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-Ferreira, Antonio Celso. Literatura: a fonte fecunda.

In: PINSKY, Carla


Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (Orgs.) O Historiador e suas fontes. São Paulo:
Contexto, 2011 p. 61-91

“A ampliação do repertório das fontes históricas e a metamorfose do próprio


conceito de fonte inseriam-se no crescente movimento de renovação da historiografia no
século XX.” p. 63

“Contrapondo-se à historiografia político-factual da Escola Metódica, eles


colocaram em pauta uma História-problema, orientada para a compreensão da
complexidade e da totalidade das experiências humanas. É assim que passaram a dar
ênfase aos processos sociais e econômicos, e, nas décadas seguintes, também aos aspectos
mentais das civilizações.” p. 63

“Outra decorrência desse horizonte intelectual foi a utilização de novas fontes


de pesquisas – necessárias ao conhecimento do clima, do solo, das espécies naturais, da
agricultura, do artesanato, das formas de trabalho, das tecnologias, do comércio, das
crenças e ideologias etc. -, portanto, não mais circunscritas aos documentos políticos
oficiais.” p. 63

“Com a Nova História, enfim, o documento, em todas as suas formas, deixou de


ser entendido como expressão de verdade e transparência para ser analisado como um
monumento.” p. 64

“Para se interpretar o texto literário é imprescindível compreender o que


particulariza tal modalidade de expressão escrita.” p. 65

“É certo que a conceituação dessa arte, do modo como a conhecemos, é um


produto dos processos históricos ocorridos no ocidente a partir da sua matriz europeia.”
P. 65

“Essa abrangência semântica desafiou literatos e teóricos a estabelecerem


critérios para uma definição mais precisa da manifestação artístico-literária em seus
aspectos intrínsecos.” P. 65

“Para os defensores da arte engajada, no século XX, a representação literária


deveria envolver uma tomada de posição crítica e ideológica, dos escritor diante da
realidade.
“A partir da segunda metade do século XX, sob o influxo dos estudos
linguísticos, uma nova conceituação começou a ser empregada para caracterizar a
especificidade da criação literária. Passou-se a enfatizar não tanto o conteúdo das obras,
mas o modo como a literatura se realiza, ou seja, as formas de linguagem utilizadas para
a criação artística.” P. 66

“Na atualidade, entretanto, uma das tendências marcantes entre os especialistas


é a rejeição das definições universalistas acerca das mais variadas manifestações
culturais, atitude que tanto pode desaguar num relativismo radical e esteríl, como suscitar
formulações mais abertas e férteis.” P. 67

“A pesquisa histórica tem contribuído justamente para a compreensão dos modos


como a literatura foi concebida, particularizada em relação a outras expressões orais e
escritas, transmitida, lida, compartilhada ou apropriada pelos diferentes grupos sociais
das diversas épocas e sociedades. E, sobretudo, para o entendimento dos distintos papéis
que, ao longo do tempo, ela desempenhou na existência dos seres humanos, em suas
várias dimensões sociais ou subjetivas.” P.68

“O que há são escolhas - e o poder daqueles que as fazem. Literatura não é apenas
uma questão de gosto: é uma questão de política.” P. 70

“Deve o historiador adotar o primeiro ou o segundo ponto de vista? Creio que


não se deve tomá-los como absolutos e irreconciliáveis. As obras clássicas estão aí, e,
embora, possa haver algumas divergências entre os críticos quanto à maior ou menor
importância de umas ou outras, elas integram o acervo da cultura mundial.” P. 70

“No entanto, o estabelecimento dos juízos estéticos não cabe numa pesquisa
histórica. É facultado ao historiador, isso sim, procurar compreender como tais avaliações
são constituídas no interior das sociedades, de que maneira se formam e disseminam os
gostos, como repercutem no coletivo e permanecem ou não historicamente.” P. 71

“O historiador deve também estar atento à diversidade das formas literárias no


tempo e às circunstâncias em que se constituíram, perpetuaram ou mudaram suas
convenções. Na história da literatura há um debate secular a respeito dos gêneros.” P. 72

“Sabe-se, hoje, que os gêneros literários estão intimamente relacionados às


condições sociais e históricas que determinam a formação do público leitor, com seus
gostos e sensibilidades e que, por outro lado, eles também se alteram de acordo com a
mudança do suporte material dos textos, como o demonstra a História dos manuscritos,
dos impressos e das recentes experimentações digitais.” P. 72

“Os gêneros clássicos, por exemplo, enraizaram-se no mundo greco-latino,


desempenhando papéis específicos na sociedade.” P. 72

“Ambos diferem radicalmente da ficção romanesca, cujos enredos tratam do


indivíduo em sua experiência particular, criador do próprio destino e desprovido de guias
morais duradouros.” P. 73

“O historiador deve ter cuidado, finalmente, ao considerar os movimentos


literário e as vanguardas artística que, ao legarem sua própria memória e versão dos
embates culturais, promovem a auto consagração e criam marcos periodizadores
estanques na histórias da literatura, subordinando seus significados históricos a uma visão
unilateral. É nossa tarefa colocá-los à prova.” P. 75

“Nas mesmas décadas de difusão da crítica literária pós-modernista, a ideia de


que toda História é fundamentalmente narrativa foi, também, defendida por parte da
crítica historiográfica. Com base em argumentos da linguística, da hermenêutica e da
semiologia, os historiadores ligados ao linguistic turn colocaram em dúvida os limites
convencionalmente aceitos entre artes, ciência e filosofia, ficção e verdade, narrativa
histórica e narrativa literária.” P.77

“Na atualidade, tais proposições tendem a arrefecer no mesmo ritmo em que o


relativismo e a desconstrução, característicos do horizonte intelectual no fim do século
XX, perdem intensidade.” P. 77

“Essa lembrança é essencial para o pesquisador que trabalha com textos


literários, sobretudo os de ficção histórica. É certo que o caráter polifônico destes, pelo
diálogo que estabelecem entre as diferentes vozes das personagens, além da voz do
narrador, possibilita a investigação da complexidade do imaginário histórico, da
diversidade das ideologias e dos modos como os diferentes indivíduos ou grupos sociais
se inserem dentro dele em determinadas épocas.” P. 77

“A leitura romântica, especialmente, é repleta de recursos pictóricos.” P. 78

“Convém lembrar a eles, todavia, que diferentemente dos críticos e teóricos da


literatura, cujo foco de preocupação maior é a análise dos aspectos narrativos apropriados
de outras linguagens e internalizados na composição das obras romanescas, cabe ao
historiador compreender e explicar como tais permutas ocorrem em determinados
contextos sociais e culturais.” P.79

“Para se evitar esse tipo de opção aleatória ou inconsciente é necessário delimitar


com clareza o problema a ser estudado e por que as fontes literárias podem ser canais
promissores para a busca de respostas.” p. 80

“é preciso, contudo, estar atento aos ambientes socioculturais do período


analisado para se evitar o tratamento anacrônico da fonte.” p. 81

“Creio que é essa força da literatura a razão de sua singularidade como fonte
histórica.” p. 85

- PESAVENTO, Sandra J. O mundo como texto: leituras da História e da


Literatura História da Educação, Pelotas, n. 14, 2003, p. 31-45.

“Se, no século XIX, Clio fora guindada ao posto de rainha das ciências,
definindo seus auxiliares e hierarquizando os saberes, cabendo à Literatura ser o sorriso
da sociedade, a História se valia da Literatura corno um recurso ilustrativo de urna
afirmação sobre o passado, para confirmação de um fato ou ideia.” p. 32

“Hoje, são outras as questões que articulam o debate, que aproximam e


entrecruzam as narrativas histórica e literária, entendendo-as como discursos que
respondem às indagações dos homens sobre o mundo, em todas as épocas. Narrativas que
respondem às perguntas, expectativas, desejos e temores sobre a realidade, a História e a
Literatura oferecem o mundo como texto.” p. 32

“A História é uma urdidura discursiva de ações encadeadas que, por meio da


linguagem e de artifícios retóricos, constrói significados no tempo.” p. 33

“Ainda como desdobramento desta compreensão da História que a aproxima da


Literatura, temos o entendimento de que ambas as narrativas realizam a configuração de
um tempo. (...) É este presente da escrita que inventa um passado ou constrói um futuro,
para melhor explicar-se. Nesta medida, o momento da feitura do texto torna-se essencial
para o entendimento das ações narradas, sejam elas acontecidas ou não.” p. 33

“A tradição do pensamento ocidental de afastar a História da ficção é, contudo,


antiga, desde Tucídides a ultrapassar Heródoto e a afirmar que não há versões, mas sim
um saber racional e criterioso, depositado no historiador, aquele que consulta os
documentos e escreve dizendo como foi.” p. 34
“Estamos, pois, diante, de uma construção social da realidade, obra dos homens,
representação que se dá a partir do real, que é recriado segundo uma cadeia de
significados partilhados. Entre estas formas de recriação do mundo, de forma
compreensiva e significada, se situariam a História e a Literatura, como diferentes
discursos portadores de um imaginário.” p. 35

“A História é narrativa do que aconteceu, mas não é mímesis, é tradução de uma


alteridade no tempo, o que implica recriar formas de representar o mundo que não são
mais as nossas, e que obedeciam a outras razões e sentimentos.” p. 35

“Aqui, pois, parecem se completar as limitações da atividade ficcional da escrita


do historiador, cuja invenção do passado se acha, assim, condicionada pela natureza do
objeto - o que aconteceu e o que disto restou, como traço -, pelas regras de como fazer
seu trabalho - o método, de testagem, comparação, montagem, contraste - e o fim a que
se propõe - a recuperação/reconstrução do acontecido, atingindo uma verdade possível.”
p. 36

“O fato da História se encontrar no domínio do não verificável - pois não seria


possível repetir a experiência do tempo já vivido - Paul Ricoeur se posiciona pela
ficcionalização da História, situando a atividade do historiador como a construção
imaginária de um ter sido, induzindo o leitor a ver como, ou seja, a tomar a sua narrativa
sobre o passado como o próprio passado, ocupando o lugar deste.” p. 37

“Neste potencial metafórico e alegórico ampliado, mesmo o texto de História,


que se encontra aprisionado ao fato acontecido, alça vôo para novos mundos, é capaz de
induzir imediatas reinterpretações e realizar viagens intertextuais. A leitura, como disse
Chartier, é rebelde e vagabunda, e se reatualiza sempre em sentidos, ao longo do tempo e
das gerações.” p. 38

“O escritor constrói uma intriga cuja ação tem lugar no passado, para o que ele
lança mão de elementos extra romanescos, de um referencial de contingência datado, de
molde a compor sua intriga de forma convincente. Seus leitores terão uma noção desta
temporalidade transcorrida, que poderão pôr em correspondência com um saber histórico
previamente adquirido. Esta coerência de sentido, construído pela escrita e percebida na
leitura deve ser apreendida pelo leitor, sem que seja necessário que se ponha em evidência
um expressivo conhecimento de bibliografia, copiosas fontes ou uma alentada pesquisa
já feita.” p. 38
“Leitores de História, em princípio, busca saber como foi, ou mais ainda, a
verdade do que foi.” p. 38

“Mas, se o historiador estiver interessado em resgatar as sensibilidades de uma


época, os valores, razões e sentimentos que moviam as sociabilidades e davam o clima
de um momento dado no passado, ou em ver como os homens representavam a si próprios
e ao mundo, a Literatura se toma uma fonte muito especial para o seu trabalho.” p. 39

“Por outro lado, neste uso que a História faz da Literatura como fonte, há que
considerar que o texto literário, tal como a pintura, por exemplo, fala das verdades do
simbólico, ou seja, da realidade do imaginário de um determinado tempo, deste real
construído pela percepção dos homens, e que toma o lugar do real concreto.” p. 40

“Um mundo que se parece, este do imaginário e da Literatura, com o que o


historiador pode, também, fazer a sua História. Isto, naturalmente, se ele estiver
interessado em resgatar estas sensibilidades, estas razões, emoções e sentimentos que os
homens - quem sabe? - experimentaram e viveram em um outro tempo.” p. 44

- ARAÚJO, Shaianna da Costa; MENDES, Algemira de Macedo. Um relato


de si em Esse Cabelo, de Djaimilia Pereira de Almeida: o corpo como objeto de
violência ética. Uniletras, Ponta Grossa, v. 41, n. 2, p. 167-177, jul/dez. 2019.

“A obra literária Esse Cabelo (2015), da escritora angolana Djaimilia Pereira de


Almeida, é um romance que reúne elementos ensaísticos e biográficos. Em entrevistas
concedidas a veículos de comunicação, a escritora reconhece que seu trabalho foi
fortemente influenciado por experiências vividas e inquietações diversas, embora declare
não se confundir inteiramente com a protagonista da narrativa.” p. 168

“Mila reconhece o seu cabelo crespo e sua pele negra como principais
marcadores da diferença que a distingue no seio da sua família portuguesa, pela qual foi
criada. Nessa toada, a narradora-protagonista empreende uma longa discussão acerca da
construção da sua identidade, em um contexto no qual fica evidente o caráter fragmentário
de uma cultura pós-colonial, que reverbera todas as consequências da diáspora africana.”
p. 169

“A personagem parece reconhecer uma certa futilidade intrínseca ao tema, para


em seguida ressaltar que seu cabelo crespo e seco constitui uma geopolítica, uma vez que
perpassa a história de pelo menos dois países (Portugal e Angola) e que representa a
relação entre vários continentes.” p. 170
“No decorrer do romance, compreendemos que Mila sofre de uma permanente
frustração por não se reconhecer enquanto estereótipo: apesar de se considerar portuguesa
e de manter uma relação bem mais distanciada com sua família africana, o cabelo crespo
apresenta-se como um problema permanente, um lembrete da sua diferença, um
incômodo que lhe causa sofrimento físico, psicológico e moral. A narradora ressente-se
da noção caricaturada de nacionalidade; para ela, o cabelo é um marcador estético da
desilusão.” p. 171

“Mila aceita o rótulo de angolana falsa, ao tempo em que se recusa a pensar em


si mesma a partir de um estereótipo (ALMEIDA, 2015, p. 33-34). A sua identificação
com a família portuguesa é premente; tão naturalizada que, segundo ela, durante boa parte
da vida sequer soube que possuía um cabelo, e que esse cabelo poderia ter uma história.
Ademais, ela identifica seu descuido com os cachos como um sinal de que Portugal é a
sua casa – como pista de que sua identificação pessoal a fazia esquecer do marcador que
a distinguia fisicamente do resto da sua família nuclear.” p. 171 e 172

“Consideramos que Mila está inserida em uma situação de violência ética. Butler
(2015) explica que essa violência ocorre quando a moral dominante, tencionando
continuar sendo compreendida como “universal”, sufoca as dimensões individuais e
mascara os anacronismos” p. 173

“Nesse ponto, percebemos que o corpo, ao ser parametrizado por meio de uma
determinada estética, pode ser objeto da violência ética, à medida em que a estética se
converte em moral com pretensões universalizantes.” p. 174

“A esse momento em que o “tu” nos questiona, Butler chama de “cena de


interpelação”. É a interpelação que motiva o relato; é a alegação da culpa que baseia as
justificativas. Depois de concluirmos que a narrativa de Esse Cabelo se desdobra num
cenário de violência ética direcionada ao corpo, podemos empreender a identificação dos
elementos que constituem o relato de Mila: o “tu” interpelador, a culpa autoatribuída, o
medo da punição.” p. 174

“Já a culpa abordada no relato se manifesta nas sucessivas tentativas de


esquecimento do cabelo, na vergonha que Mila demonstra sentir de si mesma, na
impossibilidade de superar as diferenças que a separam de sua família mesmo depois de
tantos alisamentos e penteados, realizados à custa de muita violência – nesse caso, física,
e não propriamente ética. A violência ética consistirá na autocondenação imposta após a
frustração com o insucesso das empreitadas.” p. 175

“Não é de Mila, tampouco de seu cabelo, a culpa pela sensação de deslocamento


que aflige a personagem: é da resistência universalizante da moral estética, que não se
predispõe a passar por uma revisão crítica e admitir que a sociedade atual comporta
identidades mutáveis, não estanques, líquidas.” p. 176

- SOUSA, Sandra. A descoberta de uma identidade pós-colonial em Esse


cabelo, de Djaimilia Pereira de Almeida. Abril – Revista do NEPA/UFF, Niterói, v.
9, n. 18, p. 57-68, jan-jun. 2017.

“Esse cabelo é, no entanto, diferente da maioria da escrita que até agora tem
saído em Portugal sobre questões coloniais e pós-coloniais, não apenas pela razão de ser
uma obra de difícil catalogação – romance, ensaio, memória, autobiografia –, mas pela
forma como a história entre Portugal e África nos é contada.” p. 58

“Já na primeira frase de seu prólogo, o livro de Djamilia estabelece uma relação
íntima entre a questão política e identitária de pertencimento nacional e a corporalidade
contida na noção de nacionalidade. É uma afirmação aparentemente simples: “Estar grato
por ter um país assemelha-se a estar grato por ter um braço” (ALMEIDA, 2015, s/p.).” p.
59

“Já na primeira frase de seu prólogo, o livro de Djamilia estabelece uma relação
íntima entre a questão política e identitária de pertencimento nacional e a corporalidade
contida na noção de nacionalidade. É uma afirmação aparentemente simples: “Estar grato
por ter um país assemelha-se a estar grato por ter um braço” (ALMEIDA, 2015, s/p.).” p.
60

“A alusão ao mito lusotropicalista do corpo mulato, símbolo da multirracialidade


portuguesa, criado por Gilberto Freyre é mais do que óbvia. Giorgio de Marchis afirma a
propósito que “a Lisboa africana fica encoberta por um nevoeiro branco que a ‘miopia
selectiva’ dos lisboetas tradicionais não descortina e que não per mite inscrever a
presença africana intra muros” p. 61

“A história deste cabelo é uma história de racismo em relação à pele escura em


geral; racismo silencioso ou naturalizado.” p. 61
“A angústia (ou problema?) fundamental de Mila – presumivelmente a da
maioria das mulheres que não se encaixam nas normas de beleza ditadas por determinada
sociedade em que vivem – é pensar-se através de um estereótipo. Como vários estudos
indicam, é normalmente fácil para uma sociedade fazer a transição de um estereótipo para
formas de racismo quando ideias estereotipadas são continuamente reforçadas.
Estereótipos baseados em raça ou nacionalidade servem para perpetuar discriminação.”
p. 62 e 63

“A loucura que inevitavelmente é associada a um desvio da norma é aqui


transposta para um estado social não apenas de não pertença, mas de nacionalidade outra,
de imigrantes que, como loucos, não se adequam à sanidade do grupo mais vasto, ou seja,
são vistos pelos de dentro como desvios que se devem manter à margem, equivalendo os
seus bairros a temidos hospícios. Por outro lado, os imigrantes sentem que devem exercer
sobre si mesmos autocontrole, vivendo no medo de serem estigmatizados.” p. 64

“A certa altura da narrativa, Mila coloca uma interessante questão, num


imperfeito do conjuntivo que demarca a impossibilidade de tal facto se realizar, mas que
abre um espaço ilimitado de sugestões que, no entanto, a narradora deixa apenas a pairar
na página do livro: “e se fossem eles [os lisboetas] os invisíveis?” (ALMEIDA, 2015,
47). A história seria, certamente, outra.” p. 65

“No seu percurso narrativo, a protagonista fala-nos ainda de uma “alienação


ancestral” que “surge na história do cabelo como qualquer coisa a que se exige silêncio”
(ALMEIDA, 2015, p. 16). Alienação e silêncio surgem aqui como caracterizações
simbólicas de uma história colonial que não fez outra coisa senão apagar a individualidade
pessoal e colectiva do ser colonizado. Alienação e silêncio aludindo ainda para o lugar
para onde é remetido o ser pós-colonial em Portugal.” p. 65

“O livro de Djaimilia Pereira de Almeida vem resgatar um lugar de


pertencimento africano na cultura e sociedade portuguesas. A procura através da memória
– com as suas falhas, esquecimentos, ficções – desse ponto fulcral que é o da origem
remete o leitor para questões que estão para além da busca individual da protagonista,
embora ela se surpreenda com a “coincidência entre o que sou e a narração da minha
origem” (ALMEIDA, 2015, p. 34).” p. 66

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