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JAQUELINE VALDÍVIA

DENISE STOKLOS:

Uma noção de ator: reflexões a partir do Teatro Essencial

FLORIANÓPOLIS
2007
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO
MESTRADO EM TEATRO

JAQUELINE VALDÍVIA

DENISE STOKLOS:

Uma noção de ator: reflexões a partir do Teatro Essencial

Dissertação apresentada à banca da Universidade


do Estado de Santa Catarina, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, na linha de
Pesquisa: Teatro Sociedade e Identidade.
Orientador: Dr. André Carreira

FLORIANÓPOLIS

2007
JAQUELINE VALDÍVIA

DENISE STOKLOS:

Uma noção de ator: reflexões a partir do teatro essencial

Dissertação apresentada à banca da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, na linha de
Pesquisa: Teatro Sociedade e Identidade.

Banca Examinadora:

Orientador:
Prof. Dr. André Carreira
UDESC

Membro:
Profª. Drª. Verônica Fabrini
UNICAMP

Membro:
Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Jr.
UDESC

Florianópolis-SC, agosto de 2007


AGRADECIMENTOS

A coordenação, orientador, professores e secretárias do Programa de Pós-Graduação

em Teatro – PPGT – UDESC.

Aos meus pais na arte, Denise Stoklos e André Carreira.

Ao amor incondicional, Francisco Wildt.


Este lugar é uma maravilha

Mas como é que faz pra sair da ilha?

Pela ponte, pela ponte...

A ponte não é de concreto, não é de ferro...

Não é de cimento

A ponte é até onde vai o meu pensamento

A ponte não é para ir nem pra voltar

A ponte é somente pra atravessar

Caminhar sobre as águas desse momento

A ponte nem tem que sair do lugar

Aponte pra onde quiser

A ponte é o abraço do braço do mar

Com a mão da maré

A ponte não é para ir nem pra voltar

A ponte é somente pra atravessar

Caminhar sobre as águas desse momento.

Lenine e Lula Queiroga


RESUMO

A presente dissertação discute o conceito de ator no Teatro Essencial de Denise Stoklos,


a partir de um mapeamento da trajetória da artista desde seu começo, no estado do Paraná, até
os dias de hoje. Tal mapeamento visa apresentar as transformações dos procedimentos técnicos
e poéticos que, ao estabelecer uma nova relação entre o ator e seu ofício, culminam na
consolidação do Teatro Essencial. Através de uma abordagem teórica e prática, este trabalho
relaciona os procedimentos do ator concebido por Denise Stoklos com o que diz respeito ao
desenvolvimento de outras expressões de atuação – em suas aproximações com a idéia de
performer, ou ainda na confluência entre a mímica e a performance art.

Palavras-chave: ator- performer, Teatro Essencial, Denise Stoklos.


ABSTRACT

The present dissertation discusses the concept of theatrical actor which arises from
Denise Stoklos’ Teatro Essencial. Through a view of her artistic path, since its beginning in the
State of Paraná until the present day, transformations of technical and poetic procedures wich
culminate in the consolidation of Teatro Essencial (Essential Theatre) are presented. By means
of a theoretical and practical approach, this work also relates the procedures that characterize
Stoklos’ actor to the development of other ways of expression that may emerge from the
confluence of different trends, such as performance art and mime.

Keywords: actor/performer, essential theatre, Denise Stoklos.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Grupo Ferramenta......................................................................................................... 24


Figura 2 - Foto: Rio Apa ................................................................................................................. 27
Figura 3 – Denise Stoklos .............................................................................................................. 40
Figura 4 - Fotos dos Espetáculos Mary Stuart e Casa ................................................................. 45
Figura 5 - Denise Stoklos e Ronald Golias .................................................................................... 45
Figura 6 - Fotos: Denise Stoklos e Spalding Gray........................................................................ 57
Figura 7 – Projeto Solos do Brasil.................................................................................................. 72
Figura 8 - Foto do Projeto Solos do Brasil ..................................................................................... 73
Figura 9 - Fotos: Aula aberta com Denise Stoklos ........................................................................ 96
Figura 10 - Foto: Eu em aula com Stoklos..................................................................................... 99
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9

1 TRAJETÓRIA DA ARTISTA....................................................................................................... 16

1.1 Fase dos encontros.................................................................................................................. 23

1.2 Fase da gestação..................................................................................................................... 37


1.2.1 Ressonâncias (1): Mímica..................................................................................................... 39

1.3 Fase do nascimento: ................................................................................................................ 43


1.3.1 Ressonâncias (2): Performance art e Teatro Performático .................................................. 46

2 PROPOSIÇÃO DO TEATRO ESSENCIAL ................................................................................ 52

2.1 O ator solo performer ............................................................................................................... 59

2.2 Fricção, não ficção ................................................................................................................... 65

2.3 Relatos de experiência pessoal ............................................................................................... 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................... 78

APÊNDICE: Diário de Bordo e outras pontes invisíveis................................................................83

REFERÊNCIAS............................................................................................................................ 105
9

INTRODUÇÃO

Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é


muito mais grave: é o de concepção.

Clarice Lispector

O significado deste trabalho surge de uma etapa importante do caminho que venho

percorrendo como atriz, pesquisadora e docente desde o ano de 1994, quando se deu o início

da minha relação com o teatro – primeiro como atriz autodidata, depois estudante em cursos

livres de teatro, para então ingressar no curso de Licenciatura em Artes Cênicas. A partir de

minha entrada como aluna do curso de graduação, trabalhei durante seis anos com o Grupo

(E)xperiência Subterrânea, sob direção do professor André Carreira, sendo que, naquele

momento, o grupo estava voltado para a articulação poética de três elementos básicos: o espaço

não convencional, o risco físico e a construção de identidade.

Nesta época de vivência intensiva com o teatro, desde as dimensões da apreciação e

prática teatral, até o estudo teórico relacionado com o desenvolvimento de um projeto de

pesquisa chamado Teatro e Identidade, tão logo compreendi a importância da pesquisa no

âmbito do teatro. Percebi também que meu foco de interesse apontava para o trabalho de ator, e

que a investigação poderia dar-se a partir do meu próprio corpo. Em linguagens, espaços e

riscos, tentava encontrar o caminho em direção ao aprofundamento teórico e à compreensão da

identidade emergente deste cadinho mágico de concepção de expressão.

Com o Grupo (E)xperiência Subterrânea tive a oportunidade de participar de vários

festivais de teatro pelo Brasil e, neste período travei meu primeiro contato com o trabalho de

Denise Stoklos no ano de 1997, a exatamente dez anos atrás, na ocasião do VI Festival de

Teatro da Universidade de São Paulo. Era o espetáculo Des-Medéia, o qual chamou minha
10

atenção pelo fato de Stoklos acumular em si características disciplinares tão variadas como solo

performer e criadora de seu próprio teatro. Aquele momento foi marcante para mim e o desejo de

encontrar um caminho próprio, análogo àquele, naturalmente foi sendo instalado: primeiro

quando comecei a trabalhar com a criação de solo performances1, em seguida dentro da própria

estrutura de Grupo, sobretudo quando da criação do espetáculo Women`s (2001)2. Em seguida,

viria uma oportunidade de conviver diretamente com a visão artística de Denise Stoklos, através

da participação no Projeto Solos do Brasil, concebido e coordenado pela artista.

A escolha da obra de Denise Stoklos para a realização deste trabalho de mestrado

relaciona-se, portanto, com minha experiência como atriz e aluna de Stoklos, e está vinculada à

possibilidade de refletir sobre os princípios estruturais do trabalho de ator solo performer

propostos pela diretora/atriz. Com relação à abordagem solo performer, elemento constituinte do

teatro de Stoklos, Nerina Dip, pesquisadora Argentina, afirma:

Ainda que seja um modo de trabalho de longa tradição, na atualidade observa-se uma
recorrência de manifestações espetaculares feitas com um intérprete só, ou seja, um
único sujeito atuante. [...] Em vários países encontro artistas que elegeram esta
modalidade de trabalho, tais como Luisa Calcumil do sul da Argentina, Spalding Grey e
Karen Finley de Estados Unidos, Robert Lepage do Canadá, Maria Helena Ansaldi e
Denise Stoklos do Brasil, entre muitos outros. Estes artistas não apenas empregaram
esta modalidade em suas carreiras, como contribuíram fortemente para o
desenvolvimento desta modalidade [...] o Manifesto do Teatro Essencial e todas as
produções de Denise Stoklos são algumas das expressões que contribuem pra o
desenvolvimento do solo (DIP, 2005, p.17).

A citação acima situa Stoklos como referência internacional no que tange o trabalho solo.

Em muitos aspectos, Stoklos tem servido como referência também para outros artistas

brasileiros, os quais, interessados principalmente na possibilidade da performance solo e na

construção de esquemas característicos de atuação, passaram a procurar sistematicamente por

encontros com o trabalho da artista, seja em cena, seja através de seus textos ou aulas. O

interesse por parte de artistas profissionais ou amadores e de estudantes pelo trabalho de

1
Em 2000, atuei como performer no projeto Máquina Pedagógica do artista plástico Fernando Lindote
(Premio: Bolsa Vitae de 2000), e em 2001, dirigi, executei e performei em: Carnificação de um Pensamento Sonoro, na
III Bienal de Artes Visuais do Mercosul em Porto Alegre/ RS e, desde então tenho participado frequentemente de
experimentos relacionados às artes plásticas e visuais.

2
2001: Espetáculo Women´s, direção: André Carreira. Estreou no Museu de Artes de Santa
Catarina.Temporada no Centro Cultural São Paulo. Festival Nacional de Teatro Isnard de Azevedo (prêmio de melhor
atriz). Projeto Reflexos de Cenas 2001, no SESC Consolação de São Paulo. Festival Nacional de Teatro de Presidente
Prudente, SP. Festival Internacional de Teatro de Rio Preto, SP. Festival Nacional de Teatro Universitário de Blumenau,
SC (prêmio de melhor atriz).
11

Stoklos tornou-se notório quando da realização do projeto Solos do Brasil, organizado pela

artista no ano de 2002, na cidade de São Paulo. Minha vivência no projeto Solos do Brasil

representa um elemento chave na elaboração do presente texto, de modo que este contato

direto com a artista repercute aqui em reflexões, impressões e relatos advindos de minha

experiência pessoal.

Este trabalho tem como ponto de partida a trajetória artística de Denise Stoklos, desde

1968 até os dias de hoje. Durante estes 39 anos de carreira, Stoklos tem se dedicado

exclusivamente ao teatro brasileiro e, sobretudo, ao registro de sua maneira de pensar o fazer

teatral na elaboração de procedimentos criativos e de autoria de espetáculos. A presente

dissertação visa reconhecer, no trabalho de Stoklos, o conceito de ator o qual emerge de seu

teatro essencial, para discutir o fim da dicotomia autor/ator, e a mudança de paradigma de ator

no processo de evolução do teatro brasileiro.

No panorama atual do teatro brasileiro, Denise Stoklos pode ser destacada por

representar – com uma perseverança singular no que se refere à sustentação de uma posição

ética e estilística – seu teatro no Brasil e no exterior, tendo representado, ao longo de sua

trajetória, em cerca de trinta países e em sete idiomas diferentes. No ambiente internacional,

Stoklos é conhecida principalmente por suas incursões no teatro La Mama Experimental Theatre

Club, em Nova Iorque3, o mesmo que deu início à carreira de Gerald Thomas e que até os dias

de hoje recebe seus trabalhos, bem como os de Stoklos.

Apesar de não haver fundado uma escola específica para difundir seus conhecimentos,

Stoklos tem realizado e participado de atividades de incentivo à produção teatral, pesquisa e

criação de performances, possibilitando intercâmbio com artistas do Brasil e exterior: criou, na

década de noventa, o Prêmio Denise Stoklos, destinado ao jornalista com maior empenho em

promover, por meio de colunas e artigos, o teatro no Brasil4; em 1992, após ter se tornado tema

3
Teatro com 300 lugares, localizado no centro de Nova Iorque, em Greenwich Village e, coordenado por Ellen
Stuart e tem como característica a apresentação de espetáculos de cunho experimental.

4
Matérias sobre Denise Stoklos eram desconsideradas por este prêmio, que tinha como objetivo destacar o
melhor crítico.
12

central da tese de doutorado de Suzy Capó Sobral5 pela New York University, foi convidada pela

mesma instituição, em 2000, para atuar durante um semestre como professora, ensinando seu

Teatro Essencial para classes de teatro; em 2002 foi responsável pela criação artística do

Projeto Solos do Brasil que reuniu artistas de diferentes partes do país para estudar sob as

bases do Teatro Essencial.

A recepção de seu trabalho junto à crítica nos remete a nomes importantes da crítica

teatral, passando pelo crivo de jornalistas de peso como Alberto Guzik, Nelson de Sá e Antônio

Gonçalves Filho, programas televisivos de entrevistas como o Roda Viva e o Programa

Provocações, ambos da TV Cultura. Cito ainda os nomes do sociólogo Milton Santos e de

estudiosos na área do teatro, como Suzy Capó Sobral, Leslie Damasceno e Eduardo Coutinho.

Muito também nos diz a respeito da relevância de seu trabalho no cenário nacional o fato dela

haver contado com dois profissionais entre os mais importantes no cenário do teatro brasileiro

para serem professores assistentes do Projeto Solos do Brasil (2002): Gianne Ratto e Antônio

Abujamra, artistas de reconhecida relevância na história do teatro brasileiro. Estes colaboraram

não só com suas palestras, como também estabeleceram contato direto com o Teatro Essencial,

por meio da aplicação de exercícios práticos e críticas às performances dos alunos/artistas.

Em sua reflexão sobre aquilo que ela denomina Teatro Essencial, Stoklos destaca o

trabalho de ator sob o ponto de vista prático, desde a escolha do tema a ser trabalhado até a

condição desse ator enquanto cidadão. Conseqüentemente, sugere que o ator pode

experimentar todas as áreas criativas do teatro no seu processo de formação e apropriação de

linguagens. Em linhas gerais, trata-se de um processo que dá ênfase ao desenvolvimento

espetacular, com a criação de cenas onde predomina a figura do ator como eixo central da

execução teatral. Essa posição axial do ator adquire importância determinante na estrutura e

execução das criações, que quase sempre resultam em performances solo.

O objetivo central desta dissertação é colocar luz nessa noção, situando sua importância

no cenário teatral brasileiro e buscando compreender o processo de atuação baseado no

entendimento das etapas de composição contidas no procedimento proposto por Denise Stoklos.

5
Suzy Capó Sobral analisou três peças do repertório de Denise Stoklos: Um Orgasmo Adulto Escapa do
Zoológico (1983), Mary Stuart (1987) e Basement (1991).
13

Pretendo identificar, nas propostas da diretora/atriz, um mecanismo original para a criação e

execução da performance cênica, o qual não exclui o uso de elementos oriundos de outras áreas

artísticas. Tais elementos podem ser detectados no repertório de Stoklos no emprego, por

exemplo, de quadros que se repetem6 e que originalmente pertencem aos campos da mímica7 e

da performance art8, apresentados e discutidos em partes posteriores deste trabalho.

Este trabalho visa ainda conferir a forma pela qual os elementos de composição acima

citados participam e corroboram para a compreensão do seu teatro e da sua concepção de ator.

Para tanto, fundamenta-se em um referencial que toma por base os conceitos de corpo

propostos pela fenomenologia de Maurice Merlau-Ponty (1971), sob cuja luz podem ser

colocadas determinadas características do corpo enquanto expressão e linguagem, as quais se

revelam simultaneamente por meio da produção cênica de Stoklos. O texto abaixo pode nos

auxiliar na compreensão de como Stoklos maneja os conceitos de corpo e expressão para a

produção de linguagem:

Há diferença entre a expressão do “corpo” e a do “corpo artístico?”. Na sua semântica


coloquial, diríamos, o corpo, “Sozinho”, não tem obrigações de sucesso de comunicação.
Já o corpo “artístico” só existe se em processamento de gestualização eficiente. A grande
convergência é que ambos estão em permanente manifestação para uma platéia mesmo
que composta da intimidade de apenas um espectador.
Ora, vejamos. Se eu ando ou corro. Se eu paro ou separo. Se eu escorrego ou me
encosto. Se eu me estico ou me aconchego. Se eu te olho de frente estando meu tórax
de lado. Se eu te olho de lado estando meu peito de frente. Se eu te enfrento de olhos
baixos e curvada. Se eu me curvo e de olhos abertos te encaro. Se eu te rondo e nunca
paro. Se eu te paro, mas não te rondo nunca. Se eu te agarro, se eu te empurro.
Se eu te chamo ou se te calo. Se eu te beijo ou te cuspo o rosto. Se eu puxo pra mim
seus ombros ou te passo nos pés uma rasteira. Se eu te envolvo em carícias sem te
tocar. Se eu toco sem nenhuma carícia. Se eu te amo ou se te odeio. Quem te conta mais
confiante o que fiz? Meu nome ou meu corpo?
Minha voz ou meu corpo? Sua visão ou seu corpo? Sua intuição ou seu corpo? Não. Sua
intuição e seu corpo (STOKLOS, 2002, p. 49).

Neste ponto, cabe observar que a noção de corpo, presente no estudo de Merlau-Ponty

em Fenomenologia da Percepção (1971), aponta também para a importância da compreensão

do corpo no uso de gestos e palavras em expressão. Tal compreensão se dá no modo como são

produzidos seus significados (linguagem), por meio da inquietação produzida pela relação de

6
Ver capítulo 1, item 1.2.1, ressonância 2 sobre a Mímica.

7
Chama a atenção para o trabalho de ator centrado no aspecto físico (corpo e voz): Uso de ponto fixo,
movimento isolado, gesto transformado, figuras de estilo, da técnica da parede imaginária, da prisão, da máquina de
escrever, uso da máscara facial entre outros.

8
Uso da colagem (cenas e textos), elementos de contradição, uso de espaço não convencional e repetição.
14

comportamentos experimentados na dimensão do espaço social, que considera o corpo como

expressão de conduta. Ao mesmo tempo, esse corpo se vê obrigado a criar sentidos que

justifiquem sua existência e, por isso, solicita no outro a possibilidade de parceria e troca de suas

intenções (MERLEAU-PONTY, 1971). Compreende-se aqui o termo expressão como definição

localizada no comportamento que um dado corpo é capaz de produzir em outro corpo, exigindo

reciprocamente a legitimação do seu próprio significado. Desse modo, faz-se entre ambos os

corpos um reflexo de suas próprias possibilidades, ou seja, a potência expressiva que reside na

própria essência de cada ser.

As fontes de referência dessa dissertação encontram-se subdivididas em três principais

materiais: a) fontes bibliográficas de autoria da própria Denise Stoklos9, com foco nas seguintes

publicações: Teatro Essencial (1993) e Denise Stoklos in Mary Stuart (1995); b) dissertações e

teses de autores que tratam sobre o trabalho da artista ou temas transversais, tais como a

dissertação de mestrado de Luis Maldonado, a qual trata da relação entre comunicação e

mímica (2005). Incluem-se também aqui os trabalhos dos autores: Eduardo Coutinho, que em

sua tese de doutorado discute a evolução da mímica (1993), Cristiane Moura cuja dissertação de

mestrado discute o trabalho de Denise Stoklos à luz de seus espetáculos (1998), Pedro Brício

(2000) que discute a textualidade no Teatro Essencial em sua dissertação de mestrado e

Fernando César Prado que, em trabalho de conclusão de curso de graduação apresenta a

questão da direção com foco no espetáculo Calendário da Pedra (2002) e, c) relatos de

experiência pessoal, realizados entre 2002 e 2003, durante minha participação no Projeto Solos

do Brasil.

Em termos metodológicos, além da pesquisa bibliográfica, foi realizado um levantamento

de espetáculos, vídeos e fotografias sobre o trabalho de Denise Stoklos. Das aulas e ensaios

coordenados por ela no Projeto Solos do Brasil, das quais tive oportunidade de participar, e que

serviram como ponto de apoio para compreender os encaminhamentos ideológicos e práticos do

Teatro Essencial, bem como de uma série de entrevistas feitas posteriormente com alguns

colegas de Solos do Brasil, também extraio alguns dos textos apresentados no decorrer da

9
Todos os seus livros, sem exceção, foram produzidos pela série 25 anos, selo criado em homenagem aos
seus 25 anos de teatro, momento em que descortina seu Teatro Essencial por meio da escrita, após longo período de
pesquisa na produção de textos e adaptações para teatro e espetáculos.
15

dissertação. No que se refere aos vídeos e fotografias, chamou minha atenção o fato de

encontrar em diferentes imagens a ilustração de algumas questões relevantes acerca da

necessidade de procedimentos técnicos e estéticos específicos para o desenvolvimento da

abordagem do solo performer. Tais procedimentos encontram-se em relação direta com as

mudanças de paradigmas de ator na pós-modernidade. Assim, tais imagens mostram-se como

reflexo do meu desejo de discutir as características desse ator que se assume como performer e

que aparece sozinho no palco, no desenvolvimento de uma prática que constitui o objeto de

estudo deste trabalho.

O corpo textual da presente dissertação divide-se em três partes:

1)Descrição acerca da poética teatral desenvolvida por Denise Stoklos; 2) Discussão dos

princípios de atuação encontrados no teatro essencial e, 3) Relatos de experiência pessoal, com

apontamentos para possíveis contribuições do procedimento estudado para o teatro brasileiro

contemporâneo. O presente trabalho visa, portanto, esclarecer algumas questões acerca do

conceito de ator no Teatro Essencial de Denise Stoklos por meio da investigação dos elementos

estruturantes de uma abordagem que reconhece no fim das dicotomitas mente/corpo, autor/ator,

criador/obra, a abertura necessária para o desenvolvimento de uma dramaturgia do corpo do

ator. Tal abordagem imprime uma transformação ao paradigma de ator, que de ator-intérprete

passa a ser ator-criador.


16

1 TRAJETÓRIA DA ARTISTA

Duas perguntas fundamentais nortearam o desenvolvimento deste primeiro capítulo: se

existe um conceito de ator inerente ao trabalho de Denise Stoklos, quais são as bases de sua

formulação? E, como esta noção foi afirmada no trabalho da artista? Na tentativa de responder a

estas questões, encontrei, nas proposições de Stoklos sobre o Teatro Essencial, alguns

elementos que chamam a atenção para o trabalho de ator centrado no aspecto físico (corpo e

voz), que apontam para a adoção de procedimentos específicos e sugerem o emprego de

algumas resoluções técnicas e de composição para a construção da cena.

A elaboração prática deste teatro se dá em articulação com uma abordagem ideológica

marcada por uma cultura híbrida, própria de seu tempo. Neste sentido, idéias tais como, por

exemplo, “a atriz torna-se já a mensagem em si”, (STOKLOS, 1993, p. 32) indicam uma

concepção espetacular centrada na figura da atriz, aquela que cria e elabora seus próprios

projetos, traduzindo uma noção de ator que tem vínculos com um pensamento cênico pós-

moderno.

Em consonância com este argumento, Márcia Strazzacappa define o artista cênico que

se manifesta em nosso século, como:

Aquele cuja obra não é um objeto exterior a ele, mas está nele próprio. Em outras
palavras, é aquele que traz em seu próprio corpo o resultado de sua arte. A percepção de
que o corpo do artista cênico é, ao mesmo tempo, o agente e o produto de sua obra de
arte possibilitou a conscientização de que o desenvolvimento de um trabalho corporal
interfere no resultado final da obra cênica, mesmo apoiando-se em outros recursos.
Enquanto agente, o corpo é técnica; enquanto produto, ele é arte (STRAZZACAPPA,
1997, p.163).

Nas performances de Stoklos, procurei o referencial necessário para a compreensão de

sua concepção teatral e como isso repercute em possíveis procedimentos para o ator

interessado na idéia de um Teatro Essencial. Neste sentido, procuro apontar para a presença da
17

idéia de ator essencial no trabalho de Stoklos desde a genealogia de seu processo criativo até a

formulação do conceito em si, contextualizando-o historicamente, e estabelecendo relações

conceituais com a mímica e a performance art. Para realizar essa tarefa, subdividi a trajetória de

Denise Stoklos em três fases que privilegiam tanto a ordem cronológica dos fatos quanto a

presença de algumas formulações de ação que, ao longo do todo, por vezes ultrapassam as

fronteiras entre uma fase e outra, o que se dá em função do transbordamento de idéias no

percurso da artista. As três fases às quais me refiro são: fase do encontro, fase da gestação e

fase do nascimento e seus respectivos elementos de ressonância (Mímica e Performance art ou

Teatro Performático), que tem como característica comum o fato de serem estrangeiros ao

universo de conhecimento prático no teatro brasileiro até então (1960), e que chegaram ao

mesmo tempo em que Stoklos foi se afirmando no teatro, por meio de contato direto ou indireto,

mas com profunda capacidade de absorção de conhecimento.

Ao perguntarmo-nos acerca da presença de um denominador comum entre estas três

fases, percebemos que as fases acima mencionadas encontram-se relacionadas entre si pelo

desenvolvimento de uma escrita (texto) que se dá por meio das necessidades da atriz em

direção à escritura cênica (linguagem). Cabe destacar as mudanças de padrão de operação

destes elementos a cada novo espetáculo, isto é, a repercussão, ao longo do seu percurso

artístico, da reconfiguração de quadros cênicos que se repetem. Na busca por renovação e ao

mesmo tempo pela manutenção da liberdade de escolha, tais quadros aparecem enquanto

instrumentos (técnicos e formais) de trabalho, como: movimento isolado de partes do corpo,

gesto transformado, figuras de estilo (mímica), presença de música, coreografia, texto, citação,

reprodução, colagem, uso de ponto fixo, gesto transformado, figuras de estilo, máscara facial,

oposições e espaço-tempo presente.

No século XX, filósofos da corrente fenomenológica como Maurice Merleau-Ponty (1971),

relacionaram os conteúdos tempo e espaço como elementos estruturantes na concepção do

corpo e no comprometimento com a liberdade10, como condição necessária para nossa

10
A liberdade é entendida aqui como um plano de ação de transformação da realidade vivida.
18

experiência no mundo. Conforme esta visão, a liberdade só pode ser alcançada por meio da

apropriação da situação natural e social à qual o sujeito encontra-se submetido.

Para a fenomenologia, a discussão sobre liberdade não se dá no plano teórico, e sim a

partir da liberdade do sujeito encarnado, localizado como ser em relação com o ambiente de seu

tempo. Na linguagem da fenomenologia, traduzimos os dois pólos liberdade como a antinomia

facticidade (imanência) versus transcendência (MERLEAU-PONTY, 1971). A facticidade é a

dimensão de coisa que todo ser humano tem, é o conjunto das suas determinações. Segundo a

facticidade, encontramo-nos no mundo em um corpo, somos pertencentes a uma família, a um

grupo social e situamo-nos em um tempo e espaço que não escolhemos. No entanto, de acordo

com a possibilidade da transcendência, não estamos no mundo da mesma forma que as outras

coisas estão. A transcendência é a ação pela qual o ser humano executa o movimento de ir além

dessas determinações, ainda que não necessariamente para negá-las, mas para dar-lhes

sentido dentro de uma dimensão de liberdade. A questão da liberdade surge, portanto, da

tentativa de superar a contradição existente entre a facticidade (imanência) e a transcendência.

Assim, esses dois conceitos que aparentemente encontram-se em pólos

irremediavelmente opostos, em Merleau-Ponty acabam sendo indissoluvelmente ligados. O autor

desfaz a idéia tradicional de que de um lado está o mundo dos objetos, do corpo, da pura

facticidade e, de outro, o mundo da consciência e da subjetividade, da transcendência. A

realidade externa não aparece da mesma forma à percepção das pessoas, mas se dá a partir da

vivência de cada um; não surge por meio de uma consciência explícita, mas por um modo de

existir e de dar sentido ao mundo.

Da relação entre a imanência e a transcendência surge o vínculo vivo entre arte e vida o

qual detecto na biografia de Stoklos e que orienta a minha compreensão de sua obra. Um

exemplo disto diz respeito à segunda fase: o evento da maternidade em sua vida coincide

historicamente com o momento final da ditadura, a partir do qual se passa a observar uma maior

abertura no Brasil. Neste caso, o nascimento do seu primeiro filho pode ser considerado como

metáfora de um novo ciclo que se iniciou na vida da artista, tanto sob o ponto de vista pessoal

quanto artístico. Esta fase também representou um período de isolamento, em que a artista se

submeteu, uma vez mais, ao exercício da escrita, em um retorno ao seu primeiro gesto para com
19

o teatro, e ainda, ao encontro com conteúdos estruturantes (temas) que vieram se tornar uma

constante em sua dramaturgia, tais como o Brasil, a organização social, a ecologia, a

maternidade e a liberdade.

No texto El Teatro y la Revolução Permanente, publicado no livro Sociologia Del Teatro,

o sociólogo Jean Duvignaud (1980) articula seu discurso a partir do universo produzido pelo

teatro em relação permanente com as sociedades, não havendo para ele exclusivamente uma

sociedade, mas sociedades, ou seja, diferentes grupalidades que se organizam de acordo com

as transformações do tempo e do espaço produzidas pelo próprio homem.

Partindo de diferentes níveis de contato entre teatro e sociedade, compreende-se assim

que a solo performance é uma expressão que emerge das necessidades de seu tempo. Não

apenas pelo quanto se está inserido, mas de que maneira o homem insere-se na sociedade em

que vive. “...es absurdo preguntarse si el teatro refleja a una sociedad, ya que es la sociedad

realizando estéticamente el desarrollo enfrentado de la revolución permanente” 11 (DUVIGNAUD,

1980, p. 513). Há, portanto, diferentes níveis de relação espetáculo-sociedade de acordo com

essa visão. Resta-nos saber: quais são? Que tipo de necessidade instalada na sociedade a solo-

performance expressa ou atende? Qual a expressão característica do nosso tempo que melhor

explica a necessidade, ou o aparecimento da solo-performance?

Duvignaud (1980) afirma ainda que as formas de criação e representação estão

diretamente comprometidas com as tramas da vida e que, por esse motivo, nunca estão fora do

ambiente social. Faz, portanto, referência ao “fora” como um lugar criado e ocupado pelo próprio

homem (o outsider, o que está à deriva ou na periferia), seja pela falta de espaço ou excesso do

mesmo. Assim sendo, este “fora” ao qual se refere Duvignaud é mais uma forma que o homem

encontrou de fazer parte da sociedade, com potência para sucessivas transformações. Em

outras palavras, o exterior pode ser entendido como uma condição do interior, ambos existindo

em relação de inter-dependência, isto é, um só existe porque o outro também existe. “O exterior

e o interior são ambos íntimos; estão sempre prontos a inverter-se, a trocar sua hostilidade. Se

há uma superfície-limite entre tal interior e tal exterior, essa superfície é dolorosa dos dois lados”

11
É absurdo perguntar-se se o teatro reflete uma sociedade, já que é a sociedade realizando esteticamente o
desenvolviemnto enfrentado pela revolução permanente (Tradução da autora)
20

(BACHELARD, 2000, p. 221). A partir desta reflexão, pode-se afirmar que, de maneira análoga,

só existe o grupo porque existe a solo performance como procedimento. A solo performance

que, enquanto linguagem, aparece inicialmente fora do ambiente tradicional de teatro,

paulatinamente vai ocupando um lugar destinado a experimentações e provocações do

ambiente artístico, tendo em vista a hibridez de seu caráter.

Trazendo o Teatro Essencial para este contexto de discussão, pode-se verificar que um

dos seus principais preceitos é o lidar com a transgressão que se origina da tentativa de agir na

superação de si mesmo. Trata-se de afirmar que a transformação social só é possível se o ponto

de partida for a micropolítica: “Não são mais necessários fuzis, canhões, batalhões ou

guerrilheiros. A tática agora é outra: quanto mais mudarmos o pequeno espaço onde estamos,

mais mudaremos a sociedade”.12 A mudança ocorre, portanto, por meio do engajamento pela

vida, reforçando-se convicções através da postura que o artista assume em sua vida cotidiana,

bem como no palco.

Neste sentido é que localizo, no Teatro Essencial, o “fora” como elemento próprio do

corpo performático, em seu comprometimento com alternativas oferecidas por este corpo

mesmo. É um teatro que realiza o exercício de reconhecer as profundas, porém fugidias

conexões entre o lugar e o “fora de lugar”, o grupo e o performer, o certo e errado, a obediência

e a desobediência, a fidelidade e a traição, a tradição e a renovação, o monólogo e a solo

performance. Busca a transcendência a partir do próprio contexto, engendrando transgressões,

“questionando as estruturas de poder, desmistificando mestres, reconquistando o ‘fora’ do ator

para garantir sua evolução” (MOURA, 1997, p. 59).

No Teatro Essencial o tema da essencialidade aparece vinculado às escolhas do ator, e

no lugar de alguma personagem, é localizado a persona que serve para designar tanto um papel

social, quanto um papel a ser interpretado. Presente na elaboração de projeto de cena, o

discurso de Denise Stoklos aponta para um conceito de essencial que se revela como condição

para a criação de um novo aspecto cênico em consonância com a natureza própria do performer,

partindo do contexto de onde vem, para refletir sobre a realização de um teatro calcado na

12
Entrevista de Denise no jornal Brasil de Fato, Edição n. 128, de 11 a 17/8/2005.
21

essência do próprio sujeito, ou seja, em trajetória própria, única e intransferível e até mesmo

autobiográfica.

Para uma melhor visualização dessa trajetória apresento abaixo um quadro onde estão

relacionados, desde 1968, os trabalhos desenvolvidos por Denise Stoklos:

Ano e local de Espetáculo (solo ou em Outros Funções desempenhadas


estréia grupo)
1968/Curitiba PR Em grupo: Circulo na Lua, Atuação e autoria da peça.
Lama na Rua
1968/Curitiba PR (Livro publicado) Autora
Circulo na Lua, Lama na
Rua
1970/Curitiba PR Em grupo: Via Crucis Atuação; Direção de Oraci
Gemba
1970/Curitiba PR Em grupo: Arena Conta Atuação; Direção de Oraci
Tiradentes Gemba
1970/Curitiba PR Em grupo: Arena Conta Atuação; Direção de Oraci
Zumbi Gemba
1970/Curitiba PR Vejo o Sol Autoria da peça
1972/Florianópolis Em grupo: Atuação; Texto e Direção de
SC O Contestado Romário de Boreli
1973/Rio de Janeiro Em Grupo: Missa Leiga Atuação; (em cena Stoklos e
JR Sérgio Brito) Direção de Ademar
Guerra
1973/Curitiba/PR Cadillac de Lata Autoria da peça
1974/São Paulo SP A Serpente (tele-teatro) Atuou (direção Antunes Filho)
1974/São Paulo SP Em grupo: Bonitinha Mas Atuou (direção Antunes Filho)
Ordinária
1975/São Paulo SP O Duelo Atuação
1976/São Paulo SP Em grupo: Sai de Mim Atuação; Direção de Luis Antônio
Tinhoso Martinez Corrêa
1976/São Paulo SP Vamos Brincar de Papai e Atuação
Mamãe Enquanto seu Freud
não Vem
1977/São Paulo SP Em grupo: Um Ponto de Luz Atuação; Direção de Fauzi Arap
com Royal Bexiga´s Company
1979/Londres (Reino Solo: Denise Stoklos on Atuação
Unido) Woman Mime Show
1979/Londres (Reino Em grupo:Theree Women in Atuação
Unido) High Heels
1979/Londres (Reino Em grupo: Nuts Atuação
Unido)
1979/Londres (Reino Em grupo: Is Dennis Really Atuação
Unido) The Menace
1980/Londres (Reino Solo: Denise Stoklos – One Atuação, autoria da peça e
Unido) Woman Show criação.
1982/São Paulo SP Solo: Elis Regina Atuação, autoria da peça e
criação.
1982/São Paulo SP (telenovela/ Atuou
Bandeirantes) Ninho da
Serpente
1982/São Paulo Hamletto Atuação
1983/São Paulo SP Em grupo: Maldição
1983/São Paulo SP Monólogo: Um Orgasmo Atuação; Direção de direção
Adulto Escapa do Zoológico Antonio Abujamra
1985/São Paulo Em Grupo: Briga de Foice Atuação
1986/Rio de Janeiro Habeas Corpus Co-criação e autoria da peça
JR

continua
22

Conclusão

1987/São Paulo SP Solo: Denise Stoklos in Atuação, adaptação, autoria da


Mary Stuart peça, dramaturgia e parte do
texto.
1988/ Nova York Solo: Denise Stoklos Atuação, adaptação, autoria da
(Estados Unidos) Unearths Ramlet in Irati ou peça, dramaturgia e parte do
Hamlet em Irati texto.
1990/São Paulo SP Solo: Casa Atuação e autoria da peça.
1991/Nova York Basement Atuação
(Estados Unidos)
1992/São Paulo SP (Livro publicado) Autoria (poesias)
Tipos
1993/São Paulo SP (livro publicado) Autoria
500 anos – Um Fax para
Cristóvão Colombo
1993/São Paulo SP (Livro publicado) Autoria (manifesto)
O Teatro Essencial
1993/ São Paulo SP (livro publicado) Amanhã Autoria (romance)
será tarde e depois de
amanhã nem existe
1993/ São Paulo SP Mary Stuart Autoria
1993/São Paulo SP Des-Medéia Autoria
1993/Estocolmo Performance: Jardim de Atuação e composição das
meteoros músicas
1994/São Paulo Solo: Des-Medéia Atuação, adaptação, dramaturgia
e parte do texto
1994/Rio de Janeiro Performance: Nina Simone Autoria do vídeo e fotografias
RJ Sings for us na MAM que compuseram a exposição
1995/São Paulo SP Em grupo: Elogio Atuação, adaptação, dramaturgia
(Grupo formado por seus e parte do texto
filhos Thaís e Piatã, e pela
cantora Cida Moreira)
1996/São Paulo SP Em grupo: Mais Pesado que Coordenação artística e atuação
o Ar / Santos Dumont (em cena com Guilherme Weber
e Ricardo Napoleão)
1997/São Paulo SP Solo: Desobediência Civil Atuação, adaptação, dramaturgia
e parte do texto
1997/São Paulo SP (Livro publicado) Autoria
Desobediência Civil
2002/Rio de Janeiro Selvagem como o Vento Direção
JR (espetáculo solo com
Carolina Ferraz)
2003/Rio de Janeiro Participação no Show e cd Leitura do poema O Poeta Come
JR da cantora Maria Bethânea Amendoim, texto de Mário de
Andrade
2003/São Paulo SP Solo: Calendário da Pedra Atuação e direção
2005/São Paulo SP Solo: Olhos Recém Atuação, direção e iluminação
Nascidos
Quadro 1 - Trabalhos desenvolvidos desde 1968

O caminho escolhido no presente texto foi pensar o trabalho de Denise Stoklos à luz do

seu universo espetacular, relacionando este com as transformações temporais que se

sucederam ao longo de sua trajetória, desde a produção do seu Teatro Essencial. Por força

desse tema, que está tão próximo da pessoa Denise Stoklos, não se pode desconsiderar fatos

importantes que aconteceram no decorrer da vida da artista como um elemento a ser vinculado

com os processos criativos abordados. Daí a importância da presença, neste texto, da menção
23

de eventos de sua vida pessoal que julgo terem sido transformadores do seu teatro como, por

exemplo, o tempo de estudos na Europa e a já citada maternidade. Além disso, fatores históricos

e culturais citados ao longo do corpo da dissertação, me auxiliam a avançar em direção ao

contato com a obra da artista. Para tanto, adotei um enfoque cronológico, pois este é mais claro

e sensível à fixação das reflexões sobre cada uma das fases.

1.1 FASE DOS ENCONTROS

Enquanto estrutura de organização, a primeira fase (encontro) corresponde ao período

de iniciação e formação artística de Denise Stoklos. Em 1968, então com dezoito anos de idade,

Denise Stoklos residia em Curitiba, onde estudava na Universidade Federal do Paraná e na

PUC. Além disso, neste período, participava como editora de um telejornal local, em um quadro

de editoria sobre assuntos do dia. Seu desabrochar para o teatro começou pela produção de

textos para o teatro e, se por um lado, esta é uma atividade que se caracteriza pela

individualidade e até mesmo por certo grau de isolamento, seu trabalho como escritora era,

neste momento, exclusivamente voltado à produção de textos para o grupo de teatro

Ferramenta. Textos, portanto, que envolviam a presença de várias personagens – ou seja, uma

escrita de diálogos, não de monólogos. Seus primeiros textos com este caráter incluem: Círculo

na Lua, Lama na Rua (1968), A Semana (1970), Vejo o Sol (1970), Mar Doce Prisão (1971) e

Cadillac de Lata (1973).

Denise Stoklos iniciou sua carreira com o espetáculo Círculo na Lua, Lama na Rua

(1968), de sua própria autoria, no qual, além de atuar, foi também responsável pela cenografia,

direção e produção. Após esta primeira experiência de caráter autodidata, no estado do Paraná,

passou a buscar novos espaços, participando de outras montagens e absorvendo noções de um

ofício no qual a experiência viva foi condição imprescindível para seu desenvolvimento e

aprendizado.
24

Apesar de seu trabalho ter experimentado maior destaque no que tange à solo

performance, sua abordagem passou por períodos de intenso compartilhamento de criação, em

particular na fase que compreende historicamente o período da ditadura militar. Neste período,

destaca-se a sua experiência com espetáculos realizados em grupo, sendo natural que o fato

sócio-político da ditadura tivesse motivado Denise Stoklos – assim como outros artistas,

intelectuais e estudantes da época – a buscar na coletividade (neste caso, a atividade teatral em

grupo) alguma resposta para o momento cultural e político vivido pelos brasileiros neste período,

sendo responsável pela criação de grupos de teatro e participações em espetáculos de outros

tantos grupos teatrais.

Em 1968 criou o Grupo Ferramenta tendo, reunindo atores motivados pela possibilidade

de fazer teatro através da montagem do texto Círculo na Lua, Lama na Rua. No exemplo abaixo,

o registro histórico da fundação do grupo, em uma foto na qual vemos o grupo reunido em

meados de 1968, composto pelos atores locais, podem ser vistos logo abaixo em pé esquerda

para a direita Humberto Schaich, Cristóvão Tezza, Denise Stoklos, Joatan e, sentados Vera

Salamanca, Gilberto Camargo, Wanda Cristina, Ciro Camargo, Heloisa Rodrigues e Raul

Bianchi.13

Figura 1 – Grupo Ferramenta

Fonte: http://www.cristovaotezza.com.br

13
Foto estúdio Bianchi, de Ponta Grossa (PR), 1968 ou 1969.
25

Como relata a própria Stoklos, já nesta época estava interessada em desenvolver um

trabalho que colocasse ênfase no aspecto físico da arte do ator. Este grupo tinha como

referência o teatro desenvolvido por Wilson Galvão Rio Apa em Antonina, no litoral do Paraná e

posteriormente em Florianópolis (Santa Catarina). Também jornalista, ator e diretor de teatro, Rio

Apa tinha como projeto de teatro, neste mesmo período, unir a arte à vida. Stoklos encontrava-se

motivada pelas experimentações de Rio Apa, como a negação da literatura ou qualquer texto fixo

e até mesmo a recusa em utilizar a dramaturgia como elemento a priori na concepção do

espetáculo, valorizando o improviso e a presença do corpo em cena. Apa foi também um

precursor da inclusão no teatro de dois discursos que posteriormente aparecem como

dominantes no trabalho de Stoklos: a ecologia e a liberdade. Na década de sessenta, Rio Apa

imprime radicalidade em sua experimentação teatral:

... Rio Apa descarta não só o texto fixo, mas a própria palavra, propondo um teatro de
catarse em contrapartida a uma arte que, limitada racionalmente a um texto escrito, lhe
parecia então morta e sem perspectivas. Mais uma vez, estamos diante de um trabalho
que se recusa a ser apenas um objeto estético; na verdade, a proposta de Rio Apa supõe
uma atitude diante da vida, uma revolução pessoal. O seu teatro sem palavras deveria
representar o mergulho do ator em sua realidade subterrânea, digamos assim, para
"purificá-lo", retomando o clássico sentido aristotélico sobre a função catártica da
tragédia. Abandonando os palcos convencionais, apresenta suas peças em bares e locais
públicos de Curitiba e São Paulo - a proposta assumida por ele terá pontos de contato
com a teoria do polonês Jerzy Grotowski e seu espetáculo ritual fundado em arquétipos e
centrado no ator, que só mais tarde chegaria ao Brasil (Cristóvão Tezza. Site
http://www.cristovaotezza.com.br> acesso em: 01 de abril de 2007).

Neste momento, por ser estudante de jornalismo e ciências sociais, a principal influência

no universo particular de Stoklos vinha do ambiente universitário ao qual pertencia, conforme

consta no depoimento de Maria Amélia, amiga de Stoklos da juventude, para o tablóide digital 14.

... até que ponto a Denise amiga, conservou sua modéstia e simplicidade dos dias em
que chegando a Curitiba, no inverno de 1966, aqui recebia suas primeiras informações
artísticas. Nos tempos em que Jamil Snege e Wilson Galvão do Rio Appa eram espécies
de gurus culturais em saudáveis reuniões boêmias artísticas que cruzavam a madrugada
da Velha Adega, Denise ali, embevecida, ouvia os amigos mais velhos e experientes, em
torno das coisas da arte e literatura (http://www.tabloidedigital.com.br> acesso em 30 de
outubro de 2006).

14
O texto foi produzido pelo jornalista Aramis Millarch, que trabalha há mais de trinta anos como jornalista com
foco em cultura e história no estado do Paraná, o Tablóide digital reúne textos publicados desde 1957.
26

Sua estréia no teatro deu-se em espaço universitário, o que leva a crer que Stoklos já

tinha apreendido noções básicas sobre teatro e alguma técnica especifica de atuação do

ambiente político e ideológico da universidade naquele período. Segundo o professor e

romancista Cristóvão Tezza, que participou do movimento teatral de Curitiba das décadas de

sessenta e setenta e que fez parte do Grupo Ferramenta, confirma que Denise Stoklos teria

sofrido influência do teatro provocativo de Wilson Rio Apa, que naquele período era rico em

idéias de liberdade, não sendo Stoklos figura tão autodidata como costuma afirmar ter sido.

Cristóvão Tezza afirma que participou também de performances teatrais orientadas pelo diretor

Rio Apa e que, contava com o apoio do espaço universitário para ensaios e eventuais

apresentações, em entrevista para esta dissertação afirma que:

A criadora, líder, autora, diretora do grupo era a Denise. Lembre-se de que eu tinha 16
anos, por aí, ávido por participar de tudo que contestasse o sistema. Tenho agora comigo
o livro da Denise com o texto da peça de que participei: "Círculo na lua, lama na rua".
(Edição O Debate, 1969). Impresso em Irati. Diz o texto da primeira página: "Círculo na
Rua, Lama na Rua estreou no dia 27 de novembro de 1968, numa produção do Grupo
Ferramenta, da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Paraná, no Teatro de
Bolso de Curitiba. Seguem os nomes do elenco e equipe. Eu apareço no item
"Iluminação". Sintomaticamente, a epígrafe é uma frase de Alceu Amoroso Lima:
"Precisamente por serem filhas da liberdade, as artes constituem um fator de libertação
dos povos" (TEZZA, informação verbal 02 de maio de 2007).

Estes fatos marcaram a juventude e conseqüentemente o percurso cumprido pela jovem

Stoklos que, neste sentido, após o período da ditadura, declarou: “Fui sempre militante. Nunca

pertenci a nenhum centro acadêmico nem fui filiada a nenhum partido ou organização nunca,

mas estive em muitas passeatas, nos movimentos estudantis de rua e de alma”. (STOKLOS,

1993, p.26).
27

FIGURA 2 - Foto: Rio Apa (foto de 1979)


Fonte: http://www.cristovaotezza.com.br/p_cronologia.htm

A militância mencionada por Stoklos, ao dizer “de rua e de alma”, parece chamar atenção

para a necessidade de acrescentar valor àquilo que está fora de ambientes formais ou à mercê

de organizações de qualquer ordem, tendo como interesse o estado de não pertencimento (o

não pertencer a uma instituição ou movimento específico), procedimento que pode ser definido

como anárquico. Amplamente defendida pela artista, essa forma de “militância” pode ser

compreendida como uma forma de dar importância ao devir, aos bons encontros provocados

pelo acaso (da rua) ou por ideais em comum (da alma). Na execução de ações ou movimentos

para ir além das determinações oficializadas, não necessariamente as nega, mas lhes dá um

outro sentido, havendo um investimento na dimensão da liberdade – transcendência – sem que

haja necessariamente a condição do pertencer.

Como resposta a esta condição, ainda no Paraná, surgiram algumas tentativas de ações

culturais contrárias ao estado de submissão e manifestações de rebeldia de diferentes

proporções, que buscavam liberdade de expressão e conhecimento por meio de performances

teatrais. No contexto da repressão política desta época, e com objetivo de encontrar

procedimentos libertadores que se opusessem à estrutura repressiva vigente, o teatro

paranaense que vinha se afirmando no âmbito universitário aos poucos passou a buscar

espaços alternativos, como a Velha Adega em Curitiba, que servia de ponto de encontro para
28

artistas, escritores e filósofos. Ao mesmo tempo esse teatro começou despertar interesses,

sendo que desta ocasião datam dois textos de crítica ao trabalho de Denise Stoklos: "O Círculo

de Denise", por Philomena Gebran (1968), artista plástica bastante conhecida no Paraná; e

"Denise fez um círculo na lua com ferramenta", pelo jornalista Doream (1969).

Esse interesse pela cena teatral universitária no Paraná se deu pela necessidade de

buscar outros referenciais em relação ao que estava acontecendo no teatro e na cultura da

época, gerando novas perspectivas e trocas com experiências tanto da Europa, como do

restante da América Latina, conforme descreve Doream Jr. em sua crítica ao espetáculo Círculo

na Lua, Lama na Rua para o jornal O Debate de 1969:

A peça termina com uma seqüência de slides coloridos, onde são focalizadas as duas
personagens: a que luta e participa. E a outra que se omite, mas que alcançou sua
realização pessoal. Aliás, estão aí as duas opções: lutar ou fugir. E ambas são válidas,
desde que ato consciente. No texto do Círculo a segunda personagem torna-se útil à
nova ordem estabelecida, após o fechamento da fábrica de violinos desafinados, quando
é chamada a fazer a fórmula do verniz para os novos violinos. E como última figura
projetada, surge Che Guevara, não como símbolo revolucionário, mas como expressão
da devoção, da persistência e dedicação total a uma causa; como exemplo de renúncia
ao luxo e honrarias para entregar-se ao ideal (JR. DOREAM, 1969).

É neste clima que Stoklos inicia sua carreira no teatro, tomada pelo pensamento

ideológico daquele momento, sendo possível perceber que seu fazer teatral chamava atenção

para temas relacionados às necessidades daquele momento histórico e político. É interessante

perceber que, do ponto de vista estético, isso se dava à maneira de Rio Apa, Isto é, a vida que

aparece colada à arte. No espetáculo Círculo na Lua, Lama na Rua (1968) a maioria das

personagens recebeu o mesmo nome dos respectivos atores, como por exemplo: Vera (Vera

Salamanca), Wanda (Wanda Cristina), Raul (Raul Bianchi), Denise (Denise Stoklos) e Heloisa

(Heloisa Rodrigues). Havia ainda o uso de projeção de slides15, onde os atores/ personagens

aparecem sugerindo uma luta, na qual a última figura projetada é a de Che Guevara, “não como

símbolo revolucionário, mas como expressão da devoção, da persistência e dedicação total a

uma causa” (GEBRAN, 1968).

15
O slide como precursor das atuais projeções de imagens freqüentemente utilizadas no teatro
contemporâneo, foi retomado por Stoklos nos espetáculos: Olhos Recém Nascidos (2005) e Selvagem como o Vento
(2002), período em que Stoklos afirma estar trabalhando com elementos políticos mais sofisticados, chamados de
micropolitica.
29

Segundo Stoklos, o Grupo Ferramenta já nasceu com caráter profissional, sendo que sua

primeira montagem, o espetáculo Círculo na Lua, Lama na Rua16 - escrito, dirigido e produzido

pela própria artista, com estréia no mesmo ano de sua criação, contava com produção e também

com pagamento para os profissionais que atuavam no espetáculo.

Na ocasião de sua estréia no teatro, foi convidada pelo diretor de teatro mais experiente

de Curitiba naquele momento, Oraci Gemba para fazer duas substituições como atriz, nos

espetáculos Arena Conta Zumbi (1970) e Arena Conta Tiradentes (1970), ambos no Teatro Paiol

(conhecido também como Teatro de Arena de Curitiba17). Tratavam-se de novas montagens de

textos que na época já haviam sido consagrados no Brasil através de produções do Teatro de

Arena de São Paulo. Gemba também dirigiu Stoklos no texto Via Crucis (1970), de autoria da

própria artista.

A primeira década da trajetória artística de Stoklos coincidiu com a ditadura militar

brasileira e compreende também um período pessoal repleto de buscas e marcado pela

condição cultural de alguém que, como a própria artista afirma: “sendo e vindo de um sul já não

representado (no meu país nem o sotaque paranaense entra no palco), eu já vivia um isolamento

que me impelia à crítica”. Então sai de Curitiba para Rio de Janeiro e São Paulo “em perseguição

de conhecimentos técnicos e conferimento de dados intuitivos” (STOKLOS, 1993, p. 26). A

busca destes dois elementos pode ser definida como uma provocação ao seu próprio universo

teatral, pois na tentativa de oportunizar bons encontros através da convivência em ambiente de

grupo, Stoklos teria a chance de sair do contexto ao qual ela denominava de isolamento.

16
“É uma história de uma cidade onde todo mundo toca violinos, e ninguém percebe que os violinos são
fabricados por uma fábrica só e estão desafinados. Aí o clube dos artistas, que tem o ouvido mais afinado, começa a
fazer vários tipos de ação. Uns acham que tem que chegar e pedir para alguém tocar uma peça bem difícil. Ao
requisitar uma peça mais difícil, ele percebe que o violino está desafinado. Outro grupo acha que não, acha que é
contando, contando. Outro grupo acha que... enfim, eram essas teorias maoístas, diversas formas de se conscientizar,
as pessoas de que o sistema estava errado. E aí se descobre que só tinha uma usina capaz de movimentar uma
fábrica. Então o que era preciso era não só desmontar a fábrica, mas chegar até a usina. E uma das pessoas do clube
dos artistas não consegue suportar o barulho desafinado, e vai embora, diz que vai morar numa outra cidade. Porque
ela quer estudar química. E aí na hora que eles estão chegando na usina, e eles querem fazer um novo violino. - Estão
fazendo a revolução, quebram todas as máquinas e tal - tem que fabricar um novo violino, tem que fazer um verniz,
mas ninguém sabe fazer um verniz de um novo violino. E aí volta aquela que foi estudar química. Então ela foi útil
também na revolução. Porque você pode ser útil de várias formas. Não é só pegar na arma e ir para o mato. E era,
claro, ligado ao 68, que foi o momento mais apertado da ditadura no Brasil” (CANCIO, 2006).

17
Antigo paiol de pólvora construído em 1906 e reciclado para teatro de arena em 1971. Sua inauguração
teve batismo do poeta Vinícius de Moraes, que compôs música especialmente para a ocasião. Símbolo da
transformação cultural de Curitiba.
30

A partir do depoimento supracitado, pode-se entender que no momento em questão –

isto é, o início da carreira, quando se dá o movimento de saída de seu estado de origem –

Denise via a si mesma como ilhada. Mas ao nos perguntarmos em relação a quem ou ao o quê

especificamente, percebemos que tal isolamento não era absoluto. Conforme depoimentos

coletados em entrevistas com Cristóvão Tezza e Romário Boreli, sabe-se que Stoklos, além de

trabalhar no Grupo Ferramenta e contar com o espaço da Universidade para apresentar seus

trabalhos, estava em contato direto com os diretores mais importantes de Curitiba naquele

momento – como o já mencionado Oraci Gemba.

Tampouco havia grandes abismos entre a técnica utilizada pelos atores de Curitiba e os

atores dos grandes centros tendo em vista que, naquele momento, o Teatro Guaíra desenvolvia

um curso de formação teatral o qual proporcionava a atores e diretores de teatro o intercâmbio

com a produção de outros estados do país. Não devemos considerar, portanto, a saída de

Stoklos de Curitiba como busca por uma técnica específica, mas como uma ação impelida pela

necessidade de expansão do aspecto intuitivo, pelo reconhecimento da importância de

relacionar-se com novos contextos e novas subjetividades que nascem da dialética entre o

indivíduo e sociedade. Somente essas novas relações poderiam delimitar o tipo de técnica a ser

buscada, bem como conhecer a própria técnica a qual ela então detinha. Daí compreende-se a

percepção de isolamento à qual Stoklos faz referência, que nos remete também à distância em

relação aos centros teatrais mais dinâmicos do país, tais como São Paulo e Rio de Janeiro.

Denise Stoklos afirma que: estes foram os “anos que englobam todo o período de meu

contato profissional com o teatro (iniciara escrevendo, dirigindo, produzindo e atuando em 68.

Coincidência que tenha sido também o ano de emersão dos estudantes franceses?)” (1993, p.

26). Assim o foi no Brasil no período em questão, no que se refere à necessidade pela

estruturação de um projeto de democratização. O desejo de democracia trouxe para a história do

teatro brasileiro a necessidade de se construir outras relações estéticas, impulsionadas pela

necessidade de escapar dos labirintos impostos pelos procedimentos imprevisíveis utilizados

pela censura. Convém mencionar outros artistas que, ainda no período em questão, foram

obrigados a sair do país em busca de uma pátria que os abrigasse, tais como José Celso

Martinez Corrêa (no exílio de 1974 a 78) e Augusto Boal (no exílio a partir de 1969). Enquanto
31

isso, os que aqui ficaram foram obrigados a encontrar estratégias e saídas para o complexo

relacionamento com os agentes censores da época.

Uniram-se a este combate contra a repressão cultural e social alguns grupos ou

coletividades que, reunidos em torno de movimentos de cunho questionador e sócio-

transformador, espelhavam-se no movimento hippie e nas várias facetas da contra-cultura.

Tinham ainda como exemplo a rebeldia dos jovens do Maio Francês e dos punks – os quais

chegaram posteriormente ao Brasil e se mantém com bastante expressão até hoje em capitais

como Curitiba.

A experiência cênica que antecede o panorama do teatro brasileiro em tempos de

ditadura e censura ainda tinha como alicerce modelos estéticos oriundos da Europa, modelos os

quais foram paulatinamente assumindo alguma característica nacional através do uso de

dramaturgia própria e formação local de atores. Com a ditadura, foram dados alguns passos

importantes para mudar o quadro deste período, sobretudo por meio da produção de

dramaturgia que, ainda que tivesse de driblar os censores da época, davam voz às

necessidades de liberdade e cidadania. Tal produção textual apresentava elementos de caráter

político, talhados pelo perfil do povo brasileiro, o que pode ser visto em textos como: O Rei da

Vela (Oswald de Andrade,1933), Roda Viva (Chico Buarque, 1967), Se Correr o Bicho Pega se

Ficar o Bicho Come (Viana Filho, 1966).

O teatro mais artístico refugiou-se em pequenas companhias. Com orçamentos reduzidos


e sem muito apelo ao público, ocupavam espaços alternativos, não mais experimentais e,
por vez, tentavam, suscitar uma dramaturgia nova. Dentre elas, é necessário mencionar...
Antunes Filho que congregou uma trupe experimental, com oficina de formação de
atores, destacando-se pelas notáveis encenações de Nelson Rodrigues, objeto de uma
verdadeira descoberta
(http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=716> acesso em
30 de outubro de 2006).18

O contexto social no qual se deu a primeira década da carreira de Stoklos foi, portanto,

marcado pela ditadura militar, período na política brasileira (1964 a 1985) caracterizado por uma

pausa forçada no exercício da democracia, através da supressão de direitos constitucionais.

Essa supressão de direitos traduzia-se, em termos culturais e artísticos, como o tolhimento da

18
Carlos Alberto do Santos é o autor do texto acima citado. Desde 1999, o site HistoriaNet, é coordenado
pelo Cláudio Barbosa Recco, formado em história pela USP.
32

liberdade de expressão. Segundo Stoklos, qualquer sintoma de “livre manifestação de estilo...

era desencorajado pela sociedade militar no poder e pela sociedade civil no terror”. (1993, p. 26).

Tal desencorajamento era implementado através da prática da censura, de perseguições de

ordem política e repressão aos opositores da regularidade militar. É preciso reconhecer que as

diretrizes ideológicas do trabalho de Denise Stoklos, bem como a elaboração de sua noção de

teatro tiveram seu encaminhamento senão determinado, ao menos influenciado pelo fato de sua

gênese ter coincidido cronologicamente com o período da ditadura.

Comentando as repercussões da ditadura e da durabilidade das conseqüências desse

regime no âmbito da cultura do teatro, Denise Stoklos afirma, em entrevista concedida ao

geógrafo Milton Santos (2002):

... Eu tive sorte de ter 18 anos em 68, de estar na universidade naquela época. Nunca fui
líder estudantil, nunca fui presa, torturada ou exilada por imposição. Mas convivi com
colegas que tinham liderança e com os quais eu entendi que não era possível pensar o
Brasil de uma forma macro, porque tudo naquela época era tão difícil, pequeno e limitado.
E isso me acompanhou por todo o tempo, desde que sai da universidade e comecei
minha vida teatral, vindo para São Paulo e Rio. Quando comecei a ser vista como uma
boa atriz na juventude, o único caminho era tornar-me intérprete de novela de sucesso.
Não havia possibilidade de encontrar companhias ou grupos que desenvolvessem uma
linguagem própria, o medo era grande...

A mudança de Denise Stoklos de Curitiba para o eixo Rio de Janeiro - São Paulo se deu

tendo em vista a realização de testes para atuar em espetáculos, tendo trabalhado em diferentes

espetáculos teatrais, tais como: Missa Leiga (1973), com o ator Sérgio Brito no elenco, sob a

direção de Ademar Guerra, e Bonitinha, mas ordinária (1974), dirigida por Antunes Filho e cujo

elenco contava com a presença de Luiz Antonio Martinez Corrêa e Cacá Rosset. Participou

ainda de peças curtas de Brecht, como Sai de mim, Tinhoso (1976) com direção de Luis Antônio

Martinez Corrêa, e ainda de espetáculos dirigidos por Mario Masetti, Roberto Vignati e Fauzi

Arap. Sob a direção de Antonio Abujamra, trabalhou em teleteatros da TV Cultura. Mais tarde,

em 1983, Stoklos criou e dirigiu outro grupo – este sem nome – com o qual montou o espetáculo

Maldição, e que tem sua duração associada ao tempo em que o espetáculo ficou em cartaz. Este

espetáculo traz consigo um dado curioso: a participação de sua família (pais e filhos) em cena.

Já na década de 90, em Elogio (1995), dividiu novamente o palco com seus dois filhos, além da

cantora Cida Moreira e o designer Fabio Namatame. Em Santos Dumont (1996), contou com os
33

atores Guilherme Weber e Ricardo Napoleão, os quais revezavam a cena na apresentação de

pequenos monólogos.

Desde 1979 até os dias atuais, Stoklos vem dividindo seu tempo entre a solo

performance e espetáculos feitos para ou com grupos ou artistas de teatro, além de que,

paulatinamente, vem se dedicando ao ensino do seu teatro, por meio de cursos, projetos e aulas.

Tanto no Brasil quanto em Nova Iorque, Denise Stoklos tem procurado, através da experiência

pedagógica, consolidar e divulgar um pensamento teatral. Para tanto, ela não se dedica apenas

à exposição de técnicas visando sua reprodução – pelo contrário, sua ênfase pedagógica está

na proposição de reflexões de caráter filosófico. Por isso, diferentemente das características que

se costuma atribuir ao seu trabalho, isto é, um certo individualismo ou isolacionismo que advém

da figura do artista solo performer, sua trajetória perpassa até hoje a experiência do coletivo.

Seu trabalho individual encontra articulação com seu trabalho coletivo à medida que

realiza a extensão de uma idéia autocentrada para um âmbito ampliado. Durante os dez

primeiros anos de sua carreira (1968 a 1979), Stoklos trabalhou em diversas peças e – conforme

expressão comumente utilizada por ela - “freqüentou” entre os anos de 1973 a 1979, importantes

diretores de teatro entre o eixo Rio de Janeiro – São Paulo, tais como: Ademar Guerra, Antunes

Filho, Antonio Abujamra, Fauzi Arap e Luis Antonio Martinez Corrêa. Posteriormente seguiu, em

1979, para Londres, onde foi estudar mímica. Estaria Stoklos, neste período, em busca de novos

encontros, de outras grupalidades? Ela mesma responde:

Nenhuma acomodação ou simples reforma poderiam responder satisfatoriamente à


minha necessidade clara por um teatro que não reproduzisse propostas já desenvolvidas
por outros, mas buscasse uma própria voz (e canto) e corpo (e ginga)... Fui embora do
Brasil atrás de renovação (1993, p. 26 - 27).

Stoklos trabalhou como atriz sob a direção de Antunes Filho no espetáculo Bonitinha,

mas ordinária, e ainda em uma de suas telenovelas – A Serpente – realizada na extinta tevê

Tupy em 1974 (ambos com dramaturgia de Nélson Rodrigues). Antunes Filho é um dos mais

renomados diretores do teatro brasileiro contemporâneo e sua proposta para o percurso artístico

do ator tem um ponto em comum com os preceitos stoklianos, o qual diz respeito à conquista

gradual de autonomia por parte do ator. Neste sentido cabe situar um pouco da trajetória artística
34

de Antunes Filho19: o Grupo Pau Brasil surge em 1978 sob sua direção, com uma estrutura

fundamentada no sistema cooperativista de criação. O grupo desenvolveu sua atividade por

meio de uma pesquisa sobre a obra Macunaíma de Mário de Andrade. Dois anos após o

surgimento do grupo e estréia do espetáculo, o grupo passou a se chamar Macunaíma20.

Sensível aos acontecimentos no cenário político do país, o grupo Macunaíma precisou redefinir

sua estrutura de funcionamento nos idos dos anos 80, que correspondem ao período final da

ditadura.

Neste contexto se poderia perguntar se teria chegado a hora de alimentar o desejo

particular e pessoal de cada sujeito, diretor e ator, dentro e fora da cena? Abandonando o

sistema cooperativista de funcionamento e de procedimento de criação, o grupo Macunaíma

passou a funcionar como grupo não estável e submetido à direção de Antunes Filho. Este diretor

passou então a conduzir, no CPT - Centro de Pesquisas Teatrais (subsidiado pelo SESC - São

Paulo), várias pesquisas aliadas à produção de espetáculos de teatro, culminando em

abordagens que privilegiam o ator em sua máxima expressividade.

Em 1998, Antunes Filho deu início a um projeto que dava total ênfase a tais abordagens:

Prêt-à-Porter, que visa à supremacia do artista em detrimento de pirotecnias cênicas, e coloca o

ator como criador e responsável pela própria cena, desde a criação do argumento, passando

pela confecção do texto, à criação da cena, o que estabelece uma nova autonomia para o ator,

no percurso do Grupo Macunaíma.

O Prêt-à-Porter é a busca do afastamento, para chegar à sensibilidade. O afastamento nada mais é do que
"saia da paixão e vá para a sensibilidade". Se você ficar tomado de emoção, fica travado. Mas o "Prêt-à-
Porter" ainda não é a sensibilidade plena, que o ator só vai poder alcançar com a colocação vocal. Corpo e
voz são uma coisa só. Não adianta só ensaiar voz, que não vai resolver; não adianta só ensaiar corpo. Tenho
que ensaiar as duas coisas. No "Prêt-à-Porter" ensaiei muito corpo, mas havia muita ansiedade ainda. Para
mim, a voz é a coisa fundamental do teatro. Estou chegando agora a essa conclusão, com "Fragmentos
Troianos", embora as pessoas não saibam ler e estejam estranhando o espetáculo. No início, nos primeiros
dias, a maioria era contra esse tipo de voz. Agora, já mudou. Estão vendo a eufonia da língua portuguesa.

19
Antunes filho, um dos importantes diretores com quem Denise Stoklos trabalhou, no projeto para teleteatro:
A serpente, de Nelson Rodrigues, na extinta tv tupy. Vale destacar que trabalharam juntos e apesar de Antunes filho ser
de uma geração anterior a de stoklos, ambos receberam influência de um mesmo período em comum, que foi a
ditadura, assim que mediante a passagem deste momento histórico reelaboraram seus projetos artísticos.

20
“O sucesso nacional e internacional, as muitas viagens e crises no sistema de cooperativa obrigam a
mudanças e o elenco passa a ser conhecido como Grupo Macunaíma, depois de 1980. No ano seguinte, já renovado,
estréia Nelson Rodrigues - O Eterno Retorno, baseado em quatro textos do autor. Nesse formato, ou na abreviação
Nelson 2 Rodrigues, faz 231 sessões, igualmente excursionando pelo exterior, até 1985. A complexidade do
empreendimento e as constantes viagens obrigam seja redimensionada a infra-estrutura, as condições materiais e o
aprofundamento da pesquisa contínua. Transferido para o Sesc São Paulo, o grupo encontra tais condições, através da
fundação do Centro de Pesquisa Teatral, CPT, em 1982” www.itaucultura.org.br > acesso em: 20 de junho de 2006.
35

Porque não é mais feito com projeção. É feito por ressonância


www.teatrobrasileiro.com.br/entrevistas/antunesfilho3.htm > acesso em: 22 de julho de 2006.21

Antunes Filho inaugura uma nova teatralidade (1998) com o projeto Prêt-à-Porter, tendo

como ponto de partida o imaginário do ator, onde a representação é dada a partir de suas

vivências e percepções. O projeto se constitui da construção de pequenas cenas onde atores,

organizados em duos, atuam na escolha de um tema a ser desenvolvido através da construção

de um texto próprio e na direção dessas cenas. Estes procedimentos são considerados por

Antunes Filho (que define seu papel neste projeto como o de um “coordenador”) como novos

experimentos cênicos atualizadores do lugar do ator na cena contemporânea. Em entrevista a

Revista Camarim (2004), Antunes Filho ajuda-nos a compreender o que ele espera de um ator:

Parei para me dedicar ao ator. Só tenho saída para fazer um bom teatro se eu me apoiar
no ator... Eu tenho que jogar tudo fora. Preciso deixar o ator com ele mesmo, torná-lo
simples, humilde, franciscano. Limpar tudo, permitindo o contato com a sua
espiritualidade. O Prêt-à-Porter é uma limpeza, a queima dos estereótipos, o ator com
técnica e consciência de sua arte, dono da sua expressão. E esse encontro com a própria
espiritualidade transcende a realidade, embora imite-a. Você está jogando e ao mesmo
tempo está entregue num outro nível. Justamente por isso é falso.

A teatralidade de Antunes relacionar-se-ia com o Teatro Essencial à medida que

encontramos em ambos um discurso que solicita do ator múltiplas qualidades, não restrito

exclusivamente à atuação. Nos dois casos, o trabalho do ator não se fechou em si, mas se deu

em outras instâncias, antes mesmo da cena propriamente dita, desde a escolha de um tema,

passando pela confecção de um texto até a criação da cena. A necessidade pelo engajamento

na realização da performance do ator reflete-se numa atitude autônoma nas escolhas dos temas

abordados, ainda que sob coordenação artística de um ou de outro diretor. A disciplina técnica,

no caso de Antunes, configura-se em seu método particular de ensino com foco no uso da voz,

enquanto em Denise Stoklos, dentro das perspectivas do Teatro Essencial, as atenções voltam-

se ao corpo. Em ambos, temos o mínimo de recurso – isto é, efeitos como os de cenografia e

iluminação – para o máximo de teatralidade e, por fim, a resistência à alienação é também

comum ao dois casos, ainda que manifesta em linguagens distintas.

21
O site Teatro Brasileiro existe desde 1999, o responsável pelo site é o ator Dário Yama.
36

Nos últimos anos da ditadura militar apareceu, no teatro brasileiro, a fase da “supremacia

dos diretores” (FERNANDES, 2000), ao passo que, à medida que a democracia foi restaurada,

trouxe também consigo um deslocamento das necessidades dos diretores e seus respectivos

grupos. Os indivíduos que anteriormente formavam um grupo, passaram a ser indivíduos de um

grupo, o que aconteceu com alguns dos grupos de teatro que viveram esse período de transição.

Isso caracteriza o procedimento do Grupo Macunaíma e do projeto Prêt-à-Porter, bem como a

afirmação da trajetória de Denise Stoklos como artista. Nesses casos, os valores hierárquicos

próprios da cena tradicional e da estrutura de grupo de teatro foram subvertidos, dando vazão a

uma noção formal mais individualista, mais centrada em cada sujeito. A figura do ator – que no

Brasil também passou a ser chamado de performer – passou a obter status de artista

responsável por seu próprio projeto estético de cena.

Conforme definição encontrada no dicionário de teatro de Patrice Pavis, o termo ator

consta como sendo “vinculo vivo entre o texto do autor, as diretivas de atuação do encenador e o

olhar e a audição do espectador”.

Já em Denise Stoklos, a figura do ator/performer, é representada por uma ação de cunho

pessoal, como instrumento para desenvolver a estruturação de um trabalho a partir de diversos

pontos de vista: cantando, dançando, realizando mímica, fundindo diferentes habilidades em prol

da cena. As idéias de Stoklos produzem uma noção de sujeito que constrói sua dramaturgia a

partir das experiências do corpo. Esse corpo ficcional/friccional/real dá base à idéia de um

ator/performer que representa ‘sendo’, e faz um teatro que é encontro porque é exposição do

sujeito social que é o ator no Teatro Essencial.Tal dramaturgia pode ser entendida como uma

busca pela essência do ser que se revela para uma platéia, cujo eixo central está na cena, na

limpeza dos elementos que constituem a performance, da cenografia ao gestual, permitindo a

revelação do ator para a platéia. Stoklos eliminou tudo o que considerava supérfluo ao seu fazer

teatral.

A desconstrução lhe serviu para entrar em contato com o que Grotowski (e


posteriormente Barba) denominou de fluxo de vida, isto é, a corrente de impulsos
energéticos interiores que dirigem a ação do corpo. Como uma espécie de via negativa
visando eliminar possíveis bloqueios neste sentido, Stoklos usou este procedimento como
forma de romper com a divisão entre o pensar seguido da ação e integrar a mente/corpo
na ação física. Trata o corpo não mais como um instrumento para se concretizar os
pensamentos como se fazia anteriormente, mas como o próprio pensamento (Maldonado,
2005, 81).
37

Sem abandonar o espaço do teatro, Stoklos passa a investir na força do performer,

tomando o exercício de desconstrução como instrumento para iniciar seu trabalho. Empurra,

assim, o corpo para o centro da cena, fazendo deste o produtor de idéias e construtor de

linguagem própria.

1.2 FASE DA GESTAÇÃO

Na segunda fase, chamo atenção para o duplo sentido que o termo “gestação” carrega.

Ao mesmo tempo em que a palavra indica o lapso de tempo vivido entre e durante as gestações

de seus dois filhos Thais e Piatã, refere-se também à “solidão” artística do período, e ao possível

impacto que isso teve no que se refere a uma retomada de sua produção textual. Neste período

“aconteceu para mim o fato mais importante de minha vida: a maternidade. Meus filhos me

ensinaram o sagrado, e desta revelação nunca mais se recupera. Tudo foi se resgatando do

sentido que antes deixava escapar” (STOKLOS,1995, p. 67-68).

Presente desde o início de sua trajetória, o exercício da escrita foi interrompido quando o

enfoque de Stoklos passou a ser exclusivamente voltado à sua produção como atriz, a partir de

1970. A atividade como escritora veio a ter seu

retorno marcado justamente pelas gestações, ocasião em que “se deu o inadiável reencontro:

minhas possibilidades autorais teriam de ser levadas agora ao extremo, a sério, ao concreto”

(STOKLOS, 1995, p. 28).

Localizo neste ponto da linha do tempo da trajetória da artista, a reformulação de seu

vínculo com o teatro. São relevantes dois pontos: a formação de técnica corporal por meio do

estudo da mímica e – como conseqüência desta – uma compreensão da dramaturgia além das

convenções tradicionais, a serviço da solo performance. Localiza-se aqui a gestação de um


38

teatro que, segundo Stoklos, tem características próprias, do mesmo modo que cada filho é

único e exclusivo para sua mãe. Ainda assim, é possível encontrar semelhanças com outros

artistas com trabalhos solo: os italianos Dario Fo e Franca Rame, por exemplo, reviram modelos

medievais, da commedia dell’arte (além do teatro oitocentista), em seus aspectos narrativos, de

improvisação, comicidade e toques de “absurdo” (VENEZIANO, 2002). Fo e Franca formam uma

parceria na realização de espetáculos/textos solo e de caráter atorial, como no caso do

monólogo Tutta casa, letto e chiesa, que em tradução brasileira recebeu os nomes de Um

Orgasmo Adulto Fugiu do Zoológico ou Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico (1983),

encenado no Brasil por Stoklos, sob direção de Antonio Abujamra22.

Da gestação de tal teatro e a partir da possibilidade do performer, Stoklos ergue as bases

do seu projeto estético, afastando-se de modelos pré-existentes e acumulando em seu fazer as

funções múltiplas de dramaturga, diretora e coreógrafa. O diferencial no trabalho de Stoklos –

que só vai consolidar suas características próprias na próxima fase (nascimento) – aparecerá,

portanto, na forma como esta artista irá organizar e compor os elementos formais e estruturais

do seu teatro, sejam estes essencialmente brasileiros ou não.

No início da década de oitenta, logo após uma temporada de um ano estudando práticas

teatrais na Europa, onde freqüentou aulas de mímica com Desmond Jones e de técnicas de

clown com Frank Anderson23, Stoklos começou a ganhar projeção frente à crítica especializada

por meio de espetáculos calcados na técnica, sobretudo na mímica. São dessa fase, por

exemplo, Elis Regina (1982) e Mary Stuart (1987), este último com estréia no teatro La Mama24,

em Nova Iorque. Seguiu-se o convite feito a Stoklos pela própria coordenadora do La Mama,

Helen Stuart, para aí apresentar anualmente seus posteriores trabalhos. Já na década de

noventa, gestos e movimentos corporais próprios do trabalho de pesquisa da artista

incorporaram a palavra como signo complementar da cena, consolidando um caminho de caráter

22
Segundo Veneziano (2002), há registros desta montagem na biblioteca da Compagnia Teatrale Fo e Rama.

23
posteriormente com Leonard Pit na Califórnia

24
O La Mama e o Living Theatre surgiram praticamente de forma concomitante, mas enquanto o Living
enveredava por caminhos mais próximos ao happening, o La Mama dava vazão ao teatro experimental nova-iorquino
dos anos 60. O teatro viu nascer as carreiras de Robert Wilson, Philip Glass, Andrei Serban, Meredith Monk, além de
abrigar trabalhos experimentais vindos de todo o mundo, como os espetáculos de Grotowski e de Tadeusz Kantor.
(FERNANDES, 1996, p.7)
39

autoral. Fazem parte deste período os espetáculos: 500 Anos - Um Fax de Denise Stoklos para

Cristóvão Colombo (1992) (sobre o descobrimento da América), e Des-Medéia (1994).

O nascimento da qualidade de solo performance, que veio se fixar como componente

constitutivo do Teatro Essencial, coincide cronologicamente, portanto, com sua primeira

maternidade e com ela, o retorno ao exercício da escrita por ela chamada de solitária, cujo foco

está na elaboração da linguagem cênica. Neste ponto, a palavra falada passa a ter uma

importância diferenciada em seu trabalho. “Recomenda-se à atriz que leia trinta e uma vezes a

cena 4 do ator 3 , de Hamlet, a da morte de Polonius atrás da cortina... Cada nova leitura deve

lhe trazer mais evidencia sobre a vulgaridade dos que exercem o poder” (STOKLOS, 1995, p.

40). Pode-se detectar isso em seus espetáculos, à medida que Stoklos descobre, na idéia de

performer, o sujeito que deixa de estar calado, anunciando o início de uma nova fase, onde o

texto é entendido como roteiro ou idéia para a projeção do corpo no espaço, ou ainda, como

artilharia para discutir alguma questão por meio de textos fragmentados, silêncios com foco na

expressão do corpo ou citações.

As palavras são às vezes sussurrados, às vezes gaguejadas, declamadas, gritadas e até


simplesmente articuladas coloquialmente. As entonações variam entre uma forma
expressiva convencional, em que afirmações radicais são declaradas, e mesmo em que
25
dúvidas são expostas por forma de defacetação do vocábulo (STOKLOS, 1995, p. 8).

Os temas centrais encontrados em seus textos a partir daí passam a ser: a liberdade, o

amor e a maternidade, um pouco diferente do que vimos na fase anterior na qual os assuntos

mais abordados, além de liberdade e maternidade eram: Brasil, sociedade e ecologia.

1.2.1Ressonâncias (1): Mímica

Um dos traços mais notáveis encontrados e que remete à lógica de contemporaneidade

pós-moderna, no trabalho de Stoklos é o fato da atriz dispor de uma grande liberdade de escolha

de linguagens e elementos compositivos. Certamente isso implica em um incremento de

25
Termo criado por Denise Stoklos proveniente da palavra inglesa deface, que significa desfigurar, deformar.
40

responsabilidade como artista. Cabe neste sentido um paralelo com a Commedia dell`arte,

contexto no qual o ator se via frente a uma ampla gama de possibilidades técnicas para

desenvolimento das seqüências cênicas, baseando suas representações em improvisos por

meio do uso da narrativa como forma de contar fatos e histórias. A aplicação de citações ou

números de habilidades já conhecidos e bastante praticados (acrobacias, danças, cantos etc),

servia como carta na manga para que a improvisação se desse em resposta a alguma reação do

público ou qualquer outra provocação encontrada em determinada circunstância.

Na Commedia dell`arte bem como na mímica, a concepção plástica teatral é conduzida

pelo conhecimento de uma gramática plástica comum que se revela pelo uso do gesto mímico,

uso da máscara e coreografia (danças ou acrobacias). A descoberta da mímica e uso da

máscara (facial), enquanto material técnico, contribuiu para o surgimento da segunda fase

(gestação) na trajetória de Stoklos, na qual o seu interesse aponta para o corpo como suporte de

sua arte, passando a afirmar-se mais categoricamente em seu trabalho.

Figura 3 – Denise Stoklos Fonte: www.denisestoklos.uol.com.br/

No ano de 1979, em Londres, Stoklos especializou-se em mímica e teatro físico na

escola Desmond Jones, apoiando-se nas pesquisas de Etienne Decroux e Jacques Lecoq. Com

base na disciplina técnica como plataforma para a ciência de sua arte, libertou-se do que

Decroux chamava de “império do texto”. Partindo desta experiência, estreou, em 1980, em


41

Londres, seu primeiro espetáculo solo: One Woman Show (1980), no qual assumiu os papéis de

autora, diretora, produtora e atriz, com base nas técnicas de mímica apreendidas, até então. Na

verdade, One Woman Show (1980) foi seu único trabalho que pode ser considerado estritamente

como um espetáculo de mímica em sua carreira.

Como essa linguagem era pouquíssimo explorada no Brasil – tínhamos apenas o grande
Ricardo Bandeira –, fiquei marcada pela mídia como mímica. Mas todos os meus
trabalhos seguintes foram a mescla de gesto e palavra sob uma dramaturgia que
considera o social e o institucional e que chamei de teatro essencial”, explica. Para ela, a
função do teatro é incitar reflexão e apontar as perversões do sistema sociopolítico-
econômico. Habitué do teatro político, está no centro de suas preocupações pensar o
Brasil para transformá-lo. (Jornal Spiner:
http://www.spiner.com.br/JornalSpiner/noticias.php?subaction=showfull&id=1156365995&
archive=&start_from=&ucat=33>26 acesso em 30 de outubro de 2006.

Foi, portanto, no silêncio da mímica que Stoklos encontrou possibilidades mais profundas

para o desenvolvimento de experimentações em torno do corpo – o corpo no espaço, o corpo na

voz, a voz no corpo, a língua como desafio coreográfico, e outros desdobramentos. Descobriu

nestes elementos grandes contribuições para o desempenho e evolução do corpo no espaço

cênico. Assim, constrói para si uma mímica que integra a voz ao corpo, mergulhando na

expressão das sonoridades das palavras, por meio da repetição enquanto linguagem, para

explorar outros níveis de presença e experiência cênica, através daquilo que chama de

defacetação.

Se na língua portuguesa essa palavra não existe e na língua inglesa a palavra deface
sIgnifica deformar, desfigurar, Denise inventa um novo vocabulário, “aportuguesando” a
palavra que para ela passa a significar ver as diferentes faces de uma mesma idéia, de
um mesmo sujeito, de um mesmo objeto real ou ficcional (MOURA. 1998, p.11).

As referências oriundas do universo da mímica encontradas nas obras de Stoklos são

frutos, de ação transgressiva que ganham dinâmica própria a medida que são solidificados e

transformados em uma estrutura própria. Enquanto Decroux disseca os processos expressivos

26
O Jornal virtual Spiner é um espaço destinado para jovens e diferentes grupalidades, foi lançado no ano de
2004, e tem como colaboradora a jornalista Suzi Capó que desenvolveu uma tese do doutorado sobre a partir do
trabalho de Denise Stoklos.
42

do corpo com foco no tronco, ao mesmo tempo em que critica o universo o império do texto,

Stoklos se afirma na palavra e no uso do corpo. Concentra-se em: mãos, rosto, pés, na

assimetria da figura, no equilíbrio instável, no princípio de equivalência e expansão, na

transformação da ação, na oposição muscular, no impulso (também chamado de desigualdades

com foco na musculatura) e no esforço. Sobre a técnica de Stoklos, Yan Michaski diz:

Por trás do resultado convincente está não só uma inteligência criativa, mas também uma
técnica segura e variada. Gestos nítidos, precisos, desenhados com elegância; um
domínio do corpo que permite extrair efeitos surpreendentes desse fundamento da
gramática mímica que é a variação rítmica; um rosto expressivo, versátil, capaz de
27
intensas mutações. (MICHASKI, 1981, p.2) .

Em 1982, a artista viajou para a Califórnia, onde estudou com Leonard Pit (discípulo de

Decroux) e, a partir desta experiência, com o trabalho de desconstrução gestual, criou um novo

espetáculo solo chamado Elis Regina, composto por coreografias para músicas interpretadas

pela célebre cantora brasileira.

A coreografia repetida e os congelamentos são características do tipo de marcação


conhecido pelo termo Taskacting, encenado pelos diretores pós-modernistas. Em Café
Müller, do Tanztheater Wuppertal de Pina Bausch, um homem abraça uma mulher e, ao
soltá-la, ela escorrega para o chão. Ela se levanta para depois ser abraçada de novo, e
outra vez ele escorrega até o chão, e assim por diante. (FERNANDES, 1996, p. 253).

Stoklos estabeleceu “um contraponto para a técnica decodificada de Decroux”, elegendo

arbitrariamente partes fragmentadas do corpo, sobretudo rosto (máscara), mãos e pés, como

centro expressivo para a construção da cena Essencial. Todos os trabalhos que se seguiram a

este passaram a se caracterizar, segundo a própria Stoklos, pela fusão entre gesto e palavra,

sob uma dramaturgia focada em questões relacionadas ao social e o institucional por meio de

textos próprios fragmentados, que incluem citações e narrativas ao longo de seu

desenvolvimento.

27
MICHALSKI, Yan. Denise Stoklos, uma artista do gesto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 03 fev. 1981.
43

1.3 FASE DO NASCIMENTO:

Olhe o palco vazio. Não foi o mesmo que ocupou a genialidade das peças de
Shakespeare, a audácia de Molière, abrigou os culhões de Artaud? Não, esta atriz, este
ator não há de traí-los, nem a este público, de uma ou de vinte mil pessoas, que não sabe
que está por um fio a sua vinda até aqui. E os gênios do teatro que já se foram e
deixaram este palco não podem mais fazer nada por você. Você é quem tem que honrar
suas memórias. Vai à luta. Manda ver. Solte as energias todas, dirigidas ao cerne de
cada ser que estará ali. Há um coração, uma mente e um universo bem palpável na sua
frente, em cada poltrona. Execute o ritual. Abra a sessão. Jogue-se no abismo e plaine
acima, retire-lhes o diesel das ruas, conduza-os ao paraíso instigante e fértil da arte que
entregaram a você para monitorar. Solte o cinto e boa viagem, ator. Você sabe que no
final do rito o suor de sua testa é água benta que te unge do poder divino de ter bem
servido, como um elo nesta corrente: a dos comediantes. Vale a jornada que seja
paroxista, camarada, como uma plena trepada (STOKLOS, 1995, p.14-15).

Foram necessários vinte e cinco anos de experiência com o teatro para que Denise

Stoklos desenvolvesse sua proposta estética, que ela mesma considera uma proposta brasileira,

conforme ela afirma no seu livro/manifesto Teatro Essencial (1993). A publicação, que faz parte

de uma série intitulada 25 Anos, além de estabelecer um marco na trajetória de Denise, nos

remete ao momento histórico no qual podemos localizar o germe da idéia de um Teatro

Essencial: estabelecia-se no Brasil a censura, em um período em que “o medo e o desestímulo

ao que quer que fosse original eram os padrões estabelecidos” (STOKLOS, 1993, p.26).

Na experiência ancestral da figura de Tespis, ator grego do início do século V, que ao se

destacar do coro para interpretar o deus Dionísio transgride a cena, criam-se ao mesmo tempo

as noções de protagonista e monólogo, colaborando para o que hoje Stoklos afirma ser a

existência essencializada do performer. Em Stoklos, a fase do nascimento corresponde ao

período do florescimento do protagonismo, como o próprio nome já sugere, diz respeito a

espetáculos realizados a partir de um ponto no qual a artista consolida uma prática espetacular

caracterizada pela presença solitária da atriz em cena, ora em monólogo, ora em solo

performance, e formaliza sua noção de ator e de teatro, através dos princípios por ela vinculados

ao que ela mesma define como Teatro Essencial.

Cada corpo é único, mas nunca é um, é muito mais: são todos. Inclui desde os
exclusíveis, por arredios ou química, até os gêmeos por idênticos ou simbólicos. Por
causa dessa convivência inerente, aprendemos desde cedo sinais de comunicação. E
mímicos de nascença, exercemos as linguagens que depois, através da expressão
artística, iremos exacerbar como em uma convenção de signos. Algo mágico que nos põe
em contato um com o outro, como se nos embalássemos no colo ao som de mãe
44

cantante numa capela que segue um sino, de uma mãe canção que se chamasse: você,
eu, nós. (STOKLOS, 2002, p. 49)

O caminho aparentemente solitário desta noção de teatro, que nasce com ambição de

autonomia, é acompanhado pela relação construída entre a performer e o espectador. Este

projeto de teatro não está fixado em nenhum extremo: pelo contrário, ele pode ser explicado na

relação entre estes dois lugares – palco e platéia. Neste sentido, conforme os estudos de

Cristiane Moura, Stoklos estabelece paralelo com caminho percorrido por artistas mambembes,

que têm tradição calcada na relação com seu espectador. Denise Stoklos sempre foi admiradora

da vertente popular do teatro, tendo na infância assistido a espetáculos de circo e às

chanchadas da Atlântida, que contavam com a participação de atores de formação autodidata ou

oriundos do teatro de revista. Esta vivência de aprendizagem autodidata, que não segue um

manual específico, é a mesma encontrada na jornada de outros atores na buscas por uma ação

teatral direta com seu público e ligada com suas origens.

No que tange a relação palco/platéia, no Teatro Essencial não existe uma quarta parede,

mesmo que para isso ele tenha que se expressar em outra língua ou sem palavras, lembrando

os palhaços, os bufões ou os artistas mais populares rua, para quem a falta de limites –

geográficos ou de qualquer outra ordem – é o começo para sua jornada. No caso do Teatro

Essencial, o contexto em que o espetáculo vai se dar é sempre absorvido pela cena, tal qual

acontece em Mary Stuart (1987).

O espetáculo, que formaliza em sua estrutura o que vem a ser o Teatro Essencial e o

que pode ser esperado dele, conta com duas personagens históricas que se fundem em uma

Maria, brasileira que se coloca em sofrimento com as faltas de seu país. Em Casa (1990), a

performer faz referência à energia do lugar onde está em relação à energia de Brasília, usando

como exemplo o funcionamento e potência de uma pipoqueira, na cena final do espetáculo. A

ironia faz-se presente nesta cena de forma inteligente e adequada ao seu tempo.
45

Figura 4 - Fotos dos Espetáculos Mary Stuart (1987) e Casa (1990)


Fonte: www.denisestoklos.uol.com.br/

Alguns trabalhos de Stoklos, como Um orgasmo adulto escapa do zoológico (1983),

Casa (1990) e Calendário de Pedra (2003), nos remetem a procedimentos cômicos, no uso de

artifícios de conexão com a platéia por meio da máscara facial. Nesses trabalhos, pode-se

destacar o uso de duas máscaras características: a primeira é inspirada no comediante Ronald

Golias na personagem Bronco, cujo bordão era "ô Cride fala pra mãe", com destaque para a

forma com que Golias articulava as palavras, projetando a língua para fora da boca. A segunda

é uma apropriação de uma máscara criada por seu filho Piatã Stoklos quando criança (dois ou

três anos de idade), que brincava com uma azeitona no lábio superior, na parte frontal da boca.

Essa utilização de máscara cômica, quase uma citação, permite pensar um procedimento

pelo qual a atriz, referencia modos expressivos específicos. Por outro lado, ela incorpora às suas

performances signos de rápido reconhecimento, o que potencializa a conexão com a audiência.

Figura 5 - Denise Stoklos e Ronald Golias (fotos de arquivo)


46

1.3.1 Ressonâncias (2): Performance art e Teatro Performático

Cabe aqui situar a importância de outros eventos, práticas e idéias artísticas que, ainda

que paralelas ao foco do presente estudo, podem ajudar a iluminar a noção stokliana de ator.

Considero passíveis de menção as experiências artísticas que as vanguardas28 de então vinham

desenvolvendo não só no campo do teatro especificamente, mas também em outras áreas,

notadamente das artes plásticas, assim como as interseções e interfaces entre estas diferentes

áreas. As artes plásticas retiram a palavra do seu contexto de origem, tomando-a de empréstimo

e incorporando ao seu universo referências que podem ir do uso da palavra ao corpo ao corpo

como suporte. Outras manifestações relevantes vieram, tais como o happening, a action painting

e principalmente a body art, revelar o corpo como suporte da obra.

Este enfoque sobre o corpo relaciona-se com os eixos do teatro de Denise Stoklos,

sobretudo à medida que este teatro encontra no corpo grande parte da justificativa da sua

existência e de seus procedimentos. Ou, como diz a própria Stoklos, “... Todos os temas que

encontrem no corpo do ator o empenho necessário para realizar seu esforço serão interessantes

pontos de partida e de chegada” (STOKLOS, 1993, 17).

É também num contexto de aproximação entre distintas zonas artísticas que se revela o

conceito de performance art. Esta expressão foi usada para se referir a um tipo específico de

arte que se desenvolveu a partir das artes plásticas nos Estados Unidos, em meados da década

de 1960 e que, ao dar ênfase ao experimentalismo e a arte conceitual, acabou articulando várias

linguagens artísticas. A possibilidade de estabelecer práticas interdisciplinares era amplamente

apoiada pela postura conceitual desta forma de arte, uma vez que tal postura considera como

elemento principal da arte, a idéia por trás de uma obra. Ou seja, o conceito da obra aparece

como fator prioritário em relação ao próprio resultado final que, muitas vezes torna-se

dispensável. A partir de 1960, essa forma de encarar a arte estabelece-se no mundo artístico

28
As vanguardas artísticas, são movimentos de ruptura, influenciados por mudanças sociais que tratam de
revolucionar as artes, e por sua vez modificaram os modos de se fazer teatro, tanto se mostrando nos textos, como na
estética.
47

com a repercussão das proposições de artistas plásticos como Marcel Duchamp29, em cuja obra

instala a supremacia do conceito em detrimento do produto final artístico. No teatro, estas

interferências aparecem em um tronco paralelo, mas com um mesmo referencial genealógico.

Nos Estados Unidos, o Living Theatre, influenciado pelo happening, investiu em um

procedimento performático em que tudo acontecia de fato e em tempo real, o que representava

uma tentativa de radicalização das propostas de Stanislavski, a ser projetada em direção ao

rompimento dos seus cânones. A linguagem da performance art instalou novos territórios e

estéticas corporais a partir do cruzamento das artes cênicas com as artes plásticas. Re-

contextualizando o sentido da presença do ator na cena contemporânea, a performance art

rompeu com o isolamento das áreas artísticas, dando às formas tradicionais de expressão

artística um novo contexto e sentido.

Prenunciando a performance no Brasil (1931), Flávio de Carvalho desenvolveu

experiências de intervenções teatrais com a ambição de reinventar a vida e o mundo por meio da

arte. Neste ano, Carvalho criou uma inusitada performance chamada de Experiência nº2,

invadindo uma procissão de Corpus Christi e, caminhando contra o fluxo da procissão. Em

1933, criou e montou um espetáculo teatral chamado de Bailado do Deus Morto, criando uma

expressão própria de fazer e pensar seu teatro. No entanto, segundo Renato Cohen, o Brasil

teve seu primeiro contato com um tipo de abordagem considerada performática somente na

década de 80, na cidade de São Paulo. Conforme relata este autor:

Seguindo essa trilha, comecei a estudar outros teóricos como Appia e Gordon Craig, e
acompanhar o trabalho de artistas contemporâneos com John Cage...No Brasil, alguns
artistas como Aguillar, Ivald Granatto e Denise Stoklos realizavam experiências cênicas
diferentes do que se acompanhava no teatro. Em 1982, passei fazer parte da equipe
piloto de “animadores culturais” que faziam a programação do recém-criado Sesc
Fábrica da Pompéia. Foi um tempo de grande efervescência artística e, em apenas um
mês, foi lançado o I Festival Punk de São Paulo, e o I Evento de Performances (2002, p.
21).

Este espaço teatral teve destaque, no período, por ser destinado à performance.

Também na cidade de São Paulo, o Madame Satã30 era freqüentado por talentos de várias

29
Marcel Duchamp foi inicialmente influenciado pelo cubismo, tendo posteriormente participado dos
movimentos dadaísta e surrealista. Tendo-se fixado nos E.U.A., dedicou-se à antiarte e em 1914 criou o primeiro ready-
made. Suas pesquisas viriam a exercer influência também na pop-art.
48

áreas, como o escritor e dramaturgo Caio Fernando Abreu e o diretor de teatro Zé Celso

Martinez Correa. Nestes ambientes, outros nomes como Renato Cohen, Aguillar, Ivald Granatto

e Denise Stoklos fizeram suas primeiras aparições como atores performadores. No caso de

Stoklos, ela performava apresentando pequenos quadros de mímica, utilizando desde a

tradicional parede imaginária, até a clássica cena em que o sujeito se encontra preso em uma

cena de prisão de onde tenta sair. Neste momento, observa-se um uso técnico de mímica que

não havia repercutido na sua elaboração estética profunda, como se deu posteriormente.

Estes artistas enfrentaram os cânones teatrais nacionais da época e produziram outras

formas de impacto estético. A potência expressiva do trabalho de artistas como Cohen e Stoklos

chamou a atenção para algumas de suas peculiaridades, no caso de Stoklos o uso da mímica e,

em Cohen, a incorporação do uso da tecnologia na arte da performance.

É de fato a partir desta perspectiva associada ao período em que esteve se

aperfeiçoando em Nova Iorque, momento em que experimentou pela primeira vez procedimentos

de autonomia em pesquisa e projetos, que Denise Stoklos passou a se autodenominar atriz e

performer. Atriz por ter pertencido a esta categoria, sendo no teatro com características mais

tradicionais o seu berço, e performer por sua escolha posterior ligada à produção de uma

estética teatral. Foi através do teatro que se fez enquanto artista, vindo posteriormente as

performances, a autoria de livros, as apresentações em diferentes línguas.

Denise Stoklos afirma que foi a primeira atriz brasileira a apresentar-se em diversas

partes do mundo como Moscou, Pequim, Taipei e Ucrânia. Costuma apresentar suas peças em

mais de trinta países da Europa e Américas31, representando em idiomas como inglês, francês,

espanhol, alemão, russo e ucraniano, além de seu idioma natal, o português, por meio de uma

30
Transformado em danceteria em 1983, o casarão onde hoje está instalado o atual Madame Satã, se
transformou no mais antológico point cultural do país nos anos 80. A casa fervilhava com toda a nata da música pop
brasileira da época, artistas e intelectuais. Presenciou alguns dos primeiros shows de Ira! Capital Inicial, Legião Urbana
e outras bandas nacionais além de ter sido cenário para a produção cult do cinema "Cidade Oculta" estrelada pela hoje
diretora Carla Camurati. Nos anos 90 tornou-se Morcegóvia e depois The The, até reabrir em 1999 como o novo
Madame Satã, reverenciando o passado, mas sempre aberto às novas tendências da cultura e da música. O espaço
continua aberto para todas as manifestações artísticas (teatro, exposições, shows, performances) mostrando que o
espírito da melhor casa noturna de São Paulo continua vivo."There's a light that never goes out" .
31
“Alemanha (Berlin, Braunschweig, Bremen, Colônia, Essen, Freiburg, Hamburgo), Argentina (Buenos Aires,
Córdoba), Austrália (Sydney), Áustria (Viena), Bélgica (Bruxelas), China (Pequim), Colômbia (Bogotá, Calli, Manizales),
Cuba (Havana), Dinamarca (Copenhague), Escócia (Edimburgo) Espanha (Madri, Sitges, Cadiz), Estados Unidos (Nova
Iorque, Miami, Filadélfia, Washington, São Francisco), Finlândia (Tampeere), França (Paris, Avignon), Holanda
(Amsterdã), Inglaterra (Londres), Índia (Nova Delhi), Irlanda (Dublin), Israel (Tel Aviv), Itália (Roma), México (cidade do
México, Monterrey), Noruega (Oslo), Portugal (Lisboa, Porto), Romênia (Bucareste, Brasov), Rússia (Moscou), Suíça
(Zurique, Berna, Genebra), Suécia (Estocolmo) e Taiwan (Taipé)” (STOKLOS,1993, p. 58).
49

prática desenvolvida por Stoklos, tradicionalmente utilizada pela ópera na Europa e nos EUA,

intitulada de projeção gráfica de texto. Este procedimento refere-se “à representação verbal

desenhada que ocorre, por exemplo, com a recitação em outro idioma que não sua própria

língua materna... nesta divergência (ou seria confluência?) entre som e sentido da palavra”.

Qual é a diferença de apresentar em português, ou apresentar em alemão, em inglês? Na


verdade eu já tento um teatro que não é realista nem na maneira de falar, nem nos
gestos. Então para eu apresentar em outro país, eu não preciso ter uma vivência daquele
idioma, porque eu não vou projetar de uma forma realista. São quase coreografias vocais
que eu faço. É sempre muito metafórico...
É, porque o que eu faço é meio música com a voz. Eu quase que defaceto a palavra pra
gente poder ir mais no fundo dela, uso muita repetição, para chegarmos em outro nível,
mais profundo. Desmanchar o cotidiano. E trabalhar em outros idiomas dá uma
experiência muito legal sobre isso. E além do mais, me dá a oportunidade de checar esse
teatro e ver se ele realmente fala à natureza humana, que é universal. Porque o teatro
que não é universal não funciona em todos os lugares do mundo... (Denise Stoklos –
Arquivo – Entrevista Michele
Muller:http://www.cbj.g12.br/DeniseStoklos/arquivo/entrevistamichelemuller.htm
>Acesso em 15 de maio de 2006).32

A relação de Stoklos com o universo da Performance pode exemplificada através da

menção de alguns eventos: Stoklos apresentou em Estocolmo o show performático Jardim de

Meteoros, em 1993, levando à cena – cantando e tocando – composições musicais de sua

própria autoria. Em 1994, na cidade do Rio de Janeiro, no MAM, apresentou um vídeo e

fotografias com inspiração em canções cantadas por Nina Simone. Também se percebe a

influência das artes plásticas em trabalhos como o espetáculo Louise Bourgeois – I do, I undo, I

redo33 (que não faz parte da fase tratada neste capítulo e cujo título pode ser traduzido para “Eu

faço, eu desfaço, eu refaço”). O espetáculo estreou em 2000 no teatro La Mama em Nova

Iorque, e no Brasil em 2005, no Centro Cultural Banco do Brasil - no Rio de Janeiro, contando

com cenografia e parte do texto da artista plástica Louise Bourgeois. No espetáculo, que presta

homenagem a esta artista, podemos encontrar uma Stoklos que impõe como linguagem a

convergência entre as artes plásticas (a obra de Bourgeois) e outras informações, oriundas de

áreas tais como a literatura.

32
Arquivo de entrevista encontrado no próprio site da artista.

33
"Durante o processo de criação, eu apresentava as cenas diretamente para ela, em sua casa. O texto do
espetáculo é fruto da compilação de seus escritos, entrevistas e declarações. Ela assistia a tudo e participava do
processo. Desde o envio do material cenográfico para o teatro até a divulgação da lista de contatos de seu estúdio. Não
faço nada que não tenha tido aprovação dela como expressão legítima de Louise Bourgeois" (Revista E, número 97,
Sesc SP).
50

Além disso, a sobreposição do trabalho dessas duas artistas neste espetáculo nos leva
mais uma vez a pensar os procedimentos que os colocaram justapostos. Se definirmos a
colagem como um procedimento que foi utilizado por diversos artistas a partir da primeira
década do século XX, como uma técnica através da qual inclui-se o objeto mesmo no
lugar de sua representação e isso podemos observar, por exemplo, nas pinturas de Pablo
Picasso onde pedaços de jornal ou tecidos (ou ainda outros objetos) eram colados sobre
as telas pintadas em substituição à pintura representando o jornal, então, nesse caso,
estou por retomar a discussão que inaugurou meu subprojeto de pesquisa, isto é,
precisamente a discussão em torno das aproximações possíveis entre certos traços do
teatro de Stoklos e algumas características presentes nas artes do início do século XX,
cujo principal expoente seria a obra de Marcel Duchamp. Nesse sentido, a colagem,
enquanto procedimento utilizado por Denise Stoklos no interior de seus espetáculos,
conforme os exemplos levantados, muito se aproxima da obra de Marcel Duchamp, que
notadamente levou o princípio da colagem ao máximo em seu famoso ready-made Fonte,
de 1917, onde um urinol de porcelana, o objeto, foi deslocado de um banheiro para ser
"colado" não mais em uma tela, mas em um espaço maior, tridimensional. (Literatura em
Cena – Comunicação Francine:
http://www.pacc.ufrj.br/literatura/emcena_comunicacaofrancine.php acesso em
21 de março de 2006).34

A fase que privilegia a solo performance, somada ao retorno às palavras (desta vez em

forma de autoria estética), junta “... o som e a imagem do ator, seu corpo e sua voz em uma

combinação sofisticada, com mesma valorização qualitativa e quantitativa” (STOKLOS, 1993, p.

50), portanto caracterizando a autoria em todos os sentidos. O corpo da artista passou a exercer

o papel de cúmplice de suas palavras e, desta longa fase surgiu a face mais conhecida da artista

sublinhada por seu Teatro Essencial35. Nela, é perceptível uma influência da idéia modernista de

artista36, com características de guerreiro, revolucionário e conquistador em oposição a outros

modelos pós-modernos que não são transgressores.

Segundo Shanks, encenadores pós-modernistas que tomaram conta da cena teatral nos
anos 80 abandonaram os valores engajados e comunais dos anos 60 e colocaram o foco
em cima e dentro deles mesmos. Ressuscitaram o individualismo, deixando para trás o
grupo, tornando-se, em suma, auto-referentes. Estes artistas ou criaram seus próprios
textos o desconstruíram textos clássicos. Entre os encenadores incluem-se, por exemplo,
Richard Foremam, Robert Wilson e Pina Bausch. Seus espetáculos estão cheios de
colagens a-históricas e fragmentos estéticos nos quais representam-se todas as artes.
Tal conceito se refere nitidamente à arte de desconstrução, noção basilar do projeto pós-
modernista, ao contrário da síntese da unidade do modernismo internacional.
(FERNANDES, 1996, p.254).

34
O que é literatura é um fórum virtual da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

35
Vemos então os seguintes espetáculos: Olhos Recém nascidos; Calendário da Pedra; Louise Bourgeois - I
do, I undo, I redo; Vozes Dissonantes; Mais Pesado Que o Ar/Santos Dumont; Elogio; Des-Medéia ; Amanhã Será
Tarde e Depois de Amanhã nem Existe; 500 Anos - Um Fax de Denise Stoklos para Cristóvão Colombo; 1990, Casa;
1988, Hamlet em Irati; 1987, Denise Stoklos in Mary Stuart.

36
Stoklos, carrega consigo influências tanto modernas quanto pós-modernas: “O artista pós-modernista, ao
contrario do modernista, já não “cria” formas originais mas “recicla” formas do passado – signos inscritos em sucessivas
camadas sedimentadas da história da arte ocidental - , misturando-as com o “lixo” da mídia e da pop arte, num
processo de multi-referência. (...) Se a arte modernista foi pura, original, autônoma, a arte pos modernista é
contaminada e “plagiada”. O modernismo os mescla. O modernismo enfocou o sujeito humano; o enfoque do pós
modernismo se fixa na linguagem, ou melhor, na metalinguagem do metateatro” (FERNANDES, 1996, p. 247).
51

Ao referir-se às tensões da pós-modernidade (como as oriundas do conflito entre

coletividade e individualismo), o sociólogo Stuart Hall (1992) encontra consonância nas idéias de

relação entre sujeito e ambiente levantadas pela fenomenologia de Merlau Ponty, ao afirmar

terem sido uma resposta imediata ao desejo do indivíduo ou às exigências do gozo individual, de

acordo com o qual o sujeito seria aquilo que deseja ser. Nessa identidade cultural, ao mesmo

tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, há a

possibilidade de alinharmos nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que

ocupamos no mundo social e cultural.


52

2 PROPOSIÇÃO DO TEATRO ESSENCIAL

O Teatro Essencial sintetiza os procedimentos e idéias que constituem o teatro stokliano

e pode ser descrito através da explanação de características e procedimentos que definem sua

particularidade. Neste ponto é preciso diferenciar os termos espetáculo solo e monólogo, já que

ambos fazem referência a uma forma de representação realizada por um único ator em cena,

todavia com formato espetacular distinto. Em estrutura solo, encontramos um ator que assume e

acumula para si diferentes papéis, tais como: ator, coreógrafo, diretor, dramaturgo, cenógrafo,

iluminador, (músico e outros procedimentos). Em linhas gerais cabe ao ator, neste caso, ser o

responsável por todo o projeto espetacular e também ao propor um modelo de discurso cênico

híbrido, em contraposição ao monólogo, onde ainda prevalece a noção de ator-intérprete.

Podemos intuir, a partir das descrições apresentadas no manifesto Teatro Essencial, a

existência de uma preparação meticulosa de cada fragmento de encenação, os quais operam

como uma sistematização de alguns princípios basilares que norteiam a noção de Teatro

Essencial e podem ser identificados como procedimentos fundamentais na atuação e na

produção de linguagem. O Teatro Essencial tem suas raízes também fixas nas artes da mímica,

do teatro físico e da performance art. Na síntese deste hibridismo e, respeitando a própria forma

de argumentação de Stoklos, apresento as principais características do seu Teatro Essencial 37:

a) Engajamento na realização de projetos: Este primeiro item chama atenção

para a responsabilidade envolvida em qualquer escolha. Ser um performer

essencial exige determinação e ação na elaboração de projetos, isto é, tudo o

que o performer trouxer à cena deve ser feito por solicitação do tema ao

performer, nunca o contrário.

37
Estas características surgem nesta fase por conseqüência do amadurecimento de seu projeto estético
coroado com o Manifesto do Teatro Essencial e com o Espetáculo Mary Stuart, as mesmas características misturadas a
outras observações de ordem pessoal podem ser localizadas na parte 2.3 Relatos de Experiência Pessoal.
53

b) O processo de trabalho é colaborativo ou solo: Cabe ao performer, a cada

novo projeto, escolher seu procedimento de ação: coletiva ou individual.

c) Simultaneidade e contradição: Procedimento proveniente da performance art

e próprio da pós-modernidade, envolve a colagem e cruzamento de imagens e

informações. Em ambiente de complementaridade de dados, o uso da

contradição pode chamar a atenção para a ênfase em alguma questão.

d) Disciplina técnica: o corpo como base de sustentação.

A técnica da mímica no estudo do corpo como suporte para a realização plástica

e sustentação da imagem.

e) Presença: O ator essencial deve aproveitar cada movimento para ser único e

exclusivo no mundo, pois outro como ele não existe. Este item diz respeito à

importância da potência do ator performer, que deve sentir-se importante e

necessário no palco, sendo um protagonista no sentido de ser o que agoniza

primeiro e por todos os outros (platéia).

f) A tríade corpo - voz - emoção deve estar em consonância: A base do Teatro

Essencial é a organização dos elementos corpo – voz – e emoção, dando ênfase

a um ou a outro elemento de acordo com a necessidade de cada espetáculo,

exemplo: Em Casa e Elis Regina a ênfase está claramente colocada no corpo,

em Mary Stuart e Olhos Recém Nascidos à atenção está na história contada e

nos recursos usados pela voz, já em Desobediência Civil chama atenção à força

com que a artista se coloca em cena, finalizando com a canção Gracias pela

Vida com apelo fortemente emotivo.

g) Os princípios são fixados pela repetição: A repetição em diferentes instâncias ou

conjunturas – tema, partitura ou procedimento – serve como elemento de

composição da cena, um dado coreográfico que ajuda na composição do todo.

h) O mínimo de recursos para o máximo de teatralidade: Conforme esta

concepção, o teatro pode existir sem cenário, iluminação ou figurino e até

mesmo sem a palavra, mas não sem um ator. Mesmo que haja teatro sem a

figura do ator, ainda assim ele terá servido como inspiração para uma outra
54

teatralidade onde ele não é o centro. Desse modo, tudo que é produzido pelo

ator interessa ao teatro. O Teatro Essencial é baseado, portanto, no

ator/performer, de tal modo que uma performance dentro desta linguagem

sobrevive à falta de luz, de cenário, e de figurino, mas não à falta da presença

humana no palco.

i) Afirmação da persona: No Teatro Essencial não há personagens, há uma

persona, a qual executa as opções cênicas levantadas pelo próprio performer a

partir de sua própria identidade. O ator/performer essencial procura a fricção e

não a ficção, ele não representa uma personagem, ele apresenta a si mesmo em

determinada situação.

j) Elementos técnicos e formais necessários: Uso de alguns elementos extraídos

da técnica da mímica, com destaque para: Ponto fixo, movimento isolado de

partes do corpo, gesto transformado, figuras de estilo, técnica da parede

imaginária, da prisão, da máquina de escrever, uso da máscara facial, imitação,

tableau vivant.

Do teatro físico, chamo a atenção para o trabalho de ator centrado no corpo e na

voz e para a presença da música e o uso de coreografia.

Do universo da performance arte, destaco os seguintes elementos: uso da

colagem (cenas e textos), elementos de contradição, uso de espaço não

convencional e repetição de texto, gesto ou quadro e uso de espaços não

convencionais.

É possível perceber nesta estrutura de organização um aparente privilégio que salta da

experiência prática para a construção de um procedimento estético, embora, por vezes em sua

trajetória, Stoklos tenha se re-iniciado no teatro, por meio do exercício da linguagem cênica,

através de idéias, citações e reproduções transformadas a um só tempo, pela experiência,

intuição e desejo do corpo.

Tais características puderam ser levantadas por mim durante o projeto Solos do Brasil

(2002), como delimitadores de uma base para a proposta do Teatro Essencial enquanto escola

interessada na formação do ator e na transmissão de princípios básicos de um teatro autônomo.


55

Esse teatro carrega consigo a vontade de existir sem depender de um convite de algum diretor

de teatro da realização de testes com objetivo de compor algum elenco de espetáculo ou fazer

parte de grupo de teatro.

O projeto autônomo deve ser compreendido aqui como meio para desenvolver o próprio

projeto ou idéia de teatro. A autonomia expressiva do ator dá-se, portanto, para que ele se sinta

igualmente confiante para atuar em solo performance ou em grupo criativamente, com

participação ativa e autoral. Essa autonomia, que possibilita ao performer atuar mesmo na falta

de convites para trabalho não se resume, no entanto, à independência profissional. A

independência do performer essencial de fato acarreta também em autonomia no exercício do

ofício, o que lhe confere até mesmo algumas vantagens do ponto de vista mercadológico (a

individualidade e a economia no uso do aparelho cênico reduzem custos, por exemplo), mas a

liberdade almejada por Stoklos se dá antes no campo ideológico, uma vez que a lógica do

mercado acaba por impor também restrições no campo da criação.

Este teatro tem, como um de seus eixos principais, a produção de espetáculos com o

mínimo de efeitos, em defesa da presença exclusiva do ator no palco, o que faz da condição

humana a matéria prima do espetáculo solo, como instrumento em defesa da cidadania e do

humano, pensando a realidade para transformá-la. Stoklos destaca em seu teatro, portanto, o

ator ou performer como o mais importante instrumento do seu fazer artístico e exige que ele

contenha a máxima teatralidade em si próprio. “Quero o palco nu. Os figurinos, cenários e

discursos radiofônicos muitas vezes acoplam parasitárias imagens no ator. Não quero

decoração” (STOKLOS, 1993, p.6). O termo essência, neste caso, diz respeito ao uso do mínimo

possível de efeitos para o máximo de expressividade, sugerindo que a prioridade no teatro de

Stoklos deve ser o encontro com algo central no ser do ator. Esse algo seria o seu “essencial”,

oriundo de seus vínculos (compromissos) e escolhas com relação à vida e a arte, constituindo o

material principal para a concepção e sustentação da cena e do espetáculo.

É, também, um dos princípios do Teatro Essencial, produzir uma dramaturgia senão

inteiramente original, ao menos fiel às características do meio e tempo em que vive o artista,

promovendo assim o surgimento de novos autores, que encontrarão em suas próprias buscas

uma ação teatral coerente com suas origens. No caso de Stoklos, tais origens poderiam dizer
56

respeito à sua condição de mulher fazendo teatro num país ainda com resquícios de cultura

machista, e no qual a realização artística em si já apresenta dificuldades suficientes. Nesse

contexto, ela pode ser vista também como responsável por abrir espaços para que a abordagem

autoral do teatro conte com a participação das mulheres e para que autoras e diretoras possam

se afirmar num contexto em que a mulher se via restrita normalmente ao papel de atriz -

intérprete. Acima de tudo, Stoklos não opta por negar o fato de ser cidadã de um país com

inúmeros problemas sociais, assim como não foge da tarefa de analisar tais problemas não só

em seus aspectos aparentes, como também em sua gênese.

Conforme podemos apreender de relatos da própria artista, fatos mais recentes têm

redirecionado mais uma vez a trajetória da artista. Um deles, de caráter profundamente afetivo e

pessoal, a perda de seu pai em 2004 e o outro, infelizmente não menos pesaroso – o suicídio do

amigo e ator performer americano Spalding Gray – a influenciaram na concepção do seu mais

recente espetáculo: Olhos recém nascidos (2005). Nele, a atriz/performer se propõe a

“desnudar-se” de determinados elementos técnicos como a mímica e os gestos, utilizando

apenas cinco movimentos durante todo espetáculo. É interessante observar, no entanto, que em

verdade Stoklos não se despe inteiramente de seu gestual mimético expressivo e gestual neste

espetáculo. Ao contrário, a performer acaba reafirmando suas potencialidades técnicas,

apresentando um outro procedimento cuja origem pode ser associada à mímica: o Tableau

Vivant.

Concentrando-se basicamente em procedimentos miméticos inspirados em Gray ela

capta, por meio de um tableau vivant, (quadro vivo) a presença e essência cênica de Gray por

meio da representação viva e do uso de tecnologia. Através da projeção de imagens do

performer americano em situação idêntica, Stoklos acaba encontrando e reforçando

semelhanças entre si e Gray. A imagem capturada por Stoklos diz respeito à famosa

performance de Spalding Gray em que ele narrava textos autobiográficos, usando para isso

apenas uma mesa e um microfone. A situação é reproduzida por Stoklos neste espetáculo para

o qual, aparentemente movida pelas perdas (de seu próprio pai e de Spalding Gray), escolhe o

título Olhos Recém Nascidos, acreditando que a vida contada – ou melhor, recontada – já é em

si suficiente para revelar a dramaticidade da existência do ser no mundo.


57

Figura 6 - Fotos: Denise Stoklos em Olhos Recém Nascidos (2005) e Spalding Gray.em performance autobiográfica.
Fonte: www denisestoklos.uol.com.br e http://www.spaldinggray.com/home.html.

A verdade revelada em palavras e ações brota antes da expressão, segundo Merlau

Ponty, no movimento das coisas no mundo, e na coexistência com os outros. Nessa percepção,

é o outro quem lhe oferece algumas informações sobre você e que até então não eram

percebidas, em palavras que talvez estivessem em gestação na boca de outro para então virem

à tona e transformarem o seu próprio ser. Durante um exercício de cena (2002), Danilo Souto

Pinho, um dos integrantes do projeto Solos do Brasil afirmou: “eu não sabia que era inteligente,

até que um dia alguém me disse”.

A liberdade humana se define em relação à presença do outro, sendo negada ou

afirmada pelas dinâmicas relacionais. Por meio da construção do conceito de liberdade, pode-se

pensar o livre-arbítrio. Tal como na vida cotidiana, onde o processo de identidade se dá na

relação entre o sujeito, seu ambiente e os outros. No teatro, isso se dá entre o palco e a platéia.

Ou seja, é relacional e não está fixada em nenhum lugar. Trata-se de uma experiência que não é

solitária, mas que se constrói no convívio, na intersubjetividade, não se restringindo ao individual.

Se não pudermos falar propriamente dos seres humanos como ilhas, podemos, por outro lado,

pensá-lo em ação, tentando sair ou entrar numa ilha. Assim sendo, o outro “não é o limite da

nossa liberdade mas a condição pra atingi-la”. (STOKLOS, 2002)

Escrever, dirigir e atuar sozinha é solitário como qualquer processo criativo (como ao
nascer e morrer?). Tem-se de estar só, pois se a orientação é à originalidade, não há
modelos. Não há parâmetros conhecidos para conceber um trabalho que não esteja
interessado em reproduzir a idéia de outro autor. Isso me levou a procurar estabelecer
esse sistema que chamo de “Teatro Essencial”, e que compõe as bases desse trabalho
para atuação, direção, texto e produção (STOKLOS, 1993, p. 50).
58

Podemos pensar que a busca desse sentido de liberdade é um elemento fundador da

lógica do Teatro Essencial. Ele se apresenta como exercício cênico que busca no vínculo, seu

espaço livre e criativo. O entre que é o interstício vital do teatro. A noção de performance é uma

ressonância que conduziu Denise Stoklos para esta zona autônoma em relação à idéia de um

teatro tradicional. Ocupar este espaço de performance permitiu a Stoklos aprofundar sua busca

de liberdade - que como foi dito – existe de forma relacional. Situar-se no entre parece ser a

chave para as formulações do Teatro Essencial, e é exatamente isso que representa uma

ressonância concreta do campo performático.

No que diz respeito a esta etapa da trajetória de Denise Stoklos, convém destacar a

importância do espetáculo Denise Stoklos in Mary Stuart, que estreou em 1987 em Nova Iorque,

em comemoração dos 25 anos do teatro La Mama. Mary Stuart é mantido até hoje em cartaz no

seu repertório de espetáculos fundamentados nos princípios do Teatro essencial38. Este trabalho

estabelece, do ponto de vista desta pesquisa, o marco inicial da fase aqui chamada de

nascimento e serve como referência para a noção de ator que se revela a partir de reflexões

sobre o Teatro Essencial.

O espetáculo apresenta uma imagem ampla do trabalho da atriz, podendo ser analisado

com o apoio do livro de mesmo título lançado em 1995. A publicação nos traz “subtexto,

modificações, rubricas, pensamentos, técnicas, anotações e indicações do processo de trabalho

para se escrever o texto, criar a coreografia, a linha de direção e as opções de atuação...”

(STOKLOS, 1995, p. 4). Este espetáculo põe em evidência, na sua estrutura formal e de

conteúdo, os fundamentos da poética teatral desenvolvida pela artista de maneira mais clara do

que até então.

Embora o crítico de teatro Nelson de Sá tenha apontado haver, no espetáculo Elogio

(1995), uma cena “mais esclarecedora do teatro da atriz do que todo o corpo de teorização que

ela reuniu sobre o que chama de teatro essencial” (SÁ, 1997, p. 362), considero que uma

compreensão das estruturas que constroem o espetáculo Mary Stuart (1987) é elemento de

38
Atualmente são mantidos em seu repertório os espetáculos: Olhos Recém Nascidos (2005); Louise
Bourgeois – I Do, I Undo, I Redo (2000); Vozes Dissonantes (1999); Desobediência Civil (1997); Des-Medéia (1994);
500 Anos- Um Fax de Denise Stoklos para Cristóvão Colombo; Casa (1990); Denise Stoklos in Mary Stuart (1987).
59

importância crucial no que se refere ao entendimento do Teatro Essencial, uma vez que ele nos

traz tal noção em sua integralidade, mais do que em apenas uma cena.

2.1 O ATOR SOLO PERFORMER

O termo ator performador – ou simplesmente performer – diz respeito a um tipo de

expressão artística que pressupõe interesse estético na performance, com procedência na

performance art (conhecida também como arte performática). No início do século XX, a

expressão ator ainda estava diretamente relacionada a sistemas e modelos específicos de

atuação, formalmente chamados de tradicionais. Entretanto, o artista de teatro passou, a partir

de então, a voltar seu foco de interesse para uma interpretação de si mesmo, colocando seu

corpo em primeiro plano e no centro da cena. Passa a afirmar-se, portanto, enquanto obra, por

meio de um plano de atuação menos psicológico e plenamente contaminado por elementos de

cunho plástico e físico, interesse que revela uma forte declaração a respeito da forma de pensar

e de existir do homem contemporâneo39. Destaca, desse modo, o trabalho do indivíduo enquanto

artista, em oposição ao conceito de produto, produzido pelo sistema capitalista, redirecionando o

lugar do ator no teatro e trazendo à tona um novo postulado para o próprio conceito do ofício do

ator.

Como evolução deste conceito, surgiu, na década de sessenta, uma outra concepção de

trabalho de ator, chamada de “novo ator”. Segundo Marco De Marinis, professor da Universidade

de Bolonha, o “novo ator” teria surgido juntamente com o aparecimento das vanguardas

históricas. Com relação ao teatro brasileiro, a nova circunstância coincide com o contexto

referente ao período pós-ditadura e possibilitou a abertura para experimentações de ordem

estética, sob o preceito da conquista de uma maior liberdade de expressão. Desta forma, o

39
Dentre tantas importantes figurações sobre o tema seria interessante observar as colocações de LEHMAN,
2003 acerca dos artistas que, ao longo de suas trajetórias, foram diretamente contaminados por experiências
performáticas de cunho vanguardista, e que promoveram uma reformulação de aspectos das formas tradicionais de
representação.
60

teatro brasileiro foi paulatinamente re-elaborando sua estrutura, especialmente no que toca a

ação própria do trabalho do ator.

Sendo poeta é preciso ter o que dizer, ter uma postura política no palco, e considerar o
teatro como um espaço social, uma tribuna capaz de gerar uma reflexão coletiva. E como
uma máquina de combate, o Ator Essencial de pé avança e revoluciona. Com forte
influência do teatro físico e da performance o Ator Essencial não representa um
personagem, mas fala em nome próprio, e é minimalista, extraindo o máximo de
expressão do seu recurso mais fundamental, o seu corpo numa orquestração entre as
suas diferentes partes. E finalmente, o Ator Essencial é trágico e cômico, é um artista
autônomo, mestre do seu ofício, e, portanto é um homem livre. Ele tem a cara do mundo,
mas o espírito é brasileiro. Denise Stoklos ficará para a história como sendo uma das
40
grandes expressões brasileiras desse novo ator (PINHO, Danilo Souto em
entrevista para esta dissertação, 2006).

O propósito deste novo ator tem servido, ao longo de sua trajetória, como plataforma

semântica para produção de outras subjetividades no âmbito das artes cênicas, inclusive como

instrumento para o desenvolvimento do teatro pós-dramático. Este teatro se dá em contraste

com manifestações teatrais as quais, ainda que se apresentem como formas dramáticas muito

diferenciadas, têm um denominador comum que é terem por trás de si uma história (LEHMAN,

2003, p. 9) – isto é, o teatro dramático.

O conceito de teatro performático, introduzido no contexto brasileiro por Hélio Oiticica,

pressupõe a criação de trabalhos plásticos por intermédio do uso, manipulação e apropriação do

próprio corpo como suporte e objeto de arte e estabelece outras relações entre performer e

observador. Soma-se a isto o emprego de indumentárias, comportamentos e de espaços não

convencionais, tais como ruas, procissões e galerias de arte.

Encontramos na gênese deste novo ator o próprio teatro enquanto ato performático,

conceito apoiado nas idéias vanguardistas contidas no teatro da crueldade de Antonin Artaud, no

teatro radical de Tadeusz Kantor e no teatro pobre de Jerzy Grotowski. Podem-se mencionar

também como momentos emblemáticos para o surgimento de um conceito de novo ator no

Brasil, o encontro com o grupo Living Theatre, que esteve no país para uma série de

manifestações espetaculares e a realização do criticado Festival de Performance, que aconteceu

no Centro Cultural de São Paulo o qual contou com a participação de Zé Celso Martinez Correa,

40
Danilo Solto Pinho participou do projeto Solos do Brasil. Ator, fonoaudiólogo, pesquisador e professor do
Curso Superior em Artes Cênicas do Cefet-Ce, em depoimento para esta dissertação – 30/03/2007.
61

Renato Coen e Denise Stoklos. Empregando o corpo do ator como o maior responsável pela

construção da cena, junto com o ambiente performático e com a conseqüente ampliação da zona

espetacular, nomes como Denise Stoklos refizeram suas trajetórias, enquanto artistas que

tiveram seu fazer teatral atravessado por conceitos oriundos da idéia de performance.

Subseqüentemente, as relações entre diretor e ator, autor e ator e mesmo entre os

atores foram sofrendo modificações e, a partir das décadas de setenta e oitenta. Estas relações

têm se amalgamado, culminando no século XXI, na constituição de uma zona híbrida que abarca

diferentes saberes artísticos. No caso do Brasil podemos destacar nomes importantes como os

já mencionados Hélio Oiticica, Renato Coen e Denise Stoklos, além de Marcelo Gabriel e Michel

Melamed, que através do emprego dos novos procedimentos, têm atualizado constantemente o

conceito de ator. Estes artistas têm promovido a manutenção de uma cena experimental no

Brasil. E isso contribui para a produção de um ambiente propício ao desenvolvimento do ator

como performador e propiciador de outras possibilidades estéticas, que por sua vez se

desdobram também em implicações de ordem ética.

O teatro de ator performático rompeu com a ética tradicional de cena, que refletia uma

construção hierárquica de elementos e ações, onde cada indivíduo cumpria apenas com seu

papel. Ao reformar-se o lugar do ator como performador, estabelece-se um contexto de produção

no qual o ator se torna seu próprio autor e diretor, tendo como base o uso da presença humana

como geradora dos signos que fundamentam a construção da cena espetacular.

No período que diz respeito à ditadura militar no Brasil, muitos artistas foram obrigados a

encontrar estratégias para escapar dos censores da época, o que de certa forma provocou

grande interesse pelo que estava acontecendo fora do Brasil. Como produtor de idéias e

construtor de linguagem própria, o teatro performático foi produzido inicialmente no Brasil por

artistas contaminados por idéias estrangeiras de procedimentos de risco, no sentido de quebrar

com alguns cânones do teatro. Assim, o teatro brasileiro começou a atualizar-se e a encontrar

procedimentos estratégicos e libertadores. Somou-se a este movimento a influencia dos hippies,

punks, as dinâmicas de grupos de teatro e artistas, que colaboraram com suas inquietações e

comportamentos de vanguarda em relação ao que estava acontecendo no mundo. Após a

ditadura veio a democracia, trazendo para o teatro uma necessidade de construir relações e
62

estruturas de ordem artística e de livre expressão, ou seja, do movimento de grupo ao desejo de

ordem particular e pessoal.

O conceito de ator performador situa-se no contexto conceitual da teoria da performance,

podendo, neste sentido, encontrar particular interesse nas formulações dos estudiosos Roselee

Goldberg e Renato Coen, sobretudo no que diz respeito ao protagonismo do artista enquanto

ponto de partida para o conceito de ator performador. As idéias que giram em torno da noção de

ator performador, no contexto do teatro brasileiro das últimas décadas, parecem considerar este

novo conceito a partir da idéia de contaminação entre linguagens e criação de procedimentos

artísticos sujeitos ao desejo do ator. A atualização do conceito de ator vem de encontro à

necessidade de discutir-se sua atual significação no contexto do teatro contemporâneo, com foco

nas diferenças entre o ator tradicional e o ator performer. Compreender os procedimentos que

constituem o conceito do ator performático nos permite abordar e definir o fenômeno teatral em

relação à hibridação da cultura na contemporaneidade, a qual diz respeito à diversidade de

referências sem, no entanto, implicar necessariamente em simples mixagem mas,

principalmente, em reinvenção.

Ao longo de sua trajetória no teatro, Denise Stoklos concebeu uma idéia de teatro e de

atuação que acabou se afastando dos modelos até então transmitidos nas escolas no Brasil,

cujos paradigmas baseavam-se, ainda, nos parâmetros tradicionais do teatro dramático, tanto

em termos de uso da palavra enquanto dramaturgia tradicional quanto do ponto de vista das

relações hierárquicas já descritas anteriormente entre dramaturgia, diretor, ator.

O trabalho de Stoklos não se afasta da palavra de forma irremediável; pelo contrário, a

artista busca a cada trabalho uma outra forma de lidar com a questão da textualidade, havendo

um deslocamento das formas tradicionais de teatro, o que permite considerar a imagem como

elemento textual de ordem dramatúrgica.

Ao longo da história, reflexões sobre estes elementos vêm sendo conduzidas em

diferentes âmbitos. Passando por muitos criadores - Meyerhold e Grotowsky - chegando aos

nossos dias com as demonstrações e espetáculos de Eugenio Barba. No Brasil, destaco a

presença de Denise Stoklos ao desenvolver em seu Teatro Essencial um esfacelamento da


63

palavra e de idéias pré-concebidas, assumindo citações que apontam suas idéias ou rearranjam

outras para conferir-lhes novos sentidos, e para criar uma cena autônoma.

Foi quando a proposta de teatro desenvolvida por Stoklos trouxe para o centro da cena

brasileira o ator como solo performer, autor, compositor e protagonista de sua encenação. A

esse respeito, Stoklos anuncia: “Estou, perigosamente, achando que sou capaz de tudo” (1993,

p. 25). Em declarações como esta, ela chama atenção, com seu senso de humor característico,

para o seu afastamento da noção de grupo, momento em que passa a tornar-se independente e

responsável única por seu próprio repertório e por todo processo de criação e produção do

mesmo. As relações de Stoklos com a idéia de grupo, ao longo de seu percurso no teatro, estão

relacionadas com a idéia de encontro, o que nos remete a uma viagem pessoal que mesmo em

ambiente de grupo procura a essência do individuo.

No que se refere à descrição do seu trabalho por parte de alguns críticos, mesmo por

aqueles que o apóiam – como Nélson de Sá e Yan Michalski – parece ter havido uma redução

equivocada. Por um lado, temos denominações tais como “artista de monólogo” e a associação

unívoca a dois gêneros específicos – o primeiro e mais divulgado, a mímica, como se esta

técnica conformasse uma parte fechada e separada do seu próprio teatro e, por outro, a sua

produção textual, a qual já fez com que, sua autora fosse vista mais como poetisa ou

dramaturgista do que como atriz. O presente trabalho visa contribuir para desfazer essa

distorção, fator de compreensão que muitas vezes constitui a base do olhar sobre sua obra. O

trabalho de Stoklos não está circunscrito apenas nestes dois nichos, uma vez que, como mulher

de teatro que é, ela pode ser vista, acima de tudo, como pesquisadora de seu próprio teatro, seja

ele feito no contexto de um grupo ou sob a forma de performance solo.

Só é possível compreender a proposta de Stoklos à medida que esta é pensada de forma

singular, pois nela as referências técnicas, estéticas e ideológicas se misturam, ainda que isso

não constitua um modelo fechado. É necessário pensá-la como uma criadora que materializa

sua prática como zona de interface artística entre diferentes procedimentos de composição para

a construção da cena teatral. Assim é que a artista afirma “... me espano no meu ofício de

performer e autora e coreógrafa, pois me refestelo nos talentos múltiplos... na máquina que

escreve no corpo...” (STOKLOS, 1993, p. 24).


64

No pensamento de Stoklos encontramos um convite à discussão sobre a noção de

atuação, fazendo-se necessário, para isso, sistematizar seu procedimento particular, o qual ela

própria descreve em textos como o do fragmento seguinte:

... Aquilo que o ator tem como instrumento: seu corpo, voz e pensamento seria tudo. Do
corpo o espaço, o gesto, o movimento. Da voz a palavra, a sonoridade, o canto. Do
pensamento a crítica, a dramaturgia, a organização dos elementos. Espetáculo feito na
estrutura de monólogos, música e gestual. Peça de Teatro cuja leitura pode ser feita ao
nível da imagem e ao nível do verbo, ambos muitas vezes complementando-se ou até
contradizendo-se. A meta é uma comunicação mais ampla com estímulos a uma nova
organização perceptiva. A plataforma da representação está nos signos resultantes de
ritmo entre espaço e som calcados na agilidade da decodificação. Não há mais nada no
palco do que não seja ambientação cênica exteriorizada da presença humana (nada
decorativo). E dessa presença todos os momentos teatrais são articulados. Diversos
gêneros, modalidades e tempos, são rotas para um percurso plástico em direção ao
contexto apresentado: um poema sobre nossa natureza. A perspectiva é a realização
técnica rigorosa e humorista. Ensaio teatral em que se pretende elevar ainda que
sísifamente a pedra de confiança na auto-suficiência genuína do ser humano...
(STOKLOS, 1993, p. 17).

O já referido desejo de Stoklos pela “nudez” do palco nos remete ao pensamento de

Jacques Copeau (diretor do Teatro Vieux Colombier), principalmente em suas implicações

éticas. No caso de Copeau, empreende-se uma renovação cênica baseada na valorização do

teatro e na nudez da cena. E zelando pela preparação do ator, ele cria uma companhia regida

não só pela estética, mas também pela ética. Assim como Copeau, Stoklos (1993) buscou, pelo

mundo, ferramentas necessárias para se fortalecer como artista e colocar-se, com toda a sua

potência, num palco nu, na tentativa de eliminar todo o supérfluo de cena, e assim investiu na

força do ator: “o mínimo de recursos para o máximo de teatralidade”. Mas é preciso destacar

algumas exceções como em Casa (1990) ou em Louise Bourgeois (2000), para cujas realizações

a cenografia se mostra como elemento fundamental. No segundo caso, as cenas estão

compostas em torno do pensamento e projeto cenográfico da artista que leva o nome do

espetáculo. Ainda assim, a presença do ator é o ponto alto da cena, primando pela essência da

arte de atuar: o elemento vital do ato teatral com ou sem incrementos cenográficos se mantém

na presença do ator. Vale lembrar que em Casa (1990) o ponto alto do espetáculo acontece

quanto à atriz solicita a retirada de todos os objetos cenográficos da cena.

Compreender os procedimentos que constituem o conceito do ator essencial nos permite

abordar e definir o fenômeno teatral em relação à hibridação da cultura na contemporaneidade,


65

aquela que diz respeito à diversidade de referentes sem significar necessariamente uma simples

mixagem, mas, principalmente uma reinvenção dos referentes.

2.2 FRICÇÃO, NÃO FICÇÃO

O trabalho de investigação no Teatro Essencial é orientado no sentido da

descontextualização dos modelos de ordem vigentes através de críticas ao sistema, por meio da

micro-política exercida por cada individuo em seu cotidiano. Com o objetivo de criar um novo

contexto, onde o ator deve posicionar-se política e afetivamente, Stoklos faz uso de

procedimentos técnicos oriundos de seu universo de conhecimento. Neste caso, Stoklos

costuma fazer uso de procedimentos de repetição de algum gesto reconhecido culturalmente

até sua transformação no encontro de um novo/outro gesto em substituição ao primeiro, como

pode ser visto em inúmeras cenas que compõem o espetáculo Casa (1990). Chamo atenção

para a cena do jantar, onde a atriz dá inicio à sua refeição, repetindo e ampliando a cena de

levar o talher até a boca, chegando ao final da cena devorando o próprio talher e seu recipiente,

sugerindo o começo de uma nova cena.

Acredito que na figura do humano no palco, se realiza a alquimia única em que a


realidade da representação é mais vibrante que o próprio tempo cronológico. E que
critique esse tempo, que revele esse tempo... Quero trocar a fantasia da composição
teatral pela presença viva do ator. Acredito que na revelação de uma nova realidade que
está na força da presença viva do ator, engajado na história com suas idiossincrasias,
sem recursos do fabricado, limpidamente como água na fonte (STOKLOS, 2002, p.47).

O ator essencial deve buscar a integração do corpo com seus sentimentos e com sua

mente no ambiente em que vive, para então criar seu próprio espetáculo-solo, onde deverá

escrever, dirigir, atuar e produzir-se. Para lançar mão de seus questionamentos através de uma

ação teatral solista, desfigurando ou reconfigurando estruturas programadas, construindo idéias

e procedimentos próprios, com base em seu histórico pessoal de vida, ainda que seja

necessário desfazer-se de seus próprios proclames – sem jamais deixar de entender, contudo,

que comunicar um pensamento demanda domínio técnico. O procedimento técnico mexe com

as ordens estabelecidas, à medida que ele pode servir como alfabeto para compor um discurso
66

mais claro e preciso e de fácil reconhecimento dentro do próprio espetáculo e no conjunto da

obra. As técnicas assumidas por Denise Stoklos determinam o seu discurso ideológico, à

medida que estimula o espectador para a transformação social. Por meio de elementos que

compõem a própria ordem da vida, como a repetição de fatos e a transformação da existência,

ainda que no silêncio e no conflito da artista consigo mesma, com pode ser visto no espetáculo

Casa (1990). Ou ainda no discurso fragmentado, apoiado em citações e transformação da ação

central, como no caso de Des-Medéia (1994), em que a performer nega-se a compactuar com o

mito e transgride a cena optando por não matar seus filhos.

Naturalmente político, o Teatro Essencial desafia o artista a assumir a responsabilidade


integral por suas escolhas. Cada detalhe: o texto, a coreografia, a modulação da voz, a
atitude do gesto. Sem a possibilidade de recorrer a uma autoridade externa que o avalize,
todos os acertos e erros são assumidos por completo. Não há como escapar ao
comprometimento geral. O ator de frente para si mesmo e de peito aberto para a
celebração pública. Assumir cada mínimo átomo do corpo, cada mínimo gesto. Assinar.
Tomar a palavra. Estar inteiramente só na atitude de expressar-se. Somente assim
estamos unidos. Quando eu sou completamente eu, aí então eu posso chegar
plenamente ao outro e criar a comunicação. De posse de todos os meus recursos,
trabalhados à exaustão para ampliá-los sempre (corpo, voz, atitude, presença,
inteligência, amor) e sem intermediários, ocupo meu espaço e entrego meu depoimento
original à comunidade, para reflexão conjunta e crescimento coletivo. Nesse sentido, não
há como fugir à indignação em relação a tudo que não promova a vida e não estimule o
desenvolvimento social e humano. O Teatro Essencial implica posicionamento
41
libertário, humanista e revolucionário (ABREU, Silvana em depoimento para
este trabalho, 2007).

No caso da produção de uma dramaturgia própria é necessário, segundo Stoklos, que

ela esteja organicamente integrada à performance, tendo sido gerada em um processo gradual e

sofisticado que deve conferir à personalidade do ator/performer o status de elemento central e o

reforço de uma autoconfiança que é fundamental para a atuação solo, desde a escolha de

idéias, temas, textos ou citações. É aparentemente contraditório o fato de Stoklos afirmar: “Não

cito, não reproduzo, não ponho idéias de outros em cena, não estou interessada em ser

comparada com ninguém, nem em ser classificada em nenhuma categoria especifica: faço

Teatro Essencial”, ao mesmo tempo em que se pode observar um número grande de referências

a outros artistas em seus projetos ou de citações em cena. Shakespeare, Eurípides, Mathias

41
Silvana Abreu foi uma das idealizadoras do projeto Solos do Brasil, produtora e participante – seu
depoimento para esta dissertação foi recebido por e-mail em 07/03/2007 às 16:23h.
67

Aires, Gertrud Stein, Louise de Bourgeois, Milton Santos entre outros, compõem o corpo de

figuras presentes em seus espetáculos através de citações. Podemos ainda perceber que

algumas idéias são reproduções de idéias de outros artistas, como por exemplo, no caso de

Olhos Recém Nascidos (2005) onde a artista reproduz a imagem e procedimentos realizados

pelo ator Spalding Gray em cena, ou em Louise de Bourgeois (2000), quando do uso de textos

criados por Bourgeois para o espetáculo.

Em tese, Stoklos parece não resolver esses paradoxos sendo que, do ponto de vista da

estrutura dos espetáculos, tais referências funcionam como elementos formais que servem como

pontos de apoio para a construção da linguagem no uso da repetição e citação. No entanto, a

contradição é desfeita quando atentamos para o fato de que a declaração acima citada na

verdade chama à atenção a não submissão a procedimentos de hierarquia “textocêntrica”, isto é,

procedimentos de representação submetidos ao domínio da dramaturgia como único ponto de

partida para a construção da cena.

Ao negar o elemento do reconhecimento ou identificação com uma personagem, Stoklos

subverte a situação ficcional com a qual o espectador de teatro está tradicionalmente

acostumado. Cabe ainda observar que, quando Stoklos escreveu seu manifesto Teatro

Essencial em 1992, já havia levantado as bases de seu teatro por meio dos espetáculos Mary

Stuart (1987) e Casa (1990), onde há presença de citações e referências (e repetição de idéias)

como ferramenta de linguagem cênica. Neste sentido, a dramaturgia esboça um vocabulário

crítico como instrumento de análise e ação para uma vida teatral que se entrecruza com a vida

real, “onde a dramaturgia tem que fugir de qualquer parâmetro e cabular as aulas de teatro dos

Padres Vieiras e, em contrapartida: ir brincar com os índios, bater com seu pau-brasil na mesa

do conservadorismo” (STOKLOS, 1995, p.18). Há nessa opção uma conotação política que

entende a arte como ação de cidadania, e neste caso todo “bom encontro” deve ser preservado.

Vejamos a seguir, dois momentos distintos de produção de dramaturgia no trabalho de Denise

Stoklos, o primeiro é um fragmento de diálogo encontrado no texto Circulo na Lua, Lama na Rua

(1968), da cena cinco do ato único:

WANDA – Senhores, estou aqui para denunciar determinados fatos que não podiam estar
acontecendo. Ontem, às 17 horas, o menor Euzébio Lopes, residente ao lado da fábrica
Trafapro de Violinos, teve seus tímpanos completamente estourados. Foi levado com
68

urgência ao Pronto Socorro, onde faleceu após duas horas de imensos sofrimentos, sem
que os médicos conseguissem, com as providencias tomadas, minorar as conseqüências.
Outras pessoas sofreram aleijos por todo o corpo, e muitas enlouqueceram. O causador
desses distúrbios já se encontra detido na 4ª Delegacia de Violinistas Sem Dedos.
Segundo declarações de testemunhas, porém, o criminoso sempre foi um virtuose.
(MUDANDO DE TOM) Esses fatos nos demonstram, portanto, que alguma coisa de
errado existe com os violinos Trafapro.
JOÃO – Essas coisas só acontecem para os lados da fábrica. Deve ser a insalubridade
do terreno que modifica o som. Como é que aqui nunca acontecem essas coisas?
(STOKLOS, 1968: P. 16-17).

Quase vinte anos depois da criação do texto supracitado, encontramos uma Stoklos que

não mais compartilha seus textos dramáticos, seu interesse agora é comunicar os subtextos que

dão vida ao seu teatro. Um fragmento do monólogo Mary Stuart (1987):

Prólogo – Atriz entra em cena. Dá duas voltas em círculo largo pelo palco, olhando a
platéia. É um toureiro apresentando-se na arena. Ou um saltimbanco conclamando, em
silêncio, uma multidão para assistir a uma narrativa. Um herói desfilando sua vitória: é
uma atriz encontrando-se com o seu público, apresentando seu corpo, seu olhar, que
conduzirão a lenda a ser discorrida. Diminui o passo cautelosamente, para que haja
tempo de leitura da desaceleração do corpo, até parar no centro, abarcando a frente mais
ampla, com a vista dirigida ao espaço que corresponde ao que lhe está oposto: o
interlocutor, o outro (STOKLOS, 1995. P: 6-7).

Para Stoklos, o ator que cria é impulsionado pela necessidade de comunicação, na

busca de um encontro entre seres humanos dispostos a refletir sobre sua existência. Partindo

deste princípio, Stoklos propõe um encontro entre ator e público em determinado espaço/tempo

livre de complexidades tecnológicas, sendo a estrutura central do Teatro Essencial apenas o

corpo em um espaço, onde o ator não entra em conflito com seu público, tentando convencê-lo

de qualquer coisa ou idéia. O ator resiste também à excessiva estetização e tecnologização do

teatro atual, que vem substituindo a figura humana por imagens e efeitos especiais.

Fricção, não ficção.


Conta a história que os gregos entendiam o teatro como um elemento curativo da alma,
em doenças como a falta de compaixão que é tratável, mas provoca grandes dores e
gera perversões, inclusive sociais. As poções só se processariam quimicamente no corpo
quando no espírito se operasse também uma transformação. O teatro trazia à cena temas
que moviam o espírito da humanidade. O público entrava em contato direto como que era
comum à natureza interior e investigava-se. Os espetáculos vivificavam, portanto, a
grandeza de cada um.
A essência teatral seria esse processo de clamor à ação do amor, que nos redime, um
chamamento à luta por transformação, por evolução do espírito.
Não seria aplicável então, ao teatro essencial, a figura de linguagem que se refere a algo
não verdadeiro, falso, como “é teatro”. Ou, a idéias de que no teatro nada é de verdade, é
“de mentirinha”. (STOKLOS, 1992).

Stoklos insiste na presença humana sempre, em oposição às tendências

contemporâneas de desumanização, acreditando na possibilidade de atuar como alguém que


69

cria seu próprio poema. Na sua abordagem, é o artista quem revela ao espectador essa

capacidade de entrar em contato consigo mesmo e, nesta acepção, o espectador dá sentido à

existência do teatro como lugar de troca, de comunicação, onde o ator oferece ao espectador a

possibilidade de refletir sobre si mesmo. O ator é quem gera e dele parte a realização de

projetos, no entanto ele só é realizado quando em contato com seu público, e é naquilo que

existe entre os dois (ator e espectador) que está o que pode ser salvo: a possibilidade do

relacionamento.

Esta visão autônoma de ator busca uma opção radical de transgredir e ultrapassar os

espaços permitidos à sua atuação, procurando não apenas o exercício de independência

técnica, mas também a exposição ideológica. Ao refletir sobre a realidade social, o ator pode

passar a ocupar também uma posição de resistência à alienação, encenando e escrevendo

sobre temas sociais contemporâneos, ainda que venha a citar ou colocar em cena idéias de

outros que possam corroborar com a postura do Teatro Essencial.

Talvez falar sobre o essencial seja diferenciar a ficção da realidade, sem, no entanto, nos
atrelarmos à imitação da vida ou sua transposição à cena.
O ator essencial encontra em sua relação com a realidade, sua matéria prima, o ponto de
partida para a sua criação, que mais parece um provocar a si mesmo, profundamente,
sobre escolhas e atitudes no mundo, do que falar do mundo através de histórias de
outros. Assim, o ator essencial quer compartilhar com o espectador suas próprias
urgências. Isto faz dele um criador em amplo sentido: ele é autor de sua própria atuação
e diretor de sua própria cena. Tarefa delicada, difícil e perigosa. Delicada porque não é
todo mundo que consegue escolher em si mesmo sua maior potência, difícil porque
muitas vezes o artista essencial se depara com seus próprios demônios sem uma
interlocução fora de si e perigosa porque oferece o risco de jogar o artista dentro de sua
própria esquizofrenia, perguntando e respondendo a si mesmo suas profundas questões
ou fazendo de si mesmo o espetáculo, ao invés de afirmar a vida em toda a sua
complexidade. Porém, se for capaz de escapar destas armadilhas o ator essencial, será
aquele que não estará em cena para ser contemplado ou para encantar o espectador.
Estará em cena para se expor e agir, diante do outro e sobre o outro, como quem se
oferece em sacrifício, transformando suas próprias incompreensões, indignações e
percepções em denúncias e revelações, através de sua presença cênica e de suas
possibilidades corporais, que terão que ser capazes de transformar o homem comum em
arquétipo e sua história pessoal, em mitologia (VIANNA, Tiche em depoimento para
esta dissertação,2007).42

Neste teatro, há um comportamento que modifica as concepções de carreira e profissão

normalmente atribuídas ao ator enquanto mera engrenagem submetida a mecanismos maiores,

como o próprio mercado. A escolha por um fazer teatral solitário ou autônomo, no qual o ator

42
Tiche Vianna, é atriz, pesquisadora e professora de teatro, é diretora do grupo Barracão de teatro de
Campinas São Paulo e participou do projeto Solos do Brasil.
70

performador acumula em si toda a responsabilidade por sua produção artística, carrega consigo

os ideais de uma geração a qual pertenceu Stoklos, uma geração que continua sendo radical e

de expressiva importância. Não se deve atribuir a essa radicalidade, no entanto, uma idéia

intrínseca de inviabilidade mercadológica, uma vez que Stoklos tem demonstrado, ao longo dos

anos, ser capaz de viver de seu teatro. Devemos entender, ao contrário, que a artista soube

conduzir uma carreira com seu teatro essencial sendo, no entanto, radical com relação a se

manter fiel ao seu caminho estético e à sua postura ética com relação à sua ideologia artística e

política.

O Teatro Essencial fomenta, antes de tudo, a luta contra a inércia artística que pode

afligir o ator. Mesmo estando sozinha no palco, há na maneira do fazer de Stoklos um coletivo

intrínseco, no qual o teatro é o que existe entre o ator e a platéia, ou seja, naquilo que se pode

encontrar na relação entre um lugar e outro. Além disso, ela costuma tratar de temas prementes

na sociedade em que vive, e que evoluem com o passar do tempo, tornando -se assim coletiva e

compartilhando sua “solidão” com o espectador.

Quanto à temática, o Teatro Essencial sugere que se parta de sua realidade, no nosso

caso, a realidade brasileira. Propõe que o Brasil seja visto pelo Brasil, numa dramaturgia feita

para um teatro que cobra o direito humano de ser respeitado e que luta pela honestidade e

liberdade de expressão. Um teatro curativo, no qual tudo deve ser dito, e bem dito, para que

tanto o artista quanto a audiência possam recriar o mundo e integrar-se nele novamente. Isso

implica também numa exigência com relação ao engajamento do ator, sendo ele o único

responsável por sua arte, seus erros e acertos. Em depoimento para esta dissertação, Danilo

Souto Pinho (2007), um dos participantes do Projeto Solos do Brasil, afirma que:

Uma característica marcante do Ator Essencial é a relação dinâmica entre o corpo e a


palavra, num jogo de repetições e desconstruções, que faz brotar uma expressão que
toca o extraordinário. Uma palavra cáustica e explosiva que se fortalece no gesto preciso
e estilizado, tornando-se poética.

O desenvolvimento do projeto Solos do Brasil e as intervenções de Denise Stoklos

durante esta atividade permitem perceber que o seu teatro é feito com base na premissa da

conjunção absoluta entre técnica e intuição. Embora traga consigo algumas confusões em torno

da produção de dramaturgia e, ainda que a própria artista defina sua técnica como “anárquica”, é
71

possível observar que técnica e a intuição encontram-se pontualmente presentes e em pé de

igualdade no seu processo artístico. Mesmo que haja uma parcela passível de ser transmitida

tecnicamente, há uma instância impermeável em seu trabalho, que é essencialmente pessoal e

intransferível e somente pode ser compartilhada através da entrega generosa da artista em seu

trabalho no palco e na relação com os que a procuram em busca de aprendizado.

2.3 RELATOS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL

Na época em que transcorreu o projeto Solos do Brasil (2002), não imaginava fazer das

minhas anotações parte da presente dissertação, razão pela qual é possível perceber nas

anotações uma organização que é conseqüência de não ter, naquele momento, aspirações

acadêmicas. No entanto, isso não tornou o “diário de bordo” menos importante que o restante da

bibliografia utilizada, uma vez que constitui documentação em primeira mão do trabalho

realizado à época do Projeto. Com o interesse voltado unicamente ao registro de minhas

impressões, eu fazia anotações livres a partir das aulas, incluindo algumas descrições de

exercícios propostos por Stoklos e pelos professores assistentes, além de comentários acerca

de procedimentos, misturados a lembranças e referencias, relacionadas ao grupo de teatro

(Ex)periência Subterrânea, no qual trabalhei durante seis anos.

Agora, diante da necessidade de estabelecer um vínculo concreto entre a minha

experiência passada no referido projeto e o desenvolvimento desta dissertação, a qual teve,

entre as motivações que a originaram, o desejo de documentar e refletir sobre os caminhos

percorridos pelo Teatro Essencial, na história e em mim, foi necessário fazer escolhas de método

aplicativo. Se por um lado estas notas careçam de certa clareza descritiva sobre o todo que do

todo que abrangem, o diário de bordo ganha importância à medida que se constitui um olhar

pessoal intenso sobre os procedimentos de pesquisa relacionados à poética do Teatro

Essencial. Assim, escolho como método a mistura entre os corpos do diário de bordo, feito à luz

do trabalho diário em sala de ensaio, e a memória reflexiva do que ainda hoje permanece em
72

mim, introduzindo o meu relato como amálgama de saberes, para então compartilhar minha

experiência pessoal.

As anotações que se seguem estão aqui colocadas tal como se apresentam em sua

forma original. Elas revelam em seu caráter pessoal, a singularidade da experiência direta. As

imprecisões provocadas pela passagem do tempo, não negam a importância deste material

para o corpo do texto. Alguns complementos a posteriori, evidenciados em itálico, foram

agregados aos relatos, mantendo-se, ainda assim, a sua estrutura fiel à forma como foram

registrados durante o projeto, para não perder o vínculo vivo com o momento passado.

Descrição do projeto:

Figura 7 – Projeto Solos do Brasil


Fonte: http://denisestoklos.uol.com.br/solosdobrasil/

O projeto Solos do Brasil, que teve coordenação artística de Denise Stoklos, ocorreu

entre abril de 2002 a março de 2003, em São Paulo. Os artistas foram escolhidos por um

processo de seleção que envolveu mais de 2.000 candidatos, espalhados em duas etapas: a

primeira constituiu-se do envio de uma carta de interesse acompanhada de currículo e foto. A

segunda, de audição pública realizada no teatro João Caetano em São Paulo.

No sábado dia dois de março (2002) tivemos a oportunidade única de um encontro com
600 pessoas interessadas em se desenvolver através do sistema teatral que oferecemos
e que denominamos Teatro Essencial. Para o preenchimento das quinze vagas
disponíveis no projeto Solos do Brasil estimamos buscar, nesta convivência de sete horas
que ocorreu naquele sábado, contato no qual estivéssemos todos compartilhando o
mesmo momento, o mesmo espaço e o mesmo objetivo. (...) Chegamos enfim a uma lista
de quinze selecionados que tenta honrar com os critérios do projeto, o qual deve absorver
um grupo composto de pessoas de diferentes origens regionais, sociais, de diferentes
73

idades e níveis de experiência teatral. Nenhum excedente foi considerado reprovado ou


não aprovado. Inclusive porque não consideramos que seja possível se categorizar
ninguém como pior ou melhor, como capaz ou incapaz de participar de uma experiência
artística (www.projetosolosdobrasil.com.br> acesso em 29 de outubro de 2005).

Os artistas contemplados com as vagas passaram então a freqüentar aulas práticas e

teóricas, envolvendo procedimentos que visavam à formação de atores, segundo as diretrizes do

Teatro Essencial de Denise Stoklos. Esses artistas foram: Claudia D’Orey, Danilo Souto Pinho,

Fabio Vidal, a autora da presente dissertação, Jefferson Monteiro, Jô Rodrigues, Jorge Baia,

Miguel da Guia Rocha, Roberto Salles, Silvana Abreu, Silvio Paulino dos Santos, Simone Faro,

Taynã Azevedo, Tiche Vianna e Vinicius Piedade.

Figura 8 - Foto do Projeto Solos do Brasil (arquivo pessoal)

As aulas tinham duração de quatro horas e aconteciam diariamente com professores

assistentes e com o acompanhamento permanente de Denise Stoklos. O corpo de professores

era formado, além de Stoklos, por: Antonio Abujamra (direção e “provocações”), Caio Ferraz

(Canto), Eduardo Coutinho (texto corporal), Gianni Ratto (direção), Hugo Rodas (dança), Luis

Fugante (filosofia e estética), Luis Louis (mímica) e Ricardo Napoleão (teatro dinâmico e

máscara neutra). Esta equipe alternava sua presença através de módulos, ao que fez exceção

Luis Louis, ao acompanhar praticamente todo o projeto, propiciando apoio para o

aprofundamento das pesquisas relacionadas às diretrizes de base do teatro essencial.

A conexão dos profissionais acima citados, com o Teatro Essencial de Denise Stoklos,

em alguns casos vem de longa data outros por relações mais recentes, porém não menos

importantes como, por exemplo: Luiz Fugante, professor de filosofia de Piatão Stoklos e foi por

ele indicado para acompanhar o projeto Solos do Brasil, já Antonio Abujamra, dirigiu Denise
74

Stoklos em 1983 no monólogo Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico (1983), texto de Dário

Fo e Franca Rame. Este espetáculo foi importante na trajetória de Stoklos, pois com ele a artista

viajou para festivais de teatro na América Latina e estabeleceu contato com Helen Stuart,

fundadora do teatro La Mama. A partir deste encontro, Stoklos foi convidada para apresentar-se

no La Mama, o que deu início a uma duradoura relação e convites para apresentação de

espetáculos. Além disso, Stoklos pôde conhecer o trabalho solo de Iben Nagel Rasmunsem, o

qual impressionou Stoklos, por apresentar um modelo solo performático até então não conhecido

por Stoklos. Caio Ferraz, enquanto professor de canto, acompanha o trabalho de Marilia Pêra de

longa data, sendo ela atriz também interessada no ambiente da performance (canto, dança e

atuação).

Eduardo Coutinho e Luis Louis foram os representantes da mímica no projeto de Stoklos.

Coutinho foi um dos primeiros mestres de mímica do Brasil, conhecedor desta técnica e do

trabalho de Stoklos desde seu início, sendo um conhecedor de sua abordagem. Já Luis Louis

tem formação em mímica pela Desmond Jones School e foi professor e assistente do próprio

Desmond Jones.

Ricardo Napoleão e Guilherme Weber (o último esteve uma única vez conosco no projeto

Solos do Brasil, enquanto Napoleão acompanhou todo o projeto) trabalharam com Stoklos no

espetáculo Mais Pesado que o Ar – Santos Dumond (1996). Gianni Ratto, representante do

teatro italiano no Brasil, acompanhou a evolução do teatro brasileiro por mais de quatro décadas,

tendo trabalhado com Stoklos na cenografia e iluminação do espetáculo Selvagem como o

Vento. Sua filha, Antonia Ratto, foi assistente de direção de Stoklos nos espetáculos Calendário

da Pedra, Selvagem como o Vento (2002) e no Projeto Solos do Brasil. Hugo Rodas, outro

amigo de longa data de Stoklos, colaborou com a direção coreográfica e co-direção do

espetáculo Selvagem como o Vento (2002).

Durante o processo, também ocorreram aulas abertas, com a presença dos professores

assistentes e de Denise Stoklos, para demonstração das etapas de desenvolvimento das

pesquisas individuais dos atores e debate com o público, gerando desdobramentos e retorno
75

conceitual para o trabalho do grupo. Paralelamente, foi criado um site43 sobre o projeto na

Internet e um fórum eletrônico específico que ampliaram a abrangência das discussões para

todo o Brasil e para o exterior, dando a oportunidade para qualquer interessado de acompanhar

o processo durante o seu desenvolvimento e oferecendo aos participantes a chance de levar a

público suas reflexões.

O projeto instigou os atores a assumirem todas as etapas da criação, assinando a

autoria, a direção, a coreografia, a sonoplastia e a interpretação de suas obras. Este enfoque

estimulou cada artista a expandir seus potenciais expressivos, experimentar novas perspectivas

e criar um estilo próprio de encenação, que pudesse estar inteiramente colado às suas

necessidades artísticas e ligados à atualidade.

O eixo temático trabalhado foi o Brasil, incitando um posicionamento crítico dos

participantes perante as diversas questões que envolvem a cidadania brasileira. Isso pode ter

influenciado Stoklos em sua escolha por pessoas de trajetórias e perfis artísticos diferentes para

fazer parte do projeto, procurando revelar depoimentos férteis da expressa necessidade coletiva

de novos arranjos nas relações, afirmando cada expressão como geração de potência

transformadora.

Com foco no corpo como meio e na poética do fazer teatral e entre as tantas questões

que aí se interpõem, havia um ponto de especial interesse para mim, o qual estava relacionado

com corpo: o corpo na passagem, o ato de atravessar a ponte. Sendo Florianópolis uma ilha e,

para mim, sempre um lugar único (o meu mundo no teatro, o meu começo), a passagem ou

travessia despertava em mim a curiosidade de saber o que eu poderia encontrar do outro lado

da ponte. Essa “ponte” sempre representou pra mim mais do que um lugar de passagem,

representava naquele momento, o meu espaço sempre em movimento, meu Shiva dançando44 e

iluminando meu caminho.

43
http://denisestoklos.uol.com.br/solosdobrasil/.

44
Shiva, divindade hindu que personifica a dança e as transformações, simboliza a eterna mutação do
universo, a qual consiste na cíclica entre destruição e criação.
76

Abaixo segue a transcrição do meu diário de bordo:

Florianópolis, antiga Desterro e mais antiga ainda Ilha de Santa Catarina, neta da bruxa

Catarina, aqui nasci e cresci. Desterro, desterrada, ilhada, isolada, jogada à própria sorte, trago

comigo meus ancestrais – alguns reconheço, outros nem imagino, mas todos se encontram em

mim e continuam lutando. Aqui o homem não quer se relacionar com sua própria história de

vida. Frente a esse quadro, meu dever passa a ser a própria resistência teatral. As produções

teatrais dos grandes centros do país sobrevoam a ilha. Acredito na força genuína e efêmera do

teatro a qual ressurge mais forte a cada manhã, vindo não se de onde, para seguir em frente

treinando, trabalhando, ativando o corpo inteiro e deixando-o preparado para o encontro com o

outro, (é eterna a corrida em torno da ilha, na busca por parceria). E eis que na exaustão, surge

em mim o ator presente firme e pronto, comprometido com o aqui e agora, com um eterno

investimento atorial e sobretudo de vida, com esta experiência que nenhum de nós pode

descrever, pois exige expressões tão incríveis que só existem no “dicionário das palavras não

ditas”. Penso que participar do projeto Solos do Brasil representa uma grande oportunidade de

investir numa pesquisa de caráter teórico, prático e sobretudo humano. Provocar e transformar,

sob o olhar de uma das maiores personalidades artísticas do Brasil. Em tempos de dificuldades,

este projeto surge como uma iluminação, um caminho que deverá ser percorrido com empenho e

determinação. As exigências de um mundo dito globalizado sugerem a necessidade de um

investimento profundo na capacitação artística. Aprender e desenvolver uma técnica não é

suficiente: a qualidade deverá estar conectada com a espontaneidade, tomada de decisões além

da disciplina e ética no trabalho do ator. Para se alcançar um nível de qualidade e excelência na

arte, é fundamental encontrar, por meio de múltiplos esforços, ferramentas adequadas para cada

situação de interesse na criação e no discurso. O processo artístico é também um processo

educativo e social, neste caso a presença mediadora e provocadora é garantia certa de uma

prática singular que considera o ser humano como um todo, um ser inteiro, essencialmente

alguém que se reconecta com sua natureza e ancestralidade. Enfrentar a complexidade e a

diversidade temática brasileira é oportunidade de atuar enquanto cidadão. Vincular o corpo

preparado do ator ao seu processo interno de criação somado ao universo externo político,
77

social atual, deve transformar a prática diária do ator, tirando-a de um âmbito de mero acúmulo

de habilidades para conduzi-la em uma busca consciente de sentido para suas ações, e fazendo

com que a presença do ator seja encarada como substrato básico no qual se edifica a sua

expressão total. Desfazer o aparente paradoxo entre a precisão absoluta das ações do ator e

sua espontaneidade é algo que pode ser experimentado no ato presente da criação, no trabalho

constante do ator sobre si mesmo. Desenvolver maturidade para exercer e conduzir o próprio

trabalho é garantia certa de retorno e multiplicação, pois permite ao ator seguir investigando e

buscando sentido em seu trabalho aonde quer que esteja. O surgimento de tal autonomia exige

a presença de uma orientação de caráter profundo e transformador, acima do nível ordinário de

experiência humana. É essencial aos meus anseios como ser humano e artista, essa orientação

de caráter diferenciado, que aponte para uma verdadeira excelência do fazer artístico e por essa

razão me apresento ao Projeto Solos do Brasil. (Projeto Solos do Brasil: Período total de

desenvolvimento: abril de 2002 a março de 2003, Local: Ipiranga – São Paulo).

Não desejo representar quero ser – presentificar – tornar presente. Do outro lado da ponte... A

solidão vivida na ilha, como filha única do Biguaçu45, foi transportada para uma solidão única que

se encontra em mim mesma. Minha fricção será a de ir até o fim, terminar este ciclo que eu já

não sei se está começando ou terminando. Não desejo mais representar, quero ser –

presentificar – tornar presente. Quem sabe na minha solidão encontrarei resposta para aquilo

que desejo. Qual lugar ocupa o meu trabalho no teatro que faço e desfaço e refaço46?

Estas notas que expressam minhas reflexões no centro do processo do Solos do Brasil

podem ser consideradas marcas de uma experiência que me aproximou da percepção do tecido

constituinte do Teatro Essencial. Na esteira desse registro me parece importante oferecer ao

leitor uma descrição das sessões de trabalho para criar uma imagem dos procedimentos do

Projeto. Tal descrição encontra-se no apêndice do presente trabalho.

45
Biguaçu é um município que pertence ao perímetro urbano da cidade de Florianópolis, lugar onde a autora
da presente dissertação viveu até o ano de 2.002. Acredita-se que o nome da cidade tenha sua origem relacionada à
expressão tupi, Biguá (pássaro) e Açu (rio), ou ainda, que tenha relação com a fruta Baguaçu, espécie encontrada
facilmente na região.

46
Menção ao espetáculo de Denise Stoklos: Louise Bourgeois: Faço, Desfaço, Refaço.
78

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como fecho desta dissertação é importante reafirmar o artista de teatro adentrou o

século XX interessado na interpretação de si mesmo, colocando seu corpo em primeiro plano e

no centro da cena, afirmando-o enquanto obra. Revela-se assim, uma forte declaração a respeito

da forma de pensar e de existir do homem em seu tempo, com o destaque do trabalho do

indivíduo enquanto artista, no ambiente teatral.

A experiência do teatro como lugar de pesquisa e renovação estética e ética das artes

passou a demonstrar maior interesse no uso do corpo do ator, com vistas à produção de novas

abordagens artísticas. O estudo do conceito de ator, neste caso, implica na compreensão da

presença humana como produtora de signos, como propiciadora de processos de significação os

quais integram a construção espetacular.

A atualização do conceito de ator é um elemento fundamental para a abordagem do

Teatro de Denise Stoklos e da sua noção de ator essencial. A idéia de ator que emerge na

trajetória de Stoklos ganha significação na contemporaneidade, pois é resultado da

transformação estética e ética do fazer teatral.

O Teatro Essencial pretende, a um só tempo, exercitar sua independência anárquica e

questionar a autoridade do individualismo capitalista. Através de uma atitude libertária, a

manifestação teatral stokliana se preocupa com algo mais do que economia, quando propõe a

presença de um único ator no palco. Há, nessa opção, uma conotação política que permite

entendermos a arte como ação que estabelece um diálogo direto com a platéia, sem que para

isso seja preciso deixar do palco, trocar de platéia ou sair do país.

Tal concepção de teatro busca dar lugar a uma possibilidade teatral menos vertical e

mais democrática, pois como pensamento oriundo de um processo pós-ditatorial, contribuiu para
79

dar vazão à produção de singularidades no trabalho do ator na cena contemporânea brasileira.

Stoklos trouxe o ator para o centro do espetáculo, não só enquanto produto, mas como modo de

produção de conceitos, o que faz com que, ao conceber esta noção de Teatro Essencial dá-lhe

condições de agir com autonomia: reinventar textos, participar de outros textos como co-autor,

produzir uma nova textualidade.

A realização do presente trabalho me permitiu perceber ainda a importância da presença,

no caso de Stoklos, de um corpo de conhecimentos e procedimentos que dão suporte à sua

noção de ator. Enfatizo, portanto, que a atualização do conceito de ator não se sustenta apenas

em suas implicações éticas ou políticas, mas afirma-se também através de uma técnica (ou

técnicas). Se, por um lado, o Teatro Essencial propõe o autodidatismo, ao mesmo tempo

fundamenta-se no emprego de procedimentos e técnicas específicas como a mímica, o clown, a

dança, máscara neutra e voz. Tais técnicas visam dar suporte ao seu mote “um corpo no espaço

e uma idéia na cabeça”. A experiência do teatro como lugar de pesquisa e renovação estética e

ética das artes volta seu interesse no corpo do ator, com vistas à produção de novas abordagens

artísticas. Tendo também o corpo como suporte da ação teatral – ou performance – o teatro

stokliano reúne em torno de si uma série de habilidades técnicas distintas através das quais o

artista afirma sua postura ética no palco.

Toda ética – cujo radical grego ethos pode ser traduzido como “costume”47 – revela uma

estética e toda estética revela-se em ética. Sob tal ponto de vista, a ética e a estética

encontram-se intimamente relacionadas, e fazem parte de uma única estrutura, que fundamenta

o conceito de ator, desvelando os paradigmas de cada tempo. A ética também é, portanto, o

modo de sentir e de pensar, isto é, a postura individual de cada artista diante da existência e

das necessidades próprias de seu tempo.

A cena de Denise Stoklos está impulsionada pelas tensões do desejo e se propõe a

atingir o gozo de forma compartilhada com a audiência. Se o gozo individual está presente como

elemento propiciado pelo desejo, faz-se presente também no Teatro Essencial, afirmando o

corpo do ator e colocando-o no centro da ação. Fundem-se, neste corpo, as relações autor –

47
Os conceitos de moral e ética, ainda que diferentes, são com freqüência usados como sinônimos. Aliás, a
etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim “mos”, “moris”, que significa “costume”, “maneira de se
comportar regulada pelo uso”.
80

diretor – ator, através de um rigor técnico que encontra as suas bases nas diversas tradições e

procedimentos anteriormente mencionados.

Ainda como apontamento final, menciono ter localizado na prática da artista alguns

pontos discordantes com seu discurso teórico sobre o essencial, que se constituem, no entanto,

mais como paradoxos poéticos, geradores de tensão criativa, do que contradições propriamente

ditas. Neste sentido, é possível encontrar no universo espetacular de Stoklos elementos que

fogem ao rigor do Manifesto. Primeiro, Stoklos não apresenta em seu Manifesto Essencial os

elementos técnicos e de composição dos quais faz uso para encontrar seu caminho na busca

por uma essencialidade cênica. No entanto, aponta, através de seus espetáculos e da prática do

ensino do seu Teatro Essencial, para procedimentos que se repetem em todos os seus

espetáculos, seja em grupo ou em solo performance. Elementos específicos e pontuais que são

claramente explorados em seu repertório e que fazem uso de diferentes essencialidades para a

sua execução como, por exemplo, a essencialidade dos movimentos da mímica.

Segundo: o elemento da ficção que, assim como a preponderância dos efeitos de cena, é

banido do seu projeto de teatro, faz-se presente na sua prática, seja através da mímica, que por

natureza trabalha com a idéia de ilusão, seja por meio de diferentes elementos ficcionais

(cenográficos ou de narrativa), de acordo com a necessidade de cada espetáculo. No espetáculo

Casa, Stoklos desconstrói a ficção cenográfica solicitando sua retirada de cena por um técnico,

em Louise de Bourgeois Stoklos assume o efeito da cenografia construindo um espetáculo em

torno da obra da própria Bourgeois. Em sua prática, a artista demonstra não haver uma forma

única na qual o seu teatro se concretiza, preferindo apontar para formas que podem emergir

naturalmente à medida que for necessário, seja por solicitação do performer ou do ambiente ao

qual pertence.

E, por fim, Stoklos afirma a importância, em seu teatro, (aludindo ainda ao não uso de

artifícios e ou quaisquer elementos de ficção), de não admitir o uso de reproduções e citações de

outras idéias, solicitando a produção de textos originais produzidos pelo próprio performer. No

entanto, seus espetáculos assumem idéias que passam por Eurípides, Milton Santos, Louise de

Bourgeois chegando a Spalding Gray. A criação de textos para a performance essencial passa,

portanto, pelo processo de apropriação, de fusão de idéias e conhecimentos em um único corpo


81

de pensamento, em um só corpo de ator. O ator que Stoklos propõe é aquele que busca

respostas em suas origens culturais, históricas e biográficas (e também bibliográficas), partindo

da riqueza que há em cada solidão. Quando tal riqueza é explorada, a solidão deixa de ser

alienante, pois se apóia na observação, tanto da simplicidade, quanto da complexidade do

cotidiano, apontando para um desenvolvimento criativo do homem.

Neste sentido, a apropriação e uso de fragmentos da obra de outros autores para a

articulação e expressão de uma idéia específica faz a ponte entre o indivíduo criativo e o

pensamento humano na coletividade. Através da individualidade, o performer transcende a sua

solidão. Note-se ainda que, de qualquer modo, a prática de Stoklos privilegia a performance solo

como instrumento, onde ela cria e dirige sua cena, sem colaboração hierárquica ou colaborativa,

entrando em contato com o outro principalmente por meio da exposição de seu projeto de cena –

seja em ensaio, seja em performance pública – numa condição de organização que mantém a

estrutura de projeção individual.

Quem procura o Teatro Essencial? Viajantes (atores e performers) que compõem esta

suposta escola, artistas que se sentem oprimidos e desvalorizados pelos apressados processos

de produção de espetáculos do mercado teatral contemporâneo.

Sublinhando a relevância que o trabalho de Stoklos e as propostas do Teatro Essencial

assumem no cenário artístico nacional, destaco alguns nomes que tomaram contato direto com o

trabalho de Stoklos, e que hoje atuam em grupo ou como solistas, ligados às áreas de atuação,

direção, coreografia ou dramaturgia: Guilherme Weber da Cia. Sutil de teatro (Paraná); Ricardo

Napoleão (Minas Gerais); Silvana Abreu (São Paulo); Luis Louis (São Paulo); Vinicius Piedade

(São Paulo); Fabio Vidal (Bahia) entre tantos outros, cada um à sua maneira, encontram-se

apoiados ou inspirados em características particulares à noção de teatro desenvolvida por

Stoklos.

Acredito que Stoklos esteja à procura de um teatro essencialmente nacional, ainda que

tenha, em seu repertório, influências estrangeiras. Não por acaso, o projeto criativo e pedagógico

no qual participei, sob sua orientação, tinha como título Solos do Brasil, isso pode ser entendido

como Solo no sentido de solo performer, mas também com o significado de terra ou chão, visto

que seus integrantes que constituíam o projeto eram oriundos de todas as partes do país.
82

Compreender o título do projeto sob estas duas formas simultaneamente, permite perceber

dimensões mais complexas da iniciativa de Denise Stoklos em seu projeto teatral pedagógico.

É importante dizer que concluindo esta dissertação tenho a certeza que não esgoto

minha aproximação a Denise Stoklos e percebo o potencial de tal pesquisa em um possível

desdobramento sob forma de um estudo de doutorado.


83

APÊNDICE

DIÁRIO DE BORDO E OUTRAS PONTES INVISÍVEIS

01/04/2002:

O primeiro encontro - com Denise Stoklos:

Primeiro de abril, primeiro encontro, primeiras impressões, primeiro dia da mentira em

busca de verdades... Acabo de anotar e já não sei se sou eu ou ela onde, está a verdade?

Teatro é presença. O performer tem que ter presença, o resto é brincadeira, uma vez que

brincamos quando fazemos teatro. Luz, cenário, figurino, texto... Tudo isso são adereços que

escolhemos para compor a tela e, somos nós que escolhemos as cores que farão parte dela.

Projeto Solos do Brasil - Aula aberta com Denise Stoklos Técnicas e procedimentos do

Teatro Essencial.

Tarefa 1: Apresentação dos quinze integrantes do grupo: nome, um gesto e uma frase.

Segunda parte do primeiro encontro - com Luis Louis: Exercício 1: Caminhada pelo espaço e

percepção do ambiente ocupado. Aproveitar este momento para ser único, exclusivo, procurando

enraizar os pés, e empregar a presença para ocupar o espaço. Em seguida, sem se fixar no

espaço, continuar caminhando cautelosamente, um pé de cada vez, retirar cada parte do pé

lentamente, sentindo e percebendo o todo (perna esticada) usar somente o essencial. Exercício

2: Torre Eiffel: inclinar separadamente partes do corpo primeiro para direita, depois para

esquerda: cabeça, martelo (pescoço), peito, cintura, quadril, peso.

Exercício 3: Mímica - O plano da mesa: pegar a garrafa, o prato e servir o café (joelhos

flexionados). Perceber diferentes qualidades para cada movimento: choquinho, pontual, rápido,

estacado, direto, Indireto e contínuo.


84

Exercício 4: Em duplas falar um para o outro sobre seus problemas, tudo aquilo que não

agüenta mais em sua vida, ser forte e ir até o fim, depois falar das coisas boas e gostosas.

Os exercícios técnicos 1, 2 e 3 são básicos da mímica dramática corporal desenvolvida

por Etienne Decroux (1898-1991). Inspirado em estátuas gregas e nas obras de Auguste Rodin,

a mímica de Decroux propõe a análise do corpo por meio da desconstrução, re-construção e

tridimensionalidade da forma, para a criação expressiva do movimento.

02/04/2002:

Expurgando – encontro com Luis Louis:

Exercícios de coordenação motora:

1- Em pé, pés paralelos, mão direita percorre frente do peito, segue subindo, cruza a

cabeça atrás, sobe e faz curva no alto para direita.

Repetir a seqüência para o lado esquerdo, depois repetir com as duas mãos juntas

enquanto uma sobe a outra desce, buscando equilíbrio das formas.

2 - Coluna inclinada para frente, braço direito balança na frente do corpo sentido direita >

esquerda, com o braço esquerdo balançar para frente e trás juntos e alternados para não haver

choque, depois trocar os braços.

3 - Improvisação: Empregar toda energia pra fora, pra cima, em estado de fé e entrega.

04/04/2002:

Discutindo com Denise Stoklos?

Gosto é gosto e não se discute.

Stoklos solicitou um exercício, mais ou menos assim:

Conte alguma coisa, sem linearidade, usando diferentes tons e estilos, sempre sob seu

domínio de escolha, ainda que aparentemente anárquico. Permita que coisas novas apareçam

na tentativa de fugir do lugar comum. Nosso cotidiano não é alimentado de emoção, ele padece

de secura e assim se mantém na ignorância. Valorize sua identidade partindo deste centro (o

seu centro). Este trabalho não é racional. O ator tem medo de ser ele mesmo e de começar a

viver de verdade. Tome seu destino nas mãos. Pegue a sua presença, só assim você estará

protegido.

Reflexões provocadas pelo exercício:


85

Por que sempre temos que fazer coisas? Lembrei de uma música: “Eu não sei dizer nada

por dizer então eu escuto”.

Tenho que quebrar o padrão, parar de repetir padrões de gestos, ritmos e idéias. O tapa

na cara, eu me repito, eu sou o alvo de mim mesma.

Tem algo bom na repetição? Sim, ela nos dá a chance de rever os procedimentos e

recomeçar. Será? A repetição faz parte do processo, ela é primordial, a criança aprende

imitando, não é mesmo?

Ser testemunhal não é o mesmo que ser confessional. É importante a relação do artista

com a dramaturgia, você deve estar apto, pronto para presentificar, tornar idéias vivas.

O “conte alguma coisa” acima mencionado, diz respeito ao uso do corpo como meio

expressivo. Apesar da palavra não ser negada, o foco do trabalho era a criação por meio do

corpo físico. Ao longo do Projeto Solos do Brasil, em momento algum foi privilegiada a

dramaturgia como texto, a orientação recebida sempre foi a de partir da experiência do corpo.

Mesmo durante as aulas de filosofia com Luiz Fugante ou com Gianne Ratto, que trouxe uma

visão mais tradicional de pensar o teatro, entre os outros professores. Todos tinham como mote

central: o teatro desenvolvido a partir do corpo em expressão cênica (dramaturgia de cena ou

plástica). Fomos instigados a escrever sobre o processo e publicar nossas produções no site do

projeto, como forma de compartilhar nossas vivências e instigar possíveis discussões sobre o

Teatro Essencial.

Segundo momento do dia - com Luis Louis:

Exercícios: Torre Eiffel, caminhadas e mímica objetiva.

Diferentemente daquilo que é proposto pela pantomima, que visa substituir a palavra por

gestos, a mímica de Decroux, que também estuda o movimento do corpo, procura faze-lo na

aplicação de princípios ligados ao drama na prática e uso do corpo. Exemplos utilizados: pausas,

hesitações, uso do peso e contrapeso, ritmo e dinâmicas rítmicas, resistência, equivalência,

apoios, ação e reação (casualidade) até o uso de figuras de estilo.

05/04/2002 - Agora não dá mais pra voltar para casa.

O aquecimento foi feito pela Jô Rodrigues (uma das alunas): pés separados e paralelos,

estender bem a parte de trás, peso do corpo nos dedos dos pés, pulsar dez tempos e repetir,
86

juntar os calcanhares e repetir, repetir agora com os pés mais próximos, repetir novamente com

os pés calcanhares juntos.

Com Denise Stoklos

Trabalho de improvisação e levantamento de material:

1- Criar uma cena, encontrar um problema e tentar resolver pela insistência. Exemplo:

Alguém costurando e que acaba costurando os próprios dedos;

2- Repetir em duplas procurando estabelecer relação;

3- Dizer o nome, realizar um gesto e dizer do que tem medo;

4- Criar movimentos corporais a partir de um fragmento de música e fixar os movimentos

(partiturizar).

Trecho da música proposta por Stoklos:

“A saudade é tão suave e passa tão leve

Deixo que ela me carregue

Me leve daqui e de repente a alma toda sorri”.

Comentário de Denise:

As coisas de cunho psicológico são pura aparência, cada um aqui sabe que nosso

interesse é outro.

Reflexão do dia:

Fica esperta. Foi muito emocionante, todos nós estávamos finalmente envolvidos,

inclusive Denise. Em particular vivi uma experiência impar, foi um grito desafinado em meio ao

silencio do rito, todos abraçados, envolvidos, entregues e meu grito curto ecoando nos corpos,

no teatro, um grito primeiro, primordial, ancestral, eu não estava sozinha...Tudo converge.

Energia – Místico – racional

Acho que Denise saiu emocionada. Sei que nosso interesse é outro. Vamos a pesquisa.

Acredito que os trabalhos com apelo de ordem psicológica (desabafos e revelações

sobre a própria vida) tinham como objetivo encontrar no drama pessoal material para

desenvolver novos padrões de movimento, como uma forma de alargar as idéias de Decroux, na

inclusão de princípios de ação (situação dramática) no corpo.

08/04/2002:
87

Denise não veio. Um dia antes ela disse: “Tenho medo que vocês se sintam

desprotegidos”.

O que houve? Ninguém sabe. Terminamos um pouco mais cedo.

Deslocados, descobrimos na ausência, uma forma de trabalharmos juntos.

Seguimos a idéia de ritual sugerida pela Tiche Vianna (outra aluna do projeto), então

fizemos uma roda de conversa, onde cada um tinha apenas uma única oportunidade de falar.

Segundo momento - com Luis Louis:

Exercício novo...muito legal parece com Tai chi chuan, acho que era mesmo.

09/04/2002 - com Luis Louis:

Exercício 1: Todos juntos; “Vamos brincar de ser uma cobra? Sim vamos”.

Exercício 2: Caminhadas pelo espaço com ponto principal, que deve anteceder todo o

resto do corpo. Testa, nariz, queixo, peito, barriga, quadril, joelho e finalmente pés. Verificar a

voz e as sensações e tipos que surgem durante o procedimento.

Na mímica as caminhadas são freqüentemente chamadas de marchas.

10/04/2002 - com Denise

Exercício 1: Apresentar um gesto cotidiano, insistir nele como se ele estivesse colado,

até transformá-lo em outro, e então, congelar uma parte do corpo, enquanto o resto continua em

movimento, descongelar completamente e continuar em movimento enquanto investiga alguma

expressão sonora;

Exercício 2: Segue o movimento sem som, congelar totalmente elegendo uma

determinada máscara;

Exercício 3: Encontra alguma imagem cotidiana, congelar e repetir procurando setorizar

cada uma das partes, para que cada uma possa ser destacada.

Os exercícios 1, 2 e 3 são apresentados por Stoklos como criações da própria artista.

11/04/2002 - com Denise

Leitura de textos: Rubens Correa, Umberto Eco, Pina Bausch, Dalai Lama, movimento

sem terra, Milton Santos.

Orientação dada para exercício de improvisação: Seja original, de acordo com sua

origem. A técnica escolhida deve estar a seu serviço, para ajudar no levantamento de temas e
88

dramaturgia. As buscas pessoais devem nos levar a uma identificação geral, referencia direta e

por meio de metáforas, do geral para o particular, do político para o social.

Nenhum dos textos indicados corresponde à dramaturgia teatral, correspondem a

depoimentos e biografias.

Comentários:

Ser técnico sem perder a emoção. É importante perceber os sinais da vida e,

compreender que agir criticamente é dar uma informação para fazer o outro crescer, ajudá-lo a

encontrar em seu tema pérolas e colocá-las no lugar das lantejoulas.

Um processo de investigação é sempre muito desgastante, e é capaz de produzir

encontros e desencontros, acontece que vivemos em uma cultura sentimentalóide, por isso

temos medo de ser brega ao representar, tememos aquilo que não é e usamos sinônimos, por

isso não há emoção, há reprodução da emoção, precisamos romper com isso, necessitamos

estar em contato com a emoção mais pura, a mais forte de todas aquela capaz de transformar.

Não há separação entre a vida e o teatro. No teatro estamos protegidos a medida em que

realizamos escolhas na tentativa de encontrar um lugar onde seja possível atuar com autoridade

e, neste sentido, cada ator tem seu teatro essencial que, corresponde a requisição pessoal,

necessidade e emoção.

A ação é revolucionária e o anarquismo às vezes anda junto. Não precisa ter receios

superficiais do sistema, basta respirar, buscando um lugar de afirmação, desejando ser,

encaixando e desencaixando, experimentando limites, temas e decorações. Como artistas não

somos diferentes, nem superiores a qualquer outra pessoa e, não há nada e ninguém que possa

nos ajudar, apenas o confrontamento consigo mesmo, e neste sentido o ator nunca está

satisfeito. Seja uma autoridade no seu teatro, informe isso à comunidade, assuma este papel,

isso é ter resistência vocacional.

Quatro pontos importantes percebidos hoje: Todo teatro é político; Todo teatro articula

metaforicamente com a realidade; Trabalha com as emoções; E busca ser original.

O termo político aqui mencionado faz referência àquilo que Stoklos assume como micro-

política, onde cada um faz a sua parte no processo social.


89

12/04/2002

Aquecimento com Tiche Vianna: espreguiçamento, uso dos quatro apoios, um e dois

apoios nos três planos (baixo, médio e alto). Corpo inteiro em movimento, paradas mantendo o

movimento interno e caminhadas com impulso a partir do quadril.

Com Denise:

Leitura de textos:

“Há de se começar pelo ovo” Antonio Abujamra

Exercício 1: Encontrar uma voz através da postura muscular do rosto, em seguida,

provocar uma determinada pausa e que contenha um tônus, seguir experimentando, procurando

estabelecer relações com elementos de pausas, espasmos, isolamento de partes do corpo e

ponto fixo.

23/04/2002 - Mímica com Luis Louis

Exercício 1: Repassamos as caminhadas do tipo 1, 2, 3, 4, 5, 6 (bolinha de tênis);

Exercício 2: Escalas corporais: cabeça, martelo, peito cintura, quadril e peso;

escalas corporais em onda;

Exercício 3: Movimentos isolados;

Exercício 4: Pincel com as mãos na bolha (procurando realizar movimentos circulares

com a cabeça, pescoço, peito, cintura e quadril);

Exercício 5: Experimentar diferentes qualidades de movimento: global, toque, toque-

toque;

Exercício 6: Mímica das mãos nas paredes e em barras de ferro;

Exercício 7: Figuras de estilo: toca discos e anjo.

Improvisação autobiográfica - com Denise Stoklos:

Apenas três atores apresentaram suas improvisações eu, Danilo e Roberto. Foi

importante ter apresentado, e ela gostou muito! Trabalhei a partir do vazio, não tinha preparado

nada, fui pega de surpresa, jamais imaginei ser chamada, ainda mais para iniciar os trabalhos do

dia. Fiz cara feia, mas fui. Enquanto Denise explicava os princípios do trabalho fiquei ao seu

lado, fiz pequenos gestos e movimentos. Durante o exercício poderia usar uma cadeira. Iniciei no

vazio, um ou outro gesto, nada importante, então me voltei pra cadeira e a arrestei até o fundo
90

da sala e assim comecei, no vazio. O corpo entrou em movimento, a voz, e as idéias foram

surgiram. Foi minha biografia mesmo, parti de assunto bem antigos...Biguaçu (Pássaro que voa

sobre o rio), Prefeito perfeito, problema genético, casa, sobre pessoas e suas opiniões, IPTU e

não sou mais a mesma.

24/04/2002 - Mímica com Luis Louis:

Começamos enrolando e desenrolando a coluna. Depois fizemos uma saudação ao sol,

um pouco diferente daquela que eu já conhecia, esta é mais pontual e exige bastante alongando

do corpo. Abrir os braços esticados na lateral do corpo, subindo-os até as mãos se encostarem,

depois descer os braços até o chão com as pernas alongadas, (os pés devem estar juntos e os

dedos abertos). Subimos primeiro a cabeça então alongamos formando a imagem da mesa,

descemos novamente, num salto levamos as pernas pra trás todo o peso do corpo nos braços

sem encostar o peito no chão, alonga o peito frontal, aponta a bunda pro teto abri os ombros e

alonga os braços enraíza as mãos, “senta” sobre as pernas e num salto volta a ficar em pé com

as mãos tocando o chão, lentamente vai subindo (repete várias vezes).

Exercício 1: Montar uma figura, fixar, rapidamente desmontar e remontar a mesma figura.

Exercício 2: Transformar um mini objeto em quadrados, e depois numa pequena bola

que vai crescendo e crescendo, até ficar muito grande.

Com Denise Stoklos:

Continuamos a apresentação dos improvisos sobre o tema autobiográfico.

Eglâ, Elvis, Jorge e Jô. As flores começaram a desabrochar, todos estavam apropriados,

fazendo um teatro de alta qualidade. Foi muito bonita em especial a história tocante contada pelo

Jorge sobre seu pai e, ainda, a revelação inesperada de Jô.

Anotação dos comentários feitos por Denise: A gente não maneja as coisas que criou

para nos servir. Estou em busca de uma dramaturgia nacional. Mais uma vez Stoklos nos pediu

pra escrevermos sobre o processo que estamos vivendo o que pretendemos com nosso teatro,

Denise orienta que, nossa autoria e escolha de linguagem devem partir de um caminho pessoal,

variando a ótica sem sair da presença.

Chame-me, me convide a assistir, não vá até o fim daquilo que está fazendo, é

importante não sentar no pensamento, precisamos ir de um lugar para o outro com facilidade e
91

assim variar o universo, solicitar a persona. Coisas concretas, nada deve ser aleatório. O

performer tem que estar engajado e agir politicamente para trabalhar com diferentes propostas

emocionais como por exemplo: ser amoroso, ter compaixão, honestidade (como encontrá-la?).

21/05/2002 - com Luis Louis:

Exercício 1: Ponto de partida encontrar um ponto zero ou um corpo neutro, construir

parte por partes de uma figura estatuaria utilizando movimentos com qualidades de staccatto e

isolado (poses para fotografar).

Exercício 2: Câmera lenta iniciando com velocidade normal alternando com ritmos mais

lentos, fazendo pra si mesmo e para o outro, variando o foco do trabalho e outras velocidades.

Exercício 3: Isolamento (parte por parte) em staccatto, variação da máscara, da

neutralidade a expressividade máxima e retornando pelo caminho inverso, trabalhando a

variação de rítmica, indo no limite da lentidão a rapidez.

Exercício 4: Modelagem: um modela o outro com apenas um dedo, depois dois dedos e

não na “massa”.

Observação: quem está sendo modelado pode variar determinadas partes do corpo ao

receber o toque, por meio de impulsos que reverberam até partes não tocadas. Qualidades de

movimentos: a) flutuação (continuo leve e com velocidade equilibrada); b) Câmera lenta (atenção

com o olhar, nele a velocidade pode ser alternada também); c) Estátua e estátua em movimento

(movimentos isolados); d) Extensor e corda do extensor (mímica objetiva); e) Surgimento do

mundo; f) Movimento triplo: profundidade, lateralidade/rotação e inclinação.

Exercício 5: Contar histórias: em circulo um vai pro centro e faz movimentos grandes

(lente de aumento) depois conta história.

Sem data

Exercício 1: Coreografia com música e objeto imaginário, criar várias situações diferentes

de uso do objeto criando pequenas histórias, criando uma lógica organizada por pulos ou

associações;

Exercício 2: Câmera lenta com foco nos pés e mãos, procurando trabalhar a introversão

e extroversão das partes;

Exercício 3: Liberar o corpo do automatismo cotidiano;


92

Exercício 4: Criar novos padrões de movimento, inspirados em esportes, por meio de

imitação, começar imitando o padrão de movimento de atletas como, jogador de boliche,

jogador de futebol, capoeirista etc;

Exercício 5: Experimentar diferentes impulsos e contra - impulsos dos princípios

selecionados, testar diferentes possibilidades expressivas: lento, rápido, brusco, suave,

pequeno, grande, mudando de direção.Trabalhar 30 minutos cada princípio;

Exercício 6: Exaustão, compreender como o corpo responde ao passar pelo primeiro

limite e, quando o cérebro começa a produzir endorfina ele se sente exausto mas não cansado,

aproveitar para colocar o cérebro para trabalhar em diferentes direções, tamanhos e energias.

Realizar uma imagem com o corpo e deixá-lo trabalhar, pensar em movimento.

Exercício 7: Usar os ressonadores: cabeça trás, frente, peito e abdome.

Terceira etapa: construir dramaturgia, uso de música...Ter idéias.

Reflexões: Treinamento físico e treinamento mental são importantes para quebrar o

automatismo. Alguém falou em teoria quântica. Ser um com sua ação, para isso é necessário

estar decidido, ter intenção é o mesmo que ter tensão dentro do corpo, energia que você injeta

num objeto que é sua vida pensando com o corpo.

Como ser um ser de todos os tempos? Qual o prazer da vida?

Eu sou...

Eu estou.

Por favor, me digam o que eu sou, que espaço eu ocupo no mundo? Já sei que todas as

pessoas no mundo possuem bons sentimentos inclusive aquelas que renegamos ou que nos

renegam. Cada utensílio novo tem um propósito e resolve um problema à custa de gerar outros

dez complexos e novos problemas, mas e o artista? Que compromisso tem? Com quem?

Pós-modernidade o que é? Descrição de um aparelho doméstico? E se eu não me

adaptar? Eu sempre penso que não vou me adaptar, e logo me dou conta que já estou

adaptada, dá minha forma, muitas vezes sem forma. E caso eu, venha a não acreditar na

verdade que estão me apontando? E se eu quiser voltar? E se eu for mal avaliada? Padrões de

avaliação, as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação. O que realmente tem

valor na vida? Existem discrepâncias existentes entre os pensamentos das pessoas e suas
93

ações como também a diversidades em seus impulsos plenos de desejo. Sentimento oceânico.

Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos. Não tente descrever seus sinais fisiológicos,

não pularei para fora deste mundo. Estamos nele de uma vez por todas, e é o único eu

conheço.Isso equivale a dizer que se trata do sentimento de um vinculo indissolúvel de ser uno

com o mundo e seus externos, como um todo. Estou sendo corretamente interpretada?

17/04/2002 - com Denise:

Ciência: Controle, domínio e propriedade.

Exercício 1: Do gesto cotidiano à transformação gestual;

Exercício 2: Criação de cena com texto biográfico com uso dos seguintes recursos:

pausas, e transformação de gesto cotidiano em outro gesto reconhecível; Utilizar também

diferentes ritmos, tonalidades e intensidades. Partindo da emoção para construir um outro gesto

especialmente para esse teatro que não é teatro (no sentido do faz de conta); Entre um assunto

e outro deve haver uma teatralidade específica, para isso utilizar os isolamentos. Valorizar o

começo e o fim de cada processo. O corpo inteiro deve estar comprometido para sair da sala de

visitas. Construir para desconstruir. Dar ao detonador uma nova oportunidade de reorganizar e

destruir tudo que não te proporciona ser livre e feliz, sair da cadeia da inutilidade humana,

possibilidade de mobilizar com responsabilidade.

Meus comentários: Tudo é tão ilimitado. Quero uma arte que revele. Que lugar eu ocupo

no mundo. Não quero ser apenas um ruído. O que me leva até aqui é o sofrimento “estou cada

vez mais só”. Einstein. Preciso pegar a “coisa em si” o que faz alguém pegar uma florzinha? E o

outro uma pedra? O que eu tenho, o que nos une? O que eu significo para o outro, e o outro

para mim?

Comentários de Denise Stoklos: não nego passar para vocês aquilo que me ajudou até

agora, sei que deixo um certo mal estar, também sei que isso não ajuda muito. Tenho uma

sensação, parece que tudo que acontece tem um motivo. Os sinais aparecem, apontam,

conduzem. Qual será a melhor leitura? Temos que encontrar nosso lugar no mundo, nosso

diretor importante, interessante, que se importe realmente.

Mundo labiríntico.

Corpo labiríntico.
94

Caminhada menos solitária, mais solidária, o que é o sagrado dentro do ser humano,

como tocá-lo? Como reacender a esperança e a magia? O ser humano e seus abismos,

vertigem. Provocar no espectador o pensar, emocionar, amar, ser intenso. Qual a condição

necessária para se viver no Brasil? Representar é uma possibilidade de comunicação, num jogo

incrível que mistura realidade e ficção, consciente e inconsciente, sagrado e profano, amor e

ódio, vida e morte, num difícil equilíbrio entre conquistas técnicas e simplicidade na execução.

Levo pro palco minhas idéias, minhas histórias, meus abismos, minha dor, minha luz. Exponho

minhas idéias e recebo como resposta uma nova compreensão de meus problemas, saímos

enriquecidos, com o tempo fui aprendendo a me observar e entender que o ser artista e o ser

humano que sou são a mesma coisa. Arte e vida essas são minhas aspirações. Era brutalizada e

massificada, uniformizada, percebo que o artista, o ator, consegue dissolver essa rigidez

autoritária e mostra-se uno, único, exclusivo.

Sensação de abandono - devemos reproduzir simultaneamente as maravilhas e os

horrores de ser humano, numa recuperação da liberdade da infância.

O artista precisa ter um drama, o medo causado pela falta de sentido, nos faz dar-nos as

costas à vida e começamos a morrer.Quero entrar em contato com toda minha vida, com toda

minha pele, carne, ancestralidade, antepassados.

Não quero mais ser violada.

É difícil conceber esse horror que é o interior e o exterior, que são o verdadeiro espaço.

O interior e o exterior são ambos íntimos, estão sempre prontos a trocar de lugar. O espaço

íntimo perde sua clareza. O espaço exterior perde seu vazio. O medo é o próprio ser. O excesso

de espaço nos sufoca muito mais do que a sua falta.

19/04/2002 - Mímica com Luis Louis:

Exercício 1: figuras de estilo: anjo e arqueiro

Exercício 2: Piatã nos passou exercício: escolher um sentimento e usar os músculos do

rosto para construir uma máscara em oito tempos. Temos que ter controle da máscara. Exemplo:

levantar a sobrancelha depois a boca.

Com Denise:
95

Improviso e experimentação a partir dos elementos: intuição, memória e sensações,

esses elementos ajudarão a organizar o corpo, o ritmo é elemento que transforma e torna

interessante o que é visto. O hara (barriga) deve estar sempre iluminado, para isso utilizar

sempre os Isolamentos.

Importante: realizar uma surpresa ou algo inusitado no final da cena.

Comentários de Denise: não precisamos contar (no sentido de ilustrar), expor as técnicas

que adquirimos e que gostamos de usar, o mais importante é respeitar o estilo, sua técnica não

pode ser uma prisão, os isolamentos devem ser gostosos, feitos a sua maneira. Para isso, crie

uma segunda natureza, aproprie-se dos conhecimentos adquiridos, torne-os seus. O espectador

deve ver várias camadas do trabalho do performer. Confiar no próprio taco e com isso ter

abertura por novo. Criar uma forma e acreditar nela. É o outro (o espectador) que me dá

entusiasmo (deus comigo). A solução está em projetar, ou seja, dar para o outro algo novo para

que ele possa freqüentar lugares que geralmente ele não vai, o intocável, o intangível.

“A gente não maneja as coisas que criou para nos servir”.

Escreva sobre o processo, o que pretende, sobre sua autoria, sobre seu teatro, sobre

sua linguagem. Estou em busca de uma dramaturgia genuinamente nacional.

É preciso variar na ótica sem sair da presença, me chame a viver, me convide a assistir,

não vá até o fim do que está fazendo, não sente no pensamento, vá de um lugar para outro,

procure variações do seu universo, solicite sua persona.

Lembre-se: Nada é aleatório, tudo é concreto. O performer tem que estar engajado, ser

político, ter ação. Pense em diferentes propostas emocionais: ser amoroso, ter compaixão...

Encontro com a honestidade é estar apropriado.


96

Figura 9 - Fotos: Aula aberta com Denise Stoklos (arquivo pessoal)

25/04/2002 - Mímica com o Luis Louis:

Exercícios do dia: Escala lateral, jogo com espada imaginária e ataque nas partes:

barriga, pés, cabeça, ombro direito, ombro esquerdo... Repassando as caminhadas, mímica

objetiva e dramática: livre, transformando um objeto em outro e figura de estilo: toca discos.

Apresentação de cenas, com Vinícius, Miguel, Silvana e Jefferson - com Denise.

“Avoa meu camboré”.

26/04/2002 - Comentários de Denise:

Emoção, potência e intensidade. Quando as pessoas entram em contato com a sua

expressão verdadeira é beleza pura, as pessoas ficam mais bonitas. Ser dono de sua própria

linguagem e se aprofundar nisto, recorrer aos seus medos fará você ficar mais forte. As coisas
97

de cunho psicológico são pura aparência, cada um aqui sabe que nosso interesse é outro (ela

repete algo que já foi dito).

Exercício 1: Província X metrópole. Trabalhamos em grupo criando uma cena coletiva.

Comentários de Denise: solo performance só existe se houver o outro, e ele não é

barato, ele custa muito, custa uma vida inteira. Somos oprimidos, reprimidos, tudo está

comprometido com uma cultura estabelecida que é depreciável. As regras do mercado são

regras políticas. Meu trabalho custa minha vida. Aceitar a luta e o confronto sim, mas não as

regras estabelecidas. Ter atitude política, e perceber que a corrupção está em todos os lugares,

não só na política.

Protagonista é aquele que agoniza primeiro, que morre primeiro, e todos juntos a cada

dia, eu faço o que posso no momento do palco, naquele momento faço o que posso.

Futuramente vamos discutir sobre beleza e liberdade. Só existimos fazendo opções

éticas, o bom e o mau existem e ponto. A nossa estética vem da nossa ética, e isso é assim.

Veja onde você está, e perceba que aquilo que perdemos por causa de uma postura política,

não nos faltará. Meu lugar é no isolamento é onde me sinto confortável, Hoje em dia, Ter é o

grande deus, é o que seduz, e se você se conforma, está vendido, neste sentido o ressentimento

é uma prisão. Existem diferenças entre agir e reagir.

Sem data

Despedida da primeira fase do projeto, comentários de Denise: como usar sua potencia

positivamente? A possibilidade de grandeza tem que ser exercitada. Na vida a gente nunca está

preparada para as adversidades, aqui não (no teatro) a gente tem que estar preparado, não

fugimos à luta, e é só com o outro (platéia) que a gente consegue ser positivo. Assim estaremos,

também, criando uma platéia. Tudo que ela (a platéia) poderia ter feito ela fez, assim só faço o

que é necessário para o outro, isso se impõe naturalmente, serei um serviçal para aquela

construção de cena. Desejar dar terra para cada um, para que se tenha um momento realizado,

que o outro saia mais forte daqui. Acredito no trabalho energético, em coisas invisíveis, ondas

eletromagnéticas, energia de impulso, potencia, eletricidade e em questões humanistas, pensem

sobre isto.
98

Muitas vezes as idéias parecem desconectadas com a energia, o corpo parece

desconectado com seu original. Aquilo que é pessoal tem que ser realmente muito profundo e

deste fundo é preciso encontrar o universal o sal, o tal. No risco total, apenas uma idéia na

cabeça e aí surge o original.

Escolha, chamamento, identidade, identificação, chegar perto da sua própria emoção,

para onde, para quem? Tudo está permeado pela ética, algo que você acredita. Isso faz você ter

opções, escolher qualidade e não o ter, deixe o vil metal passar por você, porque ética tem uma

só e funciona como um sistema, embora o mundo esteja plena transformação, acho que nossa

profissão não existe, e por isso é necessário criar no mundo posições revolucionárias. É

importante analisar critérios, às vezes tenho raiva de não poder fugir dos meus critérios. A

solidão é muito grande se você não quer se entregar. Por exemplo, a questão da produção:

como fazer?

O que vocês querem fazer e como? Quem gosta de mim sofre como eu, sou

provocadora. Pra que estudar? Satisfação pessoal é para o outro. Me preocupo com vocês,

tenho certa compaixão diante de tanta vontade, gente que largou tudo e veio de tão longe, sei

que alguns estão sofrendo. E mesmo assim, vocês estão acreditando de que só se

desenvolvendo é possível continuar, mas só isso basta? É preciso articular as idéias, se você

não consegue mexer com a sociedade nada tem valor. Se a gente está aqui e quer interferir na

sociedade vai fazer o que? Até o teatro dos estudantes é pago, estamos vivendo um momento

de evolução. É preciso comover-se com sua própria profissão. Com seu país. Estamos

protegidos enquanto estamos fazendo nossas aulinhas. Estamos sabendo para onde estamos

indo? Eu não tenho solução, vamos fazer tudo, mas não vamos aprender a colocar no mundo o

nosso trabalho. Tem que furar o sistema, conseguir ter o mesmo que o Miguel Falabella, temos

que revolucionar. Invento e levo lambada. Intenção e resultado, depoimento pessoal, minha

angústia colocada. Quero mudar o mundo, minha a única certeza é a incerteza, não basta ser

artista, tem que ser guerreiro e produtor, ou seja, escolher as armas. 48

48
Entre os solistas que mais tem se apresentado e dado segmento as pesquisas destaco: Silvana Abreu
(espetáculo em cartaz, palestras e cursos), Vinicius Piedade (espetáculo em cartaz, escritor, diretor), Fábio Vidal
(espetáculo ainda em cartaz e mestrado), Tiche Vianna (espetáculo em cartaz, diretora e cursos), Jô Rodrigues
(espetáculo em cartaz), Tainá Azevedo (espetáculo em cartaz e performances) e Jaqueline Valdívia (foco na pesquisa
de mestrado em teatro essencial).
99

Figura 10 - Foto: Eu em aula com Stoklos (arquivo pessoal)

Principais características localizadas no Teatro Essencial:

1) Engajamento na realização de projetos: o ator deve ser o único responsável por sua arte -

erros e acertos são de sua exclusiva responsabilidade.

Este primeiro item chama atenção para a responsabilidade envolvida em

qualquer escolha. Ser um performer essencial exige determinação e ação na

elaboração de projetos, isto é, tudo o que o performer trouxer à cena deve ser

feito por solicitação do tema ao performer, nunca o contrário.

2) Autonomia: transgressão à atuação conformada.

Na busca por autonomia, ainda que o performer do Teatro Essencial não esteja

necessariamente submetido ao isolamento, ele pode contar com a opção de

desenvolver seus próprios projetos e não depender exclusivamente de convites

ou testes para fazer parte de um trabalho.

3) Autodidatismo: para que o ator encontre em suas próprias buscas uma ação teatral coerente

com suas origens e com a busca de autenticidade.

O performer não precisa pertencer a uma determinada escola: antes disso, ele

precisa reconhecer em si mesmo seu desejo de expressão e ser fiel para com a

sua natureza. A técnica é bem vinda, mas a expressão não deve se submeter a

uma ordem hierárquica de formação (ou academicismo).

4) O processo de trabalho é colaborativo ou solo.


100

Cabe ao performer, a cada novo projeto, escolher seu procedimento de ação:

coletiva ou individual.

5) Expansão e multiplicação: um solista nunca está só, a platéia é cúmplice, ator e o público

compartilham o mesmo espaço e tempo.

O Teatro Essencial deve sobretudo comunicar, para que performer e platéia

possam refletir juntos sobre a experiência da vida. Esta característica revela a

importância, para este teatro, do papel do público. É preciso respeitá-lo e, além

disso, proporcionar a ele algo que lhe possibilite uma experiência

transformadora.

6) Transgredir e ultrapassar os espaços e fórmulas permitidas à atuação: por uma técnica

empírica.

Estéticas e ambientes pré-estabelecidos devem ser questionados para que se

produza o novo.

7) Ser um viajante anárquico e matriarcal.

Este ponto remete aos ideais da geração Hippie, que tinha como lema a

transgressão ao sistema por um mundo melhor, pela necessidade de ver o

mundo por outros ângulos e em diferentes formatos de organização: sem

hierarquias (anárquico), valorizando o amor, a liberdade e a condição de ser mãe

(matriarcal), como elementos necessários à redescoberta do mundo.

8) Simultaneidade e contradição: ser um Picasso em cena, apresentando diferentes faces

de uma mesma idéia.

Procedimento proveniente da performance art e próprio da pós-modernidade,

envolve a colagem e cruzamento de imagens e informações. Em ambiente de

complementaridade de dados, o uso da contradição pode chamar a atenção para

a ênfase em alguma questão.

9) Disciplina técnica: o corpo como base de sustentação.

A técnica da mímica no estudo do corpo como suporte para a realização plástica

e sustentação da imagem.
101

10) Presença: o ator é performer e, neste sentido, é necessário ter presença e ocupar o

espaço poético que lhe é de direito.

O ator essencial deve aproveitar cada movimento para ser único e exclusivo no

mundo, pois outro como ele não existe. Este item diz respeito à importância da

potência do ator performer, que deve sentir-se importante e necessário no palco,

sendo um protagonista no sentido de ser o que agoniza primeiro e por todos os

outros (platéia).

11) A tríade corpo - voz - emoção deve estar em consonância.

A base do Teatro Essencial é a organização dos elementos corpo – voz – e

emoção, dando ênfase a um ou a outro elemento de acordo com a necessidade

de cada espetáculo, exemplo: Em Casa e Elis Regina a ênfase está claramente

colocada no corpo, em Mary Stuart e Olhos Recém Nascidos à atenção está na

história contada e nos recursos usados pela voz, já em Desobediência Civil

chama atenção à força com que a artista se coloca em cena, finalizando com a

canção Gracias pela Vida com apelo fortemente emotivo.

12) Os princípios são fixados pela repetição.

A repetição em diferentes instâncias ou conjunturas – tema, partitura ou

procedimento – serve como elemento de composição da cena, um dado

coreográfico que ajuda na composição do todo.

13) O mínimo de recursos para o máximo de teatralidade – “uma idéia na cabeça e um

corpo no espaço”. A técnica está a serviço do ator e do espectador.

Conforme esta concepção, o teatro pode existir sem cenário, iluminação ou

figurino e até mesmo sem a palavra, mas não sem um ator. Mesmo que haja

teatro sem a figura do ator, ainda assim ele terá servido como inspiração para

uma outra teatralidade onde ele não é o centro. Desse modo, tudo que é

produzido pelo ator interessa ao teatro. O Teatro Essencial é baseado, portanto,

no ator/performer, de tal modo que uma performance dentro desta linguagem

sobrevive à falta de luz, de cenário, e de figurino, mas não à falta da presença

humana no palco.
102

14) Exposição de ideologia.

O ator deve exercitar sua independência técnica e ser um investigador de si

mesmo, conseqüentemente um inventor de teatros. O teatro é lugar do humilde,

não do humilhado.

15) Fomentar a luta contra a inércia criativa na vida e na arte.

Não deve haver conformismos na arte e na vida, vida e arte devem se encontrar

em um único ponto, na figura do ator/performer. O performer deve, por

necessidade de comunicação, questionar, refletir, agir e transformar a realidade

em que vive.

16) Rompimento com esquemas dualistas.

O teatro procura anular dicotomias como as que separam o corpo e mente, o ser

e o fazer, o homem e o artista, a realidade e a ficção, a razão e a emoção. Na

visão teatral stokliana, o ser artístico é uno.

17) Afirmação da persona.

No Teatro Essencial não há personagens, há uma persona, a qual executa as

opções cênicas levantadas pelo próprio performer a partir de sua própria

identidade. O ator/performer essencial procura a fricção e não a ficção, ele não

representa uma personagem, ele apresenta a si mesmo em determinada

situação.

18) Resistência à alienação: encenar e escrever sobre temas sociais contemporâneos, para

uma nova dramaturgia.

Só é possível criar ou transgredir mediante a compreensão do que se quer, e

para isso é preciso saber, conhecer a si mesmo e o contexto em que se vive, ou

seja, perceber a história. Desse modo, o teatro deve ser uma escolha

necessária, não deve ser perda de tempo ou uma escolha trampolim para uma

outra mídia qualquer.

19) Elementos técnicos e formais necessários:

Uso de alguns elementos extraídos da técnica da mímica, com destaque para:

Ponto fixo, movimento isolado de partes do corpo, gesto transformado, figuras de


103

estilo, técnica da parede imaginária, da prisão, da máquina de escrever, uso da

máscara facial, imitação, tableau vivant.

Do teatro físico, chamo a atenção para o trabalho de ator centrado no corpo e na

voz e para a presença da música e o uso de coreografia.

Do universo da performance arte, destaco os seguintes elementos: uso da

colagem (cenas e textos), elementos de contradição, uso de espaço não

convencional e repetição de texto, gesto ou quadro e uso de espaços não

convencionais.

Desde o momento da finalização de minha participação no Projeto Solos do Brasil, fez-se

presente uma necessidade de registrar minha compreensão sobre o Teatro Essencial, a qual

advém do meu envolvimento pessoal para com o processo.

Após o final do Projeto, segui mantendo contato com Stoklos por aproximadamente seis

meses, período durante o qual me apresentei em diferentes lugares do Brasil. No entanto, sentia

que ainda havia pouco de mim naquilo que eu estava fazendo, pois minha relação com o Teatro

Essencial encontrava-se ainda em processo de amadurecimento. Talvez esse fato tenha

acentuado a necessidade de organizar todas as idéias e impressões por meio da escrita, com

objetivo de finalizar esta etapa da minha vida e de buscar a minha maneira de viver o Teatro

Essencial, para poder ir além de uma cópia estereotipada.

O fato é que eu nunca abandonei meu Solo do Brasil. Ainda que não o tenha mais

apresentado desde o ano de 2004, procuro mantê-lo vivo na memória do corpo e das idéias, no

sentido de tentar manter e restaurar algo até então ainda não acabado. Por meio desta

dissertação de mestrado, creio ser possível compartilhar a experiência para iniciar uma nova

etapa, uma vez que os conhecimentos adquiridos naquele momento já passaram por seu

amadurecimento. Penso ter encontrado, na realização deste mestrado, uma forma correta para

compartilhar o investimento pedagógico que com tanta honra recebi, ao participar do projeto

Solos do Brasil. A realização do mestrado mostrou-se, portanto, como ocasião de importância


104

fundamental no que diz respeito a restaurar algumas lacunas conceituais necessárias a uma

nova reflexão e reaproximação com o Teatro Essencial de Denise Stoklos.


105

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- O Príncipe Constante (espetáculo) – Direção e Produção: Jerzy Grotowski. Polônia, 1962.

Solos do Brasil
Solos do Brasil. (espetáculo) Direção e Produção: Denise Stoklos, Cláudia Dorey e Jaqueline
Valdívia. São Paulo, 2003.
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Roda Viva
- Denise Stoklos. Realização e produção: TV Cultura, 2001.
- Marcel Marceau. Realização e produção: TV Cultura, 1997.
- Milton Santos. Realização e produção: TV Cultura, 1997.

Entrevistas e depoimentos:

2007: Com Alberto Guzik, Claudia Dorey, Cristóvão Tezza, Denise Stoklos, Silvana Abreu e
Tiche Vianna, por e-mail.
2006: Jorge Baia, Fabio Vidal e Danilo Souto Pinho em São Paulo.
2002: Denise Stoklos no projeto Solos do Brasil em São Paulo SESC - Ipiranga.

– todas as entrevistas e depoimentos foram colhidos pela autora desta dissertação.

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