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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

LOUISE DOS REIS GUSMÃO ANDRADE

UM LUGAR DE MEMÓRIA:
A SUBJETIVIDADE DO BORDADO NA INSTALAÇÃO ARTÍSTICA

Natal – RN
2017
LOUISE DOS REIS GUSMÃO ANDRADE

UM LUGAR DE MEMÓRIA:
A SUBJETIVIDADE DO BORDADO NA INSTALAÇÃO
ARTÍSTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito para a obtenção do título de
Licenciatura em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Me. Artur Luiz de Souza Maciel

Natal – RN
2017
LOUISE DOS REIS GUSMÃO ANDRADE

UM LUGAR DE MEMÓRIA:
A SUBJETIVIDADE DO BORDADO NA INSTALAÇÃO
ARTÍSTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito para a obtenção do título de
Licenciatura em Artes Visuais.

Natal,07de dezembro de 2017

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________
Prof. Me. Artur Luiz de Souza Maciel
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN (orientador)

________________________________________
Profª Drª Laís Guaraldo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN

________________________________________
Profª Drª Laurita Ricardo de Salles
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN
DEDICATÓRIA

À elas, que não só reuniram em mim suas cargas genéticas, mas que
juntaram seus fios em uma única tessitura e coseram a teia da minha vida. Àquelas,
que no emaranhado confuso que é a vida, tiveram sabedoria para desatar, quando
necessário, alguns nós cegos que atrapalhavam a costura do meu caminho e me
deixaram a desatar sozinha tantos outros. Que com a mesma maestria que
costuravam, teciam e crochetavam, bordaram em meu ser as linhas que percorrem a
minha vida. Do direito ao avesso, do avesso ao direito, no vai e vem da mão e da
agulha que leva a meada colorida revelando as duas faces de mim, aquela que está
à mostra e aquela que nem sempre está visível. À essas três mulheres baianas, de
personalidades distintas e fortes, que olham por mim de outra dimensão, que juntas
e cada uma a sua maneira, fizeram de mim a mulher que sou hoje.
À minha mãe, Senise. À minha avó Stella, vó Dinda. À minha avó Eurides, vó
Ide.
AGRADECIMENTOS

Nesse emaranhado de linhas que teceram minha graduação, muitas pessoas


foram responsáveis por arrematar os pontos e a ajudar a tecer essa trama cheia de
enredos.
Aos meus amigos que fizeram desse enredo um caminho mais forte, mesmo
quando precisei estar ausente, em especial à Priscilla Albuquerque, companheira de
lutas por esse caminho onde nossas linhas se embaraçam na artesania.
Agradeço aos colegas que juntos pontilharam comigo a graduação e que
agora, assim como eu, seguirão cosendo suas tramas.
Aos colegas que enrolaram seus fios à minha vida, se tornaram amigos e
tanto me ajudaram a costurar meu caminho, levarei vocês para onde eu for. Dudu
(Eduardo Dias), obrigada pelas aulas, paciência e disposição em sempre me ajudar
quando precisei, sou sua fã. Elaine Souza, obrigada por ser a sempre amiga e
companheira que você é e pela força que me deu durante todo o curso. Ocirema
Sousa, você caseou com muito afeto, carinho, força e palavras que sempre me
confortavam, a nossa amizade, e nada melhor para tecer esse caseado, do que a
linda agulha que você me presenteou e que tem um significado tão importante e
especial pra mim, gratidão, sempre, amiga! Kelline Lima, amiga querida, sempre ao
meu lado, costurando tricotando, bordando os enredos dessa graduação, que não
foram poucos. Sempre me puxando de volta para o meu liame, sem me deixar
romper os fios pelo caminho. Sem sua ajuda “Reflorescer” não estaria concebida.
Muito obrigada, amiga por tudo, sigamos juntas nessa vida, estudando muitos tons
de amarelo!
Aos professores do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFRN,
obrigada pelos ensinamentos. Em especial ao Prof. Dr. Vivente Vitoriano, por
sempre estar disposto a nos orientar e pelas conversas, sempre proveitosas e
descontraídas delas, tirei muitos aprendizados. A Prof. Dra Laurita Salles, por estar
sempre por perto de nós, nos acolhendo, conversando e aconselhando, foi um
grande prazer tê-la como professora, muito obrigada. A Prof. Dra. Laís Guaraldo,
que é parte importante da trama deste trabalho como minha primeira orientadora,
mas também no enrolar das linhas dessa graduação, sempre ao meu lado, disposta
a me ajudar, colaborando de maneira preciosa na minha formação, obrigada pelas
oportunidades e experiências que você me proporcionou. Te levo nessa vida, como
amiga, além de professora. E ao meu orientador, Prof. Me. Artur Souza, que me dou
a liberdade aqui de chamá-lo apenas de Artur, meu querido Mestre, professor, guru,
AMIGO, não há palavras para agradecer à sua participação nessa etapa da minha
vida, você não só costurou e bordou o meu caminho, como foi de fundamental
importância para que ele continuasse firme. Deu vários nós cegos e cerziu as
rasgaduras dessa costura que muitas vezes não foi nada fácil e você estava ali, sem
me deixar fraquejar, com a melhor risada do mundo pra me alegrar. Como agradecer
a sua paciência com esta orientanda tão rebelde e que lhe deu tanto trabalho?
Obrigada, meu amigo, você faz parte dessa pesquisa e dessa trajetória, sem você
essa costura teria esgarçado, com certeza! Já Te levei da Universidade pra minha
vida há muito tempo, continuemos juntos por aí à fora, costurando Arte pelo caminho
que passarmos! Obrigada!
À minha família, meu irmão Lúcio Gusmão, minha irmã Erika Andrade, minhas
sobrinhas, Sarah Andrade, Sofia Andrade e Júlia Gusmão e minha cunhada
Fernanda Valverde, vocês também fazem parte dessa história, obrigada.
E principamente, àquele que foi tecido por mim e à quem, durante nove
meses, estive literalmente costurada pelo cordão umbilical, meu filho Caíque
Gusmão. Filho, se não fosse por sua insistência, essa graduação não teria sido
levada adiante, obrigada por acreditar em mim, obrigada por me apoiar, obrigada por
estar sempre ao meu lado, mesmo estando longe. É na sua determinação que me
espelho. Te amo!
Bordo em mim, ponto a ponto, o meu
pertencimento.
A cada passada da agulha e da linha resgato, no
emaranhado do meu labirinto, as minhas memórias,
os meus anseios, os meus medos, e as minhas
alegrias.
Nesse cosimento, vou preenchendo a minha pele,
fazendo dela o suporte para a cartografia da minha
vida.
Louise Gusmão
RESUMO

Um lugar de memória: a subjetividade do bordado na instalação artística é


uma pesquisa em arte realizada a partir do fazer artístico dos pontos executados em
tecido e das minhas memórias afetivas, inserindo o bordado como proposição na
produção de arte contemporânea. Através da investigação e experimentação sobre a
mestiçagem de materiais e memórias produzo novos significados, de onde emergem
imagens e conceitos por meio do fazer. A pesquisa tem como objetivo produzir,
contextualizar e abordar as questões metodológicas inerentes à realização de
processos artísticos na contemporaneidade. Questões que estão ligadas às
influências que o processo criativo sofre, às linguagens tradicionais da artesania que
podem ser incorporadas às práxis artísticas contemporâneas, ressignificando-as,
apresentando novas proposições e cruzamentos de múltiplos sentidos e materiais.
Para tanto, apoiei-me em autores como Cattani (2007), Derdyk (2001), Izquierdo
(1989), Krauss (2009), Rolnik (2014), Rey (2002), Salles (2008), Tedesco (2004),
dentre outros, que norteiam teoricamente a argumentação, construção e reflexão do
trabalho. O processo criativo resultou na produção de uma instalação que tem como
suporte dois painéis em tecido impressos com imagens do meu corpo, reproduções
fotográficas em preto e branco, com dimensões de 100 X 145 cm cada um,
suspensos em um bastidor de madeira que mede 1m². Nos painéis foram feitas
intervenções em bordado, tencionando o tecido-corpo como lugar de memória,
expressando o meu percurso existencial, de mulher artesã à mulher artista, levando-
me a refletir sobre a força deste meio tradicional, que ao acionar as minhas
memórias e experiências vividas, traduz-se tanto como produtor de uma
subjetividade a como a instauração de um trabalho de arte.

Palavras-chave: Bordado, Memória, Processo Criativo, Instalação.


ABSTRACT

Um lugar de memória: a subjetividade do bordado na instalação artística (A


place of memory: the subjectivity of the embroidery in the artistic installation) is a
research in art made from the artistic work done on fabric points and my affective
memories, inserting the embroidery as a proposition in the production of
contemporary art. Through research and experimentation on the miscegenation of
materials and memories I produce new meanings, from which images and concepts
emerge through doing. The research aims to produce, contextualize and approach
the methodological issues inherent to the realization of artistic processes in the
contemporary world. Questions that are linked to the influences that the creative
process undergoes, to the traditional languages of craftsmanship that can be
incorporated into contemporary artistic praxis, re-signifying them, presenting new
propositions and crossings of multiple senses and materials. For this, I supported
authors such as Cattani (2007), Derdyk (2001), Izquierdo (1989), Krauss (2009),
Rolnik (2014), Rey (2002), Salles (2008), Tedesco (2004), among others, which
theoretically guide the argumentation, construction and reflection of the work. The
creative process resulted in the production of an installation supported by two panels
of fabric printed with images of my body, photographic reproductions in black and
white, each measuring 100 x 145 cm, suspended in a wooden frame measuring 1 m².
In the panels were made interventions in embroidery, intending the fabric-body as a
place of memory, expressing my existential journey, from woman artisan to woman
artist, leading me to reflect on the strength of this traditional medium, which by
triggering my memories and experiences as a producer of a subjectivity as well as
the creation of a work of art.

Key words: Embroidery, Memory, Creative Process, Installation.


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Instalação Reflorescer flores............................................................pág 17


Imagem 2: Instalação Reflorescer coração........................................................pág 18
Imagem 3: Instalação Reflorescer, em processo 1............................................ pág 20
Imagem 4: Instalação Reflorescer, em processo 2.............................................pág 21
Imagem 5: Instalação Reflorescer, em processo 3.............................................pág 22
Imagem 6: Instalação Reflorescer, em processo 4.............................................pág 22
Imagem 7: Instalação Reflorescer, em processo 5.............................................pág 23
Imagem 8: Instalação Reflorescer, em processo 6.............................................pág 23
Imagem 9: Instalação Reflorescer, em processo 7.............................................pág 24
Imagem 10: Avô Izaías........................................................................................pág 26
Imagem 11: Casamento avós maternos, avó Stella e avô Izaías........................pág 27
Imagem 12: Pano de prato em linho com macramê, feito Vó Dinda...................pág 28
Imagem13: Pano de prato em linho com macramê, feito por Vó
Dinda(Detalhe).....................................................................................................pág28
Imagem 14: Meu Pai (Lourival) e minha avó Ide.................................................pág 30
Imagem 15: Minha avó Ide e eu recém-nascida.................................................pág 31
Imagem 16: Caminho de mesa feito em crochê por minha a vó
Ide.......................................................................................................................pág 32
Imagem 17: Caminho de mesa em mercê chochê feito por minha avó Ide........pág 33
Imagem 18: Fronha, em linho, bordada por minha mãe para seu enxoval de
casamento...........................................................................................................pág 34
Imagem 19: Fronha em linho (Detalhe)...............................................................pág 34
Imagem 20: Casamento de meu pai e minha mãe, em 19 de junho de 1965. Minha
vó Dinda ao lado.................................................................................................pág 35
Imagem 21: Vestido de baiana feito por minha mãe para festa da escola..........pág 36
Imagem 22: Fantasia de cigana feita por minha mãe para festa da escola........pág 36
Imagem 23: Meu filho, Caíque, recém-nascido no meu colo..............................pág 41
Imagem 24: Meus materiais de trabalho.............................................................pág 42
Imagem 25: Trabalho em Patchwork, confecção de bolsas................................pág 43
Imagem 26: Fuxicos, feitos por mim, para uma encomenda de bolsas..............pág 44
Imagem 27: Bordado em processo de criação...................................................pág 45
Imagem 28: Alma de Frida, 2014........................................................................pág 47
Imagem 29: Fitas do Senhor do Bonfim, 2014....................................................pág 48
Imagem 30: Monstro, 2014..................................................................................pág 49
Imagem 31: Efemeridade, 2015..........................................................................pág 51
Imagem 32: Ligações, 2016................................................................................pág 52
Imagem 33: Medusa, 2016..................................................................................pág 53
Imagem 34: Sem título, 2016..............................................................................pág 54
Imagem 35: Frida................................................................................................pág 55
Imagem 36: Identidade........................................................................................pág 55
Imagem 37: Linhas da Pele2016.........................................................................pág 56
Imagem 38: Tradição – 2017...............................................................................pág 57
Imagem 39: Liberdade– 2017..............................................................................pág 58
Imagem 40: Teia de aranha – 2017.....................................................................pág 58
Imagem 41: Povos Acadianos, 2.400 a.C...........................................................pág 59
Imagem 42: Almofada Persa...............................................................................pág 60
Imagem 43:bordado da Grécia antiga.................................................................pág 60
Imagem 44: Tapeçaria Bayeux, bordado sobre tecido, 1070-1080.....................pág 61
Imagem 45: Exemplo de bordado Renascença..................................................pág 62
Imagem 46: Exemplo de bordado feito em abadias e mosteiros, em tecido de linho
com linha dourada...............................................................................................pág 62
Imagem 47: O Tear Mecânico ("Power Loom"), criado por Edmond Cartwright em
1785.....................................................................................................................pág 63
Imagem 48: Pano de bandeja, exemplo de bordado de Caicó-RN.....................pág 66
Imagem 49: Suspensión 2...................................................................................pág 70
Imagem 50: Manto da Anunciação – Arthur Bispo do Rosário............................pág 72
Imagem 51: Rasuras, Edith Derdyk, 1998...........................................................pág 73
Imagem 52: Isolado; frágil; oposto; urgente; confuso. José Leonilson, 1991.....pág 75
Imagem 53: Spider, Louise Bougeois,1996.........................................................pág 77
Imagem 54: Cell, Louise Bourgeois,1996............................................................pág 77
Imagem 55: Rosana Paulino: imagem transferida sobre tecido, bastidor e linha. 30,0
cm........................................................................................................................pág 79
Imagem 56: Sem título, Rosana Paulino, série Saquinhos, 1994/2015 Tecido,
microfibra, xerox, linha de algodão e aquarela. Tecido, microfibra, xerox, linha de
algodão e aquarela. 8,0 x 8,0 x 3,0 cm cada elemento.......................................pág 80
Imagem 57: Bordado feito pelo Grupo Matizes Dumont, ilustrando sua cidade natal,
Pirapora-MG........................................................................................................pág 81
Imagem 58: Bastidor de madeira feito pelo Prof. Artur Souza, medindo 1 m², para a
instalação “Reflorescer”.......................................................................................pág 88
Imagem 59: Primeiro esboço da instalação “Reflorescer”..................................pág 89
Imagem 60: Outra visão do primeiro esboço da instalação “Reflorescer”..........pág 90
Imagem 61: Protótipo 1 da obra “Reflorescer” (Frente)......................................pág 91
Imagem 62: Protótipo 1 da obra “Reflorescer”(Lateral)...................................... pág 92
Imagem 63: Protótipo 1 da obra “Reflorescer” (Visão Superior)........................pág 92
Imagem 64: Protótipo 2 da obra “Reflorescer” levado para a apresentação do TCC
….........................................................................................................................pág 93
Imagem 65: Protótipo 2 da obra “Reflorescer” levado para a apresentação do TCC
….........................................................................................................................pág 93
Imagem 66: Foto 1- fotografia para a instalação “Reflorescer”...........................pág 99
Imagem 67: Foto 2 – fotografia para a instalação “Reflorescer”.......................pág 100
Imagem 68: Fotografia do bordado feito por minha mãe em seu lençol do enxoval de
casamento.........................................................................................................pág 103
Imagem 69: Fotografia do bordado feito por minha mãe em seu lençol do enxoval de
casamento. Detalhe...........................................................................................pág 103
Imagem 70: Risco feito em cima do bordado original, com papel vegetal........pág 104
Imagem 71: Risco feito em cima do bordado original, com papel vegetal........pág 104
Imagem 72: Risco feito com papel vegetal sobre a imagem no tecido.
Toalha................................................................................................................pág 105
Imagem 73: Risco feito com papel vegetal sobre a imagem no tecido.
Toalha.................................................................................................................pág106
Imagem 74: Demarcações dos quadrantes.......................................................pág 106
Imagem 75: Riscos das flores...........................................................................pág 107
Imagem 76: Risco dos caules...........................................................................pág 108
Imagem 77: Decalque das flores......................................................................,pág 109
Imagem 78: Paleta de cores das lãs.................................................................pág 109
Imagem 79: Desenho das flores com paleta.....................................................pág 110
Imagem 80: Desenho para decalque................................................................pág 110
Imagem 81: Riscos no tecido............................................................................pág 111
Imagem 82: Fio puxado 1..................................................................................pág 112
Imagem 83: Bastidor de madeira com lã...........................................................pág 113
Imagem 84: Bastidor cano PVC........................................................................pág 113
Imagem 85: Bordado no bastidor retangular.....................................................pág 114
Imagem 86: Tecido esticado no bastidor retangular..........................................pág 115
Imagem 87: Listras azuis no tecido...................................................................pág 116
Imagem 88: Caules...........................................................................................pág 117
Imagem 89: Depoimento...................................................................................pág 117
Imagem 90: Bordado da flor..............................................................................pág 118
Imagem 91: Tecidos costurados........................................................................pág 119
Imagem 92: flor com fios puxados.....................................................................pág 119
Imagem 93: Ramos com a flor pink...................................................................pág 120
Imagem 94: Ramos de flores colo.....................................................................pág 121
Imagem 95: Ramos de flores colo – II...............................................................pág 121
Imagem 96: Risco flores lateral.........................................................................pág 122
Imagem 97: Lateral direita finalizada.................................................................pág 122
Imagem 98: Lateral esquerda molde.................................................................pág 123
Imagem 99: Bordado laterais completo.............................................................pág 123
Imagem 100: Risco do colo...............................................................................pág 124
Imagem 101: Risco flores direito.......................................................................pág 124
Imagem 102: Risco flores esquerdo..................................................................pág 125
Imagem 103: Avesso do bordado 1...................................................................pág 126
Imagem 104: Parte 1 Reflorescer......................................................................pág 127
Imagem 105: Avesso da parte 1Reflorescer......................................................pág 128
Imagem 106: Risco coração 1...........................................................................pág 129
Imagem 107: Risco coração 2...........................................................................pág 130
Imagem 108: Risco coração colorido................................................................pág 131
Imagem 109: Risco coração no tecido..............................................................pág 132
Imagem 110: Início Coração.............................................................................pág 133
Imagem 111: Fios coração................................................................................pág 133
Imagem 112: Coração 1....................................................................................pág 134
Imagem 113: Coração 2....................................................................................pág135
Imagem 114: Coração fechado.........................................................................pág 136
Imagem 115: Avesso do coração......................................................................pág 136
Imagem 116: Coração Reflorescer....................................................................pág 138
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................pág 15
1. AS RAÍZES DE REFLORESCER..................................................................pág 17
2.AS LINHAS QUE PERCORREM MINHA VIDA............................................. pág 25
2.1 DO ARTESANATO ÀS ARTES VISUAIS ….....................................pág 46
3. O ENREDO DA ARTESANIA TÊXTIL ….......................................................pág 59
3.1 A TRAMA DO BORDADO NO UNIVERSO FEMININO....................pág 63
4. AS TESSITURAS DA TEIA................................................................…........pág 67
4.1 ENTRELAÇANDO NARRATIVAS.....................................................pág 68
4.2 O FIO DA MEADA.............................................................................pág 82
4.3 INICIANDO A COSTURA DO PROCESSO......................................pág 84
4.4 PREPARANDO A TRAMA................................................................pág 96
4.5 TECENDO O BORDADO................................................................pág 102
5. OS LIAMES DA MEMÓRIA E DA INSTALAÇÃO........................................pág 139
5.1 UM LUGAR DE MEMÓRIAS...........................................................pág 139
5.2 DA INSTALAÇÃO......................................................................….pág 140
ARREMATANDO O BORDADO..................................................................... pág 142
REFERÊNCIAS................................................................................................pág 145
LEITURAS COMPLEMENTARES....................................................................pág 149
APÊNDICE A - AÇÃO PEDAGÓGICA............................................................pág 150
APÊNDICE B – O MANTO DAS MEMÓRIAS.................................................pág 167
15

INTRODUÇÃO

Um Lugar de Memória: a subjetividade do bordado na instalação artística


consiste em um memorial descritivo do processo de criação da pesquisa em artes,
que culminou em uma instalação intitulada “Reflorescer”. A poética que está
presente na obra a partir da ressignificação do bordado na arte contemporânea e a
reflexão que faço a respeito das memórias afetivas que estão impregnadas, que
constituem o mote principal desta pesquisa
Dentro deste processo de criação faço o cruzamento de conhecimentos,
procedimentos, matérias e materiais em um campo de investigação e
experimentação a partir das técnicas de costura, bordado, trama e fotografia, tendo
como matéria-prima elementos da minha produção têxtil artesanal, como tecido,
linhas, fios, agulhas, aviamentos, presentes em meu mundo enquanto artesã e
mulher. Contextualizando e relacionando a utilização desses elementos tradicionais
e o ato de tecer à práxis artística busco desta forma, construir um processo de
formação contínua tanto de testagens e pesquisa como de significados e conceitos,
transformando-os e renovando-os, já que dentro do procedimento de constituição da
obra, ela própria, inquieta e influencia o meu conhecimento de mundo me fazendo
repensar meus parâmetros e posicionamentos, transformando as minhas
motivações, fazendo-me processar a mim mesma em um constante curso de
descoberta.
A princípio, foi pensada a produção de uma instalação composta por três
elementos tridimensionais suspensos em bastidores de madeira e que teriam como
suporte o tecido impresso com reproduções fotográficas, mas durante a concepção
deste trabalho passei por uma série de dificuldades de ordem prática, que serão
explicadas de forma mais detalhada posteriormente, que inviabilizaram a produção
do projeto desta forma, passando a ser composto por apenas um elemento
tridimensional com duas reproduções fotográficas em tecido, que sofreram
intervenções com bordados.
Para compor essa pesquisa, pretendo utilizar como campo de referência
visual artistas representativos da arte têxtil contemporânea como Ana Teresa
Barboza, Arthur Bispo do Rosário, Edith Derdyk, José Leonilson, Louise Bourgeois,
Rosana Paulino e o coletivo familiar Matizes Dumont. A escolha destes artistas,
deve-se ao fato deles apresentarem em seu trabalho elementos ligados à costura,
16

ao bordado, à trama, seja ela física, introduzida em cada trabalho ou como poética,
na trama de memórias afetivas trazidas de histórias de vida e contextos familiares.
Como fundamentação teórica tenho como suporte os estudos e leituras de
autores como Cattani (2007), Derdyk (2001), Izquierdo (1989), Krauss (2009), Rolnik
(2014), Rey (2002), Salles (2008), Tedesco (2004), dentre outros que norteiam
argumentação, construção e produção desta pesquisa.
No primeiro capítulo relato sobre a obra já concebida, sobre o significado da
Instalação Reflorescer e do processo de instalação na Galeria do DEART
(Departamento de Artes) – UFRN.
No segundo capítulo caminho pelas linhas que percorrem a minha vida, minha
trajetória familiar, trazendo à tona as minhas memórias afetivas mais latentes, e
como o bordado, a costura e o tecer exercem influência na minha vida desde a
infância, através da vivência com a minha mãe e minhas avós materna e paterna.
Falo também da minha transição do artesanato à vida acadêmica e teço uma
descrição sobre as disciplinas do Curso de Licenciatura em Artes Visuais que mais
influenciaram na minha pesquisa.
No terceiro capítulo faço uma breve abordagem histórica sobre o bordado e
sobre a prática da produção artesanal, na vida da mulher e da artesania têxtil no
Brasil.
No quarto capítulo descrevo o meu processo criativo, como ele se constituiu,
como foi elaborado e produzido e como será apresentado ao final do percurso,
passando por todas as dificuldades, descobertas e inquietações que este processo
me trouxe, contextualizando-o com os referenciais teóricos e artísticos que guiaram
minhas escolhas durante essa trajetória.
Por fim, no quinto capítulo falo sobre memória, em como as nossa memórias
afetivas afetam o nosso processo de trabalho e sobre Instalação como categoria
artística, discutindo as relações entre objeto e espaço e as relações que são criadas
a partir do espaço onde a obra se instala.
17

1. AS RAÍZES DE REFLORESCER

Imagem 1: Instalação Reflorescer flores, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão
18

Imagem 2: Instalação Reflorescer coração, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão
19

“De um lado, o fio evoca o tempo e põe em relevo a substância intangível


com cuja ajuda a história é tecida e construída; o fio do tempo.
De outro, a trama designa a história e seu artífice”
Ivan Domingues

A culminância desta pesquisa foi a montagem, na Galeria do DEART


(Departamento de Artes) – UFRN, da Instalação Reflorescer. Antes, eram apenas
dois painéis de tecido com reproduções fotográficas que receberam intervenções de
bordados. O trabalho só começou a tomar corpo e sentido, a partir do momento que
começou a ser montado, em que, como preconiza TEDESCO (2004), começou a se
relacionar com o lugar e o espaço que foi instaurado. O processo criativo se
alimenta de vários pontos de chegada e partida e se materializa através de um
constante cruzamento de linhas, de rítimos de diferentes intensidades e nuances até
se concretizar em sua forma estética.
Neste processo de concepção do trabalho, a finalização só pôde ser feita na
galeria, devido a forma como foi planejado. Quando idealizei, junto com meu
orientador, a instalação não tinha realmente certeza que seria possível instalá-la da
maneira que queríamos, pois a própria galeria poderia nos oferecer circunstâncias
que fizessem com que tivéssemos de fazer mudanças.
O que foi pensado, foi uma instalação que tinha como suporte um bastidor de
madeira onde seriam instalados os painéis de tecido com os bordados e o tecido de
filó, que sofreria também intervenções bordadas e que delas saíriam linhas que
ficariam soltas, “caindo” no chão, como raízes. Após a instalação ser montada, ainda
sem as intervenções dos fios de linhas, fiquei um bom tempo a observando, de fora
para dentro, como se estivesse observando a mim mesma, e vi e senti que, apesar
dos painéis estarem ali, bordados com tipografias que tinham um grande significado
para mim, eles se distanciavam entre si, não se conectavam. Estava faltando um elo
para que a obra tomasse um sentido que não fosse só o da sua importância para
mim, mas aquele que levasse o espectador que ali se dispusesse a contemplá-la, a
sentir-se afetado por ela, a sentir-se parte dela também. Foi preciso olhar de fora
para sentir, num “estalo”, que para tomar esse sentido elas precisariam estar
literalmente ligadas, costuradas, entrelaçadas. Às vezes, é necessário tomarmos um
distanciamento, por vezes “basta uma torção mínima de cabeça para o olhar, num
milésimo de segundo, buscar distâncias inalcançáveis que se aproximam de nós”.
(DERDYK, 2001, p. 11).
20

Imagem 3: Instalação Reflorescer, em processo 1, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão

A partir deste entendimento, de dar um sentido maior à instalação, comecei a


trabalhar, passei três dias interferindo na instalação dentro da galeria, eu precisava
conectar a obra como um todo. Observando as “raízes” que ao mesmo tempo eram
os caules das flores, foi que vi que era por elas que os painéis de ligariam. Liguei os
primeiros ramos das flores aos ramos que estavam bordados no filó, a medida que
os ligava, com os fios da lã, sentia que o sentido da obra começava a florescer. Os
fios descem pelo espaço vazio preenchendo-o, completando-o, entrelaçando-se,
emaranhando-se, como aos sentimentos que me tomavam a medida que avançava
21

no trabalho. Ligar as minhas raízes, às minhas emoções, o passado ao presente. As


raízes do meu sentimento, às flores que florescem, ao coração que pulsa o novo, o
ressignificado, àquilo que surge e emerge de mim, foi uma experiência que me
transformou me fazendo entender que existe uma diferença, um espaço entre o que
é planejado e o que é concretizado, entre a intenção e a realização, entre o desejo e
suas subjetividades e aquilo que se faz reverberar e tomar uma forma palpável e
definida.
No ato criador, o artista passa da intenção à realização através de
uma cadeia de reações totalmente subjetiva. Sua luta pela realização
é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas. Decisões
que também não podem e não devem ser totalmente conscientes,
pelo menos no plano estético. O resultado desse conflito é uma
diferença entre a intenção e a sua realização[...] essa diferença entre
o que quis realizar e o que na verdade realizou é o “coeficiente
artístico” pessoal contido na sua obra de arte (DUCHAMP, apud,
DERDYK, 2001, p. 12).

Imagem 4: Instalação Reflorescer, em processo 2, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Rauly Araújo
22

Imagem 5: Instalação Reflorescer, em processo 3, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão

Imagem 6: Instalação Reflorescer, em processo 4, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão
23

Imagem 7: Instalação Reflorescer, em processo 5, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Ocirema Sousa

Imagem 8: Instalação Reflorescer, em processo 6, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão
24

Imagem 9: Instalação Reflorescer, em processo 7, 2017


Bordado sobre tule e tecido sublimado
Aproximadamente 100 X 200 cm
Foto: Louise Gusmão
Ao concluir a Instalação Florescer, pude perceber o processo de imersão no
qual mergulhei. Ela não é uma obra que fala apenas das minhas memórias, é uma
obra que trata de uma transformação, nela e com ela, expurgo a minha dor e a
ressignifico em uma experiência estética. Essa não foi uma obra feita apenas de um
desejo de um Trabalho de Conclusão de Curso na graduação de Licenciatura em
Artes Visuais, foi um “rito” de amadurecimento dentro de um caminho de transições,
escolhas, anseios, necessidades, dores, desistências, subtrações, deslocamentos e
adições que ao longo da minha formação acadêmica, ao longo de quatro anos,
foram tomando corpo gradualmente. Foi um mergulho profundo em mim mesma e
no processo de criação artística, onde aos poucos fui tomando consciência do papel
da Arte em minha vida e ao mesmo tempo de como a potência das minhas vivências
podem, através da linha, ultrapassar o patamar de experiências íntimas de vida. A
linha e a agulha transpassam a minha vida e ao mesmo tempo que vão perfurando,
“ferindo” o tecido, procurando um novo rumo, vão costurando e tecendo,
cicatrizando, as minhas dores e as ressignificando em Arte.
25

2. AS LINHAS QUE PERCORREM MINHA VIDA

“Quando eu estava crescendo, todas as mulheres em minha casa usavam


agulhas. Sempre tive fascínio pela agulha, o poder mágico da agulha. A
agulha é usada para consertar danos. É um pedido de perdão. Nunca é
agressiva, não é uma ponta perfurante"
Louise de Bourgeois1

Três mulheres baianas, de personalidades distintas e fortes. Minhas avós,


materna e paterna, e minha mãe. Elas são meus referenciais femininos de vida, três
mulheres completamente diferentes, mas ligadas por uma paixão: as agulhas e as
linhas. Agulhas que costuram a minha história, que cosem a colcha de retalhos da
minha vida, entrelaçando e juntando os pedaços de tecidos das vivências que tive,
criando, constituindo a caixa de memórias que me transformaram na mulher que sou
hoje. Suporte que alinhava a minha vida e o meu trabalho, unindo os pedaços das
lembranças por meio dos fios dos meus afetos pessoais e das relações. Teço minha
história a partir de cada ponto costurado, de cada peça construída por minhas mãos.
Nasci na cidade de Salvador, Bahia, entre duas famílias de extremos. Uma
matriarcal e a outra patriarcal. Ambas, tradicionais famílias interioranas que
migraram para a capital. A materna, patriarcal, tinha como chefe de família, Meu avô
Izaías que era coronel do exército. Um homem nascido no vilarejo de Boipeba, filho
de uma índia tupinambá e um homem branco. Era um caboclo sisudo, autoritário,
controlador e gostava de ter todos sob seu domínio. Em uma época onde a
liberdade era cerceada pelos governantes, a Ditadura, ele levava para casa os
mesmos valores que praticava em seu trabalho e quase com a mesma mão de ferro.
Tinha muito medo dele.
Sua esposa, era minha avó Stella, ou vó Dinda, era filha de portugueses.
Tinha lindos e marcantes olhos azuis, uma mulher doce, alegre e bastante
permissiva, adorava dançar, tocar acordeom e fazer as vontades dos netos. Como
muitas mulheres de sua geração, nunca trabalhou fora e passava seu tempo entre
os afazeres domésticos, os cuidados com as fardas do meu avô e sua grande caixa
de costura verde, onde sempre tinha um bordado, uma tapeçaria ou um tricô
encaminhados. À noite, ela sempre se sentava em sua poltrona, que ficava ao lado
de um grande abajur, para costurar. Quando eu dormia na casa dela, adorava ficar
sentada no braço da poltrona espiando ela costurar. Ficava olhando ela fazer

1 (apud BAMONT, 2004, p. 138)


26

lentamente aqueles pontos e não entendia como, dias depois, a peça estava pronta.
Alguns trabalhos de tapeçaria ela mandava emoldurar e presenteava. Vó Dinda tinha
um guarda roupas cheio de roupas antigas, acho que eram das décadas de 1950 ou
60. Muitas foram feitas por ela, mas a maioria não eram mais usadas, mas nós,
meus irmãos, eu e ela, nos divertíamos tanto vestindo suas roupas e luvas e
calçando os seus sapatos, acho que esse era o motivo maior dela não se desfazer
delas. Ela adorava e nós também. Quando ela via que alguma de suas roupas
antigas tinha rasgado, ela cortava o tecido e confeccionava à mão roupinhas de
bonecas para minha irmã e eu. Eram pecinhas de roupas pequenas, que muitas
vezes ganhavam algum bordado para enfeitá-las.
Um dia, eu pedi que ela me ensinasse a fazer tapeçaria, ela comprou uma
tela com um motivo impresso de um peixe azul e me ensinou, com muita paciência,
como tecer o quadro. Pôs em minha mão uma agulha sem ponta com um fio de lã
azul introduzido, eu achei emocionante, poder segurar sozinha, aquela agulha, mas
a impaciência dos meus 6 ou 7 anos, não me deixavam seguir os passos da minha
avó. Ela guardou a tela e me disse que quando eu fosse maior, a completaria e
sorriu, como sempre fazia.

Imagem 10: Avô Izaías


Foto: Acervo da família
27

Imagem 11: Casamento avós maternos, avó Stella e avô Izaías


Foto: Acervo da família
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Imagem 12: Pano de prato em linho com macramê, feito Vó Dinda

Imagem 13: Pano de prato em linho com macramê, feito por Vó Dinda
Foto: Louise Gusmão (Detalhe)
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Ao contrário da avó materna, minha avó paterna, Eurides, ou vó Ide, era a


matriarca da família. Ela era muito séria, rigorosa e muito autoritária. Ficou viúva
muito nova e teve que trabalhar no pequeno comércio da família, no interior da
Bahia, para sustentar e criar os quatro filhos. Além de trabalhar no secos e
molhados, um armazém, onde eram vendidos, vários tipos de alimentos, como
cereais, grãos, farinhas, leite, carne seca e outros insumos, ela era costureira.
Confeccionava vestidos de noiva e ternos. Quando os filhos cresceram, mudou-se
com eles para Salvador, para que pudessem cursar faculdade e levou consigo a sua
antiga máquina preta Singer, sua relíquia, da qual sentia muito ciúme. Ninguém
pegava naquela máquina, a não ser, ela. Por causa da idade, a costura passou a ser
apenas um passa tempo. E o crochê, que havia aprendido desde menina, tornou-se
seu maior prazer. Cresci indo todos os domingos almoçar na sua casa e vendo-a
crochetar imensas toalhas de mesas, cheias de pontos, que para mim, eram
incógnitas.
Depois que meus pais faleceram, no final dos anos setenta e início dos anos
oitenta, meus irmãos e eu fomos morar com vó Ide. Passei muitas noites vendo
minha avó fazer crochê, sentada em sua cadeira, ao mesmo tempo que assistia
novelas na televisão. Ao seu lado, uma caixa de costura redonda, cheia de linhas de
crochê de todos os tipos e espessuras, e uma caixinha pequena com muitas agulhas
de crochê, da mais fina, a mais grossa. Ela nem piscava, nem olhava para as mãos,
seus dedos se moviam freneticamente, junto com a agulha e a linha, seu olhar era
fixo na televisão, só quando entravam os comerciais ela olhava o trabalho para se
certificar que estava correto. Eu ficava impressionada com a sua habilidade e
principalmente com a sua rapidez em fazer os pontos. Para mim, ela era uma
mestra. Seu maior desejo era que uma de suas netas aprendesse sua artesania.
Somos oito e, ironicamente, nenhuma de nós aprendeu. Na sua máquina de costura,
escondida, ainda consegui confeccionar um estojo escolar. Foi a primeira vez que
costurei uma peça. Quebrei duas agulhas e fui repreendida. Depois disso, minha avó
tentou me ensinar corte e costura, mas em meados da década dos anos oitenta, em
plena adolescência, meus interesses eram outros. Não conheço ninguém que
costure tão bem, como vó Ide costurava.
30

Imagem 14: Meu Pai (Lourival) e minha avó Ide

Foto: Acervo da família

Imagem 15: Minha avó Ide e eu recém-nascida


Foto: Acervo da família
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Imagem 16: Caminho de mesa feito em crochê por minha a vó Ide, uma das ultimas peças que fez.
Foto: Louise Gusmão
32

Imagem 17: Caminho de mesa em mercê chochê feito por minha avó Ide
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Minha mãe, Senise, era a mulher mais forte que já conheci na vida, dona de
uma personalidade ímpar, não se deixava abater por nada. Excelente mãe e esposa,
era linda. Uma mãe zelosa e carinhosa, mas enérgica, quando preciso. Era cheia de
habilidades, exímia desenhista, costurava, bordava, tecia e cozinhava. Além do
trabalho em casa, era decoradora de ambientes. Sempre que tinha tempo, estava
com um trabalho têxtil nas mãos. Gostava muito de tapeçaria, de fazer quadros de
médio porte. Costurava sempre à noite, depois que terminava seus afazeres,
sentava à frente da televisão e enquanto conversava com meu pai e conosco, tecia
seus quadros, geralmente, com motivos florais, ou costurava algo para nossa casa.
O quadro do peixe azul, que comecei com a minha avó, sua mãe, terminei em sua
companhia, quando tinha mais ou menos, 9 anos. Lembro-me da agulha em minhas
mãos, tecendo ponto sobre ponto, sob seu olhar paciente, ensinando-me, enquanto
tecia o seu próprio quadro. Naqueles instantes, tecíamos juntas a nossa história, os
nossos momentos de cumplicidade. Quando ficou pronto, o peixinho foi para uma
moldura e para a parede do nosso quarto. Ela adorava costurar roupas para nós, e
principalmente, fazer fantasias para as festas na escola e aniversários. Toda festa,
ela inventava uma fantasia diferente, muitas vezes, aproveitava uma fantasia antiga
para reformar e fazer uma nova. Sempre que ela ia para a sua máquina de costura,
eu ficava por perto, observando como ela transformava os tecidos nas nossas
roupas. Mal imaginaríamos nós, que muito tempo depois, estaria eu ali, na mesma
posição que ela, na mesma máquina, costurando os meus trabalhos artesanais.
Meus pais se casaram não muito jovens, fato incomum na época, em 1965,
ela tinha trinta anos e ele trinta e cinco. Tiveram que enfrentar meu avô, que era
contra seu casamento, recusando-se, inclusive, a ir à cerimônia civil. Desavença que
depois de algum tempo foi superada. Meu pai, junto com seus dois irmãos, irmã e
mãe, montaram uma empresa de construção, após um de meus tios concluir o curso
de Engenharia Civil, na Universidade Federal da Bahia. Ele, como filho mais velho,
teve que abdicar da sua vida acadêmica em Medicina, para ajudar minha avó, que
era viúva, a criar os irmãos. Com a experiência que já possuía dos negócios da
família, tornou-se o administrador do novo empreendimento familiar. Logo, ele e
minha mãe, tiveram três filhos, minha irmã Erika, a mais velha, eu e meu irmão,
Lucio, o caçula. Viveram juntos, durante quatorze anos, quando, em 1979, no dia
que completavam bodas de casamento, meu pai sofreu um infarto fulminante e veio
à falecer. Logo depois, minha mãe descobriu que era portadora de câncer, contra, o
34

qual, lutou bravamente até seu último dia de vida, sem perder a esperança de que
se curaria e terminaria de criar seus filhos. Jamais conheci uma pessoa com tanta
alegria e vontade de viver. Um ano e meio depois, ela foi a óbito.

Imagem 18: Fronha, em linho, bordada por minha mãe para seu enxoval de casamento.

Foto: Louise Gusmão

Imagem 19: Fronha em linho (Detalhe)


Foto: Louise Gusmão
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Imagem 20: Casamento de meu pai e minha mãe, em 19 de junho de 1965. Minha vó Dinda ao lado

Foto: Acervo da família


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Imagem 21: Vestido de baiana feito por minha


mãe para festa da escola
Foto: Acervo da família

Imagem 22: Fantasia de cigana


feita por minha mãe para festa
da escola
Foto: Lourival Gusmão
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Ficamos nós, filhos, adolescentes. Nesse marco de nossas vidas, a linha que
nos unia eram as nossas memórias junto a nossos pais, era uma nova colcha de
retalhos que começava a ser costurada. Um novo ponto de partida em nossas vidas.
Mas, o nosso fio foi rompido quando meu irmão foi morar na casa de um tio paterno,
que era nosso tutor. Passamos por algumas ausências, mesmo estando perto. Nos
privaram do convívio, do amadurecimento da dor, juntos. Depois de alguns anos, ele
voltou à morar conosco na casa da nossa avó paterna, a vó Ide, foi quando a nossa
trama, voltou a ser tecida.

A minha adolescência, assim como a dos meus irmãos, foi bastante


conturbada. A convivência com a nossa avó, não era nada fácil, nós vínhamos de
uma formação católica e ela era uma (como ela mesmo se intitulava) “protestante
fervorosa”. A sua opção religiosa, a diferença de gerações e a maneira como ela
conduzia a nossa educação, sempre gerava alguns confrontos entre nós. Os
primeiros anos foram de muitos conflitos. Nós, em plena adolescência, na
descoberta de novas amizades, a vontade de conhecer a vida e a sensação de
estarmos completamente perdidos, tendo em vista que a relação entre mãe e filhos
a que estávamos acostumados, o fio do cordão umbilical que nos unia, não poderia
nunca ser comparada àquela que tínhamos com a nossa avó, que parecia ter sido
tecida por um delicado fio de uma teia de aranha, sempre na iminência de se partir.
Por sua posição matriarcal, ela fazia questão de manter uma fria distância entre nós.
Mas eu sempre a admirei e respeitei, pela mulher forte que era, pela maneira como
conseguiu reger a sua vida depois que ficou viúva. À frente do seu tempo, não se
casou novamente e tomou as rédeas de sua vida nas mãos e trabalhou duro para
sustentar, criar e educar seus quatro filhos. Ela era sinônimo de independência,
dirigiu até os 80 anos, nunca quis depender fisicamente de alguém e dizia que
preferia morrer, se isso acontecesse. Ela e minha mãe, foram os primeiros exemplos
de mulheres feministas que tive, mesmo que elas não tivessem consciência disso.
Que não se dessem conta do quanto eram inspiradoras para nós, que convivíamos
com elas.

Ao longo dos anos que vivemos juntas, a medida que fui me tornando mulher,
nossa convivência se tornou mais amena, eu sabia que aquela era a sua maneira de
nos amar, sendo rígida conosco, para que não nos “perdêssemos” na vida, que
tivéssemos um rumo a seguir, uma profissão, para que nos tornássemos “alguém”.
38

Era essa, no fundo, a sua preocupação, afinal, éramos filhos de seu primogênito,
seu filho, assumidamente, mais amado. A essa altura, eu já fazia faculdade, tinha
conquistado um pouco mais de liberdade e de certa maneira, estava mais madura,
talvez por esse motivo, os atritos tenham cessado mais. O que mais nos
aproximava, era a minha facilidade em fazer trabalhos manuais, embalar presentes,
fazer enfeites, arrumar a mesa para algum aniversário ou data especial, ajudá-la a
desenrolar seus novelos de linha de crochê. Mas, o que eu gostava mesmo, era
quando ela me chamava para armar a sua árvore de natal. Era uma árvore de uns
dois metros de altura e ela ficava sentada numa poltrona, à frente da árvore, olhando
a ordem que eu colocava os enfeites, para ter a certeza que estariam no lugar que
ela queria. Essa era a circunstância em que eu sentia que estávamos mais perto
uma da outra. Em que nossos laços se tornavam sólidos, resistentes. Eram instantes
de recordações, quando ela lembrava dos natais da minha infância, que eram
sempre cheios de muita alegria, quando toda a família se reunia em volta desta
mesma árvore, para a troca de presentes. E então, a sua emoção, que era sempre
contida, vinha à tona. Eram momentos de resgate das nossas memórias conjuntas,
onde as linhas das nossas meadas se embaraçavam, e os nós eram cegos,
inseparáveis, eram momentos apenas de neta e avó.

A última vez que armei essa árvore, eu já não morava mais com a minha avó,
havia casado e estava no oitavo mês de gravidez do meu filho, Caíque. Foi um
encontro bem feliz, recordamos muitos momentos, mas ao contrário dos outros
anos, a emoção não era de tristeza, mas sim, de alegria, pois estava bem perto de
dar a luz e ela estava muito empolgada com o nascimento do seu primeiro bisneto,
apesar de já ter mais três bisnetas, era o primeiro menino. E isso era muito
importante para ela, pois era como se linhagem da família estivesse se perpetuando,
no neto de seu filho. Como se aquela colcha de retalhos que se rasgou com a sua
partida prematura, tivesse finalmente sido remendada e reordenada, podendo assim,
dar início a um novo ciclo.

No final de 1989, em uma festa, conheci o meu ex-marido, começamos a


namorar e no ano seguinte, fomos morar juntos e em 1992, depois de sabermos que
estava grávida, resolvemos oficializar a nossa união. Ao perceber-me grávida, me
dei conta que uma nova fase da minha história, como mulher, estava a ser
alinhavada e costurada. Dentro de mim, em meu útero, um novo ser estava sendo
39

gerado. A ideia de estar ligada a outro ser, por um cordão e que dele dependia a sua
sobrevivência, era como se eu tivesse o poder do fio da vida em minhas mãos.
Como se a gestação se assemelhasse aos movimentos de uma agulha que, em
conjunto com esse fio, lentamente, cerzia uma roupa. Juntando fragmentos de dois
tipos de tecidos distintos, que aos poucos ia se moldando, compondo uma nova
trama. O cordão físico, foi cortado em 8 janeiro de 1993, mas permanece como uma
linha de memórias afetivas que nos une, que nos mantém ligados.

Meu casamento durou quatorze anos. Um terço deles, na mais perfeita


harmonia que um jovem casal, com apenas um filho, com uma vida estável, poderia
querer e ter. Depois disso, a minha vida se transformou num bolo de linhas, que ora
eram desenroladas, ora se enrolavam de novo formando um imenso emaranhado.
Linhas que foram entrelaçadas, puxadas, quebradas e remendadas incontáveis
vezes. Costurando anseios e sentimentos emudecidos por um relacionamento
doentio e uma rigidez imposta pela violência doméstica da qual fui vítima durante
anos. Me sentia devorada e atormentada pelo peso da infidelidade e da traição. Era
amordaçada pelo medo da ameaça que sofria constantemente. Paralisada pela
dependência a um marido repressor, machista e misógino e por me achar incapaz
de sozinha, sustentar a mim e meu filho, fui silenciada pela lei da sobrevivência. Não
tinha coragem de expor o que acontecia comigo e muito menos de pedir ajuda.
Foram muitos anos imersa nessa escuridão, e era no silêncio dos meus trabalhos
manuais, que eu conseguia resgatar a minha dignidade e a minha identidade, como
se o fio da linha fosse uma extensão do meu corpo, e com uma agulha na mão, eu
conseguisse fechar os pontos abertos das minhas feridas, preservando assim, a
minha sanidade mental que se fazia necessária para poder cuidar do meu filho.

Quando finalmente consegui recuperar o fio da meada da minha vida, percebi


que estava na hora de bordar um novo pano de fundo para ela. Precisava romper
com as minhas amarras, me desvencilhar daquilo que me prendia dentro de um
imenso labirinto. Foi então, que em um longo processo que demorou um ano,
consegui me separar, mas a minha paz não estava garantida e diante da
perseguições que continuava sofrendo, decidi mudar, e tentar construir uma nova
trama de vida, em outro lugar.

Pertence a um pequeno trecho do passado e para que esse passado


seja erradicado. Para realmente passar pelo exorcismo, para me
libertar do passado, tenho que reconstruí-lo, meditar sobre ele, fazer
40

dele uma estátua e me livrar dele fazendo uma escultura. Depois


disso esquecê-lo. Paguei minha dívida para com o passado e sou
liberta.[...] Tenho sido prisioneira de minhas lembranças e meu
objetivo é me livrar delas. (BOURGEOIS apud CAPPRA, 2014, p. 27)
Minha irmã já morava em Natal e eu já havia estado na cidade algumas
vezes, em férias, decidi então, com a sua ajuda, migrar para este estado. Chegando
aqui, a partir da necessidade de trabalhar para poder sustentar a mim e meu filho,
comecei a confeccionar trabalhos artesanais, que antes eram feitos apenas para
presentar amigas e familiares, e a comercializá-los. Tinha diversos riscos de
bordados herdados de minhas avós, guardados em caixas, mas não sabia como
utilizá-los. O primeiro passo que dei, foi comprar revistas e aprender a bordar o
ponto cruz2. Passei muito tempo trabalhando com bordado, confeccionando
enxovais, bordando flores que me remetiam ao passado, aos bordados feitos por
minha mãe e minhas avós. Nesse universo artesanal, conheci os fuxicos 3, que são
feitos com pequenos pedaços de tecidos cortados em círculos e costurados à mão,
com agulha e linha, franzindo o tecido até transformá-los em pequenos círculos, que
costurados a outros, formam uma grande cadeia, podendo ser utilizada na feitura de
caminhos de mesa, bolsas, carteiras, saias, e uma infinidade de acessórios
femininos e para o lar. A partir deste momento, passei a pesquisar outras técnicas de
uso do tecido, até chegar ao patchwork4, que em sua tradução literal é “trabalho com
retalhos”, mais especificamente, é a junção de tecidos, milimetricamente cortados,
que são costurados entre si, formando blocos exatamente iguais que formam uma
infinidade de desenhos de formas e cores variados. Novamente, me ligando ao
passado, através da similaridade com as antigas colchas de retalhos que eram
produzidas por minha avó. E depois de muito tempo guardada, a antiga máquina de
costura da minha mãe, com mais de meio século de existência, voltou a funcionar e
há muitos anos, dá vazão aos projetos feitos por mim no meu universo da costura
artesanal e da arte popular. Com ela, em meio a panos, linhas, agulhas, alfinetes e
2 que é um tipo popular de bordado, onde as tramas dos tecidos são contadas e os pontos são
costurados em forma de “X” e a partir desses pontos, vão se formando os desenhos Segundo
estudos, os primeiros trabalhos que mostram pontos semelhantes ao ponto cruz, foram encontrados
por pesquisadores na Ásia Central e datam de cerca de 850 a .C.. Da maneira que é feito hoje, os
primeiros foram encontrados na Idade Média, espalhou-se na Europa e Estados Unidos,
principalmente na Inglaterra e daí, se popularizando no resto do mundo.
3 Existe há mais de 150 anos, sendo considerada uma tradição do Brasil que remonta ao período
colonial onde os tecidos na época eram artigos de luxo destinados apenas as Sinhás, e os restos, as
sobras desses tecidos as escravas juntavam e se reuniam nas senzalas para cosê-los com pontos
largos (alinhavos) e ao mesmo tempo cochichavam, mexericavam sobre a vida dos senhores .
4 Existe uma versão de que esta técnica foi levada por comerciantes para o antigo Oriente, depois
viajou para a atual Alemanha, até que chegou à Inglaterra no século XI, sendo utilizada para fazer
tapetes e túnicas clericais.
41

aviamentos, pude ressignificar a trama que me constitui .

Reconstruí a minha família, que passava a ser apenas, meu filho e eu. A cada
nova laçada, a cada novo ponto que ia e vinha, a cada novo nó que dávamos no
sentido de transformar as nossas vidas, nós recosturávamos lentamente os
sentimentos que ficaram arrebentados. As memórias que não queríamos mais
lembrar, foram guardadas no fundo das nossas caixas de costuras internas, cobertas
pelos retalhos das novas vivências que começamos a acumular nesta nova rede que
começava a ser tecida e compartilhada por nós dois. Mais forte e interligada. Sem o
medo que nos cercava, pude criar meu filho em paz, oferecendo-lhe as ferramentas
para que ele, por si, começasse a costurar a sua própria trama, o seu próprio
caminho, como ele vem fazendo.

Imagem 23: Meu filho, Caíque, recém-nascido no meu colo.


Foto: Joselita Aleixo

Sigo nessa vida, dando vasão às minhas experiências e vivências, através da


cosedura dos tecidos, bordando o lado direito que é aparente e todos veem e o lado
avesso que se volta para dentro de mim, para meu íntimo, onde guardo minhas
memórias afetivas, as minhas marcas e cicatrizes, cosidas com o fio da vida,
moldando assim, o rumo da minha existência.
42

Deixo rastros, talvez uma herança pálida, tecida com panos, linhas e
tesouras - legado de minha mãe, avó, e bisavó. Agir contra o
esquecimento de tal legado, afetivo, social e cultural, torna-se, para
mim um ato ético e político de expressão, sendo provável que dos
caminhos desse processo[...], Eu possa ressignificar algo das tramas
que me constituem (CAPPRA, 2014, p. 14).

Imagem 24: Meus materiais de trabalho, na minha cama. Agulhas, linhas, bastidores de madeira,

aviamentos, rendas e tecidos.


Foto: Louise Gusmão
43

Imagem 25: Trabalho em Patchwork, confecção de bolsas.

Foto: Louise Gusmão


44

Imagem 26: Fuxicos, feitos por mim, para uma encomenda de bolsas.

Foto: Louise Gusmão


45

Imagem 27: Bordado em processo de criação

Foto: Louise Gusmão


46

2.1- DO ARTESANATO ÀS ARTES VISUAIS

Em 2013, meu filho se inscreveu para o processo seletivo do Exame Nacional


do Ensino Médio – ENEM e depois de muita insistência de sua parte, resolvi também
me inscrever e após vinte e quatro anos longe dos estudos, em 2014, ingressei no
curso de Licenciatura em Artes Visuais na UFRN. Desde então, venho pesquisando
e tentando analisar, através dos estudos acadêmicos, as influências das minhas
memórias afetivas nos meus trabalhos artísticos e do uso recorrente da produção
têxtil artesanal. Em diversas disciplinas pude experimentar linguagens diferentes, e o
fazer artístico como um processo que teve início de forma intuitiva, que busca a
expressão do universo feminino, pela utilização das linhas, do tecido, do bordado, da
costura, e que logo encontraram reverberação na arte contemporânea, fazendo a
ligação com suas origens culturais e simbólicas, onde o objeto utilitário e artesanal
de uso cotidiano, tem sua função transformada em função estética.

Dentro deste processo, desta tentativa em dialogar o artesanal ao contexto


artístico, e da importância em encontrar teorias e conceitos para as minhas criações,
pude compreender que, por mais que minhas obras espelhem a minha visão pessoal
e subjetiva sobre um determinado tema, essa procura por solucionar questões e
achar significados transcende a intuição, muito embora, ela seja parte fundamental
do meu processo de criação. Tomando assim, um status de pesquisa, de imersão
em busca de conhecimento, do qual resultará a concepção do meu trabalho. Como
nos leva a entender, Zamboni (2001)

A criação, na realidade é um ordenamento, é selecionar, relacionar e


integrar elementos que a princípio pareciam impossíveis. No início,
parece que algo paira no ar de forma vaga, solta, sem se ter um
domínio efetivo do evento, de repente algo aflora, e se torna-se mais
claro, e quanto mais o cientista ou o artista trabalhar a questão, mais
clara e elaborada se tornará (ZAMBONI, 2001, p. 29).

Nesse trabalho de imersão de conhecimento, algumas disciplinas tiveram


destaque junto ao meu processo de criação.

Na disciplina Expressão visual I, em 2014.1, ministrada pelo Prof. Me. Artur


Luiz de Souza Maciel, produzi minha primeira obra no curso de Artes Visuais.
Através de exercícios de criação e expressão com materiais convencionais e não
convencionais sobre suportes bidimensionais, criei a obra “Alma de Frida”. Esse
trabalho foi produzido em tecido, tendo como base o papel craft de gramatura
47

250g/m² e dimensões 100 X 70 cm. Foram confeccionados fuxicos de tecido em


vários diâmetros, como também foram usados outros tipos de aviamentos, como,
sianinhas, miçangas, rendas, feltro e malha. A intenção, ao confeccionar essa obra,
foi mostrar que como artista, posso me manifestar de maneiras diversas, propondo
um trabalho a partir de materiais que utilizo em meu cotidiano de trabalho,
traduzindo o que sinto e vivo no meu dia a dia. Passeando pela cultura popular,
através das cores fortes; nos vários tons de verde nos fuxicos que tomei como
fundo, no vermelho, amarelo e laranja, que representam o sinal de alerta, tentando
passar pra quem observa o meu trabalho, que arte não tem “cara”, não pode ser
preconcebida, pré-estabelecida, e julgada apenas com dois olhos “engessados”, é
preciso se permitir, sentir e deixá-la fluir.

Imagem 28: Alma de Frida, 2014.

Foto: Louise Gusmão

Para este trabalho, foram tomados como referenciais artísticos, os artistas


Edith Derdyk e José Leonilson.

Na disciplina Desenho II, em 2014.2, também ministrada pelo Prof. Me. Artur
48

de Souza Maciel, foi explorada a linha como elemento matérico e o desenho como
gesto e extensão do corpo, estimulando a pesquisa das possibilidades
contemporâneas do desenho. Entre as propostas apresentadas, escolhi a linha de
proposição de pesquisa referenciada na artista Edith Derdyk, que trabalha a
ambiguidade da linha, como traço, expressando a matéria, o corpo e como elemento
conceitual e abstrato.

Dentro deste contexto, a partir de uma imagem da minha realidade,


confeccionei uma obra que teve o tecido de algodão, de dimensões 40 X 30 cm,
como suporte e a linha como elemento gráfico, como o desenho. Neste trabalho,
pude explorar a relação da linha desenhada através da ação da máquina de costura,
do gesto e do movimento, do ir e vir.

Imagem 29: Fitas do Senhor do Bonfim, 2014

Foto: Louise Gusmão

Em Expressão Visual II, 2014.2, ministrada pela Prof Dra. Laís Guaraldo, foi
proposto o exercício de criação de uma obra tridimensional, a partir do desenho de
animais “fantásticos”, fruto da fusão de referências de animais verídicos. Como
49

referencial teórico, tivemos a apresentação e análise crítica de obras de artistas


como Rodin, Picasso e Brancusi. Ampliando assim, os conhecimentos sobre os
fundamentos da expressão artística tridimensional na arte contemporânea.
A concepção da obra intitulada “Monstro”, foi feita a partir de um suporte de
arame e restos de enchimentos de manta acrílica, utilizados em minha produção
artesanal de bolsas. Este suporte foi revestido com retalhos de tecidos que foram
envolvidos em uma trama de pontos entrelaçados e grosseiramente costurados,
modelando assim, o corpo da escultura. Duas asas de arame enroladas com
barbante completam a obra. Essa obra me trouxe lembranças, memórias afetivas de
um tempo em que eu brincava de bonecas com minha prima, memórias que
estavam tão afastadas de mim, quanto o tempo que separa nós duas, foi como
tivesse alí, no quarto da minha casa, tecendo de novo essa teia que por muito tempo
nos uniu.

Imagem 30: Monstro, 2014.

Foto: Louise Gusmão


50

Em 2015.1, cursei a disciplina Produção Tridimensional I, ministrada pelo


Prof. Me. José Veríssimo de Sousa. Nela, nos foi apresentada a contextualização
histórica a respeito do processo de desenvolvimento da produção tridimensional,
bem como, as possibilidades de exploração estética da relação entre a produção
tridimensional e o ambiente. Como culminância dos trabalhos da disciplina, foi
proposto pelo professor a produção de uma obra tridimensional, um móbile, tendo
como tema principal, a natureza. Para a construção da obra, deveriam ser utilizados
materiais que inicialmente, não foram pensados como obras de arte, como canos,
fios, sobras de madeira, sucatas, etc.. Essa obra foi feita em conjunto com as
colegas de curso, Elaine Souza e Ocirema Sousa.
Partindo do pressuposto que na escultura, móbile é um modelo que tem
peças móveis e pode ser impulsionada por motor ou pela força das correntes de ar.
Montamos o nosso móbile pela representação de uma bailarina, que é impulsionada
pela ação do vento. Essa obra foi composta por uma boneca de pano medindo 90
cm de altura, feita por mim, inspirada nas bonecas Tildas 5, uma grade de ventilador
de 60 cm representando a saia, uma saia de tule 6 verde e flores naturais. A escultura
foi montada e pendurada no hall central do prédio anexo, do Departamento de Artes
da UFRN.
Esse trabalho representava uma bailarina fazendo pirueta. O vento era que
impulsionava o seu movimento. A medida que ela girava as flores caiam e se
dispersavam pelo chão entrando em processo de degradação. Objetivamos com
isso, relacionar o conceito de efemeridade, da vida de uma flor, com a da vida
profissional de uma bailarina. Ambas, breves.

5Tilda é uma marca de bonecas promovida pela designer norueguesa, Tone Finnanger, em 1999. A
versão original mede 63 cm, é feita de forma artesanal e totalmente de tecido (algodão ou linho bege-
escuro num tom semelhante ao de pele morena), macia e delicada.
6Tecido fino, leve e muito transparente, tramado com fios tênues de algodão ou de seda, formando
uma rede de malhas redondas ou poligonais; filó.
51

Imagem 31: Efemeridade, 2015

Foto: Elaine Souza

Na disciplina Produção Tridimensional II, cursada em 2016.2 e ministrada pela


Prof. Drª Regina Johas, foram discutidas as relações entre objeto e espaço, as
possibilidades contemporâneas em produção tridimensional, correlacionando objeto,
instalação e intervenções. Tendo entre o referencial teórico, Elaine Tedesco, Giorgio
Agamben, Miwon Kwon e Rosalind Krauss.
O projeto executado, dentro da proposta Espaços e Espaços, que explorava
as relações produzidas a partir das poéticas incorporadas ao espaço onde a obra é
instalada como parte da mesma, utilizando materiais que fazem parte do cotidiano e
da realidade do artista, foi intitulado “Ligações”. A instalação nasceu da ideia de
tentar retratar fisicamente uma memória afetiva, a ligação existente entre meu filho e
eu. Como ponto de partida, me apropriei de uma antiga lembrança do dias das
mães, um molde da mão do meu filho quando pequeno. Foi escolhida a técnica do
bordado como meio de representar o desenho das mãos, a minha, as nossas
sobrepostas e a dele, pois o bordado é um signo do cuidado e da estética, uma
expressão material da experiência vivida, que quando colocado, costurado em
pedaços de pano deixa aflorar dores, sentimentos guardados, sensações que foram
52

importantes para a construção da história de quem o produziu, formando uma


narrativa através da memória e da linha.
Como elo de conexão entre as mãos, escolhi fios de lã vermelha,
simbolizando a ligação entre nós que passam por entre as mãos, costurados, as
unindo por meio de um emaranhado de fios, como se fossem vasos sanguíneos, nos
ligando não só afetivamente, mas também congenitamente. Mostrando que não
importa o quão distantes estejamos, mas sempre estaremos ligados em um ponto,
de alguma forma. Como referencial artístico tomei como base o artista plástico
mineiro, Rodrigo Mogiz, que trabalha com pintura, desenho e bordado na confecção
de arte têxtil, utilizando destas técnicas para dar um novo significado ao desenho
feito na superfície do tecido produzindo obras carregadas de simbologias e com uma
narrativa afetiva sobrecarregada de memórias. Este trabalho foi exposto junto com
os dos colegas de disciplina, no hall central do prédio anexo, do Departamento de
Artes da UFRN.

Imagem 32: Ligações, 2016.


Foto: Louise Gusmão

Em Pintura III, sob a orientação do Professor Fernando de Paiva, produzi


projetos autorais de pintura mesclados com a técnica do bordado. Esses trabalhos,
objetivavam a pesquisa do comportamento da tinta em tecidos de uso artesanal,
sem qualquer preparação para pintura e que depois sofreram a intervenção do
53

bordado por cima da tinta. Como suporte, foi usado o bastidor de bordado, que é um
a peça de madeira circular, onde o tecido é esticado e preso, pra que possa ser
bordado. Foram feitos duas obras, de dimensões de 35 cm e 45 cm de diâmetro.

Imagem 33: Medusa, 2016


Foto Louise Gusmão
54

Imagem 34: Sem título, 2016


Foto: Louise Gusmão

Também em 2016.2, participei de uma exposição coletiva na galeria do


Departamento de Artes da UFRN, “Mulher: Uma história continuada”. Nela, expus
duas obras, bordadas, feitas sob o suporte do bastidor e do tecido. Nelas usei a
representação da mulher para retratar a força, a determinação e a identidade do
feminino. As obras têm a dimensão de 35 e 45 cm de diâmetro.
55

Imagem 35: Frida


Foto: Louise Gusmão

Imagem 36: Identidade


Foto: Louise Gusmão

Em Projeto Gráfico, 2016.2, disciplina ministrada pela Professora Drª Laurita


Ricardo de Salles, tivemos uma experimentação sobre os recursos gráficos que são
utilizados em revistas, jornais e em publicidade, com uma abordagem focada na
perspectiva artística e estética de cada peça produzida.
56

O projeto executado na disciplina, foi o livro de artista, intitulado “Linhas da


Pele”, produzido a partir de fotografias das minhas mãos em posições diversas. Foi
impresso em papel couchê, nas dimensões 10 X 15 cm. Nele, faço uma intervenção
por intermédio de uma linha vermelha contínua que é costurada sobre a imagem das
minhas mãos. Conectando-as, ligando os movimentos que faço ao utilizá-las para
costurar, para coser os tecidos e nesses movimentos, vou tecendo as minhas
memórias, as tramas da minha vida, representadas nas linhas das minhas mãos e
nos sulcos da minha pele.

Imagem 37: Linhas da Pele, 2016


Foto: Louise Gusmão

No semestre de 2017.2, me matriculei nas disciplinas optativas Desenho IV,


com o Prof. Me. Artur Luiz de Souza Maciel e Fotografia, com os Professor Dr.
Daniel Meirinho e a Profª assistente Elisa Elsie. Em ambas as disciplinas realizei um
projeto autoral, de caráter interdisciplinar. A disciplina Desenho IV teve como foco os
meios para a busca, definição e elaboração do projeto individual em desenho a partir
das linhas, traços e rastros a serem escolhidas pelo aluno. A disciplina Fotografia,
teve como objetivo oportunizar a reflexão em torno da produção de fotografia de
57

arte. Nas duas disciplinas tive a oportunidade de trabalhar o desenvolvimento prático


a partir de uma poética pessoal. Para ambas, produzi um projeto intitulado “Onde
suas mãos te levam?”. O projeto foi produzido a partir de três fotos reveladas em
papel fotográfico nas dimensões de 20 X 30 cm, em preto e branco, retratando as
mãos de artesãs em seu ambiente de trabalho. Sobre as fotografias foram feitas
intervenções artísticas utilizando o bordado como técnica para o trabalho. Os
desenhos foram concebidos a partir de relatos feitos pelas próprias artesãs a mim, a
partir de suas memórias e do significado do trabalho manual para cada uma delas.
Desta maneira, tentei interpretar de forma poética seus relatos e transpô-los para o
bordado que foi feito sobre cada uma das fotografias. Para este projeto, tomei como
referência visual os artistas José Romussi, Aline Brant, José Leonilson e Rosana
Paulino e como teóricos Cecília Almeida Salles e Icleia Borsa Cattani.
Estes trabalhos foram expostos na Galeria do Departamento de Artes da
UFRN, para a disciplina Desenho IV e no Espaço Duas Estúdio, em Ponta Negra,
para a disciplina de Fotografia.

Imagem 38: Tradição – 2017


Bordado sobre fotografia e renda de bilro
58

Imagem 39: Liberdade– 2017


Bordado sobre fotografia

Imagem 40: Teia de aranha – 2017


Bordado sobre fotografia
59

3. O ENREDO DA ARTESANIA TÊXTIL

Desde os primórdios, da era da pedra lascada, a atividade artesanal se faz


presente na vida do homem, a partir do momento em que aprenderam a forjar os
seus próprios instrumentos para construir ou utilizar nas mais simples ou mais
elaboradas atividades do dia a dia, como caçar, pescar e lascar. O bordado estaria
ligado diretamente a este fazer já que, já que é expressado tradicionalmente através
da técnica manual, para Cláudia Houdelier 7 acredita-se que “o bordado seja uma das
artes aplicadas mais antigas, que deve ter surgido logo após a descoberta da
agulha”. Agulha que tem os primeiros indícios de existência na era da pedra lascada,
quando nossos antepassados a fabricavam a partir de ossos dos animais que eram
caçados, esses ossos eram polidos nas pedras até poderem ser utilizados. As
“linhas”, eram originadas das fibras dos vegetais ou de tripas de animais e serviam
para costurar e ornamentar as roupas que eram produzidas com os pelos e couro
dos animais.
Os primeiros bordados, como aplicação, que foram encontrados remontam de
3000 a.C., na região da Rússia. As civilizações antigas que se desenvolveram às
margens do Rio Eufrates, que corta a Turquia, a Síria e o Iraque. Foram povos que
cultivaram o bordado. Encontra-se também indícios do bordado em monumentos e
esculturas antigas, onde aparecem figuras com túnicas bordadas, como na Grécia.

Imagem 41: Povos Acadianos, 2.400 ac


Fonte:
https://www.sites.google.com/site/bordado
suniversal/a-historia-do-bordado

7 Bacharel em Design (UFPE) e Mestranda em História Social da Cultura Regional (UFRPE).


Disponível em: http://houdelier.com/paginas/bordadoshistoria.html. Acesso: 20 nov 2017.
60

Imagem 42: Almofada Persa


Fonte:
https://www.sites.google.com/site/bordado
suniversal/a-historia-do-bordado

Imagem 43:bordado da Grécia antiga


Fonte:
https://www.sites.google.com/site/bordado
suniversal/a-historia-do-bordado

Com o passar dos tempos, o bordado foi sendo difundido e muitos povos se
aperfeiçoaram nesta arte, a exemplo do oriente Médio e China, onde os imperadores
vestiam roupas bordadas com a imagem do sol e da lua. Os romanos pouco usaram
o bordado até a formação do Império, quando tornaram-se grandes usuários desta
manualidade para adornar suas vestes e utensílios. A partir de então, o bordado foi
generalizado também no Ocidente, desta forma, cada país, cada região do mundo
que fazia uso dessa artesania passou a ter seu estilo próprio de bordar, proveniente
61

de sua cultura, de sua tradição, identificando assim, a sua história.


Depois que começou a ser prática comum no Ocidente, a partir do século VII,
o bordado passou a ser confeccionado como forma de retratar fatos e cenas
históricas, a exemplo da “Tapeçaria Bayeux”, bordado com 231 metros de
comprimento que mostra a Batalha de Hastings 8 (1066), tecido entre 1070 e 1080,
pelos artesãos de Bayeux a pedido do bispo Odo de Bayeux.

Imagem 44: Tapeçaria Bayeux, bordado sobre tecido, 1070-1080


Fonte: https://www.sites.google.com/site/bordadosuniversal/a-historia-do-bordado
As abadias e mosteiros de Roma, se renderam também aos bordados
passando a bordar trajes religiosos em alto relevo, em ouro e prata, o que fez da
Itália, referência em bordados no mundo todo. Logo, novas formas de bordado foram
inventadas, e no período do renascimento, surgiu o que conhecemos hoje como
“bordado ou renda renascença”9. Deste século em diante, XVI, o bordado assumiu
definitivamente a condição de artesanato decorativo, se popularizando pela Europa.
Com a evolução dos séculos, na história, as ferramentas e habilidades foram
se aperfeiçoando, conferindo ao artesão, conhecimento, representatividade social,
como no Renascimento onde o produtor possuía os meios de produção: instalações,
ferramentas e matéria-prima. Em casa, sozinho ou com a família, o artesão realizava
todas as etapas da produção.

8 A batalha de Hastings foi travada em 14 de outubro de 1066 entre o exército franco-normando do


duque Guilherme II da Normandia e um exército inglês sob o rei anglo-saxão Haroldo II, durante a
conquista normanda da Inglaterra.
9 A Renda Renascença é uma técnica artesanal que teve sua origem na Ilha de Murano em Veneza,
Itália no século XVI e é difundida em algumas regiões do Nordeste brasileiro. Confeccionada com
agulha, linha e lacê de algodão. Em uma primeira etapa o desenho que será bordado é feito em
papel e preso a uma almofada base. O lacê é então fixado e entremeado pelos diferentes pontos
da renda. Fonte: http://ecotece.org.br/cursos/ acesso: 20 nov 2017.
62

Imagem 45: Exemplo de bordado


Renascença
Fonte: http://moldes-e-
etc.blogspot.com.br/2012/02/renda-
renascenca-tutorial_1402.html

Imagem 46: Exemplo de bordado feito


em abadias e mosteiros, em tecido de
linho com linha dourada
Fonte:http://www.clickborde.com.br/a-
historia-do-bordado
No século XVII, começaram-se a bordar as toalhas de mesa e no século XVIII
as roupas íntimas, aparecendo assim o bordado a branco, que é o bordado feito com
a linha branca sobre o tecido branco, geralmente o linho de algodão, como detalha
63

Houdelier:
No século XX, apesar de ser possível a reprodução mecânica de
todos os tipos de bordado, certos gêneros caíram em desuso e
ocorreu um fenômeno de revalorização dos bordados manuais, a
branco ou de aplicações complementares, que se tornaram símbolos
de alto nível social. Até a década de 1950, inclusive, era costume o
uso de peças bordadas em branco sobre branco: lençóis, toalhas de
mesa e lenços. O bordado da ilha da Madeira, executado em fio azul
bem claro sobre tecido branco, fazia parte do enxoval dos bebês
(HOUDELIER)10

A primeira máquina de bordar foi inventada em 1821. Com seu


aperfeiçoamento e sua multiplicação, o século XIX conheceu o declínio do bordado
até o surgimento, já no final do século, de movimentos como o "Arts and Crafts"
("Artes e Ofícios") de William Morris, que o revitalizaram.
A partir da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, com início no
setor têxtil na Inglaterra, houve a troca do trabalho manufaturado feito com
ferramentas, por grandes maquinários, como o tear mecânico que substituíram os
tecelões por teares mecânicos. Desde então, a função do artesanato começou a se
modificar, passando de uma forma de fabricação para uma forma alternativa de
produção.

Imagem 47: O Tear Mecânico ("Power Loom"), criado por Edmond Cartwright em 1785
Fonte: http://www.culturabrasil.org/revolucaoindustrial.htm

3.1 A TRAMA DO BORDADO NO UNIVERSO FEMININO


Às mulheres, nunca lhes foram dados privilégios, desde a Idade Média, eram
criadas para serem donas de casa, mulheres e mães, atarefadas com seus afazeres
domésticos, únicos que poderiam se ocupar, elas eram bordadeiras, crocheteiras,

10 Disponível em http://houdelier.com/paginas/bordadoshistoria.html acesso 20 nov 2017


64

rendeiras, costureiras e por mais exímias nas prendas que fossem, jamais poderiam
ter lugar em oficinas artesanais. Àquela época, a Igreja influenciava nas decisões
domésticas através de seu alto poder, estimulava a cultura do “Princípio da Agulha
contra o Ócio”, que preconizava que as mãos femininas tinham que se manter
ocupadas com tais atividades domésticas, para que assim, não caíssem nas
tentações e não sucumbissem ao pecado. Desta maneira, a herança de trabalhos
manuais era passada de mãe para filhas, as mães ensinavam às filhas tudo que
sabiam e elas produziam seus próprios enxovais, para que assim, pudessem fazer
um bom casamento, quanto mais prendada fossem, maiores as chances de
encontrarem um “bom partido”.
Esse “modelo exemplar de mulher”, foi durante muito tempo, amplamente
difundido chegando nos anos de 1950 às propagandas em jornais e na literatura,
passando também pelas escolas, onde era comum, disciplinas só para meninas,
como “Economia do Lar” e “Prendas Domésticas”.
Coser estava mais intimamente identificado com gênero do que com
classe, e como tal proporcionava um modo de representar o trabalho
das mulheres que evitava questões controversas sobre diferenças
sociais ou econômicas e sobre o trabalho industrial, desviando a
atenção para um modelo consensual de feminilidade. (...) A
publicidade às máquinas de costura baseava-se na identificação da
costura com a feminilidade e prometia um melhor desempenho das
tarefas tradicionais. Um anúncio da Singer de 1896, por exemplo,
chamava ao seu produto a ‘máquina da mãe’ e ‘o mais desejado
presente de casamento’ que ‘ajuda substancialmente a felicidade
doméstica’, enquanto um enorme S se enrolava em volta da silhueta
roliça de uma matrona confiante. (GODINEAU, apud, BAMONT,
2004, p. 111)

Muito embora, nas casas das famílias mais abastadas, como nas grandes
famílias tradicionais brasileiras, essa fosse a regra, nas capitais progressistas já
havia mulheres de famílias pobres que trabalhavam na agricultura, na indústria e nos
lares das mais ricas.
No século XX, as mulheres passaram de dona de casa ao papel de esteio da
família, com a industrialização, saíram de dentro de seus lares para trabalhar fora,
muitas delas tinham agora o papel de chefes de família, desta maneira, houve um
afastamento das meninas em relação às tradições do lar, e a prática de fiar, bordar,
coser, crochetar, se distanciava cada vez mais, ao ponto de perder-se a tradição que
antes caracterizava o contexto familiar e cultural do grupo.
Hoje, essas práticas vem sendo renovadas, o que era tido apenas como
prendas domésticas, passou a ser chamado de artesanato, e não só mulheres, mas
65

também homens, devido ao desemprego, fazem dessa a sua principal atividade


financeira, muitas vezes, toda a família trabalha em torno de uma tipologia de
artesanato. Desta maneira, por causa de uma necessidade latente, o sustento, as
tradições e manifestações de costumes culturais estão ressurgindo, resgatando a
identidade de um povo que em muito lugares, já estavam quase extintas.
Atualmente no Brasil, há uma tendência ao resgate da nossa cultura da nossa
tradição, fazendo com que grupos como organizações não governamentais (ONG's),
associações de bairro, clube de mães e artesãos independentes, atuem na
promoção e valorização da identidade nacional, através do artesanato de cada
região do país. O que antes era só vendido para pessoas da mesma região, muitas
vezes os vizinhos, hoje, é também vendido para pessoas de outros estados e
países, a partir da venda mediada pela internet e o turismo. O turismo vem sendo
uma porta para a valorização do trabalho artesanal, através dele, há uma grande
divulgação do nosso trabalho, pessoas chegam de grandes centros industrializados,
para comprar peças como rendas de bilro, tricô, renascença, bordados, frutos de
uma tradição secular. Estas composições estão carregas de influências de outros
países, como as gregas, mouriscas, hebraicas inseridas na cultura brasileira através
da colonização portuguesa através de desenhos, arabescos, cruzes, estrelas e que
apesar de atualmente não serem aplicados como o mesmo significado atribuído ao
povo de origem, ainda continuam sendo usados e têm a sua simbologia
ressignificada pelas mãos das nossas artesãs.
A região do Seridó, no Rio grande do Norte, assim como muitas regiões do
Brasil, também receberam uma grande influência dos bordados vindos de Portugal,
principalmente, os vindos da Ilha da Madeira, a maior representação deste bordado
está na cidade de Caicó e foi tema da tese de doutorado em Antropologia Social de
Thais Fernanda Salves de Brito: “Bordados e bordadeiras: Um estudo etnográfico
sobre a produção de bordados em Caicó/RN” - USP – SP. Em seu estudo a autora
aborda o bordado como o centro das relações sociais que permitiria o acesso às
questões econômicas, históricas e culturais de Caicó e situa o bordado enquanto
profissão e que, até chegar nesse ponto, conta-se na “História de Caicó” também a
“da profissionalização da atividade”.
Esses bordados fornecem outra leitura da história da região,
valorizando a herança das primeiras colonizadoras portuguesas, no
espaço seridoense, o que se torna ainda mais patente se
considerarmos a ideia corrente, entre as bordadeiras de Caicó, que
mencionam a herança portuguesa (especificamente, da Ilha da
66

Madeira) dos bordados seridoenses. (BRITO, 2010, p. 47- 48).

Imagem 48: Pano de bandeja, exemplo de bordado de Caicó-RN


Fonte: https://www.arteserido.com.br/produto/pano-de-bandeja-bordado/
A história do bordado em Caícó, teria se estabelecido como uma trajetória
natural para a as moças, como forma de educação e disciplina, se ambientando
tanto no ambiente doméstico como até, uma atividade remunerada. Se antigamente,
ele, o bordado, estaria ligado à uma posição de submissão e obediência ao lar e ao
casamento, hoje, ele anda na contra mão deste pensamento, quebrando esse
paradigma e significando para muitas mulheres, uma forma de liberdade e de
independência socio-econômica. Quebrando-se assim, com a imagem da bordadeira
tradicional, que bordava apenas para compor o seu enxoval de casamento ou de
maternidade. Nos dias atuais, borda-se para si, como lazer, mas também como um
meio de vida, de sobrevivência, como principal fonte de sustento, como profissão.
Que é regulamentada na Base Conceitual do Artesanato, através do PAB –
Programa de Artesanato Brasileiro, que concede a chancela de “Mestre Artesã”,
àquelas que trabalham com essa tipologia de artesanato. E é por meio deste
programa e das associações de bordadeiras, que o bordado de Caícó tem sido
reconhecido não só no âmbito regional e nacional, mas também mundial.
Borda-se à mão e à máquina, bordam velhas e jovens, alguns
homens também bordam. Borda-se para si, como um lazer, para os
outros, como presente ou como trabalho. Borda-se em branco e
também em colorido, roupas para vestir ou para vestir a casa. Borda-
se para se ter liberdade econômica ou para sustentar a família. O
dinheiro que se ganha com o bordado pode ser um complemento ao
orçamento doméstico, a possibilidade de sustentar pequenos luxos
ou o único sustento de uma família. Bordado pode ser, ainda, veículo
de atuação política e uma possibilidade de “rodar o mundo” (BRITO,
2010, p.167)
67

4. AS TESSITURAS DA TEIA
“É com esse corpo entusiasmado que a tecelagem
da criação fia na matéria dos tempos e dos espaços
seus outros futuros instantes e durações.”
Edith Derdyk11

Os fios da teia de aranha são formados de uma cadeia de proteínas que dão
origem a uma sequência repetida de fragmentos interligados por pequenas
partículas, além disso, a formação dos fios desta trama é determinada pelos fatores
ambientais e por estímulos, um tipo de sinergia, uma ação conjunta de forças que se
conectam entre si. Assim como a complexa trama da teia de aranha, que depende
de vários fatores para se formar, é o processo criativo do artista que depende, da
mesma maneira, de uma rede de conexão entre procedimentos, conhecimentos,
hipóteses, investigação, estímulos, testagens e influências que provém do mundo ao
seu redor e que se enlaçam, instaurando-se assim, a pesquisa que gera o processo
de formação de significados e teorização dos conceitos contidos na obra, a partir do
fazer do artista-pesquisador. Caracterizando um procedimento interligado e contínuo
de maturação, como uma grande trama de teia, entre prática e teoria. E nesse
processo do ato criador, diante da característica mutável dos sentidos que a criação
vem a gerar, ela própria tende a inquietar o criador, fazendo-o refletir acerca de si
próprio, confrontando-se, em um processo de descoberta.
E se a obra é, ao mesmo tempo, um processo de formação e um
processo no sentido de processamento; de formação de significado,
como afirmado acima, é porque, de alguma forma, a obra interpela os
meus sentidos, ela é um elemento ativo na elaboração ou no
deslocamento de significados já estabelecidos. Ela perturba o
conhecimento de mundo que me era familiar antes dela: ela me
processa. Também neste sentido, de fazer um processo a alguém:
sim, somos processados pela obra. A obra, em processo de
instauração, me faz repensar os meus parâmetros, me faz repensar
minhas posições (REY, 2002, p. 126).12

Na tessitura da teia do ato criador da Instalação “Reflorescer” procurei


construir tramas, entre o ato de conceber a obra e o ato de costurar e bordar,
traduzindo assim, uma narrativa latente e complexa, composta de memórias, de
pedaços de mim e de suas reverberações através do meu corpo. Foi um longo
processo de construção, de testagens, pesquisas e reflexões, incorporando as ideias
de SALLES (2008, p. 15) que trata a obra como objeto móvel, inacabado. Para ela, o

11 (DERDYK, 2001, p. 16)


12 Citação retirada de uma versão disponível em:
http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/CENA/DOC/DOC000000000046610.PDF acesso 22 nov 2017
68

processo de criação “pode ser descrito como um movimento falível, com tendências,
sustentado pela lógica da incerteza, englobando a intervenção do acaso e abrindo
espaço para a introdução de ideias novas. Um processo no qual não se consegue
determinar um ponto inicial, nem final”. E de CATTANI (2007, p.22) que aborda a
mistura de elementos e linguagens na arte contemporânea, abrindo espaço para as
mestiçagens, questionando os paradigmas modernos, “a unicidade dá lugar às
migrações de materiais, técnicas, suportes, imagens de uma obra à outra, gerando
poéticas marcadas pela transitoriedade e pela diferença; o único dá lugar, assim, à
coexistência de múltiplos sentidos”.
Da ideia inicial do projeto, do que havia sido planejado e esperado, até a sua
concepção como obra, muitas questões foram levantadas, decisões foram
descartadas e outras acatadas, planos foram repensados na tentativa de adequá-los
às possibilidades que surgiam no lugar das impossibilidades. Questionei novas
opções de suportes, de formatos, de técnicas. As incertezas se tornavam muito
maiores que as certezas à medida que o tempo passava e eu não conseguia por em
prática o que havia planejado e o medo do fracasso, muitas vezes, foi o meu maior
inimigo, ao ponto de pensar em desistir do trabalho. Mas, à medida que fui me
aprofundando nas leituras pude perceber que todas essas questões, dificuldades,
medos, preocupações e, até mesmo, as influências aleatórias e imprevisíveis que
acabam interferindo arbitrariamente no processo, fazem parte da construção desse
entrelaçamento entre as exterioridades e as interioridades. Entre a tensão do que é
estável, perene e aquilo que não consigo controlar. O ato criador é mutante, volátil, é
como se estivesse ali, sempre à espera de que algo novo venha lhe transformar. O
processo criativo está diretamente ligado à experiência, que é, como reflete BONDÍA
(2002, p. 21) “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”. E é dessa
experiência, do fazer, do criar, da práxis, dos seus desdobramentos, do intervalo que
está entre o antes e o depois da experiência, assim como, as questões teóricas e
referencial artístico que fundamentaram essa pesquisa, que trato neste capítulo.
4.1 ENTRELAÇANDO NARRATIVAS
Dentro do meu processo de imersão na pesquisa em artes, passei a conhecer
artistas contemporâneos que se relacionam com o tema da minha investigação
artística, muitas foram as naturezas dos trabalhos, suas técnicas e narrativas.
Procurei trazer, como referencial visual, os artistas que evocam, no processo de
instauração de suas produções, os cruzamentos que fazem relação com a
69

mestiçagem de materiais e técnicas, com “a mistura de elementos distintos que não


perdem suas especificidades” (CATTANI, 2007, p. 11) e principalmente, que estão
ligados à vivências empíricas, derivadas de suas memórias afetivas e das
experiências que lhes afetam, como as minhas, a mim. Proporcionando assim, uma
rede de entrelaçamento de linguagens que me fornecem repertório para a realização
do meu trabalho.
O processo desses artistas, à primeira vista, podem parecer semelhantes pela
suas poéticas mas, no entanto, ao nos aprofundarmos neles podemos perceber que
tratam-se de motivações e condutas diferentes e são esses elementos poiéticos que
conferem a verdadeira complexidade e dimensão às obras.
Ana Teresa Barboza, artista peruana, teve, como eu, influência dos trabalhos
artesanais feitos por sua avó, que bordava, tecia e costurava em máquina de
costura. Quando saiu da faculdade, passou a desenhar roupas para poder se
sustentar. Com as roupas, aprendeu sobre os tecidos e sua constituição, material
que exerce influência e que é usado em sua produção artística. Trabalha com lãs,
tecidos, fios, fibras vegetais, animais e sintéticas. Borda, criando e recriando
paisagens sobre diversos tipos de suportes, misturando em sua composição, várias
técnicas, como a fotografia e o desenho. Já passou por diversas fases. Para a
artista, seu trabalho está entre arte têxtil e arte feminina, nele, o bordado é
importante, pois caracteriza uma nova camada de informação à imagem, e uma
nova relação entre ele e as técnicas que usa. Seu trabalho chamou minha atenção,
pois, ela tira o bordado da sua condição de bidimensionalidade, ele sai do bastidor e
é transformado em uma instalação tridimensional, ocupando o espaço.
70

Imagem 49: Suspensión 2


bordado em tecido com fios de lã
85 x 60 cm, 2013
Fonte: http://anateresabarboza.blogspot.com.br/p/suspen.html

Arthur Bispo do Rosário nascido em Japaratuba, Sergipe, 1911 13 e morto


1989, aos 78 anos, no Rio de janeiro, onde vivia há 64 anos. Em 1938, após um
surto, se apresentou espontaneamente em um mosteiro, que o encaminhou ao
Hospital dos Alienados da Praia vermelha, onde foi diagnosticado como portador de
esquizofrenia paranoica e de lá, é internado na Colônia Juliano Moreira. Em 1960,
passou a trabalhar e morar, em uma clínica onde passa a produzir pequenas
miniaturas e bordados. Em 1964, volta para a Colônia, onde vive até a sua morte.
Na Colônia, Bispo do Rosário, passa a produzir várias peças utilizando objetos do
cotidiano. Produz mais de 1000 obras de arte. Seus trabalhos transitam entre
assemblagens14 e bordados. Nas assemblagens, utilizava utensílios que eram
usados no cotidiano da Colônia. Nos seus bordados, Bispo, costumava utilizar os
tecidos que encontrava no hospital, como lençóis, fronhas e uniformes, de onde
tirava os fios que costurava seus bordados. Artur Bispo do Rosário tece em seus
trabalhos, uma espécie de inventário do mundo, através de palavras, frases, nomes

13 Segundo registros da Light, onde trabalha entre 1933 e 1937, nasce em 16 de março de 1911. Nos
registros da Marinha de Guerra do Brasil, onde serve entre 1925 e 1933, consta 14 de maio de 1909.
14 Assemblagem ou assemblage é um termo francês que foi trazido à arte por Jean Dubuffet em
1953. É usado para definir colagens com objetos e materiais tridimensionais.
71

de pessoas conhecidas, reconstituindo o mundo com as suas mãos, resistindo à


química e aos choques elétricos, para que assim pudesse se apresentar a Deus, no
dia do juízo final. Segundo ele, esses bordados eram uma tarefa imposta por vozes
que dizia ouvir, a partir delas, ele tece uma narrativa de memórias afetivas, tudo que
ele se lembrava do mundo foi transformado em pequenas figuras e bordadas nos
tecidos de suas obras, transformando-as em uma grande teia de registros de
lembranças de todos os lugares que ele passou quando era marinheiro. Em seus
relatos, Bispo conta que esse acervo era preparado para o dia da sua morte, o dia
em que se encontraria com Deus, para tanto, ele também preparou um manto
especial, chamado de “Manto da Apresentação”, uma de suas obras mais
importantes, com o qual se apresentaria ao Senhor, como representante dos
homens e das coisas existentes. Nele foram bordados os nomes de todas as
pessoas que ele conhecia, para que assim, não esquecesse de interceder por eles
junto ao Pai.
Por fim, é que na minha transformação, quando for permitido assim a
minha subida, eu vejo os mesmo sete anjos com poderes de glória,
eu tenho já pronto(...) uma amarração para o braço, aqui, duas tiras e
pros pés. Vem os anjos e me levam em cima em uma certa altura eu
digo: Pai, arrasai o mundo em fogo! As nuvens que estão dentro dos
santos anjos, das quatro partes do mundo, as nuvens se transformará
em fogo, tudo, floresta, mar e terra. E nada mais. (06':49”) (Arthur
Bispo do Rosário – Informação verbal)15
A trajetória artística de Bispo do Rosário influencia a minha pesquisa e o meu
trabalho já que, sua obra evoca um passado de memórias que nele permanecem,
sendo materializadas em objetos que têm origens de diversos materiais, sendo
ressignificados em objetos, fazendo uma metamorfose destas memórias e vivências
em algo que se comunica através do seus sentidos múltiplos. O que me remete à
CATTANI (2007, p.11) que em seu conceito de mestiçagens, busca “analisar as
condições e modalidades de elaboração de obras marcadas por esses cruzamentos
consecutivos, bem como as poéticas que os estruturam”.

15 Trecho do documentário “ O prisioneiro da passagem – Arthur Bispo do Rosário” produzido por


Hugo Denizart, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ISt22V1U-hY&t=8s acesso 20
nov 2017
72

Imagem 50: Manto da Apresentação – Arthur Bispo do Rosário


Fonte: https://tecituras.files.wordpress.com/2011/03/arthur-bispo-do-rosc3a1rio-manto.jpg

Edith Derdyk, paulista, é artista plástica formada pela FAAP, ilustradora,


educadora e autora de livros infantis e sobre arte. Participa de exposições coletivas
e individuais, no Brasil e no exterior. Tem obras em diversas coleções públicas como:
Pinacoteca do Estado de São Paulo; Fundação Padre Anchieta - São Paulo; Câmara
Municipal de Piracicaba; Museu de Arte de Brasília; Museu de Arte Moderna -São
Paulo; Instituto Cultural Itaú – SP; Secretaria Municipal da Cultura – Santos; Museu
de Arte de Santa Catarina, Museu de Arte Moderna da Bahia; Dragão do Mar-
Fortaleza; CCSP; Porto Seguro Fotografia; De Paw Institute-Indiana; Prefeitura de
Nurnberg-Alemanha.
A artista que tem o ato de desenhar como uma afinidade quase biológica,
tem como principais influências os filósofos e escritores Paul Valéry e Flávio Mota e
os artistas Richard Serra e Fred Sandback. Derdyk transita entre os universos da
palavra, da linguagem e do desenho, entrelaçando-os em uma tessitura, onde a
linha trama seus desenhos, em constantes movimentos de costura sobre costura,
linha sobre linha, em um deslocamento constante de “vai e vem”. Em suas
produções a artista usa como suporte o papel, o tecido e o próprio espaço para
73

desenhar, como nas séries Rasuras (1997 e 2002), Veloz (1998), Corte e Rasante
(2002), construindo situações, onde seu corpo se caracteriza como a ponta do lápis
em movimento, riscando o espaço com a linha, em um ritmo frenético,
demonstrando sua tensão e sua força. A partir destes trabalhos, a artista, lançou
diversos livros sobre seus processos criativos e suas poéticas, como: Linhas de
costura (1997), Vão (1998) e Deslize (2010).
Nas obras de Edith Derdyk, a linha tece o espaço entre dois pontos, em seus
textos, em suas instalações, ela não representa o visível, mas sim, as conexões
entre o ir e vir, entre as continuidades e descontinuidades, entre o tempo e o espaço.
Onde a linha tem força, liga coisas, reconstrói narrativas e memórias. Além da
conexão através da linha, Derdyk, me leva a fazer uma associação entre o espaço e
a obra, reafirmando os conceitos de TEDESCO (2004, p. 01), “referentes as poéticas
que incorporam o espaço onde a obra instala-se como parte da mesma, criando, a
partir daí, uma série de relações”.

Imagem 51: Rasuras, Edith Derdyk, 1998.


Rasuras 60.000 ms de linha preta de algodão, 22.000 grampos, 13 dias de montagem
http://www.edithderdyk.com.br/portu/comercio.aspflg_Lingua=1&cod_Artista=1&cod_Serie=23
74

José Leonilson Nasceu em 1º de março de 1957, em Fortaleza- CE. Mudou-


se para São Paulo em 1961, onde na adolescência, faz cursos livres na Escola
Panamericana de Artes. Em 1977, ingressa no curso de Licenciatura em Educação
Artística na FAAP, onde é aluno de de Regina Silveira, Júlio Plaza e Nelson Leirner,
abandona o curso em 1980. Durante sua trajetória artística participa de diversas
exposições no Brasil e no exterior. Em agosto de 1991, descobre que é soropositivo
ao vírus HIV. Em 1993, realiza seu último trabalho “Instalação sobre duas figuras” na
Capela do Morumbi, em São Paulo, mas não a vê montada. Falece em 28 de maio,
aos 36 anos. É homenageado em duas exposições em Amsterdã. Ainda em 1993, o
projeto Leonilson é fundado com o objetivo de pesquisar, catalogar, preservar e
divulgar a vida e obra do artista.
Em 2017, o Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza, recebe a exposição
“Leonilson: arquivo e memória vivos”, contando com mais de 120 obras do artista.
Além da exposição, é lançado o Catálogo Raisonné16 de Leonilson, que levou mais
de 20 anos para ser montado pela Fundação Edson Queiroz e que conta com mais
de mil páginas que foram divididas em três volumes. José Leonilson é o primeiro
artista contemporâneo a ter um Catálogo Raisonné.
A obra de José Leonilson é uma observação de si mesmo, de sua experiência
individual, reverberando os seus questionamentos a respeito da alma humana.
Passa por várias fases, como pintura, produções tridimensionais e arte têxtil. Na
pintura, foi pioneiro, sendo o primeiro artista brasileiro a retirar o chassi de proteção
de suas telas, mostrando que para ele, a expressão da obra era mais importante que
o suporte que a carregava. Como quem quisesse fazer um diário, um caderno de
anotações, Leonilson entende a costura como um agente de ligação, que entrelaça a
matéria bordada a um labirinto de memórias. Nesta poética, transforma os textos e
desenhos bordados em suas obras em enlaces afetivos onde vida e arte têm uma
relação umbilical, composta pelo liame da matéria, da forma, do conteúdo, do
pensamento e da alma, provocando com sua narrativa sensível e, ao mesmo tempo
dura, uma incessante busca sobre o significado da vida e da morte.
Talvez por falar de si mesmo, por mexer com seus sentimentos mais
profundos em sua obra, José Leonilson é, dentro desse referencial visual, o artista
que mais me toca, que mais me afeta. Ao pesquisar sua vida, suas produções, ao

16Catálogo Raisonné é a listagem descritiva e anotada da bibliografia de um ou vários autores,


podendo organizar-se por áreas temáticas. É sobretudo frequente na recolha da obra de um artista.
75

conhecer seu imenso acervo, através do site da sua fundação e principalmente, ao


ter a oportunidade de assistir ao filme/diário/documentário “A paixão de JL”,
produzido por Carlos Nader, a partir de fitas cassetes que continham gravações
onde Leonilson narrava o que acontecia em sua vida, suas angústias, suas alegrias,
suas preocupações, falava de seus amores, das suas inseguranças, do medo de
revelar-se gay para seus familiares, das banalidades do dia a dia e finalmente de
sua doença e sua evolução, tudo isso me fez perceber o caráter confessional da sua
obra, que antes não compreendia. Entender a força dessas obras, o que o motivava
a produzir, foi como se eu tivesse olhando para dentro de mim mesma, não me
comparando, mas compreendendo que era dentro de mim, das minhas memórias
que estavam as minhas motivações, as poiéticas, que conduziriam a realização do
meu processo criativo, e não ao meu redor. Talvez por isso, por esses motivos, de eu
me identificar e me deixar influenciar tanto por esse artista.

Imagem 52: Isolado; frágil; oposto; urgente; confuso. José Leonilson, 1991.
Bordado e costura / linha sobre voile 21 x 63 x 0 cm
Fonte: http://www.projetoleonilson.com.br/obras.aspx

Louise de Bourgeois nascida em Paris, mudou-se para Nova York aos 27


anos, onde casou, teve três filhos e onde despontou para a vida artística.
Tornou-se um dos maiores expoentes em arte têxtil no mundo, por ser uma
das primeiras artistas a chamar a atenção para a presença da costura nas artes
plásticas. Suas obras estão impregnadas de memórias de uma infância onde a
trama familiar era tecida por sentimentos de conflitos, angústias, medo e
infidelidade. Sua mãe era uma pessoa protetora, seu pai, uma figura autoritária, que
tinha como amante a tutora da família, que morava na mesma casa. No quarto de
76

costura da tecelagem da família, ao mesmo tempo que restaurava a tapeçaria,


Louise recebia as primeiras lições de vida através das respostas que recebia da
costureira, sobre o corpo e o sexo. Este era um lugar de desvendar segredos, como
conta Paulo Herkenhoff na publicação da 23ª Bienal Internacional de São Paulo 17,”
Os códigos de vestidura eram regulamentação do desejo. Portanto, nessa casa, a
costureira (seamstress) e a amante (mistress) administravam a sensualidade.”.
A artista traz para suas obras os muitos conflitos recorrentes no universo
feminino, como a maternidade, o desejo, a sexualidade, os recalques da vida, os
abandonos, a ira, a obrigação e cobrança pela maternidade e fertilidade, da censura,
associando o corpo à escultura e ao exercício da memória. Bourgeois enfrenta
constantemente a experiência dos limites, costurando em suas obras a presença do
sujeito que deseja, da mulher que se sente constantemente constrangida pela
vontade do saber, “Confronta-nos com um corpo que não nos apazígua, mas
questiona ininterruptamente nosso próprio olhar.”(HERKENHOFF, 1996).
Como dito acima, as obras de Louise de Bourgeois traz à tona questões que
estão profundamente ligadas ao universo feminino e que são latentes em meu
mundo, questões que vivenciamos no dia a dia, e que estão carregadas de
simbolismos e significados, questões pelas quais eu luto ou combato. Desta
maneira, entendo o legado de Bourgeois como uma espécie de “artivismo”, conceito
defendido pelo artista Bené Fonteles, como sendo a “mixagem de ativista político
com o artista poético”18 e que vejo aplicado em suas obras, a partir do momento em
que ela faz da arte um convite à participação, como forma de amplificar, sensibilizar
e problematizar sua própria realidade junto à sociedade em que vivemos.

17 Disponível em: http://www.23bienal.org.br/especial/pebo.htm


18 Retirado do Manifesto “Antes Arte do que Tarde” lançado oficialmente em 1987, na XIX Bienal de
São Paulo.
77

Imagem 53: Spider, Louise Bougeois,1996.


Bronze nº 26, 338x668x633 cm. Foto: Robert Miller Gallery

Imagem 54: Cell, Louise Bourgeois,1996


Fonte: https://mosehouse.blogspot.com.br/2012/02/ode-to-granny-jenkins.html
78

A mesma influência que sofro com a obra de Louise Bourgeois, é a que sofro
com Rosana Paulino, artista paulista, a do “artivismo”. Sua produção está ligada à
questões de gênero, sociais, étnicas. Questões que trazem à tona e que denunciam
as marcas deixadas por séculos nas mulheres negras, preconceito, violência e
racismo, são alguns deles.
Rosana trabalha dentro da tendência story art, que surgiu nos anos 1970 e
que tem como mote, as memórias, as experiências e vivências oriundas de um lugar
mental particular, da história pessoal e familiar de quem a produz. A essas relíquias
familiares, são agregados fazeres que são, tipicamente, arquétipos do universo
feminino, como a costura e o bordado, que aprendeu quando criança, com a sua
mãe, quando não exercia a função de empregada doméstica, e que estão
carregados de memória afetiva.
Linhas que modificam o sentido, costurando novos significados,
transformando um objeto banal, ridículo, alterando-o, tornando-o um
elemento de violência, de repressão. O fio que torce, puxa, modifica o
formato do rosto, produzindo bocas que não gritam, dando nós na
garganta. Olhos costurados, fechados para o mundo e,
principalmente, para a condição no mundo. (PAULINO apud
BAMONT, 2004, p.172)

Para Paulino, a sua arte tem que ser utilizada para se fazer pensar o seu
lugar e condição no mundo. Para tanto, ela se fundamenta em memórias e mitos
para a realização dos seus trabalhos, como o mito de Arácne, que associa a teia e
os fios que são tecidos pelas aranhas, à prisão que à mulher é imposta, privando-a
da liberdade de comunicar-se, a censura que lhe é imposta fazendo-a paralisar
diante das ameaças. Mas ao mesmo que retrata a mulher paralisada, representado,
em suas obras, por fios costurados na boca e olhos, ela denuncia a ação. A mesma
linha que silencia, é a linha que fere e expõe o ato. A série em questão é a
“Bastidores” (1997), um compilado de seis obras, feitas a partir de xerox de
fotografias de suas familiares, todas mulheres negras. Fotografias que foram
transferidas para tecido e presas no suporte de bastidores de bordado de madeira,
que servem como molduras. Cada uma dessas obras recebe intervenções bordadas
como alinhavos, de maneira intensa e gestual, intencionalmente mal acabados e em
partes significativas do corpo feminino: Boca, olhos, garganta e testa.
A linha aparente e o bordado rude transformam os retratos em
exemplares da condição dos afrodescendentes, reverberando sua
difícil condição social. Os bordados afastam-se das qualidades e
delicadezas que lhes são próprios e se aproximam de operações de
estancamento ou de impedimento. As costuras e suturas mal feitas
parecem agir sobre cortes profundos. Se os negros eram amarrados,
79

amordaçados,e silenciados quando escravos, suas imagens nas


séries Bastidores trazem à tona resquíscios daquela condição.
( JAREMTCHUK apud SIMIONI, 2010, p. 13).

Discutir a questão de gênero e raça, é imperativo, para que se entenda a obra


de Rosana Paulino. São mulheres, e como tais fazem parte historicamente de um
grupo social que é segregado e que neste caso, duplamente: Segregação de raça e
gênero. Utilizando a linha e o bordado, elementos ligados ao arquétipo feminino, que
traduzem delicadeza e feminilidade, de forma rígida, tensa e grosseira, Rosana
ressignifica o teor das imagens e ao mesmo tempo os discursos estereotipados em
relação à mulher.
Em sua trajetória, Rosana Paulino está sempre questionando o lugar e a
história da mulher negra, criando a sua própria linguagem recriando códigos que
compõem a sua própria referência, como nas séries de obras, “Verônicas”, uma
instalação onde imprime sudários de rostos de várias mulheres de diversas idades e
seus depoimentos. “Saquinhos”, em que utiliza imagens em tecidos de microfibra
que são colocados em saquinhos, costurados à mão e instalados como um grande
jogo de memória. E “Casulos”, feitos a partir de fios de poliéster, onde são inseridos
vários objetos como, bonecas, búzios ou chumaços de cabelo. Essa obra foi
instalada em pulares no Musée du Art Contemporain, em Bordeaux.

Imagem 55: Imagem transferida sobre tecido, bastidor e


linha. 30,0 cm
Fonte: http://www.rosanapaulino.com.br/
80

Imagem 56: Sem título, Rosana Paulino, série Saquinhos, 1994/2015


Tecido, microfibra, xerox, linha de algodão e aquarela. Tecido, microfibra,
xerox, linha de algodão e aquarela. 8,0 x 8,0 x 3,0 cm cada elemento
Fonte: http://www.rosanapaulino.com.br/

O grupo Matizes Dumont é um coletivo familiar de Pirapora, Minas Gerais, que


há mais de trinta anos utiliza o bordado livre, feito à mão como linguagem artística e
como meio de transformação social e cultural. O grupo é formado por uma mãe,
quatro filhas e um filho, que se apropriam das memórias afetivas como matéria-
prima, misturada às linhas, tecidos, tessituras, tramas, cores e partilhas. A família
Dumont fundou em 2004, o instituto que leva o nome da matriarca da família Antônia
Zulma Diniz Dumont, a instituição se dedica a promover e difundir a cultura popular
brasileira usando a arte como instrumento para o desenvolvimento humano de
pessoas em situação de vulnerabilidade.
O Matizes Dumont já participou de diversas exposições nacionais e
internacionais, difundindo o bordado como forma de arte através das memórias.
Seus bordados já ilustraram livros, capas de disco e cenários de shows. A releitura
de obras também faz parte do repertório, artistas como Candido Portinari, já foram
ilustrados nos bordados do Matizes Dumont.
81

Os trabalhos desse coletivo, que conta histórias através das linhas e agulhas,
foi um dos primeiros trabalhos que conheci quando comecei a trabalhar com
artesanato, a arte que eles imprimem nos tecidos sempre me emocionou muito,
justamente por ser uma obra totalmente ligada aos sentimentos, às histórias
familiares e às suas memórias e desde então, há mais de vinte anos, tenho o
Matizes Dumont como referência em meus bordados e nas aulas que ministro.
Inclusive, foi um dos referencias visuais que utilizei na minha ação pedagógica
realizada durante a XXVII CIENTEC – Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura –
UFRN, em outubro de 2017.

Imagem 57: Bordado feito pelo Grupo Matizes Dumont, ilustrando sua cidade natal,
Pirapora-MG
Fonte: https://www.matizesdumont.com/pages/about-us
82

4.2 O FIO DA MEADA


“A arte não cabe.
Sempre vai além”.
Flávio Motta
Logo ali atrás, falei da influência que o legado de José Leonilson exerce sobre
o meu processo criativo. Até então, não havia percebido o porquê da insistência em
produzir artisticamente a partir de materiais que fazem parte da minha realidade, do
meu dia a dia, o bordado e a costura. Poderia parecer mais fácil talvez, já que é um
fazer que domino, não sairia da minha “zona de conforto” para me confrontar com o
desconhecido. Mas, não, não era isso, ao longo da graduação tive algumas
oportunidades de sair desta zona, experimentar outras linguagens, mas tinha algo
que sempre me trazia de volta. Ao compreender a obra de Leonilson, além da
imersão que fiz em mim mesma, pude ao mesmo tempo “olhar de fora”, tomar uma
certa distância daquilo que mais me aproximo e assim, entender que é dessa
aproximação, desta intimidade e das memórias, que dela aflora, que encontro as
motivações que constituem o suporte para meu processo criativo. Cecília Salles
aborda essa questão no prefácio do livro de Edith Derdyk, Linha de horizonte.
Independentemente de quais sejam as motivações, muitos artistas,
[…], precisam, em algum momento de sua trajetória, olhar de fora
aquilo que vivem intensamente quando estão criando suas obras.
Algo os leva a refletir sobre o fazer artístico e sistematizá-lo de algum
modo. E assim vamos nos aproximando, por caminhos diversos,
desse fenômeno tão complexo. (SALLES, 2001, p. 5)
Passadas as primeiras, mas não as últimas, inquietações sobre o devir do
meu trabalho, as questões práticas, porém não menos importantes, teriam que ser
decididas.
Quando comecei a pensar em um projeto que ressignificasse o bordado na
arte contemporânea, não tinha a menor ideia do que seria o trabalho e nem da sua
dimensão. Quando falo em dimensão do trabalho, não o faço só em relação ao seu
tamanho, mas também sobre a dimensão que ele tomaria na minha vida e das
mudanças que ocasionariam em mim. Essas, relatarei mais a frente. A minha
intenção inicial era fazer um trabalho que juntasse o meu fazer, a minha prática, a
arte contemporânea e as problemáticas acerca do universo feminino. Inicialmente,
ainda em fase de projeto do Trabalho de Conclusão de Curso I, tive como
orientadora a Profª. Laís Guaraldo, em nossas conversas nas reuniões de
orientação, pensamos que meu trabalho poderia girar em torno da temática do
feminismo, justamente, como falado anteriormente neste texto, pela minha luta em
83

torno das questões inerentes ao universo feminino, mas sem usar de bandeiras
militantes, sem fazer do meu trabalho uma arte panfletária e ideológica, mas sim
trazendo um novo contexto. Foi quando a professora Laís, sugeriu que usasse,
como referência em meu projeto, uma das muitas mulheres artistas que foram
atuantes no Rio Grande do Norte, levantando o nome de Nísia Floresta que foi a
primeira feminista do Brasil, era educadora, escritora e poetisa, nascida na cidade
que hoje, leva o nome pelo qual é conhecida, que aliás, era seu pseudônimo, seu
nome verdadeiro era Dionísia Gonçalves Pinto. Pensamos em um projeto que se
desdobraria ao final do trabalho, em “Cartas à Nísia”, como se nesse processo, eu a
escrevesse cartas bordadas contando-lhe o que acontece hoje, em relação às lutas
e as questões feministas. Esse projeto me deixou encantada e comecei a pesquisar,
mesmo que superficialmente, a respeito dessa mulher à frente do seu tempo e de
quem eu sabia quase nada.
Durante esse processo, a professora pediu que eu escrevesse um memorial
sobre a minha vida e foi então que desencadeou em mim, a vontade de fazer uma
pesquisa em artes visuais sobre as minhas memórias afetivas, que aliás, já estava
em andamento, mesmo que eu não tivesse me dado conta disso, desde a disciplina
Desenho II, ministrada pelo Prof. Me. Artur Souza, quando usei pela primeira vez a
linha como matéria em minhas instaurações artísticas, processo já descrito aqui
anteriormente, no sub-capítulo “Do artesanato às artes visuais”, e que também foi
notado pela professora Laís quando lhe apresentei meus trabalhos. Desta maneira,
ficou decidido então, que o meu Trabalho de Conclusão de Curso seria pautado nas
minhas memórias afetivas.
Neste espaço de tempo, em que eu decidia sobre os rumos que meu trabalho
tomaria, o professor Artur, que havia concluído o seu mestrado, voltou a dar aulas no
Departamento de Artes e nós, professora Laís, eu e professor Artur, decidimos
juntos, que eu passaria a ser orientada por ele.
Tomo esse curto período como orientada da professora Laís Guaraldo como
um ciclo pelo qual eu precisava passar, que me trouxe trocas valiosas e um grande
aprendizado, quando tive a oportunidade de ampliar e amadurecer a minha
consciência enquanto artista e do papel da mulher artista nas Artes Visuais.
84

4.3 INICIANDO A COSTURA DO PROCESSO


“Meu trabalho inicial é o medo de cair. Depois se tornou a arte de cair.
Como cair sem se machucar.
Mais tarde é a arte de se manter no ar.
Louise Bourgeois
Já como orientanda do Prof. Artur Souza e com a nova proposta de projeto
acertada, passamos a discutir quais seriam os questionamentos a serem feitos para
que o projeto viesse a acontecer, qual a minha proposta? O que eu queria fazer?
Como seria produzida a obra? Quais linguagens seriam utilizadas? Que conceitos
seriam abordados? Quais referências visuais e teóricas serviriam de parâmetros?
Eu sabia que queria produzir, como dito antes uma obra que falasse de mim,
mas não sobre mim, não me colocando como ponto de partida, mas sim as minhas
memórias afetivas, utilizando para isso materiais tradicionais, mas de uma forma que
fosse inserida na Arte. Mas, quais seriam as prerrogativas para legitimar esse
processo? A partir das leituras que me foram passadas pelo professor Artur, comecei
a entender que na arte contemporânea a conexão desses elementos gera
cruzamentos e que são diversos os processos criativos em que esses cruzamentos
constituem-se em um esquema de possibilidades abertas em partes que se
combinam e recombinam sem restrições, produzindo novos sentidos e tensões entre
as linguagens, originando o conceito de mestiçagens, como reflete Icleia Cattani em
seu texto:
Os cruzamentos que suscitam relações com o conceito de
mestiçagem são os que acolhem sentidos múltiplos, permanecendo
em tensão na obra a partir de um princípio de agregação que não
visa fundi-los numa totalidade única, mas mantê-los em constante
pulsação. Esses cruzamentos tensos são os que constituem as
mestiçagens nos processos artísticos atuais. (CATTANI, 2007, p. 11)

Dentro desse contexto de mestiçagens, Cattani, aborda outras questões


metodológicas inerentes à realização dos procedimentos artísticos na
contemporaneidade. A poética e a poiética visual. Que tratam da constituição da
obra física, da sua materialidade e das motivações do artista e de seus processos de
trabalho. Questões que estão ligadas às influências que o processo criativo, sofre,
às linguagens tradicionais que podem ser incorporadas às práxis artísticas
contemporâneas, ressignificando-as, apresentando novas proposições e cruzamento
de múltiplos sentidos e materiais. Indo de encontro aos paradigmas da modernidade,
rompendo “com os princípios de pureza, de unicidade e de originalidade modernos”
(CATTANI, 2007, p. 22).
85

A partir dessas discussões de conceitos de mestiçagens de Icleia Cattani e de


processo de criação artística de Cecília Salles e Sandra Rey, é que comecei a
desenvolver a metodologia da pesquisa em arte proposta acima, ressignificando o
uso de práticas de tradição cultural não hegemônicas, como o bordado, a costura, as
tramas, dentro da contemporaneidade.
Mas, a questão “do que fazer?” ainda era latente em minha mente, eu não
conseguia exteriorizar como eu executaria o projeto como iria fazer todas essas
conexões para que a obra tomasse corpo e se tornasse em algo palpável, com
forma. Essa era a questão, que “algo” era esse? Edith Derdyk, conseguiu definir o
que eu sentia em um trecho do seu livro.
A palavra algo nos remete instantaneamente a sensações indefinidas
e paradoxalmente presentes: algo é algo vago, nebuloso, informe.
Algo é um pronome indefinido que pode ser alguma ou qualquer
coisa, anunciando a atualidade de algo por vir, evocando a ausência
do que pode se dar como presença: acontecimentos em todos os
instantes, em qualquer direção.
Essa indeterminação balança entre uma e milhões de possibilidades
pra que algo errante incorpore uma forma definida e presente. São os
poderes da linguagem, em pleno exercício, capaz de evocar algo
ausente na presença da forma. (DERDYK, 2001, p. 29).

Percebi que eu precisava ter um norte, um ponto de partida para começar a


pesquisar que tipo de obra seria produzida, foi então que pensei no suporte da obra
e comecei uma investigação entre as minhas referências visuais, já citadas aqui.
Passeando pelas assemblagens de Bispo do Rosário e as instalações de Ana Teresa
Barboza e Rosana Paulino, tomei a decisão que seria uma escultura tridimencional
ou uma instalação. Na verdade, eu queria que o bordado saísse da sua condição de
bidimensionalidade e partisse para a tridimensionalidade, então me veio a ideia de
uma obra suspensa. Mas, ainda assim, eu não havia me decidido pelo suporte da
obra. Um dia, conversando com a professora Laurita Salles, em um encontro casual
em um shopping, quando estava acompanhada com Kelline, amiga e colega do
curso, a professora nos perguntou se já tínhamos decidido sobre o tema do nosso
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na época, sabíamos vagamente nossos
temas, então ela perguntou sobre o que nós gostávamos de fazer e eu me lembro
que falei sobre fotografias bordadas e sobre memórias, foi quando ela nos
aconselhou a fazer o que nós gostávamos, pois passaríamos muito tempo lidando
com aquela pesquisa, então teria que ser algo com o qual tivéssemos afinidade.
Depois que a professora foi embora, eu e Kelline ainda continuamos conversando
sobre o assunto e fazendo conjecturas a respeito. Passamos então, a colocar
86

nossas ideias no papel, Kelline ia desenhando e eu opinando sobre o que eu poderia


fazer e a partir dessa conversa entre a “luz” que a professora Laurita nos deu, tira-
gostos, chopps e muitos risos, foi que surgiu o meu primeiro esboço do que viria a
ser a obra da minha pesquisa em artes visuais (Imagem 59 e 60).
A primeira ideia do que viria a ser a instalação “Reflorescer”, foi de uma
instalação que seria suspensa em bastidores de madeira, que teriam a medida de
1m² e que seriam instalados, a principio, no grid de cabos de aço da Galeria do
Departamento de Artes Visuais da UFRN. A instalação seria composta por três
elementos tridimensionais tendo, em cada um deles, três suportes de tecido com
medidas aproximadas de 170 X 120 cm. Estes tecidos teriam tramas diferenciadas.
Os que ficariam na parte externa, seriam de tecido Voil, para que pudessem dar um
efeito translúcido, de transparência e a sensação de sobreposição, embora
mantenham uma distância entre si, permitindo que quem olhasse de “fora”, pudesse
enxergar o tecido por trás, onde estará impressa a imagem fotográfica. Tanto o
tecido de Voil, quanto o tecido impresso, receberão intervenções de bordados. Os
tecidos de Voil teríam a função de agir como se filtrassem a realidade que é a
verdadeira identidade de si, a imagem impressa no tecido, e a realidade que é
representada para o mundo, aquela, que quem está na posição de espectador,
consegue enxergar. Desta maneira, estaria entrando no campo das
experimentações e testagens, promovendo a cosedura entre passado e presente,
manualidade e tecnologia, explorando a multiplicidade de materiais e de elementos
do cotidiano, gerando poéticas marcadas pela temporariedade das diferenças,
dando um novo sentido às relações de espaço e tempo, oportunizando novas formas
de expressão, em diferentes suportes e técnicas.
Essa tensão provém dos cruzamentos de conceitos e termos, de questões
formais e de práticas artísticas que o estruturam no seu interior. Ela provém,
também, do fato de que não se trata de um conceito estabelecido
definitivamente: ele é móvel e é mutante, necessariamente inclusivo, talvez
incerto e informe, marcado pelas transversalidades possíveis que o fazem
avançar de métodos oblíquos e pelos sentidos que escorregam pelos vãos e
frestas ou que se materializam entre dois ou mais elementos. Ele é,
sobretudo, aberto ao devir que acompanha a arte existente e aqelabora sob
os nossos olhos, nas contradições, nas lutas e nos encontros do presente.
(CATTANI, 2007, P. 33).
Levei a ideia para a aprovação do professor Artur, meu orientador, que
prontamente aprovou, porém, propôs uma alteração no bastidor e no tamanho da
obra que aumentaria de 170 cm, para 200 cm, colocaria mais uma ripa de madeira
no meio formando três ripas, o tecido com a fotografia ficaria no meio, entre os dois
87

de Voil, esse tecido entre os dois translúcidos, aumentaria a atmosfera de mistério.


Achei ótima a ideia e aceitei. O professor conseguiu fazer um bastidor com as
medidas propostas (Imagem 58).
O próximo passo, seria fazer um protótipo para a apresentação do Trabalho
de Conclusão de Curso. Foram feitos dois protótipos. No primeiro, utilizei palitos de
madeira (palitos de churrasco), para fazer a estrutura representando o bastidor de
madeira. Os palitos foram amarrados com linha. Por não ter como pendurar o
protótipo, eu fiz a estrutura com “pernas”, que eu pudesse apoiar em cima de uma
mesa. Produzi o bordado no tecido Voil, o tecido que ficaria parte da frente da
instalação, recebeu um bordado com da miniatura da minha tatuagem, um pezinho,
a parte que ficaria no meio, como sendo a fotografia reproduzida no tecido, coloquei
uma impressão colorida em papel sulfite, uma foto da mesma tatuagem, fiz também
uma intervenção com bordado na foto. Foi em relação a esta impressão que
aconteceu o primeiro imprevisto, nesta experimentação. O planejado foi uma
impressão no tecido, como era uma investigação, no meu processo criativo, optei
por tentar fazê-la em casa, depois de assistir a vídeos na internet ensinando o
processo de revelação com tinner19, a partir de fotos xerografadas. Nenhuma das
tentativas que fiz, deu certo, não sei se pela falta de experiência ou pela qualidade
da reprodução xerográfica. Por este motivo, decidi por imprimir a foto em papel. O
protótipo nº1, foi armado em cima de uma mesa, onde foi fotografado para ser
inserido no corpo da monografia. Esse protótipo, pela natureza da sua fragilidade,
não durou muito tempo, logo, desarmou e por isso, precisei fazer outro para a
apresentação do Trabalho (Imagens 61, 62, 63).
O segundo protótipo fiz com ripas finas de madeira de MDF, cortei as ripas
com o auxílio de uma serrinha “tico-tico” manual e colei as partes com cola de
contato, fiz um quadrado bastante semelhante ao bastidor que o professor Artur
tinha elaborado. Consegui montar toda a estrutura e os tecidos bordados. Para este
segundo protótipo, bordei um coração no tecido de Voil e reproduzi uma das fotos do
pojeto da disciplina Projeto Gráfico, que são minhas mãos. Esse protótipo foi levado
para a apresentação do TCC, mas no caminho, devido aos solavancos do ônibus,
acabou descolando uma parte, o que me deixou bastante preocupada. Quando
cheguei ao Departamento de Artes, consegui colar de novo e montá-lo para a

19 Thinner é um tipo de diluente com alto poder de obstrução, feito a partir da mistura de compostos
químicos e de solventes.
88

apresentação (Imagens 64 e 65).

Imagem 58: Bastidor de madeira feito pelo Prof. Artur Souza, medindo 1 m²,
para a instalação “Reflorescer”
Foto: Louise Gusmão
89

Imagem 59: Primeiro esboço da instalação “Reflorescer”


Desenho Kelline Lima
90

Imagem 60: Outra visão do primeiro esboço da instalação “Reflorescer”


Desenho Kelline Lima
91

Imagem 61: Protótipo 1 da obra “Reflorescer” (Frente)


Foto: Louise Gusmão
92

Imagem 62: Protótipo 1 da obra “Reflorescer” (Late


Foto: Louise Gusmão

Imagem 63: Protótipo 1 da obra “Reflorescer” (Visão Superior)


Foto: Louise Gusmão
93

Imagem 64: Protótipo 2 da obra “Reflorescer” loevado para a apresentação


do TCC
Foto: Andreza Lanuza

Imagem 65: Protótipo 2 da obra “Reflorescer”


levado para a apresentação do TCC
Foto: Louise Gusmão
94

Passando por essa primeira etapa do meu processo criativo, pude perceber a
rede de conexões que se processam quando estamos imersos num fazer artístico,
segundo SALLES (1998, p.13), “um artefato artístico surge ao longo de um processo
complexo de apropriações, transformações e ajustes”. Ao criar esses protótipos,
ocorreram situações nas quais todo o processo sofreu influência, transformando
certas características dos objetos, isso ocorre, devido à sua natureza mutável e das
relações que acontecem com o meio e do caráter de formação da obra, formação
enquanto obra física e formação de sentidos e significados, gerando um processo de
construção contínua de experimentações e reflexões.
O processo de criação é o lento clarear da tendência que, por sua
vagueza, está aberta a alterações. O final pode ser que nada tenha a
ver com a "maquete inicial", pois o plano não tem nada da experiência
que se adquire na medida em que vai se escrevendo a história
(CASARES, apud, SALLES, 1988, p. 31).
As palavras de Salles me fazem refletir em todas as etapas que passei nesse
processo criativo. Todas as mudanças que se fizeram necessárias para que eu
pudesse chegar ao meu objetivo final. Não só o fazer da obra é afetado pelas
circunstâncias que encontramos pelo caminho, mas eu também sou afetada a
medida que estou aberta às transformações.
A partir da apresentação do projeto, a próxima etapa era procurar por em
prática o que estava no protótipo para a concretização real da obra.
Para realizar a obra eu precisava, em primeiro lugar, achar um lugar na
cidade que imprimisse em tecido, na escala que eu havia desejado e planejado.
Seriam três reproduções em tecido. Durante três meses, pesquisei em gráficas e
serigrafias opções que atendessem aos meus critérios. Comecei procurando
empresas que imprimissem em tecido de algodão, pois essa era a melhor opção
para a aplicação do bordado. Descobri que não existem lojas em Natal, que
trabalhem com impressão por sublimação em algodão, salvo uma empresa, mas só
em grandes quantidades, acima de 1000 unidades. Todas as empresas que
pesquisei ou que me indicaram, só imprimem tecidos que têm em sua composição o
poliéster20. As empresas de serigrafia da cidade, imprimem em algodão, mas só
produzem telas com no máximo 100 X 80 cm, como também não fazem o trabalho
de impressão maiores que esse, mesmo que usem várias telas. Se eu optasse por

20 Grupo de resinas sintéticas contendo ésteres em sua cadeia principal, us. em tintas e vernizes,
cobertura de superfícies e como fibra têxtil.
95

fazer duas telas maiores ou quatro menores, para imprimir no Departamento de


Artes, não seria viável financeiramente para mim, pois ainda teria os gastos com
tinta, rodo e tecido. Já estava quase desistindo do projeto, quando me lembrei de
perguntar à uma colega, Silvana Benevides, que se formou no semestre anterior, e
fez um trabalho com impressão em tecido, ela me indicou uma gráfica, liguei para
eles, mas lá também não trabalhavam com esse tamanho. Um dia, resolvi fazer de
novo o mesmo percurso para tentar ver se encontrava uma outra opção que eu
pudesse imprimir, já estava decidida, que se não obtivesse êxito, eu iria desistir do
projeto e partir para outra coisa. Minha preocupação era o tempo, quanto mais
demorava de eu achar um lugar que fizesse a impressão, maiores eram minhas
chances de fracassar com meu projeto. Chamei minha amiga Kelline para juntas
tentarmos achar uma solução, passamos de loja em loja, ninguém fazia a impressão
e decidimos então, pedir referências, descobrimos mais tantas outras gráficas no
centro da cidade, mas em vão. Apenas uma, fazia a impressão do tamanho que eu
queria, mas o valor era muito alto. Tentamos a última loja que nos indicaram e foi lá
que conseguimos ver a luz no fim do túnel. Tivemos uma informação que numa loja
que vende artigos de festas, onde sempre vou comprar materiais, fazia a tal
impressão. Fui meio descrente, pois já frequentava a loja há anos e nunca soube
que faziam impressão, muito menos, em tecido. Quando chegamos lá, descobrimos
que na verdade, era uma empresa do filho da dona dessa loja, que está situada em
outro bairro. A vendedora da loja me colocou em contato com a gráfica. No outro dia
eu fui até lá, e encomendei os painéis com a impressão em tecido Oxford, que é um
tecido misto composto de algodão e poliéster, que por sinal, custaram muito menos
que a outra loja. Finalmente, depois de três meses procurando, consegui! A
sensação de frustração já estava me deixando apreensiva. Infelizmente, não havia
mais tempo hábil para encomendar os três painéis, pois eu não iria conseguir bordar
todos, então optei por encomendar apenas dois. A impressão também não poderia
ser feita no tamanho que eu desejava, pois as fotos tinham tamanhos diferentes, as
impressões poderiam ser feitas com, no máximo, 150 X 100 cm e assim foram feitas.
Quando fui pegar os painéis, percebi que apesar da qualidade impressão ser muito
boa, um dos painéis estava manchado e foi necessário refazer a impressão, o que
me rendeu mais uma semana de atraso. Só no dia 27 de outubro, consegui ter as
duas impressões em mãos para começar a trabalhar. Teria, portanto apenas um
mês, para produzir os bordados, e escrever o processo criativo no memorial
96

descritivo e entregar do trabalho. O processo criativo do trabalho e seus


desdobramentos, descrevo a seguir.

4.4 PREPARANDO A TRAMA


“Terei que criar sobre a vida. E sem mentir.
Criar sim, mentir não.
Criar não é uma imaginação,
é correr o grande risco de se ter a realidade”.
Clarice Lispector
Falar sobre o processo criativo deste trabalho é falar sobre mim, pois como
bem disse Clarice, na citação que abre esse sub-capítulo, “terei que criar sobre a
vida”, sobre a minha vida, sobre meus anseios, meus medos, minhas alegrias,
minhas realizações e também frustrações. No processo criativo, como já foi
explorado anteriormente, nem sempre o que se revela, é o que tencionamos fazer,
entre o fazer e o acontecer exite um largo caminho cheio de nuances que
precisamos percorrer, que faz parte do devir. Essa pesquisa em artes se identifica,
antes de tudo, como uma cartografia sentimental, pois através da potência do ato de
bordar costuro a minha trajetória de memórias que fazem de mim, também o objeto
dela.
Antes de planejar e executar a parte prática deste trabalho, eu precisava
decidir sobre o tema central do que seria a intervenção, a partir do bordado, no
tecido. Que tipo de fotografia seria, como eu iria materializar as minhas memórias na
obra. Conversei muito com o professor Artur sobre o assunto, pensamos até em
tentar imprimir em uma das peças que foi bordada por minha mãe para o seu
enxoval de casamento, um lençol de linho. Mas, como já foi explicado, não há
lugares que faça esse tipo de impressão em Natal. Voltei eu, para a estaca zero.
Durante a avaliação da minha banca de TCC I, a professora Laís teceu um
comentário que não saiu mais da minha cabeça, ela mencionou que, pela leitura que
fez do meu memorial, “o Deart foi um capítulo muito feliz na minha vida”, e realmente
foi. É!. A passagem pelo Departamento de Artes da UFRN foi um divisor de águas na
minha vida, me transformou em outra pessoa. Isso vinha “martelando” a minha
cabeça, eu precisava juntar as peças da minha vida nesta obra, mas não sabia
como. Nas conversas com professor Artur, ele sempre me perguntava: “Quem é
Louise? O que Louise quer? O que tem dentro de Louise? Como Louise quer se
expressar? O que Louise, enquanto artista mulher, quer fazer?”. Eu não sei nem se
97

ele sabe, mas essas perguntas sempre mexiam muito comigo, parecia que ele
enfiava uma colher dentro de mim e chacoalhava forte. No fundo, eu sabia que ele
estava provocando as minhas inquietações, minhas poiéticas. A única coisa que eu
sentia, era como se ao terminar o curso, essa obra fosse como um fechamento de
um ciclo e a abertura de outro, não como se eu quisesse apagar o que me tivesse
acontecido, mas recomeçar mais uma vez, fechar a porta, que é de vidro,
translúcida, de onde eu posso ver o que passou e abrir outra para que essa nova
pessoa que me tornei possa passar. Me desterritorializando de antigos afetos e me
territorializando de novos. E o professor conseguiu inquietar a aluna.
Descobrimos que é no artifício, e só nele, que as intensidades
ganham e perdem sentido, produzindo-se mundos e desmanchando-
se outros, tudo ao mesmo tempo. Movimentos de territorialização:
intensidades se definindo através de certas matérias de expressão;
nascimento de mundos. Movimentos de desterritorialização: territótios
perdendo a força de encantamento” (ROLNIK, 2014, p. 36).

Do mesmo modo que quando estou a bordar, as linhas se emaranham em


nós e eu tenho que desfazê-los, era a incógnita que eu tinha que resolver e decidir
como colocar em prática o projeto. A minha inquietação maior era o tempo, que me
era escasso, que me tomava em outros afazeres e me tirava daquilo que eu mais
precisava fazer para seguir em frente em minha pesquisa, experimentar, testar e
deixar me contaminar pelo que a experiência me traria para compor esse trabalho. E
aqui, me volto para LARROSA e a reflexão que ele faz a respeito da experiência.
É a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque e requer um
gesto de interrupção [...] requer parar para pensar, parar para
olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, escutar mais
devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião [...] suspender o automatismo da ação,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros,
cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se
tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24. grifo nosso).

Justamente, entre um espaço e outro de tempo, o mesmo que me fazia correr


entre uma atividade e outra que, arrumando as peças que foram de minhas avós e
minha mãe e que tinham servido de referência no meu memorial, que me veio a
ideia de usar uma delas no meu trabalho. Disse acima que o professor Artur, deu a
ideia de imprimir nas minhas memórias, o que seria maravilhoso, mas infelizmente
não daria certo, então pensei em me enrolar nas minhas memórias, como se elas
me envolvessem neste processo de transformação e que ao mesmo tempo, me
deixassem livres para seguir em frente. Eu tinha três opções a minha frente, dois
98

lençóis e uma toalha de linho, os lençóis foram bordados por minha mãe e a toalha,
pertencera a minha avó paterna. Teria que fazer fotos e experimentar qual deles
ficaria melhor em uma fotografia impressa em tecido.
Conversando com a amiga Kelline, ela se ofereceu para fazer as fotos, que
era outra preocupação, pois eu não teria “coragem” para fazer fotos enroladas em
um tecido, com qualquer pessoa era preciso que fosse uma pessoa em quem eu
confiasse. As fotos foram feitas na casa de Kelline e não foi nada fácil para mim
fazer essas fotos. Demorei muitos dias, protelei o máximo que eu pude fazer essas
sessão. Era muito difícil para mim, me despir dos meus complexos, mesmo que não
fosse, literalmente, me despir para fazê-las, seriam apenas fotos onde eu pudesse
expressar emoção, sensibilidade, queria poder dar vazão aos sentimentos, mas não
tinha a mínima ideia de como seria. Mas, ao contrário do que eu pensava, que eu
ficaria “dura” diante da câmera de Kelline, sua presença e a maneira como me
conduzia, sempre brincalhona e alegre, me fez relaxar e a sessão fluiu, foi até bem
engraçada, rimos muito. As primeiras fotos ficaram muito duras realmente, até eu
conseguir me soltar, tiramos muitas fotos, ao todo foram 385, dentre elas estavam
também fotos dos bordados dos lençóis, das toalhas e das minhas mãos por cima
deles, lembrando um trabalho que fiz na disciplina Reprodução Gráfica, ministrada
pela professora Laurita. Ainda não havia decidido como seria de fato o trabalho por
isso quis fazer essas fotos, que foram ideia de Kelline. Deste montante, escolhi as
dez fotos que mais gostei e editei em o preto e branco, pois já que iria intervir com o
bordado por cima, com linhas coloridas, era melhor que a foto ficasse em preto e
branco. Por fim, levei para a reunião de orientação com professor Artur, para que
escolhêssemos as que ficariam melhor em uma instalação. Escolhemos duas fotos
( Imagens 66 e 67).
99

Imagem 66: Foto 1- fotografia para a instalação “Reflorescer”


Foto: Kelline Lima
100

Imagem 67: Foto 2 – fotografia para a instalação “Reflorescer”


Foto: Kelline Lima

Escolhidas as fotos, ocorreu o episódio da impressão, já narrado


anteriormente. Com a impressão na mão, passei por um enorme conflito interno, o
101

das pessoas me verem impressas em uma instalação de 100 X 150 cm. Esse
pensamento me ocorreu imediatamente na hora em que peguei as impressões, na
hora que o rapaz me mostrou, que abriu, sua sala estava cheia de gente, a maioria
homens... foi horrível. Olharam para aquele painel como se estivessem olhando para
um daqueles calendários de oficina. Saí de lá muito constrangida e pensando em
desistir. Chegando em casa, pendurei um dos painéis na porta do meu guarda
roupas e fiquei observando-o, durante um bom tempo, achando “aquilo” grande
demais, enorme. Depois de um tempo, tomei coragem e mandei a foto para Kelline,
professor Artur e meu filho, todos acharam a impressão muito bonita, eu fiquei mais
aliviada, mas ainda constrangida, mas sabia que tinha que ser, que não tinha mais
volta, iria realizar esse projeto.
A questão agora, era: O que bordar? Não bastava eu estar enrolada nas
minhas memórias, precisava expressar naquela foto o sentido que elas faziam
naquele momento. Como eu já tinha escolhido as fotos em que eu estava enrolada
na toalha que pertenceu à minha avó paterna, eu queria juntar ali, algo que me
remetesse à minha mãe e à minha avó materna. Surgiu a ideia de transpor o
bordado que tinha sido feito por minha mãe, para um dos painéis, como se saíssem
de dentro de mim, reflorescessem, exteriorizando os meus afetos, os meus rastros,
as minhas raízes que trago da minha mãe e das minhas avós e junto com eles os
novos afetos, conquistados neste novo ciclo, as florescências do novo que se
apresenta a mim. No outro painel, me apropriando do gesto que a foto traz, decidi
bordar um coração no afã de mostrar o que a arte representa para mim, a pulsação
das veias, as linhas imbricadas, misturadas, isso é arte para mim, a mistura de
linguagens, as experiências que perpassam por mim, como cada ponto que dou,
pontos matizes, que matizam os sentidos, significados, as possibilidades e as
certezas que as experimentações, as testagens e investigações podem trazer
através da práxis; e nas incertezas, nas insatisfações, a certeza de querer estar
sempre em busca de novas motivações. A partir dessas decisões, comecei as
testagens, as tentativas de iniciar os bordados.
102

4.5 TECENDO O BORDADO


A arte se faz com as mãos. Elas são o instrumento da criação, mas,
antes disso, o órgão do conhecimento.
Focillon

A força do bordar afetos e memórias, livremente, sem limitações, entregue


aos propensos erros nos quais encontro pelo caminho e que me levam a
desmanchar e recomeçar, geram pensamentos que estimulam o ato criativo, esses
pensamentos são passados para o tecido através da linha e da agulha que, no vai e
vem de seus movimentos, fazem deste tecido o suporte para as narrativas que
surgiram da experiência do errar e acertar. Dentro deste longo processo que está
sendo este trabalho, muitos foram os erros e as tentativas de acertar, muitos
procedimentos foram feitos e refeitos, para que assim gerassem significado.
Ratificando assim, a reflexão de REY,
Para descobrir como fazer a obra é necessário proceder por
tentativas, por tateamento, inventando várias possibilidades,
testando-as e selecionando-as de tal maneira que, de tentativa em
tentativa, a cada operação, se consiga inventar a possibilidade que
se desejava, isto é, o surgimento da obra (REY, 2002, p. 133) 21.

Durante o processo de instauração da instalação “Reflorescer”, as imagens a


serem bordadas sobre o tecido impresso, surgem da observação dos bordados que
minha mãe fez nos lençóis de seu enxoval de casamento e que utilizo durante a
sessão fotográfica. O primeiro passo, então foi retirar os riscos através da técnica do
decalque. Escolhi o bordado de um ramo de flores de um dos lençóis, formado por
pequenas flores com cinco pétalas cada uma, minha ideia era passar os ramos
inteiros para a parte da toalha e fazer outros ramos subindo pelo meu colo. As
imagens abaixo, são dos bordados originais do lençol bordado por minha mãe
(Imagens 68 e 69).

21 Citação retirada de uma versão disponível em:


http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/CENA/DOC/DOC000000000046610.PDF acesso 22 nov 2017
103

Imagem 68: Fotografia do bordado feito por minha mãe


em seu lençol do enxoval de casamento.
Foto: Louise Gusmão

Imagem 69: Fotografia do bordado feito por minha mãe em seu lençol do
enxoval de casamento. Detalhe
Foto: Louise Gusmão
104

Passei a tentar tirar o risco do bordado, colocando um papel vegetal por cima
do bordado e riscando em cima do desenho do bordado (Imagens 70 e 71).

Imagem 70: Risco feito em cima do


bordado original, com papel vegetal
Foto: Louise Gusmão

Imagem 71: Risco feito em cima do


bordado original, com papel vegetal
Foto: Louise Gusmão
105

Depois de feitos os riscos, recortei o papel vegetal para colocar por cima do
tecido e analisar o tamanho do bordado em relação à imagem. Percebi que o risco
era muito pequeno para o tamanho da imagem, principalmente os riscos das flores e
pistilos dos ramos (Imagens 72 e 73). Decidi que aumentaria o risco do ramo inteiro
para poder bordá-lo na parte da toalha. Tirei uma foto do ramo e tentei aumentar na
tela do computador, mas não deu certo pois o ramo é muito grande. Tentei então
dividir o ramo em quadrantes e tirar fotos dos quadrantes para assim, conseguir
aumentá-los. Numerei os quadrantes no tecido do lençol, coloquei papéis
numerados e demarquei a área com alfinetes (Imagem 74).

Imagem 72: Risco feito com papel vegetal sobre a imagem no


tecido. Toalha
Foto: Louise Gusmão
106

Imagem 73: Risco feito com papel vegetal sobre


a imagem no tecido. Toalha
Foto: Louise Gusmão

Imagem 74: Demarcações dos quadrantes


Foto: Louise Gusmão
107

Mesmo separando os quadrantes, não consegui ampliar o ramo inteiro de


flores. A solução foi descartar a reprodução fiel do ramo. Não conseguiria reproduzir
e se fosse colocado em tamanho maior no tecido, ficaria desproporcional. Optei
então, por reproduzir apenas a flor e os ramos, teria que aumentar. Fiz à mão livre.
Este foi um dos piores momentos, não sabia que transpor esse bordado me afetaria
tanto emocionalmente, ao decidir por fazer recortes no bordado, para poder
aumentá-lo, foi como se estivesse “maculando” aquela memória, daquilo que minha
mãe havia feito e que anda permanecia materializado no lençol por tantos anos.
Mas, eu precisava prosseguir. Esperei uns dois dias para conseguir “separar” o
bordado e fazer o recorte da flor e aumentá-la, reproduzi dois tamanhos de flores
(Imagem 75).

Imagem 75: Riscos das flores


Foto Louise Gusmão
108

Pela dificuldade e pelo tempo que eu tinha para bordar, decidi que só faria o
bordado na parte do colo na imagem. Cortei um pedaço de papel vegetal grande,
coloquei-o por cima da imagem do tecido e fiz os riscos com lápis de cor verde,
simbolizando os caules das flores. Recortei os moldes das flores e decalquei
aleatoriamente por cima dos desenhos dos caules (Imagens 76 e 77).

Imagem 76: Risco dos caules


Foto: Louise Gusmão
109

Imagem 77: Decalque das flores


Foto: Louise Gusmão
Depois dos decalques feitos, fiz a paleta de cores com as cores das lãs que
havia comprado e pintei as flores com lápis de cor de cores equivalentes, para que
assim pudesse ter uma noção do colorido das flores, organizando as tonalidades
pela paleta, depois passei por decalque para o tecido. (Imagens 78, 79, 80, 81).

Imagem 78: Paleta de cores das lãs


Foto Louise Gusmão
110

Imagem 79: Desenho das flores com paleta


Foto: Louise Gusmão

Imagem 80: Desenho para decalque


Foto: Louise Gusmão
111

Imagem 81: Riscos no tecido


Foto: Louise Gusmão

Depois dos riscos transferidos para o tecido, estiquei o tecido no bastidor de


madeira circular para bordados e comecei a bordar pelos ramos. Logo no começo,
apareceram as primeiras decepções. Ao passar com a agulha grossa em alguns
lugares da trama do tecido, o fio era puxado, deixando uma espécie de rastro. Isso
me deixou muito angustiada, pois afetaria a impressão do trabalho. Ao longo do
percurso, foram vários fios puxados no tecido, deixando assim, muitas marcas
(Imagem 82).
112

Imagem 82: Fio puxado 1


Foto: Louise Gusmão

Prossegui bordando os caules mesmo com os fios desfiados, pois eu não


poderia fazer nada para solucionar o problema, apesar de não estar gostando do
que estava acontecendo com o tecido, tive que contornar esse problema e continuar
bordando. Tinha um prazo a cumprir (Imagem 83).
Mais à frente aconteceu uma coisa que eu não havia me dado conta que
poderia ocorrer. A lã tem uma fibra grossa e o bastidor de madeira não consegue
passar por cima da lã grossa, pois, esse modelo que eu estava utilizando, não
possuía reguladores. Outra que aconteceu foi que o volume de tecido era muito
grande e eu não conseguia segurar o tecido e o bastidor juntos. Tive então que
providenciar fazer um bastidor retangular, feito com canos de PVC. Pesquisei na
internet como fazia, comprei os canos e fiz um. (Imagem 84).
113

Imagem 83: Bastidor de madeira com lã


Foto: Louise Gusmão

Imagem 84: Bastidor cano PVC


Foto: Louise Gusmão
114

Assim que consegui fazer o bastidor, voltei à bordar, ficou muito melhor para
trabalhar, pois poderia colocá-lo em cima da cama, o que me dava um maior apoio.
Estiquei o tecido no bastidor e o prendi com presílhas feitas com o próprio cano de
PVC, que não seguravam direito, pois o tecido escorregava decidi, então colocar um
pedacinho de tecido de algodão por baixo das presílhas para que ela ficassem mais
seguras (Imagens 85 e 86).

Imagem 85: bordado no bastidor retangular


Foto: Louise Gusmão
115

Imagem 86: Tecido esticado no bastidor retangular


Foto: Louise Gusmão

Quando eu estiquei o tecido no bastidor retangular, pude perceber umas


manchas que ainda não visto, talvez pelas cores serem bem próximas, se tratava de
umas listras azuladas na vertical, que ficavam no lugar que eu iria bordar, Fiquei
preocupada, mas não muito, pois sabia que as flores poderia sobrepor essas listras,
então decidi esperar até que o bordado estivesse pronto. Na verdade, eu estava
ficando um pouco frustrada com os acontecimentos sucessivos, mas estava
gostando do resultado do bordado, o que me deixou feliz (Imagem 87).
116

Imagem 87: Listras azuis no tecido


Foto: Louise Gusmão

Enquanto eu estava bordando os caules no “meu” colo, teve um momento que


parei e fiquei observando os desenhos, as linhas e a expressão que o desenho que
eu estava fazendo, a linha verde matizada me deu a impressão de ser uma raiz. E
nesse processo de reconhecimento da dimensão que meu trabalho estava tomando,
eu escrevi um depoimento no caderno que usava para as anotações (Imagem 89):

“Como é diferente projetar e executar. As dificuldades, as descobertas, os desenhos que a linha faz no

“meu” corpo na execução do trabalho, o volume, a expressão da linha caminhando no “meu” corpo toma

um desenho que me remete à raíz, mesmo que eu saiba que ali são caules de flores, a sinuosidade do

bordado, onde um caule passa por dentro do outro, se misturando entre si, me dá a sensação de que aquelas

são minhas raízes que afloram e me transformam” .


117

Imagem 88: Caules


Foto: Louise Gusmão

Foi um momento muito emocionante, fiquei ali, parada olhando àquelas


“raízes” e ao mesmo tempo chorando sem parar, acho que foi nesse momento que
me dei conta, verdadeiramente, dessa transformação que estava acontecendo
comigo e que eu estava tecendo com agulha e linha bordando em mim mesma, toda
a minha vida, como escrevi na epígrafe deste texto, estava bordando o meu
pertencimento. Neste dia, na verdade, madrugada, eu não consegui mais bordar,
não sei se pela emoção ou pela descoberta, acho que pelos dois (Imagem 80).

Imagem 89: Depoimento


Foto: Louise Gusmão
118

Continuando o processo criativo, depois de ter passado os riscos comecei a


bordar as flores. Ao bordar, percebi que elas não estavam ficando exatamente iguais
às flores que a minha mãe bodou no lençol, apesar de ser o mesmo ponto, não
estava ficando igual, não sei se pela espessura da linha, ou pelo fato do desenho
não ter ficado igual. Comecei a fazer as flores de outra maneira, passando o ponto
um por baixo do outro e finalmente eu consegui fazer muito parecido. Isso me deixou
muito feliz, era como se eu tivesse me redimido por ter feito os recortes e separado
o desenho original do bordado da minha mãe (Imagem 90).

Imagem 90: Bordado da flor


Foto: Louise Gusmão
119

Alguns outros imprevistos aconteceram até eu terminar a parte do colo, mais


fios foram puxados pela agulha e até mesmo costurar o tecido de cima com o tecido
de baixo, aconteceu. Pura falta de atenção minha, tive que descosturar bem
devagar, pois o tecido é sintético e esgarça com muita facilidade, mas no fim, tudo
deu certo, parafraseando Fernando Sabino (Imagens 91 e 92).

Imagem 91: Tecidos costurados


Foto Louise Gusmão

Imagem 92: flor com fios puxados


Foto Louise Gusmão
120

Quando eu estava bordando as flores, que bordei por cor, seguindo o


esquema que fiz, comecei a bordar a flor rosa pink, mas ao bordar duas, senti que
se bordasse as flores coloridas como havia planejado, não ficaria harmonioso o
desenho, ao contrário, ficaria poluído. Neste momento, decidi que bordaria as flores
apenas com as cores quentes e suas análogas 22, variando do amarelo ao vermelho
(Imagens 93, 94 e 94).

Imagem 93: Ramos com a flor pink


Foto: Louise Gusmão

22 Cores análogas são as cores que estão lado a lado no círculo cromático. Além disso, as cores
análogas possuem uma cor básica em comum.
121

Imagem 94: Ramos de flores colo


Foto: Louise Gusmão

Imagem 95: Ramos de flores colo - II


Foto: Louise Gusmão
122

Após bordar o colo, bordei também as laterais superiores, como se a planta


fosse enraizando, saindo do meu corpo e subindo.
Da mesma maneira que fiz no colo, procedi nas laterais da imagem: passei o
desenho para o papel vegetal e transferi para o tecido. No meio do processo faltou
linha verde, precisei repor muito rapidamente, pois meus prazos estavam acabando.
Esse processo durou 15 dias (Imagens 96, 97, 98 e 99).

Imagem 96: Risco flores lateral


Foto: Louise Gusmão

Imagem 97: Lateral direita finalizada


Foto: Louise Gusmão
123

Imagem 98: Lateral esquerda molde


Foto: Louise Gusmão

Imagem 99: Bordado laterais completo


Foto: Louise Gusmão
124

Abaixo, os três croquis, com paletas de cores, confeccionados para a


produção do primeiro painel da instalação “Reflorescer”(Imagens 100, 101 e 102).

Imagem 100: Risco do colo


Foto: Louise Gusmão

Imagem 101: Risco flores direito


Foto: Louise Gusmão
125

Imagem 102: Risco flores esquerdo


Foto: Louise Gusmão

Virando os bordados ao avesso, posso perceber, que ali também se formam


trajetórias, por ali também se faz o processo criativo, as tentativas, os erros, alinhas
emaranhadas.... outros caminhos, outras histórias. Eu adoro os avessos, sempre
têm o que contar (Imagem 103).

“Avesso, do avesso... do avesso do bordado de mim mesma.

Somos feitos de tantos nós, de entremeios e de caminhos que vêm e vão...

De linhas que nos compõem... Essas são as linhas da minha vida”.


126

Imagem 103: Avesso do bordado 1


Foto: Louise Gusmão

Parte da instalação “Reflorescer” ficou pronta. Foram longos 15 dias entre tentativas,
erros, acertos, uma ponta de frustração pelos passos que não deram certo, mas o
resultado foi bastante satisfatório, não só pela beleza, mas pelo processo, pelo que
me levou, pelo caminho que percorri (Imagem 104). Fecho essa etapa deste
processo criativo e passo para o outro painel, aquele que pulsa.
127

Imagem 104: Parte 1 Reflorescer


Foto: Louise Gusmão

Esse é o avesso que percorri na feitura da primeira parte de “Reflorescer”,


caminhos que se cruzam, que enrolam, se embaraçam... para onde me levarão
(imagem 105)?
128

Imagem 105: Avesso da parte 1 Reflorescer


Foto: Louise Gusmão
Aqui começa a segunda parte da instalação “Reflorescer”, o coração que
pulsa a arte que está dentro de mim...
Da mesma maneira que fiz com os ramos e as flores, foi feito com o coração.
129

A partir do risco em papel vegetal, que também foi colorido, o desenho foi transferido
para o tecido.
Pelo tamanho da fotografia, não foi muito difícil ajustar o tamanho do coração
pelo fato de não conseguir desenhar à mão livre um coração tão grande. Pedi ajuda
ao professor Artur e ele o desenhou para mim (Imagens 106, 107 e 108).
Depois de transferido para o tecido, era hora de bordar.

Imagem 106: Risco coração 1


Foto: Louise Gusmão
130

Imagem 107: Risco coração 2


Foto: Louise Gusmão
131

Imagem 108: Risco coração colorido


Foto: Louise Gusmão

O risco foi feito no tecido de maneira que ficasse como se estivesse dentro da
mão, como se eu o oferecesse. Oferecesse Arte às pessoas, artavés da vibração, da
pulsação que a mistura das linhas provoca e evocasse delas o contato com a Arte
(imagem 109).
132

Imagem 109: Risco coração no tecido


Foto: Louise Gusmão

Início do processo do bordado do coração, que foi todo bordado em ponto


matiz, uma técnica que tece um ponto por dentro do outro, fazendo da trama uma
mistura de linhas e cores. (Imagem 110).
133

Imagem 110: Início Coração


Foto: Louise Gusmão

Imagem 111: Fios coração


Foto: Louise Gusmão

Durante o processo do bordado do coração a agulha continuou puxando o fio


do tecido, mas neste bordado, a linha passaria por cima, não iria ficar aparente
134

(Imagem 111).
O coração vai tomando forma e volume através das linhas que são bordadas
por cima do desenho, essas linhas se entrelaçam, suas cores vibram, em certos
momentos, por conta do balançar do bastidor e do tecido, a sensação era que ele
estava realmente pulsando (Imagem 112).

Imagem 112: Coração 1


Foto: Louise Gusmão

Durante a bordadura do coração devido ao seu tamanho, à quantidade de


linhas que foram usadas, o tecido leve e principalmente por causa da tensão
causada pela linha, o tecido começou a enrugar, precisei esticar mais do que já tinha
esticado, não tive como prender, apelei para os prendedores de cabelo, que
ajudaram a segurar o bordado. A linha vermelho claro acabou, ia completar o
coração só com um vermelho, mas diante disso, usei o vermelho escuro, o que
favoreceu o bordado, pois deu mais volume. (Imagem 113).
135

Imagem 106: Coração 2


Foto: Louise Gusmão

O coração pronto, as linhas matizadas, misturadas..... procurando a


intensidade contínua do fazer (Imagem 114). Nas palavras de ROLNIK,
Você próprio é que terá de encontrar algo que desperte seu corpo
vibrátil, algo que funcione como uma espécie de fator de a(fe)tivação
em sua existência. ( ROLNIK, 2014, p. 39).
136

Imagem 114: Coração fechado


Foto: Louise Gusmão

E desse avesso vibrante, emaranhado que pulsa o que ninguém vê, o que se
esconde em nós, as nossas memórias, os nossos afetos (Imagem 115).

Imagem 115: Avesso do coração


Foto: Louise Gusmão
137

Coração, o músculo involuntário que pulsa e reverbera pelo corpo a potência


da criação. O tempo de bordar é um tempo processual, lento e ao mesmo tempo
forte, vibrante. A agulha que rasga o tecido pedindo passagem para um novo ponto,
uma nova trama, num vai e vem infinito, costurando, reconstruindo e refazendo, mas
também tecendo uma nova trama (Imagem 116),
Completando a montagem da instalação “Reflorescer”, que será montada na
Galeria do Departamento de Artes Visuais da UFRN, será colocada em volta de toda
a estrutura de madeira, um tecido fuído e translúcido, o tule, um tecido sintético com
pequenos furos que se assemelham à uma tela, nele, serão bordados os mesmos
caules que bordei no primeiro painel. Desses caules sairão as raízes que serão
interligadas às raízes que estão bordadas no meu corpo passando por entre os dois
painéis. Serão bordadas, salteadas no tule, flores vermelhas que serão ligadas ao
coração através de fios de lã vermelha. Essas raízes ficarão também soltas,
penduradas, como se minhas raizes também estivessem plantadas no DEART. Essa
etapa só poderá ser concluída no dia da montagem da exposição.
Após a primeira parte da pesquisa completada, apesar da maneira
conturbada que se prosseguiu e em parte por causa disso, entendo que o processo
de pesquisa é um constante investigar, que as dificuldades servem para me fazer
olhar para outros ângulos, outros caminhos e que assim, o processo criativo vai se
transformando e são destas transformações, destas misturas, destas mestiçagens, é
que vivo as experiências que constituem as minhas poiéticas e que dão a
consistência que se desdobra na poética da obra, gerando assim, desta fruição,
novos pensamentos, reflexões e conceitos.
138

Imagem 116: Coração Reflorescer


Foto: Louise Gusmão
139

5. OS LIAMES DA MEMÓRIA E DA INSTALAÇÃO


5.1 – UM LUGAR DE MEMÓRIAS
Na perspectiva de Izquierdo (1989, p. 89) “Não há tempo sem um conceito de
memória; não há presente sem um conceito do tempo; não há realidade sem
memória e sem uma noção de presente, passado e futuro.”
Na instalação “Reflorescer”, faço do bordado, da costura, da trama e do
tecido, suportes de lugares de memória que são materializados através do
entrelaçar das formas e dos rastros fomentados por minhas experiências e minhas
vivências. Conectando o fluxo do tempo, vou costurando, bordando, tecendo, ligo
pontos “desde o passado em direção ao futuro, ou desde o futuro em direção ao
passado” (BORGES, apud IZQUIERDO, 1989). Uno com linhas e com tramas, as
minhas memórias, faço pontos largos, grossos ou apenas alinhavo, como se
quisesse rascunhar o que virá.
Em Reflorescer o bordado recebe motivações de quem o faz, que cria e recria
através de elementos que foram agora aqui, ressignificados sem querer, tão
somente, resgatar o que foi perdido, mas na busca de novos espaços e novos
sentidos, considerando outras narrativas na potência de construir novas relações na
história do meu presente.
A memória, é nosso “porto seguro”, o nosso prumo, a nossa noção de
identidade. Podemos através dela reproduzir o que já passou, por meio da
evocação, entretanto, esse passado, não é tangível, não é real, mas pode ser
preservado por meio de nossas experiências. Quanto mais vivemos (presente), mais
acumulamos memórias, mais aprendemos. “Não há memória sem aprendizado, nem
há aprendizado sem experiências.”(IZQUIERDO, 1989, p. 89).
É o cérebro que registra as nossas informações vividas, tanto vivências de
dor, quanto de prazer e que constrói o que somos. É impossível idealizarmos um
futuro, se não tivermos “bagagem” suficiente para conseguirmos nos adaptar ao está
por vir. Projetamos o passado, pelo presente, rumo a um futuro desconhecido. Se
formos separados de nossas memórias, e de todas as experiências que passamos
na vida, perdemos a nossa identidade. Se passamos por dores no passado, essas
dores serão inerentes à nossa identidade. É impossível entender um percurso de
vida, sem a experiência da dor e da perda. Porém, não podemos deixar as nossas
lembranças moldarem as nossas vidas, senão, estaremos subjugados ao passado.
Nós somos muito mais que nossas memórias; e mesmo que elas sejam pessoais,
140

íntimas, elas estão ligadas a um coletivo. A maneira como é formada a nossa


identidade não depende apenas da influência que sofremos das nossas memórias,
mas também do que nós e os outros fazemos com ela.
[...]A memória que nos ajuda a construir é uma verdadeira colcha de
retalhos formada a partir de um montão de memórias descontínuas
multicoloridas. O que fará parte da colcha e o que será descartado, ou o
que aparecerá de forma destacada e o que será apenas fundo, vai
depender em grande parte de como juntamos nossa memória e de como os
outros- desde os que são mais chegados, até a nossa cultura como um
todo- as juntam e costuram para nós. Não somos simplesmente moldados
pelas memórias; nós mesmos moldamos as memórias que nos moldam.”
(MIROSLAV apud VERGNE, 2011).

5.2. DA INSTALAÇÃO
Até metade do século XX, o espaço que envolve o corpo do observador não
era tratado como parte da obra, até então o espaço de domínio critico e conceitual
se limitava ao bidimensional. Segundo Tedesco (2004), foi a partir dos anos 60 que
vários artistas procuraram trabalhar a “experiência corporal” como percepção, a arte
passou a ser a experimentada e não mais apenas vista, a experiência dos
observadores faziam com que as poéticas dos artistas se modificassem. A partir de
então, muitas proposições artísticas aconteceram dentro deste conceito e deixaram
de ser enquadrados na categoria de escultura, mas ainda não eram consideradas
como instalações, algumas outras nomenclaturas foram usadas, como
assemblages, site- specifc, in-situ, site e non- site. Do mesmo modo que as
instalações, essas práticas artísticas também relacionavam o lugar, o espaço onde
foram instauradas, como parte delas.
No texto “A escultura no campo ampliado” de Rosalind Krauss (1984), a partir
de análise de obras dos anos 60, a autora defende a ampliação do conceito de
escultura, capaz de abrigar a heterogeneidade da época, mas ao mesmo tempo
afirma que apesar do termo escultura ter sido usado de forma “elástica”, o seu
conceito estará sempre ligado ao historicismo:
[...] a lógica da escultura é inseparável da lógica do monumento. Graças a
essa lógica, uma escultura é uma representação comemorativa – se situa
em determinado local e fala de forma simbólica sobre significado ou uso
desse local. (KRAUSS, 1984, p. 131)
A partir do movimento modernista, acontece a negação dessa lógica de lugar
141

e a escultura passa a figurar de maneira desterritorializada, “funcionalmente sem


lugar e extremamente auto-referencial”.(KRAUSS, 1984, p. 132), ocorre a busca da
autorreferência, novos procedimentos e materiais.
Ao transformar a base num fetiche , a escultura absorve o pedestal para si e
retira-o do seu lugar; e através da representação de seus próprios materiais
ou do processo de sua construção, expõe sua própria autonomia (KRAUSS,
1984, p. 132)
Com a ampliação do campo da escultura, abre-se o pensamento para o novo
e a necessidade de usar um novo termo para denominar esse rompimento cultural e
assim como em outras áreas, passa-se a usar o termo Pós-modernismo, que já
nasce com duas características implícitas: a prática dos próprios artistas e a
liberdade do meio de expressão. Muitos artistas passam não só a ocupar diferentes
espaços do campo ampliado, como a usar vários meios de expressão como
fotografia, espelhos, linhas em paredes, com isso, abrem-se as oportunidades para
a criação de novos paradigmas e para o questionamento do tradicional, a arte passa
a ter o papel de questionar os valores da sociedade. É nesse contexto que, em seu
texto, Krauss chega às relações entre escultura, arquitetura, paisagem, não-
paisagem, não-arquitetura e não-escultura.
O fato de ter a escultura se tornado uma espécie de ausência ontológica, a
combinação de exclusões, a soma do nem/nenhum, não significa que os
termos que a construíram — não-paisagem e não-arquitetura — deixassem
de possuir certo interesse. Isto ocorre em função de esses termos
expressarem uma oposição rigorosa entre o construído e o não construído,
o cultural e o natural, entre os quais a produção escultórica parecia estar

suspensa. (KRAUSS, 1984, p. 133)


Seguindo os conceitos de KRAUSS, “Reflorescer”, insere-se no conceito de
instalação, pois trata-se de uma proposta artística remontável que relaciona o
espaço à obra, constituída a partir das relações e diversas metodologias, técnicas,
materiais e linguagens, com linhagem e características diversas e não de um objeto
único. A instalação não se explica por si só, apresenta-se como conceito aberto,
onde suas condições de aplicação podem sofrer mudanças, serem revistas,
expandidas e até mesmo limitadas dependendo de onde e como serão aplicados.
142

ARREMATANDO O BORDADO
“Pouco importam as referências teóricas do cartógrafo-
O que importa é que, para ele, teoria é sempre
cartografia – e, sendo assim, ela se faz juntamente com
as paisagens cuja formação ele acompanha (inclusive a
teoria aqui apresentada, evidentemente). Para isso o
cartógrafo absorve matérias de qualquer procedência.”
Suely Rolnik

Nesta pesquisa em Arte, de trabalho de conclusão de curso, disse algumas


vezes em meu relato que foi um longo processo de criação, na verdade, deveria ter
usado “profundo”, acho mesmo que era esse o significado que eu quis dar, pois o
não foi tão longo em termos de tempo, sabemos de pesquisas em artes que levam
muitos anos (me veio a lembraça do artista contemporâneo Cai Guo-Qiang que
levou mais de 20 anos para conseguir concretizar a sua incrível obra “Escada para o
céu”), mas sim, um processo que me fez refletir muito sobre querer ser artista,
querer, aos 50 anos, adentrar nesse mundo nada fácil de se conviver, viver e
principalmente, sobreviver, ainda mais nessa cidade, que me acolheu tão bem e que
é maravilhosa quando se fala de gente e lugar, mas que os olhos que “promovem” a
arte estão olhando mais para fora do que para dentro, onde as portas para a mulher
artista é ainda mais estreita, apesar das várias mulheres artistas que temos aqui. E
mais difícil ainda, querer ser uma artista-pesquisadora. Quantas vezes, durante
esses “longos” nove meses de pesquisa eu não me perguntei: “O que eu estou
fazendo? Por que eu estou fazendo uma pesquisa em Arte? Para que eu estou
fazendo isso? Por que eu não “inventei” de fazer uma pesquisa sobre um artista?
Que loucura foi essa?” E foi tentando responder essas perguntas que eu imergi
nesse processo.
As reflexões que fiz me dão conta de que a pesquisa que gera todos os
significados e conceitos que a obra constitui, está longe de ser um processo simples,
exige esforço, perseverança e muita paciência, pois é um trabalho que muitas vezes
te desloca do mundo que você conhece, daquilo que te limita, para o “limbo” da
dúvida da inconstância, da tolerância/intolerância e até, da dor, não só física, do
cansaço, mas aquela que vai lá dentro e que mexe com as suas inquietações, que te
perturba e te instiga a querer ir mais fundo. E é dentro destes questionamentos que
143

a arte se faz, que eles se traduzem em arte. É do cruzamento de conhecimento, de


influências e experimentações que conseguimos fruir a Arte, que conseguimos fazer
pesquisa em Arte. Os caminhos que nos conduzem neste processo são diversos, ao
ponto de planejar uma coisa no início e ao fim da pesquisa chegar a outra, através
de uma atalho, ou de um desvio. Processo complicado, muitas vezes nem nos
damos conta que estamos nele.
Há quatro anos, estou nesse processo e só há muito pouco tempo, foi que me
dei conta que a culminância da Instalação “Reflorescer” é o começo do resultado de
um percurso que começa a florescer. Digo começo, pois sei que este trabalho ainda
não está acabado, que dele, espero eu, muitos desdobramentos virão ou até já
estejam pelo caminho, como bem disse meu querido orientador, “o processo, para
artistas como nós, é a vida. Só termina quando morremos...”. Acho que essa fala
resume bem o que é ser um artista-pesquisador, uma artista-pesquisadora, mas há
de se atentar, que o/a artista-pesquisador/a, não fique preso/a aos muros
acadêmicos, temos que levar a pesquisa para fora dos muros da Universidade, para
os bancos das escolas, para o meio da sociedade que vivemos. Nós temos que
acordar para isso. Precisamos efetivamente, principalmente diante dos tempos
sombrios que vibemos, estabelecer as relações entre os conceitos que produzimos e
as questões que nos cercam no mundo, promovendo assim, um debate mais amplo
e fundamentado a respeito da arte. O mundo precisa da Arte, o mundo precisa
pensar a Arte e o que ela significa na vida das pessoas. Temos por obrigação, por
saírmos da Universidade como professores de Artes, de tentar abrir os horizontes
das pessoas, principalmente, dos jovens.
Foi um longo percurso, desta vez quero dizer longo em tempo, de muita
aprendizagem e nessa cartografia, como diz Rolnik na epígrafe acima, me deixei
absorver pelas matérias e influências, cruzamentos, mestiçagens, dificuldades e
principalmente, experiências dentro e fora de mim. Essa instalação não é só minha,
é de todos os que estiveram junto a mim neste processo, que me apoiaram e me
ajudaram a conseguir chegar a sua conclusão, foi árduo o caminho, mas valeu a
pena, faria tudo outra vez (menos deixar quase tudo pra última hora, isso eu não
faria de novo). E para concluir, seguem algumas palavras que vieram à minha
cabeça enquanto olhava para folha em branco, na tela do computador, sem saber o
que escrever nas considerações finais, que aqui chamo de “arrematando o bordado”.
144

Então eu cheguei aqui. Aqui, que quando era ali, de certezas só as incertezas,
que ainda me acompanham. Ora, se são as incertezas as motivações desta
pesquisa (vida), então estava certa desde o ínicio! Início... que é aonde “princípia” a
intuição, o ponto de partida da investigação, mas que caminho tomar? Se nem
sabemos, ao certo, onde queremos chegar? Quem sabe um desvio? Mas, o que é
um desvio, senão um outro caminho? É como uma costura fechada, um bordado
que enreda a linha, guiada pela ponta da agulha que fura o tecido em busca de
espaço para abrir o caminho e tecer a trama do tempo que sempre antecede algo ou
ou resulta de algo, é o presente, o tempo de quem está, do corpo que vibra e cria a
potência do movimento, da ação, do ato criador que incorpora matérias e faz
cruzamentos, que vem e que vão, que dobra e que solta, que enrola a linha que
costura a matéria que é o anseio daquele que cria e nesse novelo a arte se enlinha
em busca da mão daquela que que fia, da artista que cria.
145

REFERÊNCIAS:
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Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10811/arthur-bispo-do-rosario>. Acesso
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ISBN: 978-85-7979-060-7

ARTHUR Bispo do Rosário. Série Vídeo Cartas – Fernando Gabeira Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ISt22V1U-hY&t=8s acesso 20 nov 2017

BAMONTE, Joedy Luciana B.M. Legado- gestações da arte


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Zamboni. 2. ed. Campinas. Autores Associados, 2001.
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LEITURAS COMPLEMENTARES
CAVALCANTE, Silvana Benevides.Veladuras fotográficas: as várias faces de um
terreno. UFRN. 2017.
Disponível em http://monografias.ufrn.br/jspui/handle/123456789/4431

COSTA, Gilmara Catarine Dantas. FERNANDES, Ana Paula Ribeiro. Entrelaçando


memórias: A poética do tecer na instalação artística. UFRN. 2016
Disponível em: http://monografias.ufrn.br/jspui/handle/123456789/2954

SILVA, Elisama de Morais. Uma produção artística contemporânea em diálogo


com o crochê artesanal. UFRN. 2016
Disponível em: http://monografias.ufrn.br/jspui/handle/123456789/3585
150

APÊNDICE A

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN


CCHLA – CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
DEART - DEPARTAMENTO DE ARTES
DISCIPLINA: DAT0151- TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II
PROFESSOR Me. ARTUR LUIZ DE SOUZA MACIEL
Aluna: Louise dos Reis Gusmão Andrade

AÇÃO PEDAGÓGICA
PLANO DE AULA
BORDANDO MEMÓRIAS: RESSIGNIFICANDO O PROCESSO CRIATIVO

Tema: A ação pedagógica, que aconteceu dentro da programação da XXIII


CIENTEC – UFRN dias 25 e 27 de outubro de 2017, contextualiza o bordado na arte
contemporânea, tomando como referência o conceito de mestiçagens de Icleia
Borsa
Cattani e processo criativo de Cecília Almeida Salles, a partir do fazer do bordado,
dos
pontos e das memórias afetivas.
Objetivos:
Objetivo geral:
Abordar, contextualizar e produzir questões metodológicas inerentes à realização
dos processos artísticos na contemporaneidade. Questões que estão ligadas às
influências que o processo criativo sofre, às linguagens tradicionais que podem ser
incorporadas às práxis artísticas contemporâneas, ressignificando-as, apresentando
novas proposições e cruzamento de múltiplos sentidos e materiais.
Objetivos específicos:
 Discutir a relação das memórias afetivas na construção do trabalho
 Explorar a multiplicidade de materiais e de elementos tradicionais do bordado no
cotidiano na arte contemporânea.
Conteúdo(s):
 História do bordado
151

 Artistas visuais que trabalham com bordado e arte têxtil


 Bordado como possibilidades bidimensional e tridimensional
 Explanação sobre possibilidades de materiais usados no bordado
 Pontos básicos usados no bordado livre
 Composição e criação
 Aula de bordado livre contextualizando o fazer tradicional com a práxis artística
contemporânea, abordando a poética e a poiética visual, tratando da materialidade
da obra e das motivações de quem a faz.
Metodologia:
 Carga horária: 12 horas divididas em três aulas de 4 horas.
 Aula expositiva dialogada
◦ 1º aula: Teoria: Contexto histórico do bordado, indo da artesania até artistas
contemporâneos que trabalham com bordado abordando o conceito de
mestiçagens. Apresentação de vídeos com propostas artísticas alicerçadas na
arte têxtil.
 Prática do bordado
◦ 2ª aula: Contextualização do bordado com memórias afetivas. Iniciação à
prática, com apresentação do material e dos pontos básicos do bordado livre.
◦ 3ª aula: Prática livre do bordado a partir do conteúdo passado e das próprias
memórias afetivas.
Recursos didáticos:
 Apresentação de teoria - contexto histórico
 Apresentação de referências visuais - Slides
 Tecido, linhas, agulhas, bastidor manual de madeira, tesouras.
Referências:
CATTANI, Icleia Borsa (org). Mestiçagens na artes contemporânea. Porto Alegre.
Editora da UFRGS, 2007.
SALLES, Cecília Almeida. Redes da Criação: construção da obra de arte. 2e.d..
São Paulo: Horizonte, 2008.
152

AÇÃO PEDAGÓGICA
RELATÓRIO
BORDANDO MEMÓRIAS: RESSIGNIFICANDO O PROCESSO CRIATIVO

Entre os dias 25, 26 e 27 de outrubro, como ação pedagógica, ministrei o


minicurso, “Bordando memórias: Ressiganificando o processo criativo, dentro da
programação da XXIII CIENTEC.
O minicurso, teve como proposta contextualizar o bordado na arte
contemporânea, tomando como referência o conceito de mestiçagens de Icleia
Borsa Cattani e processo criativo de Cecília Almeida Salles, a partir do fazer do
bordado. Para tanto, foram planejadas três aulas.
No primeiro dia, foi feita uma aula teórica a partir da exposição dos conceitos
de Cecília Salles, sobre processo criatico e Iclea Cattani, sobre mestiçagens, como
também, a contextualização histórica do bordado, desde a pedra lascada, até os
dias de hoje. Os alunos assistiram também a um vídeo sobre o coletivio Matizes
Dumont, que é um grupo familiar de bordado, composto por a mãe, matriarca da
família, quatro filhas e um filho, que trabalha com bordados de memória elas bordam
cenas de seus cotidianos, fazendo um bordado livre. Assistiram também, ao vídeo
sobre A Casa Bordada, que foi um projeto do Museu do Objeto Brasileiro – A Casa,
onde estava em exposição até outubro passado. A exposição consistia em uma casa
bordada por bordadeiras de todo o país, os 27 estados brasileiros estavam
representados. Como referência visual, mostrei artistas contemporâneos, que
trabalham como o bordado como forma de representação artística, como Cayce
Zavaglia, José Romussi, Ana Teresa Barboza, Sally Hewett, Rosana Paulino, Arthur
Bispo do Rosário e José Leonilson.
No segundo dia, começamos a parte prática do minicurso, ensinei para eles
os principais pontos do bordado livre, tendo como suporte, tecido, bastidor de
madeira, agulhas e linhas.
No terceiro dia, conversamos sobre as suas memórias e cada um dos alunos,
deciram como iriam fazer seus bordados, começamos a bordar. Algumas das
meninas continuaram depois do minicurso, entraram em contato comigo e relataram
que ainda contuam praticando. As aulas foram mde aprendizado e trocas de
experiências e vivências entre todos nós e ali mesmo, na sala de aula, foram criadas
153

memórias afetivas que estarão no imaginário de todos nós a pardir de agora.

SLIDES DO MINICURSO
154

FOTOS DO MINICURSO

DIA 25/10
155
156

DIA 26/10
157
158
159

DIA 27/10

BORDADO DAS MEMÓRIAS DE SUZANA LEMOS

BANDEIRA E BORDADOS DAS MEMÓRIAS DE ARTUR SOUZA


160

BANDEIRA DE BORDADOS DE JENIFFER


161

OCIREMA E KELLINE
162

BORDADO DAS MEMÓRIAS DE GIULIA


163

BORDADO DAS MEMÓRIAS DE ESTRELA SANTOS


164

BORDADO DAS MEMÓRIAS DE MARIANA LEMOS


165

BANDEIRA DE BORDADOS DE
KELLINE LIMA
166

A TURMA REUNIDA
167

APÊNDICE B

MANTO DAS MEMÓRIAS

Em 2017.2, cursei a disciplina CENOTEC II – FIGURINO, ministrada pelo


Prof. Dr. Sávio Araújo, é uma disciplina eletiva no Curso de Licenciatura em Artes
Visuais.
Dentro da disciplina, o professor nos requisitou uma pesquisa sobre um
figurino que poderia ser de algum personagem de espetáculo teatral ou inspirado em
roupas e figurinos reais. Em uma das aulas, tivemos uma explanação sobre trajes de
várias etnias, tendo como referencial teórico o livro “A história mundial da roupa”, da
autora, Patrícia Rief Anawalt. A literatura faz uma leitura do modo de vestir de todos
os continentes, dentre os figurinos que haivia no livro, um me chamou muito a
atenção, era uma espécie de manto de uma tripo da África. Este manto me remeteu
automaticamente, ao “Manto da Apresentação” de Arthur Bispo do Rosário, que faz
parte do referencial visual que dá suporte a esta monografia.
Ainda não havia escolhido o figurino que iria usar para fazer a apresentação
na disciplina, e conversando com o professor, surgiu a ideia de fazer o “meu manto”.
Levei essa ideia comigo e comecei a amadurecê-la, o receio era de que não
houvesse tempo hábil para a feitura do manto, com tantos detalhes que eram
característicos no manto de Bispo do Rosário. Como já tinha ciência sobre a obra de
Bispo, tentei levar a pesquisa o mais próximo possível do tema que estava
desenvolvendo para o TCC, as memórias. Decidi, então fazer “O manto das
memórias”, uma espécie de cartografia afetiva da minha vida.
Dentro do porocesso criativo do “Manto das memórias”, foi feito um portifólio
com as referências que seriam utilizadas para confeccionar o manto final.
Para a produção do manto, utilizei objetos que pudessem trazer as minhas
memórias à tona, busquei fotos, elementos que guardei durante toda a vida,
souvenirs, que comprei em viagens ou ganhei de amigos, cartas e bilhetes do meu
filho e sobrinhas e tudo que pudesse materializar os meus afetos.
Confeccionei o manto em um tecido preto, pelo lado de fora, fiz aplicações
com flores de “chita”, que me transportam para minha infância, pois na minha casa,
havia um sofá com almofadas feitas de “chita”, essas flores simbolizam o aconchego
do lar. Por dentro do manto, fiz uma espécie de álbum de fotografias, com suportes
168

dem viés para prender as fotos e costurei os objetos que não pudessem ser presos
com o viés. Como referência à Arthur Bispo do Rosário, utilizei um cordão vermelho,
similar ao que ele utilizou em seu manto. O figurino foi apresentado junto com os
colegas de disciplina, dentro da “Mostra de Teatro” que aconteceu entre os dias
30/11 à 02/12/2017, no Departamento de Artes da UFRN.
Tomo esse trabalho da disciplina de Figurino, como mais um desdobramento
da minha pesquisa em Artes. Trata-se de um projeto que pude juntar várias
linguagens e produzir um figurino que se pauta na abordagem de mestiçagens de
Icleia Borsa Cattani, já que faz um misto de materiais para construir uma obra, sem
que para isso nenhum deles tenha que perder suas características e funções. Dentro
das poiéticas do trabalho estão as minhas memórias afetivas de toda a vida, foi uma
imersão nas minhas lembranças que já estavam quase esquecidas.
FOTOS DO PROCESSO CRIATIVO DO “MANTO DAS MEMÓRIAS”.
Portifólio:

Portifólio Manto das memórias, 2017


169

Portifólio Manto das memórias dentro, 2017

Ficha de referências do projeto “Manto de memórias”


170

Manto das memórias

Parte externa do Manto de memórias

Parte externa do “Manto de memórias” antes da aplicação das flores de


Chita.
171

Parte interna do “manto de memórias” - Costas

Parte interna do “Manto de memórias” - Frente


172

Apresentação do figurino, na Mostra de Teatro no DEART – UFRN, na


disciplina CENOTEC II – Figurino.

Apresentação do Figurino – CENOTEC II - Figurino

Apresentação do Figurino – CENOTEC II - Figurino


173

Apresentação do Figurino – CENOTEC II - Figurino

Apresentação do Figurino – CENOTEC II - Figurino


174

REFERÊNCIAS:

ARTHUR Bispo do Rosario. In: ENCICLOPEDIA Itau Cultural de Arte e Cultura


Brasileiras. Sao Paulo: Itau Cultural, 2017. Disponivel em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10811/arthur-bispo-do-rosario>. Acesso
em: 20 nov 2017. Verbete da Enciclopedia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

ARTHUR Bispo do Rosario. Serie Video Cartas – Fernando Gabeira Disponivel em:
https://www.youtube.com/watch?v=ISt22V1U-hY&t=8s acesso 20 nov 2017

CATTANI, Icleia Borsa. Mestiçagens na artes contemporânea / organizado por


Icleia Borsa Cattani. Porto Alegre – RS

SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processo de criacao artistica. Sao


Paulo. FAPESP, Annablume, 1998.

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