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VÍSCERAS: O ENCONTRO COM O OUTRO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA


DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

MARINA DEL CÁRMEN RODRIGUES DE OLIVEIRA

VÍSCERAS: O ENCONTRO COM O OUTRO

PORTO VELHO
2018
MARINA DEL CÁRMEN RODRIGUES DE OLIVEIRA

VÍSCERAS: O ENCONTRO COM O OUTRO

Monografia apresentada ao Curso de Artes


Visuais, da Universidade Federal de Rondônia
– UNIR, como requisito parcial para a obtenção
do título de licenciada em Artes Visuais, sob a
orientação da Profa. Dra. Pritama Morgado
Brussolo.

PORTO VELHO
2018
2

MARINA DEL CÁRMEN RODRIGUES DE OLIVEIRA

VÍSCERAS: O ENCONTRO COM O OUTRO

Monografia apresentada ao Curso de Artes


Visuais, da Universidade Federal de Rondônia
– UNIR, como requisito parcial para a obtenção
do título de licenciada em Artes Visuais.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Pritama Morgado Brussolo (Orientadora)


Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR
Assinatura: ______________________________

Prof. Dr. Luiz Daniel Lerro (Examinador)


Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR
Assinatura: ______________________________

Prof. Me. Edison do Carmo Arcanjo (Examinador)


Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR
Assinatura: ______________________________

Monografia aprovada em: ___/____/_____.


3

Dedico este trabalho ao sagrado feminino que nos habita.


4

AGRADECIMENTOS

Sou grata a todas as pessoas que se encontram por meio da arte; e aos meus encontros
proporcionados pelo universo.
Ao encontro com Pritama, que proporcionou auxílio, companhia e extrema
generosidade ao me guiar neste trabalho que nasceu das minhas entranhas e transformou-se em
algo visceral em definitivo.
Aos professores Luiz Lerro e Edison Arcanjo, por terem aceitado contribuir com esta
produção, compondo a banca examinadora.
A todos os professores do Curso de Artes Visuais, pela imensa colaboração para a
consolidação da minha carreira acadêmica. Em especial ao encontro com os professores André
Luiz Rigatti, pela paternidade com a qual adotou este trabalho; e Felipe Martins Paros, por seu
olhar e coração tão poéticos.
Aos grandes amigos de jornada Bruna Marini e Sigrid Gouvêa, que me auxiliaram no
processo de encontro introspectivo; Éricles, Adriana e Marllon, por me ajudarem a tecer o
encontro com o eu artista.
Ao meu encontro de amor, Aline Amaral (Lih), parceira apaixonada em todos os
momentos.
À minha família pelo auxílio na construção poética do meu eu, em especial ao Fábio,
“paidrasto”, suporte inigualável.
Ao encontro maternal com Marasella del Cármen, sem a qual eu não estaria aqui. Por
todo o seu incentivo educacional, pela criação ética e moral e por ser a melhor mulher que se
dispõe a ser. Aqui encontro meu lar!
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Tive de me esforçar para contar o caso: contar histórias é uma arte menor. Coisa para
velhas, andarilhos, rapsodos cegos, criadas, crianças – gente com tempo a perder.
Antigamente, as pessoas ririam se eu bancasse o menestrel – não há nada mais ridículo do
que uma aristocrata que se mete a artista -, mas a esta altura não me importo mais com a
opinião pública. A opinião de quem está aqui: das sombras, dos ecos. Portanto, vou tecer
minha própria narrativa.
(ATWOOD, 2005, p. 17)
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RESUMO
Pretendeu-se com este trabalho discutir acerca do processo criativo como forma de
compreender o meu papel na condição de artista pesquisadora, por meio da análise
metodológica da pesquisa em arte da performance, proposta por Sandra Rey (2002). Partiu-se
da performance autoral Vísceras, por meio da qual julga-se imprescindível refletir sobre a
questão elementar que precede o movimento criador, sendo esta a relação poética do encontro
inerente à minha obra de arte. Propus-me a investigar minuciosamente o meu próprio processo
de construção artística para compreender então como se concebe Vísceras. Iniciou-se pelo
estudo da construção da linguagem da arte performática no intuito de auxiliar a compreensão
no entendimento da performance autoral. Traçou-se um apanhado histórico acerca da arte
performática até a chamada Estética Relacional, nomeado por Nicholas Bourriaud (2009) e está
presente tanto no que delineia arte performática como no conceito estético do presente trabalho.
Contextualiza-se a metodologia como instrumento essencial deste processo, sendo apenas
possível por meio desta a análise da presente obra de arte. Acredita-se que a metodologia de
pesquisa em arte transforma-se em instrumento poético, uma vez que é apenas através desta
que se torna possível conhecer e compreender ambas, subjetividade e teoria de arte, presentes
em Vísceras. Esboça-se a análise da performance Vísceras para então unificar os conceitos
elucidados na busca por reaver as referências significantes à performance e ao processo de
concepção prática desta, onde entrelaçaram-se história da performance, estética e poética no
intuito de explanar o movimento criativo referente a construção do trabalho visceral desta
performance.
Palavras-chave: Estética Relacional. Poética. Estética. Performance.
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ABSTRACT
By this work it was intended to discuss the creative process as a way to understand my role in
the condition of researcher artist, through methodological analysis of research in art, proposed
by Sandra Rey (2002). Through copyright performance Visceras, by means of which it is
essential to reflect the question that precedes the creator motion, being this the poetic
relationship date inherent in my work of art. I set myself to investigate thoroughly my own
artistic construction process to understand so as it is conceived Visceras. It was began the study
of the construction of the language of performance art in order to aid the comprehension in the
understanding of performance. Traced a history about the performance art caught up to the so-
called Relational Aesthetics, named by Nicholas Bourriaud (2009) and is present in both as in
what outlines performance art as in the aesthetic concept of the present work. Contextualizing
the methodology as a key instrument of this process, being possible only by this the analysis of
this work of art. It is believed that the art research methodology in art becomes a poetic
instrument, since it is only through this it is possible to know and understand both, subjectivity
and art theory, present in guts. Outlines the performance analysis to unify Visceras concepts
elucidated in the search in order to get significant references to the performance and the design
process of this practice, where intertwined history of performance, aesthetics and poetics to
explain the creative movement for the construction of the visceral work of this performance.
Keywords: Relational Aesthetics. Poetics. Aesthetics. Performance.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – SEM TÍTULO (2002) 22


FIGURA 2 – EL PUERTO (1992) 23
FIGURA 3 – ESCUTO HISTÓRIAS DE AMOR 24
FIGURA 4 – A ARTISTA ESTÁ PRESENTE 25
FIGURA 5 – VÍSCERAS 26
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 – DA PERFORMANCE ATÉ A ESTÉTICA RELACIONAL ................. 13
1.1 A ESTÉTICA RELACIONAL ........................................................................................... 15
CAPÍTULO 2 – POÉTICA, ESTÉTICA E MÉTODO: O MOVIMENTO CRIADOR .. 17
CAPÍTULO 3 – O TEAR DE UM ENCONTRO VISCERAL ........................................... 21
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 27
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 29
10

INTRODUÇÃO

Às vezes penso, [...] que há apenas duas eras realmente importantes na


história do mundo. A primeira é o aparecimento de um novo meio para a arte,
e a segunda é o aparecimento de uma nova personalidade também para a arte.
(WILDE, 2000, p. 10)

Ao iniciar os estudos em Artes Visuais e entrar em contato com as diferentes linguagens


e estéticas artísticas, foi despertada em mim uma série de indagações internas relacionadas ao
que é o processo criativo; onde a arte se encontra na era da globalização virtual e, ainda, como
os vínculos de aproximação podem se reestabelecer por meio da arte. Deste modo, determinada
a criar uma obra de arte que sanasse tais questões, nesta pesquisa, busco refletir em como a
performance autoral Vísceras se constrói em meio à poética do encontro e como a estética
relacional permeia este encontro.
No intuito de esclarecer a perspectiva sob a qual se constrói este trabalho é
primordialmente importante diferenciar a metodologia de pesquisa em arte da pesquisa sobre
arte. Conforme Sandra Rey (2002, p. 125) – artista plástica, gaúcha e professora titular da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –, a primeira refere-se ao trabalho do
artista-pesquisador e seu processo de criação, já a segunda diz respeito ao estudo teórico da
obra de terceiros, papel dos historiadores de arte. Portanto, é mediante a metodologia de
pesquisa em arte que se delineia este trabalho.
Introduzindo então a metodologia de pesquisa referente a este trabalho, parto do
princípio da experimentação como exercício inspirador e etapa inicial do movimento criador,
conceito de Cecilia Salles (1998), pesquisadora brasileira da área de linguística e de criação. O
movimento criador se estrutura a partir de técnicas, texturas, conversas e pesquisas, às quais me
guiaram a tomar decisões importantes no processo de criação e efetivaram a performance como
linguagem artística abordada.
Anunciando a segunda etapa metodológica, a prática, contextualizo a escolha da
performance enquanto linguagem artística, pois acredito que esta abrange e reflete o tempo
(recorte cronológico) e o lugar de onde falo. É nessa fase do processo que reflito acerca de
adequações fundamentais à obra e a mim, a exemplo do lugar, da maneira como se constrói o
trabalho, dos “porquês”; bem como adequá-las à materialização da obra. Aqui, as possibilidades
e adequações são infinitas, considerando a mutabilidade do processo criativo, as inferências e
necessidades da obra de arte final.
11

Assim, refiro-me à última dimensão da metodologia de pesquisa, que consiste no


processo de escrita do trabalho científico de modo a almejar relacionar artista e participante à
obra de arte, a partir da performance proposta, e também relacioná-la ao seu próprio lugar na
arte.
Este trabalho tem então o desejo intrínseco de questionar o recorrente distanciamento
das relações interpessoais, consequentes da dita comunicação, uma vez que na era da
globalização, a diminuição das distâncias geográficas por meio da virtualidade resulta tanto na
efemeridade de vínculos quanto no distanciamento de si mesmo. Deste modo, busco incentivar
o resgate de nossas próprias histórias, cultura e tradições como caminho para a redescoberta das
relações de interação, processo este que nomearei de encontro.
Ainda neste sentido, procuro anunciar o papel da arte pós-moderna como facilitadora
destas relações, propondo o distanciamento das belas artes por acreditar que para construir este
(re)encontro o contato humano é inevitável e por isso a performance do encontro é importante.
Não obstante, questiono o papel do público-espectador, aquele que minimamente
interage com o produto final cabendo-lhe unicamente o poder de contemplação e interpretação
subjetiva do objeto de arte, propondo a essencialidade do público como participante ativo e co-
criador na descoberta de uma obra em comunhão. Consequente a esta relação entre artista e
participante, existe a expectativa de transformação do sujeito que se propõe ao encontro, seja
por meio da artista ou do participante, que deveria reverberar em outros espaços além, daquele
que teve por meio da experiência estética.
Sendo assim, logo no primeiro capítulo almejo construir uma síntese histórica acerca da
performance, partindo dos autores Renato Cohen (2002), artista e pesquisador porto alegrense,
sobre a performance, e Roselee Goldberg (2007), historiadora e crítica de arte norte-americana;
até o momento em que a arte performática desmembra-se em Estética Relacional. A partir daí
serão enfatizados também Nicolas Bourriaud (2009), pesquisador francês da arte
contemporânea, a fim de guiar o leitor pelo processo de descoberta do encontro como poética
e estética no presente trabalho.
Já no segundo capítulo pretendo discutir o movimento criativo a partir de Cecilia Salles
(1998), bem como abordar os conceitos de poética e estética, discutidos a partir de Luigi
Pareyson (2001) – filósofo italiano, já falecido, que se dedicou a estudar a estética –, que
permeiam esta pesquisa por meio da metodologia em artes, respaldando-me na autora Sandra
Rey (2002). Há aqui a possibilidade de considerar a metodologia de pesquisa em artes como
um instrumento poético.
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Pretendo por fim, no último capítulo, tear a construção da performance autoral Vísceras,
criando uma base para discutir o encontro como cerne da obra, analisando poética e estética,
trazendo os conceitos discutidos em capítulos anteriores, como a estética relacional e a poética
do encontro e ainda as referências de artistas como Marina Abramović (2010), José Leonilson
(1992), Ana Teixeira (2005-2013) e Karin Lambrecht (2006).
Portanto, é a partir de um movimento dialético, na tentativa de repensar analogias
impostas por valores econômicos e políticos, que rompem com as relações no instante-presente,
em função da proximidade global e em detrimento dos vínculos diretos; e também do resgate
do sentimento de afeto, através de ações aproximadoras, que nos convido a permear a
estética/poética do encontro consigo e com o outro, em oposição à frieza da modernidade.
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CAPÍTULO 1 – DA PERFORMANCE ATÉ A ESTÉTICA RELACIONAL

“Desejamos a ação performativa como sendo uma ilha de desordem no imenso oceano da
arte de consumo, ‘agradável’ ou ‘exótica’. Nos interessa tentar provocar o espanto, o
atravessamento estético da vida cotidiana, a revelação radical das presenças”.
(DENNY; BULHÕES, 2014, p. 6)

Nesta parte do trabalho, desenvolvo um breve histórico sobre a construção da linguagem


artística da arte performática, para, então elucidar o contexto em que se desenvolve a Estética
Relacional. Partindo do princípio da construção da linguagem que hoje chamamos de
Performance, contextualizo, com base em Goldberg (2007), a Europa na passagem do século
XIX para o melhor entendimento das relações então advindas desta linguagem.
Em meados de 1850 acontece na Europa Ocidental a II Revolução Industrial,
movimento que consolidou a substituição da manufatura em função das máquinas, fogo por
eletricidade, a popularização dos automóveis e o liberalismo econômico em detrimento das
pequenas relações comerciais. Como consequência, o barulho industrial, a diminuição das
distâncias geográficas e também a burocratização das relações de comércio resultam no que
chamamos hoje de urbanização. É, portanto, a partir desse contexto que se inicia uma discussão
sobre como a arte deveria coabitar juntos às recentes mudanças radicais no cotidiano das
cidades.
À medida que a urbanização se acomodou, também o fez o mundo ao redor, perdendo
o olhar subjetivo causado pela rotina maquinária, cabendo a arte encontrar seu novo lugar de
existência na nova realidade veloz. Nesse sentido, iniciaram-se diversos movimentos
responsáveis por transformar poeticamente essa nova relação entre velocidade e arte.
Pioneiramente, em 1909, o Movimento Futurista, em suma, postula em seu manifesto a
ruptura com as vanguardas e o levante de um fazer artístico tão agressivo quanto a recém-
industrialização. A reunião de artistas de diferentes linguagens dispostos a criar a partir do caos
e para o caos, partia da livre experimentação, mesclando teatro, música, poesia e arquitetura
para provocar no público o sentimento de revolta. É provável que, para os futuristas, a reação
de indignação era a melhor avaliação da obra de arte. Simultaneamente ao Futurismo, acontecia
na Rússia o Construtivismo, movimento de cunho político que buscava além de romper com as
vanguardas, romper com a influência do circuito ocidental artístico, França-Itália.
É importante lembrar que a Europa do século XX sofria não apenas um abalo industrial,
mas também político. Na Rússia, por exemplo, acontecia a revolução czarista, que
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posteriormente deu origem ao socialismo, portanto, a descoberta de uma identidade nacional


era de extrema importância para a unificação russa. Já no ocidente europeu, a I Guerra Mundial
acontecia, dividindo territórios e supremacias políticas, ou seja, modificando novamente os
ambientes e as relações entre sociedade e espaço.
Ainda de acordo com Goldberg (2007), sucedendo o Construtivismo, surge na Suíça o
Dadaísmo, que se comprometia em questionar ferrenhamente o senso comum e a arte, além do
espaço ao qual esta pertence. O Dada tinha como principal sede o Cabaret Voltaire, espaço
destinado à cena artística independente, que introduziu o distanciamento do espaço institucional
de arte, como museus, teatros, galerias etc. Este movimento é importante para a performance,
pois esta linguagem se constrói no aspecto de aproximação do espectador e pluralidade das
linguagens artísticas, ambas características que não pertencem ao espaço institucional. É ainda
no Dadaísmo que a destruição ganha destaque, destruição não apenas material, mas também de
cânones estéticos inerentes à arte vigente. Assim, os ideais de beleza, elegância e
inacessibilidade perdiam o sentido dentro do Cabaret Voltaire.
Sucedendo o Dada, o Surrealismo põe-se a contestar a realidade como objeto de arte.
Neste sentido, os surrealistas explicavam que “[...] essa ideia se tinha desenvolvido
naturalmente, a partir da sensibilidade contemporânea: ‘Quando o homem quis imitar o ato de
andar, inventou a roda, em nada parecida com uma perna. Da mesma maneira, criou o
surrealismo’” (GOLDBERG, 2007, p. 102). Destarte, os artistas surrealistas propunham-se a
construir cenas a partir de sonhos, pintar realidades impossíveis, principalmente na tentativa de
reaver a liberdade criativa, alheia a realidade moderna barulhenta e corrida.
É importante ressaltar que os movimentos apresentados, apesar de hoje consolidados
artisticamente, eram de cunho experimental. Neste período havia uma intensa interação entre
as diferentes linguagens artísticas, uma vez que poetas, músicos, artistas plásticos, atores e
dançarinos trabalhavam em conjunto e buscavam unificar suas especificidades. Contudo, por
causa desta proposta de unificação e da poética de ruptura, o início da performance causou
estranheza ao público e críticos de arte, que por vezes respondiam de forma intolerante aos
espetáculos. Desta forma, se inicia um processo de transformação da arte até então experimental
para o estudo formal na busca por consolidá-la enquanto linguagem singular.
Em vista disso, nos anos 20, surge a escola Bauhaus que oferecia cursos de artes e
oficinas experimentais, comprometidos com o estudo e a descoberta de novas estéticas, os
artistas-estudantes experimentavam conscientemente em espaço acadêmico, e, desta forma, foi
na Bauhaus onde a performance ganhou pela primeira vez o título de linguagem artística
independente. No âmbito técnico da performance, ela é concebida a partir da união entre teatro,
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artes plásticas, dança e/ou música, entre outras linguagens e por isso é chamada de hibrida.
Assim sendo, “[...] a performance proporciona uma maneira de expandir o sentido de ‘obra de
arte total’ gerado na Bauhaus” (GOLDBERG, 2007, p. 150). Após a Bauhaus, a performance
segue seu caminho como linguagem independente e só então é possível atribuir conceito à
experimentação que a envolve. Desta maneira, em consequência da II Guerra Mundial, a escola
fecha as portas e o circuito artístico refaz-se nos Estados Unidos.
Em termos conceituais Cohen (2002) diz que a performance é uma função do espaço
pelo tempo. Essa função surge como correlação entre esferas micro e macro espaço-temporais;
no sentido micro, o espaço é aquele onde acontece a performance e o tempo é a duração de
determinado espetáculo, já no sentido macro é o contexto histórico cultural ao qual a obra se
refere, interpretando, portanto, que a performance surge como uma linguagem que propõe a
vivência de espaço e tempo enquanto possibilidade estética.
Introduzida a história da performance, trilho o caminho no sentido da Estética
Relacional, conceito apresentado por Nicolas Bourriaud no livro de mesmo título para
posteriormente refletir sobre este conceito em minha performance autoral.

1.1 A ESTÉTICA RELACIONAL

O conceito de Estética Relacional traçado por Bourriaud (2009, p. 147) é,


resumidamente, “[...] teoria que consiste em julgar as obras de arte em função das relações inter-
humanas que elas figuram, produzem ou criam”. Assim, é imprescindível para entender tal
conceito, compreender que a obra de arte analisada a partir deste conceito é principalmente
produtora de vínculos. Neste sentido, “[...] a atividade artística, por sua vez, tenta efetuar
ligações modestas, abrir algumas passagens obstruídas, pôr em contato níveis de realidade
apartados”. (BOURRIAUD, 2009, p. 09).
De acordo com o autor, a obra de arte põe-se então a resgatar relações, principalmente
entre seres humanos, por entender que existe atualmente um movimento de distanciamento
entre indivíduos devido à crescente virtualidade global, e é somente a partir deste recorrente
distanciamento que nasce a Estética Relacional.

A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte
teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a
afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado) atesta uma inversão
radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte
moderna. Em termos sociológicos gerais, essa evolução deriva sobretudo do
nascimento de uma cultura urbana mundial e da aplicação desse modelo
citadino a praticamente todos os fenômenos culturais. (BOURRIAUD, 2009,
p. 12).
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É também ao me aprofundar na Estética Relacional que se torna perceptível que a obra


de arte não se constrói apenas no instante da fabricação, pois para que se atinja a produção de
vínculos é necessário criar a partir de vínculos, sendo, portanto, necessário considerar o
contexto em que o artista, agregador de sentido, produz, para então, constatar a possibilidade
relacional dentro de seu trabalho.
Dito isto, entendo que a linguagem da arte performática permeia a estética relacional
desde o princípio, uma vez que esta procura se relacionar ao seu próprio espaço temporal,
oriundo justamente das relações sociais que a circundam desde a sua origem.
No próximo capítulo contemplarei os conceitos de poética, estética e metodologia em
arte que constroem o movimento criador.
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CAPÍTULO 2 – POÉTICA, ESTÉTICA E MÉTODO: O MOVIMENTO CRIADOR

O que a arte realmente espelha é o espectador, não a vida.


A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte revela que a obra é nova, complexa e vital.
(WILDE, 2000, p. 4)

Na perspectiva de trazer à tona os significados que permeiam o objeto de arte, destacam-


se primordialmente três conceitos que envolvem o movimento criador: poética, estética e
metodologia em arte, os quais serão esclarecidos individualmente ao longo deste capítulo, a fim
de entendê-los alheios a uma obra de arte específica para então, posteriormente, analisar a
performance inerente destes.
A princípio apresento a definição da palavra grega poiésis, traduzida por poética, o que
nos fornece clareza acerca da sua essencialidade dentro do processo de construção da obra de
arte. Neste sentido, poiésis é “a ação ou a capacidade de produzir ou fazer alguma coisa,
especialmente de forma criativa; palavra inicialmente usada como sinônimo de processo
criativo” (DICIONÁRIO INFORMAL, 2006-2018). Advinda da palavra poiéo que tem por
tradução “fabricação, produção” (DICIONÁRIO INFORMAL, 2006-2018), poiésis pode ser
entendido como a “essência da ação”. É por este ângulo que o conceito “poética” se faz
presentes dentro do movimento criador, agregando à obra de arte o sentido de criatividade.
Então, a partir da poética, entendemos que a criação do objeto de arte não se limita
apenas a um ato prático, à fabricação. Nessa direção, é fundamental que a criação, a fim de
tornar-se poética, encontra a subjetividade, também denominada essência. Portanto, é
significativo entender a palavra “subjetividade”, que neste contexto se refere a um “estado
psíquico e cognitivo do sujeito cuja manifestação pode ocorrer tanto no âmbito individual
quanto no coletivo, fazendo com que esse sujeito tome conhecimento dos objetos externos a
partir de referenciais próprios”. (DICIO, 2009-2018). Dessa forma, a subjetividade é entendida
como o exercício de vivência de conceitos e práticas por um indivíduo ou grupo a partir das
suas respectivas percepções de modo a integrar tais ações no mundo.
Partindo desse ponto de vista, Pareyson (2001, p. 17) afirma que poética é “[...] um
determinado gosto convertido em programa de arte, onde por gosto se entende toda a
espiritualidade de uma época ou de uma pessoa tornada expectativa de arte; a poética, de per
si, auspicia mas não promove o advento da arte [...]”.
Destarte, o autor explica que é destinado a poética o lugar de livre criação, pois nesse
espaço não há a intenção de refletir acerca dos conceitos referentes a obra de arte, há apenas a
18

subjetivação, portanto, a internalização de referências afim de transformá-las em objeto de arte.


Aqui, poética se torna um local de inspiração, onde reverbera a subjetividade do artista, que
coloca a essência desse processo em sua obra.
Deste modo, podemos conectar com o pensamento de Sandra Rey (2002, p. 134), que
acredita que a poética, ou a “subjetividade criativa” pode ser considerada aquela parte do
processo onde há a liberdade do artista em criar, sem se preocupar com as amarras conceituais
ou referências teóricas e acadêmicas, já que se trata de um momento de liberdade criativa e
experimental. Por isso, ela considera este momento por meio de “coeficientes de liberdade,
errabilidade e eficácia”. Quando a autora trata sobre a errabilidade, defende que estamos diante
da esfera de experimentação consciente, quando o artista reconhece os limites subjetivos de sua
obra, de modo a englobar possíveis “erros” ou etapas não programadas, externos ao desejo do
artista, mas adaptáveis aos desejos poéticos. Por fim, a eficácia se trata do momento no qual o
artista dá-se por satisfeito em relação ao movimento poético de criação, e nesse instante a obra
conclui-se subjetivamente, agregada de todos os valores essenciais possíveis a ela.
Retomando as palavras de Pareyson (2001, p. 17), quando este diz que a poética “não
promove o advento da arte”, é porque esta se trata principalmente não em conceituar o processo
criativo, mas sim em subjetivá-lo. Sento assim, o conceito de poética está presente como cerne
subjetivo da obra de arte, a essência criativa que se torna então objeto.
Consequentemente a poética, anuncia-se, dentro do processo de criação, o conceito de
estética. De origem grega, aisthêtiké significa “faculdade de sentir; percepção, sensação” e
ainda “habilidade de entender sentimentos/sensações; sensibilidade”. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MINAS GERAIS, 2012). Deste modo, o conceito de estética é frequentemente
definido por dicionários filosóficos, como os de teoria da arte, pois é mediante a percepção da
sensibilidade artística que se constrói o conceito de arte. Sendo assim, é possível entender que
é por meio da área do conhecimento da estética que o artista se faz consciente do lugar da obra
de arte em determinado momento histórico, tomando consciência do valor teórico agregado ao
objeto de arte. É, por consequência, por intermédio dos sentidos e da reflexão, ou seja, da
estética que a arte se conceitua.
Pareyson (2001, p. 2) acredita que o campo da estética se refere a “[...] toda teoria que,
de qualquer modo, se refira [...] à arte: seja qual for a maneira como se delineie tal teoria”
(Grifo do autor). Deste modo, a teoria da estética é a cinesia da teoria que envolve o fazer
artístico e que o constrói, estando profundamente presente no encontro entre obra e fruidor.
Estética é, portanto, e sobretudo, “teoria geral da arte, que pretende estudar a arte nos seus
aspectos técnicos, psicológicos, éticos, sociais e assim por diante” (PAREYSON, 2001, p. 1).
19

Cabe ainda dedicar-me a esclarecer possíveis diferenças entre poética e estética, não as
dissociando, mas entendendo que tais conceitos são complementares. A poética diz respeito ao
que inicia a produção artística, à criatividade que inspira o fazer artístico, enquanto estética é o
estudo consciente e conceitual desta que se torna elemento ativo na produção de significados
(SANDRA REY, 2002, p. 129,). Assim, poética é a presença universal da obra de arte e estética,
a individualidade teórica imposta à obra.
Neste mesmo sentido, Sandra Rey (2002, p. 127) acredita que a produção da obra de
arte permeia simultaneamente os dois conceitos elucidados, pois

[...] desenvolve-se em duas direções opostas e complementares: o pensamento


estruturado da consciência e um afrouxamento das estruturas inconscientes. A
superfície e a profundidade, consciência e inconsciência, estabelecem, durante
a pesquisa, um processo dialético, efetuando trocas na elaboração de
procedimentos, na pesquisa com materiais, na execução de técnicas, na
reflexão e na produção textual.
Portanto, dentro daquilo que se entende por obra de arte, não se pode abster nem da
poética, nem da estética, uma vez que cada um destes conceitos representa em seu universo
particular uma etapa do movimento criador.
Considerando ainda os âmbitos que envolvem o método da criação e do estudo da obra
de arte, processos estes que dentro da metodologia de pesquisa em arte constroem-se
conjuntamente pelo artista pesquisador, é importante ressaltar que, por consequência da
subjetividade envolta à obra e do frequente questionamento consciente do artista-pesquisador,
aquele que cria e estuda a sua própria criação, ou seja poética e estética, a pesquisa em arte é o
estudo da obra em processo, processo este que Cecilia Salles (1998, p. 13) chama de
“movimento criador”. Logo, a unificação dos conceitos poética e estética em função da
construção de uma obra de arte é o que define o movimento criador, sendo este a relação entre
teoria e criação afim de tornarem-se entrelaçados.
Assim, a metodologia de pesquisa em artes, conforme Sandra Rey (2002), trata-se do
estudo do processo criativo autoral, que por sua vez pode ser visto como instrumento para o
entendimento da obra de arte, uma vez que permite a reflexão clara sobre poética, estética e,
em consequência, movimento criador.
Sendo assim, é possível presumir que a obra de arte não segue a convenção de produção
com início, meio e fim, já que a etapa inicial da criação, poética, é uma construção criativa; o
meio, ou estética, é repleto de infusões e devaneios conscientes; e o fim não se instaura, uma
vez que a obra de arte nunca deixa de receber interpretações, pois ao final da pesquisa do artista,
se inicia o trabalho de fruição do participante.
20

Por fim, é importante esclarecer que o movimento criador não segue convenções
cronológicas, posto que cada uma de suas etapas se funde durante o processo criativo a ponto
de confundirem-se entre si, e ainda relembrar que não existe fim neste movimento, pois o
pertencimento intelectual da obra de arte não é individual do artista, mas se constrói mediante
às possíveis interpretações estéticas de cada um dos indivíduos que se permitem encontrar com
e na obra de arte.
21

CAPÍTULO 3 – O TEAR DE UM ENCONTRO VISCERAL

“A criação é, assim, observada no estado de contínua metamorfose: no percurso feito de


formas de caráter precário, porque hipotético”.
(SALLES, 1998, p. 25)

Para tecer a construção da performance Vísceras retomo o conceito de poética


apresentado no capítulo anterior, pois este é pregresso a qualquer outra etapa do processo
criativo. Por acreditar que a poética se desenvolve em meio a subjetividade, e a subjetividade é
a transformação e significação de informações, conceitos e vivências por meio do ser, afirmo
que Vísceras nasce antes de tomar forma física, pois a subjetividade presente neste se constrói
em mim há mais de duas décadas. Assim, traço primeiramente o caminho de construção poética
deste trabalho por meio destas referências e das minhas vivências, para posteriormente analisá-
la a partir dos conceitos estéticos e da metodologia aqui empregada.
No ano de 2016, durante a disciplina de Cultura Visual do curso de Licenciatura em
Artes Visuais, surgiu a proposta de que nós, alunos, concebêssemos uma obra de livre criação.
A partir deste momento iniciei pesquisas sobre possíveis linguagens artísticas, referências e
conceitos que pudessem eventualmente ser transformados em obra de arte, portanto, a etapa da
pesquisa poética estava em ação. Durante a minha formação compilei uma série de nomes e
trabalhos de artistas que foram significativos para o meu processo de construção enquanto
artista, sendo a primeira artista citada Karin Lambrecht.
Esta é uma artista gaúcha, em atividade desde os anos 70 do século XX, que trabalha
com desenho, pintura e gravura, utilizando materiais orgânicos como terra, carvão e sangue de
animais para construir suas obras. Em meio a rituais de sacrifício e criação, Lambrecht busca
unir espiritualidade e arte, bem como à natureza, expondo seu trabalho às diversas intempéries
naturais, agregando as decorrentes modificações causadas à obra.
Na Figura 1, a seguir, demonstra-se o trabalho artístico de Lambrecht. Nesta obra sem
título, a artista ressignifica espaços naturais. A imagem ilustra um exemplo desta
ressignificação a partir do sacrifício de um animal em um ateliê itinerante estruturado à beira
de um rio. Esses espaços se configuram em ateliês temporários. Ao sacrificar uma ovelha e
utilizar seu sangue como pigmento, Lambrecht incumbe à obra a poética da morte, a artista
deixa então que rio lave o suporte, a fim agregar a força da natureza e a energia motora da água
como símbolos de vitalidade.
22

De acordo com Frange (2006, p. 7), a representação dos ateliês temporários “[...] muda
o modo como o artista pensa o seu espaço de produção, pois muitas vezes para concretizar a
obra, é necessário lançar mão de procedimentos que o ateliê não comporta”.
FIGURA 1 – SEM TÍTULO (2002)

Fonte: Frange (2006, p. 7).

Do trabalho artístico de Karin, entendi que a metamorfose e a ritualística do fazer


artístico são de extrema significância, pois é necessária a capacidade de permitir a mudança da
obra ao longo de seu processo. Na poética desta artista se faz presente também a crença na
natureza como elemento criativo, como força motriz do trabalho artístico.
Outro artista importante para a minha trajetória artística foi José Leonilson, artista
cearense, com produção de 1977 a 1993, em sua fase final de produção, integra as suas obras
de cunho autobiográfico a tradição familiar do bordado. Em seu trabalho, o artista relata os
infortúnios da convivência com a AIDS, transformando o bordado em, além de técnica, poética.
Para além da possível necessidade de se encontrar e significar-se além da doença, Leonilson
busca em suas raízes o suporte para a sobrevivência.
A Figura 2, apresentada a seguir, mostra uma das obras deste artista, cujo título é El
puerto (1992). Nesta peça, o artista aborda em um retalho de camiseta suas informações
pessoais, idade, peso e altura, modificados pela contração do vírus da AIDS. Na obra, Leonilson
pretende discutir o luto através da ausência do corpo.
23

A força da simplicidade técnica de José Leonilson me fez entender que o trabalho


artístico não precisa se construir de forma alegórica, que seu impacto pode dar-se mediante das
tradições e de técnicas cotidianas. Assim, herdei o tear como resgate poético das tradições
anciãs. Estas, trouxeram à tona valor estimado à obra Vísceras, a capacidade de me reunir com
outros indivíduos em prol da construção de um tear, que de maneira metafórica significa aqui
o tear de histórias e encontros.
FIGURA 2 – EL PUERTO (1992)

FONTE: Art Basel (2017).

Neste sentido, recordo-me da antiga lenda grega de Pénelope. Esta história relata sobre
a esposa do rei Odisseu que, ao ser convocado para a guerra de Tróia, parte e retorna após 20
anos longe de Ítaca. Durante a ausência de Odisseu, Penélope governa o reino sozinha e após
diversos anos, e aparente morte de seu marido, homens competem pela mão de Penélope e,
consequentemente, pelo reino de Ítaca. A rainha, ainda esperançosa pelo retorno de Odisseu e
na tentativa de adiar um futuro e iminente casamento, promete tecer uma mortalha em
homenagem ao seu sogro, que deverá ser finda após a morte do homem e apenas, então, aceitará
casar-se novamente. Concomitantemente, pede às suas escravas que convivam com seus futuros
pretendentes em busca de segredos e tramas que possam lhe ajudar a adiar, ainda mais, o
casamento. Assim, durante o dia, Penélope tece aos olhos do povo e ao anoitecer, une-se as
24

escravas para desfazer o trabalho, postergando o fim do tear, enquanto ouve os relatos reunidos
pelas mulheres. (ATWOOD, 2005).
O mito de Penélope agrega ao movimento criativo ambos os atos de construção e
desconstrução, são regidas palavras com dúbio significado, remetendo não apenas uma ação
manual, mas, como no mito, a construção e desconstrução de diálogos.
A partir deste ponto, tornava-se claro que a linguagem a ser executada seria a
performance, pois compreendi que a busca poética havia se transformado no desejo de me
encontrar e encontrar outros indivíduos, de dialogar e transformarmo-nos por meio destes
encontros.
Sendo assim, ao conversar com o professor regente da disciplina de Cultura Visual,
deparei-me com o trabalho de Ana Teixeira, artista performática que vai a espaços públicos
disponibilizando uma cadeira e anuncia que escuta histórias de amor, prática que dá título à
obra, conforme Figura 3, enquanto fabrica um enorme cachecol, teado pelas histórias que
escuta.
FIGURA 3 – ESCUTO HISTÓRIAS DE AMOR

FONTE: Castro (2014).

Ainda na busca por referências no âmbito da arte performática, vejo na obra “A Artista
está Presente” de Marina Abramović (NASCIMENTO, 2018) a certeza do encontro, enquanto
poética artística da performance Vísceras. Nesta performance, Marina propõe-se a olhar o outro
pelo tempo que for necessário, assim, a artista se conecta com o outro por meio do olhar, de
25

forma significativa e emocionante, conforme demonstrado na Figura 4. Marina ficou 3 meses


olhando para milhares de participantes que se propunham a sentar à sua frente.
FIGURA 4 – A ARTISTA ESTÁ PRESENTE

FONTE: Nascimento (2018).

No que diz respeito à execução, a performance Visceras sofreu diversas transformações


durante o processo de experimentação. Inicialmente o público participante deparava-se com
uma placa com os dizeres “Conte-me suas mazelas”. Neste sentido, os participantes eram
convidados a sentarem ao meu lado e, a partir de então, iniciávamos um diálogo, tendo como
principal foco as dores do fruidor. Na primeira edição da performance, sentávamo-nos no chão
e a performance acontecia em espaços públicos.
No entanto a delimitação do que deveria ser conversado tonou-se limitadora, pois o
desejo seria que o indivíduo se sentisse à vontade para dialogar, não apenas sobre mazelas, mas
compartilhar o que lhe era conveniente. Portanto, em sua versão final, apresentada no IV
Festival UNIR – Arte e Cultura, a preocupação com a não delimitação do assunto a ser tratado
na conversa resultou na retirada da placa.
Esta performance consiste no tear de uma corda, por mim feita previamente. Ao
apresentar o trabalho, peço que cada um dos participantes modifique, destrua, reconstrua e
converse comigo ao fazê-lo.
A Figura 5 mostra a performance Vísceras sendo realizada. Vale lembrar que na
primeira versão da performance, optei por usar um casaquinho de lã da minha avó, já falecida,
e na segunda versão, usei uma echarpe da minha mãe, com o intuito de me envolver com a
26

proposta do “sagrado feminino” (ESTÉS, 1994)1, ecoando em mim toda a fecundidade do


mundo, a predisposição para a escuta, a possibilidade do afeto, a promessa de aceitação do
outro, o entendimento de que a interação e o vínculo entre mim e o outro pode ser constante, só
precisa ser tecida.
FIGURA 5 - VÍSCERAS

FONTE: Arquivo pessoal (OLIVEIRA, 2018).

Logo, Vísceras existe no viés poético do encontro, no desejo e necessidade de encontrar-


me no outro e de encontrar o outro em mim. Na capacidade de resgatar as relações perdidas
pelo tempo e pela tecnologia, pela urgência da vida moderna, a performance pede que se
disponha tempo para ouvir e falar.

1
É esse conhecimento adquirido quando nos aproximamos da Mulher Selvagem. Quando La Loba canta,
ela está cantando a partir do saber contido nos ovários, um conhecimento que vem das profundezas do
corpo, do fundo da mente, do fundo da alma. Os símbolos da semente e dos ossos são muito
semelhantes. Se tivermos o rizoma, a base, a parte original, se tivermos o trigo para semear, qualquer
dano poderá ser reparado, qualquer devastação poderá ser corrigida com outra semeadura, os campos
podem ficar em pousio, as sementes duras podem ser postas de molho para que amaciem, para ajudá-
las a abrir e brotar.
Dispor da semente significa ter acesso à vida. Conhecer os ciclos da semente significa dançar com a
vida, dançar com a morte, dançar de volta à vida. A natureza da Mulher Selvagem nas mulheres é a da
mãe da vida e da morte em sua forma mais antiga. Como gira nesses ciclos constantes, eu a chamo de
mãe da vida-morte-vida. (ESTÉS, 1994, p. 51).
27

CONCLUSÃO

Os principais vetores deste trabalho foram um desejo, um incentivo, um anúncio, um


questionamento e um convite...
A partir do desejo do encontro e de questionamentos sobre o recorrente distanciamento
das relações interpessoais, procurei incentivar o resgate de nossas próprias histórias, na busca
por anunciar o papel da arte pós-moderna, a partir da performance autoral Vísceras.
Nessa ação mobilizadora de movimentos e de relações, na qual estive impregnada de
tantas outras pessoas, artistas ou fruidores, questionei o papel de cada uma dessas pessoas,
incluindo a mim mesma. Assim, nasceu o convite de permear a estética/poética do encontro
consigo, comigo, e com o outro, como forma de repensar os frios laços estabelecidos na pós-
modernidade, atando e desatando nós que nos amarram e envolvem.
O caminho cumprido buscou compreender os conceitos poética, estética e movimento
criador utilizando como recurso a metodologia de pesquisa em arte que se estruturou no
segundo capítulo desta monografia. Foi nele que alguns cânones pessoais puderam ser
desmistificados, a exemplo da diferenciação entre os conceitos poética e estética, etapa que se
mostrou de árdua conclusão, mas de suma importância para a performance Vísceras.
Ainda no que diz respeito à apreciação da performance, desmembraram-se questões
importantes para a construção estética e poética; assim, substancialmente indaguei sobre o
recorrente distanciamento das relações interpessoais em função da crescente virtualidade
global, identificando deste modo na poética do encontro o meio para resgatar os vínculos
perdidos.
Ao questionar a posição do público-espectador frente à obra de arte e, latente a isto, a
posição da própria obra de arte como caminho para reconstruir afetos, ofereço que o público se
torne fruidor da obra, a fim de que possa vivenciar o (re)encontro consigo e com o outro. Ao
experienciar a performance, tive a oportunidade de compartilhar sorrisos, lágrimas, dores e
amores. Foi por meio do diálogo, da contação de histórias, “causos” e mazelas que tive o prazer
de me encontrar e de presenciar o encontro em outros indivíduos. Por isso afirmo que Vísceras
existe no sentido de fruir sensações, de compartilhar afetos.
No que diz respeito a mudanças a partir das recentes experimentações performáticas2
pude verificar algumas possibilidades a serem aplicadas futuramente, assim, constatei que a

2
A performance foi apresentada durante o IV Festival UNIR Arte e Cultura no período de 5 a 9 de
Novembro de 2018, juntamente ao grupo de pesquisa e extensão do qual faço parte “Espaço para
Cri(ações) Poéticas”.
28

mudança referente à retirada da placa convidativa ao participante não foi bem-sucedida,


causando incerteza no público no que diz respeito a sua possível participação, portanto,
futuramente, a placa com novos dizeres será novamente incorporada. Surgiu ainda o desejo de
agregar uma possível instalação ao aderir a corda tecida às árvores, pois a natureza mostrou-se
parte da construção poética da performance.
A partir do conceito estético do trabalho autoral que permeia o estudo de Nicholas
Bourriaud “Estética Relacional”, adotado nesta produção, observei o quanto a estética delineia-
se em meio ao caos pós-moderno, à perda das relações inter-humanas e individuais em
consequência de avanços tecnológicos distanciadores dos diálogos. É, por isso, que a
performance Vísceras se propõe a resgatar tais relações por meio da poética do encontro entre
indivíduos.
Retomando o conceito de Sandra Rey (2002) acerca da metodologia em artes, posto que
este é o ato de clarificar o movimento criativo por meio do próprio artista pesquisador, findo
por afirmar que foi por meio deste exercício que se construiu este Trabalho de Conclusão de
Curso.
Concluo então que Vísceras é a proposição do encontro na intenção de resgatar relações
esquecidas, inter e intra-humanas. Esta performance afirma-se na teoria da Estética Relacional
e da poética do encontro como peças fundamentais para a revitalização dos vínculos sociais.
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REFERÊNCIAS

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https://www.artbasel.com/catalog/artwork/52501/Leonilson-El-Puerto. Acesso em: 07. nov.
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São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2006. (DVDteca Arte na Escola – Material educativo para
professor-propositor; 90).

GOLDBERG, Roselee. A arte da Performance: do futurismo ao presente. Tradução de


Jefferson Luiz Camargo. Lisboa: Orfeu Negro, 2007.

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SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo:
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30

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