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NATAL/RN
2022
BÁRBARA ALEXANDRE QUEIROZ BORGES
NATAL/RN
2022
BÁRBARA ALEXANDRE QUEIROZ BORGES
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________________
Profª. Drª. Maria de Lurdes Barros da Paixão (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
_________________________________________________________
Prof. Dr. Ildisnei Medeiros da Silva
Membro Examinador externo
_________________________________________________________
Prof. Ms. Samuel Leandro de Almeida
Membro Examinador externo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART
Aos meus pais e irmãos: Jefferson, Carla, Bernardo e Diogo, por sempre me
apoiarem e acreditarem em mim, mesmo muitas vezes não entendendo tão bem o
meu trabalho e, sempre que possível, fazendo-se presentes em minhas
apresentações desde muito antes de eu sequer pensar em cursar Dança.
A Samuel, por ser uma das melhores pessoas que eu já conheci na vida, que se
tornou muito mais que um amigo, mas um irmão, e por ser meu apoio em tantos
momentos de ansiedade e tristeza; sem ele, este trabalho não aconteceria.
A Well, por ser um parceiro, "padrinho de tecido" e amigo tão incrível que sempre
aceita minhas ideias, por mais loucas que sejam e que mesmo com toda a rotina,
sempre se faz presente em minha vida e na minha arte.
À Dayse, a irmã, sócia, parceira que a Dança me deu, obrigada por acreditar tanto
em mim e por ser essa pessoa de luz. "Um sonho que se sonha só é só um sonho,
um sonho que se sonha junto torna-se realidade" e o Toda Bailarina é reflexo disso!
A Brenner, por mesmo do outro lado do mundo, se fazer presente e impactar tanto
minha vida, apresentando-me ao meu lugar, o Poli Teatro Musical.
À professora Amélia Dias, por me possibilitar ser bolsista em dos melhores projetos
que já participei na vida, o Poli Teatro Musical, que me guiou tanto na minha
descoberta artística como docente.
Aos meu amigos do Poli Teatro Musical, que compartilhei não só os palcos, mas
também a sala de aula: Jaque, Denis, Niely, Chandra, Anna, Vinicius, Malu, Afra,
Cleiton, Heli, João, Jonatas, Julian, Kelissa, Márcio, Matheus, Nathaly, Paulo
Dantas, Paulo Ricardo, Roberto e tantos outros que passaram por mim nesses
quatro últimos anos de permanência no projeto.
À Ana Paula, pelas correções e por ser, desde o Ensino Médio, uma grande
incentivadora tanto da minha escrita, como do meu trabalho artístico. Obrigada!
À Glaudete, por ser a melhor supervisora de estágio que pude ter, que não só
incentivou minhas práticas docentes, mas também meus trabalhos fora escola,
prestigiando tanto espetáculos como congressos acadêmicos, que sorte a minha!
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelas trocas importantes nos seus
mais diversos ambientes.
Ao Ballet Imperial, pelas práticas artísticas, pelas amizades que levarei para toda a
vida e pelas inúmeras experiências e oportunidades que tive nos quatro anos que
permaneci na escola.
Aos companheiros do Tecido Aéreo: Anaceli, Júlia Albuquerque, André, Jheck,
Luciana, Gyselle, Carla, Julia Braga, em especial a Sara, que mesmo não me
conhecendo tanto, se dispôs a emprestar seu lindo tecido laranja, o qual tornou o
vídeo desse trabalho possível.
À todos os contribuintes da campanha em prol deste trabalho, aos quais, sem eles,
isso não seria possível: aos amigos Jaque Moraes, Jônatas Meireles, Madson Luís,
Maria Isabel, Mauro Montello, Vivian Bezerra e Yasmin Dantas; aos tios Albalúcia,
Ana, Aristóteles, Camazano, Carlos Octávio, Colomba, Flank, Jayme, Maria Luiza,
Paulo, Rita e Vera; as avós Alba e Valdira; aos primos Breno, Luciana, Rayssa,
Valésio e Viviane; e a incrível supervisora de estágio que tive, Glaudete.
“Nada somos além daquilo que recordamos"
(Ivan Izquierdo)
RESUMO
The present work studies the dialogue between memory, stage costume, dance and
aerial silk, with the objective of investigating how memory and affectives memories
can be used as device for the creation of a stage costume for a Contemporary
Circus Dance. As a theoretical and methodological reference, we adopt studies
about memory and its functions in the creation of the costume for the scene based
on neuroscientific studies aiming at the construction of a costume for a scene
oriented by Dramaturgy of Memory, from the method question-stimulus-theme for the
selection of memories and affectations. The elements of color, shape, texture,
functionality and movement are established as a basis for costume creation. This
study dialogue with authors that discuss the relations between memory and dance,
between art and costume as well as costume and dance. The result of the work is
composed of the creative process of the costume for a scene, the logbook/memories
and finally the screendance as an artistic product originated from the studies carried
out.
IMAGEM 02: Tipo de figurino usado por Isadora Duncan, como o uso de um
cachecol……………………………………………………………………………………. 31
IMAGEM 03: Figurino de Serpentine Dances de Loie Fuller………………….……... 32
IMAGEM 04: Figurino de Lamentation de Marta Graham, bailarina Peggy Lyman
Hayes……………………………………………………………………………………….. 32
IMAGEM 05: Figurino próximo ao cotidiano utilizado pela Batsheva Dance Company
em “Three”................................................................................................................. 36
IMAGEM 06: Figurino em diálogo com a tecnologia em “Biped” de Merce
Cunningham.............................................................................................................. 36
IMAGEM 07: Figurino de "Viktor" da Tanztheater Wuppertal de Pina Bausch..........37
IMAGEM 08: Figurino de tricô de “Cura” da Cia Deborah Colker……….................. 38
IMAGEM 09: Figurino de bandagem de "Cura" da Cia Deborah Colker................... 39
IMAGEM 10: Bárbara Borges na figura da “Grega” no tecido aéreo………………..43
IMAGEM 11: André Martins na figura da "Criatura” no tecido aéreo………………...43
IMAGEM 12: Bárbara Borges no espacate frontal na trave de pé no tecido
aéreo………………………………………………………………………………………... 44
IMAGEM 13: Anaceli Vieira na figura do "Cristo" no tecido aéreo…………………... 44
IMAGEM 14: Anaceli Vieira na figura da estrela na gota no tecido aéreo………….. 45
IMAGEM 15: Anaceli Vieira no "Apoio de lombar" no tecido aéreo………..………...45
IMAGEM 16: Júlia Albuquerque na figura do "Escorpião" no tecido aéreo………....46
IMAGEM 17: Anaceli Vieira e Bárbara Borges na figura do "Portô" no tecido
aéreo………………………………………………………………………………………... 46
IMAGEM 18: Brainstorming do processo (Novembro de 2021)................................ 49
IMAGEM 19: Pôr do sol laranja (Junho de 2021)......................................................50
IMAGEM 20: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 50………… 51
IMAGEM 21: Círculo cromático…………………………………………………………..51
IMAGEM 22: Organograma da psicologia das cores utilizadas………………………52
IMAGEM 23: Esboço inicial do traje……………………………………………………..53
IMAGEM 24: Inspiração para o traje, peça do desfile de Primavera 2021 da Simone
Rocha na Londres Fashion Week……………………………………………………….. 53
IMAGEM 25: Inspiração para o traje aéreo……………………………………………..54
IMAGEM 26: Inspiração para o traje, peça do desfile de Primavera 2016 de Noir Kei
Ninomiya…………………………………………………………………………………….54
IMAGEM 27: Figurino de Ginástica Rítmica…………………………………………… 55
IMAGEM 28: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 54………… 55
IMAGEM 29: Croqui final do figurino…………………………………………………….57
IMAGEM 30: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 57………....57
IMAGEM 31: Resultado final do traje de cena………………………………………….63
IMAGEM 32: Resultado final do figurino no tecido aéreo……………………………..63
IMAGEM 33: Detalhe das costas do figurino…………………………………………...64
IMAGEM 34: Detalhe da ombreira/cauda do traje…………………………………….. 64
IMAGEM 35: O traje de cena e o diário de bordo……………………………………...65
IMAGEM 36: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 65……...….65
IMAGEM 37: Maquiagem em tons degradê por Alexandra French…………………. 67
IMAGEM 38: Maquiagem em tons degradê por Alexandra French…………………. 68
IMAGEM 39: Maquiagem em tons laranja e vermelho por Alexandra French……...68
IMAGEM 40: Maquiagem em reticências de Euphoria por Donny Davy…………….69
IMAGEM 41: Resultado final da maquiagem por André Martins……………..………69
IMAGEM 42: Resultado final da maquiagem vista de meio perfil…………………… 70
IMAGEM 43: Resultado final da maquiagem focando na pálpebra…………………. 70
IMAGEM 44: Código QR Code para acesso a videodança Memórias Tecidas……. 75
NOTAS DA AUTORA
Os QR Codes situados ao longo do texto lhe darão acesso aos arquivos que
compõem o processo criativo e diário de bordo/memórias deste trabalho, estes
estão hospedados no Google Drive.
Para acessar:
IMAGEM 01: Código QR Code Master para acesso a todos os conteúdos do projeto. Fonte Drive
<https://drive.google.com/drive/folders/1KV_KMm8xWG5hiFNUyDqRFO9SRBEyt_aX?usp=sharing>.
Caso prefira, em vez de acessar por meio dos QR Codes, você pode utilizar
os links abaixo de cada um, esses dão acesso aos arquivos da mesma forma.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………….. 16
CAPÍTULO I - A Memória como elemento de criação ………………………………… 18
CAPÍTULO II - Diálogos da contemporaneidade: arte, dança, traje de cena e tecido
aéreo………………………………………………………………………………………... 28
2.1- Uma breve contextualização sobre o Tecido Aéreo…………………………..40
CAPÍTULO III - Diário de criação………………………………………………………... 48
3.1-Das memórias que "afetam" o traje…………………………………………….. 48
Cor…………………………………………………………………………………...50
Forma………………………………………………………………………………..52
Volume……………………………………………………………………………… 58
Texturas e materiais………………………………………………………………. 58
Funcionalidade…………………………………………………………………….. 59
Movimento…………………………………………………………………………..60
3.2-Construindo o diário de memórias……………………………………………… 61
Maquiagem………………………………………………………………………… 66
3.3- Memórias tecidas na tela: processo criativo da videodança…………………71
Filmagem…………………………………………………………………………… 71
Edição………………………………………………………………………………. 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………… 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………………………….. 78
INTRODUÇÃO
16
Contemporâneas Espetaculares. Neste a profa. Dra. Maria de Lurdes Barros da
Paixão propôs trabalharmos com nossas memórias e ancestralidades, as quais me
possibilitaram perceber o quanto a memória e a afetividade estão ligadas aos meus
processos de criação, seja na dança, seja no figurino, seja no fazer artístico de
modo geral, além de ser uma característica da minha personalidade.
O enclausuramento dos meses iniciais da pandemia permitiu-me mergulhar
ainda mais em mim mesma. Passei a desenvolver como ritual quase diário a
apreciação e registro do pôr do sol da minha janela, uma paisagem que é capaz de
me fazer sentir diversos sentimentos e emoções e de me levar para muitos lugares
da memória. Esse processo de mergulho do ser intensificou-se com a vivência do
Tecido Aéreo, uma prática circense que busquei em outubro de 2020 e que me
possibilitou uma nova reorganização corporal, uma forma que busquei para
trabalhar também o excesso de perfeccionismo para comigo mesma que estava
prejudicando a minha relação com a Dança, assim como os processos criativos.
Nessa perspectiva, esses fatores apresentam-se como os fios condutores
para a pesquisa, que objetiva a investigação da memória e das memórias afetivas
no processo criativo da criação de um traje de cena para Dança Contemporânea
Circense.
Estruturalmente esse trabalho é organizado em três capítulos que nortearão
os caminhos percorridos ao longo do seu desenvolvimento. O primeiro capítulo
intitula-se “A memória como elemento de criação”; nele, apresento conceitos acerca
do entendimento da memória de acordo com a neurociência e os panoramas da
memória em processos criativos na dança, em performances e na área de moda e
traje de cena.
O segundo capítulo intitula-se “Diálogos da contemporaneidade: arte, dança,
traje de cena e tecido aéreo”; aqui, apresento um breve histórico sobre arte pós-
moderna e os impactos desse movimento na Dança Pós-moderna e seu traje de
cena, bem como uma breve contextualização sobre a prática do Tecido Aéreo a fim
de traçar diálogos e reflexões entre tais temáticas e entendimentos da criação de
um traje de cena para a dança contemporânea circense.
No terceiro capítulo, “Diário de criação”, dá-se o ponto chave do trabalho. Ele
descreve o processo criativo do presente projeto, Memórias Tecidas, o qual foi
desenvolvido em três partes: a primeira diz respeito à concepção criativa e as
memórias que afetam a criação desse traje de cena; a segunda corresponde ao
17
diário de bordo/memórias de todo o processo, destacando a fase de confecção do
traje e da elaboração do diário em si; e a terceira diz respeito à videodança, formato
escolhido para apresentação final do processo, que se divide em filmagem e edição,
que serão abordados brevemente.
18
segundos), a memória de curta duração (que dura de 1 a 6 horas) e a memória de
longa duração (que dura muitas horas, dias ou anos). A memória imediata ou de
trabalho é aquela que utilizamos, por exemplo, para lembrar a terceira palavra da
frase anterior tempo suficiente para entender o resto da frase e início da seguinte,
mas logo se perde para sempre. Assim, Izquierdo explana:
19
livro, deparamos-nos com a seguinte citação de James McGaugh (1971) - o maior
especialista em memória da atualidade - "O aspecto mais notável da memória é o
esquecimento".
Tente fazer o exercício de lembrar o que fez na última meia hora, no dia
ontem ou até mesmo nos últimos 2 anos, nos quais vivemos intensamente uma
pandemia global, você vai perceber que boa parte disso virou esquecimento.
Passamos por diversos estágios da vida, da infância, da adolescência, da juventude
e da fase adulta, aprendemos a caminhar, a falar, a escrever, a nadar, a andar de
bicicleta, a dançar, a distinguir sons e cheiros, a sensação tátil dos objetos, a
compreender o que e quem gostamos e amamos, dentre diversas outras
habilidades, mas de fato não nos recordamos o momento exato que aprendemos
cada uma dessas coisas. Dessa forma, confundimos facilmente os diversos
acontecimentos de nossa vida, as pessoas envolvidas neles, as circunstâncias
exatas de cada um. "Cada um de nós é quem é porque tem suas próprias memórias
- ou fragmentos de memórias. Somos rigorosamente aquilo que lembramos, como
disse o pensador italiano Norberto Bobbio (1909-2004).
Mas porque de fato esquecemos? Segundo Izquierdo (2010), esquecemos,
de certo modo, porque os mecanismos que formam e evocam memórias são
saturáveis. Não podemos fazê-los funcionar constantemente de maneira simultânea
para todas as memórias possíveis, tanto as existentes quanto as que adquirimos a
cada minuto, assim, nos obrigando naturalmente a perder algumas memórias
preexistentes, por falta de uso, para dar lugar a outras novas. Se pensarmos nas
roupas que adquirimos ao longo da vida, por exemplo, faz-se necessário nos
desfazermos daquelas que não servem mais, sejam pelas mudanças naturais do
crescimento, seja pelo desgaste da peça ou até mesmo pelo desuso e acúmulo
desnecessário.
Desse modo, de forma breve, podemos dizer que necessitamos esquecer
para podermos pensar, para não ficarmos loucos, para podermos conviver e
sobreviver, pois carregar todas as memórias de tudo desde criança até o fim de
nossa vida, nos mínimos detalhes, seria impossível e insuportável; percebemos
isso, a título de exemplo, com o personagem de José Luis Borges, "Funes, o
memorioso", o homem que não conseguia esquecer, ele tinha uma memória
absoluta e, consequentemente, era incapaz de lembrar.
20
A arte de esquecer é parte fundamental de nossa sobrevivência, e talvez de
nossa própria vida. Só ela nos permite seguir adiante no meio de tantas
adversidades e perigos. Só ela nos permite voltar a sorrir depois da perda de
um ser querido, sacudir a poeira, dar a volta por cima e sair caminhando de
frente pro mundo. Só ela nos permite esquecer rapidamente o efeito
inebriante de uma vitória ou de uma conquista e voltar a ser o mesmo de
todos os dias depois que passar a euforia correspondente, acreditar que
somos Deus é um erro que se paga dolorosamente com o primeiro fracasso.
Por último, há coisas que não podemos esquecer por mais que tentemos:
aprendemos a conviver com elas, ou a extingui-las se forem penosas.
(IZQUIERDO, 2010, p.132).
21
Penso na relação com o sentido olfativo de forma intensa, um cheiro me
proporciona não somente resgatar uma sensação corporal, um movimento, mas
também a memória por completo de um determinado dia ou momento desde as
pessoas que vi e conversei, os lugares que fui ou estava e às vezes até mesmo o
que vesti, nem sempre são sensações boas, um cheiro é capaz de me levar a
lugares do subconsciente que muitas vezes não queria mais lembrar. No terceiro
episódio da minissérie Halston, da Netflix, intitulado "O doce sabor do sucesso",
podemos perceber de uma forma mais poética como ocorre o processo de criação
de um perfume e de como os cheiros estão diretamente relacionados às nossas
memórias. Na série, a personagem perfumista Adele, interpretada pela atriz Vera
Farmiga, explica para o protagonista Halston, interpretado pelo ator Ewan Mcgregor,
que geralmente para se criar um perfume usa-se 3 notas: a de base, a de coração e
a de cabeça, também denominadas, notas de fundo, notas do corpo e notas de
saída, respectivamente, segundo a "pirâmide olfativa", presentes no diálogo abaixo:
22
Contemporânea, como também para o Traje de Cena e performances
contemporâneas circenses relacionadas a prática do tecido aéreo.
O viés da memória surgiu nos meus trabalhos, de maneira ainda não tão
consciente, devido ao cenário da Pandemia mundial de SARS-CoV-2 (Covid-19), no
componente curricular Laboratório de criação coreográfica II, ministrado pelas
professoras Dra. Maria de Lurdes Barros da Paixão e Dra. Patricia Garcia Leal, no
semestre emergencial on-line 2020.5, como um resgate às vivências e relações das
quais estávamos privados naquele momento, desde aquilo que havia registrado em
nossos corpos, como também os reflexos de ver tempo e a vida passar pelas
nossas janelas. Durante a trajetória do componente curricular, trabalhamos com a
perspectiva de coreocena (cenas em movimento), segundo os conceitos de
coreocinema de Maya Deren, por meio da videografia juntamente com o recurso
didático-metodológico do diário de bordo – uma espécie de caderno de anotações
onde fazemos registros, um recurso bastante utilizado em criações artísticas,
principalmente de dança. Sobre o diário de bordo, Lima explana:
23
foi intitulada "Através da janela". No roteiro, estabelecemos em grupo que os únicos
pontos similares de cada um deveriam ser cenas em diálogo com a janela de casa,
como também focos dialogando com a câmera e cenas da porta da casa de cada
um; assim, os registros que já haviam sido trabalhados ao longo da unidade foram
coreoeditados para dialogar entre si. O resultado foi surpreendente, mesmo sem ver
antecipadamente o vídeo de cada um, o sentimento de enclausuramento era
recíproco e, consequentemente, os movimentos tiveram uma ligação estética e
afetiva intensa. Destarte, Leal (2012) conceitua que a memória apresenta-se como
potencialidade no processo criativo em dança de modo que:
24
Compreendemos que as interfaces da memória podem causar e/ou
inovar para o contexto da dança, enquanto propõe ao corpo em sua
totalidade diferentes formas de criação em Dança Contemporânea.
Então, podemos investigar ações que possibilitem a análise no
processo de criação a partir de memórias da infância, por exemplo.
(LIMA, 2014 p.20).
25
De acordo com Sánchez (2010, p. 92-98), o que põe a memória em
movimento é a intenção de criar, expressão do pensamento artístico vinculado a um
estímulo. Dessa maneira, uma motivação externa pode ser apenas uma palavra ou
uma pergunta, mas é necessariamente o primeiro passo para desencadear a
dramaturgia da memória. A memória é concebida não só como uma aptidão para
lembrar, mas também como um conjunto de lembranças; um arquivo, mas um
arquivo vivo, porque essa Dramaturgia da Memória é entendida como um processo
criativo. Nesse caso, o processo criativo ocorre por meio da memória via
pensamento, que não é somente involuntária, mas espontânea. Por conseguinte, a
dramaturgia seria o processo consciente de manipular essas lembranças vividas
“compondo sequências de ações com significado da interpretação sobre um tema”.
Em sua experiência, no Tanztheater, pode-se perceber que não existe uma fórmula,
nem regras estabelecidas para o processo coreográfico de Bausch encontrando,
assim, alguns princípios básicos para ele:
26
importante na materialização da memória, trabalhamos com uma pesquisa
envolvendo retalhos de tecido, desenhos, recortes de revistas, objetos afetivos,
músicas e, principalmente, imagens e fotografias familiares de cada participante”.
(PRUDENTE e KUHL, 2016, p. 81). Lidar com isso, muitas vezes, pode nos levar a
memórias de pessoas próximas que já se foram, como acabou acontecendo com
muitas alunas.
Nessa perspectiva, a memória nas diversas áreas explanadas anteriormente
apresenta-se como um dispositivo com grande potência criativa e de investigação,
do nosso corpo, de nós mesmos, da nossa história, do mundo à nossa volta, um
campo, a meu ver, com potencial ainda não totalmente explorado.
Percebo como semelhança em ambos os métodos e processos apresentados ao
longo do capítulo, a utilização de uma pergunta/estímulo em relação à memória,
como um fator norteador e provocador, vamos criar algo a partir de determinada
memória, mas de qual modo? É notório que a resposta para tal indagação é
extremamente individual. Tendo em vista que a memória apresentada por Izquierdo
tem como princípio o esquecimento, o uso desse é fundamental para o processo de
resgate daquela memória, movimento, de nossa história e ancestralidade.
No processo criativo, que será melhor explanado no capítulo 3, o método da
pergunta-estímulo-tema proposto por Sánchez (2010) foi fundamental como
direcionamento para adentrar nas minhas memórias e mergulhar ainda mais na
minha história. Partindo dos processos emocionais vividos no isolamento, estes me
levaram a uma maior conexão comigo mesma, bem como a criação de pequenos
rituais como assistir ao pôr do sol da minha janela, quase diariamente e registrá-lo
sempre que possível.
Tais registros viraram uma coletânea de pôres-do-sol, salvo nos destaques do
meu Instagram, a qual revisito quando sinto a necessidade. É uma paisagem que
de fato, me afeta intensamente, me leva a diversos lugares da memória e este foi o
fio condutor, que me levou à um emaranhado de memórias e sentimentos como o
medo de perder minha mãe pelo câncer, que se iniciou um pouco antes da
pandemia e nela se intensificou e a prática do Tecido Aéreo, que me possibilitou
novos olhares pro movimento, criação e reconexão com a minha dança.
Vale salientar que o processo de lidar com as memórias é muito delicado, em
específico este foi um processo intenso, tocando em áreas muito íntimas, no
27
entanto, foi libertador, transformar e ressignificar essas memórias e afetações numa
criação artística.
Não sabemos previamente como a pergunta/estímulo/tema pode reverberar em
cada pessoa, podendo acionar gatilhos emocionais intensos, uns podem ter
facilidade, outros dificuldade extrema. Estar diante de quem somos e o que vivemos
gera muito incômodo, por mais simples que possa ser a questão, é importante que
ao iniciar tal processo o coreógrafo/diretor/professor tenha empatia, paciência e
atenção para que este ocorra da melhor forma possível.
Em relação ao ensino, a memória é capaz de nos levar a um processo
didático-metodológico, bem como do fazer artístico sensível a ser desenvolvido em
trabalhos artísticos na escola, pois possibilita uma aproximação do
aluno/interprete-criador de suas próprias memórias e ancestralidades,
consequentemente, de sua própria história de vida, afetos e contexto social
fortemente presentes nos diferentes saberes e fazeres artísticos. Tal fato,
demonstra-se carente atualmente; de certo modo, decorrente da globalização e da
vida cotidiana em constante aceleração. Cada vez mais, faz-se necessário voltar-se
o olhar para dentro. Dessa maneira, os conceitos e processos apresentados aqui
servem como um pontapé para os diálogos que virão a seguir.
28
Os séculos XIX e XX foram marcados pelo crescimento de vários movimentos
artísticos com destaque para o modernismo na arte e na filosofia. A partir dos anos
cinquenta, novas transformações passam a ocorrer e vemos a instituição de outro
movimento, o pós-modernismo. Seu prefixo “pós” já traz consigo diversas questões
e contradições, “não nega seu antecessor e também não significa uma continuação
literal, ao mesmo tempo uma dependência e independência ao seu antecessor"
(SILVA, 2005, p.15). Silva diz:
29
único, de características próprias e traços evidentes, "embora não negue qualquer
corrente anterior é oriundo de um tempo cujas estruturas de pensamento,
sentimento e comportamento divergem radicalmente daquelas do modernismo"
(SILVA, 2005, p. 76).
30
No âmbito dos figurinos, a Dança Moderna foi responsável por intensas
transformações. Autores como Barbieri (2017), Vieira (2015) e Silva (2005) apontam
como as mais notáveis o abandono do uso dos espartilhos, sapatilhas de pontas e
tutus românticos do balé clássico, dando espaço para peças mais leves que
buscavam dialogar com o corpo do intérprete e o movimento, a título de exemplo,
vale citar: as túnicas transparentes em estilo grego, uso de tecidos e peças leves
como cachecol eram característicos de algumas obras de Isadora Duncan como a
imagem 2 nos apresenta; os longos tecidos esvoaçantes manipulados por bastões
em dinâmica com a luz propostos por Loie Fuller, como a imagem 3 nos mostra e
provoca formas sinuosas no ar remetendo a ideia do bater de asas; o longo tubo de
tecido stretch deixando amostra apenas pés, mãos e cabeça utilizado por Martha
Graham em Lamentation como trazido na imagem 4 que auxilia na retratação da dor
e do sofrimento causando a lamentação, dentre outros. A seguir, trago algumas
imagens dos exemplos de figurinos citados para um melhor apreciação e
entendimento:
IMAGEM 2: Tipo de figurino usado por Isadora Duncan, como o uso de um cachecol, c.1918.
Artista anônimo.
Fotografia por: Fine Art Images/ Heritage Images/Getty Images.
31
IMAGEM 3: Figurino de Serpentine Dances de Loie Fuller.
Foto por: Victoria e Albert Museum, London.
32
processos característicos deste movimento. Merce Cunningham, discípulo de
Graham, é considerado um dos pioneiros da dança pós-moderna contemporânea,
responsável por diversas inovações tecnológicas, sendo também considerado o
precursor da videodança e reformas conceituais ideológicas na dança afirmando por
exemplo que:
33
Essas inúmeras transformações levaram artistas a intensas reflexões acerca
da naturalização dos movimentos, trazendo para o palco algo mais orgânico e
menos virtuoso, o que gerava questionamentos como "será que de fato isso é
dança?", porém a resposta vinha de imediato em "se é movimento, qualquer coisa é
válida". Consequentemente, o contemporâneo na dança apresenta-se por uma
variedade de estilos e, principalmente, métodos de criação, o que torna tão
complexa a sua definição. No entanto, vale ressaltar que, neste trabalho, não estou
me comprometendo a estabelecer tal definição, esta é uma discussão que se
mantém fértil até hoje, mas pretendo apontar e criar diálogos e reflexões sobre este
movimento artístico. Silva contribui:
34
e demanda uma nova cultura no sentido de olhar além dos códigos
da percepção já estabelecidos. Nessa conexão, o atual entusiasmo
pela dança oscila entre dois pólos que são, na realidade,
complementares e até certo ponto interligados. De um lado está a
procura por regras que permaneçam no retorno ao mito, e a utopia
que vê a base para uma "uma vida natural" no corpo e nos seus
ritmos. De outro lado, está a desconstrução da expressão física, que
questiona a regra do sujeito sobre o seu corpo, apresentando-o
como uma construção cultural [...] O prazer especial da platéia é que
ela pode rearrumar o quebra-cabeças de imagens e fazer suas
próprias conexões, de acordo com sua referência ou cegueira. Nada
é arbitrário, no entanto. É uma festa para os sentidos, uma delícia
estética - como, por exemplo, a visão de um palco coberto de terra,
folhas secas ou cravos vermelhos, que provoca na platéia até a
vontade de dançar ali. (BAXMANN, 1990, p. 56)
35
ampliação da literatura sobre o assunto. Não obstante estejam
sempre presentes nos espetáculos, relativamente poucos
sobrevivem nos arquivos, embora fontes amplas de figurinos,
incluindo desenhos, registros de performances artísticas, impressas
e fotográficas, tenham sido usadas em minha pesquisa. (BARBIERI
apud SACCARDI, 2020, p. 116)
IMAGEM 5: Figurino próximo ao cotidiano utilizado pela Batsheva Dance Company em “Three”
(2005).
Foto por: Laurent Philippe.
36
IMAGEM 6: Figurino em diálogo com a tecnologia em “Biped” de Merce Cunningham (2004).
Foto por: Stephanie Berger.
37
doença genética de seu neto Theo – uma condição rara chamada epidermólise
bolhosa1. Dessa maneira, o figurino desenvolvido por Cláudia Kopke busca
representar por meio do uso de materiais como o tricô, uma espécie de couro e
ataduras, a fragilidade da pele causada pela doença. Essa apresenta lesões
profundas que podem produzir cicatrizes semelhantes a queimaduras, fazendo-se
necessário o uso cotidiano de ataduras para evitar uma maior inflamação. Tais
questões são evidenciadas no processo de criação do figurino e podem ser
apreciadas, respectivamente, nas imagens 8 e 9.
1
Uma doença genética e hereditária rara não contagiosa, que provoca a formação de bolhas na pele
por conta de mínimos atritos ou traumas, se manifesta já no nascimento e não apresenta uma cura.
38
IMAGEM 9: Figurino de bandagem de "Cura" da Cia Deborah Colker (2021).
Foto por: Leo Aversa.
2
Minimalismo refere-se a uma série de movimentos artísticos, culturais e científicos que percorreram
diversos momentos do século XX e preocuparam-se em fazer uso de poucos elementos
fundamentais como base de expressão. Na moda trata-se um conceito baseado no mínimo, com
roupas atemporais e duráveis, que funcionam durante todas as estações do ano. A ideia é estar bem
vestida, independentemente das tendências mais atuais.
39
diga que vestes mais cotidianas caracterizam o figurino contemporâneo, mas é
importante evidenciar que esta é apenas uma possibilidade dentre inúmeras outras.
Percebo também um maior cuidado com o conforto e adaptabilidade desses
trajes, relacionadas às experiências vividas ao longo da história, nas quais era
notório que a última coisa que o bailarino-intérprete deveria sentir era conforto, já
que as modelagens e os materiais apertavam demais o corpo, havia excesso de
tecidos em alguns casos, que atrapalhava a realização dos movimentos, por isso
acredito que na atualidade muitas companhias e grupos optem por vestes mais
próximas ao cotidiano. Foi, de fato, uma grande revolução para chegar a essa
etapa, por isso, como figurinista-criativa, o conforto é um elemento primordial em
minhas criações, pois também sou bailarina e sinto na pele tais questões. Como o
traje a ser desenvolvido neste trabalho diz respeito à contemporaneidade,
relacionando-se também com a prática aéreo circense do Tecido Aéreo, trago na
seção a seguir uma breve contextualização acerca dessa prática, para que, assim,
possa-se ampliar o diálogo quanto ao figurino contemporâneo na dança, em
específico, na dança contemporânea circense.
Nesta seção, trago uma breve contextualização acerca do Tecido Aéreo, que
servirá como guia para os processos estabelecidos no capítulo seguinte em relação
à concepção e criação do traje de cena e à videodança.
O Tecido Aéreo ou Acrobático é uma modalidade aérea circense, na qual são
experimentadas posições corporais em outras orientações de movimento,
chamadas de figuras, truques ou imagens. É uma modalidade que tem demonstrado
grande crescimento pelo mundo e ocupado diversos espaços como centros
culturais, academias, teatros, escolas, universidades, boates, clubes, etc. não só a
lona do circo. Neste trabalho, trataremos apenas das características e técnicas do
tecido liso.
40
Não se sabe ao certo quem inventou e onde aconteceu seu surgimento, há
desenhos de performances em grandes panos encontrados em festividades do
imperador da China de 600 d. C . Segundo Desiderio (2003), no ocidente, um dos
relatos mais antigos é uma experiência nas décadas de 1920 e 1930, em Berlim
(Alemanha), por alguns artistas que realizaram movimentos com as cortinas de um
cabaré. Outros apontam que foi na França que o tecido circense foi aprimorado
após pesquisas com diferentes materiais (cordas, tecidos, correntes, etc.),
realizadas pelo francês Gèrard Fasoli nos anos de 1980; acredita-se que talvez o
tecido seja uma extensão do trabalho de corda lisa, uma modalidade que
antigamente era de sisal e, atualmente, é de algodão. Bortoleto e Calça dizem:
Nos casos em que se está aprendendo sobre uma nova postura corporal no
tecido, que incluem algum acionamento de estar sem as mãos, segurando-o,
ou mesmo sem os pés, pendurada, é comum perceber em um iniciante da
41
prática uma certa insegurança, que gera medo, pânico ou alguma outra
instabilidade. As emoções, os sentimentos e a cognição são também índices
que compõem o processo e logo interagem na relação, pois são corpo. A
mente é todo o sistema corpo, confluindo em percepções e acionamentos, o
tempo todo, de tal modo que não se tem como ignorá-la ou desmerecê-la na
prática corporal, pois, quando se aborda o movimento, também se está
falando sobre a mente. (AMADO, 2017, p.20)
42
exemplos dos mesmos realizadas por aerialistas de diferentes níveis da cidade de
Natal/RN.
43
IMAGEM 11: André Martins na figura da "Criatura” no tecido aéreo.
Foto por: Wellington Ferreira.
44
IMAGEM 13: Anaceli Vieira na figura do "Cristo" no tecido aéreo.
Foto por: Wellington Ferreira
IMAGEM 14: Anaceli Vieira na figura da estrela na estafa ou gota no tecido aéreo.
Foto por: Acervo pessoal.
45
IMAGEM 15: Anaceli Vieira no "Apoio de lombar" no tecido aéreo.
Foto por: Wellington Ferreira
46
IMAGEM 17: Anaceli Vieira e Bárbara Borges na figura do "Portô" no tecido aéreo.
Foto por: Wellington Ferreira
3
Initially a knitted one-piece garment covering the torso, it was called maillot, referring to its knitwear origin
which lent it stretch and tight fit. Disseminated from the 1860s through the influential medium of the circus,
its impact was profound. By streamlining the body, it later encouraged the engagement of men in a range of
different sports, ultimately being appropriated by women as the basic one-piece knitted swimsuit of the
1920s, it was eventually utilized by Coco Chanel in her costume designs for Le Train Bleu. A compelling
fashionable garment, it became instrumental in the transformation of women away from being shaped by
corsets into bodies built through exercise. Crucially the leotard became the garment worn by both men and
women in modern and contemporary dance, posing no obstacles to movement and unifying the body into
an uninterrupted and dynamic whole (BARBIERI, 2017, p.111).
47
Dessarte, a partir dessas reflexões, o traje nesse processo segue este princípio, ou
seja, facilitar os movimentos na prática aérea abarcando suas complexidades.
Portanto, nesse breve histórico acerca da arte pós-moderna, por
conseguinte, na dança pós-moderna e seus trajes de cena e do tecido aéreo nos
permitem estabelecer diálogos para o processo criativo que apresenta-se no
capítulo a seguir, tendo em vista que essas estabelecem intensas conexões
dramatúrgicas e criativas e que podem potencializar-se a partir da memória.
48
aquilo quase sempre me dava vontade de chorar. Logo, deparei-me de certo modo
com binômios: alegria e tristeza, calma e angústia, conforto/liberdade e
enclausuramento/privação e vida e morte consequentemente. Uma paisagem e
sentimentos mistos, como consequência do período caótico vivenciado naquele
momento.
Concomitantemente, iniciei minha relação com o Tecido Aéreo, um prática
que busquei em outubro de 2020 e que me possibilitou uma nova reorganização
corporal, como também trabalhar o excesso de perfeccionismo que estava
prejudicando a minha relação com a Dança, bem como com meus processos
criativos. O que eu precisava de fato era de ar, ar para enxergar o mundo por outra
ótica, ar para eu me sentir mais viva e livre, mesmo sentindo tanto medo da altura
ao iniciar a prática aérea, ar que eu encontrei tanto nas práticas de tecido, como
também no pôr do sol.
A primeira etapa do processo criativo do traje iniciou com um brainstorming4,
que resultou num mapa mental que pode ser observado na imagem abaixo.
4
Brainstorming significa “tempestade de ideias”, um método criado nos Estados Unidos, pelo publicitário
Alex Osborn, usado para testar e explorar a capacidade criativa de indivíduos ou grupos. É utilizado para
resolver problemas específicos, criar e organizar novas ideias, projetos e percepções.
49
IMAGEM 18: Brainstorming do processo (Novembro de 2021).
Fonte: Acervo pessoal
Em um olhar superficial, tais temáticas podem não fazer sentido algum, mas
criativamente elas estão intrinsecamente conectadas em mim. Do emaranhado de
palavras observadas no brainstorm, iniciei o processo de condensação para refinar
as ideias que seriam destacadas no traje, tendo como base os elementos
norteadores de construção de Traje de Cena dispostos no guia de Figurino e
Cenografia para iniciantes de Fausto Viana e Dalmir Rogério Pereira, como cor,
forma, volume, textura, movimento e origem.
Cor
A cor foi o primeiro elemento de qualidade pensado para o traje através das
cores que eram predominantes nos meus registros, a saber: um degradê de
amarelo, alaranjado e azul. No entanto, um dos registros mais especiais que eu
tenho é de um pôr do sol que aconteceu em Junho de 2021, em que o céu ficou
completamente laranja, era um dia ordinário e o céu estava nublado, até que tudo
mudou, como mostra a imagem 19 abaixo:
50
IMAGEM 19: Pôr do sol laranja (Junho de 2021).
Fonte: Acervo pessoal.
IMAGEM 20: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 51. Fonte: Drive.
<https://drive.google.com/drive/u/3/folders/15winvD3zdeYsyQ80hRHyBdY3aZGFMfI9>
Desse modo, a cor escolhida para predominar no traje foi o laranja e como
contraponto, o azul, já o amarelo aparece apenas em alguns detalhes. No círculo
cromático, o laranja e azul são caracterizadas como cores opostas, ou seja,
complementares (imagem 21). A cor é um elemento estético sensorial capaz de
transmitir sensações e percepções, despertar memórias e diferentes emoções.
Segundo Possebon (2009), “cada cor tem uma atuação característica sobre o
psiquismo humano: elas nos causam estados anímicos específicos e provocam em
diferentes indivíduos sensações, reações e comportamentos similares". Na
Psicologia das cores5, as cores laranja, azul e amarelo apresentam as seguintes
características, dispostas no organograma abaixo (imagem 22):
5
Psicologia das cores é o estudo que mostra como as cores afetam nosso cérebro, como cada uma
é identificada e transformada em sensações. Um recurso bastante utilizado na área de comunicação
e vendas.
51
IMAGEM 21: Círculo cromático.
Disponível em: <https://www.futilish.com/2021/04/combinacoes-do-circulo-cromatico-laranja-e-azul/>.
Forma
6
Minha mãe Carla foi diagnosticada com Câncer de Mama, apenas na mama direita, em 2019.
7
Pinterest é uma rede social de compartilhamento de fotos. Assemelha-se a um quadro de
inspirações, onde os usuários podem compartilhar e gerenciar imagens temáticas, como de jogos, de
hobbies, de roupas, de perfumes, de animes, etc.
8
Instagram é uma rede social online de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários, que
permite aplicar filtros digitais e compartilhá-los em uma variedade de serviços de redes sociais, como
Facebook.
52
complementariam: um collant dupla face laranja e azul; uma legging do mesmo tom
de laranja do collant com alguns recortes em tule nas laterais; um tipo de cropped
de amarração parecido com uma costura manual, como macramê (referência
imagem 26), em tons degradê de amarelo, laranja e azul, acrescido de uma
ombreira (referência imagem 24); uma segunda pele de tule bege com detalhes em
recortes de lycra no antebraço (referência imagem 27). O esboço inicial, bem como
algumas imagens das primeiras referências, estão dispostas abaixo.
53
IMAGEM 24: Inspiração para o traje, peça do desfile de Primavera 2021 da Simone Rocha na
Londres Fashion Week.
Foto por: Andrew Nuding
IMAGEM 26: Inspiração para o traje, peça do desfile de Primavera 2016 de Noir Kei Ninomiya.
Disponível em: <https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2016-ready-to-wear/noir-kei-ninomiya>
54
IMAGEM 27: Figurino de Ginástica Rítmica.
Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/535506211952412887/>.
IMAGEM 28: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 55. Fonte: Drive
<https://drive.google.com/drive/u/3/folders/1gdH-06YiuN9p2V9gSbO10wtvQt5iX8mJ>.
55
O formato da referência para a peça em costura manual me chamou muito a
atenção à primeira vista por trazer a ideia de emaranhado, similar ao macramê9,
arte manual que minha mãe, Carla, executa e por visualmente parecer com a vista
anatômica da glândula mamária.
No entanto, ao chegarmos na etapa da confecção, nos deparamos com
algumas problemáticas que nos levaram a uma adaptação de algumas ideias, que
serão mais detalhadas adiante. Consequentemente, o croqui final passou a manter
a base collant e legging, porém, em vez do cropped com acabamento semelhante
ao macrame, optamos por uma espécie de luva dividida em duas partes, que
terminaria na linha do pulso em vez do tradicional que costuma cobrir o dorso e a
palma das mãos e, às vezes, os dedos, tendo em vista que se cobrisse esta região
poderia prejudicar os movimentos no tecido, pondo em risco a segurança do
praticante, já que as mãos precisam estar em contato direto com o material para
evitar escorregamentos e quedas perigosas,que nesse caso não estão relacionadas
às quedas acrobáticas características da prática em si).
Além disso, pensando na qualidade do movimento do traje, que será
explanada no final desta seção, acrescentamos uma espécie de ombreira/cauda,
que poderia ser retirada nos movimentos mais aéreos para não atrapalhar.
9
É uma técnica de tecelagem manual com uso de nós, originalmente usada para criar franjas e
barrados em lençóis, cortinas e toalhas. Provavelmente surgiu com a evolução natural dos nós
básicos para um trabalho mais elaborado. Usado como fonte de renda para algumas pessoas.
56
IMAGEM 29: Croqui final do figurino.
Fonte: Acervo pessoal.
57
IMAGEM 30: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 57. Fonte: Drive
<https://drive.google.com/drive/u/3/folders/1oZM68ZE_RwPUbeGxPlxT5fqfCO3TAI7F>.
Volume
Texturas e materiais
58
traje, sem a necessidade de tanta "firula", um olhar estético mais voltado para o
minimalismo característico de algumas obras cênicas da Dança Contemporânea. Há
um motivo para cada detalhe presente no traje e, para mim, como figurinista, essa é
uma das maiores características de um bom profissional "saber contar uma
história"10 em cada detalhe*, sem muitas vezes necessitar de várias peças e
ornamentos.
Sendo assim, o material dominante seria a lycra pela questão de adaptabilidade
do traje para os movimentos exigidos pela modalidade circense aérea. A cidade de
Natal possui pouquíssimas lojas de tecidos e malhas, principalmente tratando-se do
lycra e estas apresentam uma variedade de cor bastante limitada. A falta de lojas de
materiais, da área de costura e confecção, obriga o consumidor a ter que muitas
vezes adaptar determinada ideia, adquirindo um material que não era o almejado,
pagar caro pelo material ou, em último caso, recorrer à encomenda de outros
estados na tentativa de baratear os custos, que nem sempre é o mais viável.
Devido a tais problemáticas, a compra pelos materiais na paleta de cores
escolhida foi ainda mais difícil, tive que optar por uma lycra laranja com acabamento
metalizado, com um brilho sutil, tendo em vista que não havia a intenção de pôr
lantejoulas no traje, assim o próprio tecido faria essa interação com a luz, que no
caso seria a luz natural solar.
Além disso, não foi possível encontrar lycras semelhantes uma à outra, optei por
um azul mais voltado pro Royal, no entanto este não possuía acabamento
metalizado, causando mais uma problemática a ser levada em conta, a interação
desses diferentes materiais para uma peça dupla face. Para a luva, foi escolhido
como material, a lã em tons de laranja, em forma de macramê; e para
ombreira/cauda, o tule e a organza cristal em tons de amarelo, laranja e azul, pelo
fato de não conseguir encontrar um tule na cor laranja semelhante aos demais.
Funcionalidade
Antes de iniciar a fase de confecção, realizei uma breve entrevista com minha
professora de Tecido Aéreo, Anaceli Vieira, para que eu pudesse entender melhor
10
Aqui não remeto apenas ao sentido de uma narrativa com início, meio e fim, mas independente do
gênero, que o figurino tenha um bom conceito estético, atingindo o seu o objetivo comunicativo e de
criação de sentido, em que muitas vezes é capaz até de surpreender o público.
59
as demandas do vestuário relacionadas à prática, já que ela tem em torno de 6
anos como aerialista praticante e professora da área. A partir da entrevista,
chegamos às seguintes questões: as áreas do tornozelo e pé deveriam sempre se
manter amostra; as regiões das costas, abdômen, costelas deveriam
obrigatoriamente ser protegidas para evitar queimaduras e se possível as axilas
também; pulsos e mãos sempre livres; roupas com maior aderência ao corpo para
evitar que partes fiquem presas no meio das figuras e ocasione lesões; de
preferência tecidos e materiais que não escorreguem além do ideal, bem como
tecidos que não impeçam totalmente o deslizar do tecido para não dificultar os
movimentos e colocar ainda mais em risco o aerialista.
O tecido, assim como as cordas circenses, costuma queimar (ferir a pele por
conta do atrito) ou causar hematomas quando entram em contato com o
corpo nas travas e outros truques. É por este motivo que o uso de roupas
apropriadas, que cubram as axilas, a região abdominal, a cintura e as pernas
(a maior superfície possível do corpo) ajuda a evitar as escoriações e os
hematomas ocasionados pelo contato brusco com o aparelho. Outro aspecto
é o uso de substâncias como o “breu”, que podem proteger contra o suor das
mãos e outras partes do corpo e, portanto, garantem a aderência desejada
ao tecido. (BORTOLETO e CALÇA, 2007, p. 85)
Movimento
60
de modo que possa ampliar a ideia de fluidez e peso leve, possibilitando, assim,
novas conexões de movimento com o corpo e, por conseguinte, com a tela.
11
Fashion Sketchbook, significa caderno de moda ou portfólio de moda, nele contém croquis, mood
board, amostras de tecidos, imagens de referências, anotações.
61
Como mencionado anteriormente, a cidade de Natal é limitada em relação a
lojas de tecidos, malhas e materiais têxteis, há poucas lojas e sem tanta variedade
de cores e acabamentos. No laranja, por exemplo, haviam pouquíssimas malhas. O
valor final acaba sendo elevado para um traje que mesmo simples em comparação
aos figurinos de Ginástica Rítmica, por exemplo, que possuem inúmeros detalhes,
quando somados os custos de materiais e a confecção, o custo torna-se alto. Foi
essencial a realização de uma campanha independente em minhas redes sociais e
em plataformas de colaboração como Catarse para levantar investimentos para todo
o projeto, pois, como estudante universitária, não seria capaz de custear tudo
sozinha. Infelizmente, só conseguimos arrecadar cerca de 49% do valor almejado,
mas que mesmo assim foi de extrema importância para a realização do traje.
No quesito da modelagem, o resultado final deixou a desejar, o decote de um
ombro único acabou ficando mais amplo do que o planejado e, em determinados
movimentos, gera um desconforto na região dos seios pelo medo da peça sair
demais do lugar, assim como a cava do collant que não ficou tão bem adaptada ao
corpo. O modo que foi realizado a confecção não foi ideal pelas complexidades do
material tão flexível e por se tratar de um collant dupla face, ainda tinha a questão
de como diferentes malhas iam interagir entre si, pois a lycra laranja era muito mais
maleável e transparente que a azul, o que gerou uma certa dificuldade no momento
de vestir a peça. Por se tratar de materiais com custo mais alto e ter um orçamento
bem limitado, não foi possível refazer todo o traje, outro ponto considerado negativo
na criação do traje.
Importante destacar que tais problemáticas não inviabilizaram o uso das
peças, mas que no quesito de conforto e acabamento, fatores que prezo bastante
em meus figurinos, o traje ficou a desejar.
Assim como o pôr do sol é uma construção de camadas de cores e
imprevisibilidade, as quais nunca se repetem da mesma forma, o traje é construído
em camadas de memórias e emoções representadas em peças, que podem ser
usadas todas juntas ou de forma independente. Você escolhe o melhor jeito de usar
e isso abre margem para inúmeras possibilidades criativas. Juntas, as memórias e
as peças potencializam-se em memórias do passado e se ancoram no breve
presente, separadas carregam consigo o que foi e o devir, novas conexões, novas
memórias. O resultado final do traje pode ser apreciado nas Imagens 31 a 35
dispostas a seguir:
62
IMAGEM 31: Resultado final do traje de cena.
Foto por: Wellington Ferreira.
63
IMAGEM 32: Resultado final do figurino no tecido aéreo.
Foto por: Wellington Ferreira.
64
IMAGEM 34: Detalhe da ombreira/cauda do traje.
Foto por: Wellington Ferreira.
IMAGEM 36: Código QR Code para acesso aos conteúdos da página 65. Fonte: Drive
<https://drive.google.com/drive/u/3/folders/1inXcni62Xi9oweH_0YafLfv1GJBOflF6>.
65
Maquiagem
12
Vena amoris (Veia do amor) é uma lenda supostamente romana que diz que a veia que está no
dedo anelar esquerdo faz uma ligação direta com o coração, por isso devemos usar a aliança de
casamento neste dedo. No entanto, vale salientar que não há nenhuma comprovação científica para
tal fato e que anatomicamente o coração localiza-se centralmente no peito e não mais próximo ao
lado esquerdo.
66
sol me levou também ao câncer da minha mãe, a reticências, remete a ideia de
prolongar algo, que não houve um fim definido, continua reverberando, como
também um legado, por este motivo ele aparece como foco da cena final do vídeo.
67
IMAGEM 37: Maquiagem em tons degradê por Alexandra French.
Foto por: Christine Hahn.
68
IMAGEM 40: Maquiagem em reticências de Euphoria por Donny Davy.
Foto por: Donny Davy.
69
IMAGEM 42: Resultado final da maquiagem vista de meio perfil.
Foto por: Wellington Ferreira.
70
3.3- Memórias tecidas na tela: processo criativo da videodança
Filmagem
71
detalhe, de modo que as imagens veiculadas na cena/ dança/performance aérea
não escapem ao espectador.
72
estacionamentos é uma característica dos primórdios das transformações iniciais
dos coreógrafos pós-modernistas. Faz-se necessário destacar a preocupação
quanto aos quesitos de segurança para o uso do tecido aéreo, assim, a praça foi
recomendada pela professora Anaceli Vieira por já ter conhecimento do estado das
árvores e também da altura das delas, pois o espaço escolhido apresentava
condições ideais para pendurar o tecido e, consequentemente, executar a
dança/performance aérea pretendida.
Encontramos alguns contratempos durante as filmagens, em destaque para a
chuva e a variação da iluminação natural na cidade de Natal-RN. As gravações
ocorreram no período de abril e junho e foram utilizadas ao todo duas diárias. Esse
período do ano caracteriza-se por intensas chuvas na cidade de Natal, o que
acarretou inúmeras remarcações de datas para execução da videodança,
considerando que a luz solar constitui-se em um elemento fundamental para captura
das imagens de boa qualidade na produção da videodança. A iluminação “faz parte
da construção dramatúrgica da obra, ela adiciona e compõe a troca de informações
com os processos comunicativos desenvolvidos na videodança” (ALMEIDA, 2019,
p.38). Por se tratar de luz natural, esta insere neste trabalho em videodança a
imprevisibilidade, consequentemente, determinadas cenas planejadas para serem
transições, devido à variação da luz tiveram que ser adaptadas no quesito ângulo e
posição espacial, já que com o passar do tempo a luz solar apresentava variações
de intensidade e em determinados ângulos formando sombras muito intensas que
em tomadas anteriores não existiam.
Edição
13
To build a home, Para construir uma casa (tradução da autora) música da banda britânica The
Cinematic Orchestra.
73
ser levado para um contexto "mais romântico", que não dialoga com o universo
deste trabalho.
A faixa foi escolhida pela afetividade, obras com ênfase em piano são as
minhas favoritas, mas esta em questão possui um crescente melódico que me
emociona profundamente e me instiga automaticamente a dançar e querer subir no
tecido. Além disso, ela foi utilizada inúmeras vezes em obras televisivas e
cinematográficas que gosto bastante, como por exemplo na série This is Us14, a qual
possui uma construção narrativa por meio de flashbacks, no contexto da série essa
está sempre relacionada à casa e às memórias da família central, entrelaçando o
passado, o presente e o futuro. Destaco abaixo algumas passagens da letra que
reforçam a escolha da música, mesmo que estas não apareçam sonoramente no
vídeo:
14
This is us, Estes somos nós/ somos nós (tradução da autora).
15
There is a house built out of stone/ Wooden floors, walls and window sills/ Tables and chairs worn
by all of the dust/ This is a place where I don't feel alone/ This is a place where I feel at home (To
build a home música da banda britânica The Cinematic Orchestra).
74
IMAGEM 44: Código QR Code para acesso a videodança Memórias Tecidas. Fonte Drive
<https://drive.google.com/drive/u/3/folders/1atNJ9-w2ANnHzNmZS8Re0jC79SiujxcD>
CONSIDERAÇÕES FINAIS
75
A presente pesquisa aponta não somente para a ampliação de acervo
bibliográfico na área de traje de cena e traje de cena para dança, mas também para
ampliação e formação de plateia para a dança, em especial para formar público
para a videodança.
Vale salientar que o uso da memória no processo criativo apresenta-se como
uma proposta enriquecedora no processo de criação de dança, bem como do traje
de cena nas artes corporais contemporâneas e de investigação, do nosso corpo, de
nós mesmos, da nossa história, do mundo à nossa volta, um campo, a meu ver, com
potencial ainda não totalmente explorado.
Reforço em relação ao âmbito do ensino, que esta constitui-se em um recurso
didático-metodológico a ser desenvolvido em trabalhos artísticos na escola, ao
possibilitar uma aproximação do aluno/interprete-criador de suas próprias memórias
e ancestralidades, consequentemente, de sua própria história de vida, afetos e
contexto social fortemente presentes nos diferentes saberes e fazeres artísticos.
A utilização de uma pergunta/estímulo em relação à memória, como um fator
norteador e provocador, torna-se fundamental no processo, vamos criar algo a partir
de determinada memória, mas de qual modo? É notório que a resposta para tal
indagação é extremamente individual. Estar diante de quem somos e o que vivemos
gera muito incômodo, por mais simples que possa ser a questão, é importante que
ao iniciar o processo, o coreógrafo/diretor/professor tenha empatia, paciência e
atenção para que ocorra da melhor forma possível.
Ademais, em relação ao traje de cena da Dança Contemporânea, percebo
que este não apresenta uma estética definida tendo características significativas
como, por exemplo, liberdade criativa, uso de diferentes materiais, trajes que
buscam o conforto e adaptabilidade, diálogos com outras áreas e expressões
artísticas, como o circo, a moda, a tecnologia, dentre outros. Tendo em vista que
qualquer movimento pode ser material para dança, qualquer coisa pode servir como
princípio disparador da criação de um figurino, nesse viés, a memória surge como
dispositivo de grande potência para o processo criativo do mesmo.
As conexões estabelecidas com o Tecido Aéreo foram ainda mais
enriquecedoras no processo criativo, possibilitou-me novos olhares para esta
prática, que tem se tornado cada vez mais latente em mim, assim como para minha
dança. No entanto, não há como negar que também apresentou-se como uma
grande desafio, criar uma figurino para a prática aérea circense, visto que é uma
76
experiência recente para mim, há muitas especificidades e tenho aprendido mais a
cada dia, a fim de num futuro criar figurinos que atendam melhor às suas
complexidades, prezando sempre pelo conforto e propondo olhares estéticos
inovadores.
Proponho também a partir dessa investigação, que as discussões apontadas
acerca do conforto e adaptabilidade dos trajes se expandam bem como em relação
às diversas possibilidades de uso destes, a fim de evitar desgastes excessivos e
uma maior durabilidade, dialogando com questões de sustentabilidade da moda e
preservação para área de pesquisa em trajes de cena.
A pesquisa propõe mais perguntas e reflexões do que respostas, estar imersa
na contemporaneidade exige uma análise crítica constante e uma grande
capacidade de adaptação às mudanças contínuas e aceleradas. Ao estar diante
deste processo o leitor foi convidado para uma experiência imersiva e ativa nessas
memórias e afetações, por meio de uma intermidialidade entre arte, dança, tecido
aéreo, traje de cena/figurino, maquiagem, iluminação, vídeo, fotografia, áudio,
escrita, desenho, plataformas como Email, Instagram e Google Drive, de modo que
essas possam ampliar seus sentidos e percepções acerca do projeto, abarcando as
diversas formas de interação com a arte, propondo uma semente, mesmo que ainda
superficial, para discussões sobre acessibilidade da arte e das novas gerações, que
cada vez mais mostram-se conectadas com as tecnologias e as multimídias.
Meu desejo é que esse trabalho continue fluindo por "outros ares" e possa
contribuir com mais projetos, sejam meus ou de outros artistas e pesquisadores que
investigam a memória como princípio disparador para sua criação, além do traje de
cena e do figurino para dança. (In)concluo esta pesquisa com o desejo pulsante de
seguir experimentando, ressignificando, transformando minha arte, minhas
memórias e de investigar novos caminhos, novos ares para as artes corporais, em
especial, a dança contemporânea aérea circense.
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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78
HUTCHEON, Linda, 1947- Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção/
Linda Hutcheon; tradução Ricardo Cruz. - Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991. 330p.
IZQUIERDO, Ivan. Questões sobre memória. 2. ed. São Leopoldo, RS: Ed.
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LEAL, Patrícia. Amargo perfume: a dança pelos sentidos. 1a ed. São Paulo:
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79
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80