento encenador-cenógrafo. A partir desse lugar, desse posicionamento, e naturalmente, desse
ponto de vista é que haverá o nascimento da idéia, da cenografia, e conseqüentemente, da encenação.

17
Ver e fazer ver ↔ ver e entender (2.3) reflete sobre algumas ilustrações apresentadas

pelo cenógrafo que traduzem de maneira contundente o objeto de estudo da tese. Belas e

poéticas sínteses da forma.

Das encenações: dispositivos cênicos multidimensionais (2.4) analisa duas montagens

dentre a vasta obra de Helio Eichbauer. Escolhidas pelo próprio cenógrafo, reúnem

diversas questões caras à pesquisa. Destacam a relação dos dispositivos com a dinâmica

da cena e a noção das dimensões adicionais do espaço. É, porém, na observação do

cenógrafo como co-autor das montagens cênicas que reside a notável constatação.

A primeira análise, embora seja de um programa de televisão e não uma encenação

teatral, é perfeitamente aceita porque possui uma incontestável resultante teatral, tanto

quanto à forma do dispositivo cênico e de suas referências, como na utilização e

ocupação na cena pelo ator. Assim, em O Valor do Amanhã (2.4.1), de Eduardo

Giannetti e roteiro e direção de Isa Ferraz, apresentado em 2007, é a cenografia

trabalhada. Revela a sua tendência ao abstracionismo geométrico e cinético, alcançando

a tradução de conteúdo complexo através da síntese formal.

Péricles. O Príncipe de Tiro. O dispositivo cênico construtivista - cenografia objeto

(2.4), montagem de 1995, possui diversas semelhanças com o primeiro trabalho

analisado, como a relação de co-autoria na encenação e o cuidado de Helio Eichbauer

em desenvolver dispositivos cênicos que apontam para multidimensionalidade do

espaço.

Nesse caso, é possível também identificar outra marcante característica da sua obra: a

cenografia como objeto plástico tridimensional manipulado em cena pelo ator.

Sobre José Dias (Capítulo III), a princípio, aborda duas significativas características

da sua cenografia, recorrentes nos modelos reduzidos (ver fotos de maquete), cuja

coleção revela a longa e produtiva carreira. Essa particularidade evidencia-se em sua

18
“confissão criadora” (A implantação do geometral da cena a partir do triângulo de

força do palco italiano, 3.1).

A novacontrovérsia (3.2) pretende desenvolver a análise da cenografia de José Dias

para a montagem de A controvérsia, dirigida por Paulo José. Este estudo é concebido a

partir do texto O público ignorado, de Banu.

Em suma, a primeira parte da tese concentra-se em conceitos necessários para pensar a

cenografia contemporânea; a segunda, apoiada na análise de processos, visa a confirmar

o geometral como um traçado dinâmico para o Teatro multidimensional.

O Eterno Retorno – à guisa de conclusão, ou melhor, não-conclusão ou, ainda, de anti-

conclusão - situa a Autora, seus questionamentos em busca da cenografia atual. O

retorno às reflexões do mestrado e mesmo anteriores a ele. O retorno que dilata o prazer

de pensar o Teatro, de fazer Teatro. Eternamente.

O anexo traz as transcrições das entrevistas (na íntegra) realizadas pela Autora com

Helio Eichbauer (2007) e José Dias (2008).

19
O Eterno Começo

“Nada me impede de achar tudo inesgotável, sem

desgaste: de onde a arte deveria partir senão dessa

alegria e tensão do eterno começo?”

Rilke6

Como cenógrafa, profissional de criação do espaço cênico, sempre me envolvi com a

pesquisa formal e a conceituação da proposta de encenação. Nesse sentido, me

interessou não somente a metodologia para a concepção do projeto cenográfico, mas

também a sua integração no processo mais amplo do desenvolvimento da cena realizado

por toda a equipe.

Partindo dessas idéias, o cenógrafo vincula-se à relação estabelecida com o encenador e

ao processo de trabalho que se estende na encenação. E ainda, dependendo de onde ou

como nos instalamos no ‘espaço da criação’ é que o jogo se instaura. Essa imagem pode

ser pensada tanto quanto à etimologia da palavra Teatro, como estudada por meio da

noção da física e da ótica, na qual o ponto de vista determinará a visão do objeto.

Confirma-se, então, a idéia que é de onde se vê que o Teatro nasce.

Mais do que pesquisadora teórica de Teatro, sou cenógrafa interessada em pensar e

estudar o fazer Teatral. Profissional de criação que, no momento, se desloca de lugar,

coloca-se no espaço de observação, adota o papel de observadora de uma matéria.

Como o colecionador a reunir o disperso. Reúne, soma, organiza, ordena temas,

assuntos, montando pedaços de histórias, lembranças e memórias. Reúne e ordena,

revela e analisa a história e o seu fazer, o seu modo de operar e processar.

6
- Rilke, apud. por Günther Regel, “O fenômeno Paul Klee”, in Paul Klee. Sobre a arte moderna e outros
ensaios. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, p. 9.

20
Entrar nesse universo é se envolver pelas formas e cores, pelos processos e diálogos.

Expondo outros olhares e possibilidades sobre o processo criativo. Colecionar é ordenar

e, de algum modo também, possuir, apropriando-se das formas. Juntar o disperso é

nunca mais deixá-lo se separar.

Transferindo-se de papel, deslocando-se para outro lugar, a percepção influencia-se por

esse outro e, nesse caso, novo: o “lugar” da observação, da análise.

O posicionamento físico e as subjetividades são questões determinantes para a visão do

observado e, naturalmente, para definição do seu aspecto. Assim, o meu deslocamento

foi fundamental para o aparecimento de outros temas, conduzindo o atual interesse no

enfoque e na percepção do espectador, e por conseqüência nos movimentos traçados a

partir da noção de deslocamento desse olhares.

O contraste entre a solidão da escrita e o procedimento de trabalho integrado da equipe

criativa da montagem cênica levou-me a refletir sobre a diferença entre a alegria da ação

criativa e as dificuldades de aventurar-se por outros caminhos.

Um novo empenho nesse atual “olhar” é a procura por transformar a solidão da escrita

em diálogo: olhar para trabalhos de outros cenógrafos, revendo-os e remontando o

processo de criação. Retomando, dessa maneira, alguns pensamentos que conduziram

ao desenvolvimento e, portanto, à instauração de um “lugar”. A visualização de uma

imagem, um traçado construído no “espaço de observação”: a rótula do traçado urbano.

Uma praça de cujo centro partem várias vias radiais sempre avistando o horizonte. Uma

imagem recorrente.

Essa figura permite que de um único ponto, o centro, a origem do círculo, possamos

dirigir o deslocamento físico; ou mesmo, através da direção dos vetores do olhar, para

um universo de inúmeras possibilidades. Um espaço que pretende traçar com seus 360º

a percepção do todo, mas que também nos convida a uma escolha, assim como nos

21
oferece a generosidade, a oportunidade e a alegria de voltar e escolher outro ponto de

vista, outro percurso. Um lugar ideal, mágico e ao mesmo tempo real, porque nos dá e

nos devolve o poder da escolha. Podemos girar apenas alguns graus e logo em seguida

selecionar outro olhar que leva, por conseqüência, a outro ponto do horizonte. Todos,

caminhos sedutores, mas que proporcionam a tranqüilidade de retorno e retomada.

A visualização desse esquema, o desenho dessa imagem foi originado da hipótese de

que a forma projetada para o espaço cênico já traz em si um uso, uma proposta de

ocupação da cena pelos atores. Porém, ao dilatarmos a reflexão para a relação da cena

com o todo, incluindo o ponto de vista do espectador na forma total do espaço teatral,

identificamos variáveis possibilidades de localização e vetorização dos diferentes

olhares.

A partir do “espaço de observação” e selecionando um percurso, cujo enfoque se

direciona para uma cenografia que adota a espacialidade como uma resultante formal

sintética, percebe-se como esse dispositivo cênico, mais livre de elementos figurativos,

é também uma forma de ocupação, de maneira mais variável, da cena pelos atores. Os

deslocamentos são, do mesmo modo, vetores de olhares em movimento, que, então,

influenciam na relação de observação do público. Esse, igualmente, é gerador de vetores

imaginários e subjetivos que agem em deslocamentos constantes. Essa relação propõe a

ativação7 do público que é convidado a completar a cena.

O dispositivo cênico é um desenho incompleto, como propõe Peter Brook8, que se

conclui/ fecha/ no seu uso: a cenografia é o espaço a ser ocupado pelo ator.

Evidentemente que é na cena que ocorrerá essa realização, na qual são fundamentais a

presença e a relação com o espectador. Desse modo, a cenografia só se completa com a

7
- ver A Porta Aberta, de Peter Brook.
8
- BROOK, Peter. A Porta Aberta. Reflexões sobre a interpretação e o Teatro. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1999. p.105.

22
interferência do ator no espaço cênico e com o ponto de vista do observador para essa

cena: a noção de quinta dimensão espacial.

É na questão da forma de ativação do espectador - ou como se pretende essa ativação-

que podemos visualizar a rótula, como um lugar radial e idealizado, no qual podemos

adotar diversos pontos de vista, escolher diferentes percursos.

Além da noção da ativação do público para se completar um desenho (incompleto), não

só da cenografia, mas de toda a imagem ou forma cênica, a encenação também pode

optar pela relação na qual o espectador não se veja provocado a completar uma imagem.

Nesse sentido, é compreensível que já lhe forneça um retrato lógico, reconhecível e

identificável. Pode-se querer uma relação cena-espectador outra e, portanto, as

possibilidades são muitas e interessantes do mesmo modo.

Ao se traçar um desenho mais amplo para além do espaço cênico, no qual o espectador

esteja incorporado no esquema da totalidade da forma, podemos projetar a geometria do

espaço para além da idéia da planta baixa do espaço teatral. Esse mapa ampliado nos faz

ver um novo traçado, um gráfico, um pensamento mais formal: o conceito de geometral

aqui ‘desenhado’.

O estudo da cenografia hoje deve ultrapassar a tridimensionalidade do espaço da cena,

incorporando a quarta dimensão, o tempo, gerado por sua utilização, seu funcionamento

a partir dos deslocamentos físicos do ator no espaço. Como, necessariamente, deve

trabalhar com a multiplicação de focos de observação originados pelo espectador, para

quem a encenação é criada.

Hoje, interessa-me estudar a geometria do espaço cênico, a sua ocupação pelo ator,

portanto, a relação temporal como quarta dimensão do espaço e ainda, a ampliação

23
desse olhar para o espaço total, a inclusão do observador no processo como a quinta

dimensão espacial.

Aprofundar, assim, reflexões propostas, confirmando o processo criativo como

metodologia apaixonante, essencial no estudo da cenografia.

A reflexão que jamais se esgota, cuja riqueza está, não na conclusão, mas sim no eterno

repensar, em repensar a si mesma, refazendo-se. Um caminho a ser refeito, de outra

maneira, mas em função do que já existe. Traçar outras linhas sobre o esboço,

desenvolver o traço, buscar outros traços!

O conhecimento como um exercício sem fim, a enriquecer na eterna busca de si mesmo.

Rever, desse modo, alguns conceitos com a finalidade de formular a idéia de quinta

dimensão do espaço visando a compreender a “cenografia como o lugar do

espectador”, como proposto por Jean Guy Lecat no seu “Círculo Aberto”, e ainda,

relacioná-lo com o princípio da espacialidade da cena como o lugar do ator.

Por fim, é preciso também refletir sobre a afirmação: o espaço teatral é o lugar da

história, de Anne Ubersfeld9, embora a sua análise parta do texto dramático e não da

encenação, como propõe Patrice Pavis10.

9
- UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005, p. 94.
10
- PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo, Editora Perspectiva, 2003.

24
PARTE I:

Capítulo I: Amplitudes Cenográficas.

1.1.- Espaço e encenação.

Como já foi observado por Gianni Ratto em Antitratado de Cenografia11, os conceitos

de cenografia e cenógrafo apresentados em alguns dicionários são limitados, inexatos e

defasados.

É fartamente sabido que, nos últimos cem anos, a noção de cenografia deixou de se

referir, prioritariamente, a um cenário que servisse de fundo ou, no máximo, de

ilustração do drama a ser encenado para tornar-se o que, modernamente, entendeu - se

como espaço cênico, investido de teatralidade.

O surgimento da concepção de espaço cênico relaciona-se diretamente com o advento

da figura do encenador, desenvolvido na virada do século XIX e nas primeiras décadas

do século XX, que estabeleceu uma relação produtiva com os demais elementos da

equipe de criação. O espetáculo passou a ser visto como um resultado final de um

conjunto de elementos cênicos articulados. Conceitos já compreendidos nesse início do

século XXI.

Uma das conseqüências da relação entre o encenador e o cenógrafo, na atualidade, é a

progressiva compreensão do espaço cênico como um dispositivo que deve responder à

concepção do encenador para o espetáculo a ser realizado com toda a equipe,

especialmente com a intervenção dos atores que ocuparão o espaço.

Contemporaneamente, a intervenção dos atores no espaço é um fato e a ocupação

espacial da cenografia, que se dá na cena, implica um novo conceito de cenografia que

diz respeito à compreensão da área de atuação como espaço a ser projetado na sua

11
- RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia. Variações sobre o mesmo tema. São Paulo, Editora
Senac,1999. p. 76.

25
tridimensionalidade. Contrapõe-se, há mais de um século, ao cenário bidimensional, a

tela pintada e plana da arte pictórica utilizada na cena até o Naturalismo do início do

século XX.

O termo “cenário”, muito impregnado da noção de decoração e de ornamentação, é

desta perspectiva, substituído pelo vocábulo “cenografia” ou mais contemporaneamente,

por dispositivo cênico. A expressão já traz em si a integração da tridimensionalidade do

espaço com a sua variável temporal. Portanto, contém em si o conceito de quarta

dimensão espacial.

A noção atual da cena não-fixa, variando no decorrer da encenação, indica que os

criadores da cena devem trabalhar uma proposta cenográfica como uma estrutura capaz

de responder a tais necessidades. Sendo assim, a expressão dispositivo cênico12 propõe

a idéia de deslocamento dos atores no espaço, incluindo a variação temporal da cena e,

dessa maneira, brotam da sua própria nomenclatura os conceitos de espacialidade

(utilização ou ocupação variável do espaço pelos atores) e de ritmo do espaço.

Neste ponto, é inevitável lembrar a contribuição de Adolphe Appia ao apresentar o

conceito de ritmo do espaço, segundo o qual o movimento é o princípio conciliatório

capaz de unir formalmente o tempo e o espaço. A arquitetura seria a arte que contém o

espaço por definição e o tempo na sua aplicação. Ela existe para o homem e desenvolve-

se no espaço, e, sem a presença do corpo humano, “permanece muda”. A arquitetura

para Appia é a arte do espaço concebida pela mobilidade do ser vivo. A partir da

analogia entre a arquitetura e a cenografia tridimensional, o encenador suíço baseia os

12
- O termo dispositivo cênico, usado hoje com bastante freqüência, indica que a cena não é fixa e que o
cenário não está plantando do início ao fim da peça; o cenógrafo dispõe as áreas de atuação, os planos de
evolução de acordo com a ação a ser representada, e não hesita em variar esta estrutura no decorrer do
espetáculo. O teatro é uma máquina de representar, mais próxima dos brinquedos de construção para
crianças do que do afresco decorativo. O dispositivo cênico permite visualizar as relações entre as
personagens, e facilita as evoluções gestuais dos atores. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro, São Paulo,
Editora Perspectiva, 1999, p. 105.

26
seus estudos para a cena13. É na correlação do corpo do ator- vivo em movimento com a

cenografia que desenvolve o conceito de espaço vivo, no qual as formas do espaço são

animadas pela “vitória das formas corporais sobre as formas inanimadas”14. A

reciprocidade é perfeita: O espaço se torna vivo. A “vida” do espaço deriva, assim, do

movimento do corpo humano. A cenografia como espaços - rítmicos.

A cenografia, portanto, para Appia é trabalhada a partir da noção de “espaços rítmicos”,

onde o ator- vivo é visto como um volume expressivo cuja forma sinuosa e arredondada

trabalha em contraste com as superfícies planas e estáticas do dispositivo cênico.

Em Appia, podemos constatar a idéia fundamental: a afinidade entre o princípio de

síntese com a cenografia teatral, desenvolvida a partir da proposta da ocupação na cena:

“(...) o ator, segundo Barrault, pode, pelo gesto e pelo movimento –


pela sua expressão plástica dinâmica a quatro dimensões – preencher
todos os espaços vazios da cena. E, então, a tendência mais evoluída
será para o máximo de economia de elementos cênicos, numa busca
da maior sobriedade e simplicidade.” 15

Os deslocamentos dos atores na cena - a variável temporal do espaço - passa a ser,

desde Appia, ponto fundamental da cenografia: o conceito de quarta dimensão.

A cenografia deve considerar também o ponto de vista do observador para o objeto

observado, ou em outras palavras, o olhar do espectador para a cena, nesse estudo

denominado de quinta dimensão do espaço.

Desse modo, a cenografia preocupa-se não só com a área de atuação – espaço cênico16,

ocupando-se também do espaço teatral. Ou seja, a concepção da cenografia deve refletir

13
- É importante também mencionar os estudos desenvolvidos por Appia sobre a Arte do tempo e a Arte
do espaço. Ver capítulos 1, 2 e 3 de “A obra de arte viva”.
14
- APPIA, Adolphe. A obra de arte viva. Lisboa: Arcádia, s/d. p..87.
15
- APPIA, Adolphe. Op. cit. p.116.
16
- É importante ressaltar que estou considerando a definição de Pavis para espaço cênico como o termo
contemporâneo substituto da palavra palco ou área de atuação. Uma expressão neutra que considera a

27
a preocupação com a relação cena-espectador e deve ser desenvolvida a partir da idéia

atual de Teatro, possível em qualquer lugar.

Portanto, trabalho com a diferenciação proposta por Peter Brook entre Teatro com t

maiúsculo e teatro com t minúsculo. Teatro é o ato teatral e teatro é um espaço físico.

Trabalhando com esses conceitos, é também necessário conhecer a definição de Anne

Ubersfeld para espaço teatral e, assim, constatar a diferença em trabalhar com conceitos

de espaço a partir da ótica do texto e não da cena, como propõe Pavis. Ubersfeld deixa

sempre muito clara sua proposta, chegando a mencionar como seria interessante estudar

o funcionamento do espaço teatral pela ótica do público, embora não seja o objetivo do

seu livro17.

É digna de nota a tese de Jean Guy Lecat denominada “Círculo Aberto”. O arquiteto e

cenógrafo que trabalhou, durante várias décadas, com Peter Brook, desenvolve a noção

de espaço teatral a partir do ponto de vista da platéia. Essas idéias podem ser estendidas

para o estudo da cenografia, uma vez que, para Jean Guy, cenografia e espaço teatral

são uma unidade integrada.

A relação com o observador é, assim, fundamento essencial do Teatro. O estudo do

ponto de vista do espectador e suas implicações, tanto quanto no que diz respeito à sua

localização como à sua percepção e à sua subjetividade, devem ser estudados e levados

em conta nos projetos cenográficos.

Voltando a Ubersfeld, destacamos o seu ponto de partida para as relações espaciais no

Teatro: “(...) o texto de teatro necessita, para existir, de um lugar, de uma espacialidade

em que se desenvolvam as relações físicas dos personagens”18. Afirmando ainda que a

“atividade dos seres humanos se desenvolve em um dado lugar e tece entre eles (os

“explosão das formas cenográficas” e a “experimentação das relações palco- platéia”. E por espaço teatral
compreende-se o termo que substitui a palavra teatro (espaço físico).
17
- UBERSFELD, Anne. Op. cit. 2005, p. 110.
18
- UBERSFELD, Anne. Op. cit. 2005. p. 91.

28
personagens e os espectadores) uma relação tridimensional”. O espaço teatral é

apresentado como o lugar das atividades humanas e possui uma relação com o espaço

referencial dos seres humanos. Traçando uma interessante figura: O “espaço teatral é a

imagem côncava e até mesmo negativa do espaço real”19.

É válido observar que, embora não parta da absorção da noção do espaço

tetradimensional, alcançado pela ação do tempo agindo no espaço, Ubersfeld irá

também desenvolver um pensamento gráfico.

Para ela, o espaço do livro e do texto literário é visto como um espaço plano, apesar de

todo o trabalho de espacialização que a literatura produza ou ainda, qualquer que seja a

leitura espacializante feita pelo leitor. Quando muito, acrescenta, o espaço é entendido

como tabular, não evitando, portanto, as duas dimensões. Já o texto teatral precisa estar

disposto no espaço, embora seja, ainda segundo Ubersfeld, mais plano, pois a

espacialidade não é descrita. São “descrições funcionais e raramente poéticas,

orientadas não para uma construção imaginária, mas para a prática da representação,

isto é, para a instauração no espaço.”20 As descrições de lugares, em geral, são precárias

e, desse modo, o não-dito do texto seria uma zona de vazios.

A palavra escolhida é espacialidade quando aponta o vazio deixado pelo não-dito ou

pelas descrições precárias dos textos teatrais para as descrições dos “lugares”. Assim,

mesmo partindo do texto como plano e do espaço de relacionamento entre a ação do

ator e o olhar para a cena como tridimensional, a idéia de movimento do espaço está

subentendida ou se impõe de qualquer maneira.

O texto teatral, geralmente, não indica ou não possibilita o aparecimento do traço

espacializante para a cena ou a configuração da relação com o público. Esses traçados

19
- UBERSFELD, Anne. Op. cit. 2005. p. 91.
20
- UBERSFELD, Anne. Op. cit. 2005. p. 92.

29
virão da proposta da encenação ou da formulação da cenografia, incluindo aí a

configuração do espaço total.

Outro ponto fundamental a partir das definições espaciais de Pavis e Ubersfeld com

pontos de partidas de análise completamente diferentes pode ser considerado: o ponto

de vista sempre modificará o que será visto.

Desse modo, a definição do geometral com um traçado sintético da cena e a noção de

pentadimensionalidade do espaço teatral - objetos dessa investigação - devem ser vistas

ou compreendidas do “lugar” estabelecido pela relação encenador-cenógrafo, ou ainda a

partir do ponto de vista do cenógrafo. É este que antevê a espacialidade da encenação e

não apenas a sua visualidade.

Sendo assim, a proposta de análise dessa pesquisa não parte do texto e também não se

ocupa com a resultante formal da cena. O estudo situa-se em um lugar anterior, um sítio

primeiro. Pretende, ainda, incorporar o olhar do observador para traçar a análise. É

desse “geometral” que a investigação deve ser pensada.

O projeto cenográfico, portanto, deve questionar e desenvolver outras possibilidades de

relação palco–platéia, mesmo quando ainda aprisionados por um espaço arquitetônico

tão esgotado em seus usos, como a caixa cênica italiana, emoldurado por uma boca que

enquadra a cenografia, restringindo-a, delimitando-a, determinando um sufocamento,

um aprisionamento, distanciando a cena do espectador. Além dessa separação, o

enquadramento da caixa implica pensar o projeto cenográfico como quadros, planos

bidimensionais.

Naturalmente que a tridimensionalidade da cenografia e a sua relação com a volumetria

dos corpos dos atores, enfim, a noção dos espaços rítmicos é um fato incontestável.

Porém, a caixa foi projetada para receber quadros sucessivos que seccionam o espaço

cênico. Esses planos verticais emoldurados pelos reguladores e bambolinas continuam a

30
existir mesmo como conceito no cubo. Embora já tenhamos rompido com a cenografia

planar de telão há muito tempo, e também com a idéia do fechamento total desse

espaço, a quarta parede, o dispositivo cênico continua emoldurado pela boca de cena,

enquadrado pelo olhar frontal do espectador e determinado pelo ponto de fuga único e

central desse espaço.

O cenógrafo Helio Eichbauer chega a dizer que a cenografia se integra ou se confunde

muito com a arquitetura teatral. Para o cenógrafo, a forma arquitetônica do teatro já

predispõe o espetáculo determinando, de alguma maneira, a cenografia21.

Retrabalhar a caixa cênica italiana a partir da sua configuração e dos seus conceitos foi

a proposta de muitos encenadores e cenógrafos ao longo de todo o século XX.

Importantes exemplos de questionamento da caixa cênica italiana ou de outras

possibilidades da sua utilização foram desenvolvidos por Meyerhold em diversas

encenações. Em Irmã Beatriz22 de Maeterlinck, por exemplo, a proposição de seccionar

o palco, diminuindo a profundidade, pode ser pensada, de certa maneira, como uma

apropriação dos princípios fundamentais do palco italiano. A inspiração veio dos

quadros do Renascimento, em especial da obra de Botticelli. Ao se valer da seção de

planos bidimensionais, determinados pelo enquadramento dos reguladores e

bambolinas, Meyerhold se aproveita das limitações da caixa refazendo os próprios

conceitos. A utilização de apenas dois metros de profundidade do palco levou-o a

trabalhar com as marcações dos atores de perfil, imprimindo uma percepção de baixo

relevo pictórico. Dessa forma, não propõe um outro projeto de arquitetura teatral. Mas,

ao se apropriar dos princípios fundamentais de composição da caixa cênica italiana, não

explode nem dilata o espaço, conceitos que serão trabalhados posteriormente no Teatro,

embora, de alguma maneira, os reinventa.

21
- Entrevista de Helio Eichbauer concedida a DR em 18/12/2007.
22
- Cenários de Spudeikin e músicas de Liadov, com estréia em 22 de novembro de 1906. CONRADO,
Aldomar. Op. cit., 1969, p. 56.

31
Lehmann cunha a expressão superfície pictórica ao exemplificar montagens

contemporâneas, onde são freqüentes a aproximação dos atores com o quadro da boca

de cena. O efeito dessa composição espacial se torna tema teatral pelo fato de muitos

diretores serem originários da pintura, da escultura e do design, conjunção que o teórico

lembra como produtiva para o Teatro no início do século XX.23

A superfície pictórica pode, igualmente, ser vista como uma maneira de ocupação e

utilização da caixa cênica a partir da sua configuração e de seus princípios construtivos.

O ‘fatiar’ da caixa foi a proposta de Eletra com Creta, encenação de Gerald Thomas

cuja cenografia, de Daniela Thomas, divide o espaço cênico em três corredores

delimitados por telas transparentes (screens), criando, inclusive, uma quarta parede do

mesmo material.

A decomposição do espaço em planos sucessivos, mesmo sem utilizar a caixa cênica,

pois a montagem se deu em uma sala, ou espaço de exposição no MAM – RJ24, utiliza-

se de maneira apropriatória a configuração da caixa com seus reguladores e coxias que

permitem as entradas e saídas dos atores na cena. Uma maneira de propor a reutilização,

ou ainda, a reinvenção do espaço cúbico já muito conhecida a partir da utilização dos

seus princípios fundamentais. Não havia, porém, comunicação entre essas seções. Logo,

os atores para passar de um corredor para outro saíam de cena pelos reguladores que

emolduravam as telas. Proposta semelhante foi projetada pela mesma cenógrafa em

Mattogrosso25, onde sucessivos planos verticais traçavam corredores na caixa cênica.

A simples e nada nova proposta da cenografia permite rever a configuração da caixa

como planos ou quadros sucessivos.

23
- LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo, Cosac Naify, 2007, p. 274.
24
- Eletra com Creta estréia em dezembro de 1986.
25
- Mattogrosso estréia em junho de 1989 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

32
CORTES SUCESSIVOS DA CAIXA.
ESPAÇOS SIMULTÃNEOS EM SEÇÕES LONGITUDINAIS.

MATOGROSSO
DIREÇÃO DE GERALD THOMAS, CENOGRAFIA DE DANIELA THOMAS.
FOTO: ARI LAGO- ABRIL IMAGEMS.

PANEJAMENTOS:
SEÇÕES NO ESPAÇO CÚBICO

33
Decompor a caixa em fatias permite a revisão do mesmo princípio da cenografia

bidimensional com seu enquadramento. Porém, o espectador posicionado frontalmente à

ação, diante desses cortes, mantém ainda a observação cônica, onde o ponto de fuga é

central, este situado no plano de fundo do palco.

Para Lehmann, o espaço seccionado por cortes induz o espectador à sensação de ser

levado de um lado e para outro, como se acompanhasse as seqüências de um filme, com

os seus cortes cinematográficos. Relaciona, ainda, a montagem cênica, que

constantemente opta pelo comportamento dos atores como espectadores dos demais

atores em cena, com o princípio de organização da pintura clássica que direciona o olhar

do observador. Em ambas as cenas, o percurso do olhar é conduzido para uma

determinada leitura seqüencial e hierárquica da obra. Ou seja, a edição das imagens é

premeditada não apontando variações.26

O espectador mesmo aparentemente “amarrado em sua poltrona” pode mover-se

livremente com o seu ego a partir das identificações com os personagens. Assim, o

“observador age e reage fisicamente com aquilo que percebe”27. Embora o Teatro –

théatron como ver ou o lugar de onde se vê - seja calcado, prioritariamente, na relação

visual em detrimento de outros aspectos da percepção, o “espectador não está mais em

condições de fazer diferenças entre o que vê com seus olhos e o que percebe in the

mind’s eye.”28 O “olhar do espectador é sempre um pouco abocanhador, ele toca com os

olhos (...) ”29. Dessa maneira, a sua análise de espaço cênico ou gestual não permite a

separação de visualidade e gestualidade, o espaço objetivo e o espaço gestual. Ao

contrário, deve-se pensar na unidade dessas definições.

26
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit., 2007, p. 275.
27
- PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo, Perspectiva, 2003, p. 226.
28
- PAVIS, Patrice. Op. cit. 2003, p 144.
29
- PAVIS, Patrice. Op. cit. 2003, p 144.

34
Seguindo esses conceitos, podemos pensar que todo o espaço é afetado por essas

diversas percepções e diferentes linhas de movimentos que partem de todos os

deslocamentos, sejam eles dos atores ou dos espectadores, aparentemente, inertes.

Essas forças agem sobre o espaço e influenciam a atuação dos atores, uma vez que se

trata de uma relação direta com a platéia.

O lugar de onde se ‘assiste’ à cena (o théatron grego) e o relacionamento que se

pretende estabelecer com o olhar, tanto de dentro da cena como de fora dela, têm levado

a diversas tendências nas pesquisas em cenografia, trabalhando com espaços não

arquitetonicamente construídos para o Teatro.

Estas experiências têm ocorrido tanto no que diz respeito à tentativa de romper com a

fixa frontalidade da caixa italiana como também quando pretende investigar outras

formas de conexão da cena-platéia.

Evidentemente, temos uma herança, uma história, marcos importantes e significativos

para a concepção do conceito de cenografia.

O teatro mundial já assistira às cenografias tridimensionais de Adolphe Appia (1862-

1928), nas quais o espaço cênico é um espaço vivo trabalhado vertical e

horizontalmente e o espetáculo um conjunto harmônico, no qual a movimentação do

ator é enfatizada.

Gordon Graig (1872-1966) já havia chegado à conclusão de que informações inúteis

absorvem a nossa atenção, sacrificando algo mais importante. Peter Brook trabalhará

essa idéia para a proposta do “Espaço Vazio”.

Já conhecemos o cenário construtivista de Meyerhold (1874 -1942), a sua busca pela

simplificação, pela estilização, pelo essencial, a sua utilização variável da caixa cênica

italiana, o seu pensamento de espaço teatral, ou seja, a relação cena-espectador.

35
Estudamos também o espaço teatral de Brecht (1898 -1956). O espaço como área de

jogo, repensado a cada montagem. O palco que rejeita a relação alucinatória do

espetáculo ilusionista. As suas propostas para um espaço polivalente, a influência que o

“espaço unificado” das pesquisas expressionistas e as experiências de Max Reinhardt

exerceram sobre a relação com o espectador.

O espaço já foi explodido30, a noção de espaço teatral é renovada: Vilar, Grotowski,

Luca Ronconi, Arianne Mnousckine, entre outros nos ensinaram como o teatro deve ser

uma estrutura modificável de acordo com a proposta de relação ator e público. Um

espaço flexível. O Teatro não está limitado à caixa cênica italiana ou ainda a uma

arquitetura única. O Teatro pode estar em qualquer espaço, qualquer lugar teatral. Não é

possível ignorar estes marcos na concepção de Teatro. Eles colocaram em questão

referências sólidas, subverteram-nas. A partir daí, o Teatro nunca mais foi o mesmo.

Estas idéias modificaram para sempre o uso do espaço da cena, principalmente, a

relação cena- espectador. Modificaram também as convenções teatrais, a cenografia

figurativista, a cenografia sugestiva, a cena ilusionista.

Uma outra forma para um outro conteúdo, uma outra cena. E, é claro, um outro

parceiro (o espectador) - um outro olhar, a quinta dimensão, ou seja, o ponto de vista do

observador. E esse olhar também não será mais o mesmo. Na verdade, esta outra

percepção do Teatro só surgiu em função do passado, numa relação com as concepções

anteriores, enfim, em função da História.

É preciso ressaltar como o sentido da palavra outro não é o mesmo que, em geral,

aquele atribuído à palavra novo. Uso outro e não novo, pois acredito que não existe um

suposto marco zero. No entanto, acredito também que, mesmo se levando em

consideração o sentido de continuidade para o qual chamo a atenção, há momentos de

30
- ver capítulo III A explosão do espaço in A linguagem da Encenação Teatral 1880-1890, Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1982.

36
rupturas. Enfim, compreender este outro Teatro é compreender as relações de

continuidades e rupturas com o passado.

Neste sentido, uma interessante definição de cenografia é a de um espaço a ser ocupado

na cena pelo ator. O cenário31 (originalmente como a tela plana- bidimensional) passa a

ser cenografia (trabalhado na tridimensionalidade do espaço) e esse espaço se

completará - ou mesmo só existirá - no seu uso, na relação com o ator na cena, quando

vivenciado, percorrido, modificado, ocupado, permitindo a idéia de espacialidade -

espaço e ritmo. Assim, a importância desse conceito também reveste a idéia de

movimento.

O trabalho em conjunto - como metodologia do processo de produção do pensamento -

é de extrema importância para a elaboração das relações espaciais necessárias à cena e,

assim, para a concepção do projeto cenográfico.

Peter Brook afirma que, no espaço da relação diretor e cenógrafo, o que mais importa é

uma compressão de ritmo32. O ritmo como afinação e entrosamento da equipe de criação

de uma montagem, ao qual Brook se refere, é aqui pensado em relação à cenografia: o

ritmo e a ocupação do espaço são esquadrinhados no momento inicial da criação e

deverão ser traçados na proposta de espacialidade da cenografia, no geometral a ser

descrito na cena.

Brook, em O Teatro e seu Espaço, chama a atenção ainda para o fato de a cenografia ser

um desenho incompleto, possuindo clareza sem rigidez, que pode ser chamado de

aberto, um estudo em movimento constante33. Esse desenho se completará na cena, com

a relação do ator com o espectador.

31
- ver o verbete cenografia, Uma escritura no Espaço in PAVIS, Patrice. Op. Cit., 1999, p .45.
32
- BROOK, Peter. Op. cit., 1999. p. 105.
33
- BROOK, Peter. O Teatro e seu espaço, cf. capítulo “Teatro Imediato”. Petrópolis, Editora Vozes,
1970, p. 106.

37
Helio Eichbauer considera que o Teatro lembra um pouco a idéia dos impressionistas,

sobretudo Monet, de não terminar o quadro para não delimitar as arestas do chassi da

pintura. Associa essa idéia ao processo de desenvolvimento do projeto cenográfico, que,

embora não seja uma pintura e tenha um espaço cênico bem definido, está também

enquadrado em uma moldura34.

E, como ressalta Lehmann, tudo que é emoldurado se constitui como contexto interno e

isolado da realidade externa, como algo especial, elevado e espiritualizado. Dessa

forma, “o espaço cênico que se organiza como um quadro se isola programaticamente

do théatron”. Afirma ainda, que o “drama foi sempre menos emoldurado do que ele

mesmo uma moldura”.

Portanto, “coexistem no teatro a moldura espacial do proscênio, [e conseqüentemente

no Teatro] a moldura espiritual da encenação e a moldura do processo dramático.”

Em contrapartida, o Teatro pós-dramático35, ou o Teatro que propõe outras formas de

ocupação espacial cena-espectador privilegia estratégias de molduragem

diversificadas36. Essas outras formas possibilitam, também, percepções outras, essas

geralmente, com maior amplitude ou variáveis nas formas de ativação.

34
- Ver entrevista no anexo.
35
- “O Teatro pós-dramático designa um teatro que se vê impelido a operar para além do drama, em um
tempo ‘após’ a configuração do paradigma do drama no teatro.” - ver Prólogo do Teatro Pós Dramático p.
17 a 41. LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit., 2007, p. 33.
36
- Ver ‘Drama e outras molduras’ (p.268 e 269) e ‘Molduragem’ (p.272- 273) in Teatro pós-dramático.
Lehmann. Op. cit., 2007.

38
1.2. Vazio e movimento.

“O vazio é todo poderoso porque ele tudo pode conter. No vazio, só o movimento se faz
possível”.37

Brook acredita que, para alguma coisa significativa acontecer, é preciso criar um

Espaço Vazio: “É preciso fazer a preparação para jogá-la fora, construir para poder

demolir...”38. Ele não parte de um espaço vazio e sim chega a ele.

Contrapõe a idéia, ainda hoje reinante ou mais comumente observada da cena como um

espaço vazio a ser preenchido. Podemos constatá-lo em Appia, ao definir cena como um

espaço vazio mais ou menos iluminado e de dimensões arbitrárias. Este espaço “espera

sempre uma nova ordenação, e por conseqüência, deve ser apetrechado para mudanças

contínuas”39. Definição semelhante pode ser verificada em Artaud que entende a cena

como um espaço físico e concreto que exige que alguém o preencha e faça falar sua

linguagem concreta40.

Para Alain Ollivier41, há duas maneiras de estar diante da cena e, portanto, duas

maneiras de fazê-la. O vazio da cena causa medo, angústia e aquele que “dirige o

ensaio” tenta, sem descanso, preencher o vazio, fazer com que seja percorrido. Assim,

corre o risco de compreender depressa demais o que se está fazendo. Ou o vazio da cena

não aterroriza e aquele que, diante da cena, “dirige o ensaio” tem com o vazio uma

relação de simpatia sensual, toma as precauções para manter a força do vazio tornando -

se sempre sensível sua presença. Os atores não se preocupam em ocupar o espaço,

37
- O. Kakura Kazuko, O livro do chá.
É intrigante saber que o Jardim do Chá japonês em São Francisco foi um marco importante e até decisivo
na escolha da carreira de Michio Kaku, físico teórico que trabalha com a teoria do Hiperespaço. Uma
imagem marcante para Kaku foi o peixe que saía para a superfície do lago para respirar. Ver capítulo I no
subitem A formação de um físico In Hiperespaço.
38
- BROOK, Peter. Op. cit, 1999. p.21.
39
- APPIA, Adolphe. Op. Cit, p. 32.
40
- Apud PAVIS, Patrice. Op. Cit., 2003, p.141.
41
- Alain Ollivier é encenador, ator e atual diretor do Théâtre Gerard Philipe, de Saint Denis, Centre
dramatique national.

39
preencher o vazio, percorrer a cena em todas as direções, mas em pisoteá-la sem sair do

lugar ao ritmo do som que escutam ao mesmo tempo em que o pronunciam42.

Ao analisar as experiências espaciais no Teatro, Pavis aponta duas vertentes para tratar

o espaço: aquela que compara o vazio a um container a ser preenchido ou o compara

com o meio ambiente a ser controlado, preenchido, fazendo com que este se expresse.

Há ainda o segundo ponto de vista que aborda o “espaço como um espaço invisível,

ilimitado e ligado aos seus utilizadores a partir de suas coordenadas, de seus

deslocamentos de sua trajetória, como uma substância não a ser preenchida, mas a ser

estendida”. É importante mencionar que esta análise não está limitada ao espaço da cena

e muito menos ao estudo da cenografia, e sim à investigação dos espaços de encenação

contemporânea, incluindo a experiência espacial do espectador para a realização do

acontecimento Teatral.

De qualquer modo podemos dizer que no primeiro caso parte-se do vazio que será

ocupado, preenchido pela ordenação de elementos e ações. Opõe-se à segunda opção, na

qual não existe a idéia de preenchimento e sim de dilatação da forma em si, da matéria

e de seus significados. Aponta para a noção do geometral originado da cinética não só

da cena, mas também de todo o espaço, o que inclui o ponto de vista do espectador.

42
- OLLIVIER, Alain. Comércio de uma ação poética. In Folhetim. Tradução de Fátima Saadi Nº 26, Jul-
dez. p. 14.

40
1.3- Criação, espacialidade e síntese.

“O uso da palavra “conceito” não pretende de modo algum sugerir


que a percepção seja uma operação intelectiva. Os processos em
questão devem ser considerados como se ocorressem dentro do setor
visual do sistema nervoso. Mas o termo conceito tem uma
similaridade notável entre as atividades elementares dos sentidos e as
mais elevadas do pensamento ou do raciocínio. Tão grande é esta
similiaridade que muitos psicólogos atribuem as realizações dos
sentidos à ajuda secreta que supostamente lhe proporciona o
intelecto. ”43

Antes, porém, de avançar na idéia de geometral, é essencial recorrer aos autores e

criadores que trabalharam do formal para o vocabular, analisando o processo de criação

e os seus modos da composição.

Buscar os artistas que passeiam ou passearam tanto pela representação nas artes visuais

ou plásticas, como Klee, Kandinsky, Gropius, como pelo universo teórico; pesquisar

aqueles que passaram tão habilmente do traço à palavra; ou da cena à escrita como

Appia, Meyerhold, Peter Brook, estudar aqueles que foram mais formais ao traduzir, ao

trabalhar esse material; aqueles que conceituaram importantes questões do pensar e do

projetar, do compor, do fazer artístico.

A representação gráfica - que traduz nossos pensamentos -, a formação acadêmica e a

vivência profissional - nos ensinam a responder com uma forma a um conteúdo - e o

desenvolvimento de um partido (solução formal) nos levam a tratar os binômios forma -

função, forma - conteúdo ou forma - finalidade como relações indissociáveis, num

43
- ARNHEIM, Rudolf, Arte e Percepção da visão criadora. São Paulo, Pioneira Thomson Learning,
2004, p. 39.

41
percurso permanente de ida e volta. Relação perfeitamente clara e dominada há muito

tempo.

Neste sentido, a perspectiva da pesquisa desenvolve a cenografia segundo a idéia de

espacialidade conceitual e sintética.

Para pensar esse tema, o estudo de conceitos como modos de composição, tema da

forma ou tema formal, síntese formal deve ser revisitado.

Segundo Fayga Ostrower, conceito é uma forma face à sua estrutura. Essa é pensada

não no conteúdo específico dos pensamentos, mas no modo de se organizar esses

pensamentos44. Assim, ao trabalharmos conceitos, estamos ordenando pensamentos e

noções. Sabemos ainda que ordenação é o modo de elaborar (formar) uma estrutura

complexa de maneira simples. Fayga Ostrower apresenta a idéia do conceito como

forma, mas acredita que a recíproca não é verdadeira. Para ela, “a forma nunca é um
45
conceito” . Essa idéia se opõe de alguma maneira à tese defendida nesse trabalho,

segundo a qual o geometral da cena (conceito a ser desenvolvido mais adiante) revela

em si o conceito, quando verificamos que a forma já é por si mesma a tradução

conceitual; quando o formal revela a riqueza do conteúdo; quando, pela forma,

chegamos ao conteúdo.

Paul Klee compreende o tema da forma ou ainda o tema formal, no sentido do caráter da

forma, ou seja, como a característica essencial da forma que determina o todo. O todo

combina as características de sua forma e de seus significados. Sendo esse caráter

preservado no processo de configuração como um tema – “que não chega a ser

enunciado, mas o objeto sobre o qual e com a ajuda do qual algo deve ser enunciado.” 46

Para tratarmos do conceito de síntese, destacamos uma interessante história citada por

Arnheim no livro Arte e Percepção Visual. Uma psicologia da Visão Criadora: “Uma

44
- OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, Editora Vozes, 2007, p. 68.
45
- OSTROWER, Fayga. Op. cit., 2007, p.69.
46
- KLEE, Paul. Op. cit., 2001, p.116.

42
vez Charles Chaplin disse a Jean Cocteau que, depois de completar um filme, deve-se

‘sacudir a árvore’ e conservar apenas o que fica bem preso aos ramos”47.

Essa história faz lembrar outra do folclórico anedotário atribuído a Picasso que, ao ser

perguntado, quanto tempo levou para fazer a Paloma, sabiamente respondeu: 80 anos, a

idade que tinha ao pintar o quadro. O grande artista, como acredita Fayga Ostrower, tem

a capacidade de se tornar mais amplo e, todavia, mais simples ao mesmo tempo: “Esses

grandes seres humanos tornam-se mais profundos e mais transparentes e sempre mais

livres. Revelam uma capacidade interior ainda capaz de crescer.” 48

O traço simples é alcançado pela dedicação ao trabalho, pela depuração, pelo tempo

dedicado à obra. A forma que não cai do céu, como nos fala Brook49, não é contraditória

com a noção de forma pressentida aqui investigada. A ela, integra-se perfeitamente, lhe

é análoga.

Para alcançarmos a síntese formal, é preciso, então, sacudir a árvore ficando com o que

se prende aos ramos, saber jogar fora o que não é necessário, não ir além do propósito.

Ou, como Gaugin aconselha em carta escrita a Émile Scuffernecker: “um grande

sentimento pode ser traduzido imediatamente, meditem sobre ele e procurem sua forma

mais simples” 50.

Assim, o conceito de síntese formal relaciona-se com a simplificação do traço, com o

traço espontâneo, sendo a simplicidade de um traço, o produto de uma síntese. Um

conteúdo complexo traduzido em uma forma simples, na qual o simples é o oposto do

simplório.

Voltando à Fayga Ostrower, não identificamos o espontâneo com o impensado, e sim

com o coerente e intuitivo. Identifica-se “com tudo o que, ao elaborar-se em nós,

47
- ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., 2004, p. 51.
48
- OSTROWER, Fayga. Op. cit. 2007, p. 165 e 166.
49
- BROOK, Peter. Op. cit.1999, p.45 e 46.
50
- CHIPP, Herschel B. Teorias da arte moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 54.

43
concomitantemente se estrutura em nós. (...) Ser espontâneo é, no sentido amplo que a

palavra tem, poder ser livre.”51 Ainda descreve o caminho para a síntese como um

processo de economia no qual, para resolver uma tarefa ou situação, devemos nos

inteirar daquilo que seria suficiente para torná-la significativa para nós. Esse caminho

levaria ao modo mais simples e direto porque na “(...) simplicidade e coerência elas

fazem sentido para nós”52.

Arnheim, do mesmo modo, compara o trabalho do artista, “que não deve ir além do

necessário para o seu propósito”, com a idéia de simplicidade do princípio da

parcimônia adotado pelos cientistas que solicitam o mais simples quando várias

hipóteses se adaptam aos fatos. Segundo Cohen e Nagel, citados por Arnheim, esse

princípio enuncia: “Diz se que uma hipótese é mais simples do que uma outra se o

número de elementos de tipos independentes da primeira for menor do que a da

segunda” 53.

Portanto, o caminho para a síntese é a simplificação. Formas confusas devem ser

simplificadas para exprimir com clareza e ordenamento a idéia. O observador não deve

sentir dificuldade para entender o que lhe é apresentado, mesmo sabendo que a idéia de

simplificação é uma experiência subjetiva.

Entender é conhecer, o que nos leva ao conceito de percepção.

Robert Delaunay afirma a integração da faculdade de compreensão e da percepção. “É

preciso querer ver”54.

Percepção é tratada como a elaboração mental das sensações onde somos capazes de

sentir, apreender e compreender. Sabemos que a percepção está relacionada a um

51
- OSTROWER, Fayga. Op. cit. 2007, p. 150.
52
- OSTROWER, Fayga. Op. cit. 2007, p. 66.
53
- ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., 2004, p. 51.
54
- DELAUNAY, Robert. “Sobre a luz”. Traduzido por Paul Klee, in Sobre a arte moderna e outros
ensaios. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, p. 78.

44
processo de ordenação seletiva e possui variáveis outras como a percepção individual ou

ainda as variáveis culturais.

Kandinsky chega a dizer que compreender é educar o espectador, “induzi-lo” a

compartilhar o ponto de vista do artista55. O próprio artista vive uma experiência

completa e “a obra que nasce do seu cérebro provocará, no espectador, emoções

mais delicadas, que a nossa linguagem é incapaz de exprimir.”56

Logo, se entendemos que o Teatro se completa na presença do público e para ele é feito,

a comunicação é parte essencial da relação.

Vemos ainda a percepção das formas integrando-se ao ordenamento em Spinoza:

“... quando as coisas se dispõem de tal modo que ao nos serem


apresentadas pelos sentidos podemos facilmente imaginá-las e, em
conseqüência, com facilidade recordá-las, as chamamos bem
ordenadas, e no caso oposto, mal ordenadas ou confusas.” 57

É a nossa capacidade de ordenação do pensamento, de percepção - que inclui a

memória, o que conhecemos e o que pensamos - que nos leva ao reconhecimento, ao

conhecimento e à compreensão, além, é evidente, da emoção.

Deste modo, é fundamental trabalharmos o estudo da percepção e o seu

desenvolvimento no processo criativo da cenografia.

Ordenação é, assim, como já anteriormente mencionado, o modo de formar uma

estrutura complexa de maneira simples. Formas que ao serem depuradas contêm o

conteúdo complexo de informações e se apresentam como formas sintéticas.

55
- KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p.31.
56
- KANDINSKY, Wassily. Op. cit., 2000, p. 28.
57
- ARNHEIM, Rudolf, Op. cit., 2004, p.47.

45
Kurt Badt conceitua a simplificação no processo artístico de criação como “a mais sábia

ordenação dos recursos baseado no entendimento dos dados essenciais, aos quais, tudo

o mais deve se submeter.”58

Podemos ainda destacar o pensamento de Arnheim que conclui bem a correlação de

síntese formal e complexidade do conteúdo:

“A unidade da concepção do artista leva a uma simplicidade que longe


de ser incompatível com a complexidade, mostra sua virtude só
quando domina a abundância da experiência humana e não quando
escapa para a pobreza da abstinência.” 59

A definição de simplicidade descrita por Julian Hochberg nos faz rever e entender os

significados de esboço perfeito60, de execução ideal,61 de forma adequada ou de forma

precisa62: “Quanto menor a quantidade de informação necessária para definir uma dada

organização em relação as outras alternativas, tanto mais provável que a figura seja

prontamente percebida.”63

Não devemos pensar ou entender simplificação apenas pela eliminação ou pela

subtração de elementos. Esta é alcançada pela depuração do traço, pelo adensamento da

idéia e da forma, onde só o essencial fica preso aos ramos.

A idéia de conceito é uma estruturação formal intimamente relacionada com a

percepção como se essa ocorresse no sistema visual do sistema nervoso.

A cenografia que trabalha para a sua resultante com a solução formal sintética busca

clareza na relação de percepção do espectador, e ainda o faz parceiro desse

entendimento. Formas simples percebidas e completadas pelo público no momento da

encenação.

58
- ARNHEIM, Rudolf, Op. cit., 2004, p. 52.
59
- ARNHEIM, Rudolf, Op. cit., 2004, p. 52
60
- BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo, Paz e Terra, 1997, p. 33.
61
- BAUDELAIRE, Charles. Op. cit., 1997, p. 32.
62
- BROOK, Peter. Op. cit, 1999, p.75.
63
- ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., 2004, p. 50.

46
É importante observar como a forma cênica nasce do outro, de quem ainda está por

chegar. Ou seja, aponta também para uma idéia de movimento. Ou do deslocamento do

ator no espaço ou ainda, do olhar do espectador. Só alcançaremos a forma adequada

se olharmos a partir do ponto de vista do outro.

Assim, um dispositivo cênico que trabalha a espacialidade com uma forma simples é

um espaço que, em geral, permitirá a liberdade de movimento e de ocupação do ator.

Possibilitando diferentes maneiras de explorar o espaço, abrimos também um leque

maior de variantes na relação de ativação64 do público.

Sentimos o quanto ele - o ator - se dá conta das inesgotáveis possibilidades de

movimentação, ocupação e do uso do espaço, ampliando a conscientização espacial e

passando a propor outras formas para si. Melhor ainda quando esta forma pressentida é

apresentada e trabalhada, no início do processo de ensaio, apenas como um esquema

sugerido. Assim o desenho é elaborado à medida que todos experimentem modos de

explorá-lo.

Por outro lado, a cenografia que se baseia na construção do detalhe mimético tende a se

fechar um pouco mais nas suas opções de utilização espacial. Além disso, cria

elementos que passam a povoar o pensamento do espectador, que, embora também o

entenda com clareza, passam a se ocupar deles.

A noção de simplificação se opõe, muitas vezes, ao detalhe. Podemos dizer que, embora

saibamos que antes do particular vemos o contexto geral, o todo, muitas vezes o detalhe

age como o punctum65 (o que punge para Roland Barthes). Passam a ser pontos

sensíveis66 - o objeto parcial67 - que se sobressaem, destacando do todo, passando a

64
- ver As artimanhas do Tédio. Peter Brook, in op. cit, 1999.
65
- BARTHES, Roland. A câmara clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira, 1984. p. 68.
66
- BARTHES, Roland, Op. cit., 1984, p. 46.
67
- BARTHES, Roland, Op. cit., 1984, p.69.

47
existir (para nós) mesmo com os olhos fechados remontando à consciência afetiva do

observador68.

No capítulo “A arte mnemônica” de Sobre a Modernidade, Baudelaire trata de maneira

muito clara o conceito de síntese. Opõe a síntese ao detalhe, embora, ao analisar a obra

de Fréderick Lemaitre, revele que esta está semeada de detalhes luminosos

permanecendo sintética e escultural69.

Encontramos ainda em Baudelaire a correlação do nascimento da idéia no processo

criativo com a necessidade de desenvolvimento de formas de representação para a

captação da síntese. Para ele, o grande artista se apropria de todos os meios de

expressão para que “jamais as ordens do espírito sejam alteradas pela hesitação da

mão”. O artista sente o “(...) medo de não se agir com suficiente rapidez, de deixar o
70
fantasma escapar antes que (sua) síntese tenha sido extraída e captada”. E conclui

que, finalmente, se chega à “execução ideal (que) se torna tão inconsciente, tão fluente

quanto à digestão para o cérebro do homem sadio que acabou de jantar”.71

É fundamental para o processo de criação que estejamos preparados, prontos para a

representação do traço. O desenho é a nossa partitura e essa, de leitura universal, é como

nos comunicamos com nós mesmos e com o outro.

Vemos antes porque podemos expressar graficamente essa forma. Vemos

rapidamente porque já a vemos na nossa imaginação ou ainda, pensamos graficamente.

Tudo que projetamos já passa a existir quando representado no papel ou na tela do

computador. Reafirmo como necessária para o aprimoramento do traço e, indo mais

além, para atingirmos a sua depuração o esforço, a dedicação ao trabalho e ao desenho.

68
- BARTHES, Roland. Op. cit., 1984, p.85.
69
- BAUDELAIRE, Charles. Op. cit., 1997, p. 32.
70
- BAUDELAIRE, Charles. Op. cit., 1997, p. 32.
71
- BAUDELAIRE, Charles. Op. cit., 1997, p. 32.

48
Picasso revela em uma entrevista que não poderia esperar a inspiração para pintar.

Pintava todos os dias por várias horas. Se a inspiração viesse não estaria longe das telas

e sim pronto para aproveitá-la72. O momento criativo se faz no processo de trabalho, na

dedicação e na relação com o suporte, para nós o espaço cênico, e com o fazer.

Concluindo, “a inspiração existe, mas tem que te encontrar trabalhando”.

É curioso observar uma declaração de Picasso, que, a princípio, pode parecer

contraditória com a idéia da forma pressentida, mas, na verdade, aponta para outra

questão também significativa dessa investigação: Trata-se da modificação da forma em

si e de seu significado, não só para quem a cria, mas, sobretudo por quem a vê. A

variação contínua conquistada pela obra que nunca será completamente concluída ou

acabada, uma vez que ela passa a operar na mente de quem a vê.

“Uma idéia é um ponto de partida e nada mais. Se você contemplá-la


verá que se torna uma outra coisa. Quando penso muito sobre alguma
coisa, vejo que sempre a tive completa, em minha cabeça. Como,
então, esperar que continue a interessar-me por ela? Se eu persistir, ela
se revela de maneira diferente, porque uma outra questão intervém.
No que me concerne, de qualquer modo, minha idéia original já não
tem interesse, porque, enquanto a realizo, estou pensando em alguma
outra coisa. O importante é criar. Nada mais importa; a criação é tudo.
Você já viu um quadro terminado? Um quadro ou qualquer outra
coisa? (...) Terminá-lo significa acabar com ele, matá-lo, livrar-se de
sua alma, dar-lhe o seu golpe final: uma situação extremamente
infeliz, tanto para o pintor como para o quadro. ” 73

É digno de nota, contudo observar como Klee, que tão brilhantemente escreve sobre

arte, pensamento criativo e modos de composição, revela em Diários a aversão por

72
- Citado por GALIZIA, Luiz Roberto Brant de Carvalho in. Os processos criativos de Robert Wilson:
trabalho de arte total para o teatro americano contemporâneo. São Paulo, Editora. Perspectiva. 2005,
p.80.
73
- CHIPP, Herschel Browning. Op. cit.,1996. p. 277.

49
teorizar74. A respeito da relação dos fundamentos teóricos com o processo criativo: “... a

teoria de fato é apenas um ordenamento de coisas existentes e disponíveis,

desempenhando um papel no processo de criação apenas posteriormente, o papel da

crítica posteriormente acrescentada.” 75

Günther Regel aponta duas anotações contidas no Diários, nas quais Klee revela a

aversão à mera teorização 76. Esses apontamentos referem-se a uma disputa com Franz

Marc:

“Ainda me voltei expressamente contra o conceito de ‘teoria’ em si,


censurando uma passagem da carta onde se tratava de ‘teoria aplicada
erroneamente’; Marc e eu não nos correspondíamos desde suas
últimas férias, mas ele conhecia a minha aversão por teorizar”.77

Na verdade, encontramos outras questões curiosas nas revelações de Klee. Parece ser

contraditório que ele, que passou tão habilmente do traço à palavra, que desenvolvia

tanto a representação nas artes visuais ou plásticas, quanto no universo vocabular tenha

dito não se sentir capaz de “usando palavras indicar com a mesma certeza os caminhos

que sente possuir como pintor”. 78

Neste sentido, Regel constata:

“... Klee usava a linguagem vocabular assim como a linguagem


plástica para desencadear efeitos psíquicos, liberando as imagens
interiores, estabelecendo associações e sendo capaz assim de
configurar de maneira experimental o conteúdo de sentido da forma,
num processo criador de recepção.”79

74
- KLEE, Paul. Diários. São Paulo, Martins Fontes, 1990, p.359.
75
- REGEL, Günther. “Notas”, in Paul Klee. Op. cit., 2001.
76
- REGEL, Günther. Op. cit., 2001, p. 120.
77
- KLEE, Paul. Op. cit.1990, p.359.
78
- KLEE, Paul. Op. cit.1990, p.51.
79
- KLEE, Paul.Op. cit., 2001, p. 16.

50
Regel ainda revela o gosto de Klee pela reflexão que “... lia o que supunha iria favorecer

sua compreensão da arte...”80, o seu pensamento crítico e pessoal ao estudar as obras dos

clássicos e do Renascimento, buscando verificar a intenção criativa do artista.81

Outro importante exemplo é perceber o quanto o trabalho teórico de Kandinsky foi caro

para Klee que, em seu diário, anotou: “O sensacional artigo de Kandinsky supera tudo,

de tão simples e ao mesmo tempo tão profundo. Feito para convencer, a mais pura

clareza. E ainda clamam por esclarecimento! Uma declaração como ‘a obra de arte se

torna sujeito’ já diz tudo. A estrutura da argumentação é suave e tranqüila”.82 Essa

afirmação nos revela, não só como é essencial o estudo do processo criativo de outros

artistas para o aprimoramento do nosso fazer, como também demonstra as alegrias,

descobertas e “emoções mais delicadas” que esse conhecimento nos proporciona.

É muito prazeroso ver como Baudelaire trata questões como a afinidade do artista com a

curiosidade, o artista como um observador da vida, o artista como o homem do mundo,

a sua relação com o seu tempo. Aí está uma bela tradução da representação formal como

leitura de uma história que revela a intimidade com o seu tempo.

Podemos traçar um interessante paralelo entre Baudelaire e Paul Klee, que também

trabalha com a idéia do artista e da criação, com a analogia desse homem com os

próprios homens e com o mundo: “o artista precisa ser tudo: poeta, pesquisador da

natureza, filósofo”.83 Klee ainda nos revela a sua reflexão pessoal em relação à sua obra

ao afirmar: “não achava que a arte poderia surgir algum dia da dedicação aos desenhos

de nus... devia sobretudo me tornar um ser humano, e a arte viria depois, como

80
- REGEL, Günther. Op.cit., p. 32.
81
- KLEE, Paul. Op.cit., 2001, p. 22.
82
- KLEE. Paul. O p. cit., 1990, p. 445.
83
- KLEE. Paul. Op. cit., 2001, p. 14.

51
84
conseqüência”. Ou, como observa Regel, o mais importante para Klee são as

“questões da vida”85.

Identifica-se em vários artistas- pensadores a estreita conexão entre criação e a

necessidade de estar sempre disposto a conhecer, a se conhecer, a desenvolver algo

novo e a crescer. Um crescimento dinâmico e eterno. Ser pesquisador e poeta, poeta da

representação formal consciente da sua função e da sua integração com o mundo.

Ou, nas palavras de Kandinsky, “qualquer conhecimento sem uma base humana

permanece superficial (...)”86.

Essas questões mobilizaram os artistas-profissionais aqui citados, levando-os a

reflexões e debates. O resultado deste exercício nem sempre se limitou ao plano das

idéias. Apareceu, em propostas concretas de escolas de formação. Por exemplo, a

Bauhaus foi a concretização desta busca. Criada e formada por artistas críticos em

relação às práticas das escolas de arte, num momento rico e inovador das artes na

Alemanha, propunha o ensino das antigas e novas técnicas, fazendo reviver o espírito

das corporações de ofício em plena era Segunda Revolução Industrial. Retomar o

passado para somá-lo ao presente. Como amálgama, o estímulo à criação. Trabalhando

com alunos-artistas marcados, eles também, pelo pensamento crítico e disponíveis a

vivenciar uma experiência tão revolucionária, Gropius e os artistas-professores puderam

praticar suas idéias e reelaborá-las, por sua vez, em função da prática. Como “resultado

concreto” do percurso de mão-dupla, a arte da Bauhaus.

Passados tantos anos, este debate atravessou o século XX e é atual, faz parte das

inquietações dos artistas-profissionais que trabalham com arte e design,

independentemente, creio, do país em que vivem e atuam. O pensamento e a experiência

84
- KLEE. Paul. Op. cit., 2001, p. 21.
85
- REGEL, Günther. Op. cit. 2001, p. 21.
86
- KANDINSKY, Wassily. “Tributo a Klee”, in Sobre a arte moderna e outros ensaios. Op. cit., 2001,
p. 102.

52
destes artistas-profissionais - e aqui não estamos nos limitando exclusivamente à

Bauhaus -, portanto, são preciosos.

Transcendendo o espaço, atualizando-se no tempo, é a incorporação desta herança que

nos ajudará a avançar no debate, a pensar a nossa realidade e a propor possíveis

caminhos.

A criação está intimamente ligada com a intenção de comunicar, de formar, de ordenar,

de dar significados, de se relacionar com o mundo e com o outro. Por isso, estudar o

processo de criação é estimulante e necessário para pensar cenografia e, enfim o Teatro.

É na relação com o outro e com o seu olhar, ou seja, a partir do seu ponto de vista, com

o duplo sentido de posicionamento - localização física e subjetiva - que a cenografia se

instala, se desenvolve e interessa. Saber olhar, conhecer, entender, dialogar, para assim,

responder ao olhar do outro a fim de se chegar à forma adequada. Mudar de lugar.

Colocar- se em seu lugar.

53
Capítulo II: Geometral

2.1: O traçado sintético da cena.

“Ele vê o que será e o faz ver.”87

Kandinsky

O “lugar de observação” é o “espaço de criação”. Partindo dessa perspectiva, o enfoque

é o processo criativo e o partido espacial adotado pela cenografia.

Interessa verificar quando o dispositivo cênico revela a solução ou a resposta formal que

se torna o esboço perfeito88, a execução ideal,89 a forma adequada, a forma precisa90

para a ocupação da cena pelos atores; em que momento percebe-se que essa forma

adequada já é por si mesma a tradução conceitual; quando o formal revela a riqueza do

conteúdo; quando, pela forma, chega-se ao conteúdo da cena.

Enfim, entender um pressentimento [ainda] sem forma91, o pressentimento do motivo92:

quando uma idéia surge, ela se desenrola para uma forma que traz em si uma proposta

de espacialidade - uso e ocupação da cena.

Mesmo sem um projeto de cenografia, a concepção da montagem já insinua uma

geometria do espaço cênico, que por sua vez, vai se desenhando, se impondo. Ao

projetar a forma final da cenografia, esse dispositivo propõe também uma maneira de

utilização, marcação, movimentação, ocupação e até modificação de si mesmo: como

uma forma se abrindo, surgindo, se desenrolando natural e continuamente, como um

novelo de fio que, ao contrário de embaralhar, permite verificar e compreender, através

dos processos de encenação, uma relação de mão dupla, de ida e vinda.

87
- KANDINSKY, Wassily. Op. cit., 2000, p. 32.
88
- BAUDELAIRE, Charles. Op. cit., 1997, p. 33.
89
- BAUDELAIRE, Charles. Op. cit., 1997, p. 32.
90
- BROOK, Peter. Op. cit, 1999, p.75.
91
- BROOK, Peter. Op. cit. 1999, p. 102.
92
- KLEE, Paul. Op. cit., 2001, p. 20.

54
Interessando ainda, verificar quando o processo criativo para a elaboração da cenografia

é caracterizado pela forma pressentida, quando possuímos uma “força de visão

misteriosa”93 que nos faz ver, antecipadamente, o espaço a ser percorrido na cena.

Investigando quando a ordenação da forma cênica nasce a partir de um processo

cognitivo, onde a percepção se dá pelo conhecimento aparentemente intuitivo ou ainda,

pela sugestão da forma de movimentação e de deslocamentos do ator no espaço de ação.

Quando na formulação final do projeto cenográfico, esse pressentimento da forma

permanece.

Por ocasião da conferência “Meyerhold contra o Meyerholdismo”, em Leningrado, em

1936, Meyerhold declara, no final do seu discurso:

“Gostaria de falar ainda um pouco sobre o problema da forma e do


conteúdo. Os dois formam uma unidade obtida cimentando-os
fortemente. Este cimento é a vontade e as forças vivas de um homem:
o artista. O homem cria a obra de arte, na qual o homem é o principal,
e é para outros homens que ele a oferece. Numa obra de arte autêntica
a forma e o conteúdo são inseparáveis e assim deve ser para seduzir
um gênio criador! O artista conhece a alegria no exato momento em
que, dominada pelo conteúdo, surge a forma de expressão adequada.
Admirando a forma, o artista a sente respirar e percebe em suas
profundezas a pulsação da idéia.” 94

Além da relação da forma com o conteúdo, como um binômio indissociável, noção

importante naquele momento, Meyerhold apresenta diversas questões fundamentais

como a estreita ligação entre o nascimento da idéia e a função da arte e do artista, que

cria a partir do homem e para o homem. Outro tema vital nessa fala é verificar a alegria

de traduzir em forma o conteúdo. A forma que nasce quase que naturalmente do

conteúdo. O conteúdo integrado à sua representação. A forma que, ao se desenhar,

93
- KANDINSKY, Wassily. Op. cit. 2000, p. 32.
94
- CONRADO, Aldomar. O Teatro de Meyerhold. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969, p. 244.

55
apresenta também a função, o uso e a proposta de interpretação da forma. A relação do

binômio forma - conteúdo é de fundamental importância nesse momento da história.

Sendo hoje, um debate superado.

Para Meyerhold, o conteúdo ao ser trabalhado traz em si uma forma cênica, não só do

dispositivo cênico a ser projetado, mas de como no palco essa forma se desenhará,

segundo o traçado, ou geometral necessário à cena. Por sua vez, essa forma indicará,

além da ocupação do espaço e da forma do movimento do ator, a forma que terá dicção

do ator e sua atuação, enfim a integração de todos os elementos que compõem a cena.

Diante disso, o nascimento da idéia para o traçado da cena é, sem dúvida, cada vez mais

integrado à participação do ator. Assim como é inquestionável constatar que as

encenações revelam os questionamentos da época e o contato com variadas

possibilidades de pensar o Teatro. A forma do espaço cênico respondendo não só a uma

estética do seu tempo, mas também a questões conceituais.

A tradução - a resposta formal, estética e construtiva- da cenografia para uma

conceituação da encenação, na minha experiência como cenógrafa, sempre foi

desenhada de maneira a responder em imagens muitas vezes desencadeadas por uma

palavra ou um conceito que, na verdade, me parecia como um pressentimento de um

espaço a ser trabalhado na cena pelo ator. Um traçado da cena que já dialoga com o seu

uso. Um esquema imperativo para a idéia da cenografia como espaços rítmicos.

O pressentimento de uma forma espacial vem, em geral, da idéia de movimento ou da

ocupação do espaço que queremos traçar. A cinética do espaço cênico. Quase como

uma imposição de um esquema espacial de uma geometria de um espaço. Captar o que

será.

56
E, como a cena é um todo, a relação do espaço e do seu uso não poderia deixar de ligar-

se intrinsecamente à atuação. O dispositivo cênico é, e deve ser, um desenho a ser

completado somente na cena, como nos fala Peter Brook.

A cenografia despojada de uma proposta decorativista é o primeiro e fundamental passo

para estabelecer uma relação que solicite ao espectador completar o desenho. O

dispositivo cênico com resultante formal sintética ou não figurativo e mesmo não-

realista é um convite para uma interferência mais livre de uso e ocupação do ator,

possibilitando, por conseqüência, uma variável maior na forma de atuação do ator.

Assim o dispositivo cênico se concentra em traçar o geometral imprimindo a cinética

que será vista na cena.

Contrapondo a essa idéia, percebemos que, ao se colocar à disposição dos atores

cadeiras e mesas, utensílios domésticos, paredes, janelas e portas, é pedido que se

sentem, que utilizem esses objetos e elementos arquitetônicos com as funções que lhe

são características. Ao passo que, ao se libertar de uma representação naturalista, da

reprodução exata e fotográfica, os atores passam a desenhar, junto com todos os outros

elementos criativos da cena, uma outra relação com o espectador, uma forma de atuação

inaugural criada para aquela experiência. Ou ainda, a cenografia livre de elementos

figurativistas, que ilustre o lugar no qual se encontram, possibilita ao ator - e também ao

espectador que ‘ouve/vê’ - trazer o lugar através da palavra.

O Teatro pós-dramático, segundo Lehmann, em face do bombardeio de signos do

cotidiano, trabalha com a estética da recusa, valendo-se da economia no uso de signos,

tende para o grafismo e para a escrita que evita a opulência e a redundância ópticas.95

Partindo da compreensão do espaço cênico como um dispositivo dinâmico, cuja função

se encontra na cena, na movimentação dos atores no espaço e, considerando que essa

95
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit., 2007, p. 148.

57
relação é promovida pelo encenador e pelo cenógrafo, pelo trabalho iniciado na

proposição da cenografia e do seu geometral, acredito que exista aí também um “lugar”,

um lugar primeiro a ser “desenhado”, um “outro espaço” singular. O processo de

trabalho desenvolvido entre o encenador e cenógrafo pode ser também pensado como

um espaço, o espaço da relação. E é a partir desse “lugar” que começamos a traçar a

forma que terá a área de atuação.

Peter Brook já nos apontava, no Teatro e seu Espaço, a tese da relação inicial diretor-

cenógrafo no processo de trabalho para uma encenação. Durante o espetáculo a relação

é ator/assunto/ platéia, e durante o processo de ensaio: ator/ assunto / diretor, mas a

relação inicial é diretor/ assunto/cenógrafo96.

Os primeiros passos para uma montagem cênica, em geral, partem dessa relação-

integração, pois a proposta de encenação está intimamente ligada ao espaço, não são do

espaço/ lugar no qual estará inserida, mas, sobretudo, relacionam-se com os conceitos

de espacialidade e de geometral da cenografia.

A linguagem de uma encenação, também, se integra à visualidade. Assim, muitas vezes,

é o cenógrafo o responsável por trazer a concepção da linguagem para a montagem.

O geometral como o plano da cena não parte da idéia de que o palco, ou ainda o espaço

cênico, é um espaço vazio que deve ser preenchido. Desenvolve - se a partir da noção de

dilatação da forma em si, da matéria e de seus significados. Possibilitando, dessa

maneira, a dilatação do espaço teatral, o que inclui o ponto de vista do espectador.

Portanto, é um traçado dinâmico, no qual o movimento dos deslocamentos da cena irá

dialogar com a cinética do espaço total.

O diagrama de movimentos das ações dos atores no espaço tridimensional da cenografia

desenhado a partir desse esquema permite a idéia de espacialidade.

96
- BROOK, Peter. Op. cit.. 1970. p.105.

58
Dessa maneira, o geometral do dispositivo cênico traz em si a traçado dinâmico, no

qual o movimento dos deslocamentos da cena irá dialogar com a cinética do espaço

total. O geometral é, assim, um plano simples e deve incluir no seu desenvolvimento

ainda a relação com o observador, como a quinta dimensão espacial.

Podemos, então, definir como geometral o traçado sintético do espaço cênico.

É o nascimento do traçado, do plano do dispositivo cênico partindo da cinética, das

linhas de ações e de movimentação que queremos indicar ou sugerir. Um processo

intuitivo e cognitivo que é reconhecido por nós prontamente como se já o

conhecêssemos.

2.2: Geometral: Um Campo cênico.

“O mundo é muito fragmentado. Mas o Teatro não é uma arte


fragmentada. Ele pode se pulverizar no espaço, mas está contido no
espaço. O palco é um campo. Um campo de forças, tanto que
Riemann identificava força à geometria. Geometria é igual a força.
(...) Existe uma relação muito grande entre cenografia e física.”97

Existe uma significativa diferença entre o desenho da planta baixa e o esquema revelado

pelo geometral. Enquanto a planta baixa se limita a um esquema bidimensional, no qual

a tridimensionalidade está representada pelas indicações da cotas de níveis e pelas

projeções de elementos aéreos, o geometral vai além. Nesse diagrama o tempo está

implícito. Prevê, no seu traçado, os deslocamentos do ator na cena, o espaço temporal, e

ainda, através dele, podemos pressentir a sugestão de outra dimensão que existirá a

partir da relação com o observador.

97
- ver entrevista de Helio Eichbauer concedida a DR em 18/12/2007.

59
Assim, o geometral é um plano que propõe dimensões adicionais, revelando que o

Teatro se dá em um espaço multidimensional.

Tomando de empréstimo da física o termo campo, visualizamos e, assim, entendemos a

magnitude, a extensão que o vocábulo geometral traz em si.

A teoria de ‘campo’ foi introduzida pelo cientista britânico Michel Faraday que

elaborou experimentos com eletricidade e magnetismo no século XIX.

O cientista “visualizou linhas de força, que como longos ramos espalhados a partir de

uma planta, emanavam de magnetos e cargas elétricas e se difundiam em todas as

direções, enchendo todo o espaço.”98

Um campo é definido como “um conjunto de números definido em cada ponto do

espaço, que descreve completamente uma força nesse ponto.”99

Faraday chegou a esse conceito na comparação com um campo arado. Um campo arado

é um espaço bidimensional, porém em cada ponto desse campo pode conter várias

indicações, referências ou números, como por exemplo, a quantidade e o tipo de

sementes. O campo de Faraday ocupa um espaço tridimensional (três eixos de

referências) e, para cada ponto do espaço, há seis números que descrevem linhas de

força, elétrica e magnética100.

No campo, em cada ponto do espaço, pode existir um conjunto de forças que descreve a

intensidade e a direção das linhas magnéticas, e ainda, outros pontos podem descrever o

campo elétrico.

Para o cenógrafo Helio Eichbauer a planta baixa é euclidiana. Porém, a cena solicita que

trabalhemos com as dimensões adicionais do espaço. Sendo assim, o cenógrafo parte da


98
- KAKU, Michio. Hiperespaço: uma odisséia científica através de universos paralelos, empenamentos
do tempo e a décima dimensão. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges, revisão técnica de Walter
Maciel. Rio de Janeiro, Rocco, 2000, p. 44.
99
- KAKU, Michio. Op. Cit., 2000, p. 44.
100
- A idéia de cotejar a noção de geometral com o conceito de campo partiu do cenógrafo Helio
Eichbauer que, em entrevista do dia18/12/2007, define o espaço cênico como um campo. Na verdade,
esse campo só passa a existir quando se implanta o traçado do geometral no espaço cênico.

60
geometria euclidiana na planta baixa, mas deve também lidar com a física que trata dos

espaços multidimencionais ou o Hiperespaço: “A planta baixa é euclidiana e a cena (e,

também o geometral101) é Remanniana.”102

101
- parêntese da autora.
102
- ver entrevista de Helio Eichbauer concedida a DR. George Riemann desenvolve a teoria
multidimensional.

61
Capítulo III: As dimensões adicionais da cena.

3.1- O Tempo em Michio Kaku.

O físico teórico Michio Kaku apresenta a revolução científica criada pela teoria do

Hiperespaço103 da seguinte maneira:

“As revoluções científicas, quase por definição, contestam o senso


comum. (...) Talvez a noção de senso comum mais profundamente
arraigada acerca do nosso mundo seja a de que ele é tridimensional.
Nem é preciso dizer que comprimento, largura e profundidade são
suficientes para se descrever todos os objetos de nosso universo
visível”104.

A teoria do Hiperespaço assegura a existência de dimensões além das quatro de espaço

e tempo comumente aceitas. Afirma que diversos experimentos realizados com bebês e

animais mostraram que nascemos com um senso inato de que nosso mundo é

tridimensional: “se incluirmos o tempo como uma outra dimensão, quatro dimensões

são suficientes para o registro de todos os eventos do universo”. E vai além: “Afirmar

publicamente a (...) que possa haver outras dimensões ou que nosso universo possa

coexistir com outras, é provocar certa zombaria”105.

A teoria do Hiperespaço, ao ser comprovada, objeto de estudo de Kaku apresentado no

livro de mesmo nome, irá criar uma profunda revolução conceitual e filosófica na

compreensão do universo. Sua formulação mais avançada é denominada de Teoria das

Supercordas e chega a prever o número preciso de dimensões: dez. As três dimensões

habituais do espaço, uma do tempo, acrescidas de seis outras dimensões espaciais. Essa

matéria é tão nova que, ainda, não há um termo universalmente aceito e usado pelos

103
- Hiper é o prefixo científico correto para objetos geométricos multidimensionais.
104
- KAKU, Michio. Op. cit., 2000, p. 7.
105
- KAKU, Michio. Op. cit. p.7- 8.

62
físicos teóricos para a teoria multidimensional. Essa é chamada de teoria de Kaluza-

Klein, supergravidade, ou as supercordas, sendo hiperespaço o termo mais popular106. A

teoria do hiperespaço não foi ainda experimentalmente confirmada e seria muito difícil

prová-la em laboratório, revela o físico.

Porém, para a comprovação da quarta dimensão, o tempo e o deslocamento no espaço,

Kaku sugere que partamos rumo à terceira dimensão e vejamos a Terra a partir do

espaço. Para ele, fatos que são impossíveis de serem compreendidos num mundo plano

tornam-se subitamente óbvios quando se vê a Terra tridimensional.

É interessante pensar nessa idéia, pois nos afastando tanto de um eixo z a ponto de sair

para o espaço, ‘visualizar’ a quarta dimensão fica claro: a Terra continuaria com suas

três dimensões, logo há outra que depende do ponto de vista do observador e do seu

deslocamento.

Pensar em outras dimensões, além das três facilmente aceitas pelo nosso mundo

cotidiano, é uma questão intrigante e que vem sendo estudada pela Física há algum

tempo.

É possível, com facilidade, visualizarmos as três dimensões do espaço. A

tridimemsionalidade inata na nossa percepção nos ajuda não só a descrever objetos e

volumes, mas é também capaz de nos auxiliar na nossa vida cotidiana: Definir medidas,

situar espaços e endereços, sendo também esse esquema de três eixos a maneira como a

aviação se orienta, por exemplo.

Através dos eixos x, y e z somos capazes de localizar os espaços e, assim, nos

situarmos. Kaku cita como exemplo, Nova York: “Encontre-me no vigésimo quarto

andar do edifício que fica na esquina da Rua Quarenta e Dois com a Primeira

avenida”107. Einstein ampliou esse conceito acrescentando o tempo como a quarta

106
- KAKU, Michio. Op. cit., 2000, p.361.
107
- KAKU, Michio. Op. cit., 2000, p 28.

63
dimensão. Para o encontro acontecer deveria ter sido comunicado a que horas seria: por

exemplo, 12:30. Einstein revelou o tempo como a quarta dimensão ainda que espaço

e tempo podiam ser unificados numa teoria quadridimensional.

Segundo o físico teórico, atualmente, os cientistas estão interessados em pesquisas que

busquem estudar a quinta dimensão, além de outras dimensões adicionais.

A dificuldade, ele prossegue, é visualizarmos as outras dimensões. Porém, “qualquer

teoria tridimensional é pequena demais para descrever as forças que governam o

universo.”108

Segundo Kaku, uma nova geometria nasceu em 10 de junho de 1854 quando Georg

Bernhard Riemann, em palestra na Universidade de Göttingen, na Alemanha,

apresentou a teoria multidimensional. Expondo as propriedades das dimensões

adicionais, Riemann abriu “um cômodo mofado, sombrio, para o brilho de um cálido

sol de verão (...)”109. Essa comunicação provocou uma ‘revolução’ na geometria e

‘colocou por terra’ a geometria euclideana que havia ‘sobrevivido’ ao longo de dois

milênios.

A geometria euclideana sustenta que todas as figuras são bi ou tridimensionais. Assim,

em um espaço tridimensional, a menor distância entre dois pontos é uma linha reta, o

que omite a possibilidade de o espaço ser curvo como uma esfera. Se permanecemos

trabalhando com superfícies planas, é viável o emprego da geometria euclidiana, mas,

ao lidarmos com superfícies curvas, positiva ou negativamente, ela é de fato limitada ou

até incorreta.

A teoria riemanniana110 teve grande impacto e influência no futuro das artes e das

ciências. Einstein sessenta anos depois se vale da geometria de Riemann para explicar a

108
- KAKU, Michio. Op. cit., 2000, p.31.
109
- KAKU, Michio. Op. cit., 2000, p.50. Ver também Capítulo 2.
110
- Ver capítulo 2. KAKU, Michio. Op. cit., 2000. p. 50 – 73.

64
criação e a evolução do universo. E, hoje, os físicos utilizam a geometria de dez

dimensões na tentativa de unificar todas as leis do universo físico.

Entre 1870 e 1920, havia um grande interesse por estudos que envolviam dimensões

adicionais. Uma dimensão diferente da hoje conhecida como a quarta dimensão

temporal chegou a provocar a imaginação popular, adquirindo a conotação de

misterioso e estranho. O termo quarta dimensão se torna muito popular por volta de

1910, influenciando de maneira direta as artes, não se restringindo apenas ao círculo das

ciências. Várias obras literárias e musicais tiveram inspiração nesse tema. Podemos

encontrar o tema em Dostoievski, Proust, Gertrude Stein, Oscar Wilde, e também em

Picasso e Marcel Duchamp.

O Cubismo e o Expressionismo foram influenciados por todas essas questões que

circulavam em diferentes segmentos das artes e das ciências.111 Kaku afirma que a arte

cubista ‘abraça’ a quarta dimensão. Como se as pinturas de Picasso rejeitassem a

perspectiva e, as faces de mulheres vistas simultaneamente de vários pontos de vistas, e

não de um único, parecem ter sido pintadas por alguém na quarta dimensão, capaz de

ver todas as perspectivas ao mesmo tempo. Como alguém que caminha para fora, em

direção ao espaço, como sugerido anteriormente pelo físico, para que possamos “ver” a

quarta dimensão. Seria dessa forma que um ‘ser quadrimensional’ veria as pessoas: em

todas as seqüências de tempo, simultaneamente, considerando a quarta dimensão como

o tempo.

Em 1894, H.G. Wells, autor de obras de ficção científica, escreve um livro no qual

combina temas da filosofia e da matemática, popularizando, assim, a idéia que a quarta

dimensão poderia ser o tempo, e não apenas conter as conotações de mistério que tanto

111
- Ver “A quarta dimensão como arte” in capítulo 3. KAKU, Michio. Op. cit., 2000. p 81-84.

65
vinham sendo trabalhadas na Literatura. Em 1754, no artigo ‘Dimension’ Jean

d’Alembert já havia considerado o tempo como quarta dimensão, adverte Kaku.

Lewis Carrol, pseudônimo do matemático Charles L. Dodgson, se vale da noção de

buraco negro e dos ‘Buracos de minhoca’112 para que Alice113 atravesse o espelho.

As idéias de dimensões adicionais e de planos paralelos provocam sempre

estranhamento, mas também grande interesse e encantamento.

Segundo Kaku, o ‘homem que viu a quarta dimensão’ para a ciência é o matemático

inglês Charles Howard Hinton que trabalhava no início do século XX na Agência de

Patente dos Estados Unidos, em Washington. O matemático vivia obcecado por

divulgar e visualizar a quarta dimensão. Hinton publicou suas idéias em diversos jornais

populares. O artigo “What is the Fourth Dimension?”, do Dublin University Magazine,

também publicado na Cheltenham Ladies’ College Magazine, foi reproduzido em 1884

com o título “Fantasmas explicados”. Foi Hinton também que desenvolveu a

visualização de hipercubos114 ou cubos em quatro dimensões, também denominados de

Cubos de Hinton. Através do exame de sombras e das suas seções transversais e

também do seu desdobramento em formato de cruz, foi possível a popularização de

figuras hiperdimensionais.

Ao ser perguntado que nome deveria ser dado à quarta dimensão Hinton respondia

ana115 e kata116, eram contrapartidas das expressões para cima e para baixo, ou esquerda

112
- Buraco de minhoca conecta duas regiões que existem em períodos diferentes de tempo. O buraco de
minhoca pode ligar o presente ao passado e vice-versa. Ver Hiperespaço, capítulo 1 páginas 36 a 44.
113
- 1865- Alice no país da Maravilha e 1872, Alice no País do Espelho.
114
- ver desenho.
115
- Ana. Prefixo grego designativo de várias idéias de movimento: de baixo para cima (anagogia),
repetição (anabatista), aumento, intensidade (anafilaxia), separação (análise, anatomia), afastamento,
contra (anacronico), correspondência, semelhança (analogia). BUENO, Francisco da Silveira, Dicionário
de Língua Portuguesa. Ministério da Educação e Cultura. 1976.

116
- Kata em grego é um prefixo que exprime a idéia de para baixo, no fundo (no lugar ou no tempo).

66
e direita. Ou seja, buscou palavras para expressar movimento, deslocamento. O mesmo

partido, o movimento, do qual Appia se vale para o desenvolvimento das suas teorias

para a cenografia como espaços rítmicos.

BURACOS DE MINHOCA:
Conecta duas regi ões exi stentes em perí odos di sti ntos de tempo.

CUBOS DE HINTON OU HIPERCOBOS

67
Na virada século XIX para o século XX, ainda não havia confirmação experimental

científica para a quarta dimensão, afirma Kaku. Muitos até acreditavam que não havia

motivação física para a introdução da quarta dimensão, a não ser para deleite do grande

público das histórias de fantasmas. Porém, em algumas décadas depois, a teoria da

quarta dimensão como o tempo alteraria de forma decisiva e definitiva o “curso da

história da humanidade. Ela iria nos dar a bomba atômica e a própria teoria da Criação.

E o homem que faria isso seria o físico Albert Einstein.”117

A introdução do tempo como quarta dimensão derrubou o conceito de tempo que

permanecia desde Aristóteles. Espaço e tempo estarão unidos para sempre pela

relatividade. Assim, afirma o físico, o significado do tempo como a quarta dimensão

implica que tempo e espaço podem se transformar um no outro por rotação

matematicamente precisa. Essas rotações quadridimensionais são as distorções do

espaço e tempo exigidas pela relatividade especial.118

A quarta dimensão envolve pensar no tempo intrinsecamente ligado ao movimento no

espaço.

A grande diferença entre o matemático Hinton e o físico Einstein, para Kaku, é que,

enquanto o primeiro passou grande parte da sua vida tentando visualizar dimensões

espaciais adicionais, sem tentar encontrar uma explicação física para quarta dimensão,

Einstein ‘viu’ como a quarta dimensão poderia ser adotada como uma dimensão

temporal.

117
- KAKU, Michio. Op. cit., 2000, p.98
118
- ver capítulo IV in Hiperespaço. p. 99 a 127.

68
3.2 - Appia: O homem que viu a quarta dimensão na cenografia.

“Para chegar de um ponto a outro fizemos um esforço, por menor que fosse, que

correspondeu às pulsações do nosso coração. As pulsações do nosso coração mediram

os nossos gestos. No Espaço? Não. No Tempo. Para medir o Espaço, o nosso corpo tem

necessidade do Tempo. A duração dos nossos movimentos mediu-lhe a extensão.”

Appia.119

É no cenário de grande interesse por estudos envolvendo dimensões adicionais no final

do século XIX, que Appia visualiza’ a quarta dimensão na cenografia tridimensional.

O dispositivo cênico trabalhado na tridimensionalidade do espaço ganha uma outra

dimensão: a temporal. Esse conceito de quarta dimensão implica na movimentação dos

atores no espaço, na variação temporal da cena e, portanto nos conceitos de

espacialidade e ritmo do espaço120. Assim sendo, a quarta dimensão é a passagem do

tempo, não do desenho do palco, mas o desenho animado do palco. Ou seja, a idéia da

cenografia que se realiza quando trabalhada na cena pelos atores.

Podemos verificar, nas concepções de Appia em relação ao movimento, que, ao

estabelecer fundamentos para a criação do espaço dramático, aponta claramente a

existência de conexão do espaço da cena com a sua ocupação: “(...) a vida do espaço

deriva da razão direta do movimento, em todas as suas formas (incluindo o da própria

palavra) do corpo humano”121. E mais adiante completa: “Não é mecanicamente que

possuímos o Espaço de que somos o centro: é porque estamos vivos: o Espaço é a nossa

119
- APPIA, Adolphe. Op. cit. p. 158.
120
- Ver o verbete Ritmo na encenação in PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo. Perspectiva.
1999.p. 344. “(...) Os deslocamentos passam a ser a representação física do ritmo da encenação. O ritmo é
a visualização do tempo no espaço, escritura e inserção desse corpo no espaço cênico e ficcional.”
121
- APPIA, Adolphe. Op. Cit. p.91.

69
vida; a nossa vida cria o espaço; o nosso corpo exprime-o.”122 O ator ocupa o primeiro

lugar na hierarquia da composição da cena. Em seguida, virá “a disposição geral da

cena, cujo papel implica em que ela se destina unicamente ao ator, às suas dimensões e

à sua mobilidade”123. A disposição geral da cena é traçada pela relação das linhas

rígidas da cenografia em oposição à forma viva do ator e começa a ser desenhada pela

geometria do espaço cênico.

Relacionando a noção de espaço- vivo para Appia com a expressão Espaço Gestual124,

podemos pensar em aproximar essas definições com a idéia do geometral que também

sugere o homem no centro do espaço, o espaço centrífugo.

O espaço gestual é, segundo Pavis, o espaço traçado pela presença e corporeidade do

ator. Seus deslocamentos capacitam o espaço a ser estendido ou retraído. Um “terreno

que cobre o ator em seus deslocamentos”, como um “silo”125, que deixa no espaço uma

tomada de posse de território e que desaparece quando o espectador se dirige a outro

elemento da cena. Entretanto, afirmamos que, se estamos trabalhando com o diagrama

de fluxos e linhas invisíveis que imprimem no espaço suas forças, esse território, ao

contrário de desaparecer, pode ser pensado em justaposição.

É curioso observar o uso da palavra silo, um lugar impermeável, portanto, protegido e

fechado, que contém ou guarda alimentos.

Podemos aproximar o conceito de espaço gestual com a noção de site specific126, uma

vez que esse lugar ou espaço criado no momento da ação também é único e sempre será

122
- APPIA, Adolphe. Op. Cit. p.158.
123
- APPIA, Adolphe. A arte é uma atitude. In Cadernos de Teatro nº 51, Edições O Tablado, Outubro a
novembro de 1971. p. 1-2.
124
- PAVIS, Patrice. Op.cit. 2003. p. 142.
125
- PAVIS, Patrice. Op.cit. 2003. p. 142.
126
- Os anos 70 trazem a site specific art, uma prática artística dedicada à criação de obras de arte pública
em diálogo com sua vizinhança. As obras são desenvolvidas a partir de características topográficas e
traços culturais locais, envolvem um conhecimento anterior sobre o espaço que receberá a intervenção –
temporária ou permanentemente – e devem considerar os diferentes interesses que atuam sobre o mesmo
espaço. A escultura considera o local, o ambiente, as pessoas que ocupam os espaços naturais e
construídos, dialogando com a arquitetura e a natureza, em seus respectivos contextos. A obra constrói-se

70
outro em diferente momento ou quando se inscreve em outro lugar. O espaço gestual,

assim como a obra do site especific, não se reproduz, é singular. Mesmo aparentemente

repetida a cada apresentação, ao longo de toda a temporada, não é a mesma. O espaço

criado é variável na sua ação e na interação dada por todos, incluindo a variável platéia.

A aproximação com a noção de site specific, aqui proposta, não é aquela do Teatro que

procura uma arquitetura específica, conceituando, por conseguinte, a encenação a partir

dessa escolha. Ou, o Teatro específico ao local, quando o próprio espaço passa a ganhar

uma outra perspectiva.

Pavis fornece alguns exemplos ao criar diversos termos ou subitens do Espaço Gestual.

É a partir deles que entendemos como a palavra gestual é utilizada: é no gesto, na

atitude e na forma de atuação do ator que esse espaço em potência é visto. Ou ainda, o

espaço resulta em território do ator.

A ‘experiência cinestésica’ do ator e a sua percepção do movimento é transmitida ao

espectador e a ‘subpartitura’127 do ator fornece o percurso e o trajeto desenhado no

espaço e esse espaço também se inscreve no ator.

O “espaço centrífugo”128 para Pavis é a extensão do corpo do ator a se prolongar para no

mundo externo. É prolongado por seus movimentos, sendo muitas vezes utilizados

adereços para a realização ou “prolongamento concreto” dessa idéia.

Já para Lehmann, o espaço centrífugo é aquele das grandes proporções, onde a

percepção de todos os outros elementos existentes no local é uma ‘ameaça’ para o

Teatro dramático. Exemplifica com a célebre montagem de Orlando Furioso, de Luca

Ronconi, um dos pioneiros do Teatro total. Nessa encenação, a decisão e a organização

do olhar ficavam a cargo do espectador.

a partir desse diálogo, integra-se ao entorno e não pode ser transportada para outro lugar. In http://
converseartexpandida.files.wordpress.com/site-specific-art em 14/07/2008 às 12:13.
127
- Subpartitura é, segundo Pavis, formada por pontos de orientação e de referência do ator no espaço.
“Momentos fortes que facilitam a (sua) ancoragem no tempo e no espaço.” Op. cit. p. 143.
128
- PAVIS, Patrice. Op.cit. 2003. in Espaço, tempo, ação. O espaço Gestual. p. 143.

71
A vetorização de linhas invisíveis no espaço total pode ser vista pela relação e afinidade

que existem entre o ator e a proposta cinética do dispositivo cênico.

Assim, a realização se torna matéria com a integração do ator no dispositivo cênico.

Dessa maneira, o espaço gestual seria o espaço em potência, enquanto o geometral,

o espaço materializado.

O geometral como um traçado dinâmico da cena permite imaginar a ação dos corpos

dos atores no espaço cênico e no movimento das formas em si, quase como um móbile.

Trabalhar com a afirmação de Merleau-Ponty, na qual o corpo não está apenas no

espaço: ele é feito de espaço e de tempo129.

Assim, podemos pensar o dispositivo cênico não flutuando no espaço total da sala, mas

movimentando e se modificando em si mesmo, através de linhas de forças e de ações,

como vetores, linhas que partem desses olhares múltiplos localizados no espaço da

cena, mas também fora dele.

As modificações das formas em si e da sua localização no espaço imprimem a noção do

tempo:

“A geometria nos diz que três dimensões são suficientes para


descrever a forma de qualquer sólido e as localizações dos objetos em
relação mútua a qualquer momento dado. Se for necessário considerar
também as mudanças de forma e localização, deve-se acrescentar a
dimensão tempo às três dimensões do espaço”.130

O geometral é um traçado que relaciona o desenvolvimento formal da cena e a sua

variável temporal. A percepção do espaço rítmico surge das forças vetoriais dos olhares

múltiplos, e se constitui de ordenações, proporções e vazios. Como conseqüência dessa

forma, temos a cinética, a seqüência rítmica do espaço. Essa é resultante dos

deslocamentos na cena e das suas variações de direções e tensões, quando a forma

129
- PAVIS, Patrice. Op. cit., 2003. p. 140.
130
- ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., 2004, p.209.

72
cênica não só traduz essas indicações, mas principalmente quando é capaz de captar

esses significados.

3.3- Espaço Dilatado.

3.3.1- O lugar do observador no espaço: A quinta dimensão131.

“Uma vez que reconheçamos a existência do Espaço de quatro


dimensões, nenhum esforço maior é exigido pelo reconhecimento da
existência de um Espaço de Cinco Dimensões, e assim por diante, até
um Espaço de um número infinito de dimensões”.

Arthur Willink.132

Ao tratarmos o espaço cênico não mais tridimensional e sim tetradimensionalmente,

podemos ainda ampliar o olhar do espaço para outro ponto de vista: incluir o

espectador, que, inserido no espaço total, passa também a modificá-lo, não pela sua

variação de tempo no espaço cênico, como nos fala Appia, em relação ao deslocamento

do ator na cena, mas a partir da idéia de que o observador, ao possuir a capacidade de

‘transformar’ o que vê, altera também o espaço.

O espectador modifica o que vê não só pela subjetividade desse olhar, mas também, a

partir das diferenças de posicionamento de seus pontos de vista (variações de

localização dos espectadores no espaço teatral), criando, assim movimentos, não do seu

131
- Para a física teórica a quinta dimensão é a reunião das leis da gravidade de Einstein com a teoria de
luz de Maxwell. É denominada de Teoria Kaluza-Klein e foi desenvolvida pelo matemático Theodor
Kaluza em 1910, porém esse estudo não prevê a força nuclear.
132
- citado por KAKU, Michio, Op. cit., 2000, p.365.

73
deslocamento no espaço (como nos espetáculos itinerantes), mas do seu olhar no

espaço.

Esse olhar está, em geral, situado fora da ação, diferentemente do ponto de vista do ator,

mas está inserido na ação total, uma vez o espectador que completa o jogo, fecha o

desenho da cenografia e, logo, também o desenho total do espaço teatral.

O Teatro precisa do público para se completar e, para cada um, esse acontecimento é

completado de maneira individual e, portanto, diferente.

O deslocamento do observador e, assim, do seu ponto de vista nas encenações

itinerantes, também pode ocorrer quando o público caminha ao longo das cenas, o que

poderá se dar em algumas oportunidades: como percorrer o espaço vendo-o de fora, ou

ainda percorrer inserido no espaço cênico, misturando-se aos atores. Essas

possibilidades de relacionamento cena-público gerariam outros traçados de linhas de

olhares. Ou seja, se o espectador se localiza no espaço de ação, embora ainda não como

participante ativo da ação, como os atores, é participante ativo da variável temporal do

espaço cênico.

Essas idéias permitem definir a quinta dimensão do espaço. O espaço ganha outra

variável e passa a ser pensado na sua pentadimensionalidade.

Assim, as linhas de ação e de movimentos são os vetores invisíveis que riscam o espaço,

desenhando esquemas e diagramas. Esses vetores são executados e percebidos pelos

atores e pelo público. As forças em movimento ilimitado pulsam e dilatam o espaço.

O espaço que fora explodido nos meados do século XX é agora expandido. A noção do

espaço teatral é mais uma vez renovada.

Esse fluxo de linhas em movimento continua sendo traçado no decorrer da encenação e

vai além do momento da sua realização.

74
Assim sendo, somos capazes entender o espírito do teatro133 de Jean Guy Lecat,

arquiteto e cenógrafo. Algo impregnado no teatro. Como se esse mapa de linhas, suas

sensações e percepções ficassem desenhados no espaço.

Diante disso, podemos redefinir ou ampliar o conceito de geometral estendendo-o não

mais para o traçado da cena, mas para o traçado dinâmico das linhas de movimentos

invisíveis do espaço total.

Do mesmo modo que cenografia foi anteriormente apresentada como o espaço a ser

ocupado na cena pelo ator, passa agora a ser compreendida como o espaço a ser

dilatado na cena pelos atores e pelos espectadores. Um conceito ideal, ou seja, é com

base nesse conceito que a cenografia deve ser esquadrinhada, mesmo que o esforço

nesse sentido nem sempre leve à sua realização.

Voltando ao pensamento de Brook para a resultante, em suas encenações, da cenografia

com um espaço vazio, podemos compreender quando afirma que este é o espaço que

permitirá o surgimento de um fenômeno novo, “porque tudo que diz respeito ao

conteúdo, significado, expressão, linguagem só pode existir se a experiência for nova e

original”134. Para Brook, a característica fundamental desse espaço é o fato de ser

comum a todos ali presentes. O vazio é compartilhado. Lembramos que sua proposta de

comunicação com a platéia se estabelece na ativação do espectador que deverá

completar o desenho da cenografia.

Este espaço puro e virgem, necessário para a realização da nova experiência, talvez não

exista por completo, apenas em conceito. Não só porque o espaço físico da sala ou de

qualquer lugar teatral já traga em si referências, mas, sobretudo, porque o espectador

também possui referências outras que se imprimem ao mesmo tempo e do mesmo modo

no espaço.

133
- A idéia do “espírito do teatro” foi apresentada por Jean Guy Lecat na Oficina desenvolvida na Escola
de Teatro da UNIRIO e será trabalhada ainda nesse capítulo.
134
- BROOK, Peter. Op.cit. 1999. p. 4.

75
3.3.2- Espaço Puro?

“Qualquer teatro, qualquer espaço pelo qual transitou um momento dramático, carrega

consigo uma dimensão que reforça cada dia seus valores enriquecidos pelo tempo.”

Gianni Ratto135.

O espaço puro necessário para a encenação, imediatamente, sofre interferências com a

instalação das linhas de forças que passam a existir com a implantação da configuração

do geometral da cena. Ou mesmo de qualquer proposta cenográfica. Unindo-se a essa

situação, existem os deslocamentos dos atores promovidos pela utilização do espaço,

gerando traçados vetoriais não só aqueles produzidos pelos olhares dos espectadores,

mas, sobretudo, pelos vetores de ação da cena. Logo, todo esse esquema torna o espaço

não-puro.

O palco vazio não é verdadeiramente um espaço vazio. Tomando de empréstimo a

noção da física para campo, Helio Eichbauer chega a afirmar que o palco é habitado por

um mundo microscópico e sub-atômico. Para o cenógrafo, existem, no espaço cênico,

fenômenos eletromagnéticos, uma vez que essas matérias fazem parte dos fundamentos

do Teatro. O Teatro está relacionado aos fenômenos físicos em alto grau. Os fenômenos

de luz, de ótica, de formação da matéria e da cor são importantes aspectos tratados na

cenografia e na encenação, nas quais os átomos e as partículas desse campo agem, se

interagem e se chocam. “O teatro na realidade é um campo, onde esses fenômenos

acontecem, então existe o invisível e o visível. O espaço puro é uma idealização assim

como são os sólidos perfeitos.”136

135
- RATTO, Gianni. Teatro e vida se confundem. Espaço Cenográfico News. Nº 35. Junho de 2008. p.
23.
136
- ver entrevista a DR.

76
Dessa forma, portanto, o conceito de Espaço Vazio de Brook deve ser pensado a partir

da noção do Carpet show137, ou ainda como a cenografia que se desenvolve eliminando

a figuração e os elementos inúteis à cena. O Espaço Vazio é a elaboração de um espaço

não realista, o que podemos confirmar no trecho abaixo:

“... num espaço vazio, não pode existir cenário. Se houver, o espaço
não estará vazio haverá objetos ocupando a mente do espectador.
Como a área vazia não conta uma história, a imaginação, a atenção e
os processos mentais de cada espectador ficam livres e
desimpedidos.(...). A ausência de cenário é um pré- requisito para a
atividade da imaginação”138.

No Teatro, segundo Brook, pode-se imaginar uma palavra para trazer um lugar. A

pessoa está sempre em um contexto e nunca fora dele139.

137
- BROOK, Peter. Op.cit., 1999. p. 24.
138
- BROOK, Peter. Op. cit., 1999. p.22.
139
- Podemos entender essa afirmação como verdadeira, porém verificamos casos como no filme
Dogville de Lars von Trier que trabalha com uma outra proposta formal. Podemos, dessa maneira,
associar a planta baixa traçada em Dogville com o Carpet Show.
Em Dogville, identificamos na proposta da cenografia teatralizada a idéia de suscitar no espectador a
imaginação. A visualidade estilizada busca a pareceria com o público para o fechamento do desenho
inacabado. Esse, o espectador, é convidado a entrar no jogo.
Estabeleceu-se um esquema de implantação, uma geometria do espaço para retratar a cidade, e é desse
geometral, dessa planta baixa, que a cenografia se desenvolve como uma convenção teatral e
sugestionista.
Em Dogville, entretanto, o público “ganho” do cinema precisa ser de novo conquistado. Temos uma
proposta cinematográfica que aposta na teatralização.
A singeleza da direção de arte, a simplicidade das formas do mobiliário e dos objetos de cena em
contraste com um fundo teatral, ora como caixa negra, ora como um ciclorama a ser “pintado” de luz,
enfim, a cenografia despojada de uma proposta arquitetônica, ou mesmo de uma preocupação
essencialmente decorativista foi o primeiro e fundamental passo para uma interferência mais livre na
forma de atuação do ator. A proposta de uma cenografia sugestionista que se utiliza apenas de objetos
estritamente necessários à cena, passa a esperar dos atores uma outra forma de uso e ocupação, uma
composição que se apóie em um desenho interpretativo mais detalhado. Temos como exemplo os gestos
de abrir e fechar portas imaginárias para indicar as entradas e saídas dos atores das delimitações das
casas, que sem paredes, pedem uma convenção para estabelecer o dentro e o fora.
Temos, portanto, um belo exemplo de uma proposta cinematográfica onde identificamos características
teatrais, o que contraria a tese defendida por Brook.
Em Dogville reconhecemos uma solução cenográfica que traduz de maneira sintética a proposta do filme,
na qual se percebe com clareza a ênfase na história, na palavra e no trabalho do ator. Uma proposta de
convenção assumida, de desnudamento das ilusões das reproduções naturalista, que busca no público uma
relação de parceria.
Um filme que parece não contar com um público já conquistado do cinema. Uma proposta que aposta no
interesse do espectador pelo jogo dos atores dentro “da caixa” e, dessa maneira, passa a atingi-lo pela
emoção.

77
“... a fotografia supõe que alguém esteja em algum lugar. (...). O
vazio no teatro permite que a imaginação preencha as lacunas.
Paradoxalmente, quanto menos se oferece à imaginação, mais feliz ela
fica, porque é como um músculo que gosta de se exercitar em
jogos.”140

O público participa como cúmplice da ação, pois a “imaginação feliz” jogará o jogo,

desde que o ator não esteja em parte alguma. Se o ator estiver na frente de um único

elemento cenográfico que ilustre o lugar no qual se encontra, será inevitável a

verossimilhança cinematográfica e nos amarraremos nas “fronteiras lógicas do

cenário”141.

Ao falar da ausência de cenário, Brook está, na verdade, trabalhando a cenografia como

espacialidade. Assim como, ao afirmar que o ator está na frente do elemento

cenográfico ilustrativo, trata da representação figurativista desse espaço.

O paralelo com a cenografia de Meyerhold, que se contrapõe à cenografia naturalista,

como reprodução exata da época, do local, o cenário verdadeiro, no qual os atores não

desenvolvem um trabalho corporal mais elaborado, é evidente. Para Meyerhold, “o

teatro naturalista parece recusar ao público o poder de sonhar...”; “o teatro naturalista

destinou-se a expulsar do palco o poder do mistério.” 142

Segundo Jean-Jacques Roubine, Meyerhold gostaria de engajar o espectador como o

“quarto criador”, associá-lo ao trabalho do autor, do diretor e do ator. Para isso, no seu

teatro, as convenções são assumidas, a teatralidade é explorada, o ator não esquece a

Dogville dá, portanto, a chance de o espectador de cinema ser de novo conquistado. Concede, portanto
um outro poder, um poder não só de inserção no espaço da ação, mas o poder da sedução da conquista, o
prazer de ser conquistado.
140
- BROOK, Peter. Op. cit. 1999. p. 22.
141
- BROOK, Peter. Op. cit. 1999. p. 23.
142
- Meyerhold, cit. por Aldomar Conrado. O teatro de Meyerhold. Op. cit, 1969, p.17.

78
presença do espectador e o espectador, por sua vez, não deixa de perceber o Teatro

como Teatro. 143

Assim, é importante reafirmar que a cenografia tridimensional é fundamental para a

idéia do dispositivo cênico a ser trabalhado na cena pelo ator. Este passa a ocupar o

espaço, a se integrar como mais uma dimensão espacial. O ator, portanto, não se limita a

estar diante de uma representação pictórica de um ambiente ou lugar.

Não devemos esquecer também que é para o ator que o dispositivo cênico é elaborado e

o espectador, como a quinta dimensão desse espaço, é o elemento que completa esse

jogo.

Podemos estender ou dilatar a noção de dimensões espaciais para a quinta dimensão

entendida como o ponto de vista do espectador - de onde e como se vê a cena - em

relação a este espaço animado. O observador tem o poder de “modificar” ou “deformar”

o objeto observado, dependendo do seu posicionamento, da sua relação com o

observado. Evidentemente, é na cena que ocorrerá essa realização. Logo, são

fundamentais a presença e a relação com o espectador para esse acontecimento.

Partindo dessas noções e considerando a cena como um todo, não podemos tratar a

cenografia isoladamente. O conceito de quinta dimensão, na encenação, deve ser

pensado, antes de mais nada, investigando-se as expectativas da montagem quanto a

este olhar, à relação cena- público.

A proposta de encenação está, conseqüentemente, intimamente ligada ao espaço, não só

do lugar no qual estará inserida - espaço teatral- mas, sobretudo, à compreensão do

espaço cênico como um dispositivo dinâmico, cuja função se encontra na cena, na sua

variável temporal.

143
- ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação teatral 1880 – 1980, cf. cap. “O nascimento
do teatro moderno”, Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 37.

79
Fica claro, portanto, que a compreensão de ritmo do espaço como ocupação, como

movimentação temporal da cena, no Teatro, além da sua relação com o observador,

esbarra ainda nas amarras impostas pela caixa. Isso sem falarmos do visível atraso

observado quando pensamos nos espaços teatrais no Brasil no que diz respeito aos seus

recursos técnicos.

A caixa cênica italiana nos impôs um legado, um fardo que ainda carregamos: o

enquadramento da cena e da cenografia, a fixa frontalidade estabelecida pela boca de

cena que afasta o público da cena, criando dois mundos. O conceito de quarta parede

ainda tão arraigado, pelo menos no que diz respeito à configuração física do espaço.

Evidentemente, temos uma herança, uma história, marcos importantes e significativos

na cena mundial que trabalharam com o rompimento da fixa frontalidade da caixa

italiana, ou ainda, que propuseram a sua utilização variável. Realizações e estudos que

permitiram novas concepções dos conceitos de espaço teatral, cena e cenografia.

O espaço teatral abriga o “lugar” do público e este, inserido na forma total, não pode ser

desprezado. Ou pode. O público ignorado144, como diz Banu. A noção da quarta parede

criada pela encenação moderna145.

Com esse texto, reafirma-se a indissociável conexão entre espaço teatral, espaço cênico,

espacialidade e atuação. A tese da representação frontal como herança das exigências de

comunicação com uma assistência heterogênea que pede para ser conquistada146. A

frontalidade do Teatro nos permite traçar um interessante gráfico: temos para o espaço

de múltiplas “frentes” o ator frontal que precisa conquistar o espectador, contrapondo a

esse quadro a ocupação do ator de costas em um espaço cênico de frontalidade fixa para

um público “já ganho” que assiste a essa encenação enclausurada, enquadrada.

144
- BANU, George. O público ignorado. In L`Homme de dos. Paris: Adam Bero, 2001. Tradução: Vera
Lúcia dos Reis. 2003.
145
- Banu. Op. cit. 2003.p. 3.
146
- Banu. Op. cit. 2003.p. 4.

80
3.3.3- Outros espaços: Olhares diversos.

“Em todas as formas espaciais para além do palco de ficção dramático, o espectador

se torna, em alguma medida ativo, converte-se voluntariamente em co-ator.”147

Hans-Thies Lehmann.

Esse panorama relacionando o espaço teatral com a atuação aponta uma questão

importante para a cena teatral contemporânea, quando trabalhada em um espaço outro

que não o da caixa italiana, um espaço sem uma frontalidade única, no qual o público

inserido na totalidade da forma precisaria ser de novo conquistado.

Quando o público é posicionado no centro do espaço, passa a ter um ponto de vista

egocêntrico, termo aqui utilizado no sentido da espacialidade, ou seja, de

posicionamento do observador em relação ao espaço total.

O espectador precisa voltar a ser ativo na relação teatral e não mais o observador fora do

jogo. Sua visão é dinâmica, podendo ser classificada como radial ou ainda como multi-

direcional e não mais panorâmica como na relação de frontalidade da caixa cênica

italiana.

Várias foram as experiências desenvolvidas nos anos 60 e 70 que tinham como proposta

diferentes variáveis na relação cena-espectador, tanto em relação ao seu

posicionamento, como sobretudo em relação a uma participação mais efetiva na

encenação.

É interessante, entretanto, observar que a mesma visão egocêntrica e humanista do

Renascimento que concebeu os pátios centrais no traçado urbano e nas construções

147
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit, 2007, p. 267.

81
arquitetônicas, onde o observador está localizado no seu centro, afirmou o cubo, a caixa,

no teatro onde o olhar foi deslocado para fora.

A incorporação da perspectiva como instrumento de projeto arquitetônico foi um dado

fundamental para a espacialidade no Renascimento. A arte do Renascimento reflete a

maneira como o homem via o mundo. Descobrindo, assim, a terceira dimensão pictórica

que a pintura da Idade Média desconhece, enquanto que, o Teatro desse período

trabalha com o espaço cênico tridimensional.

A arquitetura renascentista desenvolve, em seus traçados, uma relação de ritmos e de

percursos que deve ser facilmente assimilada pelo homem. Esse passa a dominar o

espaço e impor o seu ritmo e não mais ser dominado pelo edifício. A ocupação dos

espaços nas construções arquitetônicas baseia-se em relações clássicas e matemáticas e

é ordenada de tal maneira que o observador compreende essa ordenação de qualquer

ponto em que esteja. O espaço perspéctico148 é percebido de forma analítica e objetiva:

“Já não é o edifício que possui o homem, mas este que, aprendendo a lei simples do

espaço, possui o segredo do edifício.”149

Podemos falar na conquista de um espaço cênico (aqui urbano e arquitetônico) pelo

homem renascentista que, situado no centro do espaço, é o agente da ação temporal.

O módulo de origem do traçado arquitetônico no plano é o quadrado que, aplicado no

espaço, constrói a sua volumetria revelando o cubo. Ao configurar o espaço cúbico para

a ação cênica e ao instalar o espectador frontalmente posicionado a ele, e não no seu

centro, o ponto de vista é também múltiplo, sendo agora múltiplo pelos campos de

forças subjetivamente traçados por linhas e vetores que partem da visão panorâmica e

frontal.

148
- Ver desenho.
149
- ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo, Martins Fontes.

82
ARQUI TETURA RENASCENTI STA

Espaço perspécti co
QUADRADO- CUBO- CAIXA

Igreja de Assunção em Gênova Igreja de São Z acari as Paláci o Real


em Veneza em Veneza

83
Helio Eichbauer, um apaixonado pela geometria, pela matemática e também pelo

espaço cúbico da caixa cênica aponta uma bela imagem que esse volume pode suscitar:

“O cubo é uma representação antiga do mundo. O quadrado e o cubo são as mais

antigas representações da Terra, porque você percorrendo o perímetro muda de direção

várias vezes. E é o que o ator faz em cena.”150 Aplicando essa mesma idéia no espaço

tridimensional podemos encontrar a origem dos planos que seccionam a caixa. Eles não

só são as molduras da cenografia bidimensional, mas também podem representar o

mundo todo que cabe no palco. Entrando e saindo, retornando por outro plano, o ator

altera sua direção e também muda de lugar no espaço - tempo.

Lehmann vê uma interessante relação da perspectiva com o teatro dramático. A

comparação ocorre, tanto no sentido técnico, quanto no mental, onde o espaço é janela e

símbolo. A caixa é uma metáfora do mundo padronizado, assim como o é nas pinturas

renascentistas concebidas como ‘janelas abertas’. Da mesma maneira, na qualidade de

janela perspéctica, o teatro dramático é símbolo: suas tábuas sempre significam o

mundo.

Ao passo que, no Teatro pós-dramático, o espaço é parte do mundo. Um recorte

delimitado no tempo e no espaço, continuação e fragmento da realidade da vida. 151

Quando o espaço cênico não tem como determinação principal servir de suporte

simbólico para um outro mundo fictício, ele é ocupado e enfatizado como parte e

também continuação do espaço real do teatro. Dessa maneira, apagando as fronteiras

entre as vivências real e ficcional o espaço é compreendido, não mais como espaço

metafórico- simbólico, tornando-se um espaço metonímico. Sendo assim, um ator em

seu deslocamento na cena estaria apresentando152 uma referência ao espaço da situação

150
- ver entrevista concedida a DR .
151
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit., 2007, p.267 e 268.
152
- A palavra utilizada por Lehmann é “representando”. A troca pelo vocábulo apresentação é da autora.

84
teatral, como a parte do todo, o espaço real do palco, mas também a totalidade do

espaço teatral.

O espaço de intensa dinâmica centrípeta, para Lehmann, é aquele que se torna um

‘momento de energias co-vivenciadas’, e não mais o local dos signos transmitidos. Para

tanto, a proximidade do espectador com os atores é vista como uma forma onde todos

acabam por “entrar no círculo encantado da convivência orgânica”. Com o afastamento

entre atores e público bastante reduzido há uma proximidade física, mas, sobretudo

fisiológica (respiração, suor, tosse, espasmos, movimentos musculares, olhar). 153

O Teatro há muito tempo, deixou de ser a encenação de um mundo dramático fictício,

incluindo, portanto, o espaço heterogêneo e o cotidiano. Há um vasto campo entre o

‘teatro emoldurado’ e a realidade cotidiana ‘sem molduras’.154

Por conseguinte, a versatilidade do espaço teatral pode ser um fator fundamental para

uma encenação que pretende trabalhar não só com outras formas de relação com o

espectador, mas também com a investigação de outras formas de atuação do ator.

A volta da frontalidade como uma revisão do modo de se dirigir à sala, à frontalidade

das origens155, à frontalidade que remonta aos gregos156, apresentada por Banu, está

diretamente ligada ao espaço teatral e nos faz lembrar que é o lugar do espectador, na

configuração do espaço teatral grego -o lugar de onde se vê- que batiza a arte, o

fenômeno Teatral.

Reafirmamos, assim, que o Teatro só se completa na presença do público, a partir do

olhar, da perspectiva do espectador e de sua percepção. Portanto, com a quinta

dimensão espacial.

153
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit., 2007, p.265 e 266.
154
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit., 2007, p.283.
155
- Banu. Op. cit. 2003. p. 18.
156
- Banu. Op. cit. 2003. p. 18.

85
Para Helio Eichbauer, não importa onde o espectador esteja localizado. Ele vê o

espetáculo segundo as suas possibilidades e sensibilidades, influenciando e modificando

a experiência157. Afirma ainda que, dependendo da cenografia, da sua concepção e para

onde você quer que o público ‘vá’, o dispositivo cênico pode nele despertar emoções

latentes no público como o inconsciente coletivo e a memória, até mesmo a memória

ancestral do espectador. Assim, o cenógrafo pode ativar a memória do público através

da visualidade da sua criação. Emocionar seja através do despertar da memória de um

mito, ou ainda, pela configuração da forma e pelo uso da cor.

É digna de nota a constatação óbvia, mas não menos importante e necessária de Amir

Haddad158, por ocasião do seu 70º aniversário. Amir profetiza o Teatro como “a arte do

futuro, a única capaz de combater o mundo virtual em que vivemos”. Ele nos lembra o

fundamento primeiro do Teatro como a arte que antecipa o encontro. Talvez Amir tenha

sido utópico ou romântico, mas de qualquer maneira entendemos como o público

contemporâneo precisa ser reconquistado para o Teatro. E essa retomada deve também

passar pelo espaço.

O encontro como diferencial de uma arte que prevê a presença real do observador deve

ser levado em conta nos projetos dos espaços teatrais. Ou seja, o teatro deve ser

repensado.

O mundo virtual, para o qual Amir nos chama a atenção, nos faz pensar como os

espectadores, hoje, não são meros observadores de uma ação. De posse das tecnologias

cotidianas, esses passam a ser, ou ao menos se sentem, como agentes de ação.

Manipulam ações e imagens, são agora, fotógrafos, cineastas e editores de suas obras. É

pelo ponto de vista de quem está manipulando esse mundo virtual e, portanto, dentro do

campo de ação que se navega, se vê.

157
- ver entrevista a DR.
158
- O Globo. Segundo caderno. O guerreiro aos 70. 07/07/07 p. 1 e 2.

86
Obviamente, essa é uma questão complexa e discutível. Este estudo não tem como

objetivo investigá-la. Mas de qualquer modo devemos perceber como esse espectador

está situado na frente do computador - solitário e anônimo - e não mais posicionado

atrás, distanciado e muitas vezes segregado da cena, embora aqui em situação de

aparente coletividade. Os espectadores estão situados em lugares distintos, não só em

relação ao seu posicionamento, mas também no que diz respeito à sua participação

efetiva.

O Teatro precisa ser de novo um encontro, no qual o homem contemporâneo esteja

inserido. Os vetores das ações invisíveis do público, aparentemente passivo, precisam

ter o poder de expandir o espaço e a percepção dele, o lugar teatral.

Fora da caixa italiana, o Teatro aponta para uma multiplicidade de pontos de vista. O

ator em movimento e o público inserido na totalidade da forma espacial criam vários

referenciais, diversas perspectivas. Planos de infinitos traçados, diferentes

possibilidades de combinações. O lugar do público, o seu posicionamento em relação à

cena pode ser por si só uma variável; leve-se em conta, ainda, nesse desenho, a seleção

do olhar de cada espectador (em lugares diferentes) em relação à encenação; o ator em

movimento, no espaço. Teremos, então, um diagrama de muitas possibilidades,

permitindo ainda pensar em outras combinatórias, outras figuras traçadas a cada dia de

apresentação.

A superposição de pontos de vista pode ser desenhada como linhas em movimento,

vetores invisíveis implicando ou influenciando a ordenação do todo.

Segundo Pavis, a relação dos pontos de vista dos espectadores e dos atores confirma o

conceito de espaço gestual quando queremos arrumar a maior flexibilidade possível na

captação dos espaços159.

159
- PAVIS, Patrice. Op. cit. 2003, p. 142.

87
Vemos um campo de força gerado por esses vetores. As forças viriam não só da

movimentação ou agitação das linhas dos olhares, mas, sobretudo pode ser pensada pela

mobilidade das tensões, das emoções pelos envolvimentos que o acontecimento teatral

produz em cada espectador. E ainda, essa emoção repercute no outro e no outro e assim

reverbera continuamente.

São criadas imagens diferentes para cada um, para cada observador. Na verdade,

acredito que o público não deva ser tratado unicamente como observador do

acontecimento teatral, pois é participante ativo do jogo.

Cada olhar cria um campo ótico a se deslocar no espaço, criando imagens diferentes a

cada momento. Esses campos óticos se cruzam e se sobrepõem.

Podemos focar ou ampliar o campo através de um processo de seleção pessoal e com

variações de ritmos próprios. Fixamos em detalhes se esses pungem para nós, embora

saibamos que no Teatro a movimentação dos olhares do público é influenciada pelo

deslocamento do ator no espaço e pelo desenho do projeto da luz que passa a trabalhar

como um editor de imagens e de ritmos.

Esse mapa complexo como um esquema de linhas, fluxos, direções e sentidos

continuaria sendo infinitamente redesenhado a cada dia e continuamente em nós.

88
ESPAÇO TEATRAL GREGO

89
ESPAÇO ELIZ ABETANO

90
3.3.4.- O Círculo Aberto.

“O teatro é o lugar do espectador”.

Jean Guy Lecat.

O arquiteto e cenógrafo Jean Guy Lecat desenvolve a teoria do Círculo Aberto a partir

da idéia do encontro como fator social do Teatro, onde o público deve se sentir como

convidado participativo do acontecimento teatral. Veremos como nela a noção de

espaço teatral e cenografia se confundem ou se integram. Temas essenciais para o

questionamento da arquitetura cênica e, enfim, para o Teatro160.

A relação da cena com o espectador é o foco principal da sua teoria para a adaptação do

traçado da arquitetura cênica.

O público precisa, antes de tudo, para se sentir bem-vindo, estar inserido na

configuração total do espaço. Deve ainda, estar “confortável” e, para o cenógrafo

conforto é, antes de tudo, ver e ouvir bem. Dessa maneira, a boa visibilidade da sala e a

acústica perfeita são problemas fundamentais com os quais o cenógrafo, deve também

se ocupar nos projetos cenográficos. Portanto, a responsabilidade de solução para essas

questões não fica restrita, apenas, ao autor do projeto da arquitetura teatral.

Com a declaração “ir ao teatro é estar no conjunto social” criticou os espaços teatrais

visitados no Rio de Janeiro, um dos aspectos do trabalho desenvolvido em sua

passagem pela cidade do Rio de Janeiro. O caminho a ser percorrido pelo público

deverá prepará-lo para esse acontecimento social.

160
- Por meio de diversos exemplos de projetos para teatros à italiana, transformados ou adaptados, na
sua prática profissional, ao lado do encenador Peter Brook, Jean Guy Lecat apresentou múltiplos
conceitos fundamentais para o entendimento da sua tese. A palestra foi realizada em 19 de setembro de
2005 na UNIRIO por ocasião da oficina O Circulo Aberto de Jean Guy Lecat.

91
Assim, os espaços de acessos devem ser espaços de transição da rua para o silêncio. A

rua barulhenta deve ser esquecida pelo espectador e a circulação conduzi-lo, com

conforto, para uma sala de neutralidade. Como o Teatro é tratado como um evento

social importante, os acessos e as circulações são os espaços nos quais as pessoas se

encontram e convivem.

O acesso à platéia deve ser feito pelo fundo da sala permitindo, ao entrarmos, a visão da

totalidade do espaço.

Partindo do ponto de vista do espectador o projeto se inicia, sendo também o fim da sua

cenografia-teatro.

Nas visitas aos teatros no Rio de Janeiro, sequer passou pelo palco, pela caixa. Como se

ele, ao desprezar a caixa italiana, a esquecesse. Ou ao ignorá-la, já tivesse conseguido

sublimar a sua existência. Não a critica, porque ela não serve mais e ponto.

Evidenciando como esses espaços teatrais não servem mais ao encontro social na

atualidade. Permitindo, assim, que possamos traçar, mais uma vez, um paralelo com o

espaço de origem, ou ainda com o Espaço Elizabetano no qual o fato social e o

acontecimento teatral eram efetivos.

A proposta do Círculo Aberto remonta à configuração do espaço grego no qual o

espectador ocupa o seu lugar no semicírculo que abraça a cena. É esse o geometral

pretendido nos seus projetos de adaptações ou de interferências das salas e palcos dos

teatros italianos.

Para Jean Guy Lecat, a caixa cênica italiana não responde mais à encenação

contemporânea, ou ainda, o que essa cena pretende da relação com o espectador.

Através da sua fala, e também por meio da apresentação dos seus projetos, a

desaprovação com a estrutura ‘arcaica’ da caixa italiana é clara.

92
A divisão de dois espaços estanques - a cena e a platéia - é um fator crucial para esse

questionamento. A separação de dois mundos é conseqüência do quadro da boca de

cena, sendo também reforçada pela grande diferença de níveis entre o palco e a sala.

A hierarquização da platéia, com seus balcões e camarotes, é igualmente apontada pelo

cenógrafo como fator fundamental, agravando não só a noção de distanciamento do

público com a cena, como também propondo uma estruturação do espaço teatral que

não atende mais à contemporaneidade.

Cita Peter Brook: “O teatro italiano é um mergulho no mar com todas as forças

contrárias”.

Assim, as propostas de adaptação dos espaços italianos partem da idéia não só de

aproximação do espectador com o espaço cênico mas, sobretudo, da tese de inclusão do

público na totalidade da forma do espaço teatral, conseqüência do traçado do Círculo

Aberto.

Para tanto, começa por eliminar o quadro de boca e projetar a inclinação da platéia que

deve partir do mesmo nível da cena. Dessa forma, aponta uma questão, antes de tudo,

conceitual: a valorização do lugar e do olhar do público, o ponto que deflagra a

totalidade do projeto.

Ainda como conseqüência do objetivo fundamental - proporcionar perfeita visibilidade

ao observador -, sugere a cena menos profunda em relação à que estamos habituados a

encontrar nas caixas cênicas. O ator, ao se afastar em direção ao fundo do espaço

cênico, se distancia também do seu observador. Logo, diminuindo de tamanho, perde

em força, saindo do geometral traçado para o Círculo Aberto.

O palco, portanto, para o cenógrafo é um espaço que não vai muito além da linha da

boca de cena na maioria dos teatros italianos. Tornando-se, por conseqüência, uma cena

93
um tanto achatada, se essa não avançar para o espaço da sala, proposta defendida em

diversos dos seus projetos.

Podemos relacionar diretamente a tese de Jean Guy Lecat para o espaço teatral com o

conceito de quinta dimensão, aqui desenvolvido: o entendimento do espaço total como

um campo de força e de vetores de ação.

Assim, a análise do espaço parte do ponto de vista do outro, do observador, do lugar do

público. Daquele que virá e não apenas do lugar do ator. É desse ‘lugar’, da perspectiva

do público que ele desenvolve a sua tese. O projeto cenográfico se desenvolve,

conseqüentemente, a partir da sua análise e da adaptação a ser desenvolvida no espaço

teatral.

É importante observar que a relação de frontalidade fixa das caixas italianas não é

completamente desaprovada pelo arquiteto.

Ao comentar o teatro Bouffes du Nord, em Paris, expõe um interessante conceito de

cenografia: o teatro é a cenografia. Essa definição é o grande mote da sua fala e

também dos seus projetos. Reside aí toda a essência de seu trabalho, a sua peculiar

percepção, o seu diferencial. Ubersfeld dela se aproxima: estudar o funcionamento do

espaço teatral a partir do público.

No Bouffes du Nord, o público está inserido na cenografia, o próprio teatro. Atores e

espectadores em um espaço único e integrado. Um teatro singular no qual a dilatação

do espaço pode ser facilmente percebida. Outro belo exemplo de entendimento de

dilatação do espaço é o Teatro Oficina em São Paulo.

94
Planta bai xa

Corte

BOUFFES DU NORD

Corte

95
96
FUNDO E FORMA NA CENA
97
Uma importante característica do teatro de Peter Brook que Jean Guy Lecat, igualmente,

destaca é o que conceitua como ‘neutralidade das paredes’161. As paredes naturalmente

descascadas do Bouffes du Nord162 ajudam a produzir a noção de inserção do espectador

no espaço total, uma vez que elas apresentam-se da mesma maneira no espaço da cena.

As paredes podem ser presentes ou ausentes no teatro. Com isso, o cenógrafo desvenda

a “neutralidade” das mesmas, como elemento de grande influência na percepção do

público de inserção no espaço teatral.

A escolha dos materiais de revestimentos e as cores das paredes da platéia merecem

atenção especial no projeto arquitetônico do teatro, pois, a definição de ‘neutralidade da

sala’ é essencial para o entendimento da proposta de configuração do Círculo Aberto.

Sendo assim, as paredes da sala não devem desviar ou roubar a atenção dos olhares do

público. Para tanto, o arquiteto recomenda não iluminar as paredes da sala, e sim a área

dos assentos, as pessoas, o lugar do espectador. Ao iluminarmos as paredes, o espaço

cresce, porém perdemos a intimidade que o espaço teatral deve proporcionar.

Acrescentando: “São as pessoas que criam os espaços. Na organização frontal, devemos

retirar a vida das paredes.”

Propôs, de maneira prática, através do recurso de imagens, a análise de temas como a

importância da relação forma e fundo para o projeto cenográfico.

A primeira foto analisada apresentava a representação de algumas pessoas, um desenho

em perspectiva no qual se verifica a diminuição da figura humana à medida que esta se

encontra mais afastada do ponto de vista do observador. A segunda, uma foto de Cartier

Bresson163 desmembrada. Faz uma decomposição da forma e do fundo, mostrando, no

161
- A conceituação de neutralidade das paredes foi apresentada de maneira inicial na palestra sobre
Espaços Teatrais e diversas vezes retrabalhada ao longo de toda a semana da Oficina por ele realizada na
UNIRIO.
162
- ver foto.
163
- ver foto.

98
primeiro momento, a figura, o menino separadamente. Dessa maneira, afirma, não

sabemos o que ele sente. Em seguida, mostra o muro, o fundo, também de maneira

isolada, e este pode ser “qualquer lugar”. Porém, ao revelar a foto, como ela é,

percebemos como esta ganha em expressividade, como se torna trágica ao observarmos

a relação da figura com o fundo.

A terceira ilustração exposta é um detalhe da Capela Cistina164, pintura que todos

conhecemos. Foca apenas a imagem do close entre as mãos. Pede a duas pessoas que

reproduzam as posições corporais do Criador e da Criatura na cena. Diversas tentativas

são feitas e todos erram, não sabem reproduzir os gestos com exatidão, conclui,

registramos facilmente apenas a posição das mãos nessa imagem pelo espaçamento,

pelo vazio, pelo intervalo entre as mãos, onde o fundo é neutro. O centro principal da

composição é valorizado pela relação de neutralidade do fundo.

Sua intenção, com a análise dessas ilustrações, é reafirmar a ênfase no tratamento das

paredes. Trabalha, portanto, indiretamente, com os princípios da composição. Sendo

assim, realizou para a Oficina a montagem de dois painéis de fotos e referências165. É

interessante observar como as imagens escolhidas são fortes e trágicas. “O Teatro é a

concentração dessa vida”, já havia afirmado, repetindo o que Brook havia dito em A

Porta Aberta.

No primeiro momento, na tentativa de entender a ‘noção de neutralidade da sala’,

pergunto a Jean Guy Lecat se essa palavra poderia ser substituída pelo termo integração

do todo, o que não foi bem aceito por ele. Dessa maneira, ao rebater a tentativa de

substituição do vocábulo que define o seu conceito, o cenógrafo revela sua outra curiosa

e primorosa tese para o teatro: para ele, as paredes do espaço teatral devem conter e

164
- ver foto.
165
- ver fotos.

99
separar os espaços, mas principalmente, do mesmo modo, adquirir o “espírito da

companhia - o gênio do teatro”. Ou seria o gênio do Teatro?

Ao apresentar a idéia tão subjetiva, redefiniu a noção de neutralidade. Indicando como

cada teatro deve abrigar nas paredes a “sua” idéia de neutralidade, que será própria

a cada espaço, tornando-o único e vivo. Nossa percepção pode entender essa

subjetividade! Principalmente se o teatro tiver embebido do espírito de uma companhia

ou grupo como o Bouffes du Nord ou o Teatro Oficina, por exemplo, onde as paredes

possuem e retratam uma atmosfera singular.

Jean Guy Lecat trabalha a partir dos conceitos do Espaço Vazio166 e do Carpet Show167,

de Peter Brook. Dessa maneira, as paredes do teatro passam a ser a própria cenografia.

A parede é o fundo da cena em diálogo com a forma da figura humana, o ator. Os

deslocamentos dos atores, ou seja, a variação temporal da cena é ‘impressa’ no fundo

que é o próprio fechamento do espaço. Portanto, a cenografia é o teatro.

Para o cenógrafo é possível pensar no conceito de neutralidade mesmo em um teatro

como o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no qual os ornamentos dourados das

paredes e as poltronas de cor tabaco se integram a todo o conjunto do espaço.

Porém, ao ser perguntado se faria alguma alteração ou adaptação de projeto, o

cenógrafo responde simplesmente: “Eu não faria espetáculo aqui. Esse é um espaço para

a ópera e não para o Teatro”. A resposta é coerente com as idéias. Esse realmente não é

um espaço teatral para ele e talvez, não seja mesmo para a cena contemporânea, embora

o cenógrafo afirme, ao mesmo tempo, que o “passado e o presente podem coabitar

desde que sejam bonitos”. Não desenvolve, entretanto, os significados e implicação do

termo.

166
- BROOK, Peter. Op. Cit., 1999, Capítulo: As artimanhas do tédio.
167
- BROOK, Peter. Op. Cit., 1999, p. 24.

100
Não é porque um teatro seja de uma época que devemos respeitá-lo. Propõe adaptações

e interferências nesses espaços visando a estabelecer a configuração necessária para o

encontro. Atores e público devem integrar-se, contidos em um geometral único: O

Círculo Aberto. E sentencia: O Teatro é hoje e não ontem!

Cabe observar, porém, que, o arquiteto apresentou diversos projetos de interferências

em salas com arquitetura semelhante, ou até com mais suntuosidade e maior número de

níveis de balcões. No entanto, logo justifica a aparente contradição: “Não é para

transformar um teatro para qualquer coisa e sim para um determinado projeto”.

Quanto à neutralidade, é fundamental esclarecer que o palco não precisa ser

necessariamente preto. Ou seja, a ‘neutralidade’ não é a mesma da caixa preta. Em seus

projetos, emprega, nas paredes, diversas vezes a cor vermelha, por essa ter baixa

freqüência, portanto, a cor que mais se aproxima da intenção de neutralidade da cor

preta.

A noção de neutralidade possui diversos significados, variando significados de acordo

com cada teatro e a sua história. No Bouffes du Nord, por exemplo, a neutralidade é

transmitida pela sensação de atemporalidade das paredes descascadas e sem

ornamentos, ou ainda, pelas paredes encharcadas de um ‘espírito próprio’.

Pode-se pensar na relação da teoria proposta por Jean Guy Lecat para o “espírito do

teatro” com a tese de Anne Ubersfeld que traça pontes entre os espaços teatrais e a sua

época, com a imagem que o homem faz de sua sociedade. O “espaço teatral é o lugar da

história”168.

A representação da estrutura espacial no teatro a que Ubersfeld se refere é correlação

não com a definição de um mundo concreto, mas da imagem que os homens têm das

168
- UBERSFELD, Anne. Op. cit., 2005, p.94.

101
relações espaciais na sociedade em que vivem. Assim a “cena representa uma

simbolização de espaços socioculturais”169.

A ligação entre as configurações do espaço e a natureza dramática do texto igualmente

são observadas por Ubersfeld que cita a polivalência do espaço elizabetano como

fundamental para o desenvolvimento de cenas simultâneas nos textos de Shakespeare170.

Obviamente existe, do mesmo modo, a estreita correspondência do traçado do espaço

com o seu tempo.

Enquanto Ubersfeld relaciona a estruturação espacial com a representatividade de

uma época e de sua sociedade, Jean Guy Lecat relaciona o teatro com o lugar da

história, mas dessa vez, com a história própria de cada espaço.

É inquestionável como a configuração do espaço teatral é conseqüência do seu tempo.

Porém, vemos hoje, a repetição de outras épocas. Voltamos, dessa maneira, a falar da

necessidade de reformularmos o espaço teatral para a cena contemporânea.

O conceito de teatro como cenografia, ou ainda, cenografia como o teatro, foi

dilatado em sua análise do teatro SESC Ginástico no Rio de Janeiro. Elaborando um

definitivo sentido para o teatro: o teatro é o lugar do espectador.

Essa revelação apresenta, de maneira absoluta, o seu pensamento e permite enunciar,

portanto, a cenografia como o lugar do espectador. O espectador inserido no

geometral do Círculo aberto está, também, incluído na cenografia que é o teatro, o

espaço teatral.

A configuração do Círculo aberto propõe um retorno ao espaço de origem e nos conduz

a pensar, mais uma vez, no lugar do público; o Teatro é feito para o espectador; é a

relação desse olhar com a cena que, mais que determinar a cenografia, passa a ser a

cenografia.

169
- UBERSFELD, Anne. Op. cit., 2005, p.94.
170
- UBERSFELD, Anne. Op. cit., 2005, p.106.

102
Como para Jean Guy Lecat, a função do cenógrafo é trabalhar a totalidade do espaço

teatral, fica claro que o processo de trabalho do cenógrafo só nasce com o entendimento

que os cenógrafos devemos ter do espectador como convidado participante do

acontecimento social. É essa a função primeira do cenógrafo.

Ele não usa a palavra arquiteto e sim cenógrafo, ao analisar os projetos dos teatros

visitados. Deixa evidente como os projetos dos espaços teatrais devem ficar a cargo dos

cenógrafos, o que não é, muitas vezes, a realidade. Essa atribuição dada aos cenógrafos

é resultante do seu pensamento: cenografia e teatro como um binômio indissociável.

A preocupação da cenografia com a totalidade do espaço é uma função inquestionável

do cenógrafo. Porém, é nesse ponto que residem talvez, os conflitos ou os

questionamentos de viabilidade de adaptações de espaços teatrais para projetos no

Brasil. O questionamento de viabilização das interferências nos espaços teatrais à

italiana se deve, obviamente, entre outros fatores, aos problemas econômicos e culturais

no Brasil.

Devemos porém, reconhecer como de fundamental importância o conhecimento e a

investigação desses conceitos. Questionar, mesmo apenas conceitualmente, como esses

temas podem deflagrar o estudo da cenografia, do teatro e, enfim, do Teatro.

Vale, ainda, mencionar e assim também questionar, que verificamos, muitas vezes, nos

projetos dos espaços teatrais novos no Brasil, ou, ainda, nas reformas de espaços

existentes, um apego inútil a uma repetição de uma configuração espacial ultrapassada

ao velho modelo.

Para Jean Guy Lecat, existe correspondência da “arquitetura com a presença de Deus”.

A natureza oferece elementos de base para a criação das formas, sendo, portanto, a fonte

das origens: “A origem das idéias se encontra na natureza.”

103
Deste modo, o nascimento da idéia surge da natureza, das formas conhecidas e das suas

relações com a nossa percepção. Ou ainda, do que essas formas podem suscitar no

observador. O seu start criativo emerge das formas da natureza e do seu relacionamento

com o olhar do espectador.

É importante lembrar como é também do lugar do espectador que partem os seus

projetos, o espectador é duplamente responsável pelo nascimento da forma da

cenografia. Da sua percepção e do seu posicionamento no espaço deflagra-se o projeto

cenográfico. A forma do espaço-cenário antevê e espera o encontro, uma relação de

vai-e-vem. Um moto contínuo, um círculo fechado.

A forma brota das formas da natureza e a arquitetura revela a presença de Deus, para

Lecat. A sua busca está em desvendar a presença divina. Assim, procura promover um

espaço total - espaço teatral - de acolhimento e reunião de pessoas, onde todos, atores e

público, participem de um acontecimento vivo, pretende, portanto, projetar um local no

qual se sinta a presença de uma força mágica que opera no momento, o verdadeiro

encontro. Esse espaço continuaria a ser criado. Enfim, o teatro e o Teatro se

prolongariam, continuariam a suscitar idéias no espectador, a fazê-lo pensar. Um espaço

visivelmente estendido, dilatado, no qual a percepção das dimensões adicionais do

espaço são prontamente reconhecida. O Teatro como em espaço multidimensional.

Ao revelar o processo do nascimento da forma, o cenógrafo reforça o entendimento da

sua tese para o Círculo aberto como um espaço ideal, utópico. A integração da cena

com o público é a busca por um local que possibilite a percepção da mágica presença de

Deus.

A participação da Oficina “O círculo aberto de Jean Guy Lecat” possibilitou a análise,

na prática, de diversas questões que vinha investigando, além da oportunidade de

observação do processo criativo e do seu resultado em algumas encenações em um

104
panorama de trabalho muito especial. Em apenas uma semana de intenso trabalho, o

exame e a aplicação de conceitos de cenografia, como também, o desenvolvimento do

processo de construção da cena, em um universo muito interessante e particular: Um

grande grupo de pessoas, com diversas formações, ou ainda, com diferentes estágios de

formação ou experiência, divididas em cinco equipes com apenas quatro tardes de

trabalho para a realização de uma encenação. Esses grupos tiveram que se organizar,

criar uma metodologia de trabalho, propor um assunto a ser desenvolvido em cena,

compor espacial e plasticamente a cenografia, além de atuarem como atores.

É importante, porém, destacar como durante todo o primeiro dia de trabalho e também

em quatro manhãs, com as visitas técnicas aos teatros, diversos conceitos sobre Teatro,

espaço teatral, espaço cênico e cenografia foram apresentados e analisados de maneira

prática e objetiva. Essa observação é indispensável para ressaltar a importância efetiva

do embasamento teórico, além do necessário conhecimento de fundamentos essenciais

para o desenvolvimento de uma metodologia de trabalho e, conseqüentemente, do

processo para a criação do projeto cenográfico.

Toda a fundamentação apresentada na Oficina conduziu, de alguma maneira, ao

resultado que veríamos nas apresentações. Mesmo que os conceitos não tenham sido,

muitas vezes, aplicados na prática, na sua totalidade, verificamos que as idéias

começaram a povoar o processo criativo e resultaram, objetivamente, no projeto

cenográfico, mesmo que ainda como uma forma pressentida.

A condensação de informação e a urgência na organização das pessoas foram fatores

essenciais para o nascimento da idéia e para que essa idéia se desenrolasse e resultasse

em cena.

O pouco tempo para a concepção de todo o processo foi fundamental para cada grupo

perceber a necessidade de uma organização interna, além da criação de uma

105
metodologia própria de trabalho. Sem esses primeiros passos não poderiam responder a

demanda do trabalho como uma verdadeira equipe de criação. O Teatro é esse lugar no

qual as idéias e as suas resultantes devem ser tratadas por uma equipe criativa.

Apenas na antevéspera das apresentações, na explanação de fechamento do dia de

trabalho, Jean Guy Lecat foi muito esclarecedor em relação à proposta da Oficina.

Havia até então trabalhado na condução do seu método sem revelar de maneira tão

explícita suas propostas. Começou por afirmar a importância de se ter um método de

trabalho no qual é fundamental mergulhar rapidamente no processo, a ser desenvolvido

em conjunto para se estabelecer o nascimento das idéias.

A proposta da Oficina seria, então, “dar muitas pistas” para a criação de um método. “É

importante haver trocas de idéias, aprender com os erros”. Acrescentando que, como

está em final de carreira, a sua ‘missão’ - são suas essas palavras, é a difusão de suas

idéias, transmitindo o seu legado nas Oficinas que vem desenvolvendo pelo mundo.

O cenógrafo foi, nesse momento de confissão do processo criativo, muito preciso e

humano: Justo, para usar uma expressão por ele muito utilizada.

Percebe-se, claramente, como a transmissão do seu pensamento e de sua experiência é

um ofício para que o Teatro continue a ser o lugar do encontro. Concluindo: “a idéia do

atelier seria mostrar que o Teatro é tudo junto. É revelar que é um jogo. Que o espaço é

criado pelo ator. Este passa de uma imagem ao entrar no jogo”.

É no ensaio, ou seja, com a experimentação, que saberemos o que falta, o que funciona

para a cena, para o jogo. Pode-se assim concluir, que o ensaio funcionaria como um

lugar onde existe, mesmo que, por antecipação de intenção, o olhar do espectador, que é

constituído pelo diretor, nesse momento, pela equipe e pelos outros atores.

Jean Guy Lecat não apresentou receitas ou fórmulas. Elas não existem, como Peter

Brook já havia advertido no último capítulo de A porta aberta intitulado “Não há

106
segredos”. Mas criou e propôs um método de ensino para a encenação no qual todos os

elementos criativos da cena devem trabalhar em equipe.

A reflexão nasce de maneira espontânea. Sua intenção é estimular a percepção visual da

equipe de criação, aliando conceitos de cenografia aos princípios de composição

plástica à prática do projeto.

Não propõe, simplesmente, uma oficina de cenografia. O intento, o pilar central do seu

método é fazer todos perceberem que o Teatro deve ser realizado com a participação

efetiva de toda a equipe, trabalhando em conjunto para a conceituação e para o

nascimento das idéias da encenação. Por essa razão, sempre solicita a produção das

oficinas que tenha, no conjunto de participantes, cenógrafos, arquitetos, diretores e

atores

Sendo assim, o seu método reafirma a importância da relação a ser estabelecida pelo

encenador e pelo cenógrafo. Desse lugar primeiro a espacialidade da cena deve ser

pensada.

107
DECOMPOSIÇÃO DE FORMA E FUNDO

108
109
PAI NEL DE REFERÊNCI AS

110
ADAPTAÇÃO DO TEATRO VIVIAN BEAUMONT PARA CARMEM
O CÍRCULO ABERTO PÁGINA 91.

INCLINAÇÃO LIGANDO O NÍVEL DE AÇÃO


COM O BALCÃO

ÁREA DE ENCENAÇÃO
APROXIMAÇÃO COM O ESPECTADOR

APROXIMAÇÃO DA CENA
PROFUNDIDADE REDUZ IDA

111
ADAPTAÇÃO DO TEATRO DE LA COMEDIA - MADRID
IMPRESSIONS DE PELLÉAS
O CÍRCULO ABERTO PÁGINA 20 3.

INCLINAÇÃO LIGANDO O NÍVEL DE AÇÃO


COM O BALCÃO

ÁREA DE ENCENAÇÃO
APROXIMAÇÃO COM O ESPECTADOR

112
113
PARTE II:

Capítulo I: Sobre a Criação cenográfica.

1.1. Observar, Colecionar, Ordenar, Iluminar o que se encontra disperso.

“Em um cofre perde-se a coisa de vista

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la (...)

Isto é, é iluminá-la ou ser iluminado por ela (...)”

114
Antonio Cícero171

Há poucas oportunidades de conhecermos o pensamento e o processo criativo dos

cenógrafos brasileiros de hoje. Primeiramente, porque poucos se aventuram a escrever,

a buscar outra forma de representação que não a gráfica. E, aqui, podemos citar José

Dias, Lídia Kosovski, Gianni Ratto, J.C. Serroni que foram da prática à reflexão.

Aliados a essa constatação, temos outros pontos desfavoráveis como: poucas

publicações na área de teatro e cenografia no Brasil. Ainda mais incomum são estudos

sobre cenografia e cenógrafos pela ótica do cenógrafo. Também é praticamente

inexistente a realização de congressos, seminários ou outros espaços, nos quais teríamos

a ocasião de refletir - e dialogar -sobre a cenografia e seus modos de composição.

O objetivo da segunda parte desta tese é conhecer e analisar o processo criativo

individual de alguns cenógrafos. Verificar como se processam os seus meios para

produzir e para alimentar o caminho do pensamento que conduzirão ao nascimento da

forma cenográfica.

Partindo de alguns dispositivos cênicos de dois importantes cenógrafos, observar como

a ocupação do ator na cena foi trabalhada e ainda, como foi tratada a relação com o

espectador em relação a esse espaço: traçar diagramas de fluxos e linhas do geometral

da cena; investigar os métodos criativos utilizados por cada criador, verificando as

variáveis para cada modo de composição dos casos analisados; refletir sobre a

característica criadora própria de cada um dos profissionais; como se dá a força criativa

para cada um dos cenógrafos estudados.

É preciso enfatizar que não é a produção estética desses cenógrafos que será analisada.

Tampouco as suas biografias. Nem mesmo as encenações o serão em profundidade.

171
- CÍCERO, Antonio. Guardar. Rio de Janeiro, Editora Record, p.11.

115
Interessa-me o olhar desses criadores sobre o processo individual da criação. Fazer um

caminho não muito comum no estudo da cenografia, o caminho inverso: investigar a

partir da solução cenográfica para a verificação da sua relação com as dimensões

adicionais do espaço.

Em suma, serão questões centrais na investigação: o pressentimento da forma; tema

formal; a relação forma – conteúdo; o start e o processo criativo e o nascimento da

idéia: a confissão criadora172; o método de trabalho; o caminho do pensamento ou o

processo para o desenvolvimento da forma; a relação entre o conteúdo e a forma,

sobretudo, com a forma de tratá-lo como um processo de ida e volta; a síntese formal; o

espaço sintético; espacialidade e a ocupação do dispositivo cênico.

E, ainda, propor duas polêmicas questões. Primeiro, existe a necessidade primeira de

construção de um espaço anterior à criação do espaço da cena, o espaço da relação

encenador- cenógrafo. Segunda, confirmar a tese de Helio Eichbauer do cenógrafo

como co-autor da encenação.

Para tal, considerar como critério de escolha dos cenógrafos entrevistados aqueles que

já, de alguma forma, tenham uma reflexão paralela à prática profissional.

Acreditando que o processo criativo possui uma relação indissociável como o prazer e a

alegria, interessa-me verificar de que forma este prazer aparece no processo de trabalho

dos artistas estudados.

Meu objetivo não é criar um método ou estilo de trabalho comum aos dois cenógrafos

propostos. Ao contrário, proporcionar situações que dêem a cada um ou a cada situação

analisada a oportunidade de ser desenvolvida como se o processo criativo fosse de novo

surgindo. A oportunidade de dar a cada um o poder da redescoberta.

172
- Livro de Paul Klee que inclui o ensaio “Confissão criadora”, publicado em 1920. Em “Notas” do
livro Sobre a arte moderna e outros ensaios, Günther Regel esclarece que esse artigo foi a contribuição
de Klee para o volume de coletânea Tribüne der Kunst und Zeit, organizado por Kasimir Edschimid, que
“havia pedido a vários artistas plásticos, escritores e músicos que escrevessem algo acerca da própria
atividade artística.”

116
Escolhi como método a entrevista. Ouvindo, trocando e trabalhando com dois

cenógrafos: Helio Eichbauer e José Dias, com a finalidade de investigar o processo

criativo de cada um dos profissionais da criação da cena. Estudar alguns dispositivos

cênicos de cada cenógrafo, para verificar como se deu o nascimento da idéia e como foi

o processo desse pensamento até a materialização na encenação.

Sempre partindo das referências teóricas já apresentadas, temos o questionário e o

arquivo.

Concebendo a representação gráfica como universal e plástica, o material coletado e

analisado me permite pensar em escrever como uma partitura.

Optei por trabalhar com montagens que teriam conseguido uma unidade cênica em suas

realizações. Ou seja, onde percebemos com clareza a integração entre os demais

elementos criativos da encenação. Dessa maneira, partir da cenografia possibilita a

análise do espaço e da sua interferência na cena.

Essas encenações deveriam permitir a verificação entre o nascimento do conceito e a

sua transposição em forma e ainda estudar os conceitos de quarta e quinta dimensão do

espaço.

Observando o dispositivo cênico e a sua interferência na cena, o interesse é analisar o

seu ritmo, o uso e a sua ocupação pelos atores visando a relacionar a cenografia com a

atuação e com o olhar do espectador.

Interessa-me, sobretudo, o estudo do processo de criação do projeto de encenação

proposto pelo encenador ao cenógrafo, a sua resposta formal a essa proposta e a

utilização do dispositivo cênico pelos atores na cena. Quais as variáveis que intervêm na

criação do espaço cênico e na proposta do seu uso desde o momento em que uma

relação efetiva se estabelece entre o encenador e sua equipe de criação.

117
Ou ainda, como a proposta de encenação se desdobrava na linguagem cênica e na

proposta estilística; como se traduz ou se desdobra em espacialidade do geometral da

cena e em plasticidade do dispositivo cênico. Compreender, através dos processos de

encenação, uma relação de mão dupla, de ida e vinda. Fazer o caminho inverso.

Em resumo, a intenção é investigar o processo de trabalho, a proposta de encenação e a

tradução formal do espaço e a sua relação rítmica em montagens nas quais o cenógrafo

identifique, imediatamente, quando o traçado inicial da cenografia já apresenta em si a

proposição do deslocamento do ator na cena. Ou seja, quando os cenógrafos percebam

que o geometral - proposto pela cenografia - antevê e espera o que virá. Revelando,

portanto, como o traçado da cenografia desde o início propõe a ocupação do ator no

espaço.

Parto da idéia do dispositivo cênico como o espaço a ser elaborado para os

deslocamentos dos atores na cena, sem esquecer que não podemos subtrair o olhar do

espectador no desenvolvimento do projeto, pois é o espectador o elemento fundamental

que completará a ação.

Assim, os exemplos analisados permitirão rever e ampliar a definição de geometral

da cena como um espaço que espera a cena e expande o espaço total.

Se o geometral prevê a ação da cena, este traçado deve também antever o encontro,

tratando as questões do olhar - quem vê e onde estão os seus posicionamentos. Ou, ao

menos, entender que este diálogo deve fazer parte das necessidades e finalidades do

projetar.

Assim sendo, a análise pretende, mais que rever o processo para a construção da

cenografia e da cena, ampliar o foco da investigação para o olhar do observador, como

parceiro do acontecimento Teatral.

118
Observar, portanto, a elaboração do espaço segundo a sua quarta dimensão - os

deslocamentos de dentro da cena - e propor ainda o entendimento da variante do traçado

de vetores do ponto de vista do público. Este passa a desenhar a noção da quinta

dimensão do espaço.

Se a quarta dimensão espacial produz a variável temporal da cena, e, se a quinta

dimensão também pode ser considerada como deslocamentos vetoriais dos olhares

múltiplos e também subjetivos, o que essa noção pode suscitar para a cena, para o

espectador e para o espaço, mesmo que conceitualmente?

Como dilatar o estudo das montagens analisadas para o pensamento do espaço total

sabendo que este também é, ou deveria ser projetado para a inserção do espectador?

E ainda, traçando esse gráfico de olhares diversos, como isso poderá servir para

retrabalharmos o pensamento da cenografia, já que o espaço teatral muitas vezes é um

dado inalterável?

Como trabalhar com o espaço livre capaz de suscitar a imaginação do espectador no

sentido de estimulá-lo a desenrolar uma idéia da cenografia e da encenação?

Como pensar nessas questões sem falarmos do fato de ainda termos as amarras da caixa

cênica italiana como o espaço teatral a ser trabalhado na maioria das nossas montagens,

sem contar com o nosso visível atraso em relação aos recursos técnicos dessas caixas?

Como todos nós cenógrafos podemos contribuir para provocar e promover a dilatação

do espaço?

Assim, voltando à idéia do pressentimento [ainda] sem forma do processo de criação da

cenografia - e do seu geometral, podemos falar que o start da criação, o nascimento da

idéia ou o insight, como alguns autores preferem nomear, principia ou surge da nossa

capacidade de antever ou ainda, entender antecipadamente o conteúdo e os significados-

119
finalidades do espaço. Ver antecipadamente e, dessa maneira fazer revelar a sua

utilização. É, portanto, um processo de intuição e de percepção. Ou melhor, intuição é

percepção.

Quando a forma que pressentimos para o espaço nasce da cinética revelando

imediatamente o seu significado?

Criar é organizar. Criar é dar forma. Criar é ter idéia e idéia é ver.

No capítulo “Não há segredos”, parte final do livro A Porta Aberta, Peter Brook

descreve o processo de criação para a montagem de A Tempestade. Sua principal

ocupação, durante todo o trabalho, consistia em lutar com as palavras e seus

significados. O significado, afirma Brook, emerge lentamente do texto por tentativas e

erros. Após diversas experimentações, Brook e Chloé Obolensky, a cenógrafa,

percebiam que a peça devia ser despojada de qualquer proposta decorativista que

pudesse limitar a imaginação do espectador, necessitando de um espaço para o jogo

cênico, um lugar no qual o Teatro não pretendesse ser mais nada que Teatro. Conclui:

“como sempre temos que ir à floresta e depois voltar para acharmos junto à nossa porta

a planta que queríamos.”173 Brook se refere a um primeiro traçado que esboçou ao reler

A Tempestade: um jardim zen. Essa forma pressentida no início do trabalho foi se

revelando no decorrer do processo e se impôs no desenho final da cenografia como um

tapete de areais emoldurado por bambus. Uma composição de formas simples traçando

o esquema da cena como uma área, um plano para o jogo Teatral. Esse espaço foi

ocupado pelo ator, que com interação do público, o transformava ou ainda, seria capaz

de realizar possibilidades diversas da imaginação. Brook adverte ainda que era preciso

haver muito trabalho e esforço em todo o processo, criando um campo de energia, que

em um momento crítico, atrairia para si a solução.

173
- BROOK, Peter. Op. cit., 1999, p.101.

120
O papel do diretor, segundo Brook, é ter o “pressentimento da forma”, uma intuição que

aponta uma forma básica, fonte de atração exercida pela peça.

Acrescento que esse pressentimento da forma ou do esquema do geometral surge do

entendimento ou ainda do “lugar” estabelecido pela relação encenador – cenógrafo,

possibilitando ao cenógrafo antever e revelar o plano que servirá aos deslocamentos e

percursos da cena. Muitas vezes esse traçado parte apenas da percepção do cenógrafo.

Isso ocorre em diversas oportunidades mesmo quando há o espaço da relação encenador

– cenógrafo.

1.2- O Cenógrafo: “Senhores do Hiperespaço”174 .

“De mim, o dramaturgo, a guerra separou meu amigo, o cenógrafo.


As cidades nas quais trabalhávamos, já não existem. Indo pelas
cidades que não existem, entre outras coisas digo: - Aquele pano azul,
meu amigo o poria melhor.”

Brecht.

O Teatro pode ser realizado em qualquer espaço, em qualquer lugar, ou seja, qualquer

lugar é teatral, o que impõe a reformulação e a atualização das funções do cenógrafo.

174
- KAKU, Michio, op. cit. 2000, Título de sub-item do Capítulo 1. p.48 que tomo emprestado.

121
Sendo assim, a primeira função do cenógrafo será organizar visual e espacialmente o

lugar teatral para estabelecer a relação da cena-público. A concepção da visualidade

deve traduzir e revelar a linguagem da encenação.

Em algumas montagens, é possível ver o trabalho e sua linguagem ocupando o espaço

teatral. Cumpre entender aqui quando as propostas para o espaço cênico e a solução

cenográfica adotadas refletem um contexto amplo, se integrando aos trabalhos da

dramaturgia, do diretor e dos atores. Essa ocupação se dá no espaço da relação com o

encenador e no processo total de trabalho; quando junto com toda a equipe de criação e

com os atores, o cenógrafo investiga e propõe possibilidades para a cena.

Ao cenógrafo cabe também investigar o lugar teatral como o espaço de uma ação, como

espaço de mudança; questionar, estudar e propor alterações no espaço cênico e,

portanto, na cena.

O cenógrafo ainda deve atuar em conjunto com o diretor para estabelecer relações com

os co-participantes do projeto cênico, empenhando-se para que as proposições entre as

visualidades sejam estabelecidas.

Deve ir além, deve contribuir para que o dispositivo cênico seja compreendido pelo

diretor de movimento e pelos atores, estimulando a percepção espacial, promovendo,

nos ensaios, propostas de espacialidade, e, assim, construir possibilidades, como um

desenho incompleto, como um desenho que permite ser redesenhado por cima, na cena,

infinitas vezes.

O cenógrafo, portanto, deve se interessar pelo modo de fazer Teatro. Uma forma de

fazer Teatro – e não falo só do dispositivo cênico – que permita que a forma continue a

se desenrolar continuamente.

Esse espaço continua a ser criado na cena e no espectador. Como revela Adriana Lobel,

segundo a qual o dispositivo cênico - e, enfim, o Teatro - se prolonga, continua a

122
suscitar idéias, a nos fazer pensar. Mesmo sendo uma arte efêmera, as idéias continuam

para além do momento da representação, para sempre. Em outras palavras, “o papel do

cenógrafo é de um arquiteto conceitual; nós criamos uma estrutura na qual e com a qual,

muitas pessoas, inclusive nós mesmos, podem continuar a ter idéias”.175

De certa forma é oposto o pensamento de Gianni Ratto que define o cenógrafo como o

“arquiteto de cena”. Porém, este trabalha com a “arte de reciclagem”, uma vez que cria

e desenvolve dispositivos cênicos feitos sob medida para a peça, e que se consomem

com ela. O que o atrai, segundo a diretora e dramaturga Alessandra Vannucci, por trás

da forma armada e desarmada a cada espetáculo, era o vazio do palco: “lugar do teatro

como, também, do fim do teatro”176. O palco é o espaço “reinventado” pelo cenógrafo e

é senhor /titular de uma característica singular: um sistema métrico aferido por palavras.

“O espaço do palco não se mede em metros lineares nem quadrados,


mas sim em palavras de poeta. Dramaturgia é pensamento. Por isso a
cenografia é completamente inútil. Os grandes mestres do teatro
prefiguraram a cena vazia. Tudo que nela acontece é resultante de
silêncio, pausas, palavras.”177

Para Ratto, a cenografia é viva e, ao criar o ‘ambiente’, se torna também personagem.

Indaga, cheio de certezas: “será que as paredes de um quarto são menos vivas do que o

rosto que nele habita?”178

A ‘cenografia viva’ é razão direta da não existência de um ‘espaço puro’. Ela passa a ser

medida pelos ritmos das palavras dos atores, pela cena. Como se torna também

personagem, descreve um interessante movimento rítmico circular: volta-se para si

175
- Adriana Lobel, cenógrafa, citada por J.C. Serroni, in mural da exposição, Espaço BNDS, 2001.
176
- VANNUCCI, Alessandra. Gianni Ratto ou a cena personagem. In Folhetim nº 26. Teatro do Pequeno
Gesto. Jul-dez 2007. p. 30-41.
177
- VANNUCCI, Alessandra. Op. cit., 2007, p. 39.
178
- VANNUCCI, Alessandra. Op. cit., 2007, p.32.

123
mesma. É ritmo incidindo sobre ritmo, pois é espaço rítmico temporal e, também

personagem com o seu ritmo vivo.

Assim como a física teórica trabalha com o conceito de hiperespaço - com dez

dimensões -, pode-se pensar a cenografia (viva) - personagem de Ratto, - que possui

como sistema métrico o ritmo da palavra -, pretende incluir uma outra dimensão ao

espaço, ou ainda, uma camada ou categoria dentro da quarta dimensão.

As palavras de poetas que dimensionam o palco podem também fazer do cenógrafo um

“escritor do espaço”. É dessa forma que Maria Odete Monteiro179 apresenta o

cenógrafo. Trabalhando com a concepção de Pavis, no qual a cenografia é uma escritura

no espaço tridimensional180, e com a idéia do cenógrafo como aquele hábil em criar,

com sua técnica, uma rede de signos visuais capazes de acrescentar à cena novos pontos

de vista, a pesquisadora defende que o teórico confere um status ao cenógrafo mais

próximo daquele dado ao escritor. Para Maria Odete Monteiro, “a gramática das

imagens usadas por um cenógrafo pode revelar figuras de linguagem dificilmente

obtidas no uso das palavras.”181 E complementa:

“O lugar teatral funciona como agente possibilitador de espaços


cenográficos. A transformação do lugar teatral foi permitindo
mudanças na criação dos espaços cênicos e vice-versa. A cenografia
intermedia essas duas categoriais espaciais, aproveita o lugar teatral e
constrói ali um espaço fictício e significativo para o jogo de
linguagens que vai ocorrer no palco. O cenógrafo deve conhecer bem
as possibilidades do lugar teatral para criar um espaço fictício. Ele tem
que dominar o concreto para construir o mágico. Assim como o texto
literário, a cenografia também é uma obra de ficção retirada do

179
- em sua dissertação de mestrado.
180
- ver Uma escritura no Espaço. Pavis, op. cit. 1999. p. 45.
181
- TEIXEIRA, Maria Odete Monteiro. A cenografia de Helio Eichbauer: Espaços para a cena
Rodrigueana. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação. Cento de Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2007.

124
imaginário de alguém. A cenografia se produz sobre o suporte de
outra obra.”182

O cenógrafo- escritor redige ou traça a grafia da cena a partir de um suporte espacial e

deve ter a consciência de um autor-poeta.

O conceito de cenógrafo para José Dias é próximo da etimologia da palavra. O

cenógrafo é aquele que responde graficamente à proposta da dramaturgia aliada também

à proposta de direção. Possui a responsabilidade de dar uma resposta plástica à cena,

além de “dar função aos elementos que vão sendo citados pelo texto”.

A cenografia mais do que um desenho da cena é a grafia da cena. É essa a conclusão a

que chega Helio Eichbauer, ao cunhar uma bela e poética definição para o verbete

cenógrafo como o “arquiteto poético da cena”. Ele é o diretor plástico do espetáculo, o

metteur en scène plástico da cena. Definição derivada daquela utilizada por Svoboda ao

descrever o cenógrafo como o encenador plástico da cena, o que cria a psico- plástica do

espaço. Para Helio Eichbauer, o cenógrafo é um criador, um demiurgo e deve ter a

formação de um arquiteto, mesmo que não seja um graduado em arquitetura. Deve ficar

implícito na sua grafia o desenho do tempo: “O arquiteto da cena cria o tempo, desenha

o tempo. E a cena pressupõe uma arquitetura, uma arquitetura cênica”. Complementa a

sua exposição com algo próximo às ‘palavras de poeta’ que Ratto já havia ‘desenhado’:

“o cenógrafo é o responsável por tudo que se vê em cena e também pelo que se ouve,

porque ele cria as condições, os caminhos múltiplos e dinâmicos para a cena, para o

ator”.

Seu trabalho, segundo Helio Eichbauer, consiste em, diante de um espaço cênico vazio,

começar a descobrir e a organizar linhas e diretrizes, as direções do espaço,

preenchendo-o ou descostruíndo- o. Ou seja, antevendo e fazendo ver a cena.

182
- TEIXEIRA. Op. cit., 2207, p. 13.

125
A sua primeira inspiração é o palco vazio e despido, a segunda, a música sempre a

acompanhá-lo no trabalho da prancheta. A forma cenográfica nasce da sua relação

estreita com a música e as formas abstratas que a música desenha no espaço vazio:

“A música é abstrata e vai diretamente nos sentidos. Ela entra dentro


de nós através do nosso labirinto e me inspira profundamente. Ela cria
formas no espaço vazio. Hoje gosto de desconstruir, quanto mais
vazio o espaço mais bonito e sugestivo.”183

Para Helio Eichbauer, o cenógrafo é um artista eclético, “no bom sentido da palavra”,

pois deve circular por várias escolas, movimentos e pensamentos sobre a cena e a

cenografia. Isso devido ao texto ao qual o trabalho está vinculado e também aos

diretores com quem trabalha. Deve existir, em um processo de trabalho, “comunhão”

entre os profissionais da equipe de criação, pois sem essa sintonia o resultado é um

trabalho fragmentado, “um jogo que não se completa, como uma peça de um quebra-

cabeças que existe, não se encaixa, que pertence a um outro mundo.”184 O quebra-

cabeças montado/ encaixado e o espaço labiríntico, no qual porém, devemos saber

entrar e do qual devemos sair. Imagens ‘visualizadas’ por Helio Eichbauer para

sintetizar como conceito e espelho do Teatro.

1.3- Método e processo: Escolha e imaginação.

“(...) toda interpretação corresponde a escolhas e não a veredictos; e


que o método de análise não pode ser apenas o literário nem apenas o
da performance, devendo combinar os dois o tempo todo. Mas além

183
- ver entrevista concedida a DR.
184
- ver entrevista a DR.

126
disso, e para melhor sublinhar a audácia de quem sabe que está
enfrentando duas corporações poderosíssimas, diz com todas as
ênfases: é um tipo de análise que exige a imaginação; pode até ser
chamado de especulação, mas imaginação é uma faculdade que
nenhum estudo vivo de arte – e muito menos de dramaturgia – pode
dispensar”.185

Muitas vezes, no estudo de casos, o resultado prevalece em detrimento do processo,

permanecendo alheio, na formulação final, o que se tinha em mente no nascimento da

idéia. É raro conhecermos o que foi inicialmente proposto ou ainda, qual foi e como se

deu o encaminhamento da proposta de encenação.

Em arquitetura, apresentamos sempre como foi a concepção do programa a ser

trabalhado no projeto. Ainda na área da arquitetura promocional, ou em marketing,

temos o termo briefing186 empregado para esse lugar. A ordenação e a apresentação de

maneira explícita do desenrolar da proposta de encenação e de como essa foram

trabalhadas na relação encenador-cenógrafo não são, muitas vezes, conhecidas.

Para a análise do resultado formal do dispositivo cênico é fundamental conhecer esse

‘programa’. Este, mais que um conjunto de necessidades e informação, é também feito

de referências e estudos sobre o assunto com pesquisas próprias, dentre tantas outras

questões. Nesse ‘programa’, também encontramos o ponto de vista do cenógrafo sobre

185
- COSTA, Iná Camargo. Tragédia no século XX. In. WILLIAMS, Raymond. Tragédia Moderna. São
Paulo, Cosac & Naify. 2002. p. 10.
186
- Conjunto de informações fornecidas pelo cliente para orientar o desenvolvimento de um trabalho de
criação. Briefing não é a resposta de um questionário, mas um relatório no qual encontramos os dados
necessários e fundamentais para deflagrar o processo criativo. Deve apresentar também os objetivos e
finalidades do espaço a ser projetado ou peça promocional a ser criada. Sendo assim, é importante
conhecer a história que está sendo contada, ou, o que se fala, e para quem se fala: o público alvo a ser
atingido. É uma poderosa ferramenta que deve ser bem compreendida, analisada e desdobrada para o bom
resultado do trabalho. É imperativa a percepção do que está subentendido nas entre-linhas ou no não dito.
O cenógrafo deve ter a capacidade de perceber a necessidade do outro e conceituar sua criação com base
no enfoque desejado. Nota da autora.

127
o texto, o seu olhar sobre a proposição de encenação, além da sua relação com o espaço

teatral no qual a cenografia ficará circunscrita.

O caminho é penoso. Por mais que se busquem as informações do programa para o

processo de criação do projeto cenográfico, fica evidente como é um assunto ainda de

difícil revelação. Evidentemente, um processo de construção da poética do espaço

cênico não pode ser comparado a um briefing, onde temos objetivos e finalidades muito

claras. Portanto, é compreensível que a “confissão criadora” do projeto cenográfico

tenha diferentes maneiras de formulação de entradas e resultantes.

O que se tem em mente, no decorrer do processo criativo, além das circunstâncias do

processo em si, determina o partido formal da cenografia e a sua solução final.

A forma de agir e pensar, além do seu método será importante e muito, no seu momento

criativo. Da mesma forma, esse novo processo formará no cenógrafo uma nova

possibilidade de olhar, podendo produzir uma nova ótica sobre o próprio processo.

Método é forma de operar e existem muitas variáveis para esse processo,

principalmente, as que antecedem o momento criativo. É evidente também como o

percurso desenvolvido separa ou filtra as soluções, as escolhas e os resultados.

Podemos perceber a existência, em geral, de duas vertentes na descrição ou no relato de

processos criativos: Aquele que parece ser mais transparente, onde o conhecimento e o

uso de ferramentas e de meios são apresentados mais visivelmente e contribuem de

forma decisiva para o encaminhamento dos processos e dos métodos de criação. Porém,

verificamos também, processos mais herméticos, menos transparentes ou menos

confessados. Sendo, acredito muitas vezes, considerado ou até confundido como

intuitivo. A forma pressentida passa pela cognição, ou seja, a percepção e o

conhecimento estão presentes. Portanto, podem ser abertos e refeitos. No entanto,

128
também possível compreender que a tradução vocabular ou escrita do processo criativo

nem sempre pode ser tão objetivado.

Assim como para montagem cênica, o cenógrafo possui uma relação variante no modo

de operar e de encaminhar o processo e a resultante do seu trabalho. Para cada

entrevistado há uma relação distinta na maneira de ver e fazer ver o seu processo.

Escolhas, caminhos, processos e resultados muitos diferentes, exercitando o “ecletismo”

a que somos habituados a exercer.

Não pretendo promover a desmitificação do insight ou do nascimento da idéia como

algo mágico. Galizia, ao trabalhar o processo criativo de Robert Wilson, expõe que a

“sua intenção não é estragar o maravilhoso” do seu Teatro e sim “investigar os

princípios organizacionais que caracterizam o processo criativo de Wilson.”187

Kandinsky revela a contradição do artista ao explicar o seu trabalho, podendo

“despertar almas”, mas ao mesmo tempo, podendo cair no perigo de deleitar o público

com as palavras e sem nada entender.

“A explicação que o artista dá do seu trabalho pode ser útil, pois as


palavras agem sobre o espírito e podem assim despertar na alma
formas capazes de descobrir o que faz a necessidade de uma dada
obra. Ela pode permitir ao leitor associar-se a uma experiência vivida
da obra. Mas não deixa de oferecer perigos, porquanto o público tende
a deleitar-se rapidamente com as palavras de feição moderna,
continuando a não entender nada. Eis por que o artista tanto hesita em
explicar-se.” 188

Mais do que entender e explicar, a ‘confissão criativa’ é algo sempre capaz de produzir

alegrias e pode mesmo, aí sim, correr o ‘perigo’ de despertar na alma do espectador a

capacidade que essas obras possuem de continuar a ‘oferecer’ prazer.


187
- GALIZIA, Luiz Roberto Brant de Carvalho. Os processos criativos de Robert Wilson: trabalho de
arte total para o teatro americano contemporâneo. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005. Prefácio
p.XVIII.
188
- KANDISKY, Wassily. Do espiritual na arte. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p.163.

129
Capítulo II: Sobre Hélio Eichbauer.

2.1- O cenógrafo como co-autor da encenação.

“(...) sempre me considero um co-diretor dos espetáculos que faço,


pelo menos os mais importantes. Na verdade, a palavra diretor é
estranha em português, porque o certo é metteur en scène.”189

Helio Eichbauer.

Podemos pensar a relação encenador – cenógrafo como co-autoria na encenação? Há

também co-autoria mesmo quando não existe o estabelecimento dessa relação? Segundo

Hélio Eichbauer, sim.

Se é do espaço proposto pela cenografia que nasce a cinética do espaço e a

movimentação da cena, e se ainda é essa forma que estabelece a visualidade e a estética

189
- EICHBAUER, Helio. Folhetim. Rio de Janeiro, nº 23, janeiro-junho de 2006. p.136.

130
da encenação, e por conseqüência contribui para a linguagem da encenação, podemos

afirmar que a sua tese está correta.190

Essa questão é inaugural e fundamental para o estudo da cenografia e ainda necessária

para pensarmos o papel - também, lugar - do cenógrafo.

Ao falar sobre o seu processo de criação, as inspirações e referências para a cenografia

da emblemática montagem de O rei da Vela, - na qual foi o responsável, além da

cenografia, pelo figurino, objetos e caracterização - Helio Eichbauer revela que se

considera co-autor da encenação. Para o cenógrafo, isso também acontece em diversos

outros projetos da sua carreira.

Veja o importante e revelador trecho abaixo:

“(...) eu me inspirei muito exatamente na minha formação em Cuba,


na música cubana, nos ritmos, no Berliner Ensemble. (...) O nosso
palco era mais rudimentar, mas era um palco giratório. (...) Eu fiz
cenário, figurino e os objetos de cena e eu me considero um pouco um
co-autor do projeto, como eu me considero um co-autor de muitos
projetos que eu fiz, co-diretor, na realidade, que um cenógrafo assim
expressivo, que é uma personalidade forte e sabe exercer a sua
profissão, ele é um co-diretor do espetáculo.”

Na seqüência, a dramaturgista Fátima Saadi pergunta: “Sim, porque ele interfere na

concepção...” e a sua resposta é: “Na concepção, no espaço e em que a ação vai

acontecer (...)”.

Ou seja, na antecipação da cena que será desenvolvida a partir da proposta do espaço e

da cenografia.

Mais adiante, volto ao assunto, quando menciona que, atualmente, gosta muito de

trabalhar com espetáculos musicais. Shows de alguns cantores-compositores que

190
- A tese de Hélio Eichbauer foi apresentada em entrevista concedida a Fátima Saadi, Doris
Rollemberg, Luiz Henrique Sá, Juliana Lugão, com a participação via e-mail de Walter Lima Torres.
Folhetim. Rio de Janeiro, nº 23, janeiro-junho de 2006.

131
apresentam grande teatralidade em suas performances, nos quais, Helio Eichbauer tem

colaborado, desenvolvendo relações efetivas. Como nos casos dos shows de Caetano

Veloso, onde o compositor é também o diretor. Segundo o próprio cenógrafo, ele realiza

um trabalho de artes plásticas, sendo, porém, o seu pensamento voltado para a

instauração de um espaço de ação e, conseqüentemente, para o estabelecimento da cena.

A sua obra é muito autoral e o caminho por ele traçado para a cenografia de shows de

música está muito relacionado ao seu trabalho de composição plástica. Entretanto, é

importante observar que não é o desenvolvimento da cenografia como um fundo ou,

ainda como uma visualidade segregada da cena que será instalada no espaço. Ao

contrário, essa cenografia é instauradora do espaço de ação cênica. Desse modo,

entendemos por que ele afirma que atualmente goste muito de projetar para esse

segmento de trabalho da cenografia. Consegue dessa maneira, integrar a forma de

ocupação do dispositivo cênico com a plasticidade e ainda estabelecer, com clareza, a

sua característica de co-autor-diretor do projeto total.

Assim, ao perceber esse mote, retomo, perguntando se ele acredita que a idéia de co-

autoria ou ainda de co-direção de uma montagem aconteça porque é o cenógrafo o

responsável pela fundação do espaço e, dessa forma, pela fundação das idéias. O seu

trabalho como cenógrafo dos shows musicais possibilita a concretização da sua tese de

co-autoria das montagens, resolvendo, de maneira direta, o seu interesse por esse

relacionamento.

Veja a sua resposta:

“Resolve e (porque a) música é abstrata, você pode criar... A música


precisa de grandes espaços ou do grande espaço para acontecer, para
ela imprimir no vazio o seu todo, a sua entidade. A música é uma arte
superior, na realidade, desde a Antigüidade... (...) Ela preenche esse
espaço, o espaço externo ao público e interno do público... A ópera faz

132
a mesma coisa. A ópera é um grande espetáculo, na realidade teatral,
completo, que vem desde a Antigüidade.

Para além da instauração do espaço ou da ‘consagração do espaço’191, ele provoca e

deflagra a instauração das idéias: “Sou um cenógrafo que exerce uma influência muito

grande. Trago à mesa idéias muito específicas, fortes, contundentes, dramáticas (...)”192.

É o que Fernando Peixoto igualmente constata193. Para ele, Helio Eichbauer é um

“cenógrafo que tem a virtude essencial de contribuir de igual para igual, de forma ativa

e crítica, para a elaboração de uma proposta cênica”194.

A crítica Mariângela Alves de Lima vai além ao revelar sua procura por um vocábulo

mais justo que cenografia para definir a obra de Helio Eichbauer. Conceituando o seu

trabalho como “obras de arte complexas que vão além da função cenográfica de

solucionar conceitos da direção”. Essas obras “propõem reflexões sobre o mundo e

produzem ressonância sobre a vida dos espectadores”195.

Aí está o que devemos esperar do Teatro, quando o dispositivo continua a suscitar

idéias, a nos fazer pensar, produzindo alegria e despertando almas, se prolongando e

repercutindo para além do momento da cena.

De forma admirável a crítica relaciona a obra de Helio Eichbauer com a percepção e a

memória do espectador.

“Relembrá-las é um prazer estético (...) são sínteses que o espectador


vai assimilando aos poucos, quando reconhece as relações entre os
elementos, associa, trabalha sobre aquilo que não pode captar na
duração do espetáculo. Expressam o paradoxo do Teatro: dissolvem-

191
- ver entrevista a DR.
192
- Entrevista ao Folhetim. Op. cit. janeiro-junho de 2006. p.123.
193
- Programa da Exposição Helio Eichbauer 40 anos de Cenografia realizada, em setembro de 2006 no
Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro.
194
- PEIXOTO, Fernando Programa da Exposição Helio Eichbauer 40 anos de Cenografia. Centro
Cultural dos Correios, Rio de Janeiro, setembro de 2006.
195
- LIMA, Mariângela Alves de. Revista Chronos nº 1. 2005.

133
se como matéria para substanciarem em memória ativa. É o máximo
que o artista pode fazer por nós.”

A solução sintética é um traço caracteristicamente marcante na sua cenografia. Existe

grande afinidade entre a síntese formal e a sua proposta de clareza na relação de

percepção e de entendimento do espectador. Fazendo-o, dessa maneira, parceiro da

ação, percebendo e completando as formas simples do dispositivo cênico no momento

da encenação e também além desse instante.

Ou como a crítica de maneira brilhante sintetiza: “É ver e entender”196.

O que ele recompensado, prazerosamente exclama: “Dizer isso para um cenógrafo é o

máximo! Eu tenho que fazer o cenário para as pessoas verem e entenderem a cena.”

2.2- “O mais cosmopolita dos nossos cenógrafos”.

“Fui aluno da academia de Platão... Quem me dera, mas eu me sinto


como se tivesse... Eu venho de lá também. Eu acho que todo arquiteto,
todo artista vem do passado, ele não surge no século XX ou XXI ou
XIX, ele vem, ele desperta ou ele renova, às vezes, uma tradição que
vem antes dele.”197

Helio Eichbauer costuma expor suas influências e referências de maneira muito

divertida, e ao mesmo tempo, reveladora da sua imensa erudição, o que o tornou, um

“cenógrafo cosmopolita”198. Diz ter sido aluno de Pitágoras, freqüentador da Biblioteca

de Alexandria, discípulo de Appia, Craig, Meyerhold, e do Teatro da Bauhaus. Na

verdade, dessa maneira, perspicaz e capciosa desvenda sua cenografia.

196
- LIMA, Mariângela Alves de. Op. cit, 5.p.
197
- ver entrevista a DR.
198
- Fátima Saadi na apresentação da entrevista do Helio Eichbauer para o Folhetim nº 23 o define como
um mago do espetáculo, um dos mais completos artistas das artes cênicas. “O nosso cenógrafo mais
cosmopolita”.

134
Foi, de fato, aluno de “um dos mais completos cenógrafos do século XX, Josef

Svoboda”199. Assim, seus estudos, a sua formação, as muitas viagens pelo mundo, além

do seu amor pela Filosofia, Matemática, Geometria e Literatura o fizeram o ‘arquiteto

poético da cena’ de diversas importantes encenações nos seus 40 anos de carreira200.

Com a sua obra, podemos traçar um panorama da cenografia no Brasil e, dessa forma,

contrariar, de certa maneira, a tese defendida por J.C. Serroni, segundo a qual a

cenografia brasileira vive em um contexto de contradições e dificuldades. Serroni

acredita que não podemos falar de uma linguagem própria na cenografia: “Vivemos de

inibidas ‘pinceladas’ teatrais e cenográficas.” 201

Várias dessas pinceladas foram, sem dúvida, dadas por Helio Eichbauer e, com esses

exemplos, podemos traçar uma linguagem própria da cenografia no Brasil, ao menos, a

partir do seu trabalho.

Traduz a sua obra revelando oscilar entre o abstracionismo arquitetônico e cinético,

onde luz, formas e movimentos servem à cena e à figuração policromada e tropical.

Essa dualidade é resultante da sua estada em Praga, onde Svoboda o tirou da figuração,

conduzindo-o ao abstracionismo geométrico que trabalha com os matizes do preto e do

branco e, portanto, visa ao estudo da luz e da sombra. E também da sua passagem por

“Cuba que lhe devolveu a cor”.

Praga o “ensinou a ver o teatro, a entender a caixa, (...) o rigor e a geometria”202,

enquanto Cuba restituiu- lhe os trópicos.

Helio Eichbauer menciona, com ênfase, que possui uma formação humanista e

renascentista. Isso se deve, em grande parte, à orientação do seu mestre Svoboda que o

199
- ver entrevista a DR.
200
- A formação e a trajetória de Helio Eichbauer podem ser conhecidas nos trabalhos de Mestrado de
Maria Odete Teixeira e do Luiz Henrique Sá, além da entrevista por ele concedida ao Folhetim nº 23.
201
- SERRONI, J.C. “Um panorama da cenografia brasileira nas duas últimas décadas’. Revista Sete
Palcos. Teatro brasileiro, n° 3 set, 1998. p.108.
202
- EICHBAUER, Helio. Folhetim nº 23. p. 117.

135
estimulava a estudar diversas matérias como Filosofia, Música, Matemática e

Geometria. Encaminhando-o, ao mesmo tempo, para que esse estudo fosse realizado em

viagens, onde deveria freqüentar concertos e bibliotecas e aprender in locun com a

arquitetura.

Seu trabalho tem como inspiração inicial a abstração geométrica e a cinética.

Movimento este, que começa a ser desenhado pelo seu dedo no espaço, antes mesmo

dos primeiros esboços. É quando antevê a ocupação dos atores no espaço cênico. Etapa

imediatamente posterior ao longo processo de pesquisa, fase primeira, quando sua

prancheta é invadida por livros de diferentes disciplinas.

O nascimento da idéia vem da Literatura e do diálogo que trava com outros livros,

garante. Sendo assim, a fase inicial do seu processo criativo está relacionada com o

estudo do texto, com a pesquisa sobre o autor e sua obra, além da Literatura relacionada

ao contexto histórico. Esses são os seus primeiros motes de referências.

Os ‘grandes mestres’ são por ele reverenciados. Revela o gosto por trabalhar, de

maneira recorrente, com os textos dos autores clássicos: “O Teatro é do passado, mas na

realidade os escritores escrevem para o futuro. (...) É um pouco atemporal, um projeto

projétil para o futuro.”203

Parte então, em um segundo momento do processo criativo, para o esvaziamento da

prancheta, o seu local de criação. Os livros são retirados e o espaço livre é ocupado por

desenhos, plantas e cortes, onde a Matemática, a Geometria, a proporção e a escala

exercem influência decisiva na resultante formal da sua obra. Assim como o espaço

cúbico despido e falsamente vazio o fascina, sua prancheta desnuda também é um

espaço carregado de referências e interferências.

203
- ver entrevista a DR

136
É na execução dos desenhos que a criação da cenografia se inicia “a partir de uma visão

demiúrgica”. Uma percepção entre o “cosmo e o micro cosmo”, quando visualiza os

“acontecimentos dramáticos” que existirão a partir do esquema projetado. Realizando a

movimentação dos atores no espaço bidimensional da planta baixa, animando os

personagens, instaurando o geometral como um espaço multidimensional. A maquete o

auxilia no exercício de experimentação dos deslocamentos da figura humana no espaço.

O modelo reduzido é de fundamental importância no seu processo criativo. Não é,

portanto, de admirar que essas já tenham merecido exposições como “objetos plásticos”.

O crítico de arte Clarival do Prado Valladares as considerava como passíveis de serem

apresentadas em museus como obras de arte204. A cenografia como objeto- plástico foi

motivo de artigo do crítico que percebe a intenção de comunicação nesse tipo de

dispositivo construtivista. No qual “a imaginação e a sensibilidade do público são

provocadas a participar, completando a intenção poética”.205 Nesse sentido, o objeto-

cenário motivado pelo texto, “não corre o risco de se tornar ocioso, por sobrecarga

subjetiva, uma vez que sua construção se justifica como linguagem de comunicação”. A

correlação entre a obra de arte e comunicação é um tema importante nesse texto, uma

vez que, denuncia o “beco sem saída” no qual as artes plásticas se encontravam naquele

momento, final dos anos sessenta. Uma das questões apontadas para essa situação,

dentre outras trabalhadas por Valladares, é o esvaziamento que “começa quando o

objeto se descompromete da motivação e se exclui daquele destino de ser consumido na

vivência da sua comunidade”. Por essa razão o Teatro e o cinema seriam artes que

suprem a “necessidade de consumo estético (...) como meio de integração das categorias

convencionais e de abertura para novas dimensões de criação artística.”

204
- Helio Eichbauer em entrevista concedida a cenógrafa Lidia Kosovski para a Revista Chronos nº 1.
205
- VALLADARES, Clarival do Prado. O cenário (objeto Plástico) de Helio Eichbauer. In Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro. 2 de março de 1968. O Percevejo On line.

137
A maquete, como modelo reduzido provoca, de maneira muito objetiva, a visualização

das dimensões adicionais do espaço. Podemos deslocar figuras no espaço,

movimentando-as, ocupando o palco e, dessa forma, perceber as relações de proporção

da figura humana com o dispositivo cênico e com o espaço em que ela está circunscrita.

Além disso, promove a idealização de como a cena será vista pelo espectador. Dessa

perspectiva, como observadores do objeto plástico, antecipamos o encontro. Nesse

sentido, o modelo reduzido prevê a quinta dimensão como uma dimensão adicional do

espaço da cena.

Idéia semelhante daquela proposta por Kaku que pede o afastamento do observador do

eixo z como forma de visualização da quarta dimensão. Ao afastarmos nosso ponto de

vista da maquete, somos os mesmos observadores que vêem a Terra do espaço.

Entendemos a existência do tempo e também o espaço multimensional.

O cenógrafo começa por construir a caixa cúbica. Fica por alguns instantes nesse

espaço, antes de instalar a cenografia na maquete. Estabelece, em seguida, os limites de

observação do espectador e nesse momento, os teatros de papel, brinquedos da sua

infância, reaparecem como determinante influência do que ele hoje se tornou.

Ele confirma que desenvolve vários dos seus projetos a partir da noção de cenografia -

objeto, mas rejeita de forma contundente e muito justa, a idéia de comparação com o

termo instalação, o que pode ser de fácil rotulação aos menos avisados.

A instalação plástica não prevê a cena, embora exista, em diversas oportunidades, a

relação de deslocamento e ocupação do observador. Pode ainda estar contida no espaço

e dialogar com o entorno, mas não dialoga com uma cena, com a encenação.

“Instalação não pressupõe o ator, ou o bailarino ou cantor. (...) e quando o artista

plástico faz um cenário, é o objeto plástico independente da ação dramática”206

206
- ver entrevista concedida a DR.

138
Na sua cenografia - objeto percebe-se, com clareza, as dimensões adicionais do Teatro

revelando a sua preocupação com o encontro, com o olhar do espectador provocado a

continuar construindo formas e idéias.

O Teatro, para Helio Eichbauer, é algo misterioso, vindo dos sonhos, mas ao mesmo

tempo, nasce da concentração, da meditação e de muito estudo. Mescla intuição e

instinto, mas igualmente, racionalidade, o “que acontece principalmente quando está

desenhando”.

As formas estão no inconsciente e surgem, em um primeiro momento, geométricas.

Trabalha para ter memória, revela. Não para manter a memória, mas para perceber a

realidade e trazer o passado, uma região atemporal ou ainda muito remota das idéias.

Existe, para ele, um mundo de idéias dentro de nós, de onde surgem as formas e as

idéias, possibilitando a criação. A razão do nascimento da idéia partir, em geral, da

figura geométrica se deve ao fato da cenografia, muitas vezes se instalar no interior do

cubo da caixa cênica. Na verdade, do que se concentra dentro do campo do espaço

cênico.

Fazendo, assim, sua bela confissão criadora, revelando a metodologia utilizada para o

estabelecimento desse campo. Helio Eichbauer começa por delinear o perímetro e a

moldura do campo, fechando o desenho. Em seguida traça um círculo. Dessa maneira o

seu traço se desenvolverá, porque o espaço está determinado, escolhido.

Quando circunscreve um círculo no quadrado bidimensional da folha de papel está, de

fato, delimitando, e assim, projetando um campo magnético e mandálico, no qual existe

a concentração de forças e de vetores de ação. Esse esquema concentrado de energia

leva-o a ver o espaço, o teatro, e teatro é ver. E ver é [ter] idéia. Visualizando, por

conseguinte, a cenografia e o Teatro.

139
Voltamos conseqüentemente à questão do olhar. Um percurso de mão dupla, retratado

em duas significativas figuras. Essas ilustrações me foram apresentadas por Helio

Eichbauer no dia da entrevista. Ele havia separado alguns livros e começou por essas

fotografias que, segundo ele, representavam, de maneira clara, o material que eu havia

lhe enviado, antecipadamente, para a realização da entrevista, um resumo das questões

fundamentais a que esta pesquisa propõe. Sua atitude diante desse material demonstra,

além da sua grande generosidade, a impressionante capacidade de ver em imagens. A

sua incrível competência para a síntese formal, a singular habilidade de traduzir em

imagens a compreensão do que foi dito. Vai além, faz também que os outros vejam. Ver

e fazer ver. O talento para ser um pesquisador e poeta, o autor da escrita cênica.

2.3- Ver e fazer ver ↔ ver e entender.

A primeira figura apresentada por Helio Eichbauer, antes mesmo de iniciarmos a

entrevista, é bastante elucidativa, não só do entendimento e da concordância com os

temas com os quais iríamos tratar no encontro, como também reflete de maneira poética

e definitiva a relação cena-ator e espectador.

Na ilustração, podemos ver o olho do ator que reflete o lugar do público, o teatro.

O olhar reflete e revela o outro. Como a imagem retrata, igualmente, o olho observado

por alguém que o vê de fora, frontalmente, esse ponto de vista descreve uma

interessante trajetória de ida e de vinda. Compara-se a um espelho, cuja imagem está

contida em outra, que a reflete. Dois pólos e dois sentidos de um diagrama de força e de

comunicação que se estabelece e se renova há muitos séculos.

140
Propõe essa imagem como síntese do que havia lido. Uma síntese formal e poética.

Parece antever ou mesmo impor (assim como são os seus dispositivos em relação à

encenação) uma bela capa para ilustrar o trabalho. Não apenas por ser bela, mas porque

traduz de forma incontestável o Teatro multidimensional.

A gravura foi desenhada pelo arquiteto Claude-Nicolas Ledoux (1736 – 1806) para o

tratado L’Architectura considérée sous le rapport de l´art, des mœurs et de la

lésgislation de 1804.207 Em sua legenda, encontramos a seguinte inscrição: “Vista de

olhos do teatro de Besançon. O contato se opera entre o ator que é visto e o público que

vê parece ter um sentido educativo.” Na ilustração seguinte ao desenho está

representado o corte do mesmo teatro onde a legenda ressalta o “enquadramento do

palco em forma de arco do triunfo com a finalidade de acentuar a monumentalidade dos

espetáculos cênicos”.208

O olho-espelho do ator poderia representar igualmente o olho-espelho do espectador.

Esquema semelhante pode ser encontrado no desenho de Oskar Schlemmer209, no qual

um feixe de linhas emana do cone - campo - de visão do público. Cabe observar a

interessante desproporção das duas figuras humanas, onde encontramos a valorização

do espectador que possui a cabeça e o coração destacadamente hachurados.

A segunda contundente imagem selecionada e apresentada pelo cenógrafo representa

um olho do mesmo modo. A pequena figura no centro é a pupila (você mesmo) que a

207
- KREMEIER, Jarl e FREIGANG, Christian in Teoria da arquitetura do Renascimento aos nossos
dias. Diversos autores. Tradução portuguesa: Maria do Rosário Paiva Boléo, Lisboa. Taschen, Köln,
2006, p. 190 a 199.
A Arquitetura nas suas Relações com a Arte, os Costumes e a Legislação é um tratado, segundo o livro
Teoria da Arquitetura do Renascimento aos nossos dias, rico em texto e ilustrações se distinguindo
também pelas concepções originais, prolixas, carregadas de emoção do arquiteto. Merece destaque a
afirmação de Ledoux onde o arquiteto é um dos deuses que devem satisfazer as necessidades primárias do
ser humano contrariando a versão vitruviana, e amplamente seguida de diversas formas. Não reconhece
que o pobre homem primitivo possa, por ele mesmo, construir o seu abrigo rudimentar. “Essa idéia terá
seguidores. Le Corbusier dirá que o arquiteto é o único que pode opor-se à revolução proletária.”
208
- KREMEIER, Jarl e FREIGANG, Christian. Op. cit, 2006, p. 199.
209
- ver desenho de Schlemmer in SCHLEMMER. Oskar, MOHOLY-NAGY, Laszlo e MOLNÁR,
Farkas. The theater of the Bauhaus. Middletown, Connecticut, Wesleyan University Press, 1971, p.18.

141
gente vê refletida no olho de outra pessoa. Explicita, da mesma forma, o relacionamento

de ver e ser visto, de observado e observador. Imagens reflexivas. A fotografia ilustra

a capa de um livro que o cenógrafo lia naquele momento e indica a face anterior da

pedra de Bollingen, esculpida por C. G. Jung. A inscrição grega traduzida por Jung

revela:

“O tempo é uma criança -brincando como uma criança - brincando


sobre um tabuleiro de xadrez – o reino de uma criança. É Telésforo210,
que erra pelas regiões sombrias do cosmos e brilha como uma estrela
elevando-se das profundezas. Ela indica o caminho para as portas do
sol e para a terra dos sonhos.”

“Lindo. O Teatro é isso.” sentencia Helio Eichbauer após ler o texto em voz alta.

O círculo que traça em torno do quadrado, no seu processo de trabalho, para a

instauração do espaço de ação é, segundo o próprio, uma analogia com essa figura. O

círculo está relacionado ao espaço do teatro e este possui também afinidade com o

inconsciente, que, para ele, é estruturado.

Sua inspiração, sobretudo para as peças clássicas, é a mitologia grega. Acredita que a

mitologia ainda possui grande força para o homem ocidental e para o Teatro.

O teatro é um espaço labiríntico, segundo ele, onde devemos saber entrar e sair.

Labirinto que está representado em muito dos seus trabalhos. É um quebra-cabeça, um

jogo de xadrez. O artista deve usar esse quebra - cabeça para recompor, restaurar,

210
- Segundo a Wikipédia em 20/02/ 2008, Telésforo, na mitologia grega, foi um filho de Acclépio, e,
assim como seu pai, também era objeto de cultos associados à medicina. Ele aparece acompanhando de
sua irmã Hígia.

142
mesmo no nosso mundo “fragmentado e apocalíptico”: “Mesmo pensando que está

rompendo tradições, ele recompõe. É um restaurador, o artista”211.

211
- ver entrevista concedida a DR.

143
DESENHO DE CLAUDE-NICOLAS LEDOUX - 18 0 4
VISTA DE OLHOS DO TEATRO DE BESANÇON - NA LEGENDA:
O CONTATO QUE SE OPERA ENTRE O ATOR QUE É VISTO E O
PÚBLICO QUE VÊ PARECE TER UM SENTIDO EDUCATIVO.

ESQUEMA DESENHADO POR SCHLEMMER.:


A RELAÇÃO DE OBERVAÇÃO: ESPECTADOR ATOR.

144
FACE ANTERIOR DA PEDRA DE BOLLINGER, ESCULPIDA POR C. G. JUNG.

A PUPILA. QUANDO NOS VEMOS REFLETIDOS


NO OLHO DO OUTRO.

Vi sta do teatro de Besançon.


“O enquadramento do palco é em f orma de arco do tri unf o a f i m de
acentuar a monumentali dade dos espetáculos cêni cos.”

145
2.4- Das encenações: Dispositivos cênicos multidimensionais.

As duas cenografias que aqui serão analisadas foram selecionadas pelo próprio Helio

Eichbauer, em sua vasta carreira, porque ilustram, segundo ele, as dimensões adicionais

do espaço. São, portanto, capazes de reunir, de maneira clara, as questões por mim

destacadas no texto enviado antes da entrevista.

São trabalhos que representam, de maneira indiscutível, a relação do dispositivo com a

dinâmica da cena, mas, sobretudo se destacam por revelar a sua relação nas encenações

como co-autor da montagem cênica.

O cenógrafo, além disso, acredita que sejam trabalhos que desvendam de maneira

contundente a sua formação e as suas influências.

O primeiro é um trabalho recente apresentado na televisão e de grande teatralidade. O

segundo, um dispositivo para uma encenação teatral onde a cenografia-objeto pode ser

observada.

Sintetiza a escolha dos trabalhos dizendo que a cenografia de Péricles é construtivista,

enquanto que o dispositivo de O Valor do Amanhã é “outra coisa”. “Como se você

saísse da Rússia e fosse para a Bauhaus.”

Em ambas as situações, encontram-se muitas possibilidades de averiguação. Além da

percepção da existência de muitas semelhanças nos dois casos, embora possa em um

primeiro olhar, apontar para o contrário. Oportunidades maravilhosas para verificar os

espaços multidimensionais na cena. Não é por acaso que separa, dentre um universo

extenso, esses dispositivos que sintetizam poeticamente a investigação.

146
2.4.1 - O Valor do Amanhã.

De: Eduardo Giannetti com roteiro e direção de Isa Ferraz. 2007.

A cenografia para O valor do Amanhã, de sólida referência teatral, foi desenvolvida

para um quadro de dez episódios do Fantástico da T.V. Globo.

Viver intensamente o presente ou investir no futuro? A fábula da cigarra e a formiga é o

ponto de partida para a questão central do programa: “Viver intensamente o presente,

sem pensar no amanhã, ou trabalhar duro hoje e ter a certeza um de futuro mais

tranqüilo.” Esse é o dilema que O Valor do amanhã trata: “a necessidade de negociar

com o tempo”. Os episódios são desenvolvidos a partir de temas levantados pelo livro

homônimo de Gianetti, também responsável pela apresentação da série. Conta com o

roteiro e a direção da socióloga e documentarista Isa Ferraz.

Para Gianetti a proposta fundamental do trabalho é plantar dúvidas e não apontar

respostas prontas: “O importante é que cada um pergunte para si mesmo se as escolhas

no tempo refletem seus valores"212

Lembramos que o programa está dentro da grade da televisão aberta, é apresentado no

domingo à noite possuindo grande apelo popular. Apenas por essa razão podemos

prontamente estranhar, e ao mesmo tempo louvar, a opção por uma solução cenográfica

de forte abstracionismo formal.

Em relação à visibilidade de grande e variado alcance a diretora comenta:

“Quando Eduardo me chamou para gravar com ele os programas “O


Valor do Amanhã”, (...) sabia que seria desafiador. Procuramos não
abrir mão do conteúdo complexo e da perspectiva sofisticada do livro,
mesmo falando para gente do Brasil todo e de vários níveis de
212
- GIANETTI, Eduardo in Fantástico on line. Central Globo de Produções em 08 de agosto de 2007.
Retirado da internet em 21/02/2008 às 14:00.

147
formação. Textos de Schopenhauer foram mostrados para 50 milhões
de pessoas (...). O texto de Eduardo é muito bom, tem fluidez e humor
fino, que tornam seus escritos palatáveis a um público mais amplo.
Além da visão original da economia, ele enxerga todas as questões
com o olhar da filosofia”.213

O dispositivo cênico criado por Helio Eichbauer para as cenas de abertura dos

episódios, onde são dramatizadas cenas de célebres histórias que exemplificam a

questão central proposta: a necessidade de negociação com o tempo, é

um cubo branco com linhas que se movimentam e determinam trajetórias no espaço.

Essas são executadas por elásticos que traçam vetores dentro da caixa branca, e dessa

maneira, orientam a movimentação do ator no espaço. Portanto, descrevem a cinética da

cena.

Ora os elásticos são tencionados e formam vetores ora são soltos produzindo a imagem

de ondas no chão, como no caso onde o texto se refere a Ulisses. Os elásticos são agora

as sereias que serpenteiam para seduzi-lo.

No centro do cubo, está suspenso um pendulo de madeira a marcar a passagem do

tempo. O objeto é manipulado pelo ator em cena e a escolha da sua matéria possui

importante relação com a concepção cenográfica. O pêndulo é uma esfera de madeira

maciça. Assim o seu peso real, trabalhado a partir das leis do pêndulo, determina o

movimento. Mais uma vez, a física e a geometria motivam o nascimento das suas idéias

e da sua cenografia.

A cenografia parte da caixa, dos planos (faces) bidimensionais que a constroem por

conceito e de fato. Do desenho traçado na face do fundo, risca retas que seccionam o

cubo projetando diversos planos que reforçam, ou ainda, reafirmam a

tridimensionalidade do espaço.

213
FERRAZ, Isa. Época 100. On line 5/12/2007, edição 498. Vista em 21/02/2006 às 14:30.

148
Em alguns episódios, os cinco sólidos de Platão, formas geométricas recorrentes em sua

obra, são utilizados como, por exemplo, para representar os frutos do Jardim do

Paraíso. Esses são iluminados sutilmente para parecerem reflexos de luz muito tênue.

O cenário faz lembrar um exercício de processo criativo que Helio Eichbauer emprega

nas suas oficinas.

No programa do exercício propõe o desenvolvimento de uma composição que parte de

um cubo de interior preto como “a caixa do mágico”. A caixa deve ser planificada, e em

cada face, sem contar o que seria o teto e o chão. Portanto, em quatro faces ou planos,

devem ser desenvolvidas composições a partir de um tema oferecido pelo cenógrafo.

Como, por exemplo, os quatro elementos, as quatro estações ou os quatro pontos

cardinais. No centro da figura, no chão de caixa, deve ser representada a síntese dessa

criação.

O pêndulo é o objeto síntese que marca o tempo e revela a sua inexorável relação com o

homem e com os temas tratados no programa.

A cenografia do Valor do Amanhã é “lúdica feita para o movimento do ator”214, que

vestido de preto – o figurino também foi criado pelo cenógrafo - explora todas as

possibilidades de ocupação da caixa e de manipulação dos elásticos.

Todo o processo foi diretamente desenvolvido em conjunto com a diretora da série Isa

Ferraz. A partir das referências do texto, que trata de poesia e de filosofia, a diretora e o

cenógrafo orientam a movimentação do ator Matheus Nachtergaele, que também

participa descobrindo e propondo soluções de manipulação e uso do espaço.

Helio Eichbauer afirma que o cenógrafo possui uma longa vivência, uma grande

intimidade com o espaço que cria. Muito maior que qualquer pessoa. Concordando

plenamente com a sua constatação, diante disso pergunto se, então, o cenógrafo não

214
- Segundo o próprio cenógrafo. Ver entrevista a DR.

149
deveria estar mais presente nos ensaios. Credita como razão decisiva para o bom

resultado desse trabalho a sua participação na criação da movimentação e, portanto o

seu trabalho como co-autor da encenação.

“Eu digo a você: É ali o exemplo de um cenógrafo que co-dirige.”215

É da proposição dessa cenografia que nasce a cinética do espaço e da cena. Portanto, as

idéias são instauradas a partir do dispositivo. Além de estabelecer a movimentação e

ocupação da cena, a cenografia funda também, com a sua visualidade e estética, a

linguagem da encenação.

Estudou e explorou em conjunto com a diretora e com o ator as possibilidades plásticas

da cenografia. Podemos entender que as relações desenvolvidas no ensaio são variáveis

que interferem e até modificam o espaço inicialmente idealizado no desenho da

prancheta e no modelo reduzido.

A emissão de sons produzida pelos elásticos, como se “fossem cordas de uma harpa”,

foi constada por todos durante os ensaios e, dessa forma, incorporada à cena.

A maquete foi fundamental para a criação da ação cênica. Diante dela, Helio Eichbauer

e também todos os profissionais da equipe puderam antecipar a visualização da cena.

As variáveis que incidem sobre o espaço continuam a existir no momento da

apresentação e além.

A relação temporal e rítmica da cenografia do Valor do Amanhã é definitiva. A

abstração e a cinética têm a intenção de comunicar, gerando tensão, estimulando o

espectador a continuar construindo formas, trajetórias e idéias.

Os elásticos não só traçam vetores no espaço, como também seccionam o cubo

projetando diversos planos e, nesse sentido, desenham o conceito pleno da caixa cênica.

215
- ver entrecista a DR.

150
A cenografia projeta o espaço cúbico da caixa italiana utilizando a variável temporal na

sua ocupação, dilatando o seu uso e seus significados. Um belo exemplo de como o

cenógrafo pode renovar, ou melhor, dilatar o conceito da caixa, apresentando-a como

um espaço multidimensional.

Helio Eichbauer acredita ser esse um exemplo onde intuímos e vislumbramos a

quadridimensão em uma tela bidimensional. É importante ressaltar que a cenografia foi

criada para ser apresentada na bidimensionalidade da telinha de T.V. Destacamos

também o uso incomum do branco e da representação de linhas na cenografia televisiva.

Um espaço de abstracionismo geométrico e cinético, onde se percebe as suas influências

e referências constantes: a geometria, a matemática e a física. Svoboda e a relação de

luz e sombra criada pelo preto e branco, além da síntese formal proposta pela Bauhaus.

A cenografia teve como inspiração um estudo de Oskar Schlemmer.

A utilização das linhas e das figuras geométricas está a serviço do ator e da cena.

A arquitetura da caixa branca e a cinética da cena trazem significados e símbolos que

aproximam a cenografia de O Valor do Amanhã com as idéias da caixa teatral - o teatro.

Mas também com o conceito de Teatro.

A construção do cubo branco seccionado por linhas e planos pode ser vista como uma

proposta de unificação de duas das influências: o homem no centro do palco abstrato de

Schlemmer- o Teatro da Bauhaus- e o construtivismo geométrico.

Enquanto na figura de Schlemmer as linhas que se relacionam com o homem são

invisíveis, no espaço cúbico de Helio Eichbauer, são materializadas, o que torna o

dispositivo próximo da idéia de objeto plástico.

Parafraseando Clarival do Prado Valladares, a cenografia de O Valor do Amanhã pensa

na participação e na comunicação com o espectador e, portanto, aponta a preocupação

com a criação desenvolvida para estabelecer uma relação com o espectador como a

151
quinta dimensão espacial. E se apropriando um pouco mais das palavras do crítico

podemos sintetizar:

“O cenário deixou de ser suporte da narração, ou o seu mero atributo visual

ilusionístico, para integrar a série de valores e de imagens que, emanentes de um texto,

sugerem e configuram a organização do espaço e do tempo envolventes.”216

Um exemplo determinante de aplicação do conceito de geometral para além do esquema

bidimensional da planta baixa. Na cenografia de O Valor do Amanhã, o geometral, o

tempo está implícito, - sem o duplo sentido pela representação literal do pêndulo. O seu

traçado prevê os deslocamentos do ator em cena, o espaço temporal, além de revelar

também outra dimensão que existirá a partir da relação com o observador. Amplia-se

assim, a noção de multidimensionalidade do espaço da cena.

216
-VALLADARES, Clarival do Prado. Op.cit. p.02.

152
O VALOR DO AMANHÃ
CENOGRAFIA: HELIO EICHBAUER
Fotos da maquete: LUIZ HENRIQUE SÁ

CRUZ ADO ESQUERDO E DIREITO

CRUZ ADO ESQUERDO E DIREITO


COM OS SÓLIDOS DE PLATÃO/ PITÁGORAS

153
CRUZ ADO ESQUERDO
CRUZ ADO DIREITO
COM OS SÓLIDOS DE PLATÃO/ PITÁGORAS

154
ELÁSTICOS SOLTOS

DETALHES ANGULADOS

155
O HOMEM NO CENTRO DO PALCO ABSTRATO
SCHLEMMER

ESTUDOS E REFERÊNCIAS
O HOMEM VITRUVIANO

156
FOTOS DA MONTAGEM:
LUIZ HENRIQUE SÁ

157
HELIO EICHBAUER

O PÊNDULO: O TEMPO - OBJETO SÍNTESE

158
MOVIMENTO E OCUPAÇÃO

TEMPO

159
FOTOS DE CENA:
LUIZ HENRIQUE SÁ

160
TOMANDO DE EMPRÉSTI MO O DESENHO DE SCHLEMMER PODEMOS TRAÇAR I NFI NI TAS COMBI NAÇÕES
DE LI NHAS E VETORES QUE FAZ EM O PERCURSO DE DUPLO SENTI DO: ATOR ESPECTADOR.

161
2.4.2- Péricles. O Príncipe de Tiro. O dispositivo cênico construtivista - cenografia

objeto.

De Willian Shakespeare com direção de Ulysses Cruz. 1995.

Existe uma estreita relação entre as propostas cenográficas de O Valor do Amanhã e

Péricles, montagem dirigida por Ulysses Cruz.

Nos dois trabalhos, além da relação de co-autoria na encenação verifica-se o

desenvolvimento de dispositivos cênicos que apontam para multidimensionalidade do

espaço, preocupação evidente de Helio Eichbauer.

É possível, do mesmo modo, em Péricles, notar as influências que povoam a sua obra.

A cenografia construtivista de Péricles parte de um objeto plástico tridimensional a ser

manipulado em cena pelo ator, da mesma maneira que os elásticos e o pêndulo são

utilizados no exemplo anterior.

A proposta de comunicação com o espectador igualmente se faz presente na proposta

cenográfica. Segundo o cenógrafo, o navio provocava grande tensão no público, e

certamente também, encantamento.

O navio possui a forma geométrica de um meio cilindro e, ao ser ocupado pelo ator na

cena, traça, no espaço, ação, lugares e tempos.

Com cinco metros de diâmetro e descrevendo um movimento circular, o dispositivo

possui relação direta com a vertigem implícita na imagem do mar.

As oscilações do navio, executadas pelos atores, idealizavam o movimento do mar e

desenhavam a idéia de tempestade. Um trabalho de equilíbrio e desequilíbrio resultante

da ação da gravidade agindo sobre os corpos dos atores. Também um movimento

pendular.

162
O espectador, igualmente é afetado pela vertigem provocada pela movimentação do

navio que podia atingir grandes alturas.

A ocupação da cena nasce da tridimensionalidade da cenografia - objeto- espaço.

No fundo da cena, encontra-se um paralelogramo construtivista dividido em dois

planos. No plano superior, é situada a orquestra, enquanto no nível inferior os atores

entravam e saíam pelos acessos estabelecidos pelos pilares do praticável. Havia também

acessos para o porão do teatro. Alçapões abertos nas quarteladas que permitem a

condução dos atores, que descem e sobem escadas construindo, dessa maneira, traçando

mais um plano de ação.

A partir do uso da cenografia-objeto, diversas possibilidades de movimentação e

diferentes formas são desenhadas e construídas durante a encenação. A manipulação do

navio, o seu uso e a sua ocupação, determinam e até impõem a cinética da cena. Do

mesmo modo, a atuação dos atores também é naturalmente afetada pela proposta

cenográfica.

O trabalho de experimentação e construção das possibilidades cênicas do meio cilindro

foi realizado por Helio Eichbauer juntamente com o diretor e com os mestres de artes

marciais responsáveis pelo trabalho corporal dos atores.

Nesse sentido, o dispositivo cênico é decisivo para a instauração das idéias norteadoras

da encenação.

Um ‘obra de arte complexa, materializada com competência’217, provocando a memória

do espectador, mas antes desse momento, provocam o diretor e os atores estimulados a

construir também essa cenografia.

217
- parafraseando a crítica Mariângela Alves de Lima in Chronus nº1.

163
TELÃO FUNDO

3.00

14.00

TEATRO DE CAMPO ALEGRE


SECREEN PRETO
PORTO- PORTUGAL
PLANTA BAIXA
ESC.: 1:10 0

OBSERVAÇÃO: O DESENHO ORIGINAL FOI INTERROMPIDO E


REDUZ IDO PARA A ESC. : 1:10 0 .

164
PRIMEI RA DE TRÊS VARANDAS

PORÃO PRATICÁVEL
BARCO
PLATÉIA BOCA DE CENA
TEATRO DE CAMPO ALEGRE
PORTO- PORTUGAL
CORTE
ESC.: 1:10 0

165
BARCO: DESENHOS CONSTRUTIVOS

OBSERVAÇÃO: OS ORIGINAIS DESENHADOS NA ESC.125


AQUI, FORAM REPRODUZ IDOS NA ESC. 1:50

166
PÉRICLES - O PRÍNCIPE DE TIRO
DE: SHAKESPEARE
DIREÇÃO: ULYSSES CRUZ - 20 0 0

O HOMEM NO CENTRO
DA CENOGRAFIA OBJETO

FOTOS: JOÃO CALDAS

MOVIMENTO E OCUPAÇÃO

FOTOS: LUCÍLIA MONTEIRO/ VISÃO


CEDIDAS POR LEONARDO BRÍCIO.

167
Capítulo III: Sobre José Dias

3.1 - A implantação do geometral da cena a partir do triângulo de força do palco

italiano.

Existem duas marcantes características na cenografia de José Dias. Uma é conseqüência

da outra e ambas advêm da forma como nasce a implantação do dispositivo cênico na

caixa cênica italiana.

O cenógrafo parte, na fase inicial do seu processo de criação, do traçado de um

triângulo na planta baixa do teatro. Esse esquema é gerado do ponto de vista dos

observadores situados nas primeiras poltronas da primeira fila da sala. Delimita, desses

pontos, “fugitivas” que conduzem a um ponto no centro alto do palco. Ainda em planta

baixa. Das linhas determinadas por essas direções surgem os dois lados do triângulo,

cujos vértices se encontram no centro alto e nas duas laterais baixas do palco. Esse

plano é por ele denominado de triângulo de força.

A figura geométrica plana é decisiva como resultante formal dos seus dispositivos

cênicos, o que pode ser claramente percebido em sua obra. A segunda particularidade da

sua cenografia é a utilização recorrente de elementos aéreos que saem para o espaço da

sala, o que Dias chama de “barrotes”.

Ao desenhar o “triângulo de força” no espaço bidimensional do palco, está selecionando

a área útil do espaço cênico, eliminando as coxias e reforçando a perspectiva de ponto

de fuga central que a observação frontal impõe.

A figura plana, quando trabalhada na tridimensionalidade da caixa, gera o prisma. É

desse volume que o cenógrafo parece querer suspender vigas que reforçam ou

reafirmam a perspectiva do observador. Como se estivesse transportando para cima,

para a tridimensionalidade do espaço cúbico do palco, o triângulo que havia traçado no

168
espaço bidimensional da planta baixa. Conduz, dessa maneira, o olhar do público para o

centro alto do palco, onde, em geral, instala elementos importantes da ação cênica.

O vetor que nasce do ponto de vista do espectador e, segue perspectivado em direção à

cena, é sublinhado por esses elementos aéreos que reforçam sobremaneira o ponto de

fuga central.

Mais do que romper com a quarta parede, as vigas, ao descreverem a trajetória que une

a sala ao palco, parecem querer conduzir o espectador para dentro do espaço de ação.

Ao ‘caminharmos’ por essas vigas, somos conduzidos para a área de concentração de

forças do triângulo. Essa configuração é a sua proposta de comunicação com o

observador. Como se os convidasse a entrar, seguindo as linhas/vetores no espaço

cênico, ao menos através do olhar.

A intenção de Dias com a utilização das vigas é achatar a cenografia, além de eliminar o

vazamento aéreo do palco. Elas constroem, desse modo, elementos de ligação entre a

forma arquitetônica da cenografia e o espaço aéreo.

Nesse sentido, é possível perceber que a mesma idéia utilizada no traçado do triângulo

(bidimensional) no palco para excluir os vazamentos da coxia é, da mesma maneira,

projetada na verticalidade da caixa.

Mesmo quando os elementos aéreos não estão presentes na sua cenografia, podemos

observar, da mesma forma, a intenção de condução do olhar do observador para o

vértice central. O cenógrafo emprega outros recursos com a mesma finalidade, como

por exemplo, a diminuição da altura das paredes da cenografia à medida que essas se

aproximam do centro alto do palco.

Sua busca é pelo equilíbrio: “Nunca há um desequilíbrio. Tudo parece um quadro, às

vezes eu até acho que está equilibrado demais.”218

218
- Entrevista concedida a DR em 04/01/2008.

169
Essas formas construtivas podem tanto ser consideradas como reafirmação da

observação frontal da caixa cênica, como também pode ser a sua proposta de distensão

desse espaço.

Assim, o geometral proposto pela sua cenografia não parte da inscrição da esfera no

cubo, mas do prisma no espaço cúbico do teatro.

É importante destacar que a preocupação com a ‘carpintaria teatral’ e o rigor técnico

foram heranças do seu período de aprendizado como aluno, no curso de cenografia e

também como assistente do cenógrafo Pernambuco de Oliveira. O rigor técnico foi o

legado que o antigo professor deixou para o professor José Dias.

Seu desenho técnico é cuidadoso, apoiando, de maneira direta, a construção

cenotécnica.

Confirma a influência de Pernambuco de Oliveira, determinante para sua formação.

Assim como também se preocupa em destacar a sua passagem pela televisão. Após

trabalhar em novelas com cenografias realistas, passou a cenografar programas

episódicos - Casos especiais. Esse é um período de contato com profissionais vindos do

cinema, ou que paralelamente também faziam cinema, como Domingos de Oliveira e

Paulo José. Essa convivência o teria influenciado a buscar uma linguagem menos

preocupada com detalhes arquitetônicos realistas. É interessante notar que, segundo José

Dias, a passagem pela televisão empresta ao cenógrafo uma busca pela eliminação, ou

ao menos, uma diminuição dos excessos da composição realista do gabinete teatral.

A configuração da cenografia que advêm do traçado do triângulo de força determina de

maneira categórica a forma como este espaço será ocupado. Uma outra forma de

ocupação, mas sem dúvida, uma utilização precisa do espaço. Ao marcar os acessos

através de portas e reforçar a perspectiva de ponto de vista único, a cenografia aposta no

desenho fechado, completo. Tanto para o espectador, como também para as marcações,

170
influencia a atuação do ator que passa a conviver com uma ambientação próxima das

ações cotidianas.

O cenário gabinete ou mesmo a cenografia de composição realista impõe igualmente,

mas de forma completa e fechada, a movimentação do ator no espaço cênico.

Nesse sentido, o uso do espaço de ação é reflexo de um geometral que trabalha como

um desenho estruturado, não solicitando ao espectador a construção de outras formas.

Contudo, a comunicação existe, esta se dá por outros meios. E também pode suscitar o

desenvolvimento de idéias. Talvez não de novas idéias que continuam sendo

desenhadas para além do momento da encenação, mas repercutindo no olhar do

espectador, formas de encantamento ou, ao menos, de reconhecimento. Porém, é

indiscutível como a forma ‘acabada’ da cenografia é decisiva para uma outra forma de

relação tanto com o diretor e atores, como também no relacionamento estabelecido com

o público.

Exemplos 1:

Vigas partem do palco continuando pelo espaço da sala. Reforçam a perspectiva de

ponto de vista único e frontal da caixa italiana e denunciam e reafirmam o triângulo

implantado no espaço bidimensional do plano do palco. Elemento aéreo de ligação entre

a forma arquitetônica da cenografia e a sua verticalidade. Formação de prisma de base

triangular implantado no cubo da caixa cênica italiana.

Exemplos 2:

Paredes laterais diminuem em altura à medida que caminham para o fundo do palco,

reforçando a perspectiva, além de apontar para o vértice principal do triângulo de força.

O traçado de José Dias propõe a comunicação com o olhar do espectador.

Em Bonifácio Bilhões, a conjunção das duas marcantes características da cenografia de

José Dias, além das paredes perspectivadas, vigas avançam para a platéia.

171
Exemplo 3

Cenografia com evidente relação com a implantação do triângulo de força como o

esquema que determina a resultante espacial e formal da cenografia.

172
EXEMPLOS 1:

DUETO PARA UM SÓ
DE: TOM KEMPINSKI
DIREÇÃO: ANTONIO MERCADO
TEATRO RUTH ESCOBAR - SP- 198 3

DISQUE M PARA MATAR


DE: FREDERICK KNOTT
DIREÇÃO: CLAÚDIO CAVALCANTI
TEATRO BNH
ATUAL NELSON RODRIGUES 198 4

BLACK OUT
DE: FREDERICK KNOTT
DIREÇÃO: ERICK NILSEN
TEATRO VILLA LOBOS 1996

173
EXEMPLOS 2:

O AVARANTO
DE: MOLIÈRE
DIREÇÃO: JOÃO BETHENCOURT
TEATRO DO LEBLOM - 1999

BONIFÁCIO BILHÕES
AUTOR E DIRETOR: JOÃO BETHENCOURT
TEATRO DOS QUATROS - 1997

EXEMPLOS 3:

EM NOME DO PAI
DE: ALCIONE ARAÚJO
DIREÇÃO: RUBENS CORRÊA
TEATRO I CCBB -1991

174
3.2 - A novacontrovérsia.

A análise da cenografia de José Dias para a montagem de A controvérsia, dirigida por

Paulo José, apresentada no Teatro Glória, é desenvolvida a partir do texto O público

ignorado de Banu.

Destaca-se como questão fundamental para a investigação a relação de frontalidade do

ator com o espaço cênico e com o espaço teatral. Para tanto, a noção das dimensões

adicionais do espaço no Teatro será observada.

Como essencial mote para a investigação, destacamos a relação da atuação com a

frontalidade do palco italiano, incluindo o conceito de quarta parede.

A noção da quinta dimensão espacial como a relação do observador para o observado

será aqui pensada também a partir de uma outra perspectiva: deslocaremos o olhar para

dentro da cena, para o ponto de vista dos atores que interpretam Las Casas e Sepúlveda.

Verificar conseqüentemente também como se deu a relação com o público trabalhando

com um texto que a meu ver já parte de um jogo ganho. Cumpre entender jogo como a

temática da controvérsia travada pelos personagens e não como cena e encenação. Essa,

a encenação, sabemos, é um jogo que só se realiza com a presença do espectador.

Inicialmente escrita em 1992 por encomenda para uma televisão francesa por ocasião

dos 500 anos do descobrimento das Américas, A controvérsia de Valladolid foi

adaptada em 1998 para o Teatro pelo roteirista Jean - Claude Carrière. A inspiração é

um fato histórico ocorrido em 1550 na cidade Valladolid, na França, e retrata a

discussão entre o missionário Bartolomeu de Las Casas, que pretende provar que os

índios têm alma, logo, não devem ser escravizados, e o padre Sepúlveda, de alta

hierarquia da Igreja, que defende que os índios não são filhos de Deus. Para resolver o

embate, é enviado um legado do Papa para julgar a questão.

175
Paulo José, em entrevista concedida à jornalista do O Globo Roberta Oliveira, por

ocasião da estréia, revela ser essa uma peça comemorativa, não no sentido de celebração

e sim uma montagem para lembrar o fato acontecido219.

É necessário enfatizar como o texto fornece importantes características para a

configuração espacial da cena: dois pólos opostos defendem a sua tese diante de um

juiz. O texto sugere, portanto, a forma de um tribunal e este, ainda deverá abrigar o

“lugar” para a exposição, para o Teatro que se dará dentro do teatro.

Os índios têm ou não alma? Esse é o assunto a ser julgado no tribunal.

O embate é desenvolvido pelo autor de maneira tendenciosa. Percebemos nas falas dos

personagens fortes características que indicam uma composição de atuação emocionada

e emocionante, mais humana para o ator que fará Las Casas, criando, dessa maneira, a

possibilidade de imediata empatia com o público, contrapondo com falas mais frias,

sempre calcada em teorias e fundamentação para argumentação do personagem

Sepúlveda. Porém, no texto, esse chega a um ponto sem saída.

A proposta da direção e a interpretação dos atores também trilharam esse caminho: uma

atuação emocionada para Las Casas - o que esteve lá com os índios - e uma composição

mais fria para o Sepúlveda - o “homem de gabinete”.

Entendemos a questão tratada no texto hoje como uma causa ganha. Ou ao menos

sabida pelo espectador. O que se quer então do público, seria a primeira e fundamental

questão a ser verificada. Como deveria ser a relação da cena, da atuação dos atores com

o espectador? O julgamento o deixaria de fora? Ou seria ele convidado a refletir, a

defender ou a julgar esse assunto?

A encenação trabalha com a quarta parede, não com a idéia primeira ou mais ‘antiga’

desse conceito, mas ainda de certa forma a separação de dois pólos é presente. Talvez

219
- Paulo José encara o público em ‘A controvérsia’ O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro,
31/08/2000. p. 10.

176
por acreditar que o resultado dessa controvérsia já fosse um assunto sabido, ou ainda,

por pretender um espectador mais emocionado do que questionador, opta por um

relacionamento com o público como testemunha silenciosa220 ao invés do público como

parceiro221 ou juiz do confronto.

Verificamos, porém o rompimento da quarta parede em duas cenas: na apresentação do

assunto discutido/ debatido e na sentença final. Em ambas as cenas o Legado do Papa

assume a postura frontal e fala diretamente para o espectador. Ou seja, a encenação

propõe inicialmente a questão de forma direta ao público, fecha-se na caixa e no

desfecho da peça volta a se abrir. Essa quebra da quarta parede é observada, porém,

apenas para o personagem do Legado do Papa. Os demais personagens permanecem

sem uma interação clara com a sala.

É necessário destacar que a montagem estudada realizou-se na pequena caixa do Teatro

Glória, um espaço sem muitos recursos. O teatro possui uma área de atuação

concentrada em um pequeno palco alto, e esse, com o seu enquadramento da boca de

cena aliado à sala pouco profunda proporciona uma estranha relação com o espectador.

Gera um incomodativo nível do olhar do público para o palco. Ou seja, para que o

observador tenha uma visão de todo o quadro de boca e obviamente de toda a área

cênica este precisaria de um afastamento maior- uma sala mais profunda- , uma vez que

nosso ângulo de visão é de 60º. Como a sala é pouco profunda, observa-se uma relação

estranha do observador com o observado, ou ainda, o espectador precisa ‘varrer’ a todo

instante ou andar lateralmente com o seu olhar para a visão da totalidade da área de

encenação. Além disso, a grande altura do palco para um espaço teatral pequeno,

determina a altura reduzida da linha do horizonte, ou seja, a altura da visão do

observador é pequena. A distância entre a linha de terra (a reta que é formada pelo

220
- BANU, George. Op. cit. 2003, p.2.
221
- BANU, George. Op. cit. 2003, p.2.

177
encontro com o plano de fundo com o plano do chão) e a altura do observador (linha do

horizonte) o conduz a ver mais o teto ou o gride do que o chão e os dispositivos cênicos

ali implantados.

As indicações do texto e as limitações do teatro foram fatores determinantes para a

solução espacial da cena. A cenografia, ao delimitar três áreas de atuação, indicou não

só o posicionamento dos atores no palco como também contribuiu para reforçar a

proposta do diretor com o fechamento da quarta parede. Ao propor a mesa do Legado

do Papa - o juiz da controvérsia - no centro alto do palco e os espaços ocupados por Las

Casas e Sepúlveda - os opositores do embate - na baixa do palco, acabou por direcionar

os olhares dos atores Matheus Nachtergaele (Bartolomeu de Las Casas) e Otávio

Augusto (Sepúlveda) para o fundo da cena. Assim, a cenografia conduziu a encenação

com os atores de costas222 para um público ignorado.

A proposta da cenografia também nos permite pensar, sob a ótica dos dois atores, o

espaço cênico passa com duas bocas, duas frentes. Ao mesmo tempo em que o

dispositivo cênico se projeta para a boca de cena, volta-se para o fundo. A partir dessa

configuração, esses atores deveriam se relacionar com os dois planos. Ou seja, partindo

dessa perspectiva, trabalharam para duas áreas de observadores: o público e os atores

que representam o Legado do Papa (Paulo José) e o Superior do convento (Ivan de

Albuquerque). Diante do seu olhar, um espaço com pólos extremos e opostos que

deveriam ser tratados de maneiras diferentes: O duplo ponto de vista dos atores e a

dupla quinta dimensão do espaço cênico, não só na relação de posicionamento e

deslocamento dos movimentos dos atores, mas principalmente na vetorização dos seus

olhares.

222
- BANU, George. Op. cit. 2003, p 11.

178
Com esse outro referencial, a marcação dos atores para a frontalidade da sala pôde

assumir uma interessante inversão, e ser vista de uma outra maneira: o ator frontal para

a sala passaria a murmurar223, a confessar, -ver foto Matheus Nachtergaele - enquanto

as suas costas passariam a clamar224. O ator de frente para a boca estava de costas para

o seu juiz, o seu interlocutor.

Estabeleceu-se um eixo de confronto perpendicular ao eixo de autoridade e, nessa

mesma direção (eixo) e em sentido oposto, encontra-se o outro ponto de vista, o

espectador.

José Dias, ao descrever a fase inicial do trabalho com o diretor, revela como a forma do

espaço foi surgindo, se impondo pelo “duelo das palavras”. Acreditava, desde o

primeiro contato com o texto, que a palavra ali contida era tão forte que não haveria a

necessidade de uma construção arquitetônica. Ainda assim, projetou, e até desenvolveu

em maquete225 uma proposta cenógrafica propondo a construção de ‘paredes’

cambotadas para retratar uma imagem próxima a um convento ou uma igreja.

O duelo das palavras, o embate travado pelos personagens em lados opostos foi o mote

que deflagrou o seu processo criativo. A solução formal desenvolvida por Dias partiu do

triângulo de força imposto pela quinta dimensão no espaço cênico da caixa. Ou seja, o

ponto de vista do espectador diante da frontalidade do quadro da boca de cena,

desenhando no palco uma figura geométrica plana que abraça, circunscreve a área de

atuação, traçando a relação do palco com a visibilidade da platéia. Esse triângulo, com

base paralela à boca de cena e o terceiro vértice apontando para o fundo da cena, revela

a importância do centro alto do palco. A tridimensionalmente da caixa como o lugar de

convergência do olhar, o ponto de fuga central. O olhar do príncipe226.

223
- BANU, George. Op. cit. 2003, p.18.
224
- BANU, George. Op. cit. 2003, p.18.
225
- ver foto.
226
- BANU, George. Op. cit. 2003, p.1.

179
Desse triângulo, três círculos foram traçados como áreas de atuação: os espaços para o

Legado do Papa, para Las Casas e para Sepúlveda. Esse plano deixa uma área livre do

centro baixo do palco indicando/ determinando o lugar das demonstrações, o espaço

para o teatro dentro do teatro.

A cenografia caminhou e se desenvolveu desse esquema de implantação, dessa

geometria do espaço. Ao concentrar a ação em três pólos, nos vértices do triângulo de

força do palco italiano, José Dias imprimiu uma densidade à cena.

É possível verificar que a solução cenográfica adotada reflete o amplo contexto da

encenação, se integrando aos trabalhos da dramaturgia, do diretor e dos atores. Ou,

como o diretor Paulo José descreve, o dispositivo cênico: “um suporte físico para o jogo

dos atores”227. O diretor concentra o foco da encenação no trabalho de ator.

Embora o dispositivo cênico tenha optado pelo uso de mobiliário, além da instalação, no

centro alto do palco da imagem da cruz, que traz em si, referências, identificações e

significados, a singeleza da cenografia, a simplicidade das formas do mobiliário e dos

objetos de cena, em contraste com a caixa negra do palco, enfim, a cenografia liberta da

construção arquitetônica foi essencial para o foco na atuação dos atores. Esses atuam

construindo, na cena, as formas sugeridas, esboçadas.

Uma solução cenográfica que traduz de maneira sintética a proposta cênica, na qual a

ênfase está na palavra e no trabalho do ator. O dispositivo cênico é elaborado para o

ator, o espectador é o elemento que completa o esquema. Mesmo optando pela quarta

parede, a cenografia, que não representa a reprodução exata de tempo e lugar foi um

convite para continuar suscitando idéias no espectador.

227
- programa da peça.

180
Reafirmando a idéia da controvérsia tratada no texto como uma causa ganha, a

encenação aposta no interesse do espectador pelo jogo dos atores dentro da caixa, e

passa a atingi-lo pela emoção.

Assistindo à fita de vídeo da montagem, que, além dos ensaios, também registra os

exercícios de gravação para uma proposta cinematográfica, podemos ainda pensar em

uma outra perspectiva: não mais da fixa frontalidade da caixa, mas do ponto de vista do

observador que caminha dentro da cena, ou seja, o ator.

A câmara é colocada no palco e algumas cenas são diversas vezes repetidas. Ora é o

ator que se aproxima dela, seu observador, fechando em um detalhe, ora é o

enquadramento da câmara recortando o que quer revelar. Um exercício interessante. A

câmara, ao invadir o palco, fica no mesmo plano da ação e tem o poder de escolher o

ponto de vista e, assim, tem o poder de modificar o observado. A câmara opta por

valorizar os detalhes: a textura do tecido do figurino do Legado do Papa, a postura das

mãos dos atores, determinando o que e como será visto.

A filmagem ‘materializa’ os vetores do olhar dos atores na cena, potencializando a

reprodução da idéia de quarta dimensão espacial. Podemos relacionar esse mecanismo

com a proposta do físico Kaku ao pedir o afastamento do observador para fora da Terra,

para visualizar e entender a dimensão temporal. A câmara, nesse caso, mais do que

registrar a cena, permite nos fazer ver como se fosse pelo olho do ator, já que está

situado dentro do palco. Os deslocamentos, os enquadramentos, a redução ou a

ampliação de foco, a ocupação do espaço cênico se materializam. Poderíamos ampliar

essa mesma idéia para o ponto de vista do público como editor de imagens.

O que isso tem a ver com a encenação? Nada. Ou talvez uma interessante forma de

treinamento do ator. Um exercício proposto pelo diretor para uma outra linguagem com

181
o mesmo texto no mesmo dispositivo cênico visto por outros ângulos e, portanto

revelando outros relacionamentos e intenções com o olhar.

E o que isso tem a ver com a análise da encenação? Muito. Esse exercício de observador

(imperativo) com o poder da escolha em relação ao observado, do ponto de vista situado

e integrado no mesmo plano da cena nos lembra que a quinta dimensão tem o poder (de

modificar) sob o observado, que o olhar inserido no espaço da ação interage com a cena

porque tem o poder de escolha.

Permite ainda pensar ou mesmo reafirmar como a aproximação do público, inserido na

configuração total do espaço teatral, ou ainda, melhor dizendo, como a inclusão do

espectador dentro da cena é fundamental para uma encenação que deseja desenvolver

uma outra relação com o espectador ou mesmo com o Teatro que exercita a idéia de

dimensões espaciais adicionais.

O Teatro que pretende desenhar diagramas variáveis de vetorização do olhar, que parta

de idéia de pontos de vista diferentes e totalmente inserido no jogo, a ponto de, muitas

vezes, ter esses olhares, o poder de fazer a sua “edição” da dramaturgia e da encenação.

O Teatro que assume a capacidade do observador de alterar o objeto observado,

dependendo da sua relação com ele. Admitindo a cena contemporânea, o Teatro deve

reconquistar o heterogêneo público, inserindo-o no espaço e no jogo. O Teatro

precisaria de novos teatros.

182
IMPLANTAÇÃO DO TRIÂNGULO DE FORÇA
CENA

ÁREA DE
REPRESENTAÇÃO
DO TEATRO NO
TEATRO

MAQUETE

TRÊS ÁREAS DE AÇÃO- DUPLO PONTO DE VISTA DO ATOR

PRI MEI ROS ESTUDOS


CAMBOTAS GI RATÓRI AS

183
O ATOR DE COSTAS

O ATOR DE FRENTE
PARA O PÚBLICO
MURMURA

ÁREA DE
REPRESENTAÇÃO
DO TEATRO NO
TEATRO

desi lusão
Magri t te

184
A Cenografia como o lugar do espectador.

“(...) o espaço teatral pós-dramático estimula conexões perceptivas imprevisíveis. Ele

pretende ser mais lido e fantasiado do que registrado e arquivado como informação;

ele visa constituir uma arte de assistir, a visão como construção livre e ativa, como

articulação rizomática.”228

Hans-Thies Lehmann.

A compreensão da cenografia como o dispositivo cênico que, ao ser ocupado pelo ator,

revela o tempo e indica a espacialidade da cena como o lugar do ator, é um fato há

muito incontestável.

Os deslocamentos dos atores e o seu espaço gestual são, potencialmente, o que o

geometral da cena irá materializar no lugar cênico. O esquema vai além, prevê

igualmente, a sua observação. Amplia, dessa forma, a noção das dimensões adicionais

do espaço, além das três, que em regra, reconhecemos e da quarta, já totalmente

incorporada no estudo do Teatro.

A tese da quinta dimensão espacial constrói outros olhares para a cenografia e para a

cena. O espaço rítmico da cena estende-se para um mapa complexo de ritmo do espaço

total.

A incorporação dos vetores de ação do olhar do espectador na totalidade do espaço

propõe a percepção da dilatação do espaço teatral e compreende o Teatro como

multidimensional.

Expõe, dessa maneira, o Teatro-espelho, cuja imagem está contida em outra, que a

reflete. Traduz a relação de ver e ser visto, de observador e observado: Ator e público.

228
- LEHMANN, Hans-Thies. Op. cit. 2007, p. 276.

185
Ou ainda, desvenda a imagem reflexiva, como se nos observássemos refletidos no olho

de outra pessoa.

Sendo assim, o olho-espelho do ator poderia representar igualmente o olho-espelho do

espectador.

O Teatro se completa na presença do público e para ele é feito. Portanto, é na cena que a

comunicação, seu fundamento essencial, se estabelece. Diante da cena, na presença do

público, a cada instante, diagramas de força são traçados, explicitando dois pólos, dois

sentidos de comunicação - da arte- que prescinde do encontro.

Os vetores das ações invisíveis do público, aparentemente passivo, somados ao mapa de

deslocamentos, fluxos e gestos dos atores possuem a capacidade de expandir a

percepção do lugar teatral.

Esse esquema único, projetado a cada dia, tem ao mesmo tempo, o poder de repercutir

em todos os presentes, redesenhando constantemente diferentes formas, gerando

campos óticos de infinitas possibilidades e provocando emoções delicadas.

Desse modo, o Teatro de dimensões adicionais incorpora variáveis no relacionamento

cena-espectador.

Conseqüentemente, o projeto cenográfico, nos nossos dias, parte dessa constatação,

incorporando o olhar do espectador no espaço total. Mesmo ainda trabalhando com

limitações, sejam dos espaços teatrais ou ainda outras, como razões econômicas, o

ponto de vista do público, o seu posicionamento e as suas subjetividades devem ser

tratados, mesmo que conceitualmente para gerar a concepção dos projetos dos

dispositivos cênicos.

Cabendo, portanto, ao cenógrafo mudar de lugar no ato de projetar. O cenógrafo não é

apenas o titular do palco, aquele que antevê e revela o traçado da cenografia, prevendo a

ocupação do ator na cena, noção perfeitamente incorporada nos nossos dias. Ele deve

186
ser também o senhor do Hiperespaço, aquele que igualmente antevê e faz ver –

percepção - a ampliação dos limites físicos do teatro.

Para tal, a absorção de conceitos do espaço de dimensões adicionais é fundamental para

o Teatro que busca o traçado dinâmico das linhas de movimento visíveis e invisíveis

existentes no espaço teatral.

O espaço cênico é visto como campo, no qual o esquema da planta baixa deve projetar

outras dimensões: o geometral que imprime a cinética a ser vista na cena. Este é um

desenho dinâmico, no qual há a antecipação da ação dos corpos dos atores no espaço

cênico, cujos deslocamentos e movimentos em diálogo com a cinética do espaço total

foram previstos. Um traçado que antevê e espera o que virá. Refiro-me não apenas aos

atores e à cena, mas especialmente, ao espectador.

Assim, o geometral é um plano que propõe dimensões adicionais, revelando o Teatro

como espaço multidimensional.

O olhar do observador, sua percepção e sua perspectiva são, assim, o fator

preponderante que deflagra o pensamento do projeto cenográfico, devendo também ser

o seu ponto de chegada /sua finalidade: a cenografia como o lugar do espectador.

187
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WELKER, Davis. Teatrical set design; the basic thechniques. Boston, Allyn and

Bacon, 1969.

WERNECK, Maria Helena. Arquivos e operações críticas: o colecionador e o curador.

Trabalho realizado para o Simpósio Latino-Americano revisitado do VIII Congresso

Internacional Abralic 2002.

WICK. R. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo, Martins Fontes.

WILLIAMS, Raymond. Tragédia moderna. São Paulo, Cosac & Naify, 2002.

ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo, Martins Fontes.

----------------. A linguagem moderna da arquitetura. Tradução: Luis Pinatelli. Lisboa,

Dom Quixote, 1984.

199
Anexos:

1- Fichas técnicas:

1.1- O VALOR DO AMANHÃ.

ARGUMENTO E APRESENTAÇÃO: EDUARDO GIANETTI

DIREÇÃO E ROTEIRO: ISA FERRAZ

PESQUISA: HELENA TASSARA

DIREÇÃO DE ARTE: VICTOR RIQUÉ e HENRIQUE BACANA

DIREÇÃO MUSICAL: CACÁ MACHADO

PRODUÇÃO E REPORTAGEM: JUAN ALBERTO, JOYCE RIVEIRO, BRUNO


BERNARDES

EDIÇÃO DE IMAGENS: RAFAEL NORTON

CENÁRIO: HÉLIO EICHBAUER

FOTOGRAFIA: JOSÉ GUERRA

IMAGENS: FERNANDO CALIXTO E BARTOLOMEU CLEMENTE

ÁUDIO: PEDRINHO TONELADA

TÉCNICOS: JAIRO FERREIRA, JAIR PIMENTEL

ATOR: MATHEUS NACHTERGAELE

200
1.2- PÉRICLES – PRÍNCIPE DE TIRO de William Shakespeare

TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E ENCENAÇÃO: ULYSSES CRUZ

CENÁRIO E FIGURINO: HÉLIO EICHEBAUER

IDEALIZAÇÃO E DIREÇÃO MUSICAL: JOHN BOUDLER

ILUMINAÇÃO: DOMINGOS QUINTILIANO

DANÇA: MARIANA MUNIZ

ADAPTAÇÃO DRAMATURGICA: WALDEREZ CARDOSO GOMES

DIREÇÃO DE MOVIMENTO: DANI HU E RICARDO RIZZO

PREPARAÇÃO VOCAL: ROBERTO ANZAI

ELENCO:

PÉRICLES: LEONARDO BRÍCIO


MARINA: PATRÍCIA FRANÇA
HELICANO: BETO SIMAS
SIMONIDES E GORDO: MARCOS DAUD
MOTAÍSA: MARIANA MUNIZ
MADAME: MARIA GLADYS
CLÉON E RÚFIO: HILTON COBRA
LISÍMACO: MAURÍCIO FERRAZZA
MARINHEIRO E NOBRE: MARCELO DECÁRIA
FILHA DE ANTÍOCO: ZUZU BÍSCARO
THALIARD E MENSAGEIRO: NELLO MARRESE
DIANA: KIKA JULIANELLI
LEONINO: CHRISTÓVAM NETTO
DIONÍSIA: SYVIE LAILA
CAVALEIRO DE PENTÁPOLES E PESCADOR: NESTOR CHIESSE
PESCADOR E PIRATA: FÁBIO TUBENCHIAK
LICÓRDA: LUCIANA FAVER
ESCUDEIRO E MARINHEIRO: RENATO OLIVEIRA
AJUDANTE DE CERIMON: ADRIANA JORGGE
ANUNCIANTE DO REI: SILVIO KAVNSKI
BEBE: OSCAR FELIPE

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL:
ANTÍOCO E CERIMON: LUIZ ARMANDO QUEIROZ
GOWER: CLEYDE YÁCONIS

FOTOGRAFIA E PROGRAMAÇÃO VISUAL: GRINGO CARDIA

201
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO (RJ): NORMA THIRÉ

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: OSCAR JOSÉ

PRODUÇÃO EXECUTIVA: RICHARD LUIZ

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO (SP): PAULO PIAGUS

MANIPULAÇÃO DE IMAGENS E ASSISTÊNCIA DE ARTE: LEONARDO EYER

ASSESSORIA TEÓRICA: EDÉLCIO MOSTAÇO

PINTURA DE ARTE E ADEREÇOS: LUIZ ROSSI, CHALES LOPES E FÁBIO

BRANDO

CARACTERIZAÇÃO: WESTERLEY DORNELLAS

ADEREÇOS DE FIGURINOS: NANDO LEITE

TÉCNICA DE ARCO E FLECHA: FERNANDA E JOANA BLUMENSCHEIN

TÉCNICA DE ALPINISMO: JORGE MANUEL RODRIGUES FARIA

ENGENHEIRO PIROTÉCNICO: JORGE GARSKO

PREPARAÇÃO DE ANIMAIS: IN-COELUM ABREU

ASSISTENTE DE DIREÇÃO: ALFREDO AGUIAR

ASSISTENTES DE PRODUÇÃO: CELSO LEMOS, PAULA STROZEMBERG E

JOÃO HENRIQUE

FIGURINISTA ASSISTENTE: ELENA TOSCANO

ASSISTENTE DE ADEREÇO: MÁRCIO RIBEIRO E ALEXANDRE SARTI

ADERECISTAS (RJ): CELESTINO SOBRAL E LEILA CABRAL

COSTUREIRA (SP): MARTA ALVES PAES

CENOTÉCNICO: ESTEVÃO NASCIMENTO

CONTRA REGRA: ALEXANDRE AUGUSTO

CAMAREIRA: SIMA CEDELLI

EXECUÇÃO DE CARACTERIZAÇÃO: VALTER ROCHA

202
ASSESSORIA DE IMPRENSA: ANGELA DE ALMEIDA E ANDRÉA CAIS (MAIS

COMUNICAÇÃO)

DIREÇÃO GERAL: ULYSSES CRUZ

REALIZAÇÃO: FUNARJ E HORSE PRODUÇÕES ARTÍSTICAS

1.3- A CONTROVÉRSIA. de Jean-Claude Carrière

DIREÇÃO: PAULO JOSÉ

TRADUÇÃO: PAULO TIEFENTHALER

TEXTO FINAL: PEDRO BIAL

ILUMINAÇÃO: MANECO QUINDERÉ

FIGURINO: KIKA LOPES

CENOGRAFIA: JOSÉ DIAS

DIREÇÃO MUSICAL: MARCELO NEVES

ELENCO: MATHEUS NACHTERGAELE, OTÁVIO AUGUSTO, IVAN DE

ALBUQUERQUE, ANKITO, ADRIANO GARIB, FÁBIO FRANÇRA, SÍLVIA

NOBRE, YDRISH TANZKAYA, RUI POLANAH e PAULO JOSÉ.

PROGRAMAÇÃO VISUAL: JÚNIA PENNA

FOTOGRAFIA: CHRISTIAN GAUL

PRODUÇÃO: CLAUDIA MARQUES E LETICIA JACQUES

ASSESSORIA DE IMPRENSA: VANESSA CARDOSO E DANIELLA

CAVALCANTI

COORDENAÇÃO GERAL: VANIA CATTANI

ASSISTENTE DE DIREÇÃO: BEL KUTNER

FIGURINISTA ASSISTENTE: RÔ NASCIMENTO

203
ASSISTENTE DE CENOGRAFIA: ANDRÉ SANCHES E GISELA BATALHA

ASSISTENTE DE ILUMINAÇÃO: ADRIANA ORTIZ

PREPARAÇÃO CORPORAL: CLÁUDIO BALTAR

PREPARAÇÃO VOCAL: CÉLIO RENTROYA

CENOTÉCNICO: PEDRO GIRÃO

ADEREÇOS: JOSÉ MAÇAIRA E LUIS AMADI

ALFAIATE: MAURO MAYATO E MACEDO LEAL

COSTUREIRA: FÁTIMA FÉLIX

ADERECISTA DE COURO: HELOISA STOCKLER

ADERECISTA ÍNDIOS E VISAGISMO: UIRANDÊ HOLANDA

PINTURA DE TECIDO: TITA PESSOA

SAPATOS: ERNESTO LOPEZ

CHAPÉUS: PEDRA

CAMAREIRA: ANINHA

CONTRA-REGRA: FÁBIO FRANÇA

MAQUINISTA: JAIRO BOTELHO

204
2- Entrevistas:

2.1: Entrevista de Helio Eichbauer a Doris Rollemberg realizada em 18/12/2007.

FITA 1 – LADO A
Doris Rollemberg – Trabalho com a hipótese da forma do espaço cênico traçado pela
cenografia já traz em si um uso, uma ocupação da cena. Gostaria que você falasse sobre
essa relação.
Helio Eichbauer – Eu acho que desde sempre na história do teatro, porque na realidade
a cenografia se confunde muito com a arquitetura. A cenografia é uma arquitetura
cênica. Então vamos falar em termos de civilização ocidental, de teatro grego, do século
V antes de Cristo, 25 séculos de teatro. Eu acho que a estrutura, a construção cênica, a
arquitetura do teatro grego, ele já prepara, ele já situa o ator e a coreografia do ator no
espaço, desde sempre. Isso modificou um pouco no período barroco, mas... Por causa da
mecânica, tudo que o urdimento proporcionou, porque o teatro greco-romano era
praticamente ao ar livre, e o romano, eles tentaram, eles fecharam em cima com toldos,
mas... Eu acho que a forma arquitetônica já predispõe o espetáculo, já determina a
coreografia do espetáculo para o público. Eu acho que o cenário, a cenografia, ela se
confunde muito com a arquitetura até hoje. Houve um tempo em que ela foi mais
decoração, a partir do Renascimento, do teatro barroco e tudo, era mais decorativo. Mas
de qualquer forma, as cenografias eram feitas, construídas e elaboradas por arquitetos,
que faziam o trabalho de cena. E sempre tem aquela questão do olhar do... Teatro é ver,
então sempre tem a questão do olhar, da cumplicidade do olhar, e a fuga, os pontos de
fuga, os vetores do olhar.
Doris – Que caminham para o ator...
Helio – Que caminham para o ator e do ator para o público. Isso é de mão dupla,
exatamente. E trabalha naturalmente... O teatro sempre trabalhou com n dimensões no
espaço, é quadridimensional. Inclusive o teatro grego utilizava o vempo e os
elementos... Os elementos naturais e a luz solar, a dinâmica, a passagem real do tempo,
da luz. Eu acho que se confunde muito, ou se integra muito com a arquitetura.
Doris – Trabalho, ainda com a afirmação: o dispositivo cênico mais livre ou neutro
possibilita ou sugere uma forma de ocupação dos atores também mais livre ou variável,
permitindo variáveis na proposta de atuação. Para você, como é a relação da forma da
cenografia com a forma da atuação?
Helio – Eu me considero um discípulo de Appia, de Craig e fui realmente um discípulo
de Josef Svoboda, que eu considero o grande, o mais completo cenógrafo do século XX.
Eles trabalhavam sempre o espaço rítmico, com a arquitetura, com abstração, com a
pureza, com a essência e com espaços diversos, múltiplos espaços e planos onde os
atores se movimentavam. Na realidade, eles completavam a cena. Eu não vou falar
mais, porque agora eu perdi a pergunta... (risos)
Doris – É a relação do espaço mais livre com a forma de...
Helio – É um espaço mais livre, é um espaço neutro, de Appia, que foi um grande
revolucionário, um grande cenógrafo abstrato, um arquiteto abstrato. Na realidade, ele
criou mais o espaço musical. Ele trabalhou mais pra música. Tanto que ele chama de
espaço rítmico é exatamente porque ele trabalhou para Jacques Dalcroze da Suíça, que
era o grande precursor da ginástica rítmica, do que se chama expressão corporal ... Mas
ele trabalhava com música e foi o grande precursor do abstracionismo na cena. Porque o
teatro nessa época era um teatro sobrecarregado de imagens pintadas, bidimensionais,
sem profundidade, então ele propôs inclusive a luz, uma luz que inundava o espaço
cênico. Porque eu não sei se você... Claro que você conhece as imagens do Appia

205
quando ele fez... Trabalhou no estúdio de Dalgross, as paredes tinham luzes indiretas,
mas planas sem... E aquilo iluminava totalmente o espaço cênico. Eu acho que é isso,
esse foi o grande... Eu considero meu grande mestre porque... E na realidade ele é um
arquiteto, como o Appia e como o Craig foi. O Craig na realidade era um desenhista,
mas ele trabalhou o abstracionismo, muito, sobretudo naquele Hamlet de Moscou, de
Stanislavski. E são cenógrafos que não foram compreendidos em sua época e são hoje
muito cultuados. Muitas pessoas se inspiraram neles, inclusive o próprio Svoboda.
Svoboda, ele vem do construtivismo russo, da Bauhaus, o próprio teatro da Bauhaus
advém do teatro de Craig. E Svoboda vem justamente do construtivismo russo, da
Bauhaus, de Appia, de Craig. Com a grande importância que ele deu a luz, porque ele
criou equipamentos de luz, cortinas de luz, utilizando a luz como volume, o volume da
luz, o corpo de luz, que cria naturalmente um espaço.
Doris – Que dialoga com o corpo em movimento.
Helio – Que dialoga com o espaço. Porque Craig... O Appia é um cenógrafo do começo
da iluminação elétrica em teatro e o Craig também, de modo que não havia ainda esse
equipamento, tantos recursos pra se criar uma cenografia de luz, depurada, abstrata, mas
que servia ao espetáculo. Eu mostrei outro dia ao Luiz um cenógrafo muito importante,
um encenador muito importante dos anos 50 que foi Wieland Wagner, que é o neto do
Wagner, ele seguiu anos depois. Porque a Cosina Wagner, casada com o Wagner, nunca
permitiu que o Appia fizesse nenhum cenário para o Wagner, nem Meyerhold. E o
Wieland, depois, 50 anos depois, ele conseguiu... O neto conseguiu transformar a cena
num espaço mais dinâmico, mas mais abstrato também, dando muita importância à luz e
tudo. Eu considero um dos grandes trabalhos do século XX os cenários para Meyerhold
do Wieland Wagner. Eu até perguntei ao Svoboda quando eu estudava: “E o Wieland
Wagner?”. Ele falou assim: “Ah, ele é muito bom, eles fazem muito bem cenografia
com luz, um dispositivo cênico muito simples, muito puro, muito essencial.”. Mas isso
tudo vem de Appia, eu acho, vem dele. Se você analisar o que era Appia... E Craig vem
também, mas sobretudo o Craig das gravuras, dos desenhos, porque Craig desenhou
mais do que trabalhou, mais estudos, que são maravilhosos. Mas o Appia também, o
Appia trabalhou muito pouco.
Doris – Em realizações...
Helio – Em realizações... Porque o mundo na época não entendia aquela... Só os físicos,
só a física era muito moderna.
Doris – Mas deixou um legado muito importante nos estudos, nos escritos.
Helio – Não sei se eu respondi.
Doris – Sim...
Helio – Mais ou menos.
Doris – Eu queria que você falasse um pouco mais da relação da forma da cenografia
com a forma da atuação. Em que medida o nascimento da forma da cenografia é
pensado em relação direta ou não com a movimentação ou ocupação do ator na cena.
Helio – Isso tem com Appia, como eu falei a você; tem um pouco Craig também, que
ele dirigia seus próprios espetáculos e alguns trabalhos que ele conseguiu fazer: óperas e
peças de Shakespeare, enfim. Eu acho que essa pergunta me lembra, me faz recordar o
construtivismo russo, os grandes artistas, poetas e pintores cubofuturistas na Rússia. Eu
acho que foi um grande movimento de vanguarda e de renovação das artes e fazer
pensar novamente. Está ligada à geometria de Riemann no cubo, à física, a física
moderna, quântica e relativista. Eu acho que o Meyerhold, ao retirar de cena dos teatros
convencionais o espetáculo, utilizando estruturas das fábricas, a mecânica, a construção
como forma de representação e de atuação dos atores, ele criou uma escola
construtivista de biomecânica, a biomecânica da cena e dos atores. Quer dizer: o que a

206
cena propicia aos atores através de uma técnica de interpretação que ele chamou de
biomecânica, ligada à acrobacia, enfim, você sabe. Ao mesmo tempo, improvisações de
Commedia dell’Arte, era um homem apaixonado por teatro. Eu considero o grande
encenador da primeira metade do século XX o Meyerhold...
Doris – Porque ele conseguia realizar muito.
Helio – Ele realizou muito com grandes cenógrafos e cenógrafas russas, então ele
trabalhou com pessoas do mais alto nível. E na realidade criaram um teatro moderno.
Foram os russos, os cubofuturistas, porque Appia e Craig ficaram dentro, mergulharam
nas suas idealizações, eles não conseguiram realizar o que Craig anuncia em Moscou
com Hamlet, mas eles não conseguiram realizar as suas idéias, influenciar tanto a
Europa do começo do século quanto os russos.
Doris – E como é que você parte da idéia do nascimento da forma da cenografia em
relação à ocupação do ator?
Helio – Olha, eu me considero também discípulo de Meyerhold e do teatro da Bauhaus,
que era um teatro de professores, interpretado por professores, feito por professores,
sobretudo o Oskar Schlemmer. E eu acho que o ator, pra mim, é uma... Ele é e não é a
figura mais importante em cena, porque, na realidade, ele é um ser que habita
dinamicamente um espaço, que existe pra ele e para o público. Existe pra ele e existe em
si também. Tanto que uma interpretação pode se dar em qualquer lugar, ao ar livre,
numa praça, numa floresta, num leito seco de um rio, como os antigos teatros... Eu acho
que isso depende muito da visão do diretor, essa questão também da... Essa dinâmica...
Porque existe um teatro que é um teatro coreografado, um teatro dançado, um teatro em
que a expressão do ator conta enormemente, e pra isso o cenógrafo precisa trabalhar
nesse sentido. E existe um teatro mais declamatório e mais de prosa...
Doris – É nítido nos seus trabalhos que o espaço primeiro é pensado em função da
ocupação, mas do que no sentido de coreografia ou de marcação. No seu trabalho, a
gente percebe com clareza que existe uma relação direta do desenho inicial, ainda antes
de uma cenografia completa, desenhada, a gente consegue ver que existe lá no início
desse nascimento da forma, uma relação direta com a ocupação. Você já intui, já traz, já
propõe uma forma de ocupação da cena.
Helio – Ocupação e ritmo!
Doris – E ritmo...
Helio – Quando eu digo ocupação é porque... Quando se fala que o espaço... O espaço
de teatro italiano é um espaço cúbico, fechado. Mas o cubo é uma representação antiga
do mundo. O quadrado e o cubo é a mais antiga representação da terra, porque você
percorrendo o perímetro, você muda de direção várias vezes, é o que o ator faz em cena.
Na realidade, é...
Doris – Você não acha que você é aquele cenógrafo que antevê o que será, como
Kandinsky fala em relação ao pintor?
Helio – Acredito que sim, nem sempre, depende da peça. Eu gosto muito de desenhar,
eu vejo antes, eu vejo na realidade antes. O teatro é algo muito misterioso. Então, ele
vem dos sonhos, vem de grandes estudos, de concentração, de estudo, de meditação. Na
realidade, ele é feito para o público e para atores, ou bailarinos, ou cantores. Então,
quando eu projeto, eu vejo os atores em movimento, eu consigo visualizar. Por isso que
eu gosto de planta, fazer desenhos técnicos. Planta baixa é uma das coisas que eu mais
gosto de trabalhar atualmente, os cortes... Eu gosto de ver le vol d’oiseau, o espetáculo,
eu antevejo esse espetáculo. Mas é claro que sempre há a figura do diretor. Há muitos,
mas poucos bons, em relação à quantidade de pessoas que atuam no mundo, há poucas
pessoas que nós todos consideramos grandes diretores, muito poucos. Eu acho que há
mais bons cenógrafos do que diretores, na realidade, porque os cenógrafos são mais

207
artistas, plásticos, escultores, arquitetos, pintores, desenhistas, então eles são mais
artistas, eu acho. O diretor hoje em dia está preocupado não só com o espetáculo, mas
sobretudo com a interpretação, com o ator, com a palavra, que é importante também,
porque ela desenha as idéias no espaço, mas eu acho que eu vejo antes, eu antevejo,
dependendo do tema que eu trato, dependendo do autor, da sugestão, do que me sugere
o texto poético. É por isso que eu gosto de trabalhar com atores clássicos só, como
Meyerhold trabalhava. Mas hoje é muito difícil. Os grandes autores a gente conhece,
que estão envelhecendo, mas continuam trabalhando...
Doris – Atuais...
Helio – Atuais, exatamente. O mundo é muito fragmentado e teatro não é uma arte
fragmentada. Ela pode se pulverizar no espaço, mas ela está contida num espaço. Você
pode tratar de n dimensões de espaço, mas, de qualquer forma, contida num campo. Eu
gosto muito de falar de termos físicos, de física. O palco é um campo, um campo de
energia, de força, tanto que o Riemann identificava força à geometria, geometria é igual
à força. Até anotei pra você.
Doris – Ah, ótimo... E por isso que a gente pode traçar diagramas de forças...
Helio – Exatamente, a topologia do espaço. Exatamente. Esse grande físico do século
XIX, que revolucionou todo o campo da física e da geometria, o Riemann, que fez uma
conferência maravilhosa. Eu até escrevi pra você aqui o nome da conferência, é um
título lindo: Sobre hipóteses que residem nos fundamentos da geometria. Ele fez essa
conferência em 10 de junho de 1854. Georg Bernhard Riemann. Ele cria o espaço, ele
fala do espaço e de dimensões adicionais, que é o teatro. O teatro trata dessa questão,
ele trata dessa questão mais do que qualquer outra arte, eu acho. E o Riemann
influenciou toda... Chegou até Einstein. Ele criou, na realidade, as dimensões adicionais
para realizar os cálculos de física e de matemática.
Doris – Ah, eu tenho que ler ...
Helio – Você vai gostar de ler sobre o Riemann. Eu tive um grupo no Teatro Poeira, na
primeira parte, a oficina, que estudou Riemann. Eu separei as pessoas pra estudar,
porque o Riemann é não-euclidiano. Ele trabalhou os espaços curtos e tudo, que a
geometria euclidiana, ela foi cultuada por 2.300 anos.
Doris – Ainda é muito!
Helio – Ainda é muito, mas para espaços bidimensionais e tridimensionais,
bidimensionais. Quando você chega no espaço cubo, ela não atende. Ele dizia que na
natureza não existe a geometria perfeita, os ângulos retos e tudo. Ele falou que isso é
uma invenção do homem. A geometria é uma criação do homem. Isso diziam os hindus
também: geometria foi inventada. É maia. Geometria foi inventada pelo homem, não
existem essas estruturas. Existem as simetrias, mas não existem os sólidos perfeitos,
isso é uma invenção maravilhosa da mente. E aí eu acho que o teatro trata dessas
questões, o teatro trata dessa... Eu acho que existe uma relação muito grande entre física
e cenografia, por isso que eu estudo muito física. Quer dizer: até onde eu posso entender
(risos). Porque o teatro trata do macro e do micro também e há uma coisa que você
falou, que é muito bonita: existe a dimensão do olhar do público, do que ele pensa, é
uma dimensão.
Doris – É uma dimensão, e continua suscitando...
Helio – Suscitando... Não importa onde ele está, ele vê o espetáculo segundo as suas
possibilidades, segundo a sua sensibilidade, mas ele também influencia, ele modifica a
experiência.
Doris – Ele tem essa capacidade, esse poder dessa modificação.

208
Helio – O teatro trata muito dessa questão porque, na realidade, ele coloca seres
humanos, ou bonecos, ou autômatos, o que for, formas e movimento, dentro de um
espaço que não é tridimensional, é quadridimensional.
Doris – E é isso que eu estou tentando trazer a idéia da quinta dimensão, que é esse
olhar...
Helio – O olhar, exatamente... Por isso esse desenho do Ledoux é lindo.
Doris – É muito importante...
Helio – Não sei se está respondendo...
Doris – Está, poxa! Como ficaria escrito o verbete cenógrafo no seu dicionário?
Helio – Eu pensei até... O Svoboda dizia que ele era um metteur en scène plástico, era o
diretor plástico do espetáculo, o cenógrafo, que é uma... Porque essa palavra diretor é
muito estranha em português. Em francês, metteur en scène é aquele que coloca as
coisas em cena, é mais...
Doris – E hoje usamos a palavra encenador, que fica...
Helio – Encenador. Que é metteur en scène, encenador... Na realidade, o Svoboda
chamava que o cenógrafo era o encenador plástico, é aquele que... Ele criava a psico-
plástica do espaço. Eu acho que o cenógrafo, ele é o arquiteto, o poeta do espetáculo. Eu
acho que existe, mesmo que o cenógrafo não seja formado em arquitetura, o que deveria
ser, mas mesmo que não seja formado... Porque eu acho que as pessoas deviam estudar
tudo, não devia ter essa coisa de especialização do mundo de hoje, que não... Mas eu
acho que ele é o arquiteto poético do espaço cênico, ele é o criador da forma.
Cenografia é um desenho de cena, é a grafia da cena, que é uma palavra bonita também.
Mas ele é mais que isso, ele é um criador, um demiurgo também, o cenógrafo é isso.
Agora, como definir numa frase redonda, perfeita, eu não sei.
Doris – O arquiteto poético da cena já é uma definição belíssima.
Helio – Eu acho que é isso aí. Da cena. Porque o arquiteto cria espaços urbanos e cria...
Faz o paisagismo... Cria o templo, desenha o templo, mas eu acho que a cena pressupõe
uma arquitetura. Tanto que a gente chama arquitetura cênica, às vezes. O espaço de
construção a gente fala construção cênica, os franceses dizem dispositivo cênico, mas é
uma arquitetura cênica que a gente fala, quando enfim não é um cenário tão decorativo,
de telas pintadas e que envolve muito o figurativo. Mas eu acho que a definição é essa.
Doris – E quais seriam as funções do cenógrafo?
Helio – Bom, o cenógrafo cria, ele é responsável por tudo que se vê em cena. É isso que
eu sempre falo para os diretores. Ele é responsável, não adianta o diretor chegar e dizer:
“Eu tenho uma idéia pré-concebida, eu quero isso...”. O cenógrafo é o responsável pelo
que se vê em cena e de certa forma pelo que se ouve também. Porque ele cria essas
condições, esses caminhos múltiplos e dinâmicos para a cena, para o ator, então ele é
responsável pelo visual do espetáculo. Então, ele tem tanta importância quanto o ator,
quanto o texto e quanto o diretor. Isso aí é uma conjugação de talentos. Mas o cenógrafo
é aquele que ocupa do espaço, é o arquiteto do espaço, é o que cria o espaço. Ele é que
chega num palco vazio e começa a descobrir...
Doris – E organizar...
Helio – Organizar até mentalmente essas linhas, essas diretrizes, essas direções de
espaço. Ele começa a preencher ou não, ou desconstruir o espaço. Sempre me inspiram
muito os grandes teatros de ópera, que são os belos teatros que têm espaços enormes,
palcos enormes, urdimentos e tudo, eles me inspiram sempre quando os palcos estão
despidos, vazios. É a grande inspiração. A segunda inspiração pra mim é a música,
porque eu trabalho ouvindo música. A música, que é abstrata, vai diretamente nos
sentidos. Ela entra dentro de nós através do nosso labirinto, e me inspira

209
profundamente. Ela cria formas no espaço e os espaços vazios. Eu gosto hoje de
desconstruir, quanto mais vazio o espaço, mais bonito eu acho, mais sugestivo...
Doris – Você está partindo da abstração para a síntese...
Helio – Para síntese, é, eu acho.
Doris – A abstração, você já trabalha muito.
Helio – Porque há outras peças que exigem outro tipo de cenário, de construções, salas,
sofás, móveis...
Doris – Mas quase você não faz isso.
Helio – Quase não faço isso, é difícil. Mas às vezes é preciso fazer um cenário mais
realista, vamos dizer. O teatro é realista nunca, porque é uma representação daquilo que
se chama de realismo, no caso o realismo psicológico e tudo, mas é sempre uma... É
além, é além do realismo.
Doris – Você fala isso porque partimos do princípio que a gente sabe que está ali, tanto
o público quanto o ator, ou você acha que já sendo uma representação não vai ser nunca
um realismo, como um estilo ou como uma realidade?
Helio – Real ele é, porque as pessoas estão lá em carne e osso, estão ali comungando
uma situação...
Doris – É, mas a gente sabe que está aqui, o outro sabe que está lá...
Helio – Eu acho que o público sabe que está no teatro, mas às vezes também se envolve
e se emociona e não se distancia tanto quanto Brecht às vezes propunha em seu
trabalho. Eu quando estive no Berliner Ensemble, numa fase áurea, nos anos 60, ele
tinha morrido recentemente, era a Helene Weigel que estava dirigindo, eu vi os
espetáculos mais emocionantes na minha vida, então na realidade eu não me distanciei,
eu me emocionei diante de trabalhos tão lindos, que me despertaram muita emoção.
Doris – Mas uma emoção crítica também.
Helio – Crítica e não-crítica, um desfalecimento, uma entrega. Foi tão grande, que a
emoção, ela é... A grande emoção de uma obra de arte, quando você contempla ou sente
essa emoção, aflora essa emoção, ela é altamente... Ela elucida muito, ela faz parte
também da inteligência, ela...
Doris – Ela é transformadora.
Helio – Ela é transformadora, exatamente. Quando você vê uma grande obra de arte,
uma grande pintura, seja uma escultura maravilhosa, você tem uma emoção que ela nos
transporta. Na realidade, ela ensina. A emoção, ela é didática, no bom sentido assim de
que ela ensina. Ela parece desnortear a pessoa, mas na realidade o que ela está é
norteando, ela está conduzindo a pessoa ao seu centro, a sua estabilidade.
Doris – É o cenógrafo co-autor da encenação?
Helio – Eu acho que é. Ele é co-autor, às vezes, mas quase sempre, porque, como eu
disse a você, o cenógrafo, ele cria, ele dá as condições para que o espetáculo se realize,
por mais que o diretor proponha um espaço ou uma forma. Mas o cenógrafo, ele é
responsável, ele é o arquiteto responsável pelo espaço cênico.
FIM DO LADO A
FITA 1 – LADO B
Doris – A gente tava falando do cenógrafo como co-autor da encenação.
Helio – Co-autor da encenação. Eu fiz alguns trabalhos na minha vida; e outros grandes
cenógrafos que foram diretores, por exemplo, Appia, Craig, Svoboda mesmo que
trabalhou muitos anos com Otomar Krejca, que foi um dos maiores diretores do século
XX, e eles tinham uma afinidade muito grande, então o Krejca sabia em cena como
trabalhar a cinética do Svoboda, porque os cenários do Svoboda eram cinéticos,
abstrações geométricas, mas cinéticos, então as coisas todas se movimentavam e se
determinava uma ação dramática. Os atores tinham que saber se movimentar entre os

210
trilhos, entre as formas e movimento e às vezes em cima das formas em movimento,
então eu acho que tinha uma... Existe essa questão de que o Svoboda era o co-autor da
direção. Um grande cenógrafo é o co-autor de direção, ele determina a sua cenografia.
Doris – É mais do que a visualidade, ele determina a espacialidade, a dinâmica...
Helio – É mais que visualidade, é a dinâmica... Espacialidade que é a dinâmica do ator.
Eu fiz esses dois trabalhos que eu te mostrei, que eu passei pra você. Um, esse recente,
eu acho que eu mesmo dirigi o ator e fiz o figurino, que foi o Matheus Nachtergaele. Eu
criei um cenário com elásticos, com linhas de elásticos que são trajetórias; na realidade
elas indicam trajetórias ou determinam trajetórias no espaço, uma perspectiva, uma
linha, que lembra um pouco, que é um pouco inspirado no Schlemmer, que é um grande
professor pra mim também. Mas eu trabalhei com ele fisicamente como ator, então a
gente foi testando os elásticos, as possibilidades plásticas daquele cenário. O outro
trabalho importante foi o barco, que foi aquele meio cilindro do Péricles, que, aquilo ali,
eu criei aquela forma e aí os coreógrafos que são mestres de kung fu e lutas marciais,
que trabalhavam com Ulisses Cruz, Dani Ru e Ricardo Rizzo... Então nós criamos
aquelas possibilidades daquela forma geométrica, de uso daquela forma geométrica e
que isso criava uma tensão muito grande pro público, uma emoção com essa tensão...
Aquilo ali é um exemplo de um cenário que determina...
Doris – Seu uso e a ocupação do espaço...
Helio – Exato, mas aquilo é o construtivismo, aquilo é um pouco inspirado no
construtivismo. O cenário do Matheus, d’O valor do amanhã, é outra história. É como
se você saísse da Rússia para Bauhaus... Mas o que eu digo a você é que ali há o
exemplo de um cenógrafo que co-dirige.
Doris – É, mas eu acho que nesses dois exemplos, eu achei muito feliz as duas escolhas,
eu não queria me antecipar, mas... É porque parece que são dois trabalhos bem
diferentes, mas na verdade todos os dois trabalhos têm um ponto muito forte em comum
que é a relação de suscitar no espectador a noção da quinta dimensão, o outro, o ponto
de vista. Porque tanto no barco do Péricles, o espectador se envolve na construção de
novas formas que são desenhadas a cada forma de ser utilizado; e também n’O valor do
amanhã o espectador também, ao traçar os vetores, esses vetores estão construindo
planos, seccionando a caixa e trazendo para o espectador, principalmente, dentro da
televisão de um programa popular, de um programa que é visto por várias camadas da
sociedade, traz o conceito pleno da caixa, da secção. Na verdade, não são apenas
vetores, são planos, ao desenhar as linhas, você seccionou a caixa em vários planos.
Helio – E são quadridimensionais. É multidimensional.
Doris – Pois é, acho que tem uma relação direta nos dois trabalhos, quando a gente
pensa no que pode suscitar para o espectador a idéia de quinta dimensão. Todos os dois
têm. Eu acho que foi feliz a escolha.
Helio – Isso pra televisão... Ele resultou muito bonito na televisão, porque não se usa
cenário branco, não se usa linhas...
Doris – E é muito teatral...
Helio – É teatral, mas é bidimensional. Você vislumbra, você percebe, intui a
quadridimensão numa tela bidimensional. Isso é interessante.
Doris – Isso que eu achei importante para o espectador, para a tensão do...
Helio – Você sabe que fez muito sucesso, muitas pessoas não sabiam que era meu
trabalho e comentavam e tudo, eu gostei de ter feito isso. Eles gostaram muito, tanto
que eles guardaram o cenário, está todo guardado. Eu pedi o pêndulo pra mim, mas eles
não me deram, está guardado, o cenário está guardado. Eles guardaram o cenário todo.
Doris – Tomara que tenha um desdobramento...

211
Helio – Eu espero que sim, foi muito bem realizado, muito bem, maravilhosamente... O
Luiz fez umas fotos de estúdio que a gente mandou pra você. Tudo impecável, tudo
forrado, as pessoas só entravam com luvas e com meias...
Doris –De certa forma, eles foram muito ousados em aceitar esse tipo de...
Helio – Ah, sim, os diretores gostaram muito, mas a gente estava... A Isa Ferraz, que é a
diretora, a gente tava com medo. Ela é arquiteta; a gente estava com medo deles não
aceitarem, mas eles gostaram muito.
Doris – É, porque eu estou falando isso em relação à televisão. Dentro de um programa
de TV aberta, porque se a gente tivesse dentro de uma televisão fechada seria uma outra
história...
Helio – E aquele pêndulo marca o tempo também, o pêndulo é uma esfera maciça de
madeira, então o peso dela determina o movimento.
Doris – O peso real!
Helio – O peso real determina o movimento, é o pêndulo, as leis do pêndulo... A gente
trabalhava com o pêndulo também. Ela inclusive usou como vinheta de abertura do
programa o pêndulo, a madeira... Eu acho que é isso, isso é um exemplo de um espaço
que é... Na realidade ele não estava nem dançando, ele também dançava, mas ele estava
na realidade dizendo um texto de poesia. Poemas, eram trechos de filosofia, de... E a
cena do barco é uma cena coreográfica, uma cena de... biomecânica. Era um esforço
muito grande, ali estão contidas as leis da física...
Doris – Eu acho que nos dois casos temos o envolvimento com o olhar de fora...
Helio – Com o olhar, com o olhar de fora, exatamente.
Doris – Precisa dessa cumplicidade, desse olhar de fora, parece que...
Helio – O olhar de fora, exatamente. Tem isso.
Doris – Eu gostaria que você repetisse o que a gente falou antes de começar a gravar, o
que seria a definição do geometral de cena e a diferença em relação à planta baixa.
Helio – Eu adoro geometria. Eu gosto muito de geometria, ao contrário do que os
indianos dizem, que é uma invenção do homem, que ela não existe na natureza... Eu
falei até a você, existe a simetria, mas em seres minúsculos, unicelulares ...
Doris – E até podemos imaginar uma simetria não perfeita na figura humana...
Helio – Na figura humana, exatamente. Aliás, é uma das questões importantes pra
física, um estudo importante na física é a simetria, inclusive na física quântica. Mas eu
gosto muito de geometria, por conta de Platão, de Pitágoras, que são filósofos que eu
estimo muito, que eu tenho... Fui aluno também... (risos) Eu sempre acho que eu fui
aluno da academia de Platão, quem me dera, mas eu me sinto como se tivesse... Eu
venho de lá também. Eu acho que todo arquiteto ou todo artista vem do passado, ele não
surge no século XX, ou XXI, ou XIX, ele vem, ele desperta ou ele renova, às vezes,
uma tradição, que vem antes dele. Eu gosto muito de geometria, então eu penso muito
em geometria, antes de começar o projeto. Eu sempre procuro colocar na planta,
trabalhar com essa questão da geometria, das linhas, das formas, da pureza das formas,
dos ângulos, porque o cenógrafo trabalha muito com a matemática, porque escala é
matemática, que é importantíssimo também, é outro fator importantíssimo. O cenógrafo
tem que conhecer escala, porque, ele conhecendo escala e proporção, na maquete ele já
vislumbra o espetáculo, não é só pra desenhar móveis e a medida do corpo humano, não
é isso, é pra conseguir antever onde colocar essa figura no espaço. E na geometria... Eu
busco sempre inspiração na geometria e na matemática.
Doris – É, mas eu queria que você repetisse que a planta baixa é euclidiana, como é que
você falou?
Helio – É, a planta baixa é Euclides e a cena é riemanniana, ela é de n dimensões. A
planta baixa é bidimensional, eu acho que é. E plano, no plano. Tridimensional, bi e

212
tridimensional, mas a cena, ela não é euclidiana, eu acho, ela é além. Porque a gente
trabalha com espaços curvos, com calotas de esferas... Com topografia... Isso não é
euclidiano, mas eu adoro Euclides, os elementos... Mas a gente sempre parte da
Antiguidade grega, greco-romana ou vitruviana, enfim, grega, que vai para... Como a
gente trabalha no século XXI atualmente... Eu sou um cenógrafo do século XX, eu não
sou um cenógrafo do século XXI, eu sempre digo isso, eu sou do século passado, mas,
de qualquer forma, a gente trabalha com Euclides e depois a partir da nova física. A
nova física surge em meados do século XIX, com as n dimensões de espaço. Eu até...
Doris – O hiperespaço.
Helio – Hiperespaço, exatamente. Espaço de dimensões adicionais, isso que eu queria...
A gente trabalha com um espaço de dimensões adicionais. Na realidade a gente trabalha
na planta com Euclides e depois com Riemann, no espaço de dimensões... E Einstein.
Foi por causa de Riemann que Einstein conseguiu... Por causa da quadridimensão
riemannniana que o Einstein conseguiu criar a teoria da relatividade e equacionar a
questão espacial, espaço-tempo... E quadridimensão é tempo: as três dimensões para o
espaço e uma pro tempo. Mas a gente sempre parte do... A gente vai e vem das fontes.
Isso causou uma enorme mudança... O século XIX é muito interessante, eu acho o
século XIX tão importante, ou tão moderno, ou mais moderno do que o século XX. O
século XX teve aquelas duas grandes guerras que foram muito terríveis pro
desenvolvimento, pra harmonia do século XX. O século XIX teve muitas guerras
também, mas não mundiais, eram outras...
Doris – Mais localizadas...
Helio – Localizadas e sociais... Mas o século XX foi um século muito dramático...
Tanto que você vê que as grandes obras importantíssimas do cubofuturismo, elas
começam antes da Primeira Guerra e se esfacelam em 1930, logo depois da Primeira
Guerra. A grande vanguarda do século XX é do começo do século. A Segunda Guerra
foi uma guerra terrível...
Doris – E que levou muito tempo depois também pra recuperar o ritmo que vinha.
Helio – Mas... Eu acho que eu respondi, não?
Doris – Respondeu. A pergunta seguinte já de certa forma foi respondida, que é a
relação do traçado da cena com a resultante rítmica da encenação.
Helio – Foi um pouco do que eu falei do Appia...
Doris – É, falou lá no Appia.
Helio – É que eu gosto muito de fazer espetáculos pra dança, eu não fiz muitos na
minha vida, mas eu gosto muito da essência da dança...
Doris – Mas você trabalha muito com a ópera! Também...
Helio – Eu trabalho muito com a ópera, que é um pouco isso também...
Doris – Bastante! A relação do tempo e da variável rítmica e temporal da cena.
Helio – E da música, trabalha com a música. O teatro trabalha menos com música, a
música na realidade, em teatro, é uma música que leva o público a ter uma emoção, mas
é uma trilha sonora. A ópera e a dança não, o balé não, a música é fundamental, a
música que conduz...
Doris – Por isso que você tem feito muitos shows.
Helio – É, por isso que eu tenho feito shows... Que a música conduz... E pra shows
então... Os cenários que eu tenho feito mais é para o Caetano, eu fiz dez trabalhos com
ele, que eu considero dez trabalhos importantes, de...
Doris – São trabalhos que têm realmente a relação de co-autoria.
Helio – De co-autoria, é... Balé, na realidade, você precisa de maior espaço, eles
precisam de grandes espaços para que o balé aconteça, para que a dança aconteça no
plano... Mas eles transcendem o plano também, transcendem esse espaço...

213
Doris – A música traz o outro professor seu, o Klee, traz a relação com outro mestre...
Helio – É um outro mestre. As aulas são maravilhosas dele, na Bauhaus. Eu adoro, eu
gosto do Klee desde menino, aqueles livros do Klee... Eu gosto muito do Klee... Fiz até
no Parque Lage, eu fiz uma conferência sobre ele.
Doris – E tinha uma relação de ritmo e de música muito forte.
Helio – Cada um dos conferencistas era um quadro do Klee, eu interpretei o Semésio...
Que é aquele meio palhaço... (risos)
Doris – Eu gosto muito do Conquistador também, é uma figura linda!
Helio – O Klee é uma maravilha, todos aqueles professores da Bauhaus são
maravilhosos, eu gosto de todos esses grandes artistas. A Bauhaus foi desmantelada
com a guerra, um pouco antes até, com Hitler, é um século muito de rupturas e de...
Muito dramático o século XX, muito dramático... Mudança de costumes também... É
muito dramático o século XX. E o nosso também que está começando também é... Mais
ainda... Mais fragmentado, mais apocalíptico, mas o artista... Ele usa quebra-cabeça, ele
recompõe, o artista recompõe. Mesmo pensando que está rompendo tradições, ele
recompõe. Ele é um restaurador, o artista, eu acho que restaura.
Doris – Como podemos ampliar a noção do geometral e da quinta dimensão do espaço,
em relação ao ponto de vista do observador? Isso que a gente tava falando em relação à
planta baixa, ao geometral, e você trouxe a idéia da pluralidade espacial.
Helio – Você está perguntando como se pode ampliar essa...
Doris – Como se... Essa relação.
Helio – Eu acho que existem, até na entrevista do Folhetim eu falei nisso, que a questão
do público... Foi você que me perguntou, inclusive... Eu acho que há vários... O público
modifica, se modifica com a história, com o tempo e você vê que há público mais
informado e um público menos informado. Hoje em dia muito menos informado do que
foi numa época, tempos atrás.
Doris – Mesmo a elite que freqüenta...
Helio – Mesmo a elite que freqüenta. As pessoas não têm uma formação humanística
necessária, que ajuda na compreensão. Na compreensão e na crítica! No confronto com
a obra de arte, o público não tem essa relação mais, muito poucas pessoas sabem o que
estão vendo na realidade, mas isso também não importa, porque o teatro feito na Idade
Média e mesmo em tempos arcaicos na Grécia, em tablados, era feito pra pessoas que
não tinham ainda essa cultura necessária pra se entender, pra se penetrar naquele
mundo, porque o teatro é um labirinto. A pessoa precisa saber entrar e sair. Ou então
atingir um objetivo, mas a gente entra e sai desse labirinto. O espaço do teatro é um
espaço labiríntico e de puzzle. Um quebra-cabeça, um jogo, um xadrez e... Eu acho que
o ideal era que as pessoas... E os atores também, eles não têm essa formação mais tão
cultivada e tão necessária para que eles possam interpretar melhor essa informação e
essa cultura. Isso se dá através da inteligência e da cultura, essa integração que você está
perguntando.
Doris – Ampliar essas noções para a platéia, para o espectador.
Helio – Olha, eu acho que isso aí entra a questão do texto, da filosofia do texto, das
idéias do texto, que eu acho que ajudam o público a pensar, porque há teatro feito pra
pensar, outro teatro feito pra rir ou pra se distrair, enfim... Ou como a gente chamava
“teatro digestivo” nos anos 60 e 70... E o teatro hoje é um pouco assim também, a maior
parte do que se faz em teatro é feito, tem esse objetivo novelístico, rapsódico, é muito...
É um teatro fácil, um teatro...
Doris – Mas você não acha que com a forma da cenografia ou com a proposta da
cenografia pode se atingir, ampliar essas idéias, todos esses conceitos para o espectador,
como você fez nesses dois casos ?

214
Helio – Eu acho que sim, porque, dependendo do cenário, de como você concebe o
cenário e desenha o cenário, de onde ele vem e pra onde você quer que ele vá, você
pode despertar coisas latentes no público, o inconsciente, o inconsciente coletivo, você
desperta a memória também, até a memória ancestral do espectador, então você
emociona por aí, ou seja, através do mito, da forma, da cor, da emoção, então... Na
realidade você pode ampliar. Um cenógrafo pode trazer... Um cenógrafo, um pintor, um
escultor, ele traz a memória, ele ativa a memória através da emoção, através da
visualidade... Essa comunhão pode se dar através do inconsciente, existe o inconsciente
coletivo, existe pontos comuns entre os povos, entre os espectadores e os atores. Os
atores são muito responsáveis por isso também, por isso que eu acho que o ator tem que
se preparar muito e estudar muito.
Doris – Tem que se preparar mais.
Helio – Se preparar mais e não fazer, não aceitar tantos trabalhos frívolos, porque não
precisa fazer esse tipo de trabalho, o ator tem uma responsabilidade social, eu acho. O
cenógrafo também, o encenador também, mas o ator tem uma responsabilidade muito
grande, porque geralmente ele atrai o público, ele é a estrela, ele...
Doris – É a comunicação direta, comunicação primeira...
Helio – É uma comunicação direta, o cenário é o plano onde ele se apresenta, o cenário
é mais oculto; ele é direto também, mas é oculto, ele é às vezes... Ele tem mais mistério
até, às vezes, do que o próprio ator, ele é mais misterioso, ele pode ser mais misterioso,
mais oculto, mais... Latente... Isso aqui é bonito também, falando do olho, isso aqui é
uma escultura do Jung, que ele fez em pedra, e isso aqui é a pupila de quem enxerga,
porque ele fazia esculturas e desenhos mandálicos. Isso aqui é muito lindo também
porque isso aqui é o ponto de vista... Isso aqui é nós refletido, nosso reflexo na pupila,
então ele escreveu uma coisa linda sobre isso aqui, que você vai gostar de ouvir: na
capa, a face anterior da pedra de Bollinger, esculpida por Jung “A pequena figura no
centro é a pupila, você mesmo, que você vê no olho de outra pessoa. [Reflete...] A
inscrição grega traduzida por Jung diz o seguinte: o tempo é uma criança, brincando
como uma criança, brincando sobre um tabuleiro de xadrez o reino da criança. Telésforo
que erra pelas regiões sombrias do cosmos e brilha como uma estrela, elevando-se das
profundezas. Ela indica o caminho para as portas do sol e para a terra dos sonhos.”
Lindo isso! O teatro é isso! Você está tratando dessa coisa do olhar... Isso aqui eu acho
que é isso aqui também... Bonito... Se você quiser, eu passo esse desenho pra você...
Doris – Eu vou anotar as referências...
Helio – Essa aí da Bauhaus, você tem? Que o Schlemmer é isso, sobretudo esse desenho
aqui, que eu acho que é muito...
Doris – Representativo...
Helio – Esse e esse aqui, olha, esse aqui que eu acho que é muito isso também... Ilustra
muito o que você fala... Aqui é o ponto de vista do ator e os vetores e ali é o contrário,
do ator para o teatro. Muito bom!
Doris – Lindo! E esse aqui é muito simbólico, ao mesmo tempo tem uma carga
dramática...
Helio – Tem uma carga grande...
Doris – Muito bonito. Você leu o texto que eu te mandei sobre o espaço puro que Brook
pede para iniciar qualquer acontecimento Teatral. Ele pede o espaço puro para a
experiência nova. Acredito que o espaço puro, e eu gostaria que você falasse, já que
você tem uma relação muito forte com a caixa nua e com o espaço vazio da caixa
cênica, eu acredito que esse espaço puro só existe no conceito...
Helio – Sim, o que você escreve no texto...
Doris – Porque na verdade a gente já traz...

215
Helio – Você contamina, na realidade, você modifica...
Doris – O espectador traz as suas referências, o ator, a própria implantação da
cenografia já tem uma interferência que desqualifica o espaço puro, eu gostaria que
você falasse um pouco da relação da caixa com a idéia do espaço puro que o Brook
pede em relação da implantação da cenografia.
Helio – Olha, eu acho que o espaço é habitado, ele não é puro, ele é habitado por um
mundo microscópico, subatômico, a gente já sabe disso. Então, exatamente quando você
observa na física de partículas, quando você observa o micro, o mundo subatômico,
você modifica ao observar a experiência, daí o princípio da incerteza em física, que é
um princípio importantíssimo. Tinha um outro autor, um físico filósofo muito
importante que é Werner Heisenberg, físico atômico, físico de partículas, físico
quântico. E eu acho que é isso, quando você fala que o público modifica, o público na
realidade quando vê, ele modifica, ele está modificando a ação, então não existe
exatamente o espaço puro, isso é uma idéia poética do Peter Brook, que é um grande
encenador. Mas eu acho que o espaço é sempre habitado por um mundo... Pelas
partículas, por acontecimentos muito dinâmicos e dramáticos, por interconexões
invisíveis, mas que existem. Então, eu acho que não existe esse espaço puro. Eu acho
que não existe isso.
Doris – O Jean Guy Lecat, arquiteto e cenógrafo que trabalhou durante muitos anos
com Brook. Ele, numa oficina que eu fiz há uns três anos atrás aqui no Rio de Janeiro,
falou de uma noção muito bonita, que eu estou trabalhando também: a noção do espírito
do teatro. Diz que o teatro, o espaço, já tem um espírito que ele carrega e a gente pode
ver isso com facilidade, entender essa noção quando a gente fala do Teatro Oficina, com
o teatro do próprio Bouffes du Nord ou com a Cartoucherie, onde você sente que existe
um espírito que povoa o lugar.
Helio – É... Certo... Um espírito mesmo, uma energia...
Doris – Uma energia, além dessas micro...
Helio – O fantasma do teatro...
Doris – Além dessas micropartículas que você traz... Essa noção é muito bonita
também.
Helio – Porque não há espaço vazio, há campo, não existe espaço. É por isso que eu
acho que o teatro é mais campo, no sentido da física mesmo, dos fenômenos
eletromagnéticos, porque o teatro trata disso também: a cor, a luz, a formação da
matéria... O que acontece é que...
Doris – É física e química e...
Helio – Os átomos e as partículas, elas são menores que os átomos, elas agem e
interagem e se chocam dentro de um campo. O teatro na realidade é um campo, onde
essas coisas acontecem, então existe o invisível e o visível. O macrocosmos e o
microcosmos. Então eu acho que não existe muito espaço puro... Espaço puro é uma
idealização, como os sólidos perfeitos... (risos). É uma idealização.
Doris – Muito bonita essa definição.
Helio – Espero que você possa transcrever isso depois.
Doris – Espero que sim!
Helio – E tem que cortar a metade.
Doris – Não! (risos) Para você, é necessário que haja um estabelecimento primeiro de
um lugar, “espaço”, na parceria encenador/cenógrafo para o desenvolvimento do projeto
cenográfico? Quando isso se dá, qual é a sua percepção dessa relação?
Helio – Eu acho que primeiro nós temos que, dependendo do teatro...
FIM DO LADO B – FITA 1

216
FITA 2 – LADO A
Doris – Do espaço...
Helio – Do estabelecimento de um espaço, ou então da consagração de um espaço. Eu
acho que você determina um espaço. A relação se dá a partir também do traçado desse
espaço, desse campo, então você delimita o campo e aí dentro desse campo se
estabelecem essas relações. Filosóficas, sociais, interpessoais, eu acho que é isso. Eu
acho que o cenógrafo, como o diretor e o autor... Na realidade, primeiro o autor, depois
o diretor, depois o cenógrafo, se você quiser seguir uma hierarquia, mas eles entram
dentro desse espaço, que é um espaço lúdico, um espaço de jogo cênico e aí se
estabelece uma relação e um diálogo, eu acho. Agora nem todos, um cenógrafo como
eu, que trabalho há muitos anos, mais de 40 anos, você tem ao longo desse tempo, você
dialoga de várias formas, você estabelece as relações pessoais, interpessoais, elas são
variáveis, sofrem variações, porque há pessoas mais cultas, há pessoas menos cultas,
mais espiritualizadas, menos, mais instintivas, mais reflexivas, racionais. Então, na
realidade, sempre existe uma comunhão, se não existir essa comunhão entre os artistas
envolvidos no trabalho, o trabalho é um trabalho fragmentado e não-completo, é um
jogo que não se completa, como se fosse uma peça de um quebra-cabeças que não
existe, que não encaixa, que pertence a outro mundo. É um pouco isso que você está...
Doris – É isso sim. Mas é maravilhoso, é que você é um poeta! Quais as variáveis que
intervêm na criação do espaço cênico e na proposta de seu uso a partir do momento que
essa parceria efetiva se estabelece entre o encenador e o cenógrafo?
Helio – Eu acho que é assim: o teatro, o local – novamente –, o local de apresentação do
espetáculo...
Doris – Eu gostei da palavra “campo”...
Helio – O campo em termos de física, o campo eletromagnético, o campo da topologia
também. Eu acho que as variáveis são todas aquelas questões que podem surgir a partir
dessa relação, porque no meio de um projeto pode surgir uma variável, pode uma força
ou um átomo, o que for, uma idéia, ele intervém, ele surge como uma variável, porque
você pode mexer no projeto. O ideal é você criar uma cenografia dinâmica, porque as
relações são dinâmicas, as relações são todas dinâmicas e interconectadas e as variáveis
eu acho que são essas, são coisas que podem modificar um projeto, uma relação, a
relação com a filosofia do autor, com as idéias do autor... Eu não sei se eu estou
respondendo... As coisas são dinâmicas na realidade, é uma arte dinâmica o teatro. Na
realidade, não é um quadro de um grande pintor ou uma escultura, que também não são
estáticas, mas elas são consideradas obras acabadas. O teatro não tem... O teatro lembra
um pouco aquela idéia dos impressionistas, sobretudo Monet, de não terminar o quadro,
pra não delimitar a partir da aresta dos chassis da pintura, da tela, eles não terminavam...
Muitas vezes... Porque eles não gostavam dessa delimitação. É um pouco isso também o
processo nosso, embora o teatro tenha um espaço bastante definido, mas também não é
uma moldura, o teatro não é uma pintura, o teatro tem várias dimensões e as relações
também, eu acho. Porque eu acho que, no momento em que você está dialogando,
outros fragmentos, outras camadas suas, da sua constituição, da sua personalidade, do
seu inconsciente, elas dialogam também, elas estão dialogando também.
Doris – Eu acho que isso você deve ter vivenciado, já que você trabalhou diretamente
com a marcação do Matheus Nachtergaele n’O valor do amanhã, como que essas
variáveis outras, que são outras pessoas que chegam naquele momento, e o próprio ator,
como esse espaço, na verdade, ele não está completo, ele não é um desenho completo e
fechado, mesmo que já construído, como esse espaço pode ainda ser variável.
Helio – Através de uma improvisação também, através daquilo que o espaço...
Doris – Suscita naquele momento...

217
Helio – Suscita naquele momento pelo ator, ele inventou muitas coisas ali, de segurar os
elásticos todos e soltar, como se fosse... Inclusive emitia um som, como se fossem
cordas de uma harpa, então várias coisas ele propôs e nós trabalhamos, com a diretora
também.
Doris – É porque eu gosto dessa idéia de que algumas cenografias permitem – e eu acho
que esses dois casos a gente consegue ver isso –, permitem que o espaço continue a ser
criado ao longo da temporada, ao longo da...
Helio – São as variáveis, exatamente. O teatro é uma obra em progressão, work in
progress. O teatro é uma progressão, como a música moderna.
Doris – Ele continua a ser criado não só ao longo das apresentações, como na cabeça do
espectador também.
Helio – Também. E nunca é o mesmo. A representação nunca é a mesma, é diferente do
cinema...
Doris – Então, não é um cenário estático nunca.
Helio – Não, o cenário não é estático, nem a interpretação. O teatro é algo muito
dinâmico e interconectado com tudo na natureza, com o todo.
Doris – E com cada dia, com cada força, com cada conjunto de forças, campo de forças
instalados ali, naquele momento.
Helio – Isso é a grande importância do teatro, a grande magia do teatro.
Doris – Por isso que noutro dia o Amir, quando fez 70 anos, recentemente deu uma
entrevista n’O Globo, que foi a primeira capa do Segundo Caderno, ele falou uma coisa
que ao mesmo tempo é utópica, romântica, porque ele é muito assim, mas tem um fundo
na verdade quase profecia, porque ele diz que o teatro é a arte do futuro, porque é a
única arte que necessita do encontro e que hoje no mundo virtual que a gente vive, a
gente em algum momento vai ter... E o teatro é a única arte que tem essa relação... Hoje
a gente pode visitar museus pela internet, claro que nunca é... O teatro não, o teatro
precisa da...
Helio – Do público, do tempo, do tempo real e do tempo imaginário também. Ele diz
sempre que o teatro salva, isso é muito bonito. O teatro salva a pessoa, o público, o ator,
ele salva, a missão de redenção do teatro é muito grande. Eu acho também que o teatro
tem essa função da redenção, da... Eu acho que ele tem razão.
Doris – É profético.
Helio – É... O teatro é do passado, mas na realidade os escritores escreveram paro o
futuro. Os grandes mestres, os clássicos não foram escritos tão somente pra sua época
histórica social, eles escreveram pro futuro, é um pouco atemporal também, é um
projeto pro futuro, é um projeto projétil pro futuro. Eu acho que é isso. O Amir tem
razão, o Amir é um apaixonado pelo teatro, esse é um aspecto dele maravilhoso. Eu fiz
agora recentemente um grande sucesso com ele, sobretudo em São Paulo, que é a peça
do Catulo da Paixão Cearense, Um Boêmio no Céu fiz com ele. Foi um sucesso imenso
em São Paulo. Em São Paulo tem mais público, mais pessoas mais interessadas... O Rio
é um pouco blasé, um pouco kitsch.
Doris – Monólogos e comédias... Eu gostaria que você falasse um pouco sobre o seu
processo de trabalho, embora você já tenha falado da relação da geometria, eu queria
que você falasse um pouco mais, já que você falou no Folhetim como se dá o seu
exercício do caminho do pensamento.
Helio – Olha, eu leio muito, leio poesia, leio tratados de poesia e literatura, leio
filosofia, mitologia, psicologia, eu leio muito. O caminho se dá através da leitura,
primeiro. Eu estudo o autor, mas prossigo lendo. Tudo. Física, eu leio também, enfim...
Eu acho que o caminho se dá primeiro através da leitura, das imagens, eu anoto muito
os livros e eu tenho uma relação muito afetiva com os livros e eu escrevo sobre os

218
livros, eu escrevo sobre as letras, sublinho... Meus livros são todos desenhados e
escritos... As idéias surgem a partir da literatura. Do autor e da literatura, mas, mais do
que através do diálogo, são outros livros que eu leio, outros textos que eu leio e não só o
diálogo proposto e colocado pelo autor, porque alguns autores nem falam de cenário,
sobretudo os clássicos falam “na rua”... O cenógrafo tem que criar aquilo tudo e às
vezes não é necessário também, porque um autor como Shakespeare está dizendo aquilo
tudo, ele diz onde as coisas acontecem e às vezes também o local não é tão importante
assim, mas sempre é a partir da literatura. Depois então, essa prancheta, eu sempre digo
que ela é esvaziada de livros e aí eu começo a... Faço os desenhos, o esboço, os
desenhos em qualquer papel e aí depois então, isso é independente de escala, depois
então eu estendo na prancheta o papel manteiga, o papel vegetal e começo a desenhar
também a partir da planta do teatro.
Doris – A partir da planta baixa?
Helio – A partir da planta baixa do teatro e do corte. Eu tenho sempre as plantas,
sobretudo dos grandes teatros. Plantas bonitas, antigas que eu tenho, então eu trabalho a
partir da planta. E, claro, a planta está dentro de uma escala, então eu trabalho na escala.
Aí que começa o trabalho, mas é sempre a partir de uma visão demiúrgica mesmo, uma
visão entre o macrocosmos e o microcosmos, porque o teatro, a partir da escala, ele se
reduz a uma maquete, a um microcosmos, então... Mas aí eu visualizo os
acontecimentos cênicos, dramáticos a partir do desenho.
Doris – Você sempre realiza além dos desenhos a maquete.
Helio – Eu trabalho com maquete, eu sempre faço a maquete, a maquete é mais fácil pra
se perceber o espaço e o objeto na realidade. É quadridimensional. O desenho não é
quadridimensional, quadridimensional, a sua mente que vai além das dimensões
bidimensionais.
Doris – Por isso que eu pretendo traçar a diferença entre a planta baixa e o geometral.
Helio – Ah, muito diferente! Tem uma diferença, você pode projetar a geometria, mas
falta a outra dimensão, as outras dimensões. Porque essa maquete... Depois eu vou até te
mostrar a maquetezinha d’O valor do amanhã, você pode puxar o elástico um metro
além... Você tem várias possibilidades que no desenho você não tem. E nem na
fotografia da maquete. Fotografia é bidimensional, cinema...
Doris – E ela até ajuda a gente mesmo a ver. Não só o outro.
Helio – Ajuda a ver. Eu gosto muito de maquete, é um objeto plástico, que o Clarival
Valladares dizia que a maquete era um objeto plástico. Na época em que as pessoas
faziam muito objeto, nos anos 60, saiu uma discussão muito grande...
Doris – Você trabalha muito com a idéia da cenografia-objeto...
Helio – É, muito...
Doris – Até a Maria Odete na dissertação começa a falar um pouco sobre isso, ela
começa a falar e faz uma alusão à instalação, e eu não gosto desse termo...
Helio – Eu não gosto também, porque eu acho que não tem nada a ver com instalação,
porque o cenógrafo não é um instalador.
Doris – E instalação não tem nada a ver com Teatro.
Helio – Nada a ver com teatro. Instalação não pressupõe o ator, nem o bailarino, nem o
cantor... Instalação, é uma bobagem essa palavra... Eu não gosto dessa palavra, nem
gosto das instalações.
Doris – E várias vezes podemos ver que alguns artistas plásticos fazem instalação que
não dialoga com a cena.
Helio – Não funciona muito bem, porque não é feito para o ser humano, não dialoga...
Porque quando você faz um cenário abstrato, você, mesmo com aquelas formas...
Quando eu falo abstrato, é um cenário que tem geometria, ou uma textura, ou uma linha,

219
enfim... Aquilo foi feito para uma peça, pra uma ação dramática e tem uma relação, se
estabelece ali uma relação, um cordão umbilical feito pra isso. E o artista plástico
quando faz um cenário, é o objeto plástico independente da ação dramática.
Doris – E eu acho que muitas vezes até parte do pressuposto de que a instalação é
percorrida pelo observador, mas eu acho que é quase como se esquecesse disso ao
mesmo tempo. Eu acho que a cenografia, e principalmente os seus trabalhos, tem a
antevisão do encontro.
Helio – Exatamente, eu acho. E muitos cenários meus, já resultou que eles são
iguaizinhos à maquete. Então você, quando chega no teatro e vê um cenário – os bons
cenários, não os medianos –, você pensa que você tá vendo uma maquete grande, mas
na realidade o que você vê ali não é um boneco nem uma escala, é a pessoa, o ser
humano, então é como se fosse o ser humano... Como se a maquete tivesse crescido,
porque é igualzinho.
Doris – Seria interessante colocar a cópia da maquete e a cópia da cena sem a figura
humana...
Helio – É, você pensa que é maquete... Eu tenho muitos trabalhos assim, que parecem
uma maquete.
Doris – Em relação agora aos dois trabalhos que você escolheu, eu queria que você
falasse um pouco do processo de cada um, de onde você parte para chegar a essas
formas, se existe ou não o pressentimento da forma...
Helio – Às vezes existe o pressentimento da forma, quase sempre. Eu sou muito
intuitivo e instintivo também e eu não posso deixar de ser racional também, mas... A
gente é mais racional quando desenha, porque existe ali uma forma, uma técnica, um
procedimento que implica na razão, na linha, nos ângulos e existe a matemática ali. Mas
às vezes eu vejo as coisas em sonho, às vezes eu desenho no espaço com o dedo, à noite
assim, mas como forma de meditação, então as coisas surgem no espaço a partir de um
desenho, o lápis é o dedo, o indicador, ele desenha... Às vezes surge de um desenho e às
vezes da forma do espaço, do cubo, do paralelogramo, da esfera, da pequena maquete,
então... O cenário surge dali também. São vários procedimentos, vários caminhos no
processo.
Doris – Eu acredito muito na questão do pressentimento da forma. Eu acho que a
percepção está muito ligada, pode ser quase sonho nesse sentido, com a intuição. É uma
intuição; na verdade a percepção...
Helio – Formas que estão no seu inconsciente, que surgem e geralmente são
geométricas. Elas surgem... Sons, como a gente desperta a memória. Na realidade, eu
trabalho para a memória, para ter memória, eu sinto que eu trabalho pra isso. Não é pra
manter a memória, é para perceber na realidade, é para trazer de um passado, ou de uma
região atemporal, ou então muito remota as idéias, o mundo das idéias na realidade, do
logos, do Platão, é o mundo das idéias, na realidade. Eu acredito que existe um mundo
das idéias dentro de nós, de onde surgem as formas, de onde surgem as idéias, enfim,
a... Que possibilitam a nossa criação, eu acho.
Doris – Nos dois casos, você parte da geometria?
Helio – Eu acho que sim, da forma, do interior da figura geométrica. Na realidade, o
interior geralmente do cubo. Na realidade, aquilo concentra, é o campo, parte do campo,
concentra. É como se você... Muitas vezes eu traço, antes de começar o desenho, eu
determino o perímetro, eu traço a moldura, eu fecho o desenho, eu traço um círculo e aí
eu consigo, na realidade, trabalhar. Porque o espaço está determinado, escolhido.
Doris – E aí eu acho que se aproxima muito com a idéia do campo que você falou.
Porque quando você faz um quadrado, faz uma circunferência circundando, você está na
verdade criando um campo magnético e mandálico para...

220
Helio – De concentração mesmo, de meditação! Porque o cenógrafo... O artista medita
antes de trabalhar, não sai assim, mesmo...
Doris – E é muito engraçado, porque a gente pode fazer uma brincadeira mesmo,
porque quando você traça essa concentração permite que você veja.
Helio – Veja, exatamente. Na realidade, o círculo é o olho.
Doris – Que é o teatro, é o Teatro, é ver!
Helio – O círculo é aquele círculo ali...
Doris – A gente volta para a questão do olhar.
Helio – Volta o olhar. Porque assim eu acho que... Essa questão do espaço, do
inconsciente... Porque o inconsciente, pra mim, ele é estruturado; pro Freud, é amorfo,
mas pro Jung era estruturado. Eu gosto do Jung, porque o Jung é o psicanalista, é o
grande sábio para os artistas e Freud é monumental também, acho maravilhoso, mas eu
gosto dessa idéia do estrutural, do inconsciente está o si mesmo, os arquétipos... Os
arquétipos não têm definição, mas existem.
Doris – Mas povoam, de qualquer forma.
Helio – Povoam, estruturam o inconsciente, então eu gosto de trabalhar pensando
nessa... Eu gosto muito de mitologia também. Mitologia grega. Aí eu estudo muito, leio
muito os autores gregos e os mitólogos, enfim... E a mitologia está dentro de nós, do
homem ocidental, a gente pensa ainda... A gente ainda fala grego e latim de certa forma,
a gente... É uma língua modificada da antiga, a gente fala uma língua antiga ainda, que
tem grandes vínculos, então é muito forte a mitologia dentro de nós e a mitologia pro
teatro. Os tipos psicológicos é a mitologia dentro de nós, então isso me inspira muito
também, sobretudo numa peça clássica. Eu gostaria só de trabalhar os textos clássicos
na minha vida, fazer os gregos todos, é isso que eu queria fazer. Shakespeare, adoro,
mas...
Doris – Você não pensa em dirigir?
Helio – Eu recebi uma proposta de direção esse ano que vem, vamos ver se vai
concretizar, se vai dar certo...
Doris – Eu acho que seria...
Helio – Eu já dirigi poucas coisas, mas já dirigi. Mas eu acho que é o caminho que um
cenógrafo... Se o cenógrafo conseguir dirigir sua própria cenografia, sua própria
encenação é melhor. Eu acho que o cenógrafo tem condições disso, embora não trabalhe
e não seja especializado numa direção de ator, mas isso é muito vago também, porque...
Uma pessoa que estuda cenografia...
Doris – Mas você pode trabalhar com uma pessoa...
Helio – Exatamente, uma pessoa que trabalha um aspecto da interpretação ou um
coreógrafo, uma pessoa de desenho de movimento...
Doris – Que é o design.
Helio – É o design e o desenho de movimento. É um desenho.
Doris – É porque é um projeto na verdade.
Helio – É um projeto, é um design.
Doris – Porque a gente em português não tem uma palavra que possa dar a dimensão da
palavra “desenho”, como o draw e o design como projeto.
Helio – Mas eu estou querendo mesmo fazer... Retomar isso porque abre um caminho
novamente para minha carreira, porque é muito difícil você trabalhar com qualquer
diretor. Infelizmente eu não trabalho com a mesma pessoa muitas vezes. E as pessoas
derivaram também, uns foram fazer cinema...
Doris – Mas o teatro no Rio de Janeiro é...
Helio – Não tem uma continuidade, a gente não trabalha com grupos também. Há
poucos grupos no Rio de Janeiro...

221
Doris – Há pouquíssimos!
Helio – Pouquíssimos e as pessoas ali trabalham entre si e aí tem muita dificuldade de
diálogo... Encontrar uma pessoa aqui, outra ali e outra acolá é muito difícil você
estabelecer uma afinidade, uma amizade em tão pouco tempo. E aí surgem os problemas
de ego...
Doris – Porque trabalhar em grupo também é muito difícil...
Helio – Muito, porque as pessoas opinam muito... No Oficina, por exemplo, eu fiz dois
trabalhos importantes, sobretudo o primeiro, importantíssimo pra história do teatro
brasileiro e deles, que eles surgiram não foi a partir das peças russas, foi a partir d’O rei
da vela. O rei da vela deu a dimensão, a projeção e revolucionou o Teatro Oficina. Ali
eu me impus, eu era muito jovem e coloquei a minha estética toda, tanto que eu fiz
figurino, objetos de cena, maquiagem, a caracterização toda, porque os atores eram
todos pintados...
Doris – Ali você é co-autor ...
Helio – Eu fui o co-autor e claro com o gênio José Celso, e com a loucura, no bom
sentido, dele, claro. Com a imaginação dele também. E o Hamlet já foi mais
recentemente, foi mais complicado, porque o grupo é um grupo que opina, que fala
sobre tudo, aí eu fui perdendo a paciência com essa questão de... Porque não é que
exista uma hierarquia em teatro, é porque ela existe também, mas não é hierarquia no
sentido de... No sentido errado da... De divisão de classes, essas coisas sociológicas... É
que existem pessoas que sabem mais e outras que sabem menos, então acho que tem
que haver um respeito pela sabedoria, pela inteligência e pela vivência de uma pessoa.
Doris – E essa organização espacial ou plástica e visual, muitas vezes o ator não tem
mesmo como...
Helio – Não tem mesmo... Não tem...
Doris – Tem que ter um momento em que ele entra naquele espaço instaurado,
determinado e, aí sim, ele começa a suscitar idéias para ele, para si mesmo e trazê-las
para esses lugares.
Helio – Exatamente. E aí eu não tenho... Essa questão de grupos, eu trabalhei com um
grupo, recentemente com Kike Diaz, que eu fiz As três irmãs, mas aí eu fiz um trabalho
só com ele. E não tenho muita afinidade com essa questão das pessoas, eu não tenho
muita paciência com as opiniões, com as reivindicações ...
Doris – Eu também acho... Eu também acho que o teatro no Rio de Janeiro, tirando
raras exceções, não existe a... A cenografia não tem importância.
Helio – Raríssimas exceções. Nenhuma.
Doris – Acho que você já respondeu de alguma maneira: se a quarta dimensão espacial
produz a variável temporal na cena e se a quinta dimensão pode ser considerada como
os deslocamentos vetoriais dos olhares múltiplos e subjetivos do espectador, o que essa
noção pode suscitar para a cena, para o espectador e para o espaço, mesmo que
idealmente? Você já respondeu. Como todos nós, cenógrafos, podemos contribuir para
provocar e promover a dilatação do espaço? O que te levou a escolher esses dois
trabalhos, dentre tantos?
Helio – Por conta da leitura que eu fiz do seu...
FIM DO LADO A – FITA 2

FITA 2 – LADO B
Helio – ... Ilustram todas as suas idéias a respeito do trabalho que você está fazendo,
eles ilustram dentro da minha carreira. Eu acho que são dois trabalhos importantes, um
mais recente, bem recente, desse ano, e o outro de nove anos, dez anos atrás. Eu acho
que eles ilustram essa idéia da... A minha formação, eu acho, e são cenografias que

222
propõem uma dinâmica de cena, de ator e são cenografias de co-direção que mostram
como um cenógrafo co-dirige um espetáculo, acho que é mais ou menos isso... Por isso
que eu escolhi e considerados bons trabalhos, eu acho.
Doris – Em Péricles, o objeto tridimensional é manipulado na cena pelo ator, que passa
a ocupá-lo. De que maneira podemos encontrar semelhanças com o objeto pêndulo,
manipulado pelo ator em O valor do amanhã? Na verdade, acredito que existam
espaços, objetos na cenografia de O valor do amanhã também, além do pêndulo. As
linhas, os planos que eles formam, além de obviamente mostrar a caixa cênica presente
não só por conceito, mas claramente representada na cenografia, ou seja, a cenografia-
objeto é a caixa. E dentro dela, infinitos planos. O ator passa a ocupar o espaço caixa,
cortado por linhas, planos e objetos. Eu queria que você falasse da relação do ator com a
cenografia/espaço-objeto, nesses dois casos.
Helio – O valor do amanhã foi um cenário projetado dentro de uma caixa branca,
paralelogramo, com linhas que são trajetórias no espaço, que formam o desenho no
espaço, são elásticos. São tencionados, eles eram sempre tencionados e às vezes eu
soltava as linhas também pra fazer as ondas no chão, no caso das sereias com o Ulisses,
que queria fascinar Ulisses, é um texto sobre Ulisses, da Odisséia; as linhas estão no
chão, soltas, laças, mas na realidade são os vetores, são trajetórias, são linhas e o
pêndulo marca o tempo, e ao mesmo tempo é madeira maciça, é o tempo também, o
tempo...
Doris – Matéria...
Helio – A matéria... Na realidade é um cenário lúdico, um cenário feito para o
movimento do ator, o ator de preto... E havia um cubo negro também. Tem um espaço
cúbico branco e um cubo negro. E também formas geométricas... N’O valor do amanhã,
também tem os cinco sólidos de Platão. Pitágoras e Platão, os cinco sólidos regulares, os
poliedros regulares. Para fazer essa cena do jardim do paraíso, tinha uma cena sobre o
paraíso, então aquilo eram as frutas do paraíso, eram os frutos geométricos do paraíso
que eram iluminados muito sutilmente e apareciam linhas de reflexos de luz muito
tênues. Esse era o cenário d’O valor do amanhã. Basicamente eram as linhas e o ator
em movimento através dessas linhas. A gente explorou tudo que o ator podia fazer nos
dez programas. Havia outras possibilidades, mas a gente... O que se pôde fazer nos dez
programas, relativos a... Cada programa, um texto específico, escolhido e então tudo
que nós podíamos inventar foi inventado. Eu, o autor, o ator, o Matheus, e a Ísis. Mas eu
interferi muito, porque eu tenho o conhecimento, quer dizer, o cenógrafo, ele tem uma
vivência e uma intimidade com o espaço que ele cria muito maior do que qualquer outra
pessoa. Mais que o diretor, mais que o ator, na realidade o cenógrafo cria para ele... Ele
se coloca no espaço dele.
Doris – Então o cenógrafo deveria estar presente nos ensaios, como diretor de
movimento.
Helio – Eu acho que sim. Eu estava. Em todas as gravações, eu estava presente, e
trabalhamos muito, ensaiamos, fizemos... O Matheus ensaiava as possibilidades do
espaço... Têm textos de Romeu e Julieta, de tudo que a gente trabalhava essa questão...
Ele também impulsionava às vezes o pêndulo. E eu volto a falar da intimidade que o
cenógrafo tem com o espaço que ele cria, que o espaço dele não é só a mente, então...
No Péricles, na realidade era um cenário construtivista, ao fundo, dois planos, o plano
de cima era da orquestra e o plano de baixo na realidade era um paralelogramo também,
mas que ocupava em sua parte superior pela orquestra e embaixo portas, de onde
surgiam os atores, também os alçapões do teatro, que eu usava o porão... E aquela forma
de movimento que ilustra o seu trabalho, ela é a representação do navio pro mar, daí o
movimento circular, sempre circular e que produz vertigem nos espectadores. Porque

223
ele subia muito, era muito grande, ele tinha cinco metros de diâmetro, então ele era
muito grande, ele criava esse movimento do mar, da tempestade, foi criado exatamente
pra simbolizar e os atores traziam em cena e faziam o movimento.
Doris – Dava o desequilíbrio, e o equilíbrio...
Helio – Eles eram os pontos de equilíbrio, os atores, então eles trabalharam muito, cada
ator com seu peso, a sua medida, ele impulsionava dessa forma.
Doris – “O homem é a medida de todas as coisas”, como você gosta de repetir.
Helio – Eu respondi?
Doris – Respondeu. A relação do uso da cenografia-objeto.
Helio – Eu fiz outros trabalhos assim, utilizando... Mas eu acho que esses dois
exemplos são exemplos bem acabados, bem... A gente conseguiu, entre a idealização e a
realização, você tem um equilíbrio... Que às vezes, nem sempre, a gente cria, idealiza
um cenário e ele é utilizado e ele é construído exatamente como você quer, porque a
gente sempre tem os problemas com o material. Com a resistência do material, com a...
Doris – E temos uma grande dificuldade técnica ainda, eu acho, no Brasil.
Helio – Técnica, exatamente, claro. Eu gostaria, por exemplo, de fazer cenários como
aquelas grandes curvas do Niemeyer, mas aquilo é concreto armado, é muito diferente,
adoraria trabalhar com aquelas grandes curvas e tudo...
Doris – Mesmo assim só ele consegue isso porque não é só ele que calcula.
Helio – Não, tem grandes calculistas.
Doris – Além dele sempre trabalhar em projetos que permitem não só financeiramente,
esses vôos que ele faz. Nem todo arquiteto teria essa liberdade dada pelo outro, pelo
cliente.
Helio – É, não tem, ele tem essa liberdade. Alcançou essa liberdade, ainda jovem até,
ainda relativamente jovem, ele conseguiu.
Doris – Ele juntou uma coisa que é bacana que é o talento, sem dúvida, mais também
bons momentos. Quando ele encontrou Juscelino e foi projetar Belo Horizonte ainda,
antes de Brasília... Então, eu acho que ali ele conseguiu...
Helio – E bons calculistas. Joaquim Cardoso, depois o Lucio Costa, arquiteto, também
trabalhou.
Doris – E o Sussekind...
Helio – Você viu esse teatro dele de Niterói? É deslumbrante! Pra mim, é um dos
teatros mais lindos do mundo...
Doris – Eu só acho que ele peca um pouco na forma externa, claro, ele continua
modernista, mas acho que falta um pouco, alguma coisa externamente... Que talvez o
entorno vá compensar... Porque falta um paisagismo...
Helio – O entorno vai compensar porque tem outras formas. Falta paisagismo, falta
grama, falta paisagismo!
Doris – Falta o diálogo com a paisagem.
Helio – Exatamente, agora o espaço interior é muito bonito... Aqueles vidros que dão
pro mar e tudo aquilo, eu acho bonito.
Doris – E eu acho que tem uma solução muito bonita e democrática, que ele faz
também no Teatro Raul Cortez, em Caxias, que eu também já fui lá ver, que é um
conceito muito bonito, que é abrir a possibilidade para a praça.
Helio – Os dois têm isso.
Doris – Os dois têm isso.
Helio – E aquele lindo, do Ibirapuera, que é um triângulo com aquela língua vermelha
que avança. Aquele é um teatro lindo que abre todo o fundo pro parque também, aquele
é o mais bonito.
Doris – Eu acho que, conceitualmente, acho bem bonito, a idéia.

224
Helio – Ele tinha feito isso no teatro da Manchete.
Doris – Ah, é?! Não sabia.
Helio – O teatro da Manchete abre o fundo pra piscina. O jardim interno da Manchete
abre todo o fundo. Tem o prédio principal da Manchete, tem um pátio interior imenso
com uma piscina e uns jardins que eu acho que era do Burle Marx e aí você abre, abre o
palco todo, grande palco, grande abertura para o jardim da Manchete. Espero que
reativem o teatro novamente. Mas eu achei muito bonito o teatro de Niterói. Claro, falta
o jardim, eu acho.
Doris – É, acho que falta esse diálogo com o entorno.
Helio – E faltam móveis também pras pessoas sentarem, bancos e tudo, que as pessoas
não têm onde sentar.
Doris – Pois é, falta o paisagismo.
Helio – Falta o paisagismo, que com o Burle Marx era perfeito.
Doris – Era um casamento bonito.
Helio – Era um casamento bonito.
Doris – Eu espero que ali façam. Eu acho que a gente já falou aqui, acho que nos dois
casos selecionados a gente percebe as infinitas possibilidades de utilização, de
ocupação, de diálogo do ator com a cena, mas também eles têm uma coisa que é
importante, que a gente verifica em outros trabalhos seus, que é a imposição, no bom
sentido, a determinação da ocupação, que é aquela coisa que a gente estava falando, do
cenógrafo que consegue – nem todos – fazer essa antevisão da encenação, da cena, eu
acho que os dois casos têm essa situação. E tem uma coisa bonita, uma frase da
Mariângela Alves de Lima: “É ver e entender”! É lindo!
Helio – Esse texto é lindo, eu adoro esse texto.
Doris – E que se aplica perfeitamente a esses casos. É muito bonito, eu acho que ela
sintetiza muito...
Helio – É um pequeno texto muito bom, eu adorei esse texto. Ela gosta muito de mim,
ela entende muito a minha cenografia. Ela, da cenografia que eu fiz da Visita da Velha
Senhora, ela falou: “É ver e entender”. Isso é o que ela acha que é dos cenários que eu
faço, ela é uma fã minha, enfim, ótimo. Mas ela escreve bem, não é assim um elogio...
Doris – Não, ela entende mesmo!
Helio – Ela entende. Então, ela falou: “É ver para entender.” Quer dizer, isso para um
cenógrafo é o máximo. Você tem que fazer o cenário para as pessoas verem e
entenderem a cena. Por isso que ela falou: “É ver e entender”.
Doris – Por isso que eu gosto da frase do Kandinsky, que não é só antever, mas fazer
ver.
Helio – É, essa que é a primeira fase do seu texto, ele vê o que será e o faz ver.
Doris – Eu acho que isso é bonito para o cenógrafo, ele não fala em relação à
cenografia, ele fala em relação à pintura, mas eu acho que a gente pode roubar, se
apropriar dessa idéia porque... Eu acho nesses dois casos... E eu acho que ela consegue
naquele pequeno texto...
Helio – Ela diz tudo ali! Não sei, tem pessoas que escreveram sobre mim catataus, mas
ela faz uma síntese muito bonita ali.
Doris – E é difícil ver uma pessoa escrevendo assim sobre cenografia.
Helio – Muito, muito! Ela escreve muito bem, ela escreve...
Doris – Porque mesmo nas críticas que a gente vê...
Helio – Ah, não são nada.
Doris – Eu queria te agradecer, eu estou muito emocionada.
Helio – Mas é muito grande isso aí tudo que você gravou.
Doris – Não, mas vai ser tudo utilizado. Eu estou... Eu estou até emocionada.

225
Helio – É tese de doutorado?
Doris – É doutorado.
Helio – Ah, importante!
Doris – Eu não sou uma pesquisadora, eu não sou uma... Eu sou uma cenógrafa e estou
estudando, tenho uma grande dificuldade em escrever... Eu não tenho estilo, eu não
tenho uma forma bonita, com estilo, eu não tenho isso. Não alcançarei. Mas eu acho que
é muito importante a gente ter escritos sobre cenógrafos, sobre cenografia e a gente não
tem. A gente não dá voz ao cenógrafo, então eu estou muito emocionada de estar
podendo gravar essa sua entrevista, porque a gente não consegue publicações dando voz
ao cenógrafo. São sempre historiadores, críticos, pesquisadores estudando o cenógrafo,
mas...
Helio – O Luiz [Henrique Sá] também está fazendo a tese de mestrado dele sobre mim...
Doris – Também. Eu acho que você...
Helio – Mas é bem diferente da sua. Bem diferente, você é arquiteta. É diferente,
entender o mundo de outra forma. E cenógrafa...
Doris – E a Maria Odete [Monteiro] também...
Helio – Maria Odete gosta de artes plásticas, então ela sempre procura uma relação
entre o meu trabalho com Volpi, eu digo: “Pára Maria Odete, pára disso!”
Doris – Mas ela é uma apaixonada pelo seu trabalho. Eu tinha medo dela fazer um
trabalho muito passional, eu acho até que foi pouco, podia ser mais, porque ela fala de
você com tanta paixão, eu acho que mesmo sendo uma dissertação, podia ser mais
emotivo...
Helio – Quem é sua orientadora?
Doris – Lidia Kosovski.
Helio – Ah, a Lídia!
Doris – Que é maravilhosa...
Helio – O Luiz está até fazendo uma coisa, mas como é uma tese de mestrado, eu
deixei, é muito biográfico, desde a infância, eu falei: “Luiz...!”
Doris – Mas precisa ser feito também.
Helio – É, também.
Doris – Precisa ser feito.
Helio – É, pra mestrado.
Doris – Não, precisa ser feito... Porque na verdade, em teatro, e em cenografia
especificamente, tudo precisa ser escrito. Nada foi escrito.
Helio – Tudo precisa ser escrito, é diferente da Europa.
Doris – Eu volto a insistir que você precisa escrever um livro em primeira pessoa.
Helio – Ah, vamos ver...
FIM DA GRAVAÇÃO.

226
2.2: Entrevista de José Dias a Doris Rollemberg em 04/01/2008.

LADO A
Doris Rollemberg – Eu trabalho com a hipótese da forma do espaço cênico, quando
traçado pela cenografia já traz em si um uso, uma ocupação da cena. Em que medida o
nascimento da forma da cenografia é pensado em relação à movimentação ou ocupação
do ator na cena? Eu gostaria que você trabalhasse com essa idéia e com essa afirmação.
José Dias – Quer dizer, a forma já nasce pensando no espaço, quer dizer, no espaço
existente na arquitetura, no espaço físico existente?
Doris – Não, da cenografia, a forma da cenografia já... A proposta da cenografia já traz
em si uma idéia de uso, de ocupação, de proposta rítmica da cena.
Dias – Bom, sem dúvida nenhuma. Eu acho que qualquer trabalho que a gente faça de
cenografia, seja ele em palco italiano, arena... Enfim, seja qual for o espaço, a
cenografia ali é o estudo da forma, o desenho, o traço, tanto na horizontalidade quanto
na verticalidade, já traz uma volumetria, já traz uma noção assim, um tipo de entrada e
saída, já dá a noção de movimentação, de marcação do ator em cena. É por isso que
muitas das vezes eu digo que quem marca, quem faz a movimentação do ator em cena é
o cenógrafo, porque quem determina... Se for uma cenografia realista, se for um
cenário-gabinete, se for uma coisa naturalista, o cenógrafo, quando determina a porta de
entrada, a social, a porta que vai pra parte íntima, a cozinha, o banheiro, enfim... Todas
as entradas e saídas são feitas a partir de uma dinâmica do espaço que o cenógrafo vai
traçando cena por cena pra que ele faça com que o diretor utilize o seu espaço da melhor
forma possível. Então, isso faz com que o cenógrafo esteja determinando a
movimentação do ator em cena. Mesmo que não tenha portinha nem janelinha, não
tenham essas entradas, enfim... Esses elementos arquitetônicos têm a horizontalidade.
Se for plano, se forem horizontais, se for uma cenografia formalista, os próprios planos
vão determinar o local onde se passa a cena, no plano A, no plano B, no plano C. Então,
a movimentação desses atores nesse espaço vai determinar uma geometria, vai
determinar o quê? Uma ação dramática determina então o espaço cênico, mesmo que
não tenha plano nenhum, eu tenho um palco totalmente livre. Mas a ação dramática, a
área que eu marquei, o triângulo de força onde eu determinei que estivesse... O
elemento quem determina é o cenógrafo, ali se caracteriza o espaço cênico. Foi
respondido?
Doris – Sim. Eu acredito também que a forma do dispositivo...
Dias – Só complementando um pouquinho o que eu estou falando. Evidente que cada
elemento que é colocado, tanto seja na cenografia realista, ou no formalista, ou no... O
que for, seja qual for o estilo ocorrente, se a forma que é criada pelo cenógrafo não for
dada à função pelo diretor, muitas das vezes a gente perde, então o que é que a gente
tem que fazer? Tem que fazer com que o diretor utilize nosso elemento, a forma que nós
criamos em toda sua plenitude. Porque de nada adianta você criar um elemento, uma
forma, sem dar função a ela.
Doris – Acredito também que a forma do dispositivo cênico mais livre ou neutro
possibilita ou sugere uma forma de ocupação dos atores também mais livre ou variável,
permitindo diferentes possibilidades na proposta de atuação. Gostaria que você
comentasse sobre essa relação, complementando o que você já disse, na relação da
forma da cenografia com a atuação, mas não só com a movimentação.
Dias – Quando você tem uma arquitetura, um espaço onde você vai trabalhar, onde não
é um palco italiano, é um espaço, é uma sala. E você é convidado pra fazer um
espetáculo nessa sala. A primeira coisa que eu, José Dias, como cenógrafo, faço é ir pra

227
esse espaço sem ninguém. Então, eu me sento nesse espaço, eu me deito, eu fico vendo
que espaço é esse afinal. É como se fosse quando eu vou fazer um projeto também de
um teatro. Vou e fico sem ninguém... Eu fico sentado, olhando... Tento... Começo a
sentir esse espaço, começo a sentir a amplitude dele, a expansão dele, até onde ele vai, o
que tem de iluminação, de refrigeração, a altura desse espaço, o que é que eu posso usar
na verticalidade, o que é que eu posso usar na horizontalidade, que função a gente cria
ali pra dar esse triângulo de força pra cena ou se a gente utiliza todo o espaço... Isso faz
com que quando o ator chegue pro ensaio, ou o diretor, eu já converso com o diretor...
Aliás, ontem eu tive até um papo muito interessante com um diretor sobre isso: um
espaço novo, que é um espaço que não tem nada! É uma arquitetura e ele querendo
dispor as cenas e eu dizendo pra ele: não, nós vamos entrar com os atores e vamos
deixar que as coisas aconteçam naturalmente. Eu vou seguindo um desenho natural dos
próprios atores, a partir da movimentação dos atores... Eu não vou já pré-estabelecer
onde vai ficar o público. Não me interessa onde vai ficar o público por enquanto, me
interessa a ação, o que é que vai acontecer aqui, como é que os atores vão se sentir?
Enclausurados? Eles vão tentar se libertar por onde? Vão tentar subir em corda? Não
vão subir, porque não tem corda pra subir, não tem vara de luz, a luz também não vai
ser essa coisa profissional. Então, o espaço, muitas das vezes, eu forneço, eu dou um
elemento pro ator, eu posso dar um banco, uma cadeira, um barril, um guarda-chuva,
uma bengala, um pedaço de pau, uma vara, uma vareta de bambu... Qualquer elemento,
eu dou pro ator e eu deixo lá. Então, da mesma forma que eu cheguei, fiquei namorando
esse espaço, fiquei identificando esse espaço, o que é que sai dali em relação ao texto.
Tudo sempre em função de uma proposta cênica de direção, sempre em função de um
texto, nunca uma coisa por vaidade. “Ah, eu acho que vai ficar legal isso aqui.” Não, eu
nunca penso assim! Eu nunca penso em fazer uma coisa que me agrade. Eu posso até
fazer uma coisa que não me agrade, mas se eu achar que ela tem uma função dentro do
espetáculo, que aquilo ali vai fazer efeito, que o diretor vai saber usar, eu faço. Eu vou
sofrer, mas eu faço, porque eu sei que vai ser para o bem do espetáculo. Mesmo que eu
não esteja gostando, sabe?... Daquele estudo volumétrico... Mas se eu sinto que esse é o
caminho, aí eu vou. Então, eu vou como se fosse conduzindo os atores, é como se eles
fossem cegos dentro de um espaço e eu só vou mostrando a eles qual o caminho, que
caminho eles devem seguir pra que eles não batam nas paredes.
Doris – Sim, mas...
Dias – Então, eu vou delimitando uma área e vou fazendo com que eles utilizem o
máximo o espaço, aí depois eu começo a introduzir o público, como o público vai ficar.
Doris – Sim, mas...
Dias – Eu não limito! Boca, aqui, à frente, ali e tal... Vamos utilizar o espaço. Eu deixo
o jogo acontecer. Pra mim, o importante é o jogo.
Doris – É, mas, por exemplo, você falou do cenário-gabinete, que tem as portas que tem
as...
Dias – O cenário-gabinete é diferente!
Doris – É... A gente vai ver mais adiante, o Fausto, que era um dispositivo que na
verdade permitia uma maior possibilidade de jogo, uma vez que ele não dava nada de
elementos construtivos para ator, ou dava muito pouco, trabalhando apenas a
espacialidade. Então, eu queria que você falasse um pouco desse dispositivo, não só do
espaço teatral, mas do dispositivo mais livre em relação à atuação e de um dispositivo
mais determinado no sentido de dar mais elementos concretos e a relação com a
atuação.
Dias – Quando você tem um espaço que tem uma arquitetura, toda uma arquitetura
cênica, que tem elementos de contra-regragem, onde o ator levanta, senta, pega um

228
copo, acende um abajur, puxa uma cortina, desce uma persiana, se movimenta, abre a
porta, abre a janela... Tudo isso são elementos de apoio pro ator. Tudo isso são
elementos que faz com que o ator represente diante de! Mas a gente sempre faz o quê?
Eu sempre jogo a poltrona, o sofá, sempre jogo pro meio, pro triângulo de força, pra que
a coisa aconteça em volta. Não deixo iluminar a cenografia, a cenografia não pode ser
nunca iluminada, ela tem que ser banhada. Então, os atores utilizam esses elementos. Eu
posso fazer esse mesmo espetáculo, onde tem toda essa arquitetura com outro público
diferente, um outro espaço completamente diferente, onde eu não tenho nenhum
elemento. Onde eu não tenho uma portinha, eu não tenho uma janela, onde eu não tenho
uma persiana, não tenho interruptor, não tem um abajur, não tem o sofá, não tem a
cadeira, não tem a mesa, não tem um copinho de uísque... Não tenho nada! E eu digo
pra você: ele vai acontecer com a mesma intensidade, talvez ele aconteça com mais
força, a palavra tenha muito mais potência do que antes, talvez tenha muito mais
verdade do que com todo aquele aparato visual. Por quê? Porque quando você pega
todos esses elementos, é como se você pegasse toda essa arquitetura, todos esses
elementos de contra-regragem, leve e pesado, jogasse dentro de um liquidificador e
batesse. Ali você está batendo o quê? Você está batendo toda a análise técnica de
produção. Você está com toda a análise técnica do espetáculo. Ali você pegou todas as
cenas, cena por cena, fez a decupagem, fez toda a análise técnica e jogou no espaço. Só
que você pega aquilo tudo, joga e bate no liquidificador, sai um elemento. É como se
disso tudo eu criasse uma forma. Eu desse a textura e cor a essa forma, e botasse no
espaço e o diretor vai dar função a essa forma que eu criei. O ator vai utilizar esse
elemento, como um elemento de força pra ele, como antes ele utilizava o sofá, poltrona,
ou o copo de uísque, ou o cigarro, ou o cinzeiro, o que fosse. Ele vai usar talvez com
muito mais intensidade, com muito mais garra, com muito mais verdade do que se for o
sofá. E te digo mais: o público vai entender muito mais, o público é inteligente o
suficiente, que vai saber onde a cena acontece e por que ela está acontecendo... A luz aí
é primordial, porque a iluminação... As pessoas acham que a iluminação é pra iluminar
simplesmente o ator, não é! A iluminação é pra iluminar o ator e criar um clima, uma
atmosfera, ela tem toda uma força aí dramática também. É por isso que iluminador e
cenógrafo têm que trabalhar em quatro mãos, senão cada um vai para um lado, é como o
figurino. Então, quando você elimina completamente esse espaço, toda essa arquitetura,
delimita simplesmente uma área e coloca um elemento que foi a síntese de tudo isso, o
ator, ele vai passar com tanta verdade quanto no outro, ou talvez até mais, porque ele
sabe que não tem nenhum aparato visual por trás, ele sabe que ele ali tem que ter
verdade; ele ali, o jogo tem que acontecer; ele ali tem que dizer a palavra com toda a
potência dela, com toda a força dela, ele não pode perder um minuto, porque ninguém
estará olhando para o quadrinho que estará pendurado na parede, nem pra maçaneta de
porta, nem para o tapete que está na sala, ou pro sofá, ou pro paletó dele. Estarão
olhando no olho dele, porque tudo que está ali foi resumido num único elemento. Então,
esse elemento tem toda uma força. Respondi?
Doris – Respondeu! Vou te perguntar depois uma outra questão a partir disso. Como
ficaria escrito no seu dicionário o verbete Cenógrafo?
Dias – Cenógrafo?
Doris – No seu dicionário.
Dias – No meu dicionário? Olha, cenógrafo é aquele profissional sofrido, solitário...
Porque o nosso trabalho muitas vezes tem que ser solitário. Tímido (risos)... Que
trabalha por trás das câmeras ou trabalha na coxia, mas que tem a inteligência e a
capacidade de transformar todo um romance, um roteiro, um texto, uma dramaturgia,
um conjunto de palavras... Três volumes, um volume, o que for... Duas páginas...

229
Apenas em um único elemento, uma única forma. É dar forma àquilo que o diretor, ou
melhor... Criar uma forma a partir de um texto, dar forma a partir de uma dramaturgia.
O cenógrafo é aquele que responde graficamente à proposta cênica de direção, responde
graficamente à proposta do dramaturgo, do roteirista, do autor. Então, cabe ao cenógrafo
o quê? Responder graficamente à proposta dele. É o cenógrafo pegar essa obra do autor,
essa obra do roteirista e transformar através do seu traço, através da sua sensibilidade
numa forma. É criar esse espaço mágico, é dar função aos elementos que vão sendo
citados, sempre obedecendo o quê? Obedecendo o maestro, eu não posso fazer nada por
vaidade, não posso fazer nada olhando pro meu umbigo pra agradar o público, sempre
respondendo a uma proposta cênica de direção, respondendo ao que o diretor se propõe.
O maestro é o diretor.
Doris – E quais são as funções do cenógrafo?
Dias – Atualmente, a função... Antigamente, o cenógrafo, ele era responsável por todas
as coisas e não qualificavam ele como hoje qualificam. O cenógrafo hoje pode ser
chamado de diretor de arte, ele pode congregar tudo isso, pela parte de cenografia,
figurino, adereços, efeitos especiais, maquiagem, caracterização, enfim. Ele pode pegar
tudo isso, hoje o cenógrafo pode pegar tudo isso. Na verdade, antes ele já pegava tudo
isso e ele não tinha o título de diretor de arte. Hoje o cenógrafo que já tem o know-how,
já adquiriu know-how em cinema, televisão, teatro... Ele é o diretor de arte, aquele cara
que eu digo que almoça no casebre com pobre e janta no palácio tomando um vinho
francês como rico. Então, ele tem que saber transitar nesses ambientes, ele tem que
saber transitar nesses espaços, ele tem que ter essa sensibilidade, o cenógrafo. Só que
ele, hoje em dia, ele, além de fazer o trabalho dele de cenógrafo, ele tem essa... Qual foi
a pergunta mesmo?
Doris – Quais são as suas funções?
Dias – As funções. Além dele criar essa...
Doris – Forma....
Dias – Um espaço...
Doris – Você falou da forma... A partir do texto...
Dias – A forma... Cria a forma... Definir, ele tem que definir toda a plasticidade visual
do espetáculo, isso é coisa do cenógrafo. É por isso que o iluminador e o figurinista
nunca determinam a cor sem antes ver a cor da maquete, ver a cor do cenário com o
cenógrafo. Porque a partir da paleta do cenógrafo é que o figurinista... Ele pode até
desenhar... Você vê, os grandes figurinistas fazem isso, desenham o figurino mas não
dão cor, só vão dar cor depois que vêem a maquete. Pedem pra ficar com a maquete, pra
ver... Quais são os movimentos que têm, se tem movimentos, onde é que entra e sai...
Então... Pra ela ver a cor. O iluminador, a mesma coisa, ele quer ver a maquete pra ver
os efeitos e dialogar com o cenógrafo, isso tem que ser um casamento perfeito. Quem
comanda isso é o diretor de arte atualmente, que é um cenógrafo com know-how. Mas o
papel de cenógrafo ainda é esse: definir toda essa paleta da composição visual, ele é
responsável pelo visual do espetáculo, ele pode chegar e falar com o iluminador, ele
pode chegar e falar com o maquiador, ele pode chegar e falar com o figurinista...
Doris – Sim, mas ele organiza...
Dias – Tem que haver uma ponte nisso aí.
Doris – É, mas, além dessa organização visual, ele está na verdade trabalhando uma
organização funcional e sendo também responsável, muitas vezes, por uma estética,
concorda?
Dias – Pela estética visual do espetáculo.
Doris – Concorda?
Dias – Sem dúvida nenhuma, perfeito!

230
Doris – É o cenógrafo algumas vezes co-autor da encenação? Quando isso acontece?
Qual é a relação do traçado da cena, da cenografia, depois eu vou voltar a falar da sua
implantação a partir do triângulo de força... Com essa afirmação, você pode falar dando
o exemplo do Besame mucho.
Dias – Olha só, eu posso falar de vários espetáculos, é claro que em teatro... Não posso
dizer isso em televisão, porque em televisão a gente prepara, a coisa é sempre realista...
E é realismo propriamente dito, ou muitas das vezes é uma cenografia naturalista, mas
eu questiono muito atualmente, eu acho que isso nem é mais cenografia, isso aí é uma
outra coisa, que a gente tem que escolher um outro nome pra isso, mas tanto pode ser
uma cenografia de televisão, uma cenografia de cinema, uma cenografia de um show,
cenografia de um vídeo-clipe, cenografia de um filme institucional, de um longa
metragem, não importa. O cenógrafo, ele tem sempre uma participação muito intensa,
porque, quando o cenógrafo ele pega e faz uma análise técnica de arte, ele disseca. É
como ele pegar o texto e disseca o texto, ele disseca a obra, ele disseca o autor, ele
procura saber quem é o autor e o que é que essa obra quer dizer. Paralelo a isso, ele tem
um diretor que, como maestro, traça uma... Determina uma linguagem, determina uma
proposta cênica de direção. Mas caberá ao cenógrafo transformar tudo isso numa parte
gráfica, pegar todas essas idéias e responder graficamente a essas propostas. Certo?
Doris – Mas não é só isso!
Dias – Eu vou chegar lá. Tanto na cenografia de televisão, quando a gente determina as
entradas e saídas, eu estou determinando as entradas e saídas dos movimentos do ator
em cena, eu estou determinando a marcação do ator em cena, onde ele vai sentar, como
ele senta, se levanta, vai pra onde, pra direita ou pra esquerda. Ora, esse trânsito é como
se fosse um guarda de trânsito, quem vai pra direita, quem vai pra esquerda, por onde
entra, por onde sai. Quando você vai pro palco e faz um cenário-gabinete realista, é a
mesma coisa. Uma comédia, um vaudeville, o diretor pergunta: “Onde é que é a porta de
entrada?” Eu digo: – Tá ali... “A porta de saída, o banheiro...” – É aqui. “Ok...” Então,
eu crio, eu determino pra ele por onde entra e por onde sai. Eu faço com que ele utilize
o meu espaço em toda a sua plenitude como eu desejo, ele tem que dar função ao espaço
que eu criei. Então, eu estou determinando por onde entra e sai, onde vai e fecha, onde
pega as coisas, eu determino o local de tudo. Desde a poltrona, da harpa, do que for.
Doris – Sim, e quando que esse cenógrafo então é um co-autor, um co-diretor?
Dias – Primeiro ele é um co-autor em termos de elaboração desse espaço, em termos de
geometria de palco. Ele não é em termos de interpretação, de direção de ator, ele não é.
Quem faz a direção de ator é o diretor do espetáculo. Aí nós não podemos entrar, na
parte de interpretação... Não que a gente não conheça!
Doris – Mas a gente está falando de função e de estética, e de linguagem.
Dias – A gente determina a estética, mas não a linha interpretativa, não...
Doris – Então você discorda dessa afirmação, que o cenógrafo pode em algumas
montagens ser um co-diretor ou um co-autor de uma proposta ou de uma encenação?
Dias – Estética sim, mas da encenação não, porque eu não posso dirigir, eu não estou
dirigindo o ator. Mas da estética, da encenação no seu todo, nós podemos... Porque nós
determinamos toda a plasticidade visual do espetáculo, mas não da direção de ator, não
da direção do espetáculo, aí não. Da encenação, do todo, você pode ser até co-autor,
porque toda a complexidade visual, toda a composição visual, toda a estética é nossa,
mas a direção de ator não é, a direção do espetáculo não é. Então... Eu entendi agora o
que você falou, da encenação no seu todo. Aí sim, pode.
Doris – Pode algumas vezes acontecer. Algumas parcerias...
Dias – Algumas vezes, sim. Pode, pode...

231
Doris – Estou trabalhando, e você participou da banca de qualificação ... Estou
definindo o conceito de geometral da cena. Gostaria que você traçasse ou definisse, para
você, o que é o geometral da cena e que fizesse uma analogia ou uma contraposição
com a planta baixa. Aproveitando, eu gostaria que você falasse da implantação no palco
do triângulo de força. Percebo, muitas vezes, que você parte desse triângulo de força na
planta baixa, que você determina no palco a área do triângulo, os três vértices de força,
então você na verdade parte de uma proposta que é sua – um geometral que parte desse
triângulo. Observei isso na controvérsia, onde a cenografia claramente revela esses três
vértices. Então, eu queria que você falasse desse geometral, que para você nasce muitas
vezes desse triângulo de força.
Dias – Olha só, é interessante porque, quando a gente fala do espaço do palco, já que a
gente está falando de palco italiano... O palco italiano é uma coisa meio retangular, e
muitas vezes quadrado. É isso aqui. Então, o que acontece? Eu tenho um hábito, sempre
quando eu vou trabalhar, a primeira coisa num palco italiano, eu procuro ver onde estão
os observadores. Através dos observadores, é que eu começo a traçar as fugitivas. A
partir das fugitivas, é que eu começo então a descobrir qual é a área de força desse
espaço. Através dos primeiros observadores e das fugitivas. Ali, a partir desse
momento, eu começo a trabalhar o espaço. Se é uma comédia, eu trago tudo pra frente,
eu trago o máximo pra frente possível. Então, é através daí, desses elementos é que eu
vou trabalhando. Eu sempre trabalho em função de um público, eu não faço um
espetáculo... Se for, nesse caso, um palco italiano, se for uma sala de espetáculos, eu
vou trabalhar do mesmo jeito, só que eu vou pra lá, eu vou me deitar no chão, eu vou
ficar deitado, vou ficar olhando esse espaço... Eu nunca... Teve um espetáculo que eu
fiz, que houve uma proposta de ser transformada num palco italiano, a sala. Eu falei:
“Não faça isso, nós vamos perder muito.” Aí depois, veio a possibilidade de botar uns
cantos, eu disse: “Pelo amor de Deus, não faça isso! Não vamos fazer isso com o
espetáculo, vamos fazer isso crescer com o espetáculo.” E foi o que deu certo. Então, eu
sempre fico...
Doris – Esse traçado então...
Dias – É desse traçado... Quando eu digo pra você assim... Quando você perguntou:
“Como é que você define o cenógrafo?” O cenógrafo é uma cara sofrido, solitário,
muito solitário. Por quê? Porque é nesse momento que a gente está... Que eu digo
muito: o teatro é uma coisa artesanal, porque é com lápis. Não adianta que não é
AutoCad, no computador eu nunca vou conseguir fazer o que minha mão faz, a minha
sensibilidade está no meu traço, está na minha mão. Então, quando eu fico rabiscando,
eu estou rabiscando, eu não estou sujando papel, eu não estou gastando papel à toa, eu
estou trabalhando, eu estou buscando uma forma, eu estou trabalhando um espaço. Esse
espaço vai nascer, só que ele nasce aqui, ele vai nascendo, ele não nasce assim. Ele
nasce e vai surgindo, e daí eu vou dando verticalidade a ele. Ele pode ser, ele pode
sair... Como esse cenário aqui, que saiu... Ele pode sair, como ele pode ficar só ali.
Doris – Cenário de Dueto para um só.
Dias – Dueto para um só... Que saiu pela boca, saiu... No [Teatro] Ruth Escobar. Foram
os barrotes ...! Saiu, por cima da platéia. Então, tem isso.
Doris – Mas você parte então...
Dias – Sempre das fugitivas. Se você reparar bem, todos os meus cenários eu trabalho
assim.
Doris – Então você parte desse triângulo de força que é dado pelos pontos de fuga do
observador, e a partir desse triângulo, que é bidimensional, é uma planta baixa...
Dias – É bidimensional, depois eu vou transformar em tridimensional.
Doris – E depois dali é que você levanta a tridimensionalidade.

232
Dias – É... Isso é tanto na arquitetura, isso é tanto... Inclusive, eu trabalhava na TV
Tupi, eu tentei levar pra TV Tupi, isso não deu certo, aí logo depois eu saí e enfim... Eu
fui pra Globo, aí na Globo eu comecei a implantar. Se você pegar o desenho de
cenografia que eu fazia pra televisão e o que os meus colegas faziam, você vai ver
diferença. Onde eu trabalho isso, onde eu trabalho...
Doris – A boca...
Dias – Eu trabalho a boca, eu trabalho com as fugitivas, eu trabalho com a perspectiva...
Não com a perspectiva como se faz em ópera, mas a perspectiva geometral, trabalhando
o geometral ainda. Eu vou perspectivando no plano geometral ainda.
Doris – Então, o triângulo de força de onde você parte, está na verdade criando um
prisma dentro do cubo, da caixa... E você trabalha a implantação a partir do observador,
do espectador?
Dias – Sempre.
Doris – Então esse é o teu geometral, é o teu ponto de partida da geometria da cena.
Dias – É o ponto de partida. É.
Doris – Qual é a relação desse seu traçado da cena com o relacionamento rítmico da
encenação? A gente falou da marcação. Como o traçado do triângulo de força que
reafirma o centro alto determina a relação rítmica?
Dias – Essa geometria de espaço, cada área do palco tem um significado, tem um
sentido. Uma boca de cena tem um significado muito forte, é a comédia que tem que
estar ali no gargarejo, tem esse negócio todo. Se for drama, você tem que ter recurso,
você joga mais pro fundo. O lado direito... Você olhando, você estando no palco, o lado
direito tem um peso maior que o lado esquerdo... Você escreve da esquerda pra direita...
Não é como o pessoal oriental. Então, você escrevendo da esquerda pra direita, você lê
da esquerda pra direita, então sempre pesa mais do lado direito, então você contrapõe
com isso e você também equilibra em harmonia a partir mesmo... Mesmo tendo
verticalidade. Mas sempre esse teu traço vai surgir, seja ele cenário-gabinete, o que
for... Ou cenário formalista, planos livres de ação, eu sempre vou buscando esses planos
e cada um vai ter um significado. Você dificilmente verá nos meus desenhos uma falta
de equilíbrio visual, um lado mais pesado do que o outro, não! Por quê? Porque eu parto
primeiro de um centro, daí eu vou expandindo esse espaço, depois eu vou crescer na
verticalidade, mas ele tem sempre alguma coisa que se vai equilibrando com a outra.
Nunca há um desequilíbrio. Tem um lado mais pesado que o outro? Não tem!
Geralmente não tem. Tudo parece um quadro, às vezes eu até acho que é equilibrado
demais.
Doris – E por que você tem, se a gente olhar as maquetes, e você já falou do Dueto, o
elemento que avança para platéia, você trabalhou também no Disque M para matar,
estou vendo aqui algumas maquetes ...
Dias – Sempre tem!
Doris – Que você tem essa...
Dias – Os barrotes.
Doris – Os barrotes, vigas...
Dias – E essa coisa que...
Doris – Avança, e mesmo quando não avança para a platéia, mesmo quando não tem os
elementos aéreos, muitas vezes a gente percebe algumas paredes diminuindo para o
fundo do palco, ou vigas que vão determinando ou forçando mais a fuga.
Dias – Se você reparar, as vergas...
Doris – Qual é essa intenção?
Dias – A verga é quando eu quero achatar. A verga é um elemento que eu...
FIM DO LADO A

233
LADO B
Dias – É um elemento que eu uso muito pra fazer a ligação entre os elementos
esculturais da cenografia, os elementos verticais... Que é um elemento de ligação, a
verga, de sustentação. Então, com ele eu entro, subo e desço, tiro o vazamento e tento...
Dar uma opressão. Quando eu quero ter mais liberdade, quando eu quero fazer com que
a cena tenha opressão ou tenha uma liberdade, uma sensação de liberdade, uma coisa
de... Que avança, aí eu uso esses barrotes que você vê que ele vai sobre o público... E
quando eu não quero, eu fecho. Eu acho que eu sou o único cenógrafo nesse país que
usa esse tipo de elemento aéreo. Mais ninguém usa...
Doris – Eu acho que na verdade...
Dias – Sempre eu utilizo ele, está vendo...
Doris – Eu acho que na verdade, você está reproduzindo tridimensionalmente o
triângulo de força que você desenha no chão...
Dias – Até porque se você reparar, é tudo perspectivado, sempre vai ser um triângulo de
força. Se você reparar, todos formam um triângulo de força, até a cenografia forma um
triângulo de força, você vê esse aqui.
Doris – Esse é o seu geometral?
Dias – Esse é o meu geometral. Olha o piso aqui... Até o piso é, quer dizer, o plano é
geometral, aí depois ele sobe.
Doris – Aquela também lá, aquela...
Dias – Todos, todos...
Doris – Como tem em todos essa idéia de que vai produzir...
Dias – Uma coisa que você descobriu aqui... (risos) Nem eu tinha descoberto.
Doris – Você traz para o volume o que você traça na planta baixa. Uma característica.
Dias – É... Uma característica, uma coisa interessante, nem eu tinha percebido isso.
Doris – Mesmo quando as vigas não existem, você pode traçar esse triângulo na sua
cenografia, como no caso da...
Dias – Mesmo quando eu não tenho uma verticalidade, quando não tem essa coisa
tridimensional...
Doris – Você pode traçar ...
Dias – Quando é bidimensional, você vê que... Eu tenho isso.
Doris – Mesmo na peça do Paulo José. Você percebe que o triângulo de força está
marcado e a tridimensionalidade parte desse plano e deve ser completada, na cena, pelo
ator.
Dias – Ali você tem os dois, e ele ali em cima. É isso aqui...
Doris – Essa é uma característica...
Dias – Agora se você for ver Em nome do pai, direção do Rubens Corrêa, foi a mesma
coisa, ele tá aqui, olha... E é uma coisa impressionante, eu separei três...
Doris – Depois eu vou fotografar...
Dias – Gente, onde é que está essa maquete? São três níveis de ação... Aqui, olha! A
mesma coisa, olha: um, dois, três, entendeu? Esse é o triângulo de força, sempre. Isso aí
é muito difícil, aqui você tem, olha, a mesma coisa...
Doris – É, vemos o triângulo, com certeza.
Dias – Todos têm, todos têm...
Doris – Ali também tem de certa forma...
Dias – Todos têm!
Doris – A mesma implantação.
Dias – Até essa aqui. Na ópera também tem, eu trabalho... Todos!

234
Doris – Na verdade, a pergunta seguinte tem a ver com o ponto de vista do observador,
e você já falou sobre isso, que é o seu ponto de partida para traçar o triângulo de força,
que a gente vê, na verdade, que não está só mais no plano, é desenhado também na
tridimensionalidade, na resultante das suas cenografias. Então, você já está, de certa
forma, ampliando a noção da relação rítmica da cena com o ponto de vista do
observador. Você já está convidando, você já está trazendo o observador para essa fuga,
para esse olhar, ele já se sente incluído dentro dessa formação...
Dias – Ele é conivente nisso aí.
Doris – Isso. Você já tem essa...
Dias – Eu faço com que ele se sinta atraído...
Doris – Porque parte dele, na verdade...
Dias – Parte dele...
Doris – Parte dele essa...
Dias – Seja de qualquer ponto da platéia, ele vai seguir que ele... É o olho dele que está
ali.
Doris – Agora uma questão mais abstrata e mais poética, conceitual, eu estou também
trabalhando com a proposta do Peter Brook para teatro, como edifício, como espaço
teatral, que precisa ser puro, ter um espaço puro para que exista o estabelecimento de
uma experiência nova no teatro com T maiúsculo. Eu estou trabalhando, na verdade,
com a hipótese de que esse espaço puro que pede o Brook não exista, ou talvez só
exista por conceito, uma vez que a própria sala já traz em si elementos, características,
além da própria cenografia, quando é implantada, por mais neutra que ela seja, trás para
o espectador a não-pureza do espaço. Eu queria que você falasse de como esses
elementos ou essas referências já existentes no espaço e também existem nas referências
que cada espectador traz de casa, já traz em si, tornam o espaço teatral não-puro. Eu
queria que você falasse um pouco idealmente desse espaço teatral.
Dias – Quando eu fui fazer a reforma do [Teatro] Gláucio Gil, que era um teatro, era
palco italiano, era o que voltou a ser agora... Mas quando eu fiz a reforma dele, a nossa
proposta era transformar aquele espaço em um espaço que não lembrasse o que ele tinha
sido. Fazermos com que aquele teatro fosse um outro espaço, uma outra casa de
espetáculo. Então, eu transformei tudo, acabei com palco e platéia, fiz urdimento na sala
toda... E no dia da estréia do nosso espetáculo, eu briguei muito, quer dizer, eu falei
muito com o diretor, e, no final, ele não aceitou minha proposta toda e tal, e foi um
outro diretor pra lá com um outro espetáculo e que usou a sala como eu tinha
imaginado. Usar a sala toda! Que foi o Amir [Haddad]. Aí ele chegou pra mim, o
diretor, o Aderbal [Freire Filho], com quem eu tinha trabalhado, e falou: “Pô, Dias, eu
acabei não fazendo o que você tinha falado”. Eu falei: “Está vendo, teve que vir um cara
de fora, o Aderbal, pra sentir e usar bem a sala”.
Doris – O Amir?
Dias – O Amir... Eu disse para o Aderbal, que eu fiz o espaço todo para o Aderbal, teve
que entrar o Amir lá, pra sentir que aquele espaço era outro! Tentar transformar. O que é
que eu queria? Eu queria que aquele espaço não tivesse a lembrança, a recordação de
que aquilo ali tinha sido um palco italiano, era outro espaço completamente diferente. É
como se fosse um galpão com todo urdimento e com a arquibancada que se movia, eram
vários módulos de arquibancada, e a gente usava tudo, o espaço inteiro, mas só quem
foi fazer isso foi a segunda montagem, que foi do Amir. Então, quando o Peter Brook e
vários, antes, diretores propuseram trabalhar o espaço em toda a sua plenitude, se
libertando, quebrando completamente com a convenção... Era você deixar nu o palco,
tirar as vestimentas do palco, tira perna, tira pano de boca... O pano de boca só é
utilizado se você tem alguma coisa pra esconder, se você não tem nada pra esconder,

235
vamos tirar! Então, tira esse pano de boca, tira essas pernas, tira essas bambolinas, tira a
rotunda, ciclorama, o que for, não precisa de nada disso! Só tem que... Esses elementos
são utilizados para criar uma câmara escura, para acústica, é o trabalho de ator, se você
tira, o ator tem que ter uma boa voz, ele tem que ter uma boa impostação e o diretor tem
que saber utilizar esse espaço, se ele fizer com que o espetáculo fique todo dentro da
caixa e ele usar palco italiano, vai tudo embora, a voz se propaga. Não é simplesmente
quebrar com a convenção e dizer assim: “Esse é um espaço completamente diferente,
não vamos usar nada, vamos deixar as coisas aparentes...”. Só que, o público quando
vai, ele vai ao teatro, ao teatro que era, só que você simplesmente tirou as vestimentas
que são a acústica do teatro. Não é isso! O que vai ser importante é a encenação.
Quando eu vi um espetáculo do Peter Brook que quando era só um tapete, não tinha
mais nada em cena, e quando entrou um ator, entrou um ator com um galho e era
referencial ao bosque, aquilo ali era um bosque! Eu vi um bosque em tudo quanto era
lugar, de todo ângulo era um bosque. Por quê? Porque existia uma verdade, existia um
jogo... Simplesmente, o ator que estava fazendo, ele ali era um tronco, ele era uma
árvore, aquele galhinho que ele segurava era uma galhada! A luz era uma coisa
magnífica! Por quê? Porque todo mundo... Ninguém ficou pensando em iluminar a
caixa cênica, mas utilizar o espaço todo, o espaço é todo nosso. É meu, é seu, do
espectador, vamos fazer com que ele se sinta aqui dentro, isso é que é importante!
Porque de nada adianta, se você disse: “Não, vamos quebrar, vamos tirar perna, vamos
tirar as bambolinas, vamos fazer um espetáculo despojado, não sei mais o quê...”. E fica
tudo dentro da caixa! O espetáculo não chega na platéia! E a platéia não participa, não
há interação. Isso rompe, isso quebra, isso não é quebrar com a convenção, isso é
romper completamente com o teatro, quer dizer, isso não é fazer teatro. O teatro, você
rompe, mas dá possibilidade ao público dele chegar até onde está acontecendo a cena.
Ou fisicamente, ou através da palavra, ou através dos movimentos dos atores, ou através
do próprio movimento do público, mas tem que haver uma interação, tem que haver
uma troca aí dentro desse espaço. Se não houver troca, se um ficar de um lado e outro
de outro não existe a magia, não existe o jogo.
Doris – Pra você, é necessário que haja um estabelecimento, primeiro, de um lugar no
espaço, na parceria encenador/cenógrafo, para o desenvolvimento do projeto
cenográfico? Quando isso se dá, qual é a sua percepção dessa relação?
Dias – Olha só... Essa relação de espaço, cenógrafo...
Doris – Não, o estabelecimento de uma parceria. É necessário, é mais frutífero, é
melhor quando se estabelece uma relação?
Dias – Eu acho que como o teatro é uma coisa artesanal, como o teatro... Como a
cenografia não pode ser uma coisa pré-estabelecida, por isso que eu digo que hoje o que
a gente faz em televisão, a gente pré-estabelece, já fazíamos isso há 20 anos atrás, 30
anos... Já fazíamos isso, a gente pré-estabelecia tudo. E teatro não é, o teatro é artesanal,
o teatro nasce de intenso sentimento, o teatro... Se não houver uma comunhão entre
diretor e cenógrafo, ele não acontece. Cada um vai atirar para um lado! Se não houver
um entrosamento, uma comunhão entre os dois e a coisa nascendo durante o processo,
não acontece. Tudo tem que ser trocado com o diretor e cenógrafo. Com o diretor,
cenógrafo, figurinista, iluminador... É o que eu chamo de equipe de criação, não é a
equipe técnica. Equipe técnica que o pessoal põe em programa é outra coisa. A equipe
de criação, todos nós estamos participando desse processo. Claro que tem o maestro,
que é o diretor, mas quando você diz assim: “Mas você é o responsável?” Sou o
responsável por toda concepção, por toda a encenação. Nós somos os responsáveis...
Não somos responsáveis pela direção, mas pela proposta de plástica, plasticidade visual,
nós somos os responsáveis. Até pela movimentação do ator em cena, por onde entra e

236
sai, somos responsáveis. Só que isso nada pode ser pré-estabelecido porque, durante o
processo, como ele é artesanal, ele vai nascendo, e a partir daí as coisas vão
amadurecendo... É por isso que quando a gente chega a um determinado ponto, você
tem que estrear o espetáculo, senão a coisa começa a se deteriorar, é o que a gente
chama de apodrecer o espetáculo, a coisa tem que... Mas, essa troca, ela é
imprescindível! Aquela coisa do “Eu quero assim, eu quero assado”, então você faça
que eu vou embora. Se não há troca...
Doris – Não se estabelece essa...
Dias – Agora tem diretor... Tem uma escola antiga, com quem eu tive oportunidade de
trabalhar, que pedia assim: desenha e me dá a planta baixa pra eu poder marcar. Existia
diretores assim.
Doris – Duas últimas questões: Se a quarta dimensão espacial produz a variável
temporal da cena, como Appia propõe, e se a quinta dimensão pode ser considerada
como os deslocamentos vetoriais dos olhares múltiplos e subjetivos do espectador - a
quinta dimensão - como esses vetores do olhar do observador - e você trabalha a partir
das fugitivas- o que a noção da quinta dimensão pode suscitar para a cena, para o
espectador, e para o espaço, mesmo por conceito? Como todos nós cenógrafos podemos
contribuir para promover e provocar a dilatação do espaço, no sentido do espaço não ser
visto apenas com as dimensões tridimensionais da cenografia, mas passando a ganhar
outras dimensões, além do tempo, que é a subjetividade do olhar do espectador? Como
o cenógrafo pode contribuir com essas idéias, com a dilatação do espaço?
Dias – Eu acho que o cenógrafo, ele tem uma parcela de contribuição muito importante
seja em qual for o espetáculo. Pode ser um musical, pode ser drama, pode ser uma
comédia, pode ser um vídeo-clipe, enfim. Pode ser cinema, comercial institucional,
longa, pode ser televisão... O único problema é que o que existe realmente é fazer
lembrar que nós estamos realizando alguma coisa para alguém. O teatro, ele foi feito pra
ser ouvido. Você não compra um livro pra ler, uma peça de teatro pra ler. A televisão,
você liga e desliga a televisão. O cinema você vai, senta e fica. Então, nós temos
linguagens diferentes. No teatro, não adianta a gente querer concorrer com o cinema e a
televisão, querer fazer o que eles já fazem, já existe toda uma tecnologia, até a utilização
do computador, AutoCad 3D Max, enfim, que fazem de tudo. No teatro, como o teatro é
artesanal, você tem que fazer com que o público... Você tem que interagir com o
público, você não pode ficar, não pode existir a quarta parede. A quarta parede
atualmente não existe mais, você tem que trabalhar com o público quase que dentro de
cena, você tem que trazer o público. Como é que você traz o público à cena? Usando o
pano de boca, como se faz numa ópera? Porque eu tenho que fechar, porque o cantor
cansa, tem que descansar a voz, os músicos também tem que descansar, tem que ter um
intervalo, tem que ter a troca de cenário, tem aquilo tudo, é diferente... Já o nosso teatro,
se você... Cada vez mais, ele é menor em termos de platéia, você já não tem 1.300
lugares, 1.200 lugares, 1.500 lugares... Não tem mais teatro de 2.000 lugares, os teatros
hoje são pequenos, são reduzidos a 350, no máximo. Agora musicais não, vai pra... É
diferente, porque o musical, muitas vezes, o problema é sonoro, o visual, ele se perde,
você não está preocupado com detalhe. No teatro, o importante é a palavra, então você
tem que fazer com que o ator esteja do teu lado, você tem que fazer com que ele saia de
onde ele está – é quase como uma entidade – e se coloca do teu lado e dialoga com
você. Você tem que fazer com que o ator chegue na platéia. Como é que você vai fazer
o ator se deslocar dentro desse espaço? Não é um trabalho mediúnico! Então o que é
que você faz? Através da cenografia, você tem que criar, através desse triângulo de
força, você solta o ator. Você solta o ator com o teu plano, com a cenografia que você
criou e com a luz... Aí o teu parceiro, por isso que eu brigo muito com os iluminadores,

237
brigo mesmo, porque você tem que fazer o seguinte... A cenografia, ela tem que sair, ela
tem que flutuar. Se você reparar, em todos os cenários, ele tem um plano, ele fica solto
dentro desse espaço, porque eu quero que ele faça isso, que ele vá ao público. Então,
seja de onde ele estiver, através das fugitivas dele, ele não vai perder seja nenhum
ângulo desse espaço, ele não vai perder nenhum desenho, nenhum elemento, seja ele
qual for. Ele pode ter toda uma arquitetura, ele pode ter toda uma volumetria ou ele
pode ter um elemento só, mas esse elemento tem uma textura, tem uma cor e, seja de
onde ele estiver, ele vai ver e ele vai participar, ele vai ser quase que um outro... Um co-
autor ou um co-ator. Ele vai interagir, é por isso que, às vezes, você olha as pessoas em
um espetáculo, você vê a emoção das pessoas, aí você diz assim: “puxa, chegou... Tá lá,
tá do lado dele, olha lá. Ele tá sentindo, tá todo arrepiado...”. Porque o cara sente o
espetáculo, não há o distanciamento. Então, quando você fala do vetor, o vetor pra mim
é isso, é quando você chega e vai, é quando você joga, faz com que o público se
transporte ou a cena se transporte pra onde ele está. Mesmo que tenha mais dez fileiras
na frente, mas o espetáculo vem até ele. Isso pra mim é cenografia, isso pra mim é
importante, isso cabe ao cenógrafo e não jogar uma coisa lá no fundo. Agora, isso só
pode acontecer quando há um perfeito... E o próprio diretor diz assim: “Escuta, como é
que a gente resolve isso?” Aí a gente pode até dizer para o diretor: “Chega pra frente um
pouquinho a cena, vamos chegar pra frente...” – “Não, o iluminador não tem aqui como
iluminar...” – “Tem, tem sim, vem cá ver, traz pra cá...” Porque tudo é experiência!
Tudo é um know-how, se você tem uma experiência, você sabe que aqui você não
consegue, mas aqui você tem um outro ângulo, você tem não sei o quê... Quebra!
Porque é que a gente tem que... Não, eu só tenho essa vara pra usar... Não, eu não tenho
essa vara pra usar, você tem o espaço todo pra usar... Espera aí, você quer botar o
refletor onde? A gente coloca, não tem problema nenhum. O que a gente não pode é
interferir na sala de espetáculo, isso é que eu sou contra. É botar, por exemplo, o
iluminador ou o operador de luz, ou o operador de som no meio da platéia. Quebra a
magia completamente. É o cara falando no headphone, o cara virando folha... E o
público aqui em volta... Não, isso não, você pode botar o DJ, funk, baile funk... Isso aí
tudo bem, mas teatro não! Teatro é diferente.
Doris – É isso.

CORTE NA FITA

Dias – Não, não precisa gravar...


Doris – Precisa sim, Diário de um louco.
Dias – Como é que surgiu... A gente trabalha... Eu trabalho muito bem com o Ricardo
[Kosovski], é uma coisa muito legal a química minha e do Ricardo. Então, eu criei um
elemento, que basicamente é um triângulo, só que você traça as fugitivas daqui. É isso
aqui mais ou menos. E eu distorci isso aqui, eu fiz isso. Eu dei uma distorção... Só que é
maior do que essa, ela não ficou frontal assim, uma distorção mesmo...
Doris – Uma rotação...
Dias – Uma rotação que eu dei, tirei do plano geometral e joguei aqui. Eu saí daqui e
vim pra cá.
Doris – E transferiu para...
Dias – E transferi pra cima...
Doris – Suspendeu.
Dias – A gente não tinha dinheiro pra fazer a grade. Então, essa coisa de quebra, do...
Eu trabalho muito, eu sempre trabalhei assim.
Doris – Eu acho que seria muito mais interessante ao invés de pegar o...

238
Dias – A gente tava falando da forma, do desenho, por exemplo, as linhas pra mim são
muito importantes, o desenho da linha, o desenho, o que é curva, o que é reta, tudo tem
um significado, como na cor. Cenografia tem um significado no seu traço.
Doris – É, mas eu acho que tem uma característica sua, que a gente observa, uma
característica que a gente não encontra em nenhum outro cenógrafo, os elementos
aéreos, é como se você transportasse o triângulo pra cima, é como se você conduzisse,
fizesse com que o espectador realmente entrasse no palco italiano através de uma fuga
perspectivada que você conduz, carrega, leva esse vetor lá de fora, porque ele parte lá de
fora, vai para dentro da caixa. E se você fizer o caminho contrário, você pode pensar
que esses elementos vão caminhando, vão conduzindo para a ação, para a concentração
do vetor maior ou do vetor mais forte, que é o ponto alto, o centro alto. Então, eu acho
que, mesmo quando os barrotes ou os elementos aéreos não estão presentes, eles estão
em numa parede que vai, como naquele caso, vai diminuindo, perspectivando paro
fundo, diminuindo em altura, quer dizer, tem uma característica sua que, mesmo
trabalhando dentro da caixa cênica italiana, você rompe não só com essa quarta parede,
mas como você fizesse esse vetor de mão e contramão entre o olhar do espectador e a
ação central, ação forte da cenografia. Isso eu acho que é uma característica sua muito
importante, que eu acho que era bom, através dos exemplos, a gente mostrar com as
maquetes. Na verdade você está construindo dentro do cubo, não a idéia da esfera, mas
a idéia do prisma.
Dias – Acho muito mais rico, muito mais...
Doris – E é uma característica sua que a gente não vai encontrar em ninguém mais...
Dias – Ninguém. Como essa coisa dos barrotes...
Doris – Da perspectiva, da viga...
Dias – Em cima do desenho da cenografia...
Doris – Que explode que sai para a platéia, que dilata o espaço...
Dias – Esse desenho, essa coisa da perspectiva é uma coisa minha mesmo.
Doris – Que é na verdade...
Dias – Agora é uma pena, que tudo isso vai se perder. [José Dias está fazendo referência
às inúmeras maquetes existentes na sala de aula no prédio do Curso de Cenografia da
Escola de Teatro da UNIRIO, onde a entrevista foi realizada].
Doris – Vai se perder por quê?
Dias – Porque não tem... Eu queria um dia...
FIM DO LADO B – FIM DA GRAVAÇÃO

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