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uma escrita sobre o ex-colonizado. Sua literatura. A casa é uma imagem que se
forma de fazer vai para além disso. Trata- reitera em diversos autores de diversas
se de uma escrita que, relembrando partes17, casas nas quais a história volta
Broke-Rose, “renovou por completo a para assombrar os vivos. Ou melhor, em
arte agonizante do romance”; não se que os vivos, confrontados por
voltando para uma “formalização” por si acontecimentos diversos, voltam ao
(a forma pela forma), mas, ao contrário, passado para se defrontarem com
fazendo uso, sem-cerimônia, dos “passados não ditos, não representados,
materiais da história, trazendo de volta que assombram o presente histórico”
para o corpo da literatura a dimensão do (BHABHA, 1998, p. 34), o que leva à
político. necessidade de buscar novos modos de
E nisto não se pode esquecer significar o mundo, aí se incluindo a
que essas literaturas nascem relação com o passado.
umbilicalmente ligadas à nascença da Algo que, quiçá, pode ser
nação, estando aí mais um complexo sintetizado numa interrogação: “Quem
tramado a ser considerado na lida com pode apostar tanto o presente num
tais escritas, uma vez que a própria ideia passado”? (COUTO, 2006a, p. 293).
de uma literatura nacional Quando se sabe que muito desse
(moçambicana, em meu caso de estudo) passado é escrita doutras mãos, é retrato
é já um problema (no sentido – proposto emoldurado por outras vontades,
por Williams – de movimento histórico ainda interesses; quando se sabe que o que se
não definido). Sua constituição é já parte acumula neste lugar-tempo chamado
constituinte das questões que possam ela passado é tudo menos um sedimentar
(essa literatura) propor, instigar. Por se pacífico de presentes mortos; o que aí se
tratar de uma literatura tão recente deixa ficar é sempre produto de um
(historicamente considerando), as revolver-se perpétuo, daí cabendo
marcas de todo o complexo de (reitere-se) o interrogar, tão
experiências sociais e políticas aí característico dessa literatura pós-
vivenciadas são consideráveis. colonial: quem pode apostar tanto o presente
Consideráveis e desafiadoras. num passado?
Assombrosamente desafiadoras: uma É nessa perspectiva que
arte que busca assombrar a história. podemos compreender a percepção de
Imagética, aliás, que Bhabha entende um autor como Mia Couto, expressa em
como a que melhor “descreve a relação uma de sua crônica. Nela, nos diz ele:
da arte com a realidade social” nesses “A história de qualqueríssimo país é um
espaços/tempos pós-coloniais: “a arte texto de parágrafos salteados. Só o
como ‘a presença totalmente apreendida futuro os ordena, alisando as linhas,
de uma assombração’ da história” retocando as versões.” (COUTO, 2000,
(BHABHA, 1998, p. 34)16. E essa p. 134). É nessa faina de arrumação das
realmente parece ser uma tônica dessa linhas do texto da história, em largo
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