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ISBN 978-85-8033-257-5
A VISÃO INTEGRADORA DE
JOSÉ GUILHERME MERQUIOR:
POR UMA HISTÓRIA CRÍTICA DA
LITERATURA BRASILEIRA
Fábio Andrade[1]
Acredito que essa visão integradora entre teoria, crítica e história literárias
encontra um dos momentos mais relevantes na nossa historiografia nacional
em José Guilherme Merquior, especificamente em sua obra De Anchieta e
Euclides: Breve História da Literatura Brasileira - I, da qual se publicou
apenas um volume em 1977.
Na introdução ao livro, o crítico afirma que sua breve história norteia-se
por três critérios básicos: acessibilidade, seletividade e senso da forma. São
critérios que já conferem um valor de consciência crítica da qual toda
História não deveria prescindir – uma verdadeira plataforma. O da
acessibilidade por si só já deve ser louvado e apontado como sinal de uma
posição mais ampla, refratária ao “delírio tecnicista de certa crítica moderna”
que, justamente, desconsiderava os problemas de história literária para
ensimesmar-se em métodos formais reféns das nomenclaturas e do rigor
estéril. O da seletividade reforça essa mesma postura na exata medida em que
condiciona a escolha dos autores, e aconsequente valoração, a uma
perspectiva acentuadamente crítica e não apenas histórica; em outras
palavras: do segundo critério decorre uma história dos monumentos da
literatura brasileira, muito mais do que dos documentos.[4]
Por outro lado, essa seletividade não abdica de seu caráter individual e
situado. A visão “unificadora” de que fala Merquior representa aquilo que os
trabalhos de historiografia coletiva não podem oferecer: a experiência
particular de leitura de uma tradição. E, nesse sentido, sua breve história
assinala uma individualidade crítica que põe em relevo o caráter
hermenêutico da experiência de leitura. É a sua história e, como todo gesto de
escrita, estará marcada pela individualidade que a sustém e conforma. Passa
ao largo da história literária como pensada por Gustave Lanson no século
XIX, para quem era preciso conhecer a obra, primeiramente, “no tempo em
que nasceu, em relação a seu autor e a esse tempo”. Com justeza, essa
perspectiva fará Antoine Compagnon, em seu O Demônio da Teoria,
perguntar: “Como conhecer ‘num primeiro contato’, em ‘primeiro lugar’ uma
obra, em seu tempo e não no nosso?”.[5]
O terceiro critério, o do senso da forma, exprime a atenção necessária aos
elementos formais do texto literário entendidos, através da análise, como
ponto de partida e nunca como fim último da reflexão literária. Nas palavras
do próprio Merquior: “Tudo está em saber ler a história no texto, em vez de
dissolver o texto na História”.[6] Procura o crítico alcançar a via estreita que
integra a dimensão formal e imanente do texto literário com sua textura
histórica.
Essas são as coordenadas que direcionam sua visão histórica
acentuadamente crítica da nossa tradição literária. Através delas ganha relevo
a leitura independente, insubmissa; a liberdade de escolha e de juízos críticos;
e a percepção da teia entre o individual e o gregário – que só pode ser
alcançada por uma postura radicalmente crítica e mediadora. Em que medida
Merquior os consegue realizar em seu trajeto de Anchieta a Euclides? Qual o
saldo da tarefa concluída? Adianto que De Anchieta a Euclides é uma das
mais claras, cultas e certeiras histórias de nossa literatura. Pensamento crítico
límpido e erudição funcional, absolutamente estratégica.
A maneira de proceder na descrição de cada estilo de época que Merquior
propõe na apresentação ao livro concorre grandemente para concretizar a
“interpretação crítica” que, segundo ele, deve “inserir os estilos e textos
individuais no complexo da história da cultura”. Assim, o seu modo de
proceder ao início de cada grande período estilístico esquematiza-se da
totalidade para o particular. Deixemos o próprio Merquior apresentar seu
método:
Sendo as letras brasileiras uma região da literatura ocidental, começaremos sempre por
individualizar essas categorias epocais que são os estilos artísticos (barroco, neoclássico,
romantismo, etc.) ao nível da sua acepção genérica, transnacional – isolando em seguida os
traços específicos adquiridos por cada estilo no âmbito da cultura brasileira.[7]
CONHECIMENTO DA TERRA