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MESTRADO INTEGRADO

aRQUITETURA

Flutuações do espaço:
Da Arquitetura para a Performance
à Arquitetura-Performance
Lise Pinheiro Lenz César

m
2021
Flutuações do espaço

Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitectura


da Universidade do Porto sob a orientação das Professoras Maria Sofia Teixeira Gomes Santos e
Andreia Joana Geraldo Silva Couceiro

Lise Pinheiro Lenz César

Porto, maio de 2021


Nota Prévia: A presente dissertação está escrita em português do Brasil, a fim de manter a escrita de acordo
com as raízes da autora. Também, as citações em língua estrangeira incluídas no corpo de texto foram
traduzidas livremente, com a finalidade de estabelecer uma continuidade na leitura do trabalho. Por fim,
sempre que possível, em nota de rodapé surge a transcrição em língua própria (ou similar) dos autores.
Sumário

9 Agradecimentos

10 Resumo e Abstract

12 Prólogo

I I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina.


20 A paisagem grega

24 A arquitetura romana

28 A cidade medieval

32 O renascimento das artes

42 A obra de arte total

48 A obra de arte viva

60 O corpo-arquitetura e o corpo-espaço

70 Experimentações no moderno e no pós-moderno

I II ATO. Espaços outros.


88 Dessacralização do palco

94 Justaposição entre teatro e espaço público

100 Estética da recepção

106 Living Theatre

112 Site-specific

120 Vanguardas artísticas na segunda metade do séc. XX

124 Happenings

128 Cena expandida

I III ATO. O Teatro do Mundo.


140 Venezia e lo Spazio Scenico

146 Cenografia urbana

154 Palco flutuante

162 Corpo itinerante e efêmero

198 Epílogo

200 Bibliografia

206 Índice de imagens


I ATO.

Séc. IV a.C. Séc. VI a.C.-V d.C. Séc. V-XV Séc. XVI-XVIII

II ATO.

1960’s

III ATO.

1979
Séc. XIX-XX 1900-1920 1920-1940 1940-1960

2000’s

1980
Agradecimentos

Às minhas orientadoras, professoras Maria Sofia Santos e Joana


Couceiro, por acreditarem no meu trabalho. Pela disponibilidade
de ambas para a orientação. Pelo suporte dado com tanto carinho
e dedicação, pelo rigor e pelos contributos para que o trabalho
fosse o mais enriquecido possível.

À minha família. À minha mãe, ao meu pai e aos meus irmãos,


por todo o amparo dado, em tantos âmbitos que escrevê-los aqui
não seria suficiente. Pelo incentivo dado para que eu conseguisse
perseguir meus sonhos. Por serem minhas maiores saudades.

Aos amigos presentes e aos que se foram. Aos que, espalhados ao


redor do mundo, estiveram comigo, presencial ou virtualmente,
e completaram meus dias com leveza. Aos que me ajudaram a
me manter firme em momentos críticos. À Viviane, por todo o
suporte emocional e muito encorajamento.

Agradeço em especial ao André, amigo de longa data, que não


hesitou em ser meu pilar e esteve ao meu lado durante todo o
processo do trabalho e em momentos essenciais.

E ao Klauss, companheiro e melhor amigo, peça fundamental


no meu crescimento enquanto pessoa, enquanto profissional
e enquanto arquiteta. Pelos ensinamentos, pela paciência, por
todas as conversas e pelo acalento. Por ser uma pessoa que me
inspira a buscar ser uma versão melhor de mim.

Dedico este trabalho ao meu avô Homero Lenz César, professor


universitário e dono de uma trajetória inspiradora.
Abstract

The present dissertation explores the combination between


themes of architecture and public space with themes of
performance, observing the compositions and transformations
generated in space from dynamism, itinerancy and ephemerality.
The discussion seeks to establish topics that connect performance
to architecture, in order to support an analysis of architecture as
a performance in itself.

To this end, this journey starts, in a chronological order, from the


relationship between space and the performing arts as a whole
throughout history, from approximately the 4th century B.C. to
the 21st century. The evolution of theatrical buildings is shown
(spaces of performances whose idealizations were products of
different historical contexts), as well as some of the reformulations
in the performing arts that affected the perceptions of space. The
extravasation of performances outside the institutional buildings
towards the public space is discussed and, consequently, it is
possible to see how the fusion of the quotidian life and the
spectacle took place.

Finally, in order to foster the discussion on the aspects that bring


architecture closer to performance, the ‘Teatro del Mondo’ is listed
as an example of performance-architecture. The Venice Biennale
is an event that has been taking place since the end of the 19th
century with the aim of promoting and rescuing the city’s cultural
legacy. In the 1979-80 edition, Teatro del Mondo, by Aldo Rossi,
became famous in the scope of the exhibition entitled ‘Venezia e
lo Spacio Scenico’.

Inspired by a similar event that took place in the 16th century


(the floating theatres of the Venice carnival companies), the
Teatro del Mondo was an ambitious project for a moving show.
Leaving Venice, the theatre boat travelled through countless
other destinations along the Adriatic coast until it reached its
final destination, Dubrovnik, Croatia. The urban scenography
and the itinerancy of the show are elements that provoke deep
discussions in the scope of the of the Architecture and the design.
Resumo

A presente dissertação trata da junção de temas de arquitetura


e espaço público com temas de performance, observando as
composições e transformações geradas no espaço a partir do
dinamismo, itinerância e efemeridade. A discussão busca elencar
os pontos que conectam a performance à arquitetura, a fim de
apoiar uma análise da arquitetura como performance em si
mesma.

Para tanto, o trabalho parte, em ordem cronológica, da relação


entre o espaço e as artes performativas como um todo ao longo da
História, desde aproximadamente o século IV a.C. ao século XXI.
São apresentadas as evoluções dos edifícios teatrais (espaços
de espetáculos cujas idealizações foram efeitos dos diferentes
contextos históricos), bem como algumas das reformulações
nas artes performativas que afetaram as percepções do espaço.
O extravasamento das performances para fora dos edifícios
institucionais em direção ao espaço público é discutido e,
consequentemente, é possível perceber como se deu a fusão entre
o cotidiano e o espetáculo.

Por fim, com o objetivo de fomentar a discussão sobre os aspectos


que aproximam a arquitetura da performance, o Teatro do Mundo
é listado como um exemplo de arquitetura performática. A Bienal
de Veneza é um evento que ocorre desde o final do século XIX
com o objetivo de divulgar e resgatar o legado cultural da cidade.
Na edição 1979/80, o Teatro do Mundo, de Aldo Rossi, ganha
destaque no âmbito da mostra intitulada ‘Venezia e lo Spacio
Scenico’.

Inspirado em um evento semelhante ocorrido no século XVI


(os teatros flutuantes das companhias carnavalescas de Veneza),
o Teatro do Mundo foi um ambicioso projeto de espetáculo
em movimento. Saindo de Veneza, o barco-teatro percorreu
inúmeros outros destinos ao longo da costa do Adriático até
chegar ao seu destino final, Dubrovnik, na Croácia. A cenografia
urbana e a itinerância da mostra são elementos que provocam
profundas discussões no campo da Arquitetura e do projeto.
Prólogo

“O espaço arquitetônico é um espaço vivenciado, e não um mero


espaço físico, e espaços vivenciados sempre transcendem a geometria
e a mensurabilidade. (...) A teoria e a crítica da arquitetura moderna
têm tido uma forte tendência a considerar o espaço como um objeto
imaterial configurado por superfícies materiais, em vez de entendê-
lo em termos das interações e inter-relações dinâmicas”.1

O presente trabalho foca na composição e na metamorfose do


espaço a partir da itinerância e do dinamismo, cuja narrativa é
composta a partir de três óticas: a ótica da arquitetura, a ótica
da performance e a ótica da arquitetura-performance. “A
arquitectura começa quando uma senhora muda uma cadeira de
lugar na sala”, teria dito Távora em uma entrevista a Bernardo
Pinto de Almeida, para o qual Siza responde, em outra entrevista:
“Essa é uma resposta poética, muito interessante [à definição
sintética de arquitetura]; e é assim. Agora, a arquitectura começa
quando há muito sentido na forma como se muda a cadeira. [...],
depende da escolha da cadeira, da sua colocação no espaço, da
sua abertura a diferentes usos, mas isso implica imediatamente o
próprio espaço. Para mim a arquitectura é um tema de espaço e
de relacionamento, de infindável relacionamento”.2 A resposta de
Siza à história de Távora reflete como a arquitetura é feita das
relações voluntárias e involuntárias que ela estabelece e como a
construção do cenário acontece na ‘consolidação de uma ideia
ligada à consciência e à acção’. O braço da senhora é o centro das
relações e da metamorfose do espaço naquele momento, tanto
quanto poderia ser qualquer outra forma de presença – inclusive
o espaço em si. A dinâmica poderá não só estar no espaço, mas
ser o próprio espaço dotado de uma dinâmica própria.

Sob essa perspectiva, pretende-se perceber como as arquiteturas,


enquanto estruturas tradicionalmente duradouras, recebem
as circunstâncias efêmeras que se modificam constantemente,
estando essas no partido do projeto ou não. Na história de 1 “Architectural space is lived space rather
than psysical space, and lived space Always
Távora, seria como se o movimento corporal da senhora fosse – transcends geometry and measurability.
[...] Modern architectural theory and
critique have had a strong tendency
1 Pallasmaa, Juhani. Os olhos da pele: A arquitetura e os sentidos, trad. Alexandre to regard space as an imaterial object
Salvaterra. Porto Alegre, Bookman, 2011, p. 60. delineated by material surfaces, instead of
2 Siza, Álvaro, entrevistado por Bernardo Pinto de Almeida, in UPORTO, Re- understanding space in terms of dynamics
vista dos Antigos Alunos da Universidade do Porto. n.º 9, Porto, Universidade interactions and interrelations.” Pallasmaa,
do Porto, Outubro de 2003, p. 31. Citado em Rodrigues, José Miguel. O mundo Juhani. The eyes of the skin: architecture
ordenado e acessível das formas da arquitectura. Porto, Fundação Marques da and the senses. Chichester, Editora Wiley-
Silva e Edições Afrontamento, 2013, p. 202. Academy, 2012, p. 68.
ou não – de extrema importância na obra. Também, a fazer um
paralelo, pretende entender-se como tais circunstâncias podem
tirar partido desses espaços e proporcionar um momento de
exceção. No exemplo, seria como se a ação de mudar a cadeira de
lugar fosse parte de uma performance, e a apropriação da senhora
na sala estivesse relacionada com um espetáculo, provocando a
mudança ocasional da atmosfera do lugar.

Esses paralelos encontram um ponto intermédio, que é parte


fundamental do trabalho, onde estrutura permanente e evento
passageiro se encontram e a arquitetura não apenas abraça como
se mescla com a transitoriedade, transformando-se em evento,
também, ela própria. A senhora da história, nesse caso, estaria
mudando a cadeira de lugar em um edifício itinerante e efêmero;
é uma metamorfose multifacetada – o edifício se transforma, e o
que ocorre nele, também.

“Com a noção de esquema corporal, não é apenas a unidade do


corpo que é descrita de uma maneira nova, é também, através dela,
a unidade de sentidos e a unidade do objeto. Meu corpo é o lugar, ou
antes a atualidade mesmo do fenômeno de expressão (Ausdruck),
nele a experiência visual e a experiência auditiva, por exemplo, são
pregnantes uma da outra, e seu valor expressivo funda a unidade
antepredicativa do mundo percebido, e, por ela, a expressão verbal
(Darstellung) e a significação intelectual (Bedeutung). Meu corpo é
a textura comum de todos os objetos e ele é, ao menos em vista do
mundo percebido, o instrumento geral de minha ‘compreensão’”.3

3 “Avec la notion de schéma corporel, ce n’est A expressão concreta do estudo será feita com o foco principal nos
pas seulement l’unité du corps qui est décrite
d’une manière neuve, c’est aussi, { travers
espaços para performances. Se há um espaço cuja relação com o
elle, l’unité de sens et l’unité de l’objet. Mon corpo e com o movimento possui força, e que as manifestações das
corps est le lieu ou plutôt l’actualité même circunstâncias efêmeras são diretrizes de projeto, consequência
du phénomène d’expression (Ausdruck),
en lui l’expérience visuelle et l’expérience
da obra, ou mesmo ambos, é o espaço da performance; um lugar
auditive, par exemple, sont pregnantes l’une que abarca em si uma multiplicidade de dinâmicas artísticas e
de l’autre, et leur valeur expressive fonde onde a efemeridade é inerente à sua existência. O espaço cênico,
l’unité antéprédicative du monde perçu, et,
par elle, l’expression verbale (Darstellung)
enquanto parte fundamental dos diversos tipos de apresentações,
et la signification intellectuelle (Bedeutung). se desenvolve a partir da relação primordial entre espaço, corpo
Mon corps est la texture commune de tous e dramaturgia – da complementaridade entre ambos. A proposta
les objets et il est, au moins { l’égard du
monde perçu, l’instrument général de ma
<<compréhension>>”.Merleau-Ponty, 3 Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção, trad. Carlos Alberto
Maurice. Phénoménologie de la perception. Ribeiro de Moura. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (texto original publi-
Paris, Gallimard, 1945, p. 271-272. cado em 1945), p. 315.
espacial, via de regra, é resultado da relação entre o lugar teatral
e a interpretação do cenógrafo mediante a proposta central da
encenação realizada pelos corpos.

A respeito do lugar teatral, duas variantes podem interferir na


flexibilidade da cena. Uma delas diz respeito à funcionalidade,
onde a configuração varia de acordo com o que deverá ser
apresentado – teatro, dança, ópera, concerto, entre outros. Outra
variante é a tipologia, que modifica não apenas a relação ator-
palco, mas também palco-plateia. Se a apresentação ocorrer em
um teatro à italiana, teatro arena ou isabelino, poderá ser um fator
de interferência na proposta cenográfica e na performance em si.4

Quanto à performance, é importante referir seu significado e


estado da arte. A palavra to perform foi estabelecida em inglês no
século XIV. “Tem origem no francês anglo-normando parfourmer,
uma conjunção de par («através, durante») e fournir («fornecer»)
como alteração do francês antigo parfornir, parfurnir, que
significava «fazer, realizar, acabar, efectuar». O mesmo conceito
desenvolve-se em francês em paralelo com o inglês através do
verbo parfaire, cujo primeiro significado no século XII é «completar,
concluir», e cujo segundo significado no século XV é «aperfeiçoar».
A denotação musical teatral de performance em inglês como
«espectáculo ao vivo ou concerto» data dos primórdios do século
XVII”.5

Richard Schechner, professor de Estudos da Performance na


Tisch School of the Arts da Universidade de Nova Iorque,
teorizou sobre a diferenciação que separaria uma ação comum
de uma performance. Naturalmente, uma performance poderia
ser entendida como uma ação artificial, porém a subjetividade
das relações entre arte e realidade não permite uma associação

4 Lanfranchi, Gustavo, Tipologias, in Espaço Cenográfico, n.º 7, São Paulo, De-


zembro 1998, p. 11. Ensaio apresentado no evento “Espaço da Cena Latino-A-
mericana”, realizado em São Paulo em 1998, em Ribeiro, João de Lima Mendes.
Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso biográfico. Coimbra, Dissertação de
Doutoramento em Arquitectura pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, 2008, p. 25.
5 Schechner, Bojana Cvejic e Vujanovic, Ana. Esfera pública através da perfor-
mance. Adaptação de excertos dos capítulos 1 e 2 de Public Sphere by Perfor-
mance. Berlim, Les Laboratoires d’Aubervilliers e b_books, 2012, p. 13, 22-25 e
27-31, em Pais, Ana. Performance na Esfera Pública. Lisboa, Orfeu Negro, 2017,
p 25.
tão literal e uma oposição tão clara entre uma ação fictícia e
uma “autêntica”. Com isso, Schechner oferece uma contribuição
a essa questão complexa ao fazer a distinção entre “os conceitos
de fazer, que se refere a todas as acções humanas, incluindo o
comportamento na vida vulgar, e de mostrar fazer, que se refere à
performance, na arte e além dela”.6 O mostrar fazer, deste modo,
não implica necessariamente que a ação performada é falsa, mas
sim consciente; o ator sabe que está executando uma performance
e, sendo observado, chama a atenção para sua ação. A implicação
social de uma ação comum e uma ação-performance, por mais que
esta seja considerada ficcional, são significativamente diferentes,
com diferentes graus de visibilidade, mas possuem consequências
sociais igualmente reais.

Deste modo, o espaço de performance, comumente associado a


uma estrutura cênica clássica como o teatro, anfiteatro e palco,
poderá ocorrer onde quer que o corpo esteja e decida que ali será
seu espaço de performance. A cidade é palco das artes; edifícios
e espaços públicos também são elementos que compõem uma
cenografia urbana, “cada espaço público é um teatro”, conforme
diz o historiador de Arquitetura Spiro Kostof.7 Também, a
performance não necessariamente será apresentada através do
corpo humano; o que se convoca nesta discussão é justamente
refletir as nuances do mostrar fazer, consequente da ação humana,
mas demonstrada em outros corpos performáticos.

O corpo do trabalho é estruturado por três atos fundamentais,


que são desdobrados em subtemas. De modo geral, estes seguem
uma ordem cronológica, encadeando-os ao longo de todo
o desenvolvimento. Os dois primeiros atos partem de uma
narrativa histórica sobre a relação entre o espaço e as artes cênicas
em geral, sendo o ato de abertura um apanhado que data desde o
século IV a.C., no teatro grego, até o século XXI. Diz respeito ao
desenvolvimento dos edifícios teatrais, referindo como o contexto
de cada período afetou a maneira com que se idealizou os espaços
para performance. O segundo ato, por sua vez, marca uma virada
relativamente forte na história, em meados do século XX, em que

6 Idem, p. 24.
7 Kostof, Spiro, The City Shaped. Urban Patterns and Meanings Through History,
p. 226. Citado em Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guima-
rães, um modelo conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 141.
os movimentos culturais extravasaram as performances para fora
dos lugares institucionais e a relação entre espaço arquitetônico e
performance foi ressignificada a partir desta emancipação.

Já no terceiro e último ato, após a compreensão adquirida pelos


atos anteriores da expansão das artes performativas aos palcos
urbanos, e como as suas breves atuações impactaram poeticamente
os espaços, o trabalho foca em explorar a arquitetura performativa
enquanto performance urbana. Para esse fim, foi escolhido como
exemplo único o Teatro do Mundo, projetado pelo arquiteto
italiano Aldo Rossi, que é aqui entendido como obra que carrega
consigo uma complexidade nas camadas espaço-temporais para
as quais se propõe.

O método consistiu em investigar referências bibliográficas que


tangenciam os aspectos principais do tema, bem como fazer uma
recolha cuidadosa de exemplos que o englobem, e organizá-las
em ordem cronológica. Foi realizada uma curadoria, sob lentes
da arquitetura e do espaço público, de acontecimentos relevantes
nas artes cênicas ao longo da História.

No que diz respeito à análise do Teatro do Mundo, os conceitos


trabalhados nos atos anteriores foram convocados para a
construção da análise do edifício, partindo de uma perspectiva
do seu papel não apenas enquanto palco das artes cênicas, mas
enquanto arte cênica em si. Foram considerados, com especial
atenção, vídeos e referências bibliográficas que referissem a
relação do edifício com os contextos em que esteve inserido.
Além disso, foi dada ênfase no livro Autobiografia Científica, de
Aldo Rossi, pela importância da perspectiva do arquiteto sobre a
obra.

Desse modo, procurou-se refletir sobre as condicionantes


de um lugar de performance ao longo do tempo, o período
histórico em que os limites entre as artes se expandem e como
as interseções entre performance e arquitetura foram exploradas
a partir de então. A intenção reside em demonstrar como a boa
arquitetura, efêmera ou não, pode ser potência e potenciada
pelo atravessamento de dinâmicas efêmeras e como foram
incorporadas, tendo em vista a poética do lugar.
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A paisagem grega
As artes performativas desempenham um importante papel
cultural desde as civilizações mais antigas; expressões culturais e
religiosas de diversos povos eram manifestadas através de danças,
rituais e atuações. No mundo ocidental, estas manifestações
eventualmente viriam a compor um importante espaço físico na
vida pública da Polis, cidade clássica da Grécia Antiga. Visto que
o espaço público da Ágora era de extrema importância para o
exercício da cidadania e da democracia para os legitimados pelo
Estado como homens livres, provavelmente as performances
tomavam espaço juntamente com feiras e mercados enquanto
manifestações civis, antes que a elas fossem designados espaços
com tipologia própria – os que viriam a configurar os primeiros
teatros, que datam do início do século VI a.C.8

O theatron – de thean, local onde se vê –,9 era um espaço


amplo, situado ao ar livre e colocado junto às encostas de uma
colina, a fim de aproveitar a estrutura natural do terreno para
proporcionar uma boa acústica e facilmente abrigar uma vasta
plateia, cujos bancos eram inicialmente feitos de madeira e, mais
tarde, passaram a ser construídos em pedra. Disposto em formato
circular, os espectadores ficavam voltados não apenas para o
palco, mas também para a paisagem, dispensando construções
demasiado grandes para composição de cenários e focando
mais na ôrchestra10 e na atuação em si. Os locais de espetáculos
mais antigos, como o Teatro de Dionísio11, continham apenas a
ôrchestra e a plateia, sem quaisquer elementos de suporte cênico
como palco sobrelevado, plataforma ou tribuna.

Durante esses primeiros anos de existência, os atores começaram


a contar com a skené, uma estrutura leve no fundo do palco –
geralmente de madeira, mas também de tecido, enquanto solução

8 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo


conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 49.
9 Grimal, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa, Edições 70, 2002, p. 13.
10 Idem, p. 14: “espaço circular (...) onde se dançava e cantava os ditirambos em
honra de Dionísio”. O que viria a ser o palco.
11 Situado na encosta sul da Acrópole, foi o teatro mais antigo e mais importan-
te de Atenas. Surgiu em honra a Dionísio, Deus do vinho e das festividades na
mitologia grega, cujas celebrações envolviam cantos e procissões com auxílio de
máscaras e fantasias.

20
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 1. Oedipus Rex, de Constanza Macras, instalação de Chiharu Shiota em Hellerau Dresden, 2009. © Thomas Aurin.

Fig. 2. Teatro de Epidauro, planta baixa, séc. IV d.C.

Fig. 3. Teatro de Epidauro, Epidauro, séc. IV d.C.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

efêmera e facilmente desmontável após o espetáculo – que desse


suporte às trocas de figurinos e servisse de pano de fundo do
espetáculo. A skené era guardada e reutilizada a cada espetáculo
e, com o tempo, começou a sofrer graduais aperfeiçoamentos e
intervenções artísticas, tornando-se cada vez mais elaborada e
integrada na cena.12 Sua evolução implicou uma condição de
permanência, passando a ser construída em alvenaria, e em uma
composição cenográfica mais fiel à realidade, representando
edifícios importantes como palácios e templos.

É válido ressaltar que o simbolismo por trás do espetáculo


envolvia a exaltação de divindades (no centro da ôrchestra,
originalmente, erguia-se um altar para Dionísio) e o encontro
entre a realidade divina e a terrena.13 Portanto, o valor do
espetáculo muito se devia à representação da vida cotidiana, da
história dos antepassados e da união entre essas duas dimensões.
O local do espetáculo exprimia uma qualidade evocatória, entre o
real e a representação, que, em conjunto com a skené, colocavam
mais ainda em evidência o confronto dramático a ser passado
para o público e fundia os limites entre teatro e cidade.

Alguns séculos depois, a skené expandiu seus limites, indo de


um plano de fundo regular para uma composição volumétrica
que sobressaltava o plano reto, a paraskênia – criando um
nicho para as cenas dos atores, enquanto o coro permanecia
na ôrchestra 14–, e, mais tarde, criando o que viria a ser o palco,
ou seja, uma estrutura sobrelevada onde as cenas aconteciam.
Essa estrutura, entre a skené e a orchestra, era equivalente a um
segundo piso da estrutura de alvenaria cenográfica, como um
terraço, a aproximadamente 2,80m de altura e formando um
longo estrado para o acontecimento da ação, ao que era chamado
de proskênion.15 A consequência desse aparato, naturalmente,
era a separação entre atores e coro, estes sendo cada vez menos
ativos na ação. Além disso, o conjunto de mudanças tendia a

12 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo


conceptual. P. 54.
13 Idem.
14 Embora a paraskênia de certa forma isolasse os atores do coro, essa separação
de planos só viria a acontecer de forma propositada no período helenístico.
Grimal, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa, Edições 70, 2002, p. 17.
15 Idem.

22
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 4. Odeão de Herodes Ático, Atenas, 161 d.C.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

fechar mais a cena sobre si mesma – mesmo não sendo ainda


declaradamente um edifício fechado, o teatro estava caminhando
para sua interioridade em relação ao exterior.

O período helenístico, a partir do século III a.C., veio trazer ao


teatro traços de uma civilização cosmopolita, urbana e preocupada
com os valores estéticos, com um forte apelo ao caráter cênico das
cidades que naturalmente viria a ser refletido nos espetáculos. Os
atores, agora claramente separados dos coreutas, ganharam mais
importância, enquanto a cena ganhou um novo aparato que foi o
cenário pintado em painel, colocado à frente da skené e mudado
antes de cada tragédia ou comédia.16

A arquitetura romana
Em Roma, por outro lado, o teatro estava menos associado a um
local de reunião onde o povo exercia a cidadania e mais ligado
à cultura erudita. As próprias cidades romanas – cosmopolitas,
como no período helenístico, mas sem grande apego ao
refinamento artístico – visavam mais a praticidade e a organização
nas soluções urbanas, executando-as de maneira clara e simples, e
integrando por entre os traçados regulares das ruas os elementos
arquitetônicos emblemáticos. Desta forma, a dita capital do
mundo tornara-se um centro de grandes espetáculos, onde as suas
realizações eram atreladas à necessidade de criar entretenimento
para os cidadãos, que partia de uma estratégia política17 para a
manutenção do poder dos imperadores.

Enquanto estruturas monumentais permanentes, os lugares de


espetáculo não mais foram construídos mimetizando a paisagem,
cuja questão era sensível para os gregos, mas sim com a intenção
de dominar a paisagem, realizando profundas modificações em
relação ao teatro grego. Ao invés de pousar a plateia ao longo

16 Idem, p. 19-20.
17 A estratégia política do pão e circo consistia em prover as vastas necessidades
dos cidadãos romanos apenas com alimentos básicos e uma boa programação
recreativa, em prol de mascarar as várias crises consequentes de uma grande
cidade cosmopolita. Qualquer imperador que pretendesse consolidar-se no
poder e ter a fidelidade da população deveria “presentear” a população desde
modo para evitar possíveis rebeliões.

24
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Teatro Grego

Koilon

Apoio na topografia

Orquestra circular

Proscênio
Skené

Teatro Romano

Vomitório
Cávea Vomitório

Apoio em estrutura

Proscênio Orquestra semicircular

Fig. 5. Esquissos comparativos entre o Teatro Grego e o Teatro Romano.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

da topografia e usá-la para resolver a acústica e a estrutura, os


romanos levantaram os teatros como edifícios independentes e
soltos na cidade – o acesso do público era feito por um arranjo
estrutural de corredores sobrepostos e escadarias que levavam
aos seus lugares. Para o coro, passaram a ser fornecidos assentos.
Além disso, foram criadas três tipologias principais determinadas
a partir dos eventos a abrigar.

Diferente das apresentações gregas, que estavam mais atreladas


aos dramas, tragédias e comédias, os romanos tinham a cultura
de exibir combates, jogos e performances mais facilmente
captáveis pela massa. Deste modo, uma das tipologias referidas
era o estádio, ou hipódromo, em formato de U e desenhado como
uma pista de corrida, circundados pela plateia em ascendência.
A segunda tipologia era a de anfiteatro, uma arena circular ou
oval, com seu perímetro totalmente preenchido pelos assentos
dos espectadores e com o lugar da apresentação em seu centro.
Foi criada principalmente para jogos e combates de gladiadores
ou animais. Por fim, a terceira tipologia tratava-se do teatro em
si, em formato semicircular, com assento escalonado em torno da
orquestra e um palco elevado para destacar os atores. A skené em
alvenaria dos gregos foi mantida enquanto cenário – chamada
pelos arquitetos romanos de scaena –, e os painéis móveis pintados
foram utilizados para as mudanças de cenas nos espetáculos.18

Em termos de espaço público, um que era tão importante para os


romanos quanto a Ágora havia sido para os gregos era o Fórum.
Localizado no centro da cidade, era nele que acontecia a vida
pública, econômica e cultural do império, era o centro sociopolítico
de eventos que abrigava diversas atividades. Como uma praça,
descoberta e circunscrita por edifícios imponentes, era o lugar
de uso comum onde também aconteciam performances públicas,
como lutas de gladiadores, que beneficiavam do enquadramento
proporcionado pela volumetria ao redor. Era o lugar do teatro,
mas também do mercado, da união dos corpos em um ponto de
encontro, aspecto valorizado pelos romanos.19

18 Lavin, Irving. On the Unity of the Arts and the Early Baroque Opera House,
em The Yale Architecture Journal (org.), Theater, theatrically and architecture.
Nova York, Rizzoli International Publications, 1990, p. 3.
19 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo
conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 60.

26
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 6. Circo Máximo, ilustração representativa do hipódromo, séc. VI a.C.

Fig. 7. Coliseu, ilustração representativa da arena circular, 70-72 d.C.

Fig. 8. Teatro Romano, ilustração da arena semicircular. © Peter Froste. Colchester and Ipswich Museum Service.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A cidade medieval
Essa ideia do teatro antigo viria à decadência com a queda do
Império Romano do Ocidente, sendo os locais que abrigavam
tais atividades alterados em conformidade com as concepções
culturais características do novo período histórico que se
delineava, a Idade Média, que duraria do século V ao XV. Os
edifícios monumentais para espetáculo tornaram-se obsoletos,
os atores, bailarinos e demais personagens performáticas já não
possuíam um bom status social desde o império e, com a ascensão
da igreja católica no poder, ainda foram perseguidos, visto que a
igreja não via as performances teatrais profanas com bons olhos,
o que durou até o século XIII.20 Por outro lado, a Igreja também
soube tirar partido do potencial da performance na promoção do
seu discurso litúrgico, de forma a fazer ascender pela segunda vez
na história o Drama na Europa.21

Ressurgido a partir dos cultos, o teatro volta como uma tentativa


de atrair as pessoas através da ação. A origem da peça religiosa
medieval está na liturgia, nomeadamente na missa de Páscoa,
onde foi realizada a representação cênica da ressurreição de
Cristo. Foi representada diversas vezes, com duração de dias, e
foi enraizada na cultura clerical de então, se estendendo para a
cultura urbana ao longo dos séculos.22 As peças tratavam-se de
dramas curtos, com bases bíblicas, denominadas de Peças de
Mistério. Como não havia edifícios para o teatro, as apresentações
raramente demandavam construções específicas, mas utilizavam
os lugares cotidianos mais simbólicos, como espaços das igrejas
para o teatro litúrgico, e os espaços envolventes, como largos e
terreiros, quando se tratava de teatro urbano ou teatro profano.23

20 Molinari, Cesare, História do Teatro, em Idem, p. 70.


21 Fischer-Lichte, Erika. History of European Drama and Theatre, trad. Jo Riley.
Londres, Routledge 2002, p. 33.
22 “By this time, the plays had already become the expression and product of
an urban festival culture. This is shown by countless reports on such events. At
an eight-day Passion Play in Reims in 1490, at which it is said 16,000 spectators
gathered from the city and surrounding villages (a medieval city had between
10,000 and 20,000 inhabitants!), wine and bread was served to the festive
community as a gift from the city”. Idem, p. 33-35.
23 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 85.

28
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 9. Ilustração do cenário usado em Valenciennes Mystery Play, Paris, 1547.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Como não eram requeridas estruturas complexas, uma vez que


a montagem de estruturas amovíveis era uma alternativa viável,
a própria cidade tornava-se palco. As apresentações deixaram
de ser confinadas em um só lugar e passaram a se fundir com o
mundo real de forma dinâmica, colocando várias “estações” de
cenários diferentes pelas quais o público percorreria, à medida
que a história se desenvolvia, para depois ser desmontada sem
alterar os espaços internos das igrejas ou a estrutura urbana da
cidade.24 A composição cênica é enriquecida com a presença
dos mercados, das ruas e das praças, procurando o ornamento
e os dispositivos arquitetônicos mais simbólicos da cidade
para realçar o seu caráter teatral. Havia uma grande potência
nas performances realizadas ao ar livre, que resultou em dois
caminhos de encenação diferentes: a procissão, com seus
cenários itinerantes e carros alegóricos que percorriam a cidade;
e o palco fixo, com sua estrutura efêmera facilmente montável e
desmontável nas mais diversas localizações.

“A corte e a igreja encenavam tanto ações individuais quanto festas,


que duravam vários dias, como eventos teatrais. Ao mesmo tempo,
a teatralização da vida correspondia a um repentino florescimento
do teatro. Apresentações se davam por toda a Europa, tanto em
áreas urbanas quanto em áreas rurais e em todas as classes sociais:
trupes permanentes nos teatros permanentes das grandes cidades;
trupes errantes em palcos de tabuleiro mal construídos em cidades
menores e no campo; nos festivais da corte e da igreja. [...] Foram 25 “Court and church staged both single
apenas os cidadãos puritanos nas cidades protestantes que se actions and feasts, lasting over several days,
as theatrical events. At the same time, the
desligaram da paixão da época pelo teatro, enquanto, por outro theatricalisation of life corresponded to a
lado, foram principalmente os jesuítas que ativaram tudo ao seu sudden blossoming of theatre. Performances
alcance para permitir que os grandes espetáculos se desenrolassem. were given throughout Europe, in both
urban and rural areas and across all social
Tudo que existia no mundo (no sentido universal) - seja um evento classes: permanent troupes in the permanent
‘real’ ou ficção - poderia servir ao teatro como objeto ou material”.25 theatres of the bigger cities; wandering
troupes on roughly constructed board stages
As estruturas permanentes de apresentações só retornaram no in smaller towns and in the countryside; at
court and church festivals. [...] It was only
período do Renascimento, que se inicia em torno do século the Puritan citizens in Protestant cities who
XVI, acompanhando a ressignificação do ser humano, não mais cut themselves off from the passion of the
era for theatre whilst, on the other hand,
it was principally the Jesuits who activated
24 Lavin, Irving. On the Unity of the Arts and the Early Baroque Opera House, all within their power to enable the great
em The Yale Architecture Journal (org.), Theater, theatrically and architecture. spectacles to unfold. Everything which
Nova York, Rizzoli International Publications, 1990, p. 6. existed in the world (in the universal sense)
25 Fischer-Lichte, Erika. History of European Drama and Theatre, trad. Jo Riley. – whether ‘real’ event or fiction – could serve
Londres, Editora Routledge, 2002, p. 81. Tradução livre. the theatre as object or material.”

30
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 10. Representação de um vagão de cortejo em planta e corte. De Wickham, Early English Stages, vol. 1.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

do divino, enquanto detentor do conhecimento, recobrando a


valorização da ciência e da racionalidade, que havia ficado na
Antiguidade clássica e, consequentemente, influenciando na
forma em que eram percebidos e desenhados os espaços urbanos
e seus elementos. Com a redescoberta dos preciosos escritos
de Vitrúvio26, sua tradução e divulgação, as cidades europeias
recobram esses valores, especialmente por intermédio da cultura
italiana, da qual nasceu e se difundiu a cultura do renascimento.27

O renascimento das artes


Apesar dos ambiciosos ideais da renascença, a vida cotidiana
continuava a se passar, predominantemente, em localidades
marcadas pela irregularidade dos traçados urbanísticos medievais.
Portanto, o foco das novas obras era a implantação de praças e
ruas principais que fossem desenhadas, com um princípio lógico
de proporções onde ressaltasse as construções mais importantes
e os novos edifícios públicos. A praça italiana foi um elemento
de excelência e do reconhecimento dos princípios renascentistas,
como a Praça de São Marcos em Veneza e a Praça do Capitólio
em Roma, com um forte apelo cenográfico que viria a ser
representado em palco sob a forma de pintura.

Para as artes performativas, podem ser apontadas duas fortes


tendências iniciais na construção de seus edifícios em Itália, na
tentativa de se afastar dos ideais medievais e, por outro lado, de
se aproximar do mundo formal clássico. Uma delas foi o Teatro
Acadêmico, com o resgate do modelo de teatro clássico, em
semicírculo, que seria adaptado para encaixar não apenas em um
edifício permanente, mas com cobertura, o que difere do modelo
ao ar livre. Tanto o palco quanto a plateia possuem um cuidado

26 O livro De Architectura é dos escritos mais importantes sobre Arquitetura


por ser o tratado clássico, escrito no século I a.C., que sobreviveu até os dias
atuais. Resgatado por estudiosos na renascença, nele estão pontuados os três
princípios fundamentais a serem considerados na composição arquitetônica,
Utilitas (função), Firmitas (solidez) e Venustas (beleza), que viria influenciar
também na arte da cenografia, o que trouxe à tona uma fonte de inspiração para
uma gama de compêndios sobre a teoria da Arquitetura desde o século XVI até
os dias atuais.
27 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo
conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 76.

32
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 11. Teatro Olímpico, de Andrea Palladio, Vicenza, 1580-1585.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

cenográfico, conforme é possível observar no Teatro Olímpico de


Palladio, da década de 1580, que possui uma série de colunatas
que circundam a plateia e, no palco, cria um jogo próprio de
perspectivas ilusórias não exploradas no teatro clássico.28 Palladio
buscou seguir os aspectos pontuados por Vitrúvio sobre o que
deveria ser considerado no projeto do teatro, conforme descrito:

“A planta do teatro deverá ser elaborada, de modo que, determinando


o perímetro da base, se trace uma linha circular a partir do centro
e se inscrevam nela quatro triângulos de lados iguais que toquem
a intervalos a linha de extremidade do círculo, como se faz na
astrologia dos doze signos celestes, segundo a harmonia musical dos
astros. Destes triângulos, aquele cujo lado estiver mais próximo da
cena determinará aí, na linha que intersecta a curvatura do círculo,
o lugar da fronte da cena, sendo traçada pelo centro do círculo
uma linha paralela a esta que fará a separação entre o estrado do
proscênio e a zona da orquestra”.29

A outra tendência dizia respeito ao Teatro da Corte, instalado


dentro dos limites de um palácio. Geralmente coberto e
permanente, poderia remeter a um circo romano. Abrigava
peças com interlúdios espetaculares, por vezes com torneios que
extrapolavam os limites do palco, com muitos efeitos e mudanças
de cenário, diferente do teatro acadêmico, de caráter erudito e
com cenários fixos. A herança medieval fazia-se presente em
termos de efeitos, conforme haviam nas peças de Mistério, só que
concentrados em um só lugar e com efeitos ilusórios mais rápidos.
Um exemplar deste modelo é o teatro Medici, construído por
Bernardo Buontalenti no mesmo período que o Teatro Olímpico.
Ocupando um longo salão na Galeria Uffizi, em Florença, o
teatro teve suas paredes e teto ricamente ornamentados, o piso
ligeiramente inclinado para melhorar a visibilidade do público, e
foram colocados nas laterais assentos escalonados que formavam
um semicírculo na extremidade oposta ao palco.30

28 Lavin, Irving. On the Unity of the Arts and the Early Baroque Opera House,
em The Yale Architecture Journal (org.), Theater, theatrically and architecture.
Nova York, Rizzoli International Publications, 1990, p. 7.
29 Vitrúvio. Tratado de Arquitectura, trad. do latim de M.Justino Maciel. Lisboa,
Istpress, 2007, p. 188.
30 Lavin, Irving. On the Unity of the Arts and the Early Baroque Opera House,
em The Yale Architecture Journal (org.), Theater, theatrically and architecture.
Nova York, Rizzoli International Publications, 1990, p. 8.

34
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 12. Teatro Olímpico, axonometria.

Fig. 13. Teatro Medici, representação. Representação do espetáculo Guerra d’Amore, 1615.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A cenografia teria um ganho com o perfeccionismo matemático e


os desenhos técnicos em perspectiva, que viria a ser desenvolvida
em 1425 através da rigorosa atenção de Brunelleschi ao desenho
tridimensional sob uma superfície. Sebastiano Serlio também
traria um grande contributo, teórico e prático, com um tratado
de Arquitetura que seria pioneiro em termos de uso da ilustração
em alta qualidade para complementar seus escritos e demonstrar
suas teorias. Em sua reinterpretação sobre o desenho das três
diferentes cenas descritas por Vitrúvio31, Serlio descreve em seu
tratado sua visão cenográfica, em que a tragédia seria associada
ao mundo formal clássico, a comédia, ao medieval, e a sátira (ou
pastoral), à paisagem pitoresca arborizada. Sua representação
cenográfica, que contava com desenhos perspectivados de
palácios, templos, praças, avenidas, entre outros, era de fato
atrelada a uma representação arquitetônica do espaço, o que
fortalecia com esmero a ilusão de profundidade do espaço teatral.

Toda a evolução alcançada até esse momento contribuiria para o


surgimento do teatro à italiana, que se caracteriza pela oposição
clara entre espectadores e artistas e pela distribuição do espaço
exclusivo para cada um destes, com o proscênio enquanto área
cênica mais próxima do público. O lugar da ação, enquanto uma
caixa onde apenas uma das faces é aberta para sua visibilidade,
ganhava por conseguir conter toda uma estrutura interna de
auxílio à performance como cortinas, coxias, telões e demais
aparatos com adereços a se alternarem ao longo da apresentação.

Por outro lado, na Inglaterra do tempo de Isabel I, o teatro


renascentista foi interpretado de uma forma alternativa à forma
italiana então em voga. Opondo-se à ideia do teatro frontal, o
teatro renascentista inglês acontecia com o ator enquanto centro,
com os espectadores ao seu redor em um círculo (ou semicírculo)
que se prolongava por toda a arena, onde até mesmo no palco

31 “São três os géneros de cenas: um, que se diz trágico; outro cómico; um
terceiro satírico. As suas decorações são diferentes e díspares, porque as cenas
trágicas são decoradas com colunas, frontões, estátuas e outras coisas régias. As
cómicas representam edificios privados e balcões, bem como relevos com janelas
dispostos segundo as normas e a imitação dos edificios comuns. Finalmente,
as satíricas são decoradas com árvores, cavernas, montes e outras coisas
campestres, seguindo o estilo paisagistico”. Vitrúvio. Tratado de Arquitectura,
trad. do latim de M. Justino Maciel. Lisboa, Istpress, 2007, p. 190.

36
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Figs. 14 e 15: Cenografia de Serlio para cena cômica e cena trágica, respectivamente, 1545.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

poderiam ter assentos.32 Essa centralização do ator refletia-se


tanto no espaço de representação, que possuía os mais diversos
pontos de vista em comparação ao italiano, quanto na trama em
si, que dispensava grandes dispositivos cenográficos e se atentava
mais à transmissão da cena através do uso das palavras e da
linguagem corporal.

Neste sentido, o grande nome referente à dramaturgia no período


Isabelino, sem dúvidas, foi William Shakespeare, com seus
“diálogos curtos e poderosamente delineados. Cada ocorrência
é transposta para a ação (...) e invoca as ‘forças da imaginação’
do espectador. (...) As peças de Shakespeare oferecem alimento
abundante para a transformadora capacidade da imaginação (...).
Ele saltou por cima das regras clássicas pela força de seu gênio
poético. Trouxe à vida períodos e lugares, ternura e rudeza na
‘arena’ do teatro”.33

Já o teatro francês, em torno do século XVII, começa a adquirir


algumas características particulares para a época. Herança
do drama medieval que se apresentava em vários cenários
diferentes, os palcos simultâneos, que estavam em voga nos
teatros parisienses, começaram a passar por uma simplificação
de acordo com os padrões clássicos por unidade de tempo e lugar.
Como os múltiplos cenários entraram em decadência durante
o Renascimento em geral, a tendência foi adaptar-se ao espaço
unificado. Porém, essa multiplicidade não foi extinta, mas sim
adaptada, de modo que o espaço único abrigava todas as cenas
em simultâneo.34 Outra particularidade foi a incorporação do
ballet (com origem em Itália, mas mais desenvolvido nas cortes
francesas) como arte maior do espetáculo, o que fomentou uma
preferência por este tipo de apresentação em relação às óperas
italianas, que era um novo gênero teatral, por ser considerado mais
dinâmico e com o qual os franceses estavam mais familiarizados.

32 Idem. (Estes assentos demandavam um bom poder aquisitivo do espectador,


portanto normalmente eram ocupados por nobres).
33 Berthold, Margot. História mundial do teatro, trad. Maria Paula V. Zurawski,
J. Guinsburg, Sérgio Coelho e Clóvis Garcia. São Paulo, Perspectiva, 2001, p.
312-313.
34 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo
conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 82.

38
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 16. Representação da caixa cênica italiana.

Fig. 17. Representação do Teatro Elisabetano. The Globe Theatre, por Elisabeth Oing.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

De um modo geral, os princípios cenográficos do renascimento


subsistiram ao longo do período barroco. O grande contributo para
a cenografia da época estava nas diversas formas de se trabalhar
com pontos de vista nas cenas e complexificar as perspectivas,
com adição de vários pontos de fuga no desenho e sensação de
espaço infinito do espetáculo. Além disso, ainda que mantendo
a linguagem renascentista, mantendo representações de arcos de
triunfo, palácios, etc., os cenógrafos foram adicionando adornos
e outros detalhes pitorescos em gesso, de modo a expressar a
riqueza da cena com a ornamentação abundante do espaço.35

Entretanto, com a Revolução Industrial Inglesa e a Revolução


Francesa, entre o fim do século XVIII e início do XIX, vieram
mudanças significativas na posição social do artista que,
aliadas aos valores correntes, passaram a expressar-se frente às
necessidades políticas e socioeconômicas da época. Os excessivos
detalhes e ornamentos provenientes do Barroco e do Rococó do
século anterior perderam força e deram lugar ao ideal iluminista
científico, racional, matemático e, por essa busca de um modelo
ideal apegado às proporções, viu-se o retorno aos valores da
Antiguidade clássica, abrindo portas ao Neoclássico. Refletindo
nas artes performativas, são dispensados os excessos do Barroco
nos palcos e o foco passa a estar na ordem e na verticalidade
trazida pelo Neoclássico, com os cenógrafos concentrando seus
esforços nas relações espaciais entre os atores e o cenário.36

Isso contribuiu para o surgimento de algumas vertentes na


cenografia (que também são expressas nos âmbitos das artes em
geral, por serem movimentos consequentes do contexto político
e social da época), uma delas sendo o Realismo e outra, aliada a
esta, o Naturalismo. O Realismo defendia a fidelidade da arte ao
mundo real, por ser produto do ideal racional do Iluminismo, e
ganhou destaque no teatro por sua representação muito precisa
de cômodos inteiros, com atenção aos mais variados detalhes
que conferiam rigor ao que seria um quarto na realidade.37 Essa
preocupação com a relação espacial viria a aparecer nesta e em
outras linhas de pensamento, especialmente após o surgimento

35 Idem, p. 97.
36 Idem, p. 99.
37 Idem, p. 110.

40
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 18. Teatro barroco do castelo de Český Krumlov, República Tcheca, 1768.

Fig. 19. Teatro neoclássico do século XVIII, Ostankino, Moscou.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

da fotografia em meados do século XIX, que fez com que a visão


do que significa retratar imagens começasse a mudar.

Outra vertente resultante desse contexto, que de algum modo se


opunha ao Realismo, foi o Romantismo, que surge da necessidade
de expressão através de uma arte dramática, em resposta ao
descontentamento com o contexto e com as condições de vida
do proletariado. Acreditavam que os ideais iluministas, com toda
sua formalidade e rigidez, não eram o que o momento pedia,
mas um movimento de enfatização do drama, do irracional, do
movimento, do subjetivo e da emoção exagerada.38 E esta vertente
influencia personalidades revolucionárias na construção do
espaço cênico.

A obra de arte total


Richard Wagner, compositor, maestro e diretor de teatro, buscou
desvincular suas peças das tipologias cenográficas existentes até o
momento, além de rejeitar as concepções realistas, estando mais
alinhado com os ideais românticos. Sua inquietação em buscar
a sua verdade artística estava estreitamente relacionada com as
várias dimensões da vida em complementaridade com a arte,
seja no campo estético, político ou social,39 o que o inspirou a
desenvolver uma produção teórica, a Obra de arte do futuro,
que contemplava a “concepção de uma obra de arte capaz de
tudo abranger e de ser apreensível pela mais elementar sensação,
puramente humana (…)”, ou a apresentação do drama enquanto
“obra de arte do futuro capaz de dar realização a toda a intenção
artística”. 40 Esta teoria viria a complementar a Obra de Arte Total,
40 “Daß er in die ästhetische Wahrnehmung
ou Gesamtkunstwerk em alemão, que seria a teoria precursora no unserer Sinnenwelt das, was wir Geist
entendimento da união das artes para diversos autores. nennen, setzte, dies war es, was mich, neben
der Erklärung von der Nichtigkeit der
Philosophie, für meine Konzeption eines
O pensamento de Wagner em relação à Obra de arte total dizia
allumfassenden, für die einfachste rein
respeito à síntese das artes, que, em complementariedade, menschliche Empfindung verständlichen
Kunstwerkes, des vollendeten Dramas,
im Momente seiner jede künstlerische
38 Idem, p. 101.
Intention verwirklichen den Darstellung
39 Castanheira, Ricardo Manuel Ramos. Gesamtkunstwerk. A utopia de Wagner. als »Kunstwerk der Zukunft« so ergiebig
Porto, Dissertação de Mestrado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitetura unterstützte”. Wagner, Richard. Mein
da Universidade do Porto, 2013, p. 25. Leben. Scotts Valley, California,
40 Idem, p. 10. Citação original de Richard Wagner em Mein Leben (A Minha CreateSpace Independent Publishing
Vida). Platform, 2013, p. 444.

42
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 20. Teatro Bayreuth, projeto de Otto Bruckwald, 1876.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

viriam a alcançar um esplendor que não alcançariam enquanto


autossuficientes.41 O Drama Musical é a nova forma musical de
Wagner, consequente da junção da música com drama, poesia,
pintura, dança, cenografia e arquitetura, que compõe um discurso
único orgânico no qual, então, o drama poderia existir de fato, em
sua percepção. Em adição a isso, em 1876, concebeu, juntamente
com o arquiteto Bruckwail o teatro de Bayreuth, um edifício cuja
tipologia foi considerada inovadora, entre vários outros aspectos,
por ser pioneira no uso em larga escala de tecnologias modernas
em termos de acústica, iluminação e adaptação arquitetônica,
colocadas de modo a “criar um efeito poderoso e cumulativo
sobre os sentidos”.42 O teatro ia na contramão dos já consolidados
teatros à italiana, que possuíam camarotes e galerias, sendo neste
caso praticamente extinguidos (colocando apenas uma única
galeria ao fundo, por detrás da plateia), quebrando as barreiras
com os espectadores. Além disso, procurou priorizar, através da
arquitetura, uma relação de proximidade e foco completo entre
o espectador e o espetáculo, sem distrações provocadas por luz
direta ou pela movimentação da orquestra, dirigindo toda e
qualquer atenção para o palco e suas personagens.

“O teatro de Wagner, em oposição [ao italiano], estabelece um


modelo totalmente novo, sendo considerado o primeiro teatro
moderno da história, democratizando a plateia. No Festspielhaus,
o auditório organiza-se no sentido do palco em linhas curvas
concêntricas em declive até ao palco. (...) O teatro de Bayreuth
procura assim submeter o perfeccionismo do dispositivo cénico
à italiana a uma nova estrutura, em que se desloca o centro de
gravidade para o palco. Os balcões ou camarotes e a forma elíptica
da sala, são substituídos por um vasto anfiteatro em forma de
trapézio, que decorre da linha de pensamento do teatro clássico
grego. O fosso de orquestra (invisível) é pensado de modo a também

41 Ribeiro, João de Lima Mendes. A Reforma do Espaço Cénico no século


XX em Teatro do Mundo -what’s our life? A play of passion. Lugares do palco,
espaços da cidade, org. Cristina Marinho. Porto, Centro de Estudos Teatrais
da Universidade do Porto, 2008, p. 105. Disponível em: https://ler.letras.up.pt/
uploads/ficheiros/10214.pdf (acesso em 01/09/2020).
42 Salter, Chris. Technology and the Transformation of Performance, citado em
Guimarães, Filipa. Arquitectura para a Dança e para as Artes Performativas:
forma, dimensão e características dos espaços cénicos. Porto, Dissertação
de Mestrado Integrado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Porto, 2019, p. 39.

44
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 21. Teatro Bayreuth, corte perspectivado, 1876.

Fig. 22. Teatro Bayreuth, planta baixa, 1876.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

se inserir na lógica de fusão entre a sala e a cena, articulando estes


espaços reciprocamente. Em suma, com Wagner, no final do século
XIX, começam a surgir as primeiras críticas ao teatro à italiana,
tanto à sua estrutura socialmente hierarquizada, que compromete
a relação da sala com o palco e, consequentemente, a aproximação
da acção ao público, como, por outro, ao seu ilusionismo”. 43

Apesar de todo o contributo e a inovação teórica, a prática de


Wagner esteve bastante atrelada ao que já estava a ocorrer em
seu tempo, com telas realistas perspectivadas ainda a fazer fundo
nas cenas, o que causava algum conflito com seu discurso de
mistificação da cena, em especial na relação com as artes visuais.
O uso da pintura enquanto cenografia já não seria mais um ideal
a ser alcançado a partir do século seguinte, ao contrário, seria
visto como uma espécie de estagnação diante da grandeza que a
tecnologia emergente permitiria.

“Ao longo do século XX, a cenografia foi deixando de ter um carácter


mimético, e em vez de imitar um lugar do mundo como forma de
caracterizar a acção teatral, passou ela própria a construir um lugar
para as suas personagens e até mesmo para os seus espectadores.
Começou então a desenvolver com maior intensidade temas
tradicionalmente arquitectónicos ligados à tridimensionalidade
do espaço como luz, sombra, cor, escala, e perspectiva. Com estes
novos temas, a cenografia afastou-se da pintura (arte com que se
relacionava tradicionalmente) e aproximou-se da arquitectura”.44

Esta incoerência entre a teoria e a prática de Wagner foi sentida


por Adolphe Appia, arquiteto, teórico e cenógrafo suíço de uma
geração mais nova, que procurou absorver os ensinamentos
wagnerianos e desenvolver uma teoria própria – mas com efeitos
impactantes no palco, que foi sentido na recriação da cenografia
de uma ópera de Wagner em 1896, o Parsifal, sendo considerada
revolucionária em termos conceituais e concretos na história e no
desenvolvimento da cenografia.

43 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso biográfico.


Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 31.
44 Gonçalves, Gabriela. Artes do Espaço: Arquitectura/Cenografia, em Guimarães, Filipa.
Arquitectura para a Dança e para as Artes Performativas: forma, dimensão e características
dos espaços cénicos. Porto, Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura pela
Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2019, p. 53.

46
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 23 e 24. Cenografias para a produção Parsifal, com primeira versão em 1882, pintura de fundo executada pelos irmãos Bruckner. Em seguida, em
1896, a criação de um novo cenário desenhada por Appia.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A obra de arte viva


Appia, que recusava veementemente o realismo, defendia o teatro
onírico e a beleza do subjetivo. Acreditava que o teatro era uma
arte autônoma cujo objetivo era atingir um estado de pureza
e beleza, o que seria conseguido mediante uma iluminação
atmosférica e uma simplicidade da cenografia, destacando a
plasticidade e a tridimensionalidade do espaço, que dispensasse
detalhes desnecessários.45 Opunha-se à ideia da arte dramática
wagneriana enquanto síntese de todas as artes e acreditava que
poderia ser estabelecida uma hierarquia no que diz respeito à arte
do espetáculo: acima de qualquer elemento cênico, estava o corpo
humano, vivo e móvel, centro da cena e responsável por todo o
acontecimento do espetáculo, de texto à musica, interagindo com
a arquitetura, e circunscrevendo o tempo no espaço através do
movimento.

Em seu livro “A Obra de Arte Viva”, Appia desenvolve seu ponto


de vista sobre a arte dramática, procurando diferenciá-la das
outras artes a fim de perceber o seu potencial poético. Para
tal, enumera as diferentes artes presentes em um espetáculo,
bem como os sentidos que cada uma aflora: as cores, as luzes e
as plasticidades em cena, que podem sugerir o trecho de uma
pintura; o prazer literário ou musical obtido por uma declamação,
seja da voz ativa do ator ou do melodioso som da orquestra;
em suma, uma série de estímulos visuais e auditivos, os quais,
enquanto conjunto, não costumam ser tão absorvidos em sua
totalidade (se considerarmos, por exemplo, que a arquitetura ou
o cenário geralmente são fatores mais indiretos da cena, e são
menos propensos a provocar grandes reflexões do que a própria
ação decorrente). Para Appia, o espectador está em uma posição
de total passividade, com um sentido receptivo que acaba por não
absorver o conteúdo por completo:

“Entendemos, olhamos, ouvimos e contemplamos, remetendo para


mais tarde o exame do mistério. Ora, mais tarde, a reconstituição
integral da representação fatiga-nos; renunciamos a procurar, nas
nossas recordações demasiado voltadas ao conteúdo inteligível
da peça, o que, durante a sessão, nos perturbou, escapando-nos

45 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo


conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 112.

48
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 25-27. Esquissos, estudo de movimento de Hugo Bottinger, na oportunidade de festas escolares de Dalcroze, 1912.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

sempre. E, uma nova experiência nos reencontra semelhantemente


distraídos, até termos renunciado ao inquérito, em definitivo.
Entretanto, estão abertos museus e exposições; a arquitectura, a
literatura, a música são facilmente acessíveis; adejamos de uma
para a outra, julgando que sorvemos tesouros e, no entanto, sem
serenidade e, digamo-lo francamente, sem real felicidade”.46

Em suma, a organização das variadas artes em cena são


aqui divididas em duas expressões artísticas: aquelas que se
desenvolvem no tempo, como a poesia e a música, e aquelas
que se imobilizam no espaço, como a pintura, a escultura e a
arquitetura, o que o levaria a questionar sobre a possibilidade
de união harmoniosa entre elas, ou seja, de certa forma, sobre a
conciliação entre tempo e espaço. Essa união, de acordo com sua
reflexão, poderia ser bem conseguida através do movimento.

“No espaço, a duração exprimir-se-á por uma sucessão de formas,


portanto, pelo movimento. No tempo, o espaço exprimir-se-á por
uma sucessão de palavras e de sons, isto é, por durações diversas que
ditam a extensão do movimento. O movimento, a mobilidade, eis
o princípio director e conciliatório que regulará a união das nossas
diversas formas de arte, para fazê-las convergir, simultaneamente,
sobre um ponto dado, sobre a arte dramática; e, como este princípio
é único e indispensável, ordenará hierarquicamente essas formas
de arte, subordinando-as umas às outras, tendendo para uma
harmonia que, isoladamente, teriam procurado em vão”. 47

A reflexão de Appia, portanto, diz respeito à capacidade de


concentrar tempo e espaço através do movimento. Este, por sua
vez, estaria no ator – no corpo vivo, representante do movimento
no lugar, sem o qual a cena não acontece.

“Sem texto (com ou sem música), a arte dramática deixa de


existir; o actor é o portador do texto; sem movimento, as outras
artes não podem tomar parte na acção. Numa das mãos, o actor
apodera-se do texto; na outra, detém, como num feixe, as artes do
espaço; depois, reúne irresistivelmente as duas mãos e cria, pelo
movimento, a obra de arte integral. O corpo vivo é, assim, o criador

46 Appia, Adolphe. A obra de arte viva, trad. Redondo Júnior. Lisboa, Editora
Arcádia, 1959, p. 28-29.
47 Idem, p. 30-31.

50
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 28. Desenho cenográfico de Appia, 1892

Fig. 29. Desenho cenográfico de Appia, 1909


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

dessa arte e detém o segredo das relações hierárquicas que unem os


diversos factores, pois é ele que está à cabeça. É do corpo, plástico e
vivo, que devemos partir para voltar a cada uma das nossas artes e
determinar o seu lugar na arte dramática”.48

Esses conceitos contribuíram imensamente para o declínio


da tela com pintura perspectivada enquanto cenografia (de
“um gosto deplorável”, segundo Appia)49 e para a ascensão da
tridimensionalidade, fundamental na criação do palco moderno.
Não só o espaço cênico é explorado em sua tridimensionalidade,
mas todos os elementos nele inseridos,50 incluindo o corpo vivo.
Para Appia, não apenas o corpo faz parte da cenografia como
é regulador desta, e “tudo o que se opõe à sua presença justa é
impossível e suprime a peça”.51 Em conjunto com uma iluminação
cuidadosamente trabalhada52 e um cenário percorrível e
explorável, com plataformas, rampas e degraus, Appia buscou
criar espaços com ritmo, riqueza volumétrica e iluminação
atmosférica, de modo que a relação destes elementos com o
corpo do artista, centro da obra, constituíssem uma poderosa e
verdadeira arte dramática.

Visto que o corpo possui essa qualidade móvel e plástica,


Appia coloca-o em relação com a arquitetura por sua qualidade
escultórica e por ser “uma arte que contém, em potência, o tempo
e o espaço”53 (ou seja, que abriga o corpo e, consequentemente,
sua movimentação). A sua aproximação com a arquitetura ficou

48 Idem, p. 32-33.
49 Idem, p. 43.
50 Ribeiro, João de Lima Mendes. A Reforma do Espaço Cénico no século
XX em Teatro do Mundo -what’s our life? A play of passion. Lugares do palco,
espaços da cidade, org. Cristina Marinho. Porto, Centro de Estudos Teatrais
da Universidade do Porto, 2008, p. 106. Disponível em: https://ler.letras.up.pt/
uploads/ficheiros/10214.pdf (acesso em 01/09/2020)
51 Idem, com citação de Appia.
52 “Appia sought, especially through elaborately controlled evocative lighting,
to create a space for the actor and to immerse both the actor and the viewer in
an ambiance and a mood. It is desirable that the viewer be a participant, but a
participant in the presented work”. Anderson, Stanford. Peter Behrens’s Highest
Kultursymbol, The Theater, em The Yale Architecture Journal (org.), Theater,
theatrically and architecture. Nova York, Rizzoli International Publications,
1990, p. 130.
53 Appia, Adolphe. A obra de arte viva, trad. Redondo Júnior. Lisboa, Editora
Arcádia, 1959, p. 44.

52
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 30. Hellerau Festival Theatre, cenografia de Appia.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

ainda mais evidente quando, em 1911, uniu forças com o educador


musical Emile Jaques-Dalcroze, o arquiteto Heinrich Tessenow
e o pintor e cenógrafo Alexander von Salzmann na construção
do Hellerau Festival Theatre, um complexo com teatro, escola de
ritmos e residências associadas, instalado numa cidade-jardim
nos arredores de Dresden, naquela altura o maior centro de
investigação de conceitos relacionados com o corpo humano.

O contato de Appia com Dalcroze deveu-se à identificação


mútua de seus ideais, visto que o educador era adepto de uma
didática chamada euritmia, que se tratava de um método de
ensino musical através dos movimentos corporais da dança,
chegando a ser referência conceptual e prática para uma criação
cenográfica nova54 e que, inclusive, o faria ser convidado a criar a
escola em Dresden. Appia, portanto, parte em busca de Dalcroze
para relacionar sua prática com a euritmia, criando uma série
de cenários que valorizam a relação do corpo com a música e o
ritmo, em resposta às expectativas de Dalcroze.

Hellerau, desse modo, simbolizou a união entre os autores em


prol de uma nova dinâmica performativa refletida na concepção
arquitetônica do lugar, que considera os corpos em movimento
enquanto elemento plástico no espaço, e que integra esse espaço
sem que haja nenhuma barreira entre público e artista – o
palco e a sala são um só.55 Tessenow, então, buscou incorporar
essa vocação no projeto ao colocar um grande paralelepípedo
no centro da escola enquanto grande nave, livre de qualquer
instalação fixa e utilizando luminárias móveis, de modo que
tanto o cenário quanto a colocação dos espectadores pudesse ser
realizada de forma versátil. Mesmo a orquestra, que contava com
um espaço totalmente rebaixado e invisível ao público, poderia
ser coberta caso não fosse utilizada. Além disso, como o salão se

54 Guimarães, Filipa. Arquitectura para a Dança e para as Artes Performativas:


forma, dimensão e características dos espaços cénicos. Porto, Dissertação
de Mestrado Integrado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Porto, 2019, p. 47.
55 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 61.

54
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 31. Hellerau Festival Theatre, área do solário.

Fig. 32. Hellerau Festival Theatre, cenário de Appia para As Traquínias, coreografia de E.J. Dalcroze, com alunas da Escola de Euritmia, 1933.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

estendia de uma ponta à outra do edifício principal,56 pensou-se a


possibilidade de o espaço ser prolongado, abrindo-se para o jardim
que ficava nos fundos. A concepção de iluminação do interior,
trabalho de von Salzmann, foi pensada de modo a se afastar do
naturalismo e conquistar a atmosfera transcendental desejada
por Appia, sendo colocadas uma série de lonas brancas enceradas
ao longo das paredes e do teto do salão, com espaçamento de
um metro entre elas, o que tornava difusa a luminosidade das
milhares de lâmpadas instaladas no local.57 Desta forma, a
iluminação do salão poderia variar de uma escuridão absoluta a
um clarão brilhante.

O edifício, como um todo, era constituído por um corpo mais


baixo que abraçava a nave principal, traduzida, em alçado, por
dois pórticos com quatro pilares monumentais (que “reproduzem
a cadência solene e lenta de ‘Claire de Lune’ e de ‘I tre pilastri’,
desenhada por Appia em 1909”58) encimados por um frontão,
de pendente acentuada, com símbolos de yin e yang no centro a
representar a dança e o equilíbrio. A fachada evoca os templos da
antiguidade clássica. De cada lado do edifício, duas naves laterais
são habitadas por administração, áreas destinadas ao ensino,
entre outros, e também dois balneários bem iluminados com
saídas para duas quadras protegidas, projetadas para exercícios
ao ar livre e para banhos de sol. À volta do edifício maior ficavam
pequenas habitações e, juntos, circunscreviam uma praça que
lembra, também, a ordem tipológica de uma vila Palladiana. Para
Dalcroze, o projeto final foi entusiasmante:

“Em uma carta a Dohrn59, ele [Dalcroze] escreveu que: ‘Os


desígnios de Tessenow me satisfazem inteiramente do ponto de
vista técnico. Com isso quero dizer que todas as soluções espaciais

56 “Dalcroze proposed to Appia and Dohrn a hall of grand ironwork, like that of a
railway station, open at the two ends with two huge arches that would permit an
absolute permeability between the interior and the exterior”. Michelis, Marco de.
Modernity and Reform, Heinrich Tessenow and the Institut Dalcroze at Hellerau,
em The Yale Architecture Journal (org.), Theater, theatrically and architecture.
Nova York, Rizzoli International Publications, 1990, p. 161.
57 Idem.
58 Idem, p. 159.
59 O primeiro secretário de Hellerau, Wolf Dohrn, foi o principal protagonista
da transferência da escola Jaques-Dalcroze de Genebra para Hellerau.
Posteriormente, tornou-se diretor-fundador da escola. Idem, p. 149.

56
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 33. Jacques-Dalcroze no ensaio do festival para “Orpheus and Eurydice”, cenografia de Appia, 1912.

Fig. 34. Hellerau Festival Theatre, planta baixa do complexo conforme construído, 1911-12.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

me parecem resolvidas aqui como eu teria desejado. Mas, além


disso, devo observar com a maior alegria que também meus
objetivos morais e artísticos foram totalmente compreendidos por
Tessenow. O estilo dos seus edifícios, com a sua harmonia e com a
sua simplicidade, adaptam-se perfeitamente ao estilo dos exercícios
ginásticos rítmicos... Para a arte que pretendo, uma renovação
da colaboração com o espaço é absolutamente indispensável mas,
evidentemente, esta colaboração não a priva de sua liberdade nem
de seus valores originais’

O julgamento de Appia não é diferente: ‘Quanto mais reflito sobre


os desenhos de Tessenow, mais me parece impossível que um plano
pudesse reunir dentro de si o maior número de condições essenciais
e impraticáveis para sua função. Tessenow entendeu de uma
maneira quase genial que a arquitetura deste edifício deve recuar
diante da vida que se deseja despertar aqui. Ele compreendeu que
o modelo deste Instituto reside no silêncio absoluto e serenamente 60 “In a letter to Dohrn he wrote that:
discreto de cada linha e de cada superfície. Na verdade, desse ponto ‘Tessenow’s designs entirely satisfy me from
a technical point of view. By this I mean
de vista, não se poderia fazer melhor e a intuição de Tessenow me to say that all the spatial solutions seem to
parece quase maravilhosa’”.60 me resolved here as I would have wished.
But beyond this I must note with the
Tessenow terá criado o ambiente de um templo dedicado ao greatest joy that also my moral and artistic
objectives have been fully understood by
corpo, à vida humana, e a arquitetura materializa esse desejo Tessenow. The style of his buildings, with
através de referências muito claras. Porém, apesar da inauguração their harmony and with their simplicity,
bem sucedida, a escola teve um curto período de vida no formato are perfectly adapted to the style of the
rhythmic gymnastic exercises... For the art
em que estava. Após apenas três anos, com a morte de Dohrn e that I intend, a renewal of the collaboration
a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, os estudantes with space is absolutely indispensable but,
internacionais deixaram o Instituto e Dalcroze e Appia viajaram evidently, this collaboration does not deprive
it of its freedom nor of its original values at
à Suíça, não retornando mais. Após tornar-se faculdade de polícia all.’
em 1938 e, depois da Segunda Guerra Mundial, servir de hospital
militar e hall desportivo para os soviéticos, a arquitetura de The judgement of Appia is no different: ‘The
more I reflect upon Tessenow’s designs the
Tessenow e a memória do que fora o complexo foram resgatadas more it seems impossible to me that a plan
para interesse cultural e patrimonial, tornando-se em 2004, no could unite within it the major number of
Hellerau European Arts Centre.61 essential and unforfeitable conditions for its
function. Tessenow has understood in an
almost genial manner that the architecture
of this building must recede in the face of
the life one wants to awaken here. He has
understood that the style of this Institute
resides in the absolute and serenely discreet
silence of every line and every surface. In
truth, from this point of view one could not
60 Idem, p. 165-166. Tradução livre. do better and Tessenow’s intuition seems
61 Em https://www.hellerau.org/en/history/ (acesso em 08/09/2020) almost wonderful to me’.”

58
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 35. Hellerau Festival Theatre, alçado, em torno de 1915. © SLUB, Deutsche Fotothek.

Fig. 36. As três colunas, projeto de espaço rítmico de Appia, 1909.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

O corpo-arquitetura e o corpo-espaço
Se, por um lado, Hellerau teve um papel de grande importância
para as práticas de Appia e para uma revolução nas artes
performativas, por outro, a teoria wagneriana, que impulsionaria
Appia, também impulsionou outros movimentos artísticos no
século XX, o que inclui a Bauhaus, conhecida na história da arte
como a original e a mais importante escola de arte moderna
existente.

Fundada na Alemanha, em 1919, por Walter Gropius, a escola


criou uma estrutura pedagógica considerada revolucionária para
a época, cuja concepção arquitetônica foi muito influenciada
pelos acontecimentos do século XIX, quando se buscava a união
entre as artes (a Gesamtkunstwerk Wagneriana) e entre as áreas
de produção técnica e artística; Arquitetura, planejamento,
pintura, escultura, desenho industrial e teatro estavam entre as
artes visuais abrangidas. A segregação dos séculos anteriores, não
apenas entre a produção industrial emergente e as Arts and Crafts,
mas também entre as várias artes, era vista pela escola como uma
realidade a ser revertida, propondo um ideal de união que, de
certo modo, relacionava-se com o contexto político pós-guerra
e a crença de que essa poderia ser a resolução dos problemas
sociais e culturais da sociedade.62

Com o objetivo de incluir as multifacetas da arte, o curso unia


artistas-mentores de diversas disciplinas e encorajava os alunos
a procurarem um background comum e, assim, despertarem suas
capacidades individuais e encontrarem suas próprias diretrizes,
buscando uma nova síntese de arte e tecnologia moderna. No
meio de uma série de workshops da escola, o de teatro sobressaiu-
se por reunir as diversas artes cênicas – dança, música, teatro,
pantomima, performance, cenografia, luz e som – e os demais
workshops proporcionaram um bom contributo em experiências
técnicas específicas para os espetáculos produzidos.63 Um grande
nome no ensino de teatro da Bauhaus foi o cenógrafo, coreógrafo
e pintor Oskar Schlemmer (1888- 1943), a quem Gropius se refere
como alguém que realizou um papel fundamental na Bauhaus:

62 Siebenbrodt, Michael; Schobe, Lutz. Bauhaus: 1919-1933, Weimar-Dessau


-Berlin. Nova York, Parkstone Press International, 2009, p. 8.
63 Idem, p. 177.

60
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 37. Equilibristas (Heinz Loew, Lily Hildebrandt, Lou Scheper, Andreas Weininger), Bauhaus, 1925. Foto de Erich Consemüller.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“A qualidade artística mais característica da obra de Oskar


Schlemmer é sua interpretação do espaço. Pelas suas pinturas, assim
como pelo seu trabalho cénico para o ballet e o teatro, percebe-se
que experimentou o espaço não só através da mera visão, mas com
o corpo inteiro, com o sentido do tato do bailarino e do ator. Ele
transformou em termos abstratos de geometria ou mecânica sua
observação da figura humana se movendo no espaço. Suas figuras
e formas são criações puras da imaginação, simbolizando tipos
eternos de caráter humano e seus diferentes estados de espírito,
serenos ou trágicos, engraçados ou sérios”.64

Para Schlemmer, “a história do teatro é a história da transfiguração


da forma humana”.65 Interpretando as representações mais
emblemáticas a decorrer na época, encontra na abstração, na
mecanização e na tecnologia emergente os atributos necessários
para a criação de novas hipóteses ousadas para as atividades
performativas. Sua atividade teatral, sob este ponto de vista,
adota uma faceta maquinista, abstrata, na qual a geometria regula
a relação entre o corpo e o espaço.

“O homem, o organismo humano, está no espaço cúbico e abstrato


do palco. Homem e espaço. Cada um tem diferentes leis de ordem. 64 “The most characteristic artistic
quality in Oskar Schlemmer’s work is his
Quais devem prevalecer? Ou o espaço abstrato é adaptado em interpretation of space. From his paintings,
deferência ao homem natural e transformado de volta na natureza as well as from his stage work for ballet and
ou na imitação da natureza. Isso acontece no teatro do realismo theatre, it is apparent that he experienced
space not only through mere vision but with
ilusionista. Ou o homem natural, em deferência ao espaço abstrato, the whole body, with the sense of touch of the
é remodelado para se ajustar ao seu molde. Isso acontece no teatro dancer and the actor. He transformed into
abstrato”.66 abstract terms of geometry or mechanics
his observation of the human figure moving
in space. His figures and forms are pure
Essa experimentação da abstração resultou na criação do Ballet
creations of imagination, symbolizing
Triádico, uma peça que combina dança, figurino e música eternal types of human character and their
para criar uma espécie de construtivismo dançante, no qual há different moods, serene or tragic, funny or
serious”.
menos interesse nas expressões do corpo humano e mais nas
66 “Man, the human organism, stands
in the cubical, abstract space of the stage.
Man and Space. Each has different laws of
order. Whose shall prevail? Either abstract
space is adapted in deference to natural
man and transformed back into nature or
64 Gropius, Walter, em Schlemmer, Oskar. The Theater of the Bauhaus, trad.
the imitation of nature. This happens in the
Arthur S. Wensinger. Middletown, Connecticut, Editora Wesleyan University
theatre of illusionistic realism. Or natural
Press, 1961, p. 8. Tradução livre.
man, in deference to abstract space, is recast
65 Idem, p. 17. to fit its mold. This happens on the abstract
66 Idem, p. 22-23. stage”.

62
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 38. Slat Dance, de Oskar Schlemmer, 1928. Arquivo C. Raman Schlemmer.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

invenções figurativas causadas através dele.67 Em seu trabalho


teatral, segundo Gropius, foi possível “ver e experimentar sua
mágica de transformar dançarinos e atores em arquitetura em
movimento”,68 visto que a plasticidade do corpo é explorada pela
coreografia matemática e pela montagem do corpo segundo um
jogo de formas geométricas fortes.

Schlemmer defendia que o cenário perfeito ocorre no palco,


também, com uma boa precisão geométrica (determinada com
sutileza pela medida do corpo humano), reunindo todas as
tecnologias possíveis, como palco móvel, rotativo, com elevador,
etc., e um bom jogo de cores, formas, luz e movimento. Ou
seja, o espaço cênico faz parte de um conjunto arquitetônico,
é um organismo móvel e deformável que pode produzir uma
estrutura espacial única.69 Ao contrário do modelo clássico, esse
novo modelo de teatro multifuncional possui uma dispersão de
cenas versus plateia como algo duramente definido. A mudança
na produção teatral colocou atores e audiências em um novo
relacionamento, o que, por um lado, era positivo para a Bauhaus,
devido à sua tradição técnica e semiótica. Por outro lado,
representou uma ruptura com a ilusão teatral como método de
representação da realidade.

Essas mudanças profundas no modo de se conceber a cenografia


e a relação entre a plateia e o espetáculo eram sintomáticas do
momento histórico. O início do século XX é marcado, no campo
das artes, pela ebulição criativa proporcionada pelos movimentos
vanguardistas, com ênfase para o Cubismo e o Expressionismo
nas artes cênicas, o que implicaria um amplo experimentalismo
no modo de se fazer teatro. É um momento em que muitas
artes buscam uma individualização, ou seja, uma constituição

67 Ribeiro, João de Lima Mendes. A Reforma do Espaço Cénico no século


XX em Teatro do Mundo -what’s our life? A play of passion. Lugares do palco,
espaços da cidade, org. Cristina Marinho. Porto, Centro de Estudos Teatrais
da Universidade do Porto, 2008, p. 113. Disponível em: https://ler.letras.up.pt/
uploads/ficheiros/10214.pdf (acesso em 10/09/2020)
68 Gropius, Walter, em Schlemmer, Oskar. The Theater of the Bauhaus, trad.
Arthur S. Wensinger. Middletown, Connecticut, Editora Wesleyan University
Press, 1961, p. 9.
69 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 63.

64
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

As leis do espaço cúbico circundante. Aqui, as As leis do movimento do corpo humano no


formas cúbicas são transferidas para a forma espaço. Aqui temos os vários aspectos de rotação,
humana: cabeça, torso, braços, pernas são direção e interseção do espaço: o pião, caracol,
transformados em construções espaço-cúbicas. espiral, disco. Resultado: um organismo técnico.
Resultado: arquitetura ambulante.

As leis funcionais do corpo humano em sua As formas metafísicas de expressão que


relação com o espaço. Essas leis trazem uma simbolizam vários membros do corpo humano: a
tipificação das formas corporais: a forma de ovo forma de estrela da mão aberta, o sinal dos braços
da cabeça, a forma de vaso do torso, a forma de cruzados, a forma de cruz da coluna vertebral e
clube dos braços e pernas, a forma de bola das dos ombros; a dupla cabeça, múltiplos membros,
articulações. Resultado: a marionete. divisão e supressão de formas. Resultado:
desmaterialização.

Fig. 39-42. Oskar Schlemmer, esquissos da transformação do corpo humano nos trajes de palco.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

enquanto linguagem artística distinta, um esforço empreendido


sobretudo por grupos que buscavam distanciar-se da concepção
unificadora wagneriana. Esse impulso foi notório, em particular,
na dança clássica. Marcada por uma forte cultura acadêmica, a
dança clássica entra no século XX estreitamente associada ao
ballet clássico.70 Todavia, o já mencionado Ballet Triádico e o
movimento da euritmia já anunciavam novos caminhos para a
dança, em especial na sua relação com o teatro.

“Assim, a Dança, tal como o Teatro (embora este tenha formas mais
directas de expressar determinadas mensagens), enquanto forma
de expressão artística que reflecte, mesmo que não de maneira
directa, a sociedade e o seu tempo, tem sempre como princípio e fim
organizar numa obra os movimentos e o conjunto das acções que
têm como objectivo transmitir uma determinada interpretação de
uma história e de um certo conjunto de valores, podendo também
transmitir momentos de forte inquietação e mudança”.71

O teatro conta com recursos expressivos com os quais a dança


não conta. A dramatização teatral era fortemente “textocêntrica”
(ou seja, marcada pelo enredo escrito ou verbal), enquanto a
dança é caracterizada pela gestualidade e pelos movimentos.
Portanto, a ruptura com os paradigmas clássicos teria que
passar, necessariamente, pela ruptura com o código de gestos e
movimentos então vigente na Dança Clássica. Nesse contexto, o
nome de Rudolf von Laban aparece e ganha grande destaque.

Nascido em Pozsony, na então Áustria-Hungria, em 1879, Laban


interessou-se pela relação entre a forma do movimento humano e
o espaço que o rodeia. Desenvolveu o conceito de Bewegungskunst
(ou Dança Expressionista), caracterizado pelo protesto
contra a estagnação artística que atribuía ao ballet clássico, ao
qual associava a austeridade, convencionalismo e rigidez de
movimentos.72 Com formação em Arquitetura pela Faculdade
de Belas Artes de Paris, Laban buscou entender a relação que há

70 Guimarães, Filipa. Arquitectura para a Dança e para as Artes Performativas:


forma, dimensão e características dos espaços cénicos. Porto, Dissertação
de Mestrado Integrado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Porto, 2019, p. 97.
71 Idem, p 75.
72 Idem.

66
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 43. Rudolf Laban no ensaio de balé na Ópera Estatal de Berlim, 1934.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

entre o corpo em movimento e o espaço em que este se insere e, a


partir disto, desenvolveu uma metodologia própria: o “sistema de
análise”, categorização e notação dos movimentos, uma vez que
o discurso dançado não se ancora em palavras, mas no trabalho
corporal.

“As tendências controvertidas do pensamento e do sentimento dos


vários personagens representados são expressas tanto em palavras
como em ações na atuação teatral, que é o desempenho artístico da
ação humana. Na mímica e no balé, a dinâmica de pensamentos e
emoções é expressa numa forma puramente visual. Por assim dizer,
são escritas no ar pelos movimentos do corpo do artista”.73

Estabeleceu, em 1915, o instituto coreográfico de Zurique. Em


1928, publicou seu livro “Kinetographie Laban”, que causou um
grande impacto nas teorias de coreografias devido à criação de
seu método de análise de movimentos, permitindo a visualização,
interpretação e documentação dos movimentos humanos. A nova
metodologia do coreógrafo consistia em dançar inserido em um
icosaedro – poliedro convexo de 20 faces triangulares, criando
inúmeras formas de moldar o corpo do bailarino, consciente dos
limites espaciais nos quais se insere. Essa técnica permite explorar
novos movimentos para qualquer performance e auxilia na
fluidez corporal ao mesmo tempo que sugere um prolongamento
dos seus limites para fora de si, buscando uma maior liberdade
corporal em contraponto à rigidez clássica.

“Laban, um dos principais representantes das novas e mais


criativas direções tomadas pela dança e pela cultura física durante
as primeiras décadas do século XX, ajudou a orquestrar a noção de
que o movimento de dança alemão era a verdadeira arte de dança
e não apenas exercício físico racional, ginástica ou o antiquado
74 “Laban, one of the major repreprentatives
balé. Sua ideia era substituir a natureza artificial da dança teatral of the new and more creative directions
por formas de dança comunitária mais libertadoras, nas quais o being taken by dance and physical culture
indivíduo pode integrar e aprender a operar dentro de um grupo”.74 during the first decades of the twentieth
century, helped orchestrate the notion that
the German dance movement was the
73 Laban, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo, Summus editorial (edição true art of dance and not merely rational
organizada por Lisa Ullmann), 1978, p. 29. Disponível em: https://books.google. physical drill, gymnastics or old-fashioned
pt/books?id=CrTUihSxx5IC&pg=PA5&hl=#v=onepage&q&f=false (acesso em ballet. His idea was to substitute the
30/04/2021) artificial nature of theatrical dance with
74 Hallensleben, Markus. Performative body spaces corporeal topographies more liberating community dance forms
in literature, theatre, dance and visual arts. Nova York, Rodopi, 2010. p. 44. where the individual could integrate into
Tradução livre. and learn how to operate within a group”.

68
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 44-45. Ensaios com icosaedro de Rudolf Laban.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Não demorou para que a escola de Laban gerasse discípulos


que não apenas propagariam seus ensinamentos, mas também
contribuiriam, como é o caso de Mary Wigman, ex-aluna em
Hellerau, que desenvolveu as teorias do movimento na Dança-
Teatro com Laban. Kurt Jooss, outro de seus discípulos, abriu
sua companhia – Die Neue Tanzbühne – onde trabalharia com o
compositor Fritz Cohen. Colocaram em prática muitas inovações
do momento, como, por exemplo, a dramatização sócio-política.75

Experimentações no moderno e pós-moderno


A tomada de posições sócio-políticas passou a ser uma realidade
que marcou presença em teatro e dança, em particular no
período entreguerras, marcado pela agitação política decorrente
da devastação provocada pelo conflito. Bertold Brecht e Erwin
Piscator foram personalidades marcantes no movimento.

“Piscator [...] utilizava as maquinarias com diferentes propósitos


estéticos — a sua noção de teatro procurava adequar-se ao seu uso
como um meio de propaganda política. As suas produções eram
como críticas ou provocações políticas [...]. Bertolt Brecht, nos anos
entre 1920 e 1930, colaborou com ele inúmeras vezes e foi através
dele que as ideias mais radicais de Piscator se tornaram conhecidas
e postas em prática. Para Brecht, os avanços tecnológicos e o uso da
mecanização do palco era uma questão de desenvolvimento crítico
na relação entre o teatro e a vida moderna”.76

A lógica de experimentação e desconstrução de tipologias teatrais


levaria Gropius a projetar o Teatro Total, em 1927, em resposta ao
pedido de Piscator que, com Brecht, fundou o movimento Teatro
Épico, que enfatiza o drama sócio-político em detrimento da
manipulação emocional da audiência e da estética formalista.77

75 Guimarães, Filipa. Arquitectura para a Dança e para as Artes Performativas:


forma, dimensão e características dos espaços cénicos. Porto, Dissertação de Mes-
trado Integrado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade
do Porto, 2019, p. 99.
76 Idem. p. 59.
77 Em sua origem, o teatro épico é um movimento teatral que foi influenciado
pelo movimento Agitação e Propaganda (Agitprop), que vinha ganhando espaço
na Rússia e na Alemanha revolucionárias como instrumento voltado para a
conscientização política das massas.

70
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 46-47. Teatro Total, modelo, 1927. Walter Gropius.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“O teatro épico busca um efeito social trabalhando com o


distanciamento. Desta forma, a cena possui uma estrutura mais
objetiva, não interessada nos estados de alma, mas elaborando ações
narrativas e descritivas. O narrador do teatro épico não exprime a
si mesmo, mas comunica a outros alguma história, de forma serena
e objetiva. Normalmente os acontecimentos narrados se encontram
no pretérito, a história já aconteceu a outrem e o narrador já tem
conhecimento de todo o episódio. Desta forma, se distancia dos
acontecimentos, com uma função objetiva e comunicativa”.78

Nunca tendo sido de fato edificado, consistia em um espaço


multidiverso em termos de adoção de diferentes tipologias –
como o anfiteatro, o círculo e o teatro à italiana –, que cria novos
espaços, como corredores e passarelas abertas para os dois lados,
de modo a que a dupla abertura proporcione novas perspectivas
e a aproximação com o público seja mais intensa, podendo
envolvê-los ainda mais com o espetáculo.79 Gropius acredita que o
arquiteto, ao projetar um teatro, deveria criar um espaço objetivo,
diverso e facilmente adaptável para dar asas à imaginação de um
diretor de espetáculos, o que buscou realizar neste projeto:

“No meu Teatro Total… Busquei criar um instrumento tão flexível


que um diretor pode empregar qualquer uma das três formas de
palco pelo uso de mecanismos simples e engenhosos. As despesas
com esse mecanismo intercambiável de palco seriam totalmente
compensadas pela diversidade de propósitos para os quais tal
edifício se prestaria: para apresentação de drama, ópera, filme e
dança; para coral ou música instrumental; para eventos esportivos
ou assembleias. Peças convencionais poderiam ser tão facilmente
acomodadas quanto as mais fantásticas criações experimentais de
um diretor de palco do futuro”.80 80 “In my Total Theatre … I have tried
to create an instrument so flexible that a
director can employ any one of the three
78 Ribeiro, Cristina Sanches. The Living Theatre e a criação coletiva: intersecções
stage forms by the use of simple, ingenious
no teatro brasileiro. Florianópolis, Santa Catarina, Dissertação de Mestrado em
mechanisms. The expenditure for such an
Teatro pela Universidade do estado de Santa Catarina, 2016. p. 39. Disponível
interchangeable stage mechanism would
em:https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=http://
be fully compensated for by the diversity of
sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000022/000022bf.pdf&ved=2ahU
purposes to which such a building would
KEwiJ9ZTYs8zuAhW2HbkGHWK5AqYQFjAAegQIARAB&usg=AOvVaw3ez
lend itself: for presentation of drama, opera,
cT0196YdIRR9q-Wms71 (acesso em 26/01/2021)
film and dance; for choral or instrumental
79 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo music; for sports events or assemblies.
conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 121. Conventional plays could be just as easily
80 Gropius, Walter, em Schlemmer, Oskar. The Theater of the Bauhaus, trad. accommodated as the most fantastic
Arthur S. Wensinger. Middletown, Connecticut, Editora Wesleyan University experimental creations of a stage director of
Press, 1961, p. 12. Tradução livre. the future”.

72
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 48. Teatro Total, corte e perspectiva.

Fig. 49. Teatro Total, planta baixa com as respectivas adaptações.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Outra experimentação realizada 20 anos depois, em 1947, é do


arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe. Colega de profissão
de Gropius, e com um breve período como diretor da Bauhaus, o
arquiteto moderno possui uma particularidade em sua maneira de
projetar, que consiste na sua composição e articulação dos planos
(permitindo observarem-se paralelos com o neoplasticismo) de
uma forma que constrói ricas espacialidades, sobretudo do ponto
de vista de como organiza as circulações. Desta forma, as plantas
proporcionam uma poderosa fluidez espacial, que alia-se à ideia
de movimento e o percorrer dos corpos em suas obras. Essa é uma
atitude projetual claramente relacionada à ideia da promenade
modernista e que perpassa toda a sua obra em diferentes graus,
de um desejo de criar um circuito livre e infinito em si mesmo,
desenhado de forma a extrair as poéticas do devir, como fica
muito bem observado principalmente em projetos como do
Pavilhão de Barcelona e da Brick Country House.

Nunca construído e exposto no Museu de Arte Moderna de Nova


Iorque, o projeto do Teatro de Mies, como o de Gropius, busca
colocar adaptações modernas na tradicional tipologia teatral.
Porém, Mies explora com mais afinco as possibilidades que
implicam o vão livre, desenhando um grande vão único a fim
de flexibilizar o arranjo interno. O edifício de aço e vidro, sem
colunas internas, possui a maior parte de sua área ocupada pelo
auditório, com uma área de plateia escavada e painéis acústicos
suspensos.

Apesar da capacidade de Mies em assinalar diversos programas


em suas estruturas de vão único através de ‘molduras neutras’,81
um teatro de larga escala com elementos construtivos reduzidos
não é algo convencional. Como o auditório comtempla o edifício
praticamente por inteiro, contraria o usual arranjo interno de
um teatro, que é pouco aberto para o exterior e fragmentado
entre backstage, instalações técnicas, foyer e auditório. Os dois
últimos, por exemplo, são definidos apenas através de desníveis e
degraus. A quantidade de divisórias internas é pouca, bem como
as paredes opacas, que, na fachada, são substituídas pelo vidro.

81 “I hope to make my buildings neutral frames in which man and artworks can
carry on their own lives”. Mies van der Rohe, Ludwig. ‘A talk with Mies van der
Rohe 1958’, em Neumeyer, Fritz. The Artless Word, Mies van der Rohe on the
Building Art. Cambridge, Mass., The MIT Press, 1991, p. 339.

74
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 50. Teatro Nacional, maquete original, Mannheim, 1952-53. Mies van der Rohe. Imagem de Hedrich Blessing / divulgação Chicago History Museum.

Fig. 51. Projeto de Teatro, elevação interna esquemática, 1947. L. Mies van der Rohe; 1: hall de entrada, 2: instalações técnicas e foyer, 3: bastidores; 4-5:
palco; 6: plateia, 7: concha acústica, 8: pele de vidro. Colombo, L. F., 2015.

Fig. 52. Projeto de Teatro, plantas baixas esquemáticas, 1947. Mies van der Rohe. Colombo, L. F., 2015. Orig.: Malcolmson, Reginald F., 1949.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“O projeto também foi relevante porque ele proporcionou uma nova


visão de teatro moderno. Enquanto mantinha a tradicional plateia
unidirecional, [...] abriu o auditório para outros espaços internos e
o integrou visualmente com o exterior através de amplas fachadas
de vidro. Desta maneira, este projeto elevou a continuidade espacial
e a abertura visual a um nível superior em comparação com outros
teatros em recintos fechados. [...] no Teatro Total de Walter Gropius,
telas de projeção e paredes opacas separavam a área da plateia da
pele de vidro externa. O Teatro de Mies, por outro lado, foi capaz de
resgatar de maneira mais intensa a atmosfera dos antigos teatros ao
ar livre - incluindo a sua forte integração com a dinâmica paisagem
circundante”.82

Ao longo do século, os movimentos que promoviam a


desconstrução e a tecnologização dos espaços de performance se
estenderam também para fora da Europa, repercutindo até mesmo
em novas concepções arquitetônicas de modelos teatrais nas
Américas, como é o caso do Teatro Oficina, em São Paulo, Brasil.
Inicialmente construído em 1957 por Joaquim Guedes para a
companhia de teatro de José Celso Martinez Correa, dramaturgo
e diretor da Companhia Teatro Oficina, a estrutura ardeu em um
incêndio, 9 anos depois, e precisou sofrer uma reforma, a qual
foi requisitada pelo diretor para que fosse realizada pela arquiteta
ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, com início em 1984.

O projeto do Teatro, conforme descreve o arquiteto coautor


Edson Elito, teve como princípio norteador o conceito de “rua,
de passagem”, que seria uma conexão entre a rua de entrada, o
viaduto em frente, os espaços residuais resultantes deste e uma
área livre nos fundos do teatro. O ponto de encontro entre esses
elementos aconteceria em um teatro não convencional, onde as
influências modernas dos arquitetos acerca da pureza formal e do
racionalismo na construção encontram os anseios do dramaturgo
por emoção e contato físico entre os corpos, resultando em um
espaço concebido para que se pudesse ser sentida a união entre
palco e plateia, independentemente da configuração desejada.
A intenção estava em proporcionar um espaço em que todos

82 Colombo, Luciana Fornari. O projeto de teatro de Ludwig Mies van der Rohe.
São Paulo, Arquitextos - Vitruvius, ano 16, nº 185.03, out. 2015. Disponível
em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.185/5782 (acesso em
25/05/2021).

76
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 53. Teatro Oficina, apresentação no espaço. © Arquivo Teatro Oficina.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

os ambientes compusessem um espaço cênico unificado, com


flexibilidade de uso - “todo o espaço é cênico”.83

O estreito edifício reabilitado de 9m x 50m assume como


superfície destinada às representações praticamente toda sua
extensão térrea, posicionando, então, o palco em formato de uma
pista longitudinal no chão. A fim de vencer os 3m de cota entre a
entrada e os fundos, é adotada uma inclinação em um trecho do
espaço, de modo a criar uma rampa-palco (que viria a gosto do
dramaturgo).84 Os elementos naturais, aqui, foram contemplados
com a incorporação da terra através de elementos vegetais no
exterior e interior do edifício, da água, através de um espelho
d’água e, do ar, a construção de uma cobertura em abóbada
deslizante, compondo o espaço interno de forma poética e técnica.
Às suas paredes, foram justapostos, em galeria de quatro níveis,
andaimes desmontáveis que abrigam plateia, camarins, sala de
controle, etc. Atores e público, bem como todo equipamento ou
objeto de cena ou não, fazem parte do espetáculo, enfatizando a
importância dos corpos para a atmosfera cênica desejada.

Na percepção de Lina Bo Bardi, a arquitetura não sobrevive como


um objeto em si, mas depende também da vitalidade humana, da
experimentação do espaço, do corpo em movimento que interage
com o que está à sua volta. “(...) até que o homem não entre no
edifício, não suba os degraus, não possua o espaço numa ‘aventura
humana’ que se desenvolve no tempo, a arquitetura não existe, é
frio esquema não-humanizado (...)”.85 A experimentação humana
pode ir desde os corpos dos indivíduos que percorrem o lugar até
à colocação dos suportes amovíveis, posicionados de acordo com
as atividades pretendidas. A relação com a ação, neste caso, busca
ser propositadamente mais intimista que a relação convencional
à italiana, com o ator completamente exposto em todas as suas
dimensões e, deste modo, mais exposto, vulnerável e humano.

“Do ponto de vista da arquitectura, o [Teatro] Oficina vai procurar


a verdadeira significação do teatro – sua estrutura física e táctil,

83 Elito, Edson, em Bo Bardi, Lina. Teatro Oficina, org. Instituto Lina Bo Bardi
e P.M. Bardi. Lisboa, Editorial Blau, 1999, p. 10.
84 Idem, p. 14.
85 Bo Bardi, Lina. Dança e Arquitetura: Síntese das Artes. Conferência no MAM
SP. São Paulo: ILBPMB, Manuscrito, 01 de fevereiro, 1959.

78
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 54. Teatro Oficina, esquisso de Esdon Elito, concepção original de Lina Bo Bardi.

Fig. 55. Teatro Oficina, plantas baixas. Lina Bo Bardi. © Arquivo Teatro Oficina.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

sua Não-Abstração – que o diferencia profundamente do cinema


e da tevê, permitindo ao mesmo tempo o uso total desses meios”. 86

Percebe-se que o século XX foi marcado por uma sucessão de


questionamentos do lugar das artes performativas (bem como
do papel das artes em geral) e, como consequência, por uma
revolução criativa nos modos de interpretar o que este lugar
deveria ser ou ao que deveria remeter. A interdisciplinaridade
entre as variadas formas de arte e também o maior emprego de
recursos tecnológicos permitiram que se pudessem desenvolver
pontos de vista em relação às questões relativas às performances
que, todavia, não chegaram a uma solução padrão unificadora,
mas estiveram abertas às mais diversas interpretações e
experimentações de como o espaço interfere nas interpretações e
vice-versa. Se referindo ao período histórico de 1914 a 1945 como
a “era dos cataclismos”, em função dos dois conflitos mundiais
que marcaram o período, o historiador Eric Hobsbawn afirma,
sobre a influência das vanguardas87 nas artes:

“Três coisas se podem observar sobre essa revolução na era dos


cataclismos: a vanguarda se tornou, por assim dizer, parte da
cultura estabelecida; foi pelo menos em parte absorvida pela vida
cotidiana; e – talvez acima de tudo – tornou-se dramaticamente
politizada, talvez mais que as grandes artes em qualquer período”.88

O espaço teatral, especialmente após a primeira metade do


século, começou a não se restringir apenas ao edifício teatral,
cuidadosamente equipado para apresentações. Visto que o tema
da participação mais ativa do público às performances estava a ser
discutida, o que remetia a um certo desprendimento e liberdade
do seu posicionamento em relação ao espaço cênico, levantou-se
também a questão da liberdade em performar em outros espaços
que não o lugar institucionalizado.
88 “Three things can be noted about this
revolution in the era of cataclysms: the
avant-garde became, as it were, part of
established culture; it became at least partly
86 Bo Bardi, Lina. Teatro Oficina, org. Instituto Lina Bo Bardi e P.M. Bardi.
absorbed into the favbric of everyday life, and
Lisboa, Editorial Blau, 1999, p. 3.
– perhaps above all – it became dramatically
87 Palavra de origem francesa (avant garde) usada na arte para designar os politicized, perhaps more so than the
movimentos artísticos que romperam com os modelos clássicos que eram high arts in any period since the Age of
empregados nas escolas conservadoras. Revolutions”. Hobsbawm, Eric. The Age of
88 Hobsbawn, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Extremes the short twentieth century: 1914-
Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 181 1991. Londres, Abacus books, 1994, p. 181.

80
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 56. Montedemo, performance do Teatro O Bando, grupo português em criações itinerantes em espaços não convencionais, Tondela, 1987. Cortesia
de Teatro O Bando.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

O experimentalismo no espaço teatral, que ganha força no


contexto das artes de vanguarda, passa por um processo de
florescimento no período entreguerras (1918-1939), com várias
propostas de ressignificação da arte teatral. Assim como o Teatro
Épico de Piscator/Brecht, que buscava a politização do ato teatral,
outras formas de teatro experimental também despontaram
nesse período, como o Teatro da Crueldade de Antonin Artaud.
De acordo com Peter Brook:

“Artaud defendia que só no teatro é que conseguimos libertar-nos


das formas reconhecíveis que povoam a nossa vida quotidiana.
O teatro convertia-se assim num local sagrado onde cabia uma
realidade maior. [...] Artaud nunca realizou o seu próprio teatro:
[...] Ele próprio falava sempre de um modo de vida completo, de
um teatro em que a actividade do actor e a do espectador fossem
motivadas pela mesma necessidade desesperada. [...] Ainda assim,
da cativante expressão <<Teatro da Crueldade>> nasceu uma
busca tacteante de um teatro mais violento, menos racional, mais
extremo, menos verbal, mais perigoso. Há um certo prazer nos
choques violentos. O único problema dos choques violentos é o seu
desgaste”.89

Tendo assistido a espetáculos de dança balineses e de teatro


oriental, Artaud passou a desenvolver um senso crítico sobre os
rumos que foram tomados pelo teatro ocidental, que passou a ter
uma dependência total da linguagem escrita sobre a linguagem
gestual, o que ocasionou perda da mística da atuação. Buscava
trazer para a encenação os mistérios da vida, a gestualidade, de 89 “Artaud maintained that only in the
theatre could we liberate ourselves from the
modo a provocar os sentidos dos espectadores. Foi precursor recognizable forms in which we live our daily
da ‘subversão’ no teatro, da adoção do ponto de vista de que o lives. This made the theatre a holy place in
teatro tem um poder transformador das estruturas de opressão which a greater reality could be found. [...]
Artaud never attained his own theatre, [...].
da sociedade. Visando contestar a estética vigente no teatro Certainly, he himself was always speaking of
ocidental estabelecido, Artaud traz para o Teatro da Crueldade a complete way of life, of a theatre in which
o desnecessário, o mal visto, no intuito de dar visibilidade a the activity of the actor and the activity
of the spectator are driven by the same
temáticas que causam choque e que eram destinadas à censura.90 desperate need. [...] None the less, from the
arresting words ‘Theatre of Cruelty’ comes
a groping towards a theatre, more violent,
89 Brook, Peter. O Espaço Vazio, trad. Rui Lopes. 3ª edição. Lisboa, Orfeu Negro, less rational, more extreme, less verbal, more
2016, p. 74-75. dangerous. There is a joy in violent shocks:
90 Barbara, Rodrigo Peixoto. (Des)dobrando o teatro da crueldade: Nietsche, the only trouble with violent shocks is that
Artaud, Deleuze e outros pensadores rebeldes. Goiânia, Goiás, Dissertação de they wear off ”. Brook, Peter. The Empty
mestrado em Performances Culturais pela Escola de Música e Artes Cênicas da Space. Nova York, Simon&Schuster, 1996,
Universidade Federal de Goiás, 2017, p. 93. p. 64-65.

82
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina

Fig. 57. Antonin Artaud em Seans: hommage á Antonin Artaud, 1977


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“[...]Artaud trabalhava com uma diversidade de assuntos/temas


bem polêmicos. Ele não lidava bem com a serenidade e até hoje os
seus escritos assustam, tanto pela forma como ele escreveu como
pelos termos que ele usava e abarcava. A peste, a crueldade, o
terror, o fim do juízo de Deus, o CsO [Corpo sem Órgãos] são
constantes em seus textos e estes por sua vez são severos para um
pensamento acostumado a ler uma literatura destinada ao “belo”
e ao “coerente”. [...] Às vezes não fica claro em sua escritura (até
mesmo porque não foi essa a pretensão de Artaud, esclarecer)
quando ele está lúcido ou não. Talvez esse fosse o anseio de Artaud,
mostrar que entre a lucidez e a loucura há uma linha muito tênue
e que se faz muito importante lidar com ambos os aspectos sem
juízos de valores, afinal, a vida oscila entre loucura e lucidez da
mesma forma que podemos dizer que há uma parte considerável
de loucura na lucidez e de lucidez na loucura e Artaud vem para
mostrar isso”.91

Com a ascensão dos regimes fascistas em Itália e na Alemanha


e também com a exacerbação do autoritarismo de Stalin na
União Soviética na década de 1930, as artes de vanguarda passam
por um período de obscuridade e perdem espaço para padrões
arquitetônicos de caráter monumental, de modo que o panorama
cultural das vanguardas russa, alemã e italiana, justamente as que
mais contribuíam para a renovação das artes cênicas nos últimos
séculos, é fortemente enfraquecido. Seria necessário esperar pelo
fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, para que se assistisse a
um renascimento do teatro experimental e de um novo contexto
favorável às mudanças democratizantes do teatro.92

91 Idem. p. 95.
92 Hobsbawn, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São
Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 185.

84
I ATO. Do teatro clássico ao teatro oficina
II ATO. Espaços Outros
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Dessacralização do palco
“Na vida quotidiana, «se» é uma ficção; no teatro, «se» é uma
experiência. Na vida quotidiana, «se» é uma evasão; no teatro,
«se» é a verdade. Quando estivermos prontos para acreditar nesta
verdade, então o teatro e a vida serão um só. Trata-se de um
objectivo nobre. Parece ser um trabalho difícil. Representar em cena
exige muito trabalho. Mas quando temos a experiência do trabalho
como se se tratasse de um jogo, então ele deixa de ser trabalho. A
representação é um jogo”.93

As artes performativas atravessam a segunda metade do século


XX em direção a uma prática revolucionária pós-moderna.
Questiona-se a sacralização do edifício teatral, a conexão entre
arte, espaço público e vida cotidiana, bem como o papel das artes
e dos artistas nesse contexto. Para alguns, as produções modernas
eram demasiado engessadas e sem a adaptabilidade que outrora
eram permitidas aos atores ambulantes, especialmente levando-
se em consideração a quantidade de aparatos permitidos pelas
novas tecnologias.

É sob esse contexto que Lina Bo Bardi projeta o Teatro


Oficina, anteriormente mencionado, praticamente como uma
representação da rua, como um edifício em desconstrução
que almeja ser também espaço público. Não por acaso, a
arquiteta esteve bastante envolvida nas vanguardas artísticas
emergentes especialmente no Brasil, incentivando a união entre
o modernismo europeu, por sua experiência enquanto imigrante
italiana, e a cultura popular afro-brasileira fortemente presente
na Bahia, estado brasileiro para onde imigrou.94

Dotada de uma sensibilidade proveniente da sua sede em abraçar


o povo e a cultura popular, Lina buscava agregar constantemente
estes elementos às suas diversas obras, não apenas em arquitetura. 93 “In everyday life, ‘if ’ is a fiction, in the
theatre ‘if ’ is an experiment. In everyday
life, ‘if ’ is an evasion, in the theatre, ‘if ’
is the truth. When we are persuaded to
believe in the truth, then the theatre and
93 Brook, Peter. O Espaço Vazio, trad. Rui Lopes. 3ª edição. Lisboa, Orfeu Negro, life are one. This is a high aim. It sounds
2016, p. 205. like hard work. To play needs much work.
94 Ribeiro, Aline da Silva Escórcio. Elementos da cultura popular na obra de But when we experience the work as play,
Lina Bo Bardi: SESC Pompéia e Igreja do Espírito Santo. São Paulo, Dissertação then it is not work any more. A play is play”.
de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura da Brook, Peter. The Empty Space. Nova York,
Universidade de São Paulo, 2016, p. 61. Simon&Schuster, 1996, p. 175.

88
II ATO. Espaços outros

Fig. 58. Bodies in urban space, de Willi Dorner, 2017. Performance sobre o corpo no ambiente urbano.

Fig. 59. Capa da Revista Habitat nº 1, 1950. Acervo: Biblioteca FAU/USP. Reprodução: P. Amorim.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Na revista Habitat,95 a cultura folclórica e as matrizes indígenas e


africanas eram colocadas lado-a-lado à arte moderna, buscando
fomentar a identidade brasileira embasada em suas raízes.
Inclusivamente, a revista informava como até a “alta cultura”
sempre fora oriunda de produtos e artes populares genuínos.

“Lina Bo Bardi não considerava o Brasil como parte do mundo


ocidental, mas sim um país único com uma grande diversidade de
culturas que, por isso mesmo, deveria seguir seu próprio caminho.
Pertencia a uma geração que considerou importante repensar os
ideais modernos da arquitetura em sua relação com o passado e
com as tradições folclóricas, uma geração que valorizou trabalhar
com os materiais que tinham ao seu alcance, com elementos
que já existiam desde sempre [...]. A habilidade de improvisar,
simplificar e inventar, que caracteriza a cultura popular, também
é aparente em toda a obra arquitetônica de Lina Bo Bardi. Em
todas as formas de sua expressão artística [...] encontramos uma
voz única, uma coerência impressionante entre teoria e aplicação
prática, a mesma mensagem de resistência à dominação cultural,
buscando restabelecer o contato com ‘a essência vital, primária e
não cristalizada da humanidade ancestral’.” 96

Esse contato com os instintos primitivos, com a essência ancestral


não cristalizada, vai de encontro às expressões performáticas mais
espontâneas e viscerais. As manifestações culturais brasileiras
possuem uma forte base proveniente dos povos indígenas, com
suas festividades em agradecimento às divindades por meio de
rituais xamânicos (liderados por pajés, que realizam a ponte entre
mundano e divino), e do povo africano, com expressões musicais
fortemente ligadas ao corpo, com danças e rituais como o samba,
o maculelê e a capoeira, símbolo artístico importantíssimo na
cultura e reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da
Humanidade em 2014.

95 “Integrando as atividades do MASP estava ainda o Instituto de Arte


Contemporânea (IAC), cuja função era oferecer atividades relacionadas a vários
segmentos das artes, como desenho, desenho industrial, fotografia, pintura e
música. Em 1950 foi lançada a revista Habitat, criada com o objetivo de divulgar
as atividades do Museu e do Instituto e também para servir como ferramenta de
debate acerca da cultura moderna e das culturas tradicionais do país aos moldes
do que havia sido praticado por Lina e Pietro nos editoriais italianos”. Idem, p. 65.
96 Oliveira, Olivia de. Lina Bo Bardi 1914-1992. Madrid, Arquitectura Viva - AV
Monografías, v. 180, 2015, p. 21. Tradução livre.

90
II ATO. Espaços outros

Fig. 60-61. Toré, ritual que une dança, religião, luta e recreação, na aldeia Pankakaru, Pernambuco, 2014. Fotografia de Renato Soares.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

O sentido da performance ligada à vida e ao cotidiano é uma


forte referência de Lina. Se o teatro é um ato existencial, sua
audiência possui um vínculo para além de mero espectador; é
uma experiência conjunta no momento presente, no tocante às
expressões mais profundas e íntimo demais para existir qualquer
relação indireta e passiva num mesmo ambiente. O público soma
neste processo envolvente, participa, enriquece, conforme sugere
em seu discurso ao ser premiada pela cenografia de “Ubu - Folias
Physicas, Pataphysicas e Musicaes”, em 1985:

“O público pode perguntar: que cenografia é esta onde não tem


nada? A este ponto eu cito Lautreamont: ‘a arte deve ser feita por
todos e não por um só. O Teatro é a vida e na ausência de dados ‘pré-
estabelecidos, uma cenografia ‘aberta’ e despojada pode oferecer ao
expectador [sic] a possibilidade de ‘inventar’ e participar’ do ‘ato
existencial’ que representa um espetáculo de Teatro. Assim nascem
a ‘neve’, o jantar sem nada, o Palácio que não existe, os pequenos
paraventos laterais. Tenho certeza que Jarry teria gostado. Num
certo sentido, a cenografia tradicional é o contrário da arquitetura
e a ausência de ‘cenografia’ é, como dizia Walter Gropius, pura
arquitetura. Agradeço ao júri por ter compreendido tudo isso” 97

Para Ubu, Lina deixou o palco praticamente nu, com os elementos


cênicos à imaginação do público, adicionando apenas objetos
estratégicos que esclarecessem o contexto de forma minimalista:
“Para a cena inicial de Ubu na miséria, foi suficiente um tapete
vagabundo rasgado e a neve entrando em casa, sugerindo o
telhado quebrado; no banquete de conspiração, as comidas eram
imaginárias. Para a grande festa de coroação do Rei Ubu, um dos
atores entrava em cena com uma placa escrita ‘Este é o Palácio
de Varsóvia’ ”.98 O projeto foi fortemente amarrado em abstração,
realizando uma certa dessacralização do palco e da caracterização
de um espaço que, em verdade, é ilusório.

97 Ferraz, Marcelo Carvalho (coord.) Lina Bo Bardi. São Paulo, Imprensa


Oficial, 2008, p. 260. Em Leonelli, Carolina. Lina Bo Bardi [experiências]. Entre
arquitetura, artes plásticas e teatro. São Paulo, Dissertação de Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de
São Paulo, 2011, p. 119.
98 Nosek, Victor. Sol quente e nuvens velozes. Fragmentos de uma colaboração.
Resenhas Online, São Paulo, ano 17, n. 204.01, Vitruvius, dez. 2018. Em ht-
tps://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/17.204/7196 (acesso em
03/01/2021).

92
II ATO. Espaços outros

Fig. 62. Esquisso de cena para Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, Lina Bo Bardi, 1985. © Instituto Lina Bo e P.M. Bardi/foto: Henrique Luz.

Fig. 63. Cena de Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, 1985. Fotografia de João Caldas.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Justaposição entre teatro e espaço público


Michel Foucault, na conferência Outros Espaços (realizada em
1967, publicada por escrito em 1984), fala sobre esses espaços
envoltos por uma aura de subjetividade no que diz respeito às
suas definições e funções. Interessado no olhar desapegado dos
espaços fixos e engessados absorvidos pela sociedade, Foucault
explora “posicionamentos” (palavra que substitui “localizações”,
uma espécie de organograma, para adequar-se à linguagem
contemporânea),99 que são fluidos, de movimentos, onde há
fluxos e inconstâncias.

E qual seria o conjunto de relações pelo qual se poderia defini-


los? São os posicionamentos de passagem, como as ruas, os trens
e os ônibus; de paradas provisórias, como café, cinema e praia;
ou de repouso, fechado ou semifechado, como a casa, o quarto e
o leito de hospital. Porém, o foco do autor está sobre os espaços
que têm relações com todos os outros espaços, que subvertem as
sacralizações.

“Esses espaços, que por assim dizer estão ligados a todos os outros,
contradizendo, no entanto, todos os outros posicionamentos, são
de dois grandes tipos. Há, inicialmente, as utopias. As utopias
são os posicionamentos sem lugar real. [...] Há, igualmente, e isso
provavelmente em qualquer cultura, em qualquer civilização,
lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados
100 “Ces espaces, en quelque sorte, qui
na própria instituição da sociedade, e que são espécies de sont en liaison avec tous les autres, qui
contraposicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas contredisent pourtant tous les autres
emplacements, sont de deux grands types.
[...] Esses lugares, por serem absolutamente diferentes de todos os
Il y a d’abord les utopies. Les utopies, ce
posicionamentos que eles refletem e dos quais eles falam, eu os sont les emplacements sans lieu réels. [...]
chamarei, em oposição às utopias, de heterotopias”.100 Il y a également, et ceci probablement
dans toute culture, dans toutes civilisation,
des lieux réels, des lieux effectifs, des lieux
qui ont dessinés dans l’institution même
99 “Diferenciando entre espaço de localização (medieval), de extensão (evidenciado de la société, et qui sont des sortes de
por Galileu) e de alocação (contemporâneo), cabe problematizar em particular contre-emplacements, sortes d’utopies
a heterogeneidade deste último por referência ao ‘espaço do fora’, conjunto de effectivement réalisées [...]. Ces lieux, parce
relações que definem alocações irredutíveis umas às outras”. Em: https://www. qu’ils sont absolumment autres que tous
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142013000300008 les emplacements qu’ils réfletent et dont ils
(acesso em 05/01/2021). parlent, je les appellerai, par opposition aux
100 Foucault, Michel. Outros espaços (conferência no Círculo de Estudos utopies, les hétérotopies”. Foucault, Michel.
Arquitetônicos, 14 de março de 1967), em Ditos e Escritos III. Estética: Literatura Des espaces autres (conférence au Cercle
e Pintura, Música e Cinema; org. de textos Manoel Barros da Motta, trad. Inês d’études architecturales, 14 mars 1967),
Autran Dourado Barbosa. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2009, p. Dits et écrits: Architecture, Mouvement,
414-415. Continuité, n° 5, octobre 1984, p. 46-49.

94
II ATO. Espaços outros

Fig. 64. Espelho, experiência mista entre uma utopia e uma heterotopia, na medida em que o espaço irreal se torna um lugar real que o corpo ocupa.
Vieux-Port Pavillion, Marseille, Norman Foster, 2013.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Esses outros espaços, os quais intitula de heterotopias, são os


espaços de resistência, de rebeldia, de subversão e contradição.
Possuem características próprias, para as quais Foucault estabelece
uma série de princípios.101 Em seu terceiro princípio, que se refere
às heterotopias de Justaposição, o autor trata de um lugar que
se constitui, essencialmente, por posições contraditórias nele
próprio; ou seja, não possui nada, mas pode conter em si todo
um universo. Uma tela bidimensional que projeta um espaço
tridimensional, um palco retangular vazio que vira uma rua
ou um palácio, uma série de espaços que se contradizem, mas
coabitam.

“A heterotopia tem o poder de justapor em um só lugar real


vários espaços, vários posicionamentos que são em si próprios
incompatíveis. É assim que o teatro fez alternar no retângulo da
cena uma série de lugares que são estranhos uns aos outros; é assim
que o cinema é uma sala retangular muito curiosa, no fundo da
qual, sobre uma tela em duas dimensões, vê-se projetar um espaço
em três dimensões”.102

De acordo com este princípio, um mesmo ambiente formado


por materialidades e elementos próprios pode ser uma versão
diferente dele mesmo em diferentes momentos, muito embora
seus principais atributos permaneçam estáveis. No que toca
o espaço da performance, este é sobreposto por diferentes
temporalidades e territorialidades que coexistem; é um espaço
volátil, mutável e transgressor.

Desse modo, a Justaposição de Foucault pode ser interpretada


para além do palco e alcançar o espaço público, lugar não 102 “L’hétérotopie a le pouvoir de juxtaposer
convencional, que se ressignifica e faz espetáculo e cotidiano en un seul lieu réel plusieurs espaces,
coabitarem – as variadas manifestações artísticas e culturais se plusieurs emplacements qui sont en eux-
mêmes incompatibles. C’est ainsi que le
apropriam e compõem palcos urbanos. théâtre fait succéder sur le rectangle de
la scène toute une série de lieux qui sont
étrangers les uns aux autres; c’est ainsi
que le cinéma est une très curieuse salle
101 Foucault questiona se não há como descrever as heterotopias, visto que não rectangulaire, au fond de laquelle, sur un
há uma sociedade do mundo que não se estruture a partir de heterotopias. As écran à deux dimensions, on voit se projeter
heterotopias não são duras, universais enquanto fenômeno único em si mesmo, un espace à trois dimensions”. Foucault,
mas vão se ordenando e se transformando no decorrer do tempo. Iniciando com Michel. Des espaces autres (conférence
os princípios da Heterotopia de crise e Heterotopia de desvio, o autor discorre, au Cercle d’études architecturales, 14
através de seis princípios, sobre o que caracterizam estes contraposicionamentos. mars 1967), Dits et écrits: Architecture,
Idem, p. 416. Mouvement, Continuité, n° 5, octobre 1984,
102 Idem, p. 418. p. 46-49.

96
II ATO. Espaços outros

Fig. 65. Releitura contemporânea de Salomé, peça de Richard Strauss, pelo Teatro alla Scala, com cenografia de Paolo Fantin.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“[...] estas deslocações de actividades normalmente vinculadas


a determinados espaços contribuem para um alargamento das
possibilidades de significação dos espaços da vida quotidiana. A
subversão de formas instituídas de relação com o espaço acentua
a fragilidade de concepções monofuncionais, responsáveis por
uma leitura imediata, parcial e redutora da realidade. Propor
intervenções em locais inesperados é abrir novas possibilidades de
significação para esses locais”.103

A principal força motriz dessas mudanças de perspectiva, que


se refletiam também no campo das artes performativas, era o
turbulento contexto de contestação cultural dos anos 1960 e 1970.
O fenômeno demográfico conhecido por baby boom, que passou
a ocorrer especialmente no mundo ‘desenvolvido’ pós 1945,
resultou em um acentuado crescimento da população jovem na
composição demográfica desses países, o que, somado a um maior
acesso à educação de nível superior, favoreceu o surgimento de
uma conscientização das massas estudantis enquanto agente
social independente com consciência própria.

Essa conscientização, aliada à formação de um amplo mercado de


consumo jovem, possibilitou o surgimento de uma cultura jovem
que questionava os valores e costumes sociais estabelecidos,
como a estrutura familiar, a religião e também as artes.104

“A cultura jovem tornou-se a matriz da revolução cultural no


sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos
meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada
vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos”.105

103 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso


105 “Youth culture became the matrix of the
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
cultural revolution in the wider sense of a
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 81.
revolution in manners and customs, in ways
104 “Youth culture became the matrix of the cultural revolution in the wider sense of spending leisure and in the commerical arts,
of a revolution in manners and customs, in ways of spending leisure and in the which increasingly formed the atmosphere
commerical arts, which increasingly formed the atmosphere that urban men and that urban men and women breathed.”
women breathed”. Hobsbawn, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX: 1914- Hobsbawm, Eric. The Age of Extremes
1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 317. the short twentieth century: 1914-1991.
105 Idem, p. 323. Londres, Abacus books, 1994, p. 329-330.

98
II ATO. Espaços outros

Fig. 66. Manifestações em Paris, 1968. © Marc Riboud.

Fig. 67. Jovens no festival de Woodstock, EUA, 1969. © Associated Press.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Estética da Recepção
Uma vez estabelecida a contracultura e a conscientização
sociológica do jovem como agente de mudanças na rigidez da
estrutura social então vigente, os paradigmas acadêmicos até
então estabelecidos nas artes e nas ciências sociais passariam a ser
vistos como obsoletos. Exemplo que evidencia isso é o advento da
Estética da Recepção. Surgida no contexto de mudanças culturais
e epistemológicas das ciências sociais, da literatura e das artes na
década de 1960, foi apresentada pelo professor Hans Robert Jauss,
da recém-fundada Universidade de Constança, na Alemanha.
Trata-se de uma metodologia originalmente aplicada aos estudos
literários da recepção e percepção do leitor quanto aos contextos
retratados em obras literárias em períodos históricos diversos, de
modo que se favoreça a extração do sentido e da circunstância
por trás do texto ao invés da interpretação acadêmica mecânica
baseada na filologia e no historicismo, como estava em voga.106

No campo das artes cênicas, a Estética da Recepção se caracteriza


pela focalização do ponto de vista do espectador, de modo que
seu horizonte cultural e ideológico, suas expectativas, emoções e
prazer estético ao recepcionar a performance são privilegiados.
É um questionamento do lugar do espectador no espaço tempo
da representação,107 uma visão segundo a qual a arte não deve
ser confinada a espaços formais e segmentados que espelhem
uma sociedade igualmente segmentada, na qual uma restrita
elite monopoliza o espetáculo por meio de uma estrutura
arquitetônica que direciona a perspectiva cênica. Pelo contrário,
busca-se levar a arte ao espaço público. Trata-se “de uma nova
concepção artística representada pelo lema ‘a arte funde-se com a
vida’, intrinsecamente vinculada com a realidade e com o ritmo de
vida urbano. Assim concluímos que a arte é, deste modo, obtida
pelo espaço da cidade e do edificado”.108

106 Souza, Jefferson Cleiton de. A Estética da Recepção: o Leitor na economia da


Obra e da História. São Paulo, Revista Criação & Crítica, n. 9, nov.2012, p. 52-60.
Disponível em: http://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46861
(acesso em 20/12/2020)
107 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 61-
62.
108 Idem, p. 55.

100
II ATO. Espaços outros

Fig. 68. Semana da Arte (da) na Rua em Coimbra, 1976. Cortesia do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

O formalismo, a perspectiva frontal e o pesado aparato físico


típicos do teatro à italiana eram vistos como modelos defasados
que representavam uma sociedade cuja arte era destinada a uma
restrita elite apartada das demais camadas sociais e, portanto,
tinham que ceder espaço para uma forma de expressão artística
mais democrática – a arte tinha que ir “para as ruas”. Se a
experiência de Appia, Dalcroze e Tessenow no Festspielhaus de
Hellerau no início do século XX representou uma mudança
marcante anunciadora de uma nova concepção arquitetônica
do espaço teatral no sentido de eliminar a separação marcante
e a perspectiva frontal inerentes ao teatro à italiana, agora a
conscientização sociológica da contestação cultural viria trazer
uma revisão ainda mais profunda no próprio significado da
relação entre o espaço físico e o espetáculo. Agora era o próprio
espaço cênico que era posto em questão, mais especificamente a
relação entre a arquitetura e o espaço cênico.

“A arquitetura teatral está estreitamente relacionada com o


desenvolvimento da linguagem cénica. Sob o ponto de vista
histórico, a ruptura de modelos espaciais e formais esteve sempre
associada a manifestações das vanguardas teatrais, que face às
mudanças das condições sociais e culturais, esboçaram uma nova
dramaturgia associada a uma nova arquitectura. As relações, de
afastamento ou proximidade, entre o público e a cena, bem como o
desenvolvimento de novas tecnologias, constituíram, desde sempre,
um impulso à invenção de novos modelos formais e de novas
organizações espaciais da cena”.109

O experimentalismo arquitetônico, que passou a ganhar espaço a


partir das artes de vanguarda do início do século XX, ganha grande
impulso nessa segunda metade do século XX, momento em que
os estudos das artes cênicas contam com a convergência de uma
ampla gama de estudos multidisciplinares na busca da expansão
do universo da encenação, do ritual, do simbólico. O processo de
comunicação cenográfico é gradualmente reinventado visando
compreender as relações entre o corpo, o espaço, a gestualidade e
a materialidade do espaço.110

109 Idem, p. 29.


110 Idem, p. 16.

102
II ATO. Espaços outros

Teatro à italiana

Controle da perspectiva e
dos elementos cênicos

Hellerau Theatre

Controle dos elementos


cênicos, perspectivas va-
riadas

Espaço público

Edifícios como elementos


cênicos, perspectiva pa-
norâmica

Fig. 69. Esquemas de perspectivas de uma plateia: comparações entre Teatro à italiana, Hellerau Theatre e teatro no espaço público. Acervo pessoal.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A multifuncionalidade da sala de teatro passa a ser valorizada


em detrimento das formas arquitetônicas rígidas e a tipologia
de edifício teatral que passa a predominar é a black-box (caixa
preta), que permite a mobilidade, a mutabilidade e o dinamismo
em cena.111

Igualmente questionada é a noção tradicional de sala de


espetáculo. De acordo com Ricardo Pais, “nesta ruptura com a
noção tradicional da sala de espetáculos, ‘o que está em causa não
é tanto a noção de cenografia, mas a noção de sala, e portanto,
a relação público-objecto teatral. Pretender-se-ia uma espécie de
democratização do acto teatral, em que o jogo volumétrico ou o
desenho de corpos e objectos no espaço não fosse totalitário, isto
é, não impusesse a sua ilusão na totalidade; onde a diferença de
ângulos de visão permitisse desdramatizar a autonomia absoluta
do objecto da ilusão. [...]’ A tentativa de criar a ilusão perfeita,
de penetrar na realidade vivencial dos corpos, ‘vem na esteira da
revisão de vários modelos cenográficos mundiais históricos, mas
também vem de uma leitura intensiva do corpo nos pontos de vista
que o cinema faz’”.112

Sob essa ótica, o espaço público, por excelência um lugar de


acessibilidade democrática, que desde a Antiguidade é onde
têm lugar os principais acontecimentos da vida cívica e onde
eventualmente ocorrem performances ao longo do tempo,
passam a ser alvos de movimentos mais ativos a partir dos
anos 1960, numa tentativa intencional de desafiar as definições
do teatro tradicional e, em especial, do teatro à italiana. A
aproximação ao público é uma expectativa na organização destes
espetáculos urbanos, que tomam lugar no meio da vida cotidiana,
ocorrendo em ruas, praças, edifícios não teatrais, entre outros
lugares inesperados. Também, à arquitetura, é lançado o desafio
de abrigar as diferentes apropriações, como as performances, no
que tange ao espaço público, de modo a alargar as possibilidades
de relação com o corpo e, assim, compor palcos urbanos.

111 Idem, p. 62-63.


112 Ricardo Pais, Conversa com Ricardo Pais, op. cit., p. 174, em Ribeiro, João de
Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso biográfico. Coimbra,
Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 62.

104
II ATO. Espaços outros

Fig. 70. Esquemas de perspectiva nos variados modelos teatrais (Proscênio, Palco em profundidade, Arena, Black Box). © Ilustração de John von Szeliski.

Fig. 71. The Theatre School, DePaul University. Exemplar de uma Black-Box. © Staging Concepts.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Living Theatre
O edifício teatral e o aparato que o acompanham passam a
ser postos em questão, uma vez que são entendidos como a
materialização arquitetônica por trás da condução hierarquizante
da performance, que tradicionalmente relegou o espectador a
uma posição passiva de mero receptor do espetáculo. “A era pós-
moderna113 conduziu a um processo contínuo de democratização,
a ligação entre arte, espaço público e quotidiano é de novo
questionada. A obra teatral, como referência clássica codificada,
deixa-se manchar pelo impudor do dia-a-dia, acontecendo sob
uma ‘nova’ forma, fora do edifício institucional”.114

Deste modo, o lugar de realização da performance artística


ganha contornos políticos, sociais e de ressignificação simbólica,
passando a ter lugar no espaço público, de forma a integrar um
público itinerante e aquilo de que se dispõe in loco e visa alcançar
a desierarquização e democratização da arte. A companhia
American Living Theatre é um exemplo muito característico
desta evolução. Fundada em 1947 por Julian Beck (1925-1985)
e Judith Malina (1926-2015), caracterizava-se por “não recorrer
a qualquer cenografia ou a qualquer ideia formal do espaço de
palco”.115 Visava conduzir a audiência a uma representação da
vida real, nas ruas, incitando os espectadores a participar de uma
experiência direta sobre suas responsabilidades nesses espaços.
Inspirando-se no ‘Teatro da crueldade’ de Antonin Artaud, no
‘Teatro pobre’ de Jerzy Grotowsky, “vivem em comunidade,
submetendo-se a intenso tratamento físico. Os actores criam um
ritual de iniciação que envolve a participação física do espectador.
Os seus espectáculos realizam-se em espaços alternativos e, de
forma frequente, na rua”.116

113 Entende-se aqui por pós-modernismo a vertente estética e sociocultural


dominante nas artes cênicas no pós Segunda Guerra Mundial.
114 Araújo, Sofia Almeida Rangel de. O teatro como território cultural
itinerante. Porto, Dissertação em Arquitetura pela Faculdade de Arquitectura
da Universidade do Porto, 2010, p. 76.
115 Garcia, Andreia. Espaço cénico, arquitectura e cidade: Guimarães, um modelo
conceptual. Lisboa, Caleidoscópio, 2017, p. 124.
116 Lista, Giovani, op. cit. pp. 660-661 em Ribeiro, João de Lima Mendes.
Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso biográfico. Coimbra, Dissertação de
Doutoramento em Arquitectura pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, 2008, p. 200.

106
II ATO. Espaços outros

Fig. 72. Living Theatre, Performance no espaço público do trabalho Paradise Now, 1968.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Unidos pelo desejo de criar um teatro alternativo não dependente


do dinheiro e da comercialização, situação tão comum na
Broadway, Beck e Malina buscavam um formato teatral que se
preocupasse com a vida cotidiana das pessoas, que pudesse ser
representado em espaços não convencionais, os quais passaram a
se chamar Off-Broadway e Off-Off-Broadway117. Em torno desses
espaços, passou a existir todo um movimento de jovens artistas
contestadores que buscavam se contrapor ao modelo comercial
dos grandes espetáculos que dominavam o cenário artístico nova
iorquino daquele período.118 De acordo com Cristina Ribeiro:
“Beck se sentiu inspirado por uma gama de artistas europeus
refugiados em Nova York após a Segunda Guerra Mundial, tais
como Max Ernst, Marcel Duchamp, André Breton, Bertold Brecht
e Erwin Piscator. [...] Enquanto Malina estudava o teatro político
de Piscator na Dramatic Workshop em 1945, Beck expunha suas
primeiras obras na Galeria Art of This Century”.119 Em seu livro
Living Theatre (1974), Beck define como sendo os objetivos da
companhia:

“1- O teatro deveria ser na rua: fora das limitações culturais e


econômicas do teatro institucionalizado; 2- Deveria ser sempre
gratuito: Apresentações para o proletariado ou ‘subproletariado’ [...],
os mais pobres, sem cobrar entradas; 3- Teria sempre participação
aberta: Romper as barreiras. Unificação: criação coletiva. Todos
participam, todos se envolvem. Integram e cooperam; 4- Se focaria
na criação espontânea: Improvisação: liberdade na criação,
liberdade na apresentação. Aceitação das possibilidades de cada
local e público; 5- Importância na vida física do corpo: liberação
sexual. Nenhuma opressão em relação ao corpo ou vida sexual; 6-
Baseado na questão das trocas: crescimento da atenção consciente:
revolução permanente: ideologia aberta (flexível e livre). Integração
com as ideologias e engajamento político; 7- Teria foco na atuação
como ação. Toda atuação tem seu alcance e influencia quem assiste.
O valor do ato como ação modificadora”.120

117 De modo aproximado, poder-se-ia dizer “afastados e/ou muito afastados


da Broadway”.
118 Ribeiro, Cristina Sanches. The Living Theatre e a criação coletiva: intersecções
no teatro brasileiro. Florianópolis, Santa Catarina, Dissertação em Teatro pela
Universidade de Santa Catarina, 2016, p. 17-18.
119 Idem. p. 18-19.
120 Beck, Julian em Idem, p. 23-24.

108
II ATO. Espaços outros

Fig. 73. Living Theatre, performance do trabalho Paradise Now, Paris, 1968. © Jean-Marc Peytavin.

Fig. 74. Living Theatre, performance do trabalho Paradise Now, EUA, 1968.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Em conformidade com as inspirações artaudianas do Teatro da


crueldade, a montagem de cenas da companhia Living Theatre
traziam cenas que chocavam, como personagens se arrastando
como animais, soltando ruídos no escuro total, de modo a causar
desconforto no público, buscando a ‘catarse’ ou ‘transcendência’
através da emoção, advogada por Artaud para acordar os
sentidos e se questionar a superficialidade do teatro ilusionista de
perspectiva frontal e “textocêntrico”.121 Peter Brook, em O Espaço
Vazio (1974), define a companhia Living Theatre como segue:

“É uma comunidade nómada, que anda pelo mundo em consonância


com as suas próprias leis, e frequentemente em dissonância com as
leis de outros países onde acaba por parar. Proporciona um modo de
vida completo a cada um de seus membros, cerca de trinta homens
e mulheres que vivem e trabalham juntos; fazem amor, têm filhos,
representam, inventam peças, fazem exercícios físicos e espirituais,
partilham e discutem tudo. O mais importante é que eles são uma
comunidade, mas são-no apenas porque têm uma função especial
que confere um sentido à sua existência comunitária. Essa função
é representar. Sem ela, o grupo acabaria por desaparecer: eles 122 “It is a nomad community. It moves
representam, porque o acto e o facto de representarem equivalem across the world according to its own laws
and often in contradiction to the laws of
a uma grande necessidade partilhada. Eles andam à procura de the country in which it happens to be. It
sentido nas suas vidas e, de certo modo, ver-se-iam obrigados provides a complete way of life for every one
a representar, ainda que não tivessem espectadores, pois o of its members, some thirty men and women
who live and work together; they make
acontecimento teatral é o apogeu e o centro de sua pesquisa. Sem o love, produce children, act, invent plays, do
público, no entanto, os seus espetáculos perderiam a substância – o physical and spiritual exercises, share and
público constitui sempre o desafio sem o qual o espectáculo se torna discuss everything that comes their way.
Above all, they are a community; but they
um logro. Além do mais, esta é uma comunidade prática, que faz are only a community because they have a
dos espetáculos a sua vida, [...]”.122 special function which gives their comunal
existence its meanings. This function is
Em 1970, a convite do grupo Teatro Oficina, Malina e Beck foram acting. Without acting the group would run
dry: they perform because the act and fact
ao Brasil. Os motivos principais foram uma identificação de of performing corresponds to a great shared
objetivos entre o que o grupo representava e as condições sócio- need. They are in search of meaning in their
políticas observadas no Brasil da época, país de desigualdades lives, and in a sense even if there were no
audiences, they would still have to perform,
sociais gritantes e vivendo o auge do autoritarismo da ditadura because the theatrical event is the climax
and centre of their search. Yet without an
audience their performances would lose
their substance – the audience is always
121 Ribeiro, Cristina Sanches. The Living Theatre e a criação coletiva: intersecções the challenge without which a performance
no teatro brasileiro. Dissertação em Teatro pela Universidade de Santa Catarina, would be a sham. Also, it is a practical
2016, p. 26-27. community that makes performances for a
122 Brook, Peter. O Espaço Vazio, trad. Rui Lopes. 3ª edição. Lisboa, Orfeu living [...].” Brook, Peter. The Empty Space.
Negro, 2016, p. 87-88. Nova York, Simon&Schuster, 1996, p. 75.

110
II ATO. Espaços outros

Fig. 75. Living Theatre, peça Frankenstein, 1968.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

militar, sob a vigência do AI-5.123 O Brasil era visto pelo


grupo como um local por excelência para que pudessem viver
experiências de incitação à subversão das massas marginalizadas
que viviam nas periferias. Todavia, houve incompatibilidade entre
as filosofias dos dois grupos que gerariam desgastes, de modo que
o Living Theatre continuou a peregrinação por conta própria.

O Living Theatre é um dos grupos de teatro experimental mais


antigos de Nova Iorque, estando em funcionamento até os dias
atuais. Ao longo do tempo, os integrantes do grupo se engajaram
em diferentes ações sociais e movimentos políticos de protesto a
favor da paz, como no caso da campanha contra a participação
norte-americana na Guerra do Vietnã.124 Foram precursores de
outros movimentos teatrais igualmente contestadores.

Site-Specific
O trabalho Site-Specific, surgido nesse mesmo contexto de
contracultura, é um outro exemplo da concepção espacial que
cria o significado com base na articulação entre o espaço e a
realização artística. “Procurando uma presença maior da arte
no quotidiano, os artistas passaram a criar e a exibir as suas
obras nos grandes espaços exteriores das cidades e das paisagens
naturais”.125 A vivência urbana, os vínculos sociais e a memória
coletiva têm um papel na construção sentimental do espaço e sua
utilização como local de atuação, ao mesmo tempo em que se
põe em questão o uso desse espaço em realidades marcadas pela
alienação inerente ao sistema capitalista que mercantiliza o uso
de espaços e equipamentos públicos.126

123 Ato Institucional número 5, o ato legislativo mais expressivo a dar suporte
às práticas autoritárias do regime instaurado no Brasil entre o golpe militar de
1964 e a redemocratização em 1985.
124 Ribeiro, Cristina Sanches. The Living Theatre e a criação coletiva: intersec-
ções no teatro brasileiro. Florianópolis, Santa Catarina, Dissertação em Teatro
pela Universidade de Santa Catarina, 2016, p. 61.
125 Araújo, Sofia Almeida Rangel de. O teatro como território cultural
itinerante. Porto, Dissertação em Arquitetura pela Faculdade de Arquitectura
da Universidade do Porto, 2010, p. 79.
126 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 83.

112
II ATO. Espaços outros

Fig. 76. Bodies in urban space, de Willi Dorner. Performance sobre o corpo no ambiente urbano. Portugal, 2019. © Lisa Rastl.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“Emergindo das lições do minimalismo, a arte site-specifics foi


inicialmente baseada em uma compreensão fenomenológica
ou experiencial do local, definida principalmente como uma
aglomeração dos atributos físicos reais de um local específico (o
tamanho, escala, textura e dimensão de paredes, tetos, quartos;
condições de iluminação existentes, características topográficas,
padrões de tráfego, características sazonais do clima, etc.), com a
arquitetura servindo como um contraste para a obra de arte em
muitos casos. Então, por meio das investigações materialistas da
crítica institucional, o lugar foi reconfigurado como um revezamento
ou rede de espaços e economias inter-relacionados (estúdio, galeria,
museu, mercado de arte, crítica de arte), que juntos enquadram e
sustentam o sistema ideológico da arte”.127

Na vida quotidiana nos deparamos com múltiplos espaços, desde


o nosso espaço doméstico, o espaço do transporte (particular
ou público), o espaço de trabalho, o espaço de lazer, o espaço
do encontro de amigos e familiares, etc. Normalmente nos
deparamos também com espaços que consideramos como nulos
ou indesejáveis, a depender da nossa situação social, econômica
ou cultural no contexto espacial em que estamos inseridos como,
por exemplo, o meio da rua, um depósito de lixo, uma praça em
que vivem moradores em situação de rua, etc. Essa valoração dos
espaços se forma em nossas consciências com base na criação de
nossas identidades no uso e vivência desses espaços e os vínculos
que se criam e são mantidos nele, de modo que os primeiros são
repletos de significações e os segundos tendem a ter menos ou
nenhuma significação social para nós. 127 “Emerging out of the lessons of
minimalism, site-specific art was initially
O antropólogo francês Marc Augé desenvolveu o conceito based in a phenomenological or experiential
de ‘Não-lugar’ para se referir a espaços de transição, onde o understanding of the site, defined primarily
as agglomeration of the actual physical
anonimato das pessoas que ali circulam não lhes dão significações attributes of a particular location (the size,
sociais o suficiente para que se possam considerar como “lugares”. scale, texture, and dimensions of the walls,
O que faria de um espaço um “não-lugar” é a subjetividade de ceilings, rooms; existing lighting conditions,
topographical features, traffic patterns,
cada indivíduo, de forma que para alguns o espaço comercial seasonal characteristics of climate, etc.),
de um shopping center ou o corredor de um transporte coletivo with architecture serving as a foil for the art
podem ser não-lugares enquanto para outros, esses mesmos work in many instances. Then, through the
materialist investigations of institutional
espaços podem representar o conceito exatamente oposto, critique, the site was reconfigured as a
relay or network of interrelated spaces and
127 Kwon, Miwon. One place after another site-specific art and locational economies (studio, gallery, museum, art
identity. Cambridge, Massachusetts, the MIT Press – Massachusetts Institute of market, art criticism), which together frame
Technology, 2002, p. 3. Tradução livre. and sustain art’s ideological system”.

114
II ATO. Espaços outros

Fig. 77. Little Ballroom, de Patrick Dougherty, Melbourne, 2012. © Megan Cullen.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

o “lugar antropológico”, lugar em que suas identidades são


construídas, onde compartilham referências sociais comuns, seja
porque pessoas trabalham e socializam no ambiente comercial,
seja porque pessoas criam vínculos sociais nos corredores dos
transportes coletivos diariamente. Essa classificação carrega
também valorações socioculturais com base na estratificação
entre classes sociais, de forma que muitos dos “não-lugares”
que se incorporam ao imaginário de um corpo social têm essa
incorporação empreendida por grupos mais favorecidos que
consideram aquele ambiente desta forma. Muito da proposta da
arte site-specific é de intervenção nesses espaços a fim de subverter
essa lógica.128

“As obras site-specifics, em sua formação inicial, então, focavam


no estabelecimento de uma relação indissociável e indivisível entre
a obra e seu sítio, e exigiam a presença física do espectador para
a conclusão da obra. A aspiração estética (neo-vanguardista) de
ultrapassar as limitações dos meios tradicionais, como a pintura
e a escultura, bem como o seu enquadramento institucional; o
desafio epistemológico de realocar o significado de dentro do objeto
artístico para as contingências de seu contexto; a reestruturação
radical da temática, de um antigo modelo cartesiano para um
modelo fenomenológico de experiência corporal vivida; e o desejo
autoconsciente de resistir às forças da economia de mercado
capitalista, que circula as obras de arte como mercadorias
transportáveis e trocáveis - todos esses imperativos se juntaram no 129 “Site-specific work in its earliest
novo apego da arte à realidade do local”.129 formation, then, focused on establishing
an inextricable, indivisible relationship
between the work and it site, and demanded
Foi com esse arcabouço teórico que Richard Serra projetou a the physical presence of the viewer for the
obra Tilted Arc, que seria uma experiência de enorme significado work’s completion. The (neo-avant-gardist)
simbólico para a proposta artística site-specifics. Àquela altura, aesthetic aspiration to exceed the limitations
of traditional media, like painting and
o poder público nova iorquino buscava de algum modo fundir a sculpture, as well as their institutional
arte ao utilitarismo em seus projetos urbanísticos. Serra idealizou setting; the epistemological challenge to
sua obra sem ter por objetivo que fosse “ajustável” ou “realocável”, relocate meaning from within the art object
to the contingencies of its context; the
mas sim que dialogasse com o ambiente, que fizesse parte do lugar radical restructuring of the subject from an
como componente intrínseco, que somente ali tivesse significação. old Cartesian model to a phenomenological
one of lived bodily experience; and the self-
conscious desire to resist the forces of the
128 Augé, Marc. Não Lugares: Introdução a uma antropologia da capitalist market economy, which circulates
supermodernidade. São Paulo, Papirus Editora, 2012, p. 71-72. art works as transportable and exchangeable
129 Kwon, Miwon. One place after another site-specific art and locational commodity goods – all these imperatives
identity. Cambridge, Massachusetts, the MIT Press – Massachusetts Institute of came together in art’s new attachment to the
Technology, 2002, p. 11-12. Tradução livre. actuality of the site”.

116
II ATO. Espaços outros

Fig. 78. Tilted Arc, de Richard Serra, 1981. Foto de Ann Chauvet; © Richard Serra/Artists Rights Society (ARS), Nova Iorque.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A obra foi instalada em Federal Plaza, em 1981, consistindo em


um muro de 3,6 metros de altura e 36 metros de comprimento
e seccionava a praça, de modo a interferir na circulação local.
Após cinco anos de audiências públicas, ações judiciais e muita
cobertura midiática, foi decidido que a obra deveria ser removida,
o que aconteceu em 1989. Uma vez removida, toda a significação
do trabalho foi perdida, pois, em sua concepção, o projeto visava
intervir no espaço, não necessariamente de modo funcional ou
utilitário, mas criando significação com o lugar.

A lógica do site-specifics vai além da intervenção arquitetônica,


propondo também o diálogo com a comunidade, o uso do espaço
na produção e reprodução da subjetividade coletiva. O projeto
Relvinha. CBR_X é um exemplo ilustrativo desta concepção de
espetáculo. O projeto, organizado pela ProUrbe – Associação
Cívica de Coimbra, foi inserido no evento Coimbra Capital
Nacional da Cultura entre os meses de agosto e setembro de 2003.
Foi uma iniciativa de cinco semanas, com pelo menos 30 pessoas
envolvidas, que criaram um espetáculo a partir da conversa sobre
as histórias dos moradores de Relvinha.130

“[...] realizado em 2003, no bairro social da Relvinha, Coimbra.


Este projecto preconizava o envolvimento e participação dos
moradores na concepção do espetáculo, constituindo um exemplo
de intervenção teatral baseado nas características socioculturais
de uma comunidade específica. Trata-se de um projecto teatral
profundamente implicado com a realidade local, dentro do quadro
de produção da arte contemporânea, onde a arte comunica de perto
com o espaço da apresentação e o processo de criação ultrapassa,
em investimento, atenção e visibilidade, o produto/objecto final. O

130 “O bairro da Relvinha surgiu em 1958 na sequência do realojamento de


vinte e oito famílias que foram retiradas da Rua do Padrão, para a construção
da Av. Fernão de Magalhães, no centro da cidade de Coimbra. [...] Depois de
muita contestação, criaram a Associação de Moradores do Bairro da Relvinha.
Mais tarde, esta associação foi integrada na operação SAAL (Serviço de Apoio
Ambulatório Local), um departamento do Fundo de Fomento da Habitação,
criado para o realojamento de populações que, na sua maioria, provinha de
antigos bairros degradados (ver José António Bandeirinha, in O Processo SAAL
e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974, Coimbra, Imprensa da Universidade
de Coimbra, 2007)”. Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço
Cénico: Um percurso biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em
Arquitectura pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de
Coimbra, 2008, p. 84.

118
II ATO. Espaços outros

Fig. 79-80. Relvinha.CBR-X, 2003. © António Martins.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

espectáculo, apresentado no espaço público do bairro da Relvinha


designa-se Quando Estiver Lá Em Cima Estará Completamente
À Vontade (2003) e constitui-se a partir de dois laboratórios
(workshops)”.131

Vanguardas artísticas na segunda metade do séc. XX

Portanto, é possível observar que a lógica do acontecimento


cênico é amplamente alterada, saindo do modelo cartesiano que
até então era o padrão hegemônico (espaço para a exibição de
um evento cênico planejado diante de um público), para um
ambiente experimental (lugar do gesto compartilhado entre atores
e público), passando a existir uma vinculação entre o espaço e o
espetáculo, de modo que a relação entre os agentes e o espaço
criam a ideia do “lugar”(Site); mudando-se o lugar da encenação,
muda-se o significado do encenado e o tipo de comunicação
que o espetáculo busca com seu público. A ‘desmaterialização’ e
‘desestetização’ do espaço visam afetar a recepção do espectador
e, para além disso, têm o objetivo de trazê-lo para a experiência
da obra em andamento. As artes plásticas foram bastante
influenciadas por esses paradigmas a partir dos anos 1940, como
ficaria evidente no action painting e no body art.132

“Esse impulso performativo que acometeu todas as linguagens


artísticas a partir de 1960 estabeleceu os novos paradigmas, no
qual as fronteiras entre as distintas artes ficaram cada vez mais
tênues e com uma tendência a criação não de obras de arte, mas
de acontecimentos, que progressivamente convergiram para a Arte
da Performance, haja visto, por exemplo, a criação e concepção dos
quadros de Jackson Pollock e, sobretudo, dos Happenings de Allan
Kaprow, para o qual a realização dos seus trabalhos não adquire
um status de objeto artístico, mas um acontecimento não repetível,
através da presença conjunta dos artistas e público em um lugar
peculiar que suscita tal relação”.133

131 Idem.
132 Silva, José Jackson. O Site-specific como dramaturgia do espetáculo. Porto
Alegre, Revista Cena, nº 29, set./dez 2019, p. 90-99. Disponível em: http://seer.
ufrgs.br/cena (acesso em 31/01/2021)
133 Idem, p. 4.

120
II ATO. Espaços outros

Fig. 81. Jackson Pollock em seu ateliê usando a técnica de dripping, 1950.

Fig. 82. Os artistas Jackson Pollock e Lee Krasner no estúdio de Pollock, East Hampton, 1950. Fotografia de Rudolph Burckhardt. © Propriedade de
Rudolph Burckhardt, cortesia de Pollock-Krasner House and Study Center, East Hampton, Nova Iorque.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

As artes passavam por um momento de reformulação. O


contexto do pós-guerra convidava a vanguarda artística de então
a repensar os objetivos da arte. Por essa época, os ensinamentos
dos artistas vanguardistas do início do século XX passaram a ser
novamente valorizados e reinterpretados, de modo que as teorias
de Duchamp, Piscator, os escritos de Antonin Artaud, as ideias
dos cineastas soviéticos e a influência do Surrealismo vinham de
novo à tona. É nesse momento que Jackson Pollock, um grande
expoente do Expressionismo abstrato, expande os horizontes das
artes plásticas com sua “pintura instantânea” (action painting).134

“A action painting que foi exercida por Pollock, nos seus últimos
dez anos de vida, e por outros artistas americanos e europeus, é
uma adaptação da técnica de collage – idealizada por Max Ernst –
que transforma o ato de pintar no tema da obra, e o artista em ator.
Grandes lonas estendidas no chão funcionam como uma espécie de
palco. O artista transita sobre as lonas e em volta delas espalhando
sua pintura”.135

A evolução da action painting seria a técnica assemblage


(encaixes), na qual uma pintura, composta inteiramente por
materiais não tradicionais, tipicamente objetos usados, é disposta
de modo a se criarem altos e baixos-relevos, resultando em
uma obra tridimensional, o que lhe confere um dinamismo que
proporciona ao espectador a sensação de fazer parte daquele jogo
volumétrico. Apesar de não se poder dizer que esta técnica foi
criada nessa época, uma vez que artistas como Kurt Schwitters
(1887-1948) fizeram obras de assemblage em período anterior,
ela ganha notoriedade e toma novos rumos nesse momento e
no contexto de Nova Iorque como nova capital da vanguarda
das artes visuais. Exemplo que marcaria significativamente a
trajetória da assemblage (e das artes visuais como um todo) é o
de Allan Kaprow, discípulo de John Cage na New York School
for Social Research. De acordo com Jorge Glausberg: “Allan
Kaprow foi um dos inúmeros artistas que saiu da corrente do
Expressionismo Abstrato (que incluía a action painting) para se
dedicar às assemblages, em 1955.”136

134 Glausberg, Jorge. A arte da performance. São Paulo, Editora Perspectiva,


2005, p. 26.
135 Idem, p. 27.
136 Idem, p. 28.

122
II ATO. Espaços outros

Fig. 83. Técnica assemblage: John Chamberlain, Gondola Herman Melville, 1981. © John Chamberlain/Artists Rights Society (ARS), New York.
Fotografia: Bill Jacobson Studio, New York
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Happenings
Kaprow tornou a assemblage complexa a ponto de não mais
sentir-se satisfeito com os limites que ela proporcionava ao seu
espírito criativo e passou a desenvolver as “colagens de impacto”
(ou action-collage), incorporando a técnica de Pollock, o acaso e
a indeterminação que caracterizavam a obra de Cage. Enchendo
uma galeria com obras feitas com esta técnica, Kaprow passou
a denominar aquele ambiente repleto de “colagens de impacto”
environment. A partir desse momento, Kaprow estava criando
um conceito de grande impacto nas artes visuais: o Happening.137

“Coube a Kaprow, uma vez mais, batizar uma nova forma artística:
é quando apresenta sua obra 18 Happenings em 6 Partes [...]. À
colagem de environments sucedeu a colagem de acontecimentos.
Segundo François Pluchart: ‘o quadro, isto é, o que resta dele, após
vários questionamentos sofridos, converte-se num cenário destinado
à representação de um espetáculo’. [...] O salão está dividido em
três salas por paredes de material plástico semitransparente. Em
cada uma delas, há cadeiras para o público e o espaço onde atuarão
os artistas. Cada parte da performance consiste em três happenings
que se desenvolvem simultaneamente e cujo começo e fim são
anunciados por toques de sino”.138

Efemeridade, instantaneidade e impossibilidade de reprodução


sistemática comercial marcam essas formas de expressão artística.
É uma arte realizada ao vivo, que se utiliza daquilo que se dispõe
e suscita no público a vontade de debater sobre as fronteiras entre
arte e vida. O corpo torna-se o veículo de expressão mais eficaz,
sustentado pela arte conceitual. O simbolismo e a estrutura não
narrativa são os modos de discurso preponderantes. Qualquer
indivíduo se vê munido de seu próprio material de expressão. A

137 “O happening surge na década de cinquenta no Estados Unidos, e visa constituir


uma crítica à sociedade de consumo, atacando tabus sexuais, políticos e religiosos,
assim como, a arte confinada ao espaço dos museus. Destacam-se, neste contexto,
os trabalhos de Allan Kaprow e Joseph Beuys, através dos quais se pretende superar
a relação entre artista e público e implicar a arte no tecido social”. Ribeiro, João de
Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso biográfico. Coimbra,
Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 26.
138 Glausberg, Jorge. A arte da performance. São Paulo, Editora Perspectiva,
2005, p. 33.

124
II ATO. Espaços outros

Fig. 84. Allan Kaprow e seu filho na obra Yard, Martha Jackson Gallery, Nova Iorque, 1961. © Ken Heyman/Woodfin Camp.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

ideia é que não haja ator nem espectador, uma vez que busca-
se a diluição desses papeis no desenvolvimento do ato teatral
interativo. A representação espontânea em que elementos não
lógicos são encadeados em uma estrutura compartilhada em uma
sequência temporal irregular são os elementos mais típicos desse
estilo de atuação.139 Nas palavras de Peter Brook:

“Quando foi inventado, o happening pretendia ser a criação de um


pintor – que, em vez de usar tintas e telas, ou cola e serradura,
ou objectos sólidos, construía determinadas associações e formas
usando as pessoas como material. Tal como um quadro, o happening
é pensado enquanto um novo objecto, uma nova construção que
encontra lugar no mundo, que é adicionado à natureza e que passa
a existir a par da vida quotidiana”. 140

Vários fatores que já eram vistos como estagnados no modo de


se montarem os cenários, como o confinamento dos espaços de
museus e teatros, com suas cortinas, bengaleiros, foyers, etc. são
postos de lado e o espetáculo passa a estar em qualquer lugar,
sem qualquer restrição no que diz respeito a duração, podendo
ser previamente regrado ou espontâneo, desde que cumpra com
o objetivo de provocar o espectador e desenvolver um novo olhar
sobre a vida.141

Steve Capra, membro do Comitê Internacional da Associação


Americana de Críticos de Teatro e importante crítico de teatro
moderno, referindo-se à necessidade de cenografia, escreve:
“Quando o meio de representação se torna artificial, com um
cenário inventado, estabelece-se uma separação entre o actor e o
público, entre a peça e a sociedade”.142 Trabalhando atualmente no
Living Theatre de Nova Iorque, esse ponto de vista resume bem

139 Araújo, Sofia Almeida Rangel de. O teatro como território cultural
itinerante. Porto, Dissertação em Arquitetura pela Faculdade de Arquitectura 140 “A happening was originally intended
da Universidade do Porto, 2010, p. 84. to be a painter’s creation – which instead of
paint and canvas, or glue and sawdust, or
140 Brook, Peter. O Espaço Vazio, trad. Rui Lopes. 3ª edição. Lisboa, Orfeu
solid objects, used people to make certain
Negro, 2016, p.79.
relationships and forms. Like a painting,
141 Idem, p. 76. a happening is intended as a new object, a
142 Capra, Steve. Cenografia e peso teatral em: Sinais de cena, nº 8, trad. Maria new construction brought into the world,
Helena Serôdio, Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, 2007, p. 27 em to enrich the world, to add to nature, to sit
Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso alongside everyday life.” Brook, Peter. The
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela Empty Space. Nova York, Simon&Schuster,
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 328. 1996, p. 68.

126
II ATO. Espaços outros

Fig. 85-88. 18 Happenings in 6 Parts, de Allan Kaprow, Reuben Gallery, Nova Iorque, 1959. © Fred W. McDarrah.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

a trajetória pela qual o teatro vem passando desde o pioneirismo


da concepção unificadora wagneriana de Teatro Total, a
influência das vanguardas modernistas do início do século XX
e o desconstrutivismo inerente aos amplos questionamentos dos
formatos tradicionais das artes cênicas que se projetaram no
contexto do pós-modernismo e da revolução cultural dos anos
1960 e 1970.

Cena expandida
Diante das evoluções cenográficas e das revoluções artísticas,
contornar limites específicos do que é o ‘fazer a cena teatral’
atualmente é uma questão, embora já em debate, ainda sensível.
A questão do ‘esfumaçamento’ dos limites na arte contemporânea
em geral, que surge com força no contexto das vanguardas, gera
debates sobre o Campo Ampliado das várias artes, a se iniciar
especificamente pela escultura. Rosalind Krauss, crítica, teórica
e professora de história da arte moderna e contemporânea, surge
como pioneira no debate ao colocar em questão as novas formas
de produção das esculturas em 1970-80. Para Krauss, o campo do
saber em escultura precisa ampliar em dois aspectos: na prática
artística e no meio de expressão.143 Em suma, o campo ampliado
pressupõe o não-aprisionamento de formas artísticas engessadas.

Vê-se por exemplo, no caso do lugar do cinema contemporâneo,


alguma busca à desconstrução do cinema padrão enquanto uma
sala escura com assentos e uma tela 2D à frente, similar ao que
seria uma boca de cena em um teatro à italiana. O cinema pode
se expandir no sentido de reinventar seu espaço, ou seja, romper
com a estrutura-base que coloca em xeque não somente o espaço,
mas também os seus modos de produção e recepção.

143 “Em ambos, as ligações das condições do modernismo sofreram uma ruptura
logicamente determinada. [...] Isto porque, no pós-modernismo, a práxis não é
definida em relação a um determinado meio de expressão — escultura — mas sim
em relação a operações lógicas dentro de um conjunto de termos culturais para
o qual vários meios — fotografia, livros, linhas em parede, espelhos ou escultura
propriamente dita — possam ser usados”. Krauss, Rosalind. A escultura no campo
ampliado, trad. Elizabeth Carbone Baez. Rio de Janeiro, Gávea: revista do Curso
de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil da PUC-Rio, n. 1,
1984 (orig. 1979), P. 136.

128
II ATO. Espaços outros

Fig. 89-91. Perimeters/pavilions/decoys, Nassau County Museum, Nova Iorque, 1977-78. © Mary Miss.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“O cinema expandido, segundo Parente, se caracteriza por duas


vias: a reinvenção da sala de cinema em novos espaços (quando,
por exemplo, o cinema invade o museu) e as instalações que
‘radicalizam processos de hibridização entre diferentes mídias’:
instalações imersivas, ambientes virtuais panorâmicos, criando o
que Dubois chama de ‘efeito-cinema’. Um efeito que não é novo,
remonta aos anos 90, e que relativiza a própria ideia de cinema
e de arte. “Um efeito cinema”, de todo modo, extremamente
diversificado e multiforme. E que opera em todos os níveis: nos
planos institucional, artístico e teórico (ou crítico)”.144

Gabriela Lírio, fundadora e Professora Associada do Programa


de Pós-Graduação em Artes da Cena (PPGAC) e do curso de
Direção Teatral da Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), é autora do artigo “A Cena
Expandida: alguns pressupostos para o teatro do século XXI”,
onde disserta sobre essa questão considerando as inter-relações
que se manifestam na interseção entre as artes. Atualmente,
essa interseção conta com uma interligação entre arte, ciência e
tecnologia, influenciando na maneira em que ocorre a produção
e a recepção das obras de arte. Da crítica da arte, portanto,
são exigidos novos paradigmas baseados nos princípios de
conectividade e interatividade das obras.145

A respeito da cena expandida propriamente dita, que engloba em


especial o universo teatral, Lírio coloca os novos agenciamentos
que partem do encadeamento entre as artes como algo a se atentar
para a discussão. Isso porque a contemporaneidade, diante
da troca e fusão entre os variados campos como o cinema, a
literatura, a música, dentre outros, conta com formas híbridas de
concepções artísticas. No caso das artes cênicas, que já conta com
essa articulação entre os diversos fazeres artísticos há tempos, o
avanço tecnológico digital a partir dos anos 90 acrescenta uma
infinidade de técnicas e experimentações possíveis para a cena.

144 André Parente é artista e teórico do cinema, dos novos media e da arte
contemporânea. Philippe Dubois é pesquisador e professor no departamento de
Cinema e Audiovisual da Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3 e membro
sênior do Instituto Universitário da França (IUF). Monteiro, Gabriela Lírio
Gurgel. A Cena Expandida: alguns pressupostos para o teatro do século XXI. Rio
de Janeiro, Art Research Journal: Universidade Federal do Rio de Janeiro, V. 3,
n. 1, jan/jun 2016, p. 39.
145 Idem, p. 38.

130
II ATO. Espaços outros

Fig. 92. Cosmococa 5 Hendrix-War, instalação na Pinacoteca do estado de São Paulo, 1973. Hélio Oiticica e Neville D’Almeida.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

“No teatro, chamo de cena expandida aquela que não se


circunscreve apenas ao fazer teatral, como àquele associado aos
modos de produção e recepção teatrais convencionais, mas também
se articula diretamente a áreas artísticas distintas, em uma espécie
de convergência que tangencia conhecimentos oriundos das artes
cênicas, visuais, das mídias audiovisuais, da performance, da
dança, da literatura, da fotografia”.146

A cena, originada a partir da skene, passando de plano de fundo a


lugar de atuação, depois sendo complexificada a partir de pinturas
perspectivadas, seguidamente da substituição de tais pinturas por
objetos tridimensionais que comportam a ação, agora passa por
um modo de produção peculiar.

Não só as motivações para a criação mudaram, considerando


a frequência com que se vê processos desapegados da total
fidelidade à dramaturgia para a constituição de seu sentido, como
a percepção do público, diante da peça, foi modificada a partir da
experimentação tecnológica e da hibridez entre as artes.

As várias possibilidades dos novos modos de recepção da obra


colocam o espectador em uma posição de agenciador; com
participação mais ativa na obra, o sujeito experimenta a interação,
a intersecção e o trânsito entre tempos e espaços variados.

As circunstâncias para a inter-relação são variadas, vão “desde


o uso de dispositivos audiovisuais, passando por suportes
distintos ao contato sensorial com materiais e espaços não
convencionais”,147 o que contribui para esse tipo de reconfiguração
da experimentação na qual a cena contemporânea se encaixa.

Um exemplo de trabalho com dispositivos audiovisuais é o da


encenadora, diretora teatral, dramaturga e cineasta brasileira
Christiane Jatahy, cuja marca é aliar, dentro de uma mesma
performance, o teatro ao vídeo e ao cinema. Conforme se vê em
“Julia”,148 trabalho estreado em 2011 baseado no texto “Senhorita
Julia” de August Strindberg, suas peças transitam entre a ficção

146 Monteiro, Gabriela Lírio Gurgel. A Cena Expandida: alguns pressupostos


para o teatro do século XXI. Rio de Janeiro, Art Research Journal: Universidade
Federal do Rio de Janeiro, V. 3, n. 1, jan/jun 2016, p. 40.
147 Idem, p. 42.
148 Em: http://christianejatahy.com.br/project/julia (acesso em 18/04/2021)

132
II ATO. Espaços outros

Fig. 93-94. Cena de Júlia, de Christiane Jatahy. Fotografia de David Pacheco. © Christiane Jatahy.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

e a realidade, integrando as diferentes mídias através de uma


ação simultânea que consiste em fazer com que a atuação em
palco seja gravada ao vivo e transmitida em telões em formato
de cenas cinematográficas, em um comparativo que modifica
significativamente a forma como o público assimila as cenas.

Tratando-se de espaços não convencionais, a Jacob Jonas the


Company adaptou-se não somente a novos palcos, mas a novas
realidades. A companhia de dança estadunidense, fundada por
Jacob Jonas, Jill Wilson e William Adashek, busca a intercepção
de diferentes mídias em seus trabalhos criativos e colaborações
de diferentes campos artísticos em geral e, em uma ocasião
excepcional, encontrou uma maneira de fazer performances
em segurança diante da maior crise mundial sanitária do nosso
tempo.

A mostra “Parked”,149 performance de dança drive-in com


distanciamento social, foi realizada em um estacionamento
vazio do Aeroporto de Santa Monica em 2020 (no 59° dia do
1° lockdown da COVID-19 em Los Angeles) e contou com a
iluminação dos faróis dos carros dos espectadores, dispostos em
círculo a uma distância de 30m cada um.

Diferentemente da Obra de arte total Wagneriana, que sugeria


a integração entre as artes de acordo com suas especificidades
técnicas e estéticas, a contemporaneidade não coloca mais em
questão tais definições. Valoriza-se a interdisciplinaridade e a
difusão nas distinções entre artes, como as fusões artísticas que
resultaram em práticas como o site-specific, a land art e outras
performances, trazendo à tona novamente “a especificidade dos
meios” como um problema crítico central.150

A relação do corpo com esse fazer artístico também não é mais


tão específica, possui uma infinidade de possibilidades. Pode-
se colocar esse corpo com um papel específico na obra, como é
um ator ou um receptor, ou ter um papel indefinido, como um
receptor que atua diretamente na obra. Tal reconfiguração da

149 Em: https://www.dancemagazine.com/live-dance-performance-during-co-


vid-2646054451.html (acesso em 18/04/2021)
150 Vidler, Anthony. O campo ampliado da arquitetura: antologia teórica 1993-
2009, org. A. Krista Sykes, trad. Denise Bottmann. São Paulo, Cosac Naify, 2013,
p. 244.

134
II ATO. Espaços outros

Fig. 95-97. Parked, performance de Jacob Jonas the Company, Los Angeles, 2020. © Michael Pescasio.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

atuação dos corpos, considerando o caso das artes cênicas, atinge


outras esferas artísticas, como é o caso da arquitetura. Nesse
sentido, é possível dizer que também esta pode ser observada de
outras perspectivas e pode ser contemplada enquanto um corpo
atuante e performático. O ato pode não apenas se apropriar da
arquitetura, como pode ser, de fato, a própria arquitetura.

136
II ATO. Espaços outros
III ATO. Teatro do Mundo
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Venezia e lo Spazio Scenico


Com o extravasamento dos palcos para fora dos edifícios
teatrais, o espetáculo encontra a vida cotidiana e vice-versa,
proporcionando uma experimentação do que seria o papel da
performance, seu lugar de atuação e que relações são criadas com
o espectador. Os palcos urbanos sugerem uma apropriação mais
livre e participativa no espaço graças ao corpo atuante na cidade,
condicionante apropriada para a catalisação do teatro móvel,
desmontável e efêmero ao espaço público.

Desse modo, a partir de uma perspectiva atenta às relações entre


arquitetura, corpo performático e cidade, é possível tecer um
conjunto de relações que coloquem em perspectiva a atuação
da arquitetura enquanto corpo ativo na cidade, enquanto corpo
artístico, levantando questões referentes ao objeto arquitetônico
que revelam uma potência poética particular de uma relação
transdisciplinar. Um exemplar ilustrativo de tais relações e suas
consequentes reverberações no espaço que aqui se convoca é o
Teatro do Mundo, obra temporária para a Bienal de Arquitetura
de Veneza em 1979-80, projeto do arquiteto italiano Aldo Rossi.
Esta peça arquitetônica, no âmbito da mostra intitulada Venezia
e lo Spazio Scenico, foi desenhada com base na recriação de
estruturas construídas para celebrações e eventos públicos a
partir do século XVI, evocando a tradição dos teatros efêmeros
flutuantes, típicos do carnaval de Veneza do século XVIII.

Esses teatros, estruturas provisórias construídas sobre a água,


possuíam um aspecto de máquina graças aos elementos estruturais
aparentes e uma certa transparência inerente. Deslocavam-se,
como a multidão que circulava através das diferentes ruas da
cidade, fazendo fluir a festa também ao longo dos canais.151 As
chamadas Companhias de Calza, espécies de clubes de jovens
nobres que se repartiam em associações, eram os principais
responsáveis pela promoção desses espetáculos, antes que fossem
assumidos pelo poder público na década de 1560. Uma dessas
associações, a Companhia dos Cortesi, se tornou bastante célebre
devido ao seu teatro flutuante, denominado Teatro do Mundo, a

151 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso


biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 87.

140
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 98. Teatro do Mundo atracado na Dogana, 1979. © Molteni & Motta 2014.

Fig. 99. Cartaz da Bienal de Veneza, 1980. Edizioni La Biennale di Venezia, 1 Jan. 1979.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

fonte de inspiração que Aldo Rossi evocaria futuramente, tendo


como objetivo reascender o potencial cultural do carnaval de
Veneza.152

Alvise Zorzi, renomado escritor italiano, reconhecido por seu rico


trabalho sobre a história de Veneza, assim descreve o carnaval
daquela cidade por volta dos séculos XVI a XVIII, em seu livro
La Repubblica del Leone: storia di Venezia:

“O destaque era o carnaval, um carnaval sem fim, que começava


em outubro, retomava o fôlego na época da Festa da Ascensão e se
reanimava a qualquer oportunidade: mais de cinco meses do ano
em que qualquer um, do Doge ao mendigo, podia sair com o rosto
escondido por uma máscara (a famosa bauta branca emoldurada
pelo dominó negro) [...] Uma multidão improvável invadia a
praça, milhares e milhares de pessoas nos disfarces mais estanhos.
[...] sátiros e demônios, pescadores de Chioggia, velhas com seus
gatos enfaixados em seus braços, espanhóis, vendedores armênios
de amendoins, reis, médicos, falsos patrícios, falsos assaltantes [...]
As pinturas de Bella e Heinz nos dão uma ideia dessa multidão
colorida que se espalhava pela cidade, reunindo-se em feiras de
animais, nos teatros de fantoches, nos bancos dos adivinhos e
153 “Era il Carnevale, un Carnevale
charlatães; se juntarmos a este espetáculo único as festividades, não lunghissimo, che cominciava in ottobre,
é de estranhar que metade da Europa era habituada a afluir para riprendeva fiatto all’epoca dela festa
Veneza por ocasião do carnaval”.153 dell’Ascensione e si riapriva ocasionalmente
in ocasione di avvenimenti diversi: più de
cinque mesi all’anno in cui era consentito a
Com seus canais, por onde passam gôndolas e outras pequenas chiunque, dal doge all’ultimo mendicante, di
embarcações, Veneza sempre foi fonte de inspiração artística e uscire col volto nascosto da una maschera
seu carnaval foi a matriz da qual se originou a celebração como (la famosa baùta, bianca incorniciata dal
domino nero). [...] una folla inverosimile
a conhecemos no mundo ocidental. Porém, após um período riempiva la Piazza, migliaia e migliaia di
de decadência da região154, foi somente em fins do século XIX persone nei travestimenti più bizzarri, [...]
que artistas venezianos, inspirados pelas novidades artísticas que satiri e diavoli e pescatori chioggiotti, vecchie
col gatto in fasce tra le braccia, Spagnoli,
Armeni venditori di bagigi, re, medici, finti
152 Gilles, Bertrand. Histoire du carnaval de Venise XIe-XXIe siècle. Paris,
patrizi, finti assassini [...] I quadri del Bella e
Editora Pygmalion, 2013, p. 73.
dello Heinz ci danno un’idea di questa ressa
153 Zorzi, Alvise. La Repubblica del Leone storia di Venezia. Firenze, Editora variopinta, che dilagava in tutta la citt{,
Giunti, 2017, p. 423-424. Tradução livre. affollandosi ai baracconi dele belve feroci, ai
154 Veneza costumava ser um centro cultural e comercial europeu de grande casotti dei burattini, ai banchi degli indovini
importância. Todavia, em consequência dos efeitos da conquista e anexação e dei ciarlatani. Tra questo spettacolo
napoleônicas, passa por um longo processo de decadência econômica e cultural, unico e la gran quantit{ di altri spettacoli,
o que implicaria um decréscimo no dinamismo de eventos marcantes, como ricevimenti e balli che si svolgevano un
costumava ser seu carnaval. Somente no século XX muitas dessas tradições po’dappertutto, non fa meraviglia che mezza
ressurgiriam. Di Martino, Enzo. The history of the Venice Biennale 1895-2005. Europa si riversasse a Venezia a godersi il
Veneza, Editora Papiro Arte, 2005, p. 7. Carnavale”.

142
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 100. Le retour du Bucentaure le jour de l’Ascension, 1729, óleo sobre tela, coll. Aldo Crespi. © Luisa Ricciarini/Leemage.

Fig. 101. Départ du Bucentaure vers le Lido de Venise, le jour de l’Ascension, v.1775-1780, óleo sobre tela, Paris, Museu do Louvre. © Erich Lessing.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

floresciam na Europa e pela atmosfera nostálgica que irradiava


da cidade, organizaram uma grande exibição de artes, como já
vinha acontecendo na Itália. Em 1887, teve lugar em Veneza uma
exibição de pinturas e esculturas, que foram dispostas em edifícios
improvisados, construídos especialmente para a ocasião.

“A exibição [...] foi um grande sucesso. Entretanto, e acima de tudo,


constituiu-se como a premissa por um projeto muito maior e mais
importante, aquele que em alguns anos culminaria na formulação
e fundação da Bienal”.155

Dado o sucesso da exibição, decidiu-se que o evento continuaria


a ocorrer a cada dois anos, o que deu origem à Bienal de Veneza
em 1895. O evento vem ocorrendo desde então,156 e foi na
edição de 1979 que o projeto de Rossi foi solicitado por Paolo
Portoghesi, nomeado por Giuseppe Galasso em 1979 para dirigir
o recém-independente departamento de Arquitetura da Bienal.
A 1ª Exposição Internacional de Arquitetura foi intitulada La
presenza del passato, e contou com nomes como Frank Gehry,
Rem Koolhaas e Arata Isozaki, além do próprio Aldo Rossi.157

“Apesar de sua efemeridade, que aparentemente contradiz a defesa


de Rossi das permanências e do tempo duradouro, o teatro sugere a
mais profunda noção de tempo como experiência e como vivência
dos fatti urbani descritos em sua teoria. Esse teatro, mais do que
favorecer os acontecimentos – conforme Rossi advogava como
necessidade primeira para a concepção de novas intervenções -, se
constituiu, por si mesmo, como um evento que marcou tanto a vida
das pessoas que passaram por ele quanto a história e a memória
da Bienalle e da cidade de Veneza. Foi, portanto, um objeto que
construiu história e memória, mesmo tendo sido o produto de
um tempo específico, de um curto momento, mas que pretendeu
discutir e repensar as relações de espaço e de analogia no campo
arquitetônico”.158

155 Idem, p. 9. Tradução livre.


156 Com exceção dos períodos em que o continente europeu atravessava os dois
conflitos mundiais do século XX (1914-1918 e 1939-1945).
155 “The exhibition [...] was a great success.
157 Em: https://por.architecturaldesignschool.com/history-venice-architectu- However, and above all, it constitued a
re-biennale-75704 (acesso em: 09/05/2021). premise for a much largar and important
158 Boaventura, Caroline Rodrigues. Aldo Rossi: razão e poesia. Tipo, Símbolo project, that which a few years later
e tempo na arquitetura. São Paulo, Dissertação de Mestrado pela Faculdade de would culminate in the formulation and
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2019, p. 241-242. foundation of the Biennale”.

144
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 102. O Teatro do Mundo em fluxo na cidade de Veneza, 1979. © Antonio Martinelli.

Fig. 103. Elevações e plantas do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, Veneza, 1979. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi. CCA.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Cenografia urbana
Apesar de itinerante, e por isso desenvolver um outro tipo
de relação com a cidade, é possível perceber como vários
aspectos de Veneza foram absolutamente imprescindíveis para a
concepção do Teatro do Mundo, desde a sua essência até a sua
forma. O pensamento que deu base de sustentação para que o
teatro pudesse encontrar sua manifestação material conforme
foi é o de matriz analógica, que Rossi desenvolve em seu ensaio
La città analoga.159 Em contraposição ao pensamento lógico,
o pensamento analógico é mais aliado à dimensão do que é
sensível, uma espécie de meditação sobre materiais do passado.160
Nas palavras de Rossi, “A analogia é um modo de compreender
de maneira direta o mundo das formas e das coisas, de uma certa
forma dos objetos, até que se torne algo inexprimível senão por meio
de coisas novas”.161 Esta é uma linha de raciocínio que parte das
formas reconhecíveis da história, monta e remonta a arquitetura
e também a cidade a partir destes fragmentos pelo recurso da
analogia, e desta forma determina um processo de tradução de
suas qualidades históricas segundo uma interpretação atualizada.

A forma possui um papel muito importante na obra de Rossi,


mas atrelada à noção de tipologia. Portanto, o Teatro do Mundo
vai buscar tecer relações formais com a cidade de Veneza através
da manipulação tipológica de sua forma. Ao observar o teatro, é
possível encontrar uma série de características tipicamente locais,
como as tipologias quadráticas dos palazzos venezianos, as torres

159 “A concepção de Rossi da Cidade Análoga remete a dimensão humana da construção


das cidades ao longo do tempo, e assume uma postura ética em face dos monumentos, en-
tendidos como pontos de referência da memória coletiva. Para o arquiteto, a história da
arquitetura é o seu material”. Miranda, Cybelle Salvador. Arquitetos italianos em Paris: O
que diria Baudrillard? Arquiteturismo. 066.06 exposição, ano 06, ago. 2012.
160 “‘... He explicado que el pensamiento ‘lógico’ es el pensamiento expresado en palabras,
que se dirige al exterior como un discurso. El pensamiento ‘analógico’ o fantástico y sensible,
imaginado y mudo, no es un discurso sino una meditación sobre materiales del pasado, un
acto volcado hacia dentro. El pensamiento lógico es ‘pensar con palabras’. El pensamiento
analógico es arcaico, no expresado y prácticamente inexpresable con palabras’.” Rossi, Aldo.
La arquitectura análoga. 2C: Construcción de la Cuidad. Nº. 2, abril 1975, p. 8, em Marques,
Daniela de Sá Pinto. Racionalidade Exaltada e Teoria de Projecto: A contribuição de Aldo 161 ““La analogía es un modo de entender de
Rossi na Teoria de Arquitectura da segunda metade do século XX. Porto, Dissertação de una manera directa el mundo de las formas
Mestrado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2009, y de las cosas, en cierto modo de los objetos,
p. 87. hasta convertirse en algo inexpresable si no
161 Idem. Tradução livre. es a través de nuevas cosas”.

146
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 104. Mapa de Veneza contendo a localização do Teatro, com edifícios culturais destacados. Acervo pessoal.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

marcantes da paisagem da cidade, as varandas que se debruçam 162 “Siempre he advertido, aún más allá
sobre os canais, além do tema do monumento, através da bola em de las analogías, cómo la belleza es el lugar
de encuentro entre sustancia y significados
cima da torre que estabelece um diálogo com o monumento de diversos. Nada puede ser bello – una
Punta della Dogana, o ponto principal de seu itinerário. persona, una cosa, una ciudad – si está
referido tan sólo a sí mismo o a su propio
“Transcendendo analogias específicas, vi cada vez mais claramente uso. Con este pensamiento he podido dejar
atrás los más banales y conocidos valores
quanta beleza reside no lugar onde a matéria encontra significados de la arquitectura; viejas afirmaciones de
diferentes. Nada pode ser belo, nem uma pessoa, uma coisa ou uma los tratadistas filtradas por el positivismo
cidade, se significar apenas a si mesma; na verdade, se significar del XIX, la belleza buscada en una función
sin imágenes de referencia, vuelta sobre sí
nada além de seu próprio uso. Com esse reconhecimento, fui além misma.
dos aspectos mais banais e corriqueiros da arquitetura: as velhas
verdades dos autores de tratados clássicos filtradas pelo positivismo Todas estas consideraciones habría podido
hacerlas mirando desde la terraza del teatro
do século XIX, a beleza excessivamente refinada de funções veneciano, por encima del edificio de la
despojadas de imagens referenciais, significando apenas elas Aduana. Venecia se alejaba hacia el interior
mesmas. Talvez eu tenha considerado tudo isso enquanto olhava de un mar misterioso, y la gran esfera
dorada de la Aduana no era sino la señal
da varanda do teatro veneziano, com vista para o Palácio Ducal. del inicio y también del fin de todo viaje.
Veneza estava recuando para um mar bastante misterioso, a esfera De la misma manera, el teatro arribaba del
de ouro da Dogana poderia ser apenas o começo e o fim de cada mar y quedaba varado en la laguna, como
los barcos en los puertos: José Charters
viagem. Como os navios no porto, o teatro também chegou do mar me escribió diciendo que lo que más le
e ficou na laguna: Jose Charters escreveu para mim que o que mais había impresionado era, precisamente, esa
o impressionou foi precisamente essa impressão, que o teatro tinha arribada del teatro para quedar convertido
en una pieza fronteriza entre la tierra y el
vindo do mar e que constituía uma fronteira entre mar e terra. mar.

[...] Também me parecia que o teatro estava em um lugar onde [...] El teatro parecía encontrarse, también,
a arquitetura terminava e o mundo da imaginação, ou mesmo en el lugar en el que acaba la arquitectura
y comienza el mundo de la inspiración o,
do irracional, começava. Foi assim que olhei para as misteriosas incluso, de la insensatez. Así contemplaba
estátuas verdetes que carregam e brincam com a esfera dourada, las misteriosas esferas de cobre verdoso que
enquanto me concentrei na articulação de suas junções e nos sostienen la esfera dorada y juegan con ella.
Y también sus articulaciones y los lentos
movimentos lentos da figura da Fortuna. As juntas pareciam movimientos de la figura de la Fortuna.
feridas bizarras no metal, as partes remendadas de um corpo único Las articulaciones parecen extrañas
que era o resultado de experimentos cirúrgicos sinistros, ainda mais heridas hechas en el metal, partes de un
cuerpo cosidas tras siniestras operaciones
sinistros do que o processo sempre sinistro de transformar o corpo quirúrgicas; más siniestro de lo que ya es,
humano em estátua. [...] A Fortuna veneziana é inacessível e talvez normalmente, el cuerpo humano convertido
não muito notada enquanto se move lentamente: pois é essencial en estatua. […] como es también inaccesible
la Fortuna veneciana, la de lentos,
que ninguém detecte os movimentos da Fortuna. O verde veneziano inadvertibles movimientos, porque nadie
contrasta com a cor fria do ferro no telhado do meu teatro. Esse debe notar los movimientos de la Fortuna. A
metal se reflete no cinza da lagoa, enquanto acima dele está a bola ese verde se oponía el hierro de color frio de
la cubierta del teatro: el metal destacaba en
e o estandarte de metal que range lentamente”.162 el gris de la laguna, y por encima de él estaba
la esfera y el rechinar lento del banderín
metálico”. Rossi, Aldo. Autobiografía
162 Rossi, Aldo. A scientific autobiography. Massachusetts, Oppositions books, Científica. Barcelona, Gustavo Gili, S.A.,
1981, p. 66-67. Tradução livre. ed. 2, 1998, p. 81-82.

148
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 105. Teatro do Mundo, Campanário de São Marcos ao fundo, Veneza, 1979. © Antonio Martinelli.

Fig. 106. Teatro do Mundo na Dogana, 1979. © Antonio Martinelli.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

No entanto, apesar de todas essas características serem


perceptíveis, a forma como estão conjugadas num todo coeso
é absolutamente própria e distanciada de qualquer leitura
historicista, pois não busca reproduzir a história através de algum
simulacro saudosista, mas de reinterpretar suas formas em um
novo arranjo formal. O Teatro do Mundo, bem como grande parte
da obra de Rossi, recorre ao conceito filosófico de arquétipo, para
investigar os arquétipos da arquitetura e construir não apenas a
matéria de seus edifícios, mas também sua substância. Isso deve-
se ao fato de que, para Rossi, não se trata apenas de um arranjo
formal, mas também de um arranjo de significados históricos que
estão contidos naquelas formas elementares da arquitetura.

Além disso, a encomenda do projeto requisitou que o edifício a


ser construído fosse algo diminuto, das proporções de um carro
alegórico; no entanto, foi a compreensão relacional de Rossi que
sobressaiu.163 Aos sabores de um variado itinerário de portos de
paragem, esta itinerância do teatro criaria uma série de relações
espaciais com os trechos da cidade e, por isso, Rossi optou por
materializar o teatro de forma que não só ele pudesse efetivamente
transformar o lugar de paragem, mas também de um modo que
pudesse estabelecer relações harmônicas com o contexto. Isso se
deu majoritariamente por uma estratégia de escala, manipulando
o gabarito do teatro em concordância com a altura média dos
edifícios com os quais iria dialogar diretamente em seu percurso.

“Aldo Rossi reinterpreta as características dessas estruturas para


configurar um espaço de representação num edifício/barco. Este
edifício flutuante inspira-se morfologicamente no tema da torre,
um lugar encerrado e, simultaneamente, define um cenário em
movimento em estreita relação, de escala, com os monumentos da
baía de São Marcos [...]. A ocultação da estrutura, a opacidade do
revestimento e a criação de um espaço interior, conferem ao Teatro
do Mundo um carácter particular, que o distingue do modelo dos
teatros ambulantes do séc. XVI”.164

163 Portoghesi, Paolo, em Fera, Francesco Saverio. Aldo Rossi. Il Teatro del
Mondo (1979-2004). Documentário. Itália, Dario Zanasi Momopipdeus, 50’,
2004, 14’.
164 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 87.

150
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 107-108. Teatro do Mundo na paisagem, Veneza, 1979. © Antonio Martinelli.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Rossi buscou tecer um diálogo entre o Teatro e Veneza também


no que diz respeito às qualidades tectônicas, sobretudo através
do uso de elementos metálicos e de madeira. A combinação de
elementos comunica diretamente com a linguagem dos pequenos
portos de atracação ao longo dos canais da região, em geral
constituídos por estruturas de madeira e metal, mas também
estabelece diálogo com monumentos da cidade (por exemplo, a
ponte Accademia, constituída também por uma rica conjunção
de madeira e metal).

“Várias pessoas falaram da luz de Carpaccio em relação ao interior


do meu teatro. [...] É a Veneza de Carpaccio, e vejo-a na luz
interior, na madeira, e lembro-me de certos interiores holandeses
que evocam navios e estão perto do mar. Esta Veneza de madeira
também está intimamente relacionada com o delta do Pó, bem
como com as pontes que cruzam os canais venezianos, das quais a
ponte Accademia, embora obviamente uma construção do século
XIX, oferece uma ideia melhor do que a Rialto. Mas a redescoberta
desta Veneza só foi possível através da intervenção de algum objeto
preciso e discretamente colorido, representando uma tecnologia
elementar, mas segura - por exemplo, uma barcaça ou, na verdade,
uma máquina teatral”.165

O uso da madeira pintada de amarelo como revestimento


permite também uma leitura de proximidade, por analogia,
entre a superfície do invólucro do teatro e dos muitos edifícios
de superfícies lisas e coloridas que existem no lugar. Para além 165 “Ha habido quien ha relacionado el
disso, o uso das faixas azuis, que parecem fabular sobre um interior del teatro con la luz de las pinturas
de Carpaccio [...] Esa es la Venecia de
possível coroamento do edifício, estabelecem uma relação direta Carpaccio que puedo contemplar en las
com os edifícios dotados de composições clássicas no contexto. A luces del interior, en la madera, así como en
escolha do metal na cobertura, por sua vez, faz contrastar a frieza algunos interiores holandeses que recuerdan
navíos y están cerca del mar. Esta Venecia
implacável do material com o amistoso verde dos canais, mas faz de madera también tiene relación con el
refletir o prateado da laguna vista ao longe. delta del Po, con los puentes que atraviesan
los canales, y, en este sentido, el puente de
la Academia, aunque del XIX, coincide
mejor con mi idea que el de Rialto. Pero el
redescubrimiento de esta Venecia tan sólo
era posible a partir de la intervención de
un objeto preciso, de color discreto, de una
elemental pero segura tecnología, como
una barcaza, o bien, como una máquina
teatral”. Rossi, Aldo. Autobiografía
165 Rossi, Aldo. A scientific autobiography. Massachusetts, Oppositions books, Científica. Barcelona, Gustavo Gili, S.A.,
1981, p. 68. Tradução livre. ed. 2, 1998, p. 84.

152
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 109. Teatro do Mundo e Punta Della Dogana vista do cais, 1979.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Palco flutuante
A atuação do teatro na cidade, transformadora a nível da esfera
pública, também influencia grandemente na forma em que seu
interior é percebido. Ao longo dos seus 25 metros de altura e 9,5
de largura, o Teatro é organizado de modo a abrigar uma plateia
de 250 pessoas, distribuídas ao redor do palco em galerias laterais,
com janelas que se abrem para a paisagem. Com esse gesto, Rossi,
assim como Palladio no Teatro Olímpico, permite a interpretação
de uma referência à atmosfera do teatro clássico ao ar livre; nesse
caso, acontece através do diálogo entre interior e exterior, da
união de atmosferas entre peça e paisagem.

“Gostaria de dizer imediatamente que, neste caso, o trabalho me


impressionou ao longo de sua vida, isto é, de sua evolução, de sua
construção e de sua posição na cidade, e também dos espetáculos
realizados nele. Enquanto estava ouvindo a música de Benedetto
Marcello na noite de abertura e observava as pessoas subindo as
escadas e se amontoando nas varandas, percebi um efeito que eu
apenas havia antecipado vagamente. Como o teatro ficava na água,
via-se pela janela os vaporetos e barcos passando como se estivesse
em outro barco; e esses outros barcos entraram na imagem do
teatro, constituindo uma cena que verdadeiramente era igualmente
fixa e móvel”.166

Apesar do resgate de aspectos específicos do teatro clássico, o


modelo teatral em si difere substancialmente. Enquanto Palladio
retoma o modelo em semicírculo, Rossi cria a magia através de
uma mistura ‘incomum’ de tipologias:167 o anfiteatro e as galerias,
166 “Quiero señalar que la vida de esta obra,
varanda no último pavimento, escadas visíveis, um palco central, o sea, su formación y su estar en la ciudad y
por consequência da distribuição da plateia, que conta com uma respecto al espectáculo, me ha impresionado
mucho. Mientras escuchaba, la tarde de
pequena janela que enquadra o canal da Giudecca (como um
la inauguración, la música de Benedetto
cenário em movimento, observado por todos; desse modo, de Marcello, y contemplaba a la gente fluyendo
certa forma, ‘o ator também faz parte do público’)168 e um telhado por las escaleras y aglomerándose en las
galerías, noté una sensación que sólo en
inclinado pontiagudo fazendo o remate do edifício.
forma muy vaga había previsto. Desde la
ventana del teatro, que flotaba en el agua,
Pelo arranjo do palco em posição central em relação ao público, veía pasar los vaporetti y las barcas, como si
o Teatro mais se parece com modelos do teatro elisabetano, también yo estuviera en una de ellas, y esas
barcas se introducían en la imagen del teatro
constituyendo la verdadera escena, fija y
166 Idem, p. 65.
móvil a la vez”. Rossi, Aldo. Autobiografía
167 Idem, p. 68. Científica. Barcelona, Gustavo Gili, S.A.,
168 Idem. ed. 2, 1998, p. 79.

154
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 110-112. Performance no Teatro do Mundo, Veneza, 1979-80. © Molteni & Motta 2014.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

como o Shakespeare’s Globe Theatre, ou o Teatro Anatômico em


Pádua.169 Pela oposição ao modelo de teatro italiano, com uma só
perspectiva frontal, o ator é posicionado no centro e a visão do
público é amplificada em diversas perspectivas. A verticalidade
marcada é, também, um elemento em comum, uma vez que a
aproximação à cena de forma panorâmica é conseguida a partir
da altura. No livro Autobiografia Científica, Rossi escreve um
trecho sobre a inspiração e a comparação com os vários teatros:

“O teatro veneziano é, obviamente, mais próximo do Teatro


Anatômico em Pádua e do Shakespeare’s Globe Theatre (e o “Globe”
era de fato literalmente o “Theater of the World”, já que, voltando à
tradição veneziana, este meu projeto tem sido denominado Teatro
do Mundo). Eu estava interessado em como o Teatro Anatômico e
o Globe Theatre tornavam a figura humana central, como de fato
todos os pequenos anfiteatros fazem. O teatro romano, por outro
lado, tinha uma parede traseira fixa [...]. Já no anfiteatro não
era necessária uma parede traseira porque todo o interesse estava
voltado para a peça e principalmente para o animal, homem ou
fera. O mesmo acontecia com o Teatro Anatômico, onde as tábuas
do palco, por causa do foco da ação, subiam mecanicamente de
baixo para cima com o cadáver. Aqui também estava o corpo de
um homem, um homem já deposto, meticulosamente estudado por
uma ciência ainda humanista. Na verdade, os atores não eram 170 “El teatro veneciano, en cambio, estaba
más cerca del teatro anatómico de Padua o
vistos de forma diferente no Globe Theatre”.170 del Globe Theatre shakesperiano. (Y el Globe
Theatre era “teatro del mundo”, tal como,
Mas, diferente desses exemplares, apesar da circularidade das retomando la vieja tradición veneciana,
três galerias darem a impressão de que o palco é perfeitamente ha sido llamado mi teatro). Me interesaba
la forma en que, tanto el teatro anatómico
central, o piso térreo do teatro veneziano é como um corredor, como el Globe Theatre, situaban en su centro
entre uma porta e uma janela, com arquibancadas nas laterais. a la figura humana, como si se tratara de
Esta sobreposição de impressões do espaço, a exemplo de uma pequeños anfiteatros. El teatro romano tenía
un escenario fijo […]. Pero en el anfiteatro
tipologia central que se percebe de outra forma apenas pela no era preciso el escenario, porque toda la
colocação de uma janela, ou de outros elementos, pode ser atención estaba puesta en el juego y, ante
observada na obra de Norberg-Schulz no livro Intenções em todo, en el animal, fuera hombre o bestia. Lo
mismo ocurría con el teatro anatómico, en
el que el escenario, porque de eso se trataba,
ascendía con el cadáver, desde abajo.
169 O Teatro Anatômico de Pádua, cidade no norte da Itália, é o primeiro teatro También aquí el interés estaba puesto en un
anatômico permanente do mundo. Inaugurado em 1595, segundo o projeto cuerpo humano, dolorosamente depositado,
de Paolo Sarpi e Dario Varotari, a construção em madeira possui um volume objeto de una ciencia apenas humanista.
cilíndrico com a plateia distribuída como se fosse um cone invertido inserido También en el Globe Theatre se veía así a
no centro da planta, remetendo a um funil. los actores”. Rossi, Aldo. Autobiografía
170 Rossi, Aldo. A scientific autobiography. Massachusetts, Oppositions books, Científica. Barcelona, Gustavo Gili, S.A.,
1981, p. 68-69. Tradução livre. ed. 2, 1998, p. 85.

156
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 113. Perspectiva diagramática do Teatro do Mundo.

Fig. 114. Planta e seção do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, 1979. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi.

Fig. 115. Seção transversal do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, 1979. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi.

Fig. 116. Teatro Anatômico, desenho em corte transversal.

Fig. 117. Teatro Elisabetano, desenho em corte perspectivado. Reprodução de foto, Mantovani, 1989.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Arquitetura. O arquiteto e teórico norueguês sublinha que o


caráter de um lugar pode ser independente do espaço-forma,
podendo surgir de elementos simbólicos diversos ou mesmo de
uma organização particular das paredes; ou seja, o espaço-forma
diz respeito a apenas uma parcela do caráter de uma obra.

Sobre as diferentes dimensões do espaço, Schulz diz: “Na teoria


da arquitetura, não há razão para permitir que a palavra ‘espaço’
designe nada além da tridimensionalidade de qualquer edifício.
Mas não é dito que esta propriedade é sempre de importância
arquitetônica. Expressões como ‘experiência espacial’ ou ‘efeito
espacial’ devem, portanto, ser empregadas apenas quando o volume
estereométrico é de importância decisiva. Não é prático distinguir
entre espaço ‘físico’ e ‘arquitetônico’, mas apenas entre espaço físico
e arquitetura. A organização do espaço físico entra como um pólo
intencional na concretização arquitetônica”.171

Nesse caso, mesmo com a tipologia central, o Teatro do Mundo


mais se assemelha ao Teatro Oficina, cuja disposição cênica
é inspirada no conceito de passagem, de rua, de lugar que cria
conexões de uma ponta à outra. Adicionalmente, a justaposição
da plateia em níveis de galerias também contribui para a exposição
do ator em ângulos variados, aproximando-o do público. Em
seu texto, Rossi segue descrevendo as comparações entre os
modelos referidos do final do século XVI, discorrendo sobre as
diferenciações que tornam seu teatro único:

“Mas meu teatro veneziano se distingue desses outros pelo fato de


o palco ser um corredor que une uma porta e uma janela. Não tem
centralidade no nível do solo; a centralidade existe na circulação
das varandas e na inclinação do teto pontiagudo. Gostei tanto
da ideia dessa inclinação interior que construí uma estrutura na 171 “In architectural theory there is no reason
to let the word ‘space’ designate anything but
qual elementos e juntas comuns foram desengatados como em the tri-dimensionality of any building. But
uma construção temporária, e isso é de fato o que dá ao teatro sua it is not said that this property is always
aparência temporária. Assim, na estrutura, as hastes e as juntas de of architectural importance. Expressions
like ‘spatial experience’ or ‘spatial effect’
latão, que parecem quase douradas, se aproximam e se sobrepõem, should therefore only be employed when
criando um esqueleto, uma máquina, um dispositivo vivo que the stereometric volume is of decisive
não tem mais sua forma original e não pode ser comparado a um importance. It is not practical to distinguish
between “physical’ and ‘architectural’
andaime. Ferro e madeira se tornam duas estruturas paralelas, space, but only between physical space
and architecture. The organization of the
171 Norberg-Schulz, Christian. Intentions in Architecture. Cambridge, Massa- physical space enters as an intentional pole
chusetts, the MIT Press, 1968, p. 97. Tradução livre. in the architectural concretization”.

158
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 118. Interior do Teatro do Mundo, Veneza, 1979. © Antonio Martinelli.

Fig. 119. Seção longitudinal do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, 1979. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi.

Fig. 120. Teatro Oficina, vista da galeria. © Nelson Kon.

Fig. 121-122. Teatro Oficina, corte transversal e planta baixa. Lina Bo Bardi.

Fig. 123. Teatro do Mundo, planta baixa. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

lembrando para mim as seções em forma de cebola das cúpulas


bizantinas e as torres ou minaretes estreitos onde o interior
e o exterior são duas arquiteturas complementares, mas não
necessariamente distintas”.172

O dispositivo vivo de Rossi possui variados aspectos que o


equiparam a outro edifício teatral do século XX, fruto de uma
concepção que colocava o corpo enquanto obra de arte viva,
o Hellerau Festival Theatre. A concepção formal do Teatro
veneziano é comparável tanto pela escolha de formas puras para
a composição do edifício, quanto pelas proporções simétricas
também a nível de planta. Apesar da diferença de escala, os dois
espaços performativos permitem uma visibilidade ampla da cena
que se contrapõe ao modelo à italiana.

Por outro lado, o ato de abrir uma janela, e a consequente


junção entre performance e paisagem, se assemelha à ação de
Tessenow de construir uma parede que pudesse ser permeável
e abrir também para o exterior. De maneiras diferentes, ambos
os arquitetos consideraram o movimento enquanto elemento de
concepção de projeto; Tessenow buscou a dinâmica performativa
do corpo humano, enquanto Rossi encontrou no próprio 172 “Pero el teatro veneciano se diferencia
de estos porque, en él, el escenario es un
edificado a dinâmica performativa. pasillo que une una puerta y una ventana;
la estructura de la planta baja no es
Enquanto arquitetura que ‘caminha’ na cidade, o Teatro do Mundo centralizada, sino que ésta viene dada
cativou, antes de mais, pela existência em si, por ser um corpo onde por la circularidad de las galerías y por
la inclinación del puntiagudo techo. Me
a imobilidade é intrínseca, como são os edifícios de modo geral. gustaba este desarrollo interior porque
O ato de torná-lo dinâmico transforma sua essência, conforme hacía olvidar el carácter de provisionalidad
cita Adolphe Appia em “A obra de arte viva”: “O movimento não de una construcción cuya estructura,
realizada con elementos y nudos corrientes,
é, em si, um elemento; o movimento, a mobilidade, é um estado, era ciertamente, provisional. Así, en la
uma maneira de ser. Trata-se, pois, de examinar que elementos das visión de los retranqueos, los tubos y los
nossas artes seriam capazes de abandonar a imobilidade que lhes nudos de latón, dorados, se mezclaban
y superponían, creando un esqueleto,
é própria, que está no seu carácter”.173 Esse ato também pode falar una máquina, un ingenio irreconocible,
sobre a forma em que Aldo Rossi encarava o cotidiano, como um imposible de relacionar con un ardamiaje.
espetáculo, com arquitetura a performar pela cidade. Parecía que hierro y madera formaran
dos estructuras paralelas, o, al menos, en
eso pensaba al recordar las secciones en
forma de cebolla de las cúpulas bizantinas
o las torrecillas de los minaretes, en los
que interior y exterior no pertenecen a
una única arquitectura, sino que son dos
172 Idem. arquitecturas complementarias”. Rossi,
173 Appia, Adolphe. A obra de arte viva, trad. Redondo Júnior. Lisboa, Editora Aldo. Autobiografía Científica. Barcelona,
Arcádia, 1959, p. 31. Gustavo Gili, S.A., ed. 2, 1998, p. 85.

160
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 124. Performance no Teatro do Mundo, Veneza, 1979-80. © Molteni & Motta 2014.

Fig. 125. Performance em Hellerau Festival Theatre, Dresden.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Corpo itinerante e efêmero


“O problema de Aldo Rossi nunca foi o de «implementar»
mecanicamente a nossa vida, mas sim de encenar» o seu sentido.
[...] Tudo para Aldo era um espetáculo: a realidade externa era um
espetáculo, o cotidiano era um espetáculo, todas as menores coisas
da vida dele faziam parte do espetáculo. [...] Então, quando Aldo
falava de Luchino Visconti, Thomas Mann, Mario Sironi, ficava
claro que o que mantinha esses artistas unidos, e ele para eles, era
o ponto de vista de que todos olhavam a realidade: a realidade
como espetáculo, a cidade como cena física da vida humana, como
lugar para se maravilhar a cada dia, como se maravilha com a
própria existência. É o espanto [...], o carácter mais evidente da
extraordinária personalidade de Aldo Rossi, a sua capacidade de
surpreender sempre, tanto na arquitectura como na vida”.174

Pela análise da proposta de Aldo Rossi por meio de João Mendes


Ribeiro, segundo o qual: “O espectáculo de teatro é também um
objecto de vivência, embora ligado à duração do instante narrativo,
passando, a seguir, ao campo da memória na forma de mensagem
ou conhecimento sedimentar”175, é possível a constatação de que a
experiência do Teatro do Mundo foi marcada por paradigmas que
também eram comuns a outros movimentos contemporâneos,
como por exemplo os happenings anteriormente discutidos,
nos quais a efemeridade, a instantaneidade e a impossibilidade
de reprodução sistemática e comercial tornavam a experiência 174 “Il problema de Aldo Rossi no è
daquele momento única e constituinte das vivências e memórias mai stato quello di «mettere in opera»
meccanicamente la nostra vida, ma di
daqueles que tiveram a oportunidade de vivenciá-lo. O Teatro
metterne in scena» il senso. [...] tutto
do Mundo, neste sentido, não deveria ser interpretado fora do per Aldo era spettacolo: la realtà esterna
contexto das artes cênicas de seu tempo. A libertação da rigidez era spettacolo, la vita quotidiana era
spettacolo, tutte le più piccole cose della
e imobilismo da arquitetura era, para Rossi, um de seus objetivos
sua vita facevano parte dello spettacolo.
em sua cenografia em movimento. [...] Così quando Aldo parlava di Luchino
Visconti, di Thomas Mann, di Mario Sironi,
si capiva che ciò che teneva insieme questi
174 Monestiroli, Antonio, “Forme Realiste e Popolari” in Scritti su Aldo artisti, e lui a loro, era il punto di vista da
Rossi «Care Architetture», 2002, p. 65, em Marques, Daniela de Sá Pinto. cui tutti loro guardavano la realtà: la realtà
Racionalidade Exaltada e Teoria de Projecto: A contribuição de Aldo Rossi na com spettacolo, la città come scena fisica
Teoria de Arquitectura da segunda metade do século XX. Porto, Dissertação de della vita degli uomini, como luogo di cui
Mestrado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do stupirsi ogni giorno, così come ci si stupirce
Porto, 2009, p. 150. Tradução livre. della propria esistenza. È lo stupore [...],
175 Ribeiro, João de Lima Mendes. Arquitectura e Espaço Cénico: Um percurso il carattere iù evidente della strardinaria
biográfico. Coimbra, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura pela personalità di Aldo Rossi, la sua capacità di
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2008, p. 101- stupirse sempre, del’architettura come della
102. vita”.

162
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 126. Teatro do Mundo, partida para Veneza, Fusina, 1979. © Antonio Martinelli.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

Como uma celebração, tal como acontecia com os teatros


flutuantes dos carnavais venezianos, ou até mesmo como ocorria
no período Medieval176 por toda a Europa, o Teatro surge
como materialização de um evento que transforma a paisagem
e modifica a atmosfera da cidade. A imponência de algo visto
como cotidiano, como é um edifício, se contrasta com a essência
passageira intrínseca a um barco e, tal como um espetáculo
surgido espontaneamente no espaço público, esfumaça os limites
entre o banal e o excepcional. A cidade é um palco e o Teatro
é um bailarino a percorrê-lo, se misturando com as pequenas
cenas cotidianas e compondo em conjunto um surpreendente
espetáculo da realidade.

Rossi, portanto, combina estrutura efêmera com peça itinerante


e a pousa sobre aquilo que os venezianos também interpretam
como ruas da cidade: as águas. Construída sobre um barco nos
estaleiros de Fusina, a estrutura pressupõe uma viagem a partir
de sua origem. No dia 11 de novembro de 1979, o teatro-barco
atracado no estaleiro, como “um estranho, pequeno palácio, que
parecia uma estação marítima”, é lançado contra o mar encoberto
de névoa ao alvorecer, chegando em Veneza de forma dramática
e misteriosa. Como um “fantasma” surgindo das águas,177 a torre
peregrina serpenteia a cidade pelos canais até aportar na Dogana,
em frente a São Marcos, onde ancora e se mantém.

Por estar na água, está constantemente sujeito aos seus


movimentos de oscilação. Itinerante, por pousar a estrutura do
edifício em um barco, que remete a um símbolo não apenas
temporal, mas também recorrente, visto que os meios de
transporte mais representativos de Veneza são as gôndolas e os
vaporettos. E, enquanto teatro, apesar de ser um espaço interior

176 Essa apropriação de uma estrutura amovível que promove um espetáculo


itinerante no espaço público remete ao Medieval, mencionado anteriormente
neste trabalho, em que o teatro era marcado pela liturgia da Igreja Católica que
buscava levar a palavra até os fiéis. Para tanto, a palavra e a ação detinham um
papel essencial nessas peças religiosas encenadas por atores não profissionais e
que facilmente mudavam de posição com os espectadores, em um intercâmbio
dinâmico de papéis. Eram criações coletivas que poderiam durar dias.
177 Descrição a partir das interpretações dos arquitetos Christopher
Stead, Gianni Braghieri e Fabio Reinhart, em Fera, Francesco Saverio. Aldo
Rossi. Il Teatro del Mondo (1979-2004). Documentário. Itália, Dario Zanasi
Momopipdeus, 50’, 2004, 22-24’.

164
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 127-128. Teatro: chegada a Veneza, 1979. © Antonio Martinelli.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

estável, não possui um local fixo. Abriga performances artísticas


que ocorrem em um curto período para depois perdurar na
memória. A imagem do cenário, por sua vez, sofre influência do
movimento fora do teatro, conforme cita Rossi.

“O que mais me agrada é que o teatro é um verdadeiro navio e,


como um navio, está sujeito aos movimentos da laguna, às suaves
oscilações, à elevação e à submersão; de modo que, nas galerias
mais altas, algumas pessoas talvez sintam um leve enjoo causado
pelo mar, o que provoca distração, e é aumentado pela visão da
linha da água, que é visível além das janelas. Eu cortei essas janelas
de acordo com o nível da laguna, da Giudecca e do céu. As sombras
das pequenas cruzes dos montantes das janelas destacam-se contra
a madeira, e essas janelas fazem o teatro parecer uma casa. Além
disso, como um farol, o teatro é um lugar onde se pode observar
assim como ser observado. O farol, a torre do farol, a casa da luz,
são estruturas para o mar e do mar”.178

Ao final da Bienal, o itinerário do Teatro se expande e realiza uma


viagem pelo mar Adriático. Realizada em 12 dias, o percurso vai
de Veneza a Dubrovnik em uma rota de 400 milhas, com escalas
em Porec, Rovinj, Osor, Zadar e Nin. O arquiteto Christopher
Stead descreve, no documentário Aldo Rossi. Il Teatro del Mondo
(1979-2004), a extasiante chegada no último destino: “O Teatro
do Mundo foi de Veneza a Dubrovnik. [...] Ninguém sabia a hora
exata em que chegava, só sabíamos que seria naquele dia. [...] Então
eu sentei, esperando, até que apareceu um pequeno, minúsculo
ponto que crescia no horizonte, até finalmente ocupar uma parte 178 “Porque ante todo me gustaba esto:
que el teatro fuera una nave y, como tal,
substancial da baía. Infelizmente, estava muito escuro, mas minha sufriera los movimientos de la laguna,
primeira sensação foi ‘nossa, esse edifício se encaixa melhor ainda las ligeras oscilaciones, el subir y bajar,
aqui do que se encaixava em Veneza’. E então algo sobre os volumes y, de hecho, en la galería más alta, hubo
quien sintió un ligero mareo que distraía
compactos vistos contra a forte sombra desenhada pelas luzes do la atención y que venía aumentado por la
pôr-do-sol, vistos contra as fortificações de Dubrovnik ao fundo, visión del horizonte del mar a través de las
que fazem parecer uma extensão das mesmas fortificações, ou como ventanas. Recorté estas ventanas siguiendo
el plano de la laguna, el de la Giudecca y el
um farol, como o fim de um píer, de certa forma parecia totalmente del cielo. Las sombras de sus carpinterías,
familiar nesta cidade em particular”.179 en forma de cruz, se recortaba contra la
madera, convirtiendo el teatro en algo
parecido a una casa, pero, sobre todo, en
178 Rossi, Aldo. A scientific autobiography. Massachusetts, Oppositions books, un faro para observar y ser observado. El
1981, p. 67. Tradução livre. faro, la lighthouse, la casa de la luz, son
179 Christopher Stead, em Fera, Francesco Saverio. Aldo Rossi. Il Teatro del construcciones del mar en el mar”. Rossi,
Mondo (1979-2004). Documentário. Itália, Dario Zanasi Momopipdeus, 50’, Aldo. Autobiografía Científica. Barcelona,
2004, 27-28:40’. Gustavo Gili, S.A., ed. 2, 1998, p. 82.

166
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 129. Teatro do Mundo: chegada a Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

A viagem do Teatro do Mundo é organizada pelo Setor de


Teatro da Bienal de Veneza, dirigido por Maurizio Scaparro,
em colaboração com o Ministério das Relações Exteriores, o
Ministério do Turismo e Entretenimento e a Prefeitura de Veneza.
Scaparro escreve no folheto Il viaggio del Teatro del Monde da
Venezia a Dubrovnik, com programa e itinerário do Teatro, sobre
os significados que a peça carrega, tanto para a Bienal quanto
para a cidade, e sobre a fantástica jornada desse teatro móvel.

“Conceber este Teatro do Mundo, efémero ou não, quer se queira


considerá-lo, envolveu um conhecimento/paixão necessário pelo
teatro, as suas funções, a sua própria história e Aldo Rossi é um dos
poucos arquitectos que ama e frequenta o teatro.

Rossi abordou assim este projeto com o desejo de «buscar a fantasia


só na realidade», superando a antítese histórica do teatro-máquina,
apreendendo a máquina não tanto a previsível precariedade,
mesmo temporal, quanto as especificidades de sua construção na
água, e seu posicionamento em si, na água, em comparação com as
realidades “eternas” imutáveis de Veneza.

Ato de amor pelo futuro da cidade, ou «anti-Veneza», o teatro é, em


todo o caso, uma provocação positiva, um planejamento original,
uma proposta mutante, uma sugestão efêmera mas primária.

Com a surpreendente passagem pelas brumas de Marghera, dos


estaleiros de Fusina a Punta della Dogana, em novembro de 1979,
antes mesmo de seu uso oficial, deu um grande espetáculo de si,
moveu as águas de Veneza muitas vezes esquecidas, trazendo
à nossa memória seu legítimo protagonismo, durante décadas
degradado a um folclore pseudo-histórico de regatas de fantasias,
ativou novos estímulos para hipotetizar, ainda que limitado no
espaço e no tempo, um teatro diferente.

E Rossi apreendeu o classicismo da forma do teatro, que ecoa


não tanto os espaços de Scamozzi e Rusconi, mas os de seu
Teatro Científico e remete externamente à pureza do Globe
[Theatre]. Assim como tentou uma difícil funcionalidade de um
palco, necessariamente reduzido no espaço, estreitado por duas
camadas opostas e brilhantemente projetado verticalmente por
quase vinte metros de altura: quase uma indicação para possíveis
utilizações originais deste espaço teatral, fora da recepção festiva

168
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 130. Nuevito, um dos rebocadores do Teatro do Mundo, no mar Adriático, 1980. © Antonio Martinelli.
Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

indiscriminada que o Teatro do Mundo deu aos grupos teatrais e


musicais italianos e estrangeiros para o Carnaval de Teatro de 1980.

Então, como mais uma indicação de “tendência”, que me é


particularmente cara porque está em sintonia com a minha forma
de trabalhar no palco, parece ser aquela rejeição do supérfluo do
«mundo rígido e poucos objetos» que Rossi dá ao teatro e aqueles
que o frequentam.

O encanto singular do teatro de Rossi é, entretanto, sua bivalência,


sua vila interna e externa; e ainda mais a sua capacidade de ser
utilizada e vivida tanto como contentor de espetáculos, tanto
como próprio ator, protagonista móvel e cambiante de diferentes
amarrações, de cores que mudam com o passar das horas, para
os visitantes que as animam por dentro e fora, mesmo no terraço
que rodeia a cúpula, um castelo vivo sobre a água de que nos
lembraremos por muito tempo, com alguma saudade, quando não
estiver mais sendo utilizado, necessariamente, trazido de volta com
tempos felizmente desacelerados ao «histórico» fim das máquinas
venezianas dos anos 500.

Porém, antes de seu fim natural, o Teatro do Mundo de Aldo Rossi


terá cumprido a função experimental que propusemos. Ainda
sonhamos com uma nova mobilidade, para «descobrir» novas
terras não venezianas, para contrastar com outros monumentos
«eternos», para confrontar outras pessoas e outros costumes, para
nos apresentar e por isso ser em cada lugar um teatro diferente,
mas também A Arca de Noé ou barco dos comediantes, com a
bagagem de esperanças e ilusões que o teatro arrastou ao longo dos
séculos. Com este espírito, o Teatro do Mundo inicia sua verdadeira
e fantástica jornada rumo à Iugoslávia”.180

O mar, que reserva “um lugar onde a arquitetura termina e o mundo


da imaginação começa”, foi o palco do corpo móvel do barco. A
classificação do que é o ‘lugar’ em que ocorre esse espetáculo,
portanto, é uma questão relativamente complexa. Recuperando o
já referido conceito de Foucault sobre as heterotopias, ensaio com
enfoque para os espaços ‘do lado de fora’, espaços subversivos e

180 Scaparro, Maurizio. Il viaggio del Teatro del Monde da Venezia a Dubrovnik.
Veneza, Fondazione La Biennale di Venezia, art work Messina & Montanari -
Offset Commerciale/Venezia, 10-22/agosto, 1980. Tradução livre.

170
III ATO. O Teatro do Mundo

Fig. 131. Teatro do Mundo em Rovinj, 1980. Fotografia de Piero Casadei.


Flutuações do espaço. Da Arquitetura para a Performance à Arquitetura-Performance

contraditórios, conta com o barco justamente como elemento


fundamental do último princípio. O navio, segundo Foucault, é
a “heterotopia por excelência”, lugar que possui “a maior reserva
de imaginação” e reserva em si uma particularidade em relação
aos demais espaços: “Bordéis e colônias são dois tipos extremos
de heterotopia, e se imaginarmos, afinal, que o barco é um pedaço
de espaço flutuante, um lugar sem lugar, que vive por si mesmo,
que é fechado em si e ao mesmo tempo lançado ao infinito do mar
e que, de porto em porto, de escapada em escapada para a terra,
de bordel a bordel, chegue até as colônias para procurar o que elas
encerram de mais precioso em seus jardins, você compreenderá
por que o barco foi para a nossa civilização, do século XVI aos
nossos dias, ao mesmo tempo não apenas, certamente, o maior
instrumento de desenvolvimento econômico (não é disso que falo
hoje), mas a maior reserva de imaginação. O navio é a heterotopia
por excelência. Nas civilizações sem barcos os sonhos se esgotam, a
espionagem ali substitui a aventura e a polícia, os corsários”.181

A interpretação contemporânea para a reserva de imaginação


do barco, no que diz respeito ao Teatro do Mundo, adquire uma
expressão de ampla potência e cria uma espécie de dinâmicas
sobrepostas, que se recriam perpetuamente ao sabor dos fluxos
e dos movimentos. A jornada ao longo do mar Adriático se 181 “Maisons closes et colonies, ce sont
estabeleceu enquanto um episódio potente, um marco para a deux types extrêmes de l’hétérotopie, et si
l’on songe, après tout, que le bateau, c’est un
Bienal de Veneza e para a própria arquitetura. Um acontecimento morceau flottant d’espace, un lieu sans lieu,
que, apesar do seu caráter efêmero, implica uma diversidade de qui vit par lui-même, qui est fermé sur soi
pautas comuns entre países, como fronteiras geográficas, políticas et qui est livré en même temps à l’infini de
la mer et qui, de port en port, de bordée en
e culturais, unidos pelo mar e, consequentemente, pela partilha bordée, de maison close en maison close,
de toda uma história. No caso da Bienal, marcou um evento va jusqu’aux colonies chercher ce qu’elles
inusitado em que, como uma peça em cartaz, o edifício deu recèlent de plus précieux en leurs jardins,
vous comprenez pourquoi le bateau a été
seguimento a um percurso artístico e mobilizou o que poderia pour notre civilisation, depuis le XVIe siècle
se remeter a uma performance marítima, com uma plateia que jusqu’à nos jours, à la fois non seulement,
aguardou ansiosamente por assistir seus movimentos. bien sûr, le plus grand instrument de
développement économique (ce n’est pas de
cela que je parle aujourd’hui), mais la plus
grande réserve d’imagination. Le navire,
c’est l’hétérotopie par excellence. Dans
les civilisations sans bateaux les rêves se
tarissent, l’espionnage y remplace l’aventure,
181 Foucault, Michel. Outros espaços (conferência no Círculo de Estudos et la police, les corsaires”. Foucault, Michel.
Arquitetônicos, 14 de março de 1967), em Ditos e Escritos III. Estética: Literatura Des espaces autres (conférence au Cercle
e Pintura, Música e Cinema; org. de textos Manoel Barros da Motta, trad. Inês d’études architecturales, 14 mars 1967), Dits
Autran Dourado Barbosa. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2009, p. et écrits 1984: Architecture, Mouvement,
421-422. Continuité, n° 5, octobre 1984, p. 46-49.

172
III ATO. O Teatro do Mundo
“Por muito que a visitemos, Veneza desperta sempre um
encantamento súbito e incontornável, como se fosse a primeira
vez. Uma sensação de haver viajado no tempo e não somente no
espaço. Numa das muitas visitas hospedei-me num hotel perto de
S. Marcos, à entrada do Grande Canal. O quarto era no último
piso, um pequeno terraço dominava a paisagem. Procurei com os
olhos a Salute, a torre da Doghana e a esfera doirada que a luz
glorifica. Apercebi-me com surpresa de uma segunda torre, ao lado,
uma torre gémea seguramente nova. Surgia com naturalidade de
torre antiga.

Fazia absolutamente parte da imutável paisagem que eu conhecia,


como se houvesse estado sempre ai. Emanava contudo não sei bem
que invulgar modernidade, a um tempo intensa e contida. Pude ver
que estava assente sobre uma barca ancorada, uma ilha mais, mas
feita para partir. Voltei mais tarde a Veneza, ao mesmo quarto de
hotel e ao mesmo terraço. A torre encantada havia desaparecido.

Contou-me Aldo Rossi que atravessara o Adriático, com um grupo


de teatro a bordo. Os pescadores suspendiam o trabalho, atónitos
largavam o leme, com medo talvez, sem saber de onde viria e para
quê e com quem aquele objecto desconhecido, barco antiquissimo
ou invenção ou ilusão.

Contou-me Aldo Rossi, em Veneza, com a precisão e a emoção que


eram próprias da sua natureza. De tal forma que eu pude «ver»
a nave encantada a desaparecer lentamente, envolta em nevoeiro,
gravada na memória. Essa imagem reapareceu de súbito, com igual
nitidez e diferente emoção, ao receber notícia que não esperava”.182

182 Siza, Álvaro; 01 textos. (Ed. Carlos Campos Morais). Porto: Civilização,
2009, p. 389, 390.
Fig. 132. Teatro do Mundo: Giornale di Bordo, Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.
Fig. 133-134. Brochure: Il viaggio del Teatro del Mondo da Venezia a Dubrovnik, 1980. © Art Work Messina & Montanari - Offset Commerciale/Venezia.
Veneza
Porec
Rovinj
Osor
Zadar
Nin
Dubrovnik
Fig. 135. Mapa do percurso do Teatro do Mundo no mar Adriático. Acervo pessoal.

Fig. 136. Reportagem fotográfica da construção e viagem do Teatro do Mundo de Veneza a Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.

Fig. 137. Reportagem fotográfica da construção e viagem do Teatro do Mundo de Veneza a Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.

Fig. 138. Reportagem fotográfica da construção e viagem do Teatro do Mundo de Veneza a Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.

Fig. 139. Ver em: Fig. 130.

Fig. 140. Ver em: Fig. 132.

Fig. 141. Teatro do Mundo: chegada a Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.

Fig. 142. Teatro do Mundo: Giornale di Bordo, Veneza-Dubrovnik, 1980. © Antonio Martinelli.

Fig. 143. Ver em: Fig. 129.

Nota: as localizações das imagens no mapa são ilustrativas, portanto, não representam as exatas posições geográficas em que se encontravam
no momento das fotografias.
Epílogo

Focando em aspectos que dizem respeito aos lugares públicos


e às arquiteturas de uso público que são apropriadas para as
artes cênicas, o trabalho procurou evidenciar a forma em que
esses espaços encontraram poética a partir da conexão com
aspectos da performance. Observou-se um conjunto de recortes
históricos referentes ao desenvolvimento das artes cênicas
ao lado do desenvolvimento da artes como um todo, assim
como da sociedade e de conceitos acadêmicos, antropológicos,
entre outros, que foram definindo a relação entre o espaço e a
performance em cada época.

Após toda uma trajetória de experimentação, politização e


integração de disciplinas, o lugar institucionalizado que a
performance ocupava extravasou os teatros e foi de encontro
ao espaço público, onde ocorreu o esfumaçamento entre a ação
e a mostra da ação. Esses lugares de movimentos cotidianos
ganharam uma nova camada poética, onde a arte se funde com o
dia-a-dia e modifica as relações, tanto entre os indivíduos quanto
nas suas percepções em relação à cidade. A expansão da cena
não apenas provoca uma cotidianização da performance, mas
transforma a vida cotidiana em espetáculo.

Atravessando a história desse entrelaçamento entre artes


cênicas e espaço, com evidência no momento em que ocorre o
espetáculo do Teatro do Mundo, é possível compreender como
a noção de espaço ‘flutuou’ ao longo do tempo nesse contexto
e como essa dinâmica está sempre em curso. Deste modo, vê-
se como a produção arquitetônica se beneficia ao levar em
consideração aspectos potentes que a performance traz ao
espaço. A performance não é apenas reduzida a uma questão de
movimento, apesar do grande mérito que tal atributo possui, mas
também de transformação, de uma outra compreensão do corpo
humano e do espaço em volta. É uma questão de sensibilidade a
algo que poderia ser banal, de um caminhar a um tatear.

Ademais, além de considerar tais dinâmicas na arquitetura,


importou refletir na arquitetura enquanto algo dinâmico (no
tempo e no espaço), ou seja, ela ser a própria performance.
Por mais sutil, a arquitetura pode despertar com delicadeza
diferentes sensações em resposta a fenômenos que a atravessa,
transformando a habitabilidade regular no espaço em uma mostra
artística. Considerar tais transformações colocam a experiência
em uma direção plural, que enriquece o modo como se projeta
arquitetura.

Um espaço sem movimento, tanto a respeito do dinamismo na


composição quanto da habitabilidade do lugar, é um espaço sem
emoção – a própria etimologia na palavra “emoção” não existe
sem a “moção”.183 É intrínseco ao ser humano a necessidade de
movimento para que haja vida, desde a relação consigo próprio,
onde mesmo em repouso o corpo não se permite estar em outro
estado que não em constante ação, até a reação a estímulos
exteriores, cuja ausência é fortemente sentida pela mente. A
reação aos diversos movimentos ao longo dos nossos dias é o que
nos faz reagir, pensar e – aqui uma qualidade que a arquitetura
pode evocar – inspirar.

O Teatro do Mundo, “teatro veneziano como espaço da imaginação,


ou para a imaginação, nas intervenções urbanas”,184 traz consigo
reflexões poéticas que comunicam com a contemporaneidade,
diante da velocidade e da diversidade que permeiam os espaços
urbanos. A aproximação de cunho artístico à obra, conduzida
pelas flutuações dos espaços de performance ao longo do tempo,
denota o desejo de encontrar este espaço da imaginação; espaço
que não apenas recebe, mas também se torna ele próprio, uma
dinâmica efêmera.

“Eu gosto particularmente de teatros vazios, com poucas luzes


acesas, ou, no máximo, durante os ensaios parciais, em que as vozes
repetem a mesma cena, a decompõem, a retomam, permanecendo
mais perto da ação. A repetição, a “colagem”, a tradução de
elementos de uma composição para outra, também nos coloca, em
cada projeto, antes de outro projeto que gostaríamos de desenvolver
e que é, por sua vez, uma memória de outras coisas”.185
185 “Me gustan especialmente los teatros
vacíos, con pocas luces encendidas, o, como
mucho, durante los ensayos parciales,
183 Bismarck, Pedro. Architecture is (e) motion. Dédalo: O arquitecto no
en los que las voces repiten la misma
labirinto. Nº 2. Porto, Março/Abril 2007. p. 20. Disponível em: https://issuu.
escena, la descomponen, la retoman,
com/revista.dedalo/docs/dedalo2 (acesso em 10/07/2020).
permaneciendo más acá de la acción.
La repetición, el ‘collage’, la translación 184 “Il teatro veneziano come spazio dell’immaginazione, o all’immaginazione,
de elementos de una composición a otra, negli interventi urbani”. Rossi, Aldo em Dal Co, Francesco (org.), Aldo Rossi. I
también nos coloca, en cada proyecto, ante quaderni azzurri: 1968-1992. Milão, Electa, vol. 26/47, 1999, p. 1. Tradução livre.
otro proyecto que querríamos desarrollar y 185 Rossi, Aldo. Autobiografía Científica. Barcelona, Gustavo Gili, S.A., ed. 2,
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Capítulo 1
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Fig. 26. Idem, p. 31.

Fig. 27. Idem, p. 28.

Fig. 28. Desenho cenográfico de Appia, 1892. Disponível em: https://www.vaga-


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Fig. 36. As três colunas, projeto de espaço rítmico de Appia, 1909. Disponível em: http://3.
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Fig. 39. Esquissos da transformação do corpo humano nos trajes do palco. Desenhos de Os-
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Fig. 40. Idem.

Fig. 41. Idem.

Fig. 42. Idem.

Fig. 43. Rudolf Laban no ensino de balé na Ópera Estatal de Berlim, 1934. Disponível em:
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Fig. 45: Idem.

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Fig. 47: Idem.

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Fig. 51. Projeto de Teatro, elevação interna esquemática, 1947. L. Mies van der Rohe; 1:
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acústica, 8: pele de vidro. Colombo, L. F., 2015. Orig.: MoMA NY. Disponível em: https://
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Fig. 52. Projeto de Teatro, plantas baixas esquemáticas, 1947. Mies van der Rohe. Colombo,
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Fig. 53. Teatro Oficina, apresentação no espaço. © Arquivo Teatro Oficina. Disponível
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Fig. 55. Teatro Oficina, plantas baixas. Lina Bo Bardi. © Arquivo Teatro Oficina. Dis-
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Capítulo 2
Fig. 58. Bodies in urban space, de Willi Dorner, 2017. Performance sobre o corpo no ambi-
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Fig. 61. Idem.

Fig. 62. Esquisso dos elementos de cena para Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musi-
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06/03/2021.

Fig. 63. Cena de Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, 1985. Fotografia de
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09/05/2021.

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Fig. 80. Idem.

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Fig. 82. Os artistas Jackson Pollock e Lee Krasner no estúdio de Pollock, East Hampton,
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https://pkf.org/about/. Acesso em: 29/05/2021.

Fig. 83. Técnica assemblage: John Chamberlain, Gondola Herman Melville, 1981. © John
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York. Disponível em: https://www.diaart.org/collection/collection/chamberlain-john-gon-
dola-herman-melville-1981-1982-023. Acesso em: 14/05/2021.

Fig. 84. Allan Kaprow e seu filho na obra Yard, Martha Jackson Gallery, Nova Iorque, 1961.
© Ken Heyman/Woodfin Camp. Disponível em: https://www.artforum.com/print/re-
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Fig. 85. 18 Happenings in 6 Parts, de Allan Kaprow, Reuben Gallery, Nova Iorque, 1959.
© Fred W. McDarrah. Disponível em: https://www.moma.org/collection/works/associat-
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rer=association. Acesso em: 13/05/2021.

Fig. 86. Idem.

Fig. 87. Idem.

Fig. 88. Idem.

Fig. 89. Perimeters/pavilions/decoys, Nassau County Museum, Nova Iorque, 1977-78. © Mary
Miss. Disponível em: https://socks-studio.com/2014/06/22/mary-misss-1977-1978-perim-
eterspavilionsdecoys/. Acesso em: 22/05/2021.

Fig. 90. Idem.

Fig. 91. Idem.

Fig. 92. Cosmococa 5 Hendrix-War, instalação na Pinacoteca do estado de São Paulo, 1973.
Hélio Oiticica e Neville D’Almeida. Cortesia da propriedade de Hélio Oiticica. Disponível
em: http://pelicanbomb.com/art-review/2017/h%C3%A9lio-oiticicas-underground-order.
Acesso em: 22/05/2021.

Fig. 93. Cena de Júlia, de Christiane Jatahy. Fotografia de David Pacheco. © Christiane Ja-
tahy. Disponível em: http://christianejatahy.com.br/project/julia. Acesso em: 23/05/2021.

Fig. 94. Idem.

Fig. 95. Parked, performance de Jacob Jonas the Company, Los Angeles, 2020. © Michael
Pescasio. Disponível em https://www.jacobjonas.com/stage/parked. Acesso em: 19/04/2021.

Fig. 96. Idem.

Fig. 97. Idem.


Capítulo 3
Fig. 98. Teatro do Mundo atracado em Punta Della Dogana. © Molteni & Motta, 2014. Dis-
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Fig. 99. Cartaz da Bienal de Veneza, 1980. Edizioni La Biennale di Venezia, 1 Jan. 1979. Dis-
ponível em: https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/81TkjTwlH3L.jpg. Acesso
em: 21/05/2021.

Fig. 100. Le retour du Bucentaure le jour de l’Ascension, 1729, óleo sobre tela, coll. Aldo Cre-
spi. © Luisa Ricciarini/Leemage. Disponível em: Gilles, Bertrand. Histoire du carnaval de
Venise XIe-XXIe siècle. Paris, Editora Pygmalion, 2013, p.349.

Fig. 101. Départ du Bucentaure vers le Lido de Venise, le jour de l’Ascension, v.1775-1780, óleo
sobre tela, Paris, Museu do Louvre. © akg-images/Erich Lessing. Disponível: Idem. p.357.

Fig. 102. O Teatro do Mundo em fluxo na cidade de Veneza, 1979. Fotografia de Anto-
nio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em: https://www.archdaily.com/942357/
an-online-exhibition-connects-the-dots-between-performance-and-architecture/5e-
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mance-and-architecture-image. Acesso em: 23/05/2021.

Fig. 103. Elevações e plantas do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, Veneza, 1979. © Eredi Aldo
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Fig. 104. Mapa de Veneza contendo a localização do Teatro, com edifícios culturais destaca-
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Fig. 105. Teatro do Mundo, Campanário de São Marcos ao fundo, Veneza, 1979. Fotogra-
fia de Antonio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em: https://nievescorcoles.
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Fig. 106. Teatro do Mundo na Dogana, 1979. Fotografia de Antonio Martinelli, © Anto-
nio Martinelli. Disponível em: http://angelosaysdotcom.blogspot.com/2012/03/theatre-of-
world-aldo-rossi-1979.html. Acesso em: 19/05/2021.

Fig. 107. Teatro do Mundo na paisagem, Veneza, 1979. Fotografia de Antonio Martinel-
li, © Antonio Martinelli. Disponível em: https://www.da-magazine.co.il/wp-content/up-
loads/2020/09/10.jpg. Acesso em: 19/05/2021.

Fig. 108. Teatro do Mundo na paisagem, Veneza, 1979. Fotografia de Antonio Martinelli, ©
Antonio Martinelli. Disponível em: https://benhuser.files.wordpress.com/2011/06/06-150.
jpg. Acesso em: 19/05/2021.

Fig. 109. Teatro do Mundo e Punta Della Dogana vista do cais, 1979. Disponível em: https://
www.da-magazine.co.il/wp-content/uploads/2020/09/2-1.jpg. Acesso em: 13/05/2021.

Fig. 110. Performance no Teatro do Mundo, Veneza, 1979-80. © Molteni & Motta, 2014. Di-
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Fig. 111. Performance no Teatro do Mundo, Veneza, 1979-80. © Molteni & Motta, 2014. Di-
sponível em: https://www.moltenimotta.it/wp-content/uploads/2014/11/Teatro_del_Mon-
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Fig. 112: Idem.

Fig. 113. Perspectiva diagramática do Teatro do Mundo. Disponível em: https://pt.wikiar-


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Fig. 114. Planta e seção da exposição montada no Teatro do Mundo, Aldo Rossi, Vene-
za, 1979-1980. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi. Canadian Centre for Archi-
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ject/388153. Acesso em: 12/05/2021.

Fig. 115. Seção transversal do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, Veneza, 1979. © Eredi Aldo
Rossi / Fondazione Aldo Rossi. Canadian Centre for Architecture, Montréal. Disponível em:
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Fig. 116. Teatro Anatômico, desenho em corte transversal. Disponível em: https://www.
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Fig. 118. Interior do Teatro do Mundo, Veneza, 1979. Fotografia de Antonio Mar-
tinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em: https://persona-esap.weebly.com/up-
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Fig. 119. Seção longitudinal do Teatro do Mundo, Aldo Rossi, Veneza, 1979. © Eredi Aldo
Rossi / Fondazione Aldo Rossi. Canadian Centre for Architecture, Montréal. Disponível em:
https://www.cca.qc.ca/en/search/details/collection/object/388151. Acesso em: 04/04/2021.

Fig. 120. Teatro Oficina, vista da galeria. © Nelson Kon. Disponível em: https://images.adsttc.
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Fig. 121. Teatro Oficina, corte transversal. Lina Bo Bardi. Disponível em: http://elitoarquite-
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Fig. 122. Teatro Oficina, planta baixa. Lina Bo Bardi. Disponível em: https://archeyes.com/
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Fig. 123. Teatro do Mundo, planta baixa. © Eredi Aldo Rossi / Fondazione Aldo Rossi. Di-
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Fig. 124. Performance no Teatro do Mundo, Veneza, 1979-80. © Molteni & Motta, 2014. Di-
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Fig. 127. Teatro: chegada a Veneza, 1979. Fotografia de Antonio Martinelli, © Antonio Mar-
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Fig. 128. Teatro: chegada a Veneza, 1979. Fotografia de Antonio Martinelli, © Antonio Mar-
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Fig. 129. Teatro do Mundo: chegada a Dubrovnik, 1980. Fotografia de Antonio Martinel-
li, © Antonio Martinelli. Disponível em: Arnell, Peter y Bickford, Ted (eds.), Aldo Rossi.
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Fig. 130. Nuevito, um dos rebocadores do Teatro do Mundo, no mar Adriático, 1980. Fo-
tografia de Antonio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em: https://giornaledibor-
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Fig. 131. Teatro do Mundo em Rovinj, 1980. Fotografia de Piero Casadei. Disponível em:
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Fig. 132. Teatro do Mundo: Giornale di Bordo, Dubrovnik, 1980. Fotografia de Antonio
Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em: Arnell, Peter y Bickford, Ted (eds.), Aldo
Rossi. Obras y proyectos. Barcelona, Gustavo Gili, S.A., ed. castellana, 1986, p. 232. On-line
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Fig. 133. Brochure: Il viaggio del Teatro del Mondo da Venezia a Dubrovnik, 1980. Ministério
das Relações Exteriores, Ministério do Turismo e Entretenimento e Prefeitura de Veneza. ©
Art Work Messina & Montanari - Offset Commerciale/Venezia. Cortesia de Fondazione la
Biennale di Venezia, Archivio Storico della Biennale - ASAC.

Fig. 134: Idem.

Fig. 135. Mapa do percurso do Teatro do Mundo no mar Adriático. Acervo pessoal.
Fig. 136. Reportagem fotográfica da construção e viagem do Teatro do Mundo de Veneza a
Dubrovnik, 1980. Fotografia de Antonio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em:
http://www.dreamideamachine.com/en/?p=66388. Acesso em: 21/05/2021.

Fig. 137. Reportagem fotográfica da construção e viagem do Teatro do Mundo de Veneza a


Dubrovnik, 1980. Fotografia de Antonio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em:
http://www.dreamideamachine.com/en/wp-content/uploads/sites/3/2021/03/16_MAXXI_
ALDO-ROSSI_ANTONIO-MARTINELLI_04-TEATRO-DEL-MONDO-VENISE.jpg.
Acesso em: 21/05/2021.

Fig. 138. Reportagem fotográfica da construção e viagem do Teatro do Mundo de Vene-


za a Dubrovnik, 1980. Fotografia de Antonio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível
em: https://www.da-magazine.co.il/wp-content/uploads/2020/09/1-1.jpg. Acesso em:
21/05/2021.

Fig. 139. Ver em: Fig. 130.

Fig. 140. Ver em: Fig. 132.

Fig. 141. Teatro do Mundo: chegada a Dubrovnik, 1980. Fotografia de Antonio Martinel-
li, © Antonio Martinelli. Disponível em: Arnell, Peter y Bickford, Ted (eds.), Aldo Rossi.
Obras y proyectos. Barcelona, Gustavo Gili, S.A., ed. castellana, 1986, p. 236. On-line em:
https://www.da-magazine.co.il/%D7%90%D7%93%D7%A8%D7%99%D7%9B%D7%-
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AA-teatro-del-mondo-aldo-rossi/. Acesso em: 21/05/2021.

Fig. 142. Teatro do Mundo: Giornale di Bordo, Veneza-Dubrovnik, 1980. Fotografia de


Antonio Martinelli, © Antonio Martinelli. Disponível em: https://blog.architectuul.com/
post/628934826745004032/teatro-del-mondo-an-odyssey. Acesso em: 21/05/2021.
Fig. 143. Ver em: Fig. 129.
Flutuações do espaço:
Da Arquitectura para a Performance à
Arquitectura-Performance
Lise Pinheiro Lenz César
faculdade de arquitetura

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