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LITERATURA COMO MISSÃO - OBRA:

Nicolau Sevcenko,1981;

Nicolau Sevcenko, em Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação


Cultural na Primeira República, procura entender a mudança entre o Império e a
República através da literatura, que para ele parece um meio de luta social e
contestação de algumas atitudes tomadas durante a transição. Dois escritores
são privilegiados nessa análise, Euclides da Cunha e Lima Barreto. Ambos usam
a escrita como meio de comunicação com a população, tentando chamar a
atenção de seus leitores para o que estava acontecendo durante a transição de
um sistema para outro.
Eles não fazem parte do mesmo círculo de intelectuais e estão longe de terem
as mesmas idéias. Segundo Sevcenko é provável que nunca tenham se cruzado
nas ruas do Rio de Janeiro – palco de toda a ação do livro. Apesar dessa
oposição, Euclides e Lima eram herdeiros daquela geração chamada de
“mosqueteiros intelectuais”, a geração modernista de 1870. Foram justamente
esses intelectuais que lutaram para a queda do Império, foram os atores
principais – apoiados principalmente no positivismo que chegava da Europa.
Terminado o reinado de D. Pedro II instaura-se a República tão desejada e
sonhada. Conforme o tempo passa e as mudanças tomam rumos que não foram
desejados, os intelectuais vão se desiludindo com o novo sistema de governo.
Expoentes dessa desilusão, Euclides da Cunha e Lima Barreto vão lutar, cada
um com suas idéias e princípios contra o rumo que as coisas tomavam naquele
momento. A literatura talvez seja o campo que dê mais clareza do que estava
acontecendo durante as transformações:

“As décadas em torno da transição dos séculos XIX e XX assinalaram mudanças


drásticas em todos os setores da vida brasileira. Mudanças que foram
registradas pela literatura, mas sobretudo mudanças que se transformaram em
literatura. Os fenômenos históricos se reproduziram no campo das letras,
insinuando modos originais de observar, sentir, compreender, nomear e
exprimir.”
“Por outro lado, os valores éticos e sociais mudaram tanto no nível das
instituições e dos comportamentos como no plano das peças literárias. Os textos
artísticos se tornaram, aliás, termômetros admiráveis dessa mudança de
mentalidade e sensibilidade”.[1]

Dessa forma, o livro de Nicolau Sevcenko parece entender de maneira peculiar


as tensões sociais da Primeira República. Não foi à toa a escolha desses dois
autores para a análise. Eles não são representantes das mudanças e dos rumos
tomados pela República; ao contrário, esses autores a criticam duramente – mas
cada um a seu modo. Sua escolha deve-se, segundo Sevcenko, por
representarem as opções que poderiam ser escolhidas, mas acabaram deixadas
de lado. Nem mesmo Euclides da Cunha, ligado ao Barão do Rio Branco, estava
satisfeitos com os rumos políticos e econômicos do país. Lima Barreto, com uma
literatura libertária, não está nada satisfeito, nem mesmo com o principal meio
de comunicação, que aliás ele utilizava muito, os jornais.
Analisando a obra de Euclides e Lima, Literatura como Missão entende que o
primeiro procurava fazer daquilo que aprendera com o positivismo de Comte e
Spencer a realidade brasileira, enquanto que o segundo procurava livrar-se
desse cientificismo, procurando uma sociedade pautada na solidariedade, sem
distinções e sem privilégios. Como diz Nicolau Sevcenko:

“Fica igualmente acentuado o empenho despendido pelos autores no sentido da


assimilação e participação nos processos históricos em curso. Situação essa
que reveste suas produções intelectuais de uma dupla perspectiva documental:
como registro judicioso de uma época e como projetos sociais alternativos para
a sua transformação”. [2]

Para fazer tal análise, Nicolau Sevcenko buscou referências em grandes


manuais: História geral da civilização brasileira, volume 7, sob organização de
Sérgio Buarque de Holanda; o Dicionário literário brasileiro, de Raimundo de
Meneses; e a História geral das civilizações, organizada por Maurice Crouzet,
volumes 13 ao 17. Claro que sua leitura não se restringiu a isso.
Sobre o período estudado, constam autores como E. Hobsbawm, M. Dobb, B.
Jouvenel e H. Arendt. No que se refere à história social da cultura, Nicolau
Sevcenko buscou as obras de A. Hauser, M. Foucault e F. Meinecke. No campo
de crítica, estética e teoria e história literária procurou autores renomados na
área da literatura, como Antonio Candido e Tzvetan Todorov, além de Walter
Benjamin, que escreveu muito sobre a arte. Ainda constam autores como Alfredo
Bosi, Theodor Adorno, Roger Bastide e Umberto Eco.
As fontes para o trabalho são obras literárias, principalmente de Lima Barreto e
Euclides da Cunha, mas constam também alguns textos de Machado de Assis,
Eça de Queirós, José de Alencar, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Aloísio
Azevedo, entre outros. Os periódicos também aparecem muito, principalmente
os do Rio de Janeiro, como o Jornal do Comércio, a Revista Fon-fon e a Revista
Americana. Apenas a Revista do Brasil é de São Paulo.
Este trabalho de Nicolau Sevcenko foi pioneiro em seu campo de pesquisa, o
que gerou um certo preconceito contra Literatura como Missão na academia,
ganhando o apelido de Literatura como Omissão. Em uma entrevista o autor
conta as dificuldades que teve para desenvolver seu trabalho e o importante
apoio que teve de sua orientadora, Maria Odila.[3] Acontece que hoje é obra de
referência nos estudos de história que procuram usar obras literárias como
documentos e fontes. O autor explica:

“Nem reflexo, nem determinação, nem autonomia: estabelece-se entre os dois


campo [história e literatura] uma relação tensa de intercâmbio, mas também de
confrontação. A partir dessa perspectiva, a criação literária revela todo o seu
potencial como documento, não apenas pela análise das referências
esporádicas a episódios históricos ou do estudo profundo dos seus processos
de construção formal, mas como uma instância complexa, repleta das mais
variadas significações e que incorpora a história em todos os seus aspectos,
específicos ou gerais, formais ou temáticos, reprodutivos ou criativos, de
consumo ou de produção. Nesse contexto globalizante, a literatura aparece
como uma instituição, não no sentido acadêmico ou oficial, mas no sentido em
que a própria sociedade é uma instituição, na medida em que implica uma
comunidade envolvida por relações de produção e consumo, uma
espontaneidade de ação e transformação e um conjunto mais ou menos estável
de códigos formais que orientam e definem o espaço da ação comum.”[4]
Sevcenko parece ir no caminho de um de seus mestres espirituais, o professor
Sérgio Buarque de Holanda, membro da banca quando Literatura como Missão
foi defendido como tese de doutorado. O professor Sérgio já havia feito uma obra
sem igual na historiografia brasileira, Visão do Paraíso, procurando entender,
através da literatura, os motivos da edenização na colonização da América
Portuguesa.

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