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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

OCENI DA SILVA MARTINS

OS GRUPOS TEATRAIS DA UFRN E SUAS RESISTÊNCIAS

NATAL - RN
2019
2

OCENI DA SILVA MARTINS

OS GRUPOS TEATRAIS DA UFRN E SUAS RESISTÊNCIAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em
Artes Cênicas.

Orientador: Dr. Marcílio de Souza Vieira

NATAL-RN 2019
3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Martins, Oceni da Silva.


Os grupos teatrais da UFRN e suas resistências / Oceni da
Silva Martins. - 2019.
100 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-Gradução em Artes Cênicas, Natal, 2019.
Orientador: Prof. Dr. Marcílio de Souza Vieira.

1. Mapeamento. 2. Inventário. 3. Grupos teatrais. I. Vieira,


Marcílio de Souza. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 792


4

OCENI DA SILVA MARTINS

OS GRUPOS TEATRAIS DA UFRN E SUAS RESISTÊNCIAS

Aprovada em __/__/__

Dissertação apresentada ao Programa de


PósGraduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestra em Artes
Cênicas.

______________________________________________________
Dr. Marcílio de Souza Vieira (Orientador)
PPGArC -Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________________
Drª. Marineide Furtado Campos (Examinador Externo)
PROFARTES - Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________________
Drª. Ana Caldas Lewinsohn (Examinador Interno)
PPGArC - Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
5

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os artistas do Teatro, especialmente da UFRN, aos que
sobrevivem e resistem ao viver de Arte neste País. À minha família:
Meus pais, Maria da Conceição e Oceone Menezes, que sempre me apoiaram e me
incentivaram nessa jornada que é viver através da Arte;
Ao Meu filho, Miguel Oceone Martins Maia, que é minha força motivadora de todos
os dias, minha maior inspiração;
Ao meu esposo, Claudio Maia, pelo apoio diário;
À minha vó, Francisca, mais conhecida como Dona Cotinha, que no auge de seus
96 anos, está lutando diariamente para viver e sendo minha segunda fonte de
inspiração, minha rainha.
Ao meu Avô, Afonso pegado (in memoriam), que já se foi, mas que muito me
ensinou na minha infância e foi meu amigo, antes de ser avô.
Ao meu irmão, Afonso Martins, pelos diálogos de sempre, por me ouvir e incentivar
neste trabalho, assim como na vida

Minha Gratidão!
6

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me permitir viver e desenvolver este trabalho, pela energia positiva
emanada através do universo;
Aos artistas da UFRN, ‘’fazedores’’ de Teatro;
Aos meus pais, Maria da Conceição e Oceone Martins Maia, que sempre acreditaram
na minha força de vontade, me ensinaram a buscar e fazer o que me fizesse feliz de
verdade;
À Marineide Furtado, professora da UFRN-DEART, por ter acreditado em mim, me
acolhido. Pelos encontros, diálogos e pela ajuda na construção dessa dissertação,
minha eterna Gratidão!
Ao meu esposo, pelo apoio e força;
Ao meu filho que me ensina a ser melhor a cada dia, minha inspiração;
Minha Vó, cotinha, que é um dos maiores exemplos de superação para minha vida; A
minha tia Mary, que cuidou diversas vezes de mim, quando minha mãe precisou
trabalhar, que me ensinou também a lutar para vencer na vida;
Ao meu irmão Afonso, que sempre me ouve, e é exemplo de paciência e sabedoria
para mim;
A Alline, minha amiga e cunhada, pelo apoio e ajuda na concretização desta
dissertação;
Ao meu Orientador, Marcilio Vieira, pelos nossos encontros, pela parceria, pela
confiança e por não ter desistido de mim, minha Gratidão;
A Rejane Lima, minha sogra, por ser minha ajuda na hora que preciso;
A UFRN, por me possibilitar tantos encontros, tantos aprendizados;
A PROEX, por me receber quando precisei para o desenvolvimento desta pesquisa,
no intuito de compreender a existência de grupos antigos da UFRN; Aos
professores e professoras que passaram pela minha formação, durante o
Mestrado, no PPGArC, pelo compartilhar, pelo incentivo a minha pesquisa; A
todos os professores/coordenadores dos respectivos grupos de Teatro
mencionados nesta pesquisa, por serem base, força e apoio para os alunos que
compõem seus projetos, especialmente, os grupos de teatro da UFRN;
A todos os grupos de Teatro trabalhados e citados nesta pesquisa, por permitirem que
eu os relatasse, por serem história viva para nossa Arte brasileira;
7

A cada componente dos grupos com os quais dialoguei para fundamentação


desta dissertação, a cada troca, compartilhar e vivência;
A Heloisa Sousa, cenógrafa e artista da Sociedade T, Grupo de Teatro do RN, que
sentou comigo e juntas conversamos sobre o Teatro no RN, compartilhamos
curiosidades e processos criativos de outros grupos também;
A Felipe Fagundes, artista da Sociedade T, pelas ideias trocadas sobre os grupos de
teatro antigos da UFRN, e suas linhas de pesquisa;
A minha amiga e irmã de coração Milena Lenore, pelas risadas, pelas palavras de
apoio e motivação, pela amizade, por nossa trajetória de aprendizados dentro da
UFRN, por nossas cenas épicas sobre a sociedade;
A Makarios Maia, por me ouvir quando precisei e por conversarmos sobre Arte. Pelo
apoio e ajuda.
A Lenilton Teixeira, diretor teatral, que durante semanas, estivemos dialogando sobre
os processos de criação de alguns grupos, especialmente, o Grupo
Estandarte (RN). Sempre me ouviu e atendeu;
À Flavia Maia, pela generosidade em compartilhar de sua experiência com o Grupo
GABOTUN, por responder meus questionamentos sobre este Grupo e pela
confiança;
À Ana Celina, que me acolheu também nas minhas curiosidades sobre o
GABOTUN, pela grande ajuda;
A Hélio Junior, pela grandiosa contribuição na minha incessante investigação sobre o
GABOTUN;
À Ana Caldas, professora da UFRN-DEART, pelo olhar sensível sobre esta pesquisa
e pelas suas considerações;
À Melissa, professora da UFRN-DEART, pelas contribuições iniciais a esta escrita; À
minha turma de mestrado pelos aprendizados e experiências durante nossa
formação e pelo apoio que demos uns aos outros;
Aos autores que compõem minha escrita dissertativa, e que através destes, pude
desenvolver tantos questionamentos e pensamentos fundamentados,
enriquecendo este trabalho. Minha Gratidão!
8

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 Cia GABOTUN. Apresentação na escola Jean Mermoz. 31


Imagem 2 Cia GABOTUN. Apresentação na escola Jean Mermoz 32

Imagem 3 Cia GABOTUN. Atrizes do GABOTUN Flávia Maia e Janine, no Centro da 33


Cidade

Imagem 4 Cia GABOTUN. Flavia Maia, Anna Celina, Janine e Genildo Mateus 34
Imagem 5 Grupo Cores 37
Imagem 6 As Cores de Frida 37
Imagem 7 As Cores de Frida 38
Imagem 8 “O som que se faz debaixo d’água’’ (2016-2017). 40
Imagem 9 Professor Makarios com um brincante de Boi de Reis. 42
Imagem 10 Arkhétypos Grupo de Teatro/Espetáculo: Santa Cruz do não sei 44
Imagem 11 Arkhétypos Grupo de Teatro/Espetáculo: Santa Cruz do não sei 44
Imagem 12 Apresentação do espetáculo Tombo da Rainha, do coletivo Pele de 47
Fulô.
Imagem 13 Atriz Lurian no Figurino criado durante o processo de Tombo da 48
Rainha.
Imagem 14 Croqui do Figurino criado por João Marcelino 49
Imagem 15 Apresentação do espetáculo Tombo da Rainha, do coletivo Pele de 50
Fulô
Imagem 16 Cruor em manifestação artística na praia de Ponta Negra como 51
referência ao Dia do Índio, em 19 de abril de 2015
Imagem 17 Cruor em Instalação artística Peitos. Escola de Saúde, Santa Cruz, 51
RN.
Imagem 18 Cartaz da Instauração Cênica e Residência Artística no Hospital 54
João Machado, Natal, RN.
9

Imagem 19 Grupo de Teatro Eureka. Espetáculo: Debaixo da Pele, realizado 56


no TECESOL (Território de Educação, Cultura e Economia
Solidária), Natal, RN
Imagem 20 Grupo de Teatro Eureka. Espetáculo: Debaixo da Pele, realizado no 56
TECESOL (Território de Educação, Cultura e Economia Solidária),
Natal, RN
Imagem 21 Seleção de atores e cartaz da oficina 57

Imagem 22 Seleção de atores e cartaz da oficina 57

Imagem 23 Você Decide e Escritório 58


Imagem 24 Você Decide e Escritório 58
10

LISTA DE SIGLAS

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte


GPT Grupo Popular de Teatro
GABOTUN Grupo Augusto Boal de Teatro Universitário
DAS Departamento de Assistência ao Servidor
PROGESP Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas
PPP Projeto Político Pedagógico
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
UNESP Universidade Estadual Paulista
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
NETPOP Núcleo de Estudos em Teatro Popular
GEPPAC Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Processos Criativos em Artes
Cênicas
UNB Universidade da Bahia
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
ÁQIS Núcleo de estudos sobre processos de criação artística
TBC Teatro Brasileiro de Comédia
TU Teatro Universitário
TEB Teatro do Estudante do Brasil
UEE União Estadual dos Estudantes
GUT Grupo Universitário de Teatro
TUSP Teatro da Universidade de São Paulo
TEUFSC Teatro da Universidade Federal de Santa Catarina
CTO Centro de Teatro do Oprimido
ANDES Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
DF Distrito Federal
TO Teatro do Oprimido

ECA/USP Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo


UFBA Universidade Federal da Bahia
11

NAC Núcleo de Apoio a Cultura


DEART Departamento de Artes
CDTAM Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão
CADON Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos Santos Neves
PROEX Pró Reitoria de Extensão
HJM Hospital João Machado
SIGAA Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas
CONSEPE Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão
12

RESUMO

Esta pesquisa mapeia os grupos teatrais da Universidade Federal do Rio Grande do


Norte (UFRN), Campus central de Natal-RN, entre os anos de 1993 até o primeiro
semestre de 2018, na tentativa de compreender estéticas, suas organizações e formas
de trabalho; além da necessidade de refletir a existência dos mesmos na perspectiva
da resistência. A intenção desse mapeamento é, de certa maneira, inventariar os
grupos teatrais em atividade, bem como aqueles que não mais existem, para,
inclusive, entender como essa formação de grupo contribuiu para a organização
teatral na UFRN, em especial, aqueles criados no interior do Departamento de Artes
dessa Universidade. Além do inventário, faz-se necessário o diálogo com integrantes
desses grupos, refletindo as formações desenvolvidas dentro dos seus processos de
criação. Os grupos teatrais mapeados foram: Arkhétypos, Cores, Eureka, Grupo
Popular de Teatro (GPT), Pele de Fulô, Cruor Arte Contemporânea e a Cia GABOTUN,
dentre os quais, estão inativos a Cia GABOTUN, o Grupo Eureka e o Cruor Arte
Contemporânea. Desse mapeamento surgiu a seguinte questão: Qual a importância
de um aluno em formação participar de um grupo de teatro na universidade? Ressalte-
se que essa dissertação assentase na pesquisa qualitativa de cunho descritivo,
tomando por base as ideias de Marconi & Lakatos (2003), e tem como viés a análise
de conteúdo, considerando a abordagem de Bardin (1977). A investigação se
configura na observação da análise e registro dos fenômenos que envolvem os grupos
teatrais, ressaltando a importância de um olhar externo como pesquisadora sem a
introdução de conteúdos pré-estabelecidos. Fundamenta-se teoricamente através de
autores como Almeida (2007), Antônio Araújo (2008), Bezerra (2002), Boal (1975),
Carreira (2006), Corradini (2010), Martins (2018), Vieira (2016) dentre outros que
tratam da temática desenvolvida.

Palavras-chave: Mapeamento. Inventário. Grupos Teatrais. Projetos de Extensão.


13

ABSTRACT

This research maps the theatrical groups of the Federal University of Rio Grande do
Norte (UFRN), central Campus of Natal-RN, from 1993 to the first half of 2018, in an
attempt to understand aesthetics, their organizations and ways of working; besides the
need to reflect their existence in the perspective of resistance. The intention of this
mapping is, in a certain way, to inventory the theatrical groups in activity, as well as
those that no longer exist, to even understand how this group formation contributed to
the theatrical organization in UFRN, especially those created in the interior of the
Department of Arts of this University. In addition to the inventory, it is necessary to
dialogue with members of these groups, reflecting the formations developed within
their creation processes. The theatrical groups mapped were Arkhétypos, Cores,
Eureka, Popular Theater Group (GPT), Pele de Fulô, Cruor Arte Contemporânea and
Cia GABOTUN, among which Cia GABOTUN, Grupo Eureka and Cruor Arte
Contemporânea. From this mapping came the following question: How important is a
student in training participating in a theater group at the university? It should be
stressed that this dissertation is based on descriptive qualitative research, based on
the ideas of Marconi & Lakatos (2003), and has as its bias the content analysis,
considering the approach of Bardin (1977). The investigation is based on the
observation of the analysis and recording of the phenomena involving theater groups,
emphasizing the importance of an external look as a researcher without the
introduction of pre-established contents. It is theoretically based on authors such as
Almeida (2007), Antônio Araújo (2008), Bezerra (2002), Boal (1975), Carreira (2006),
Corradini (2010), Martins (2018), Vieira (2016) among others which deal with the
theme developed.

Keywords: Mapping. Inventory. Theater Groups. Extension Projects.


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DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
LISTA DE IMAGENS
LISTA DE SIGLAS
APÊNDICES

SUMÁRIO INTRODUÇÃO
1 EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS NA INTERAÇÃO ENTRE ABOLSISTA DE
EXTENSÃO E SERVIDORES DA UFRN 17
1.1 UM RELATO DA MINHA EXPERIÊNCIA COMO BOLSISTA DE EXTENSÃO 17
1.2 BREVE HISTÓRICO DO CURSO DE TEATRO DA UFRN 18
1.3 ESTADO DA ARTE 20
1.4 TRAMA METODOLÓGICA 25
2 MAPEAMENTO DOS GRUPOS DE TEATRO DA UNIVERSIDADEFEDERAL DO
RIO GRANDE DO NORTE – UFRN 26
2.1 GABOTUN 30
2.2 GRUPO CORES 36
2.3 GRUPO POPULAR DE TEATRO (GPT) 41
2.4 ARKHÉTYPOS GRUPO DE TEATRO 43
2.5 PELE DE FULÔ 45
2.6 CRUOR ARTE CONTEMPORÂNEA 50
2.7 GRUPO EUREKA 55
3 O LUGAR DE FALA NA FORMAÇÃO DOESTUDANTE/INTEGRANTE DOS
GRUPOS TEATRAIS ENQUANTO PROJETOS DE EXTENSÃO DO
DEPARTAMENTO DE ARTES DA UFRN 59
3.1 DOS RELATOS ÀS EXPRESSÕES RECORRENTES DA PESQUISA 69
CONSIDERAÇÕES FINAIS 72
REFERÊNCIAS 75
15

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa apresenta o mapeamento dos grupos teatrais criados no


Departamento de Artes da UFRN1 e que estão cadastrados na Pró-Reitoria de
Extensão dessa universidade, a saber: Grupo Cores, Grupo Popular de Teatro (GPT),
Eureka, Arkhétypos, Pele de Fulô, Cruor Arte Contemporânea, Cia Teatral GABOTUN,
os quais datam do ano de 1993 até o primeiro semestre de 2018.
O interesse por investigar tal temática partiu inicialmente de uma reflexão
pessoal, quando ainda era aluna de graduação do Curso de Licenciatura em Teatro
da UFRN, onde fui estagiária como bolsista num Projeto de Extensão do
Departamento de Assistência ao Servidor (DAS) – parte integrante da Pró-Reitoria de
Gestão de Pessoas (PROGESP) da citada Universidade.
Discutir essa formação de grupo na Universidade reflete também a importância
da UFRN na formação do pensamento e criação dos coletivos em teatro. Por isso, é
preciso salientar que os grupos nominados dizem respeito àqueles que têm algum
registro escrito, quer na Pró-Reitoria de Extensão, quer em monografias ou
dissertações que tratem do assunto, surgindo assim a nossa questão de pesquisa,
que diz respeito em saber: Qual a importância de um aluno em formação participar de
um grupo de teatro na universidade?
Dessa forma, trazemos como respaldo teórico à pesquisa, autores como
Viviane de Almeida (2007), Antônio Araújo (2008), Djackson Bezerra (2002), Augusto
Boal (1975), André Carreira (2006), Sandra Corradini (2010), Carla Martins (2018),
Marcílio Vieira (2016) dentre outros que tratam da temática dos grupos teatrais.
A metodologia aqui desenvolvida se baseou na dinâmica de uma pesquisa
qualitativa, num método descritivo, a partir das observações de Marconi & Lakatos
(2003) e a análise de conteúdo de Bardin (1977), visando obter a descrição do objeto

1 Vale ressaltar que existem no Estado do Rio Grande do Norte outros grupos atuantes que foram
criados dentro da UFRN ou que tiveram sua formação externa a esta instituição de ensino a partir de
artistas-estudantes com destaque no RN, quais sejam: o Grupo Sociedade T, o Clows de
Skakespeare, o Grupo Avante (migrado do Eureka), criado por alunos da UFRN. O Grupo Estandarte
também é gerido por ex-estudantes da UFRN e professores; Atores à Deriva; Facetas, já o grupo
Mutretas e outras Histórias é formados por músicos e um estudante em Artes Cênicas, com os quais
dialoguei de alguma forma no decorrer do ano de 2017.
16

estudado, de forma a permitir a inferência de conhecimentos relativos às condições


de produção/recepção dos dados coletados (Bardin, 1977, p. 47).
Para entender a dinâmica desse trabalho dissertativo, o estudo se encontra
organizado em 3 capítulos, além da Introdução e as considerações finais: O primeiro
capítulo denominado de “A Experiência vivida” está organizado em sub tópicos, a
saber: o primeiro traz um relato da minha experiência como bolsista de extensão na
UFRN; o segundo apresenta um breve histórico do Curso de Teatro da UFRN; no
terceiro, se encontra o estado da arte utilizado na pesquisa; para no quarto sub tópico
traçar a nossa trama metodológica; que é seguida do mapeamento dos grupos de
teatro da UFRN, denominação dada ao segundo capítulo da dissertação. O terceiro
capítulo diz respeito ao lugar de fala na formação do estudante que integra os grupos
teatrais enquanto projetos de extensão do Departamento de Artes da UFRN, para em
seguida, tecermos as considerações finais com relação as abordagens desenvolvidas
ao longo do texto.
17

1 EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS NA INTERAÇÃO ENTRE A BOLSISTA


DE EXTENSÃO E SERVIDORES DA UFRN

1.1 UM RELATO DA MINHA EXPERIÊNCIA COMO BOLSISTA DE EXTENSÃO

Como bolsista do Projeto de Extensão do Departamento de Assistência ao


Servidor - DAS, percebi que o coletivo trabalhado não tinha noção quanto à formação
de grupo para um trabalho teatral. De certa forma, isso era compreensível, uma vez
que o grupo tinha sido composto por servidores sem experiência na área de teatro, o
que me impulsionou a pensar, refletir e questionar essas vivencias teatrais e os
processos criativos para um trabalho cênico.
Todavia, nossa oficina se desenvolvia numa perspectiva de processo criativo
dentro da área de teatro com a finalidade de trabalhar com servidores e bolsista a
teoria e a prática, possibilitando-lhes experienciar contextos como interação, foco,
percepção, elementos característicos dos jogos teatrais2.
Dessa forma, utilizei como metodologia para as oficinas O fichário de Viola
Spolin3, servindo de fonte de pesquisa para os exercícios práticos. Com a aplicação
desses jogos teatrais, criamos cenas curtas, para que fossem apresentadas,
individualmente ou em grupo. A oficina contava com cerca de 10 a 15 participantes,
entre bolsistas da UFRN e servidores próximos à aposentadoria; com idades bem
diferenciadas e contextos diversos.
Somado a isso, também participei de um grupo de teatro da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), durante a minha Graduação no curso de
Licenciatura em Teatro, quando fui atriz na disciplina de Encenação III, no ano de
2013, dirigida por Luana Camila, a qual era aluna do mesmo curso e componente
curricular.
O grupo acima referido chamava-se Damas4, que entre seus trabalhos mais
significativos destacou-se uma adaptação da peça de Henrik Ibsen, Casa de

2 Uma coletânea de atividades que trabalham com o corpo e a voz.


3 O método para ensino do teatro sistematizado pela norte americana Viola Spolin (2008), traduzido
para diversos idiomas desde 1973, logra ensinar passo a passo o artesanato e a criatividade do jogo
teatral, não deixando de reconhecer e enfatizar a função educacional dos jogos tradicionais. O método
é mediado pelas três essências do jogo teatral: foco, instrução e avaliação.
4 O grupo foi criado inicialmente para a disciplina, porém pensávamos em continuar nosso trabalho

enquanto coletivo, foi quando surgiu um festival para apresentações de trabalhos cênicos no Rio de
18

Bonecas5, o que me possibilitou mais experiência e um olhar diferenciado à prática


teatral, enquanto grupo e seus processos de criação.
No ano de 2015, na disciplina de Teatro de Formas Animadas6, ministrada pelo
Professor José Sávio Oliveira de Araújo, participei do espetáculo teatral desenvolvido
e criado por nós (alunos) intitulado A viagem de Nathya. Para isso, eu e os meus
colegas de turma, trazíamos, na peça, fragmentos da cultura indiana, através dos
elementos oníricos e personagens característicos, como Ganesha. O trabalho
apresentava uma poética que interagia com o público, ao mesmo tempo em que
levava um pouco dessa cultura indiana, como falada anteriormente.
A participação em trabalhos de disciplinas do curso de Licenciatura em Teatro
dessa universidade, assim como, a mediação como facilitadora do fazer teatral em um
projeto de extensão da UFRN, me fez refletir como se constituíram os grupos teatrais
estudados na pesquisa, da qual, venho apresentar aqui os seus resultados.

1.2 BREVE HISTÓRICO DO CURSO DE TEATRO DA UFRN

O Curso de Licenciatura em Teatro foi criado no ano de 2005, sendo estruturado


com o viés de atender a demanda cultural da cidade de Natal-RN, bem como fortalecer
o ensino e a formação artística de seus discentes. Dessa forma, foram ofertadas
atividades educacionais e de conhecimento científico-cultural, que antes eram
oferecidas pelo antigo Curso de Teatro, denominado Licenciatura em Educação
Artística, com habilitação em Artes Cênicas.
A estrutura curricular atual do Curso em Licenciatura em Teatro, aprovada em
2005, que entra em vigor em 2007, considerando a importância do Projeto Político

Janeiro (RJ) e nos inscrevemos (2013) e fomos um dos grupos aprovados para apresentar o processo
de criação da peça “casa de bonecas” do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen; no entanto, não
chegamos a participar do evento por falta de apoio financeiro. Posteriormente, eu precisei sair do
grupo, no entanto o mesmo deu continuidade, entraram novos integrantes e foram se aperfeiçoando
em torno da peça. Ele permaneceu por mais um ano e algumas pessoas tiveram de deixá-lo tornando-
se um grupo inativo. Apesar de pouco tempo de existência do grupo, há registros como diários de
bordos dos integrantes e vídeos do nosso processo de criação na internet e o mais importante foi a
experiência dentro do grupo teatral.
5 Casa de bonecas é uma peça teatral do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen de 1879. Começou a ser
escrita em 1878 e foi concluída em 1879, sendo representada pela primeira vez no “det kongelige
teater”, em Copenhage.
6 A disciplina tinha como ministrante o professor dr. José Sávio de Araújo e como bolsista de Iniciação
à Docência do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênica Joana Lopes que tinha sua pesquisa
voltada ao contexto de teatro de bonecos (fantoches) e no qual utilizamos também no trabalho cênico.
19

Pedagógico – PPP5 e sua demanda em formar profissionais capacitados para o ensino


em Teatro, busca sanar lacunas referentes à falta de determinadas disciplinas,
havendo, hoje, linguagens artísticas específicas, ofertadas dentro de cada área do
conhecimento e suas necessidades, como Teatro, Dança, Música, Artes Visuais.
Quando foi aprovado, o Curso de Licenciatura em Teatro passou a receber
anualmente, através do Concurso Vestibular, 25 discentes para o turno matutino, com
duração média de nove semestres letivos. Após a aderência ao Programa REUNI 6, o
número de ingressantes aumentou para 40 discentes, fato este que sobrecarregou as
ofertas e realizações dos Componentes Curriculares práticos.
Convém mencionar, segundo o PPP do Curso de Licenciatura em Teatro da
UFRN, que ele tem um caráter prático-teórico e se propõe a preparar o discente para
atuar na área do ensino do teatro na Educação Básica e em outras ações de
educação: formal e não formal. Vale salientar que, como se trabalha numa perspectiva
dialética, no referido curso, em que o discente deverá vivenciar a aprendizagem para
poder desenvolver processos de ensino, o “fazer” e o “ensinar” são ações que se
complementam ao longo da jornada acadêmica.
Nos espaços designados às atividades do curso, os discentes precisam se
movimentar, saltar, correr, e se concentrar para a realização dos exercícios que
envolvem o corpo numa concepção holística e integral. Neles são realizados
diariamente experimentos cênicos que pressupõem ocupação da sala, a disposição
corporal e necessitam de um mínimo de espaço para realização de ações teatrais.
Por se tratar de uma Licenciatura, onde deve se formar artistas-docentes, o
“saber fazer”, o “saber vivenciar” e o “saber transmitir” um conhecimento técnico,
artístico, ético e cultural, estimula a construção (prático-reflexiva) de formas de
expressão, de linguagens, de corporeidades e de propostas estéticas em direção à
dimensão do Teatro como arte, tecnologia, pensamento e ação para a construção do
conhecimento.
Neste sentido, o aluno deverá dominar os conceitos e procedimentos do fazer
teatral, a fim de ser sensibilizados a utilizar esses conhecimentos na prática artístico-
pedagógica e na atuação da Educação Básica, seja no Rio Grande do Norte ou em
outros estados do Brasil.

5Artes_Teatro_pdf. Download do sigaa.


6O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI) é um programa instituído pelo Governo Federal do Brasil.
20

Logo, a formação em Teatro7 é compreendida, no PPP, para o atendimento


ao perfil desejado do formando, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de Teatro, que aconselham que sejam capazes de promover uma ―sólida
formação ética, teórica, artística, técnica e cultural, capacitando discentes, tanto para
uma atuação qualificada nos processos de educação (formais e não-formais), quanto
à investigação de novas técnicas, metodologias de trabalho, linguagens e propostas
estéticas em Teatro.
Assim, como parte integrante do perfil proposto, o aluno deverá ser capaz de
buscar uma contínua atualização profissional, podendo fazer, inclusive, conexão de
sua graduação com estudos de pós-graduação e pesquisa, para que, possa acrescer
novas práticas à constituição de repertórios e saberes dessa área do conhecimento,
e ainda, renovar a produção de pesquisa, crítica e espetáculos teatrais, bem como
contribuir para a formação de plateias, para a difusão de novas ideias no Ensino de
Teatro em nosso Estado e no país.
Anseia-se, portanto, que esse perfil de egresso esteja imbuído do respeito às
matrizes socioculturais do sujeito, à sua realidade de origem, às diversidades étnico-
raciais, de gênero, religiosa, das gerações, da sociedade e da cultura; dedicando-se
à arte com ética e responsabilidade social.

1.3 ESTADO DA ARTE

A pesquisa dissertativa em voga encontra ressonâncias em trabalhos


acadêmicos defendidos em Programas de Pós-Graduação brasileiros, assim como em
grupos de pesquisa que tematizam o objeto de estudo dessa escrita, a saber,
dissertações como “Reflexões sobre a Noção de Teatro de Grupo”, de Valéria Maria
Oliveira, defendida em 2005, no Programa de Pós-Graduação em Teatro da
Universidade do Estado de Santa Catarina; “O Teatro de Grupo e a Relação com
Encenadores Convidados na Formação, Profissionalização e Manutenção do Grupo
de Teatro Clowns de Shakespeare’’, da autoria de Diogo Spinelli, defendida no
Programa de Pós-Graduação em Artes da UNESP-Universidade Estadual Paulista em
2016.

7 http://www.graduacao.ufrn.br/teatro
21

Ainda nos Grupos de Pesquisa cadastrados no Diretório de Grupos de


Pesquisa do CNPq como o Núcleo de Pesquisa em Teatro de Rua da UNISO, com a
linha de pesquisa Teatro de Rua & Teatro de Grupo; o Núcleo de Estudos em Teatro
Popular (NETPOP) da UFBA, com a linha de pesquisa Teatro de Rua & Teatro de
Grupo; Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Processos Criativos em Artes Cênicas
(GEPPAC), da Universidade Federal de Pelotas com a linha de pesquisa Teatro de
grupo e experimentação poética; Crítica aos espetáculos de rua: critérios, reflexão e
produção de críticas, sediado na UNESP, com a linha de pesquisa Teatro de grupo
paulistano. Da UNB tem-se a “Criação em Coletivo para a Cena”, com as linhas de
pesquisa Modos de produção e criação em coletivo e A Coletiva Teatro e na UDESC
o ÁQIS - Núcleo de estudos sobre processos de criação artística, com a linha de
pesquisa Teatro, Sociedade e Criação Cênica.
Além das dissertações e grupos de pesquisas, têm-se artigos que dialogam
com a temática, encontrados em bases de dados como Scielo e Google Acadêmico,
a exemplo dos textos “Teatro de Grupo: Reconstruindo o Teatro’’ (CARREIRA, 2018);
“A Construção do Projeto Artístico Pedagógico do Teatro de Grupo’’ (RODRIGUES,
2018); “Teatro de Grupo e a Noção de Coletivo Criativo’’ (CARRERA,
2010); “Fazer Teatro é Pensar o Teatro’’ (CARREIRA, 2010).
A denominação grupo de teatro, de acordo com Carreira (2006), vem
ganhando cada vez mais reconhecimento e necessidade de debates acerca do tema.
Somando-se a isso, o nome está associado a agrupações que buscam independência
não assumindo algo definitivo, como uma ruptura, mas sim favorecendo um cenário
local e nacional de necessidades de criação e expansão de atividades no âmbito
cultural e o processo colaborativo no teatro.
Barone (2007) destaca que, no Brasil, a prática colaborativa disseminou-se a
partir da década de 1990 com grupos voltados à pesquisa. O teatro de Grupo se
fortalece no país a partir das décadas de 1960 e 1970, com a ruptura da importação
de modelos estrangeiros, até então praticados pelo Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC).
Logo, são perceptíveis as práticas em seu viés coletivo do teatro de grupo,
uma vez que é uma arte em bando, em grupo e o processo que permeia esse fazer
artístico leva seus integrantes a desenvolverem métodos com o intuito de transformar
e potencializar esse processo criativo em coletividade.
Francisco André Sousa Lima (2014) destaca que:
22

No campo das artes cênicas, o termo processo colaborativo tem repercutido


com frequência como objeto de pesquisa nos programas de pós-graduação
de todo Brasil. sua popularização deu-se principalmente pelas contribuições
de Antônio Araújo (2002) ao destrinchar o processo de criação do espetáculo
“Paraíso Perdido” do Grupo Teatro da Vertigem (São Paulo-SP). (Lima, 2014,
p. 102).

Ainda sobre o trabalho colaborativo, seu propósito, em se tratando de Brasil,


é de permitir a participação e colaboração de todos os integrantes do grupo, sendo
estes coautores e empreendedores, a colaboração torna-se o princípio necessário
dentro da constituição grupal. Nesse contexto, o fator colaborativo tem-se feito
presente cada vez mais, como elemento mediador entre os integrantes dos grupos.
Nesse sentido, Araújo (2002), entende por colaboração:

os procedimentos que envolvem ações diretas entre o ator, o diretor, o


dramaturgo e os demais artistas envolvidos no grupo. Essa atitude promove
um enfraquecimento no modelo hierárquico da organização teatral e
estabelece uma forma de ação comum na qual todos os integrantes partilham
e compartilham de um plano comum, embasado na ideia de que todos têm o
direito e dever de contribuir com os princípios do grupo, fortalecendo as
práticas de criação, bem como todo o regime interno do mesmo (ARAÚJO,
2002, p. 127).

Há de se citar que ocorre um rompimento de privilégios a categorias


delegadas para determinados integrantes do grupo, como diretor, dramaturgo, ou um
líder da companhia, desestruturando o modelo antigo tradicional de teatro. Tal
pensamento é ratificado na escrita do diretor e encenador Araújo (apud Fischer, 2003),
quando aponta que:

[...] no caso do processo colaborativo, a ideia é que se tenha alguém que


responda por aquela área. Tem alguém que responde pela dramaturgia,
alguém que responde pela direção, pela luz, pelo figurino. Só que essa
criação vai sofrer contaminações, interferências, sugestões, propostas de
todo mundo. (ARAÚJO apud FISCHER, 2003, p. 40).

Em alguns grupos, percebe-se a especificidade da função de cada integrante,


ou seja: o diretor é responsável pela organização e direção do espetáculo, o
dramaturgo pela escrita textual, o ator pela ação e desenvolvimento de seus
personagens, assim por diante. Porém, os parâmetros, que delimitam esses campos,
tornam-se menos rígidos e o concretismo de cada função, visto na realidade, só se
torna possível na esfera da contribuição em conjunto.
23

Assim, no trabalho colaborativo, o regimento que se propõe internamente é de


estabelecer uma comunicação em que a divisão do trabalho delegue
responsabilidades específicas a coordenadores de cada configuração da criação
cênica. Esse artista, que é responsável, por sua parte, cria uma espécie de síntese de
propostas advindas pelo conjunto, dessa forma, estrutura de modo inteligente a
concepção geral do espetáculo.
Ainda sobre o processo colaborativo, Araújo (apud Fischer, 2003, p. 40)
comenta que:

Como grupo, identificamos, nossa prática como processo colaborativo. Nele,


cada ator é simultaneamente autor e performer. Há também a liberdade de
participar em outras áreas de criação, como dramaturgia, figurino, som,
iluminação, cenografia, assim como no material já criado anteriormente por
um companheiro em sala de ensaio, somando soluções em infinitas
possibilidades. O processo colaborativo é a expressão do diálogo artístico,
num jogo de complementaridade. (ARAÚJO apud FISCHER, 2003, p. 40).

Atualmente, percebe-se que o processo colaborativo se aproxima das ações


propositivas de companhias teatrais que compuseram a década de 1970; isso se dá
pelos grandes movimentos de teatro de grupo que foram influenciados por períodos e
décadas anteriores, permeando ao que se conhece como um desdobramento da ação
coletiva. Contudo, Araújo citado por Fischer (2003, p. 40), ao sintetizar processo
colaborativo, mais uma vez defende que ele:

É o compartilhamento da criação pelo dramaturgo, diretor, ator, os outros


criadores, sem uma hierarquia nessa criação. O diretor não é mais importante
que o dramaturgo, o dramaturgo não é mais importante que o ator e assim
por diante. Tem uma autoria que é compartilhada sem - e isso distingue esse
tipo de processo de criação coletiva - aquele desejo de apagamento das
funções ou de uma polivalência das funções. (ARAÚJO apud FISCHER,
2003, p. 40).

Dentro desse viés colaborativo, Picon-Vallin apud Fernandes (2014) afirma


que a questão ideológica e econômica foi dominante para que as companhias se
organizassem, enquanto grupo e buscasse o trabalho colaborativo, no tocante as
companhias contemporâneas europeias. Contudo, com o passar do tempo, o processo
colaborativo surge mais por uma questão metodológica do que ideológica, pois se
encaixa na proposta de mercado americano e europeu ocidental.
Como afirma Ferreira (2001), ainda sobre as décadas de 1960 e 1970,
percebeu-se, no Brasil, grupos que repensavam sua própria existência, no sentido de
um olhar para eles mesmos. Ao longo da história do teatro, é visível diversas formas
24

utilizadas para designar um teatro de grupo, tendo como destaque o Living Theatre,
Bread and Puppet, nos Estados Unidos, e especialmente, no Brasil, o teatro Oficina e
o de Arena eram conhecidos e citados, no período da ditadura militar.
Logo, na criação coletiva, busca-se a diluição das funções exercidas pelos
artistas, pelos seus papéis. No processo colaborativo, por sua vez, essas funções
passam a ser firmadas dentro dele. No entanto, é preciso destacar que não se
pretende defender um tipo de metodologia de processo criativo ou outro,
desmerecendo a criação coletiva, como aponta Araújo (2002, p.128), quando diz que
“[...] Obras importantes foram criadas dentro desse modelo e é legítimo que cada
artista busque a maneira de trabalhar com a qual mais se identifique’’. O intuito é
mostrar o olhar a partir de uma análise que tem se configurado na cena teatral
contemporânea sobre os novos meios de processos de construção no teatro e como
esses procedimentos podem interferir na coletividade de um grupo, e no resultado da
produção.
Para referendar o exposto, trazemos uma fala de Araújo (2002), quando
externa seu processo colaborativo dentro do Teatro da Vertigem:

Pretendíamos garantir e estimular a participação de cada uma das pessoas


do grupo, não apenas na criação material da obra, mas igualmente na
reflexão crítica sobre as escolhas estéticas e os posicionamentos ideológicos.
Não bastava, portanto, sermos apenas artistas-executores ou artistas-
propositores de material cênico bruto. Deveríamos assumir também o papel
de artistas-pensadores, tanto dos caminhos metodológicos quanto do sentido
geral do espetáculo. (ARAÚJO, 2002, p. 128).

Considerando a atuação do diretor e do dramaturgo, cujos papéis necessitam


transitar no fragmento da obra e na obra como um todo, o papel do ator nessa
transitoriedade da colaboração na obra e seu fazer artístico não pode ser diferente. O
mesmo vale para o figurinista, iluminador, etc. Todos, de forma direta ou indireta
compõem o trabalho cênico (conjuntamente), ou seja, permanecer em um estado de
busca individual de suas funções parece ser limitador.
Conforme o mesmo autor, ressalta-se que:

[...] em outras palavras, um ator não cria apenas um personagem, um


iluminador não cria somente o seu projeto de luz, um sonoplasta não cria
unicamente a trilha do espetáculo, mas todos, individual e conjuntamente,
criam a obra cênica total que será levada a público. (ARAÚJO, 2002, p.129).

A dramaturgia envolvida se beneficia desse mesmo pensamento, pela


importância de produzir textos menos fixados, como se, o que se escreve fosse
25

precisamente dar certo, uma vez que o mesmo não se relaciona com os ensaios e o
processo como um todo.

1.4 TRAMA METODOLÓGICA

A trama metodológica desse trabalho dissertativo passou pela pesquisa


descritiva, que segundo Silva & Menezes (2001):

[...] visa descrever as características de determinada população ou fenômeno


ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolve o uso de técnicas
padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática.
Assume, em geral, a forma de levantamento. (SILVA & MENEZES, 2001, p.
21).

A descrição busca a análise das características que são fatores aos quais
estão ligados ao processo de estudo, numa investigação de cunho qualitativo, que é
conceituada por Strauss e Corbin (2007), como

[...] qualquer tipo de pesquisa que produz descobertas não obtidas por
procedimentos estatísticos ou outros meios de quantificação. Pode se referir
à pesquisa sobre a vida das pessoas, experiências vividas, comportamentos,
emoções, sentimentos, assim como funcionamento organizacional,
fenômenos culturais e interações entre as nações [...] e a parte principal da
análise é interpretativa. (STRAUSS e CORBIN, 2007, p.10-11).
Trata-se também de estudos exploratórios que têm por objetivo descrever
completamente determinado fenômeno, através de análises empíricas e teóricas,
fundamentadas por estudiosos no assunto, podendo ser encontradas tanto descrições
quantitativas e/ou qualitativas quanto a acumulação de informações detalhadas, como
as obtidas por intermédio da observação participante (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Na dissertação, a análise por meio da pesquisa qualitativa descritiva se dá
pelas informações colhidas em documentos, acervos, imagens (fotográficas e/ou
videográficas) e entrevistas com questionário aberto e semiestruturado, para uma
melhor compreensão do fenômeno estudado.
Ratifico que, para a fundamentação teórica da pesquisa apresentar rigor, a
análise de conteúdo perpassa esse processo, uma vez que na mesma, podemos
destacar o caráter qualitativo, visto que ela se sustenta com base em um
inventário/mapeamento nos bancos de dados da Pró-Reitoria de Extensão da UFRN.
Aqui, foram mapeados 07 Grupos Teatrais ligados ao Departamento de Artes,
como já dito nas páginas introdutórias. Mas, é preciso dizer que, existem no Estado
26

do Rio Grande do Norte outros grupos atuantes que foram criados dentro da UFRN e
se destacaram fora dela (UFRN) também.

2 MAPEAMENTO DOS GRUPOS DE TEATRO DA UNIVERSIDADE FEDERAL


DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

Pode-se dizer que a universidade é um dos locais propícios para a criação de


grupos teatrais coletivos, em especial, nos cursos de Artes Cênicas. Tais grupos
nascem, na maioria das vezes, da prática acadêmica de um grupo de pesquisa ou de
extensão, constituído como um espaço de investigação teatral. Os espetáculos são
geralmente resultantes de investigação cênica Artística/Acadêmica, que coletam
27

elementos de diversas ordens, como os corporais, os imagéticos, os sonoros, os


sociais, os históricos, dentre outros, para seus processos criativos.
Devido a sua inevitável especificidade, o teatro universitário ou o teatro na
universidade, é um instrumento, como indica Germay (2010), insubstituível para a
formação tanto no plano social quanto no pessoal de todos aqueles que exercem e
dão força, sejam universitários ou não; logo, um teatro engajado, às vezes militante,
mas com objetivos, normas, métodos e estilos próprios.
Esse teatro na universidade se faz na coletividade, tornando-se grupos
teatrais muitas vezes de cunho colaborativo e tantos outros amadores ou
semiprofissionais, mas que objetivam refletir artística, política e esteticamente sobre a
arte teatral configurando-se como pesquisa. Logo, Teatro de Grupo, conforme explicita
Picon-Vallin (2008):

[...] pode ser definido, quer se atribua explicitamente ou não tal denominação,
como uma comunidade artística reunida, no mais das vezes, em torno a um
ou mais líderes, empenhados num mesmo projeto. Ele pode ser amador,
semiprofissional ou profissional, e pode escolher, conforme seu status (que
pode evoluir), a relação com os outros, a pesquisa artística, o impacto na
sociedade, a qualidade perturbadora da criação, até mesmo a refundação do
teatro. Porém, as relações de confiança, entendimento, cumplicidade,
compartilhamento, que dão fundamento ao grupo enquanto tal tem seu
reverso: o voltar-se para dentro, para o trabalho de pesquisa, devido às
dificuldades a serem superadas e à intensidade do trabalho no decorrer do
processo de ensaios. (PICON-VALLIN, 2008, p. 88).

A compreensão de Teatro de Grupo de Picon-Vallin (2008) ajuda-nos a


entender a formação de grupos ou coletivos teatrais no âmbito da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), quando enfatiza a noção de coletividade. A
autora sustenta esse fundamento que agrega ao sentido de grupo a ideia de se ter
uma comunidade artística em torno de um determinado projeto, enfatizando a
autonomia dos grupos de teatro quanto aos processos criativos e colaborativos.
Corradini (2010) dirá que

O processo colaborativo na criação de obras artísticas torna-se a cada dia


uma realidade irrefutável. Trata-se de uma proposta que desafia os
tradicionais modos de produção no campo das artes, caracterizando-se na
dança como um modo de contestação e resistência, abarcando artistas e
pesquisadores do corpo, e profissionais de campos afins, que se agrupam
temporariamente em torno de temáticas comuns, com objetivos de igual
ressonância, pleiteando a inserção de seus trabalhos no contexto cultural e,
não raro, a distribuição financeira igualitária entre todos. Mais que objetivar
um produto acabado ou esgotar uma temática conformada em produto
artístico, o processo colaborativo enfoca o compartilhamento de informações
no decorrer da criação da obra, constituindo-o num lugar de diálogo, interação
28

e negociação constantes, aqui entendido como zona de transitividade


(CORRADINI, 2010, p.4).

De acordo com a pesquisa feita, percebeu-se que os grupos cadastrados


como projetos de extensão na universidade fazem parte do chamado Grupo de Teatro,
embora alguns deles se denominem coletivo ou grupo de teatro colaborativo.
Creio que são esses vieses que orientam o trabalho de grupo nos projetos de
extensão com o Teatro na UFRN, favorecendo ao artista envolvido essas
aproximações com o teatro colaborativo na emergência dos grupos criados nessa
instituição de ensino, embora estes sejam grupos de teatro universitário.
Entendo também que, no trabalho com o processo colaborativo na
universidade, mesmo que este não se realize efetivamente, tem a possibilidade de
experimentar uma prática da qual emergem outros sentidos, outras referências para o
teatro, no contexto do Ensino Superior. Por isso, compreendo que o grupo de teatro
universitário é uma atividade extracurricular estudantil com enorme relevância para o
aluno em sua formação inicial, porque através dele, é possível criar, produzir,
pesquisar, possibilitando questionamentos que são como uma força para os trabalhos
práticos-acadêmicos dos estudantes.
É preciso ressaltar que os grupos universitários existem graças aos alunos
que se envolvem em pesquisas sobre diferentes metodologias de trabalho artístico e
estético. Isso resulta em laboratórios práticos e leituras de autores que postam em
suas práticas, o resultado de um espetáculo ou de uma performance.
O trabalho de um grupo universitário também demanda tempo, ensaios,
persistências, e isso fortalece a formação inicial do aluno, visto que vem a se tratar de
uma preparação para os futuros grupos de teatro dos ingressantes na UFRN, que dela
sairão já com uma formação consolidada. Além disso, a prática cotidiana enriquece o
estudo teórico em torno de uma estética teatral específica, pois, saímos da zona de
conforto e nos vemos no processo de criação.
Considerando o já dito, Almeida (2007) ressalta que os grupos teatrais
vinculados ao ensino superior são uma constante na história do teatro brasileiro, desde
a década de 1930, sendo que foi Paschoal Carlos Magno (1906-1980), no Rio de
Janeiro, com a inovadora experiência do Teatro do Estudante, composto por
universitários e secundaristas, quem plantou a semente que germinaria na criação de
inúmeros grupos similares pelas diferentes regiões do Brasil, em décadas
subsequentes (ALMEIDA, 2007).
29

O referido autor destaca, também, que inúmeros grupos teatrais formados


essencialmente por estudantes, tais como o Teatro Universitário (TU), de São Paulo;
o Teatro do Estudante do Brasil (TEB), do Rio de Janeiro; e a União Estadual dos
Estudantes (UEE), de Porto Alegre, entre muitos outros do país, buscaram, nas
décadas de 1930 e 1940, uma alternativa teatral frente ao que se configurava no teatro
profissional brasileiro. Estes grupos possuíam como motivação a questão estética. Em
busca de uma nova linguagem cênica, foi criado em São Paulo, em 1942, o Grupo
Universitário de Teatro – GUT tendo Décio de Almeida Prado como um de seus
integrantes.
Guinsburg (2006) ressalta que, na década de 1950, começaram a se estreitar
os laços entre os Centros Acadêmicos e as atividades teatrais vinculadas às
universidades. Em 1955, foi criado o Teatro da Universidade de São Paulo – TUSP
decorrente da solicitação dos Centros Acadêmicos ao Reitor [da USP], referendando
a proposta do XVI Congresso da UNE, em 1953, acerca do estímulo às atividades
teatrais nas universidades.
Na década de 1970, novas relações se estabeleceram entre o teatro e as
universidades brasileiras, sendo criados laços efetivos com os dois e oficializadas as
relações entre eles. Isso ocorreu em São Paulo com o TUSP e a Universidade de São
Paulo – USP, e o mesmo acontecendo em Florianópolis com o Teatro da Universidade
Federal de Santa Catarina – TEUFSC, entre inúmeras outras experiências ocorridas
no país. O trabalho dos grupos teatrais não estava ainda nitidamente vinculado à
atividade de extensão universitária, conforme Almeida (2007).
Os espaços para mostrar e dar visibilidade ao trabalho desses grupos
universitários foram os festivais, que desde o início, fizeram e fazem parte de suas
atividades. De acordo com Guinsburg, Faria e Lima (2006, p. 303), os festivais de
teatro têm sido “o grande espaço no qual o Teatro Universitário se manifesta, pois,
essas oportunidades permitem trocas de experiências, desenvolvimento de
discussões teóricas e de pesquisas de linguagem”.
Consoante à apresentação de meu entendimento de processo colaborativo e
teatro universitário, apresento a partir desse momento um inventário dos grupos
teatrais que constituíram (considerando os Grupos que não existem mais) e os que
constituem (considerando os Grupos ativos) o fazer teatral da UFRN enquanto projeto
de extensão, a começar pela Cia GABOTUN.
30

2.1 GABOTUN

Grupo Augusto Boal de Teatro Universitário da UFRN - GABOTUN foi um


grupo de pesquisa do Teatro do Oprimido8 fundado, no ano 1993 e terminado em 1997
(ou seja, tiveram quatro anos ativos, desenvolvendo atividades dentro e fora da
UFRN). Vale ressaltar que, posteriormente, o grupo passou a ser chamado de Cia
GABOTUN e não mais “Grupo GABOTUN’’, isso em decorrência da entrada de novos
integrantes.
O grupo GABOTUN foi treinado por Cláudio Rocha, um Curinga, estudioso da
Metodologia de Boal, que dava oficinas para que seus componentes se
transformassem em multiplicadores no Rio Grande do Norte. Os “Curingas’’ são como
uma espécie de “mestres de cena’’ das práticas do Teatro do Oprimido – T.O, que são
conduzidas e levadas para diferentes pessoas por todo o Brasil.
Uma das práticas metodológicas do Teatro do Oprimido é o Teatro Jornal, que
consiste em representar, de forma teatral, notícias lidas nesse gênero de linguagem.
Os atores leem e transformam em peça teatral, de forma reflexiva, a informação,
buscando levar à sociedade (público) a um pensamento crítico e questionador, o que
leva a uma reflexão e um posicionamento perante o que é noticiado.
É por isso, que Boal apud Vasconcelos (2016), reforça que:

Pelo seu caráter essencialmente democrático, o método pode e deve, ser


ensinado por todos para todos. Augusto Boal, assim como todos os seus
curingas do Centro de Teatro do Oprimido (CTO) afirmam repetidamente em
suas falas que “a maior riqueza do Teatro do Oprimido é a multiplicação do
método. De nada adianta todo nosso saber, todas as nossas experiências, se
elas se encastelam em nós mesmos. (BOAL apud VASCONCELOS,
2016, p.12).

É nessa perspectiva de multiplicadora que, A Cia GABOTUN trabalhava com


a estética do Teatro do Oprimido, especialmente na modalidade do teatro fórum9. Em

8 Um sistema teatral pensado para as classes oprimidas


9 O Teatro Legislativo ou Fórum, nasce como mais uma técnica que extrapola os limites da encenação
teatral e avança sobre a sociedade, transformando-a, de dentro para fora. Nessa técnica, as
alternativas apresentadas pelos espectadores são analisadas pela plateia e transformadas em projetos
de Lei por uma célula metabolizadora que é montada no início da sessão de Teatro Fórum. Célula
metabolizadora – de acordo com Boal (1996, p.125), a célula metabolizadora é uma mesa composta
por um assessor parlamentar, um advogado e um representante do terceiro setor (ONG, associações,
etc.), que tem atuação direta no tema da cena apresentada. A ela cabe ler e analisar as propostas
escritas pela plateia e formular uma proposta de lei ou de ação concreta de acordo com as sugestões
encaminhadas durante a realização da encenação. Segundo Boal “no caso do Teatro
Legislativo (...) tentamos não só descobrir a lei (que está por trás do fenômeno) mas promulgá-la na
Câmara. Ou descobri-la e modificá-la.”
31

uma de suas apresentações numa escola pública de Natal, os atores Anna Celina,
Genildo Mateus, Guarací, Flávia Maia e Janine (imagens 1 e 2) expuseram a proposta
do grupo para a comunidade escolar, buscando o entendimento dos espectadores
com relação ao teatro fórum.

Imagem 1: Cia GABOTUN. Apresentação na escola Jean Mermoz.

Fonte: Arquivo pessoal de Flávia Maia

Imagem 2: Cia GABOTUN. Apresentação na escola Jean Mermoz

Fonte: Arquivo pessoal de Flávia Maia


32

Esse sistema teatral criado por Augusto Boal foi inspirado na pedagogia do
oprimido de Paulo Freire, no teatro político de Bertold Brecht e no psicodrama de
Moreno 10 . É uma forma teatral que qualquer pessoa pode desenvolver, pois esse
teatro é uma expressão a todo indivíduo.
Em síntese, o teatro fórum, criado por Boal, buscava através do jogo na cena,
a interação, o desenvolvimento do processo cênico, isto é, com regras dadas pelo
Curinga, apresentavam-se diferentes jogos teatrais para trabalhar o corpo e a voz, na
busca de realizar um bom trabalho cênico, bem como a dança, que é bastante utilizada
para integrar o grupo e tornar as ações dos atores mais expressivas, facilitando a
participação no fórum.
De acordo com Hélio Júnior Rocha de Lima (2011, p. 38), o Teatro do
Oprimido,

[...] antes de ser uma técnica para atores, um conjunto de jogos, é um


posicionamento político diante das opressões impregnadas nas relações
humanas em todo o mundo. É o teatro transformado em meio de luta de
classes e de libertações pessoais. (LIMA, 2011, p. 38).

Para Boal (1975, p. 150) “[...] o espetáculo é um jogo artístico e intelectual


entre os artistas e os espectadores”. Os espectadores são instigados pelo mestre de
cena (como dito anteriormente), denominado de curinga, a intervirem na cena. O anti-
modelo é construído de tal forma que desencadeia certa insatisfação no espectador,
que terá a possibilidade de assumir o lugar do protagonista (oprimido) e transformar a
situação apresentada.
Segundo Flávia Maia, em entrevista cedida via e mail, no dia 9 de agosto de
2018, atriz do grupo na década de 1990, e atual atriz de musicais no Rio de Janeiro,
o Grupo GABOTUN sempre foi bastante aberto e sempre saíam e entravam atores e
atrizes novos, tanto do curso de educação artística (como era chamado na época)
como de outros cursos, ela foi uma das que permaneceu até o grupo ser desfeito em
1997.

10 Jacob Levy Moreno criou em 1921 o “Teatro da Espontaneidade”. Sem falas decoradas ou ensaios,
a ideia de Levy Moreno era promover apresentações teatrais de modo espontâneo e livre. Em seguida,
criou o “Jornal Vivo”, atividade em que ele e um grupo de atores dramatizavam as notícias veiculadas
nos jornais de Viena. O trabalho realizado por Moreno nos hospitais, utilizando o “Teatro da
Espontaneidade”, fez com que ele desenvolvesse o teatro terapêutico, que posteriormente ganhou o
nome de Psicodrama Terapêutico.
33

Uma das peças de grande repercussão do grupo foi “Fome causa X’’ (1993),
fruto de um trabalho coletivo e de encontros de estudos, assim como pesquisas,
coletas de dados, discussões e ensaios em torno da temática da fome (Imagens 3 e
4).

Imagem 3: Cia GABOTUN. Atrizes do GABOTUN Flávia Maia e Janine, no Centro da Cidade

Fonte: Arquivo pessoal de Flávia Maia

Conforme Djackson da Rocha Bezerra (2002, p. 22): A peça ocorre em dois


atos, sendo que no primeiro ato é apresentada a atuação das personagens opressoras
na figura de um político corrupto (Zé Morais) e de sua companheira (Rosenita), usando
a fome e a miséria dos eleitores como estratégias para o voto ser encabrestado11.

Imagem 4: Cia GABOTUN. Flavia Maia, Anna Celina, Janine e Genildo Mateus

11 Refere-se ao voto de cabresto muito comum no Nordeste brasileiro.


34

Fonte: Arquivo pessoal de Flávia Maia

O segundo ato se desenvolve pela discussão que ocorre entre uma das
personagens revoltada com a trama ouvida de seus patrões, não conseguindo
convencer seu pai sua mãe de não votar no político corrupto, termina votando nele,
por pura falta de opção.
O grupo sempre buscou o ideário do teatro do oprimido, então, as temáticas
trabalhadas sempre percorreriam o campo reflexivo e social. GABOTUN, logo
apresenta um espetáculo nascido desses princípios, na forma de teatro fórum e
desenvolvido pelo encenador Augusto Boal.
A peça Fome Causa X conquistou o prêmio Andes-SN12 de arte universitária
brasileira, ficando em 1º lugar na categoria teatro, promovido pela Associação
Nacional dos docentes. Outra característica presente no grupo GABOTUN é a
substituição dos atores pelos espectadores, de acordo com a mudança social
mostrada, característica comum no teatro do oprimido. Esse processo é conduzido
pelo curinga que coordena cada ação. Dessa forma, é revelada a atuação e
participação dos espectadores na cena.
Na peça, os atores discutiam as relações familiares e de empregabilidade com
a personagem Cremilda, líder comunitária e a faxineira da casa (Anna Celina), criando
um espaço dialógico e democrático no qual se constrói a consciência quanto à
multiplicidade de interpretações dessas personagens, evidenciando a necessidade de

12O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) é um
sindicato brasileiro, com sede em Brasília (DF) e seções sindicais nos locais de trabalho, que
representa professores de ensino superior e ensino básico, técnico e tecnológico no país.
35

possibilitar uma reflexão em torno dos fatos mostrados no palco aos espectadores que
assistiam a peça.
O GABOTUN, por falta de um professor coordenador do Departamento de
Artes da UFRN, não resistiu ao tempo e acabou se esfacelando, mas por um tempo
deixou sua mensagem do Teatro Fórum para a universidade, para o estado do RN e
outros estados brasileiros.
Pelo grande fluxo de entrada e saída de estudantes de diferentes Cursos da
UFRN, os alunos dialogavam e compartilhavam seus conhecimentos sobre o que liam
acerca do teatro. Os jogos teatrais eram realizados por todo o grupo, e aos poucos,
os estudantes se apropriavam de técnicas teatrais para estar no palco interagindo com
o público.
Como relata Vasconcelos (2016),

Com isso, compreendemos que, para Boal, a ação humana é uma ação
essencialmente teatral. Segundo ele, todos nós fazemos teatro o tempo
inteiro nas nossas relações cotidianas. Ninguém é exatamente como gostaria
de ser. Todos nós precisamos representar um papel social para sermos
aceitos nos espaços que nos permitem atingir os nossos objetivos, ou para
suprir as nossas necessidades como o trabalho, por exemplo. Assim, neste
jogo de faz de contas, vivemos numa eterna representação teatral, num
constante jogo de atuação, o que implica que temos a consciência de que
sabemos ser espectadores de nós mesmos. (VASCONCELOS, 2016, p 17-
18).

O trabalho dos atores com os jogos teatrais era executado para dar movimento
às cenas, além de fazê-la “funcionar’’, isto é atingir o público com a ação mostrada
através da prática do teatro fórum, que se trata de “um jogo interativo, coordenado por
um curinga, o qual facilita a reação dos atores e espectadores.” (BEZERRA, 2002, p.
21), baseado no Teatro do Oprimido – T.O e consolidado pela solidariedade, pregada
por Augusto Boal.
Para Augusto Boal, a solidariedade é inerente ao Teatro do Oprimido – T.O.;
os jogos e a peça em si devem induzir os atores ao respeito, diálogo e à confiança
mútua. Essas interações sociais produziram uma nova concepção de corpo, arte e
mente. “[...] Todos os problemas sociais são discutidos por indivíduos psicológicos e
todos os temas psicológicos ocorrem num mundo social’’ (BOAL apud LIMA, 2011, p
38). Logo, é necessário ressaltar que para Boal o teatro do oprimido não é puramente
social, pois para ele, não havia separação entre o social e o psicológico, ambos
andavam juntos no processo de criação.
36

Nesse contexto, a atividade artística do Grupo GABOTUN é trabalhada dentro


da estética do oprimido, dialogando com a mente, transpassando a realidade social
ou política com ações concretas, com o corpo ativo, imune de tudo que já viveu ou
passou, pois no T.O, tudo que vive é novo, são novas situações, um novo corpo. Um
corpo solidário, entregue a ‘’atravessamentos’’.
No teatro do oprimido é perceptível o "estranhamento teatral’’ que é a
desmecanização do corpo. Conforme vamos nos tornando adultos, enrijecemos nosso
corpo, nossas ações ficam mais cotidianas, ocasionado pelas atividades diárias.
Através dos jogos teatrais, o T.O. procura trabalhar esse corpo propondo uma nova
forma de perceber-se nas próprias ações.
Diferente do Teatro Fórum, como o GABOTUN, outro grupo de extensão se
apresenta, no ano de 2009. Trata-se do Grupo Cores, do qual, passamos a fazer
referência no item seguinte.

2.2 GRUPO CORES

O Grupo Cores (Imagem 5) foi um Projeto de Extensão da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte do Departamento de Artes que tinha como
coordenador o professor Dr. Marcos Alberto Andruchak13. O Projeto de Extensão
“Cores” surgiu em 2009, a partir da necessidade de seis jovens universitários (Carla
Mariane Dantas, Laura Branco, Hugo Albuquerque, Flávio Augustus Garcia, Lina
Izabel Sena e Thais de Oliveira, do curso de Graduação em Licenciatura em Teatro),
pelo fazer teatral.

13Docente do Departamento de Artes nos cursos de Designer e Artes Visuais. É designer, artista
plástico muralista. Doutor em Ciências da Comunicação (Designer Gráfico Animado) pela Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP.
37

Imagem 5 - Grupo Cores

Fonte: Brito (2019)

As atividades do grupo foram iniciadas dentro de uma proposta de trabalho


colaborativo, mas sempre havia um desvio para o processo coletivo e, como disse
Lina Izabel Sena, “todos eram responsáveis por todos os momentos e elementos
cênicos. Não havia funções estabelecidas e, naquela época, todos resolviam tudo”.
Nesse contexto, é perceptível o processo coletivo que “atravessava’’ o grupo,
isso se dava também pelo fato dos artistas estarem acostumados a exercerem mais
de uma função no ato fazer sua arte. A jornada cênica do Cores teve início com o
experimento “As Cores de Frida” (2009), um espetáculo que se desenvolve sob a
temática do feminino, conforme imagem 6.

Imagem 6- As cores de Frida.

Fonte:https://goo.gl/images/o9VeqR
38

E inclui, entre seus personagens, alguns homens (Imagem 7), que pela
necessidade de uma musicalidade, traz o artista do canto e da música também.

Imagem 7 – As Cores de Frida

Fonte: Paulo Fuga (2013), disponível em: http://arteriso.blogspot.com. Acesso em: 10 de


abril de 2018

A proposta inicial do Cores corrobora com o pensamento de Araújo (2002),


quando diz que a ideia de um processo coletivo consiste na ausência de hierarquias
textuais, do diretor ou do ator. É preciso ressaltar que o Grupo, em sua trajetória
artística, criou outras peças tais como: As Cores avessas de Frida Kahlo, que surgiu
em 2011 14 com novo elenco e novas necessidades de expressão teatral, sendo,
portanto, um desdobramento de “As Cores de Frida’’ (2009).
Do fazer teatral do Grupo Cores, temos ainda as peças Aída (2013),
Simulacro (2014) e O som que se faz debaixo d’água (2016). As suas temáticas
versavam sobre o feminino num híbrido de teatro, dança e música como trabalho
investigativo.

14Considerando as variáveis (de idas e vindas que fazem parte de processos artísticos) participaram
dessa fase: Aline Teixeira, Ananda Krishna, Antonia Delgado, Claudia Maldonado, Edo Sadiistic, Erhi
Araújo, Everson Oliveira, Fabiano Marques, Fernanda Cunha, Fernanda Estevão, Frank Dusdeberg,
Iuri Matias, Josie Pessoa, Kédma Silva, Laura Branco, Leila Bezerra, Matheus Fortunato, Melk
Freitas, Naara Martins, Priscila Araújo, Rose Lotte e Thaís Schimdt, em sua maioria alunos do curso
de Teatro da UFRN. (BRITO, 2019)
39

Na fase inicial do grupo Cores, de acordo com Lina Isabel de Brito (2019), as
criações se norteavam pela vida e obra da artista plástica mexicana Frida Kahlo.
Numa segunda fase de investigação teatral do projeto, questões do feminino, de
uma política estética, do que era ritual, universal e particular, do depoimento do
elenco, bifurcando-se às obras e vida de Frida Kahlo, instauraram mudanças de
paradigmas cênicos.
Ainda pelo Projeto Cores, foi criada a encenação “Simulacro”, baseada nos
mitos e na vaidade contemporânea, dentro de uma proposta de criação em diálogo
permanente entre intérprete e a encenadora Lina Izabel Sena Brito, com o egresso da
graduação em Teatro e ator Clébio Rocha.
Em 2016, deu-se início ao desenvolvimento da peça “O som que se faz
debaixo d’água”, estreada em 2017, que de acordo com Brito (2019), teve vários
inícios, como

Fontes nascentes em 2013, 2014, 2015 e 2016. A cada ano citado um elenco
diferente começava o processo e por múltiplas razões precisava abandoná-
lo: mudança de cidade, problemas pessoais, ausência de bolsa/auxílio
financeiro, mudança de área de trabalho. Com exceção das atrizes Naara
Martins (desde 2013) e Antonia Delgado (desde 2015) e da iluminadora
Priscila Araújo (também entrou em 2013): águas perenes. Por ausência de
imersão dos participantes que entravam e saiam (por vários motivos e aqui
não faço julgamento moral) não construíamos um elo no trabalho. (BRITO,
2019, p. 45).

A autora referendada acima ressalta também que ao:

Sistematizar o processo cênico teatral “O som que se faz debaixo d’água”


significa compreender os meandros de criação cênica, sua dramaturgia e o
corpo do elenco, enquanto receptáculo d’água para a encenação e desague
para novas fontes, através do exercício da prática artística teatral,
mangueando com a função de professor da citada linguagem na Educação.
(BRITO, 2019, p. 46).

A referida encenadora utilizou-se em “O som que se faz debaixo d’água”


Imagem 8) de uma escrita que buscava a orgia da incoerência textual, da dramaturgia
difusa em esferas, camadas, confundindo-se com o próprio conceito de encenação15.

15Encenação é um conjunto de elementos organizados por meio de criações poéticas e que formam
ações cênicas que estabelecem, através de convenções, alguma espécie de comunicação entre
atores/personagens e plateia. (Marcos Bulhões, 2012 – Direção I –CAC-ECA-USP).
40

Imagem 8 – “O som que se faz debaixo d’água’’ (2016-2017).

Fonte: Maurício Cuca, 2016.

Considera-se, aqui, que a

[...] dramaturgia como o sistema que tem como matriz de criação “o feminino”,
depoimentos das atores/criadores, músicos/criadores, iluminadora/criadora,
através de uma memória corporal que, incitada por práticas corporais e
poéticas, resgate essas lembranças sensorialmente, condicionando a entrega
de si, a recepção do outro e a troca de experiências à sagrada
experimentação cênica, fazendo do corpo um lugar desterritorializado e
contaminado pelo coletivo na construção de uma dramaturgia que buscava o
caráter ritualístico em Teatro. (BRITO, 2019, p. 40).

Percebe-se nesse trabalho do grupo, uma presença forte do elemento corpo,


como mostrado na imagem acima. O corpo é colocado como forma poética, sensível
e comunicando algo que está relacionado ao feminino, em sua forma humana, forte e
ritualística.
A encenação envolvia 9 atores/artistas executores, o figurino foi pensado pela
artista Elze Maria Barroso; o conceito da iluminação e operação de luz era de Priscila
Araújo; a direção, de Lina Izabel Sena, assim como a dramaturgia, que também foi
composta por Naara Martins; a fotografia e a publicidade são de André Chacon.
(MARTINS, 2016, p.17)
É pertinente citar que o Grupo Cores, com suas estéticas e dramaturgias se
configura como Grupo de Teatro ou Teatro de Grupo, pois, de acordo com Araújo
(1998), o termo está geralmente voltado para o ensino de teatro vinculado a um projeto
de trabalho construído de comum acordo entre os membros do grupo.
41

Atualmente, o Grupo não está mais em atividade, pois alguns componentes


ingressaram em outros grupos de teatro. Todavia, quando iniciei a pesquisa em torno
do Cores, percebi que eles tentavam se alinhar à perspectiva do trabalho colaborativo
no fazer teatral, que segundo Corradini (2012),

Os processos colaborativos consistem num ambiente heterogêneo e com


alto potencial de politização, dado pelas distintas lógicas
discursivas/comportamentais dos sujeitos que atuam neste lugar
tipicamente relacional”. [...] Trata-se de um espaço de troca no qual sujeitos
de distintas formações cooperam para a criação da obra, atuando como
interlocutores de seus próprios campos de atuação. (CORRADINI, 2012, p.
4).

Feitas as devidas considerações sobre o grupo Cores, passamos a


apresentação do Grupo Popular de Teatro – GPT, que vem de um projeto de extensão
idealizado pelo professor Makarios Maia16 (Imagem 9) em 2008/2009, mas que de fato
surgiu em 2010, sendo inserido na categoria de grupo permanente de arte e cultura
da UFRN, ressaltando a importância do processo e do tempo para se criar a
encenação, enquanto espetáculo.

2.3 GRUPO POPULAR DE TEATRO (GPT)

O GPT a partir de 2013 (imagem 9) começa a trabalhar com a perspectiva de


aprofundar-se no exercício poético do “fazer teatral”, com a participação de discentes
do Curso de Licenciatura em Teatro da UFRN, membros da comunidade do entorno e
grupos de artistas potiguares interessados na revisão da prática teatral, com base em
discussões, reflexões, produções e vivências do Teatro, sob a perspectiva “do
popular”, isto é, da complexificação das fontes, dos assuntos e dos procedimentos
teatrais. (EQUIPE NAC, 2013).
Imagem 9 - Professor Makarios com o brincante Mestre Jovelino de Boi de Reis.

16Professor do Departamento de Artes da UFRN com mestrado em Artes Cênicas pela UFBA. Atua
com práticas criativas e ação cultural atuando com os temas encenação, dramaturgia, estudos
culturais, poéticas colaborativas e do cotidiano.
42

Fonte: nac.ufrn.br. Acesso em: 01 de maio de 2018

A imagem acima refere-se ao GPT e nela estão o professor Makarios Maia


com o Mestre Jovelino (Mestre boi da comunidade do sítio de Santa Cruz em Vera
Cruz/RN).
O coordenador, Makarios, respondendo a uma entrevista minha para com ele,
em janeiro de 2019, disse que criava condições de debater com o grupo sobre os
processos decorrentes de pesquisas em teatro e, enquanto eles estavam criando, ele
fazia perguntas indagadoras e reflexivas sobre determinados métodos com o intuito
de aprimorar, refletir, evoluir na criação. Ou seja, ele não “monta” espetáculos, deixou
isso claro, apenas motiva os participantes questionando-os e, algumas vezes, chega
a dar ideias, mas o intuito mesmo é discutir as concepções já formadas pelo próprio
grupo, potencializando-as dentro do processo de criação de cada um deles. Creio que
o papel de Makarios Maia no grupo é de estimulador, oportunizando o grupo a criar
conforme as necessidades apresentadas pelo coletivo.
Como fonte inicial de investigação, o GPT alia-se aos preceitos
desenvolvidos na antropologia teatral, considerando como elementos: o corpo (voz,
mente e preparação corporal), as ideias advindas dos grupos, os quais perpassam
pelo projeto do GPT, sendo estes acolhidos e orientados quanto a seus processos.
A construção dos espetáculos se configura também na ideia da construção
poética em constante diálogo com as diferentes manifestações populares brasileiras,
criticidade sobre os temas contemporâneos e a cena teatral (feminino, questões de
gênero, dramaturgia envolvida, etc.); tudo isso sempre aliado a um período de
43

debates, diálogos, trocas e compartilhamentos para o processo de criação na prática


cênica.

2.4 ARKHÉTYPOS GRUPO DE TEATRO

Arkhétypos: A palavra é de origem grega e significa modelo primitivo, ideias


inatas, conteúdo do inconsciente coletivo que foi empregado, pela primeira vez, por
Carl Gustav Yung. Elaborado por artistas, atores, bailarinos, professores e
pesquisadores, pessoas, estas, que transitam ou transitaram no encontro e nos
atravessamentos da história do Grupo.
O Arkhétypos Grupo de Teatro teve início em março de 2010 e foi fundado por
alunos de Artes Visuais, Pedagogia, Dança e Teatro e pelo Prof. Dr. Robson Carlos
Haderchpek17, o qual começou a pesquisar a Comunidade da Vila de Ponta Negra -
Natal/RN, local onde morava. Sobre o grupo, Haderchpek (2017, p. 9) informa que “[...]
desde a sua fundação o grupo abarca pesquisas híbridas dentro do universo das
Artes, misturando canto, música, dança, teatro, vida e fazer artístico’’.
Durante os sete primeiros anos do grupo, houve um estudo aprofundado sobre
a poética dos elementos18, quais sejam: fogo, água, terra, ar, éter; aliando esse estudo
à prática dentro dos processos criativos dos alunos. Nesse período, surgiu o
espetáculo Santa Cruz do Não Sei (Imagem 10).
Imagem 10 - Arkhétypos Grupo de Teatro/Espetáculo: Santa Cruz do não sei

17 É ator, diretor e pesquisador formado e pós-graduado pela Unicamp. Docente do Curso de Teatro e
do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN. Coordena o Projeto de Pesquisa Teatro,
Ritual e Liminaridade, atua como membro do Grupo de Pesquisa CIRANDAR, do NACE e do IMÃ, e
é diretor do Arkhétypos Grupo de Teatro.
18 É comum em seus processos de criação que o Grupo Arkhétypos escolha um elemento da natureza

como fonte criativa: terra, água, fogo e ar. Chama-se a poética dos elementos, inspirados por Gaston
Bachelard (2013) que escreve sobre a imaginação da matéria.
44

Fonte: www.google.com.br/search? Acesso em: 10 de julho de 2018.

Aboiá, Revoada, Fogo de Monturo, Éter, Amareelos (com dois “e’’ mesmo) e
Gosto de Flor 19 (trabalho mais recente, de 2017), que foram gerados a partir de
práticas de laboratório e pesquisas acerca das energias elementares anteriormente
referidas. O espetáculo Santa Cruz do não sei, por exemplo, foi estreado no dia 10 de
junho de 2011 (Imagem 11), no Teatro Laboratório Jesiel Figueiredo do DEARTUFRN
e, a partir daí, outras apresentações foram acontecendo dentro e fora da universidade.
Imagem 11 - Arkhétypos Grupo de Teatro/Espetáculo: Santa Cruz do não sei

Fonte: Arkhétypos Grupo de Teatro. Disponível em: https://goo.gl/images/6hbV1g. Acesso


em: 14 de junho de 2018

O Grupo sempre buscou dialogar o trabalho com o público, de modo que uma
das ferramentas de fácil acesso entre esse dialogar foi um questionário, elaborado
pela atriz Paula Laís e o Professor Dr. Robson Haderchpek, perguntas como: ‘’como

19 Quatro homens falando de amor, quatro corpos que dançam suas memórias, suas dores, seus
desejos e suas emoções. Entre eles uma flor, que é sentida, cheirada, saboreada, compartilhada e
dilacerada num jogo de sedução e desejo… Bocas, corpos e saudades que deixam no ar um gosto de
flor.
45

é para você, participar de um espetáculo que tem uma relação tão próxima com o
público?’’, ‘’O que mais o tocou no espetáculo?’’ além disso, por ser um projeto de
extensão, o grupo mantinha os processos criativos e devolviam à comunidade escolar
e extraescolar, os resultados dessas pesquisas.
A releitura e análise dos questionários feitos pela equipe do Arkhétypos
contribui nos laboratórios de criação, pois os atores e atrizes, ao absorverem e
ouvirem as questões do público, puderam modificar determinada cena do espetáculo,
no intuito de, com esse compartilhar de sugestões e ideias, tornar o espetáculo cada
vez mais rico dentro desse processo de construção. Sempre testando, estudando,
investigando, o que pode ser introduzido ou retirado, como ressaltado por Medeiros
apud Haderchpek, (2017):

[...] trabalhávamos sempre com música que nos conectavam ao universo


praieiro, como se fossem uma cama para os nossos laboratórios. Nessa
etapa do trabalho sentimos a necessidade de fazermos um levantamento de
canções que pudessem não apenas ser utilizadas nos treinamentos, mas no
próprio espetáculo. (MEDEIROS apud HADERCHPEK 2017, p. 29).

O Projeto também contou com o apoio de outros docentes do Departamento


de Artes, que atuavam como facilitadores do processo, ora participando dos ensaios,
ora orientando as pesquisas do Grupo e contribuindo artisticamente com o mesmo.
No Arkhétypos, o universo mítico apresentado em suas peças, remonta a uma
tradição, cuja idade é impossível determinar e pertence a um mundo do passado, no
qual as exigências espirituais são semelhantes às que se observam entre culturas
primitivas ainda existentes.
Os arquétipos estão contidos no inconsciente coletivo e se manifestam na
consciência dos indivíduos e dos povos, por meio dos sonhos, da imaginação, dos
símbolos, ou de personagens que falam do comportamento universal do homem, isso
vem a coadunar com a proposta do Grupo.
E, continuando a apresentação dos grupos de teatro da UFRN, passamos a
inserção do grupo Pele de Fulô, um coletivo recente no atual cenário contemporâneo
dos projetos de extensão da UFRN e que extrapolou o campus da universidade. É
dele que passamos a falar a partir de agora.

2.5 PELE DE FULÔ


46

O grupo Pele de Fulô surgiu a partir do processo prático de mestrado intitulado


Cravo do canavial’ 20 , da artista-pesquisadora Carla Pires Martins da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 2011, que propunha a criação e fundação
desse grupo, trabalhando nas dimensões da dramaturgia e da encenação.
Após esse trabalho, outros espetáculos foram criados pelo grupo, no entanto,
segundo Carla Martins, em relação ao Pele de Fulô:

O Pele seguiu em paralelo ao meu trabalho como professora substituta da


UFRN, mas a configuração de artistas participantes já não era a mesma. Eu
segui com o Grupo, mas o coletivo que estava no espetáculo Cravo do
Canavial; cada um, seguiu novos caminhos23. (Informação verbal de Carla
Martins).

O Pele de Fulô é regido e composto por artistas locais e de outros lugares, a


exemplo de atores do Rio de Janeiro, numa teia de encontros, os quais recompõem a
estrutura do grupo, porém, o fluxo de entrada e saída não desestrutura sua formação;
sempre soma a sua construção e a seus processos.
O Pele de Fulô, apesar de sólido no cenário teatral, busca se firmar enquanto
grupo. Para Martins (2018), os dois últimos anos foram bem difíceis para o Grupo pois
passaram/estão vivendo uma crise interna, reflexo do que acontece no cenário do
País, sem dúvida.
Ainda assim, segundo a artista em entrevista concedida à pesquisadora,
Carla Martins diz que, “[...] as relações entre os que hoje fazem o Pele estão
amadurecendo e dessa forma se definindo. E novas pessoas podem chegar também.
Acho bom essa integração e novas parcerias em outras Cidades’’. (MARTINS, 2018).
Diante da fala de Carla Martins, observa-se que essa formação sempre se
dará em conjunto num viés colaborativo e, ainda que existam dificuldades financeiras,
internas e externas, a permanência de um grupo estará ligada à sua resistência
artística e a seus processos de criação.
Como apoiadores, o Grupo Pele de Fulô contou com a Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Departamento de Artes da UFRN, fotógrafo Tiago
Lima, Amazonas Decorações, Grupo Estação de Teatro e do Marambaia Apart
Hotel’’.

20 Na ocasião o trabalho da artista estava vinculado a um projeto de extensão coordenado pelo


Professor Dr. Robson Haderchpek, do departamento de Artes da UFRN. 23 Entrevista concedida pela
artista Carla Martins em 12 de abril de 2018.
47

A fala de Carla Martins corrobora com a escrita de Veloso (2008) sobre a


formação de grupo:

Estar em um grupo é um cartão de apresentação, uma forma de explicitar


suas escolhas artísticas e reconhecer seus pares. É inegável a importância
do trabalho grupal na formação das identidades, pois do encontro com o
outro, com o diferente, temos condições de fazer escolhas, que nos
aproximam ou nos distanciam. Essa convivência faz do outro um parâmetro
para atitudes, um referente, um modelo. No ambiente do grupo, à semelhança
do ambiente familiar, o sujeito pode ser moldado enquanto artista e enquanto
homem, por meio de identificações e negações. (VELOSO, 2008, p. 1).

Em paralelo à atuação, enquanto professora substituta do curso de


Licenciatura em Teatro do Departamento de Artes, Carla Martins encenou o processo
criativo o “Tombo da Rainha’’ (Imagem 12) que foi o segundo trabalho construído pelo
Grupo pele de Fulô, conforme imagem a seguir:

Imagem 12 - Apresentação do espetáculo Tombo da Rainha, do coletivo Pele de Fulô.

Fonte: https://goo.gl/images/17wKM1. Acesso em: 01 de maio de 2018.

Nesse contexto, a nova configuração de atores e atrizes do grupo


consequentemente foi outra, formaram-se a partir desse novo processo de criação
com alunos-artistas-estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do
NorteUFRN. Na ocasião, eles foram contemplados com o prêmio Afro Nacional.
O grupo citado traz em seu currículo os espetáculos Cravo do Canavial
contemplado com os Prêmios Funarte Myriam Muniz (Montagem em 2011 e circulação
48

em 2012), com o Edital Cena Aberta Nordeste - 2012; Bodas de Sertão, em parceria
com a Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão
(CDTAM); Tombo da Rainha recebeu o III Prêmio Nacional de Expressões Culturais
Afro-Brasileiras e Casa do Louvor, juntamente com a Bagana Cia de Teatro (Mossoró-
RN).
A Montagem do espetáculo "Tombo da Rainha" teve o patrocínio da
PETROBRÁS, sendo realizado pelo Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo
dos Santos Neves (CADON), em parceria com a Fundação Cultural Palmares, do
Ministério da Cultura e do Governo Federal.
O grupo carrega uma estética muito poética no que diz respeito à dramaturgia
e ao figurino, conforme pode ser observada na imagem abaixo, do espetáculo Tombo
da Rainha (Imagem 13).

Imagem 13 - Atriz Lurian no Figurino criado durante o processo de Tombo da


Rainha.

Fonte: Lurian Silva (2017, p. 31).

A concepção do figurino do espetáculo teve a participação do artista potiguar


João Marcelino que buscou retratar os fantásticos personagens em personagens
reais, como observado na imagem 14 abaixo:

Imagem 14 - Croqui do Figurino criado por João Marcelino


49

Fonte: Lurian Silva (2017, p 33).

Com a participação efetiva desse artista potiguar, os atores puderam


compartilhar seus ensaios, histórias dos personagens, texto, para que assim,
Marcelino pudesse analisar e compreender como contribuir para essa estética de
criação do figurino.
Ainda é Lurian Silva (2017) quem comenta sobre esse figurino, dizendo que o
figurino dessa peça:

[...] era basicamente, uma legging preta até o joelho, uma saia longa marrom
de um tecido grosso, parecido com jeans, um tecido bege envolto aos seios
em forma de X, uma touca de pintar cabelo com furos onde eu puxava um
pouco os meus cabelos. (SILVA, 2017, p. 31)

E foi assim que João Marcelino foi dando forma a sua criação com adereços
e máscaras de gesso criadas por ele, mas segundo Silva (2017, p. 33) “as máscaras
do espetáculo eram mais leves, com cor e adereços de flores e tules”. (Imagem 15).

Imagem 15 - Espetáculo Tombo da Rainha, do coletivo Pele de Fulô


50

Fonte: https://goo.gl/images/17wKM1 Acesso em: 01 de maio de 2018.

2.6 CRUOR ARTE CONTEMPORÂNEA

O Cruor Arte Contemporânea teve suas atividades iniciadas no ano de 2012,


mas surgiu com essa denominação, em 2010, partindo do projeto intitulado de
“Processos práticos de criação em Arte: Vivenciando e apreendendo Cinema, Dança
Flamenca, Cultura Espanhola e Teatro”, idealizado pela Professora Dra. Nara Salles,
21que foi professora do Departamento de Artes-DEART.
O Cruor segue desenvolvendo suas atividades de extensão, agora com um
novo projeto intitulado Arte Contemporânea e Cultura Investigadas Para Conhecer,
Apreender e Transformar que está em processo de estudo, oportunizado pelo edital
PROEXT/MEC/SISU de nível nacional, exibindo suas práticas a partir de memórias
afetivas, corporais e situações do dia a dia, vivenciadas por cada integrante, como
discorrem os artistas, que ao invés de Grupo, chamam de coligação.

Imagem 16 - Cruor em manifestação artística na praia de Ponta Negra como


referência ao Dia do Índio, em 19 de abril de 2015.

21Professora da Universidade Federal de Pelotas. É vice coordenadora do Núcleo Transdisciplinar de


Pesquisa em Artes Cênicas e Espetaculares e foi a criadora do Cruor Arte Contemporânea.
51

Fonte: http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte. Foto de Adriana Paschoalino/G1

O Cruor trabalha com instaurações cênicas,22 conforme observado na imagem


17, em diálogo e contato constante com o público, envolvendo a prática instaurada
com o figurino, as atitudes trazidas no corpo e na voz, a cenografia, aliando esses
elementos ao processo criativo.

Imagem 17 - Cruor em Instalação artística Peitos. Escola de Saúde, Santa Cruz, RN.

Fonte: facebook do grupo. Foto Bebel Dantas

22Chamadas ainda de artes performativas são todas as formas de arte que se desenvolvem num palco
ou local de representação para um público. (Nara Salles, 2004).
52

A coligação Cruor Arte Contemporânea, como é chamada, trabalha seus


processos criativos sob uma perspectiva colaborativa, com base em diálogos,
semeados a cada encontro e, a partir destes, são gerados questionamentos,
colocações, dentre os quais são inseridos no processo de pesquisa do Cruor. A
pesquisa-ação23 é ponto chave dentro desse contexto, pois é como um ciclo que gera
reflexões e ações oriundas dessas discussões geradas.
Nesse viés, o Cruor é bastante norteado pelas respectivas referências na sua
condição criadora: A vida e a obra da artista Frida Khalo, além da obra cinematográfica
do artista espanhol Pedro Almódovar e as ideias de Antonin Artaud (Teatro da
Crueldade)24. Paralelo a isso, o estudo da loucura permeia as pesquisas do Grupo e
se configura também em investigar a arte contemporânea como uma ferramenta de
apreciação e diálogo com esse público.
A comunidade interna e externa da UFRN tem total acesso a palestras,
minicursos, oficinas, apresentações de instaurações cênicas que propiciam
experiências válidas entre a teoria e a prática.
Sobre o assunto, Surama Lemos (2018) diz que:

O Cruor atua com processos metodológicos de criação ligados ao corpo, voz


e movimentação cênica, além da investigação de técnicas corpóreovocais,
sobretudo, as pautadas nos estudos de Antonin Artaud e seu teatro; Anne
Bogart: Viewpoints; Amilcar Barros: Dramaturgia Corporal; Pina Bausch:
Dança-Teatro; Hans-ThiesLehmann: Teatro Pós-Dramático; Butho; estudos
de performance e técnicas orientais como o Tai Sabaki. Dentro dessa
perspectiva, a construção das movimentações cênicas reflete as sensações,
sentimentos, pensamentos, atitudes e realidades trazidas no corpo e na voz
de cada membro do grupo. (LEMOS, 2018, p. 30).

O Cruor conta com um laboratório de criação que une estudantes e


professores tanto para ministrar aulas, como para exposição de figurinos, oficinas,
palestras etc. O laboratório funcionou até 2018, dando este suporte acadêmico e de
experiências aos estudantes, como revela Lemos (2018):

[...] incentivando a pesquisa, o pensar e o fazer artístico, além de abrigar um


nanocine que fomenta o projeto Cine Cruor, ligado à coligação Cruor Arte
Contemporânea, que exibe uma vez por semana filmes que servem de
referências inspiradoras, funcionando como estímulo criativo para os
trabalhos do grupo (LEMOS, 2018, p. 33)

23 É uma proposta metodológica que incide na busca de novas formas de intervenção e investigação
no campo da pesquisa nas Ciências Humanas. (THIOLLENT, Michel.1985).
24 É o nome dado à teoria proposta por Artaud. Surgiu na década de 20, como uma maneira de fazer

uma crítica à cultura do espetáculo e à própria forma que a sociedade ocidental enxergava o mundo.
53

Um dos trabalhos realizados pelo Cruor, que não foge à sua metodologia e
que muito agrega por compartilhar de uma experiência ampla e única com pessoas
com e sem deficiências, ocorreu através da instauração cênica ‘’Lou(cure-se)”. Esse
trabalho foi realizado com os residentes do hospital João Machado, localizado em
Natal-RN, e teve como objetivo acolher as pessoas conhecidas como “Loucas’’ e que
se encontram à margem da sociedade.
Compartilhando do pensamento de Natã Ferreira do Grupo Cruor ou Cruor
Arte Contemporânea, ele ressalta em entrevista que:

Acredito que todas as atividades que fiz durante a minha graduação, fora a
sala de aula, me proporcionaram muito mais conhecimento e vivências
artísticas/humanas/afetivas do que em classe. A importância dos grupos de
teatro e demais atividades extraclasse são justamente a troca que se tem com
outras pessoas, que partilham de interesses comuns como a arte e a criação
conjunta. Através disso a criação se torna prioridade e acabamos gerando
uma rotina de trabalho. As coisas começam a perder o caráter de “trabalhinho
de classe” e ganharem um aspecto mais “maduro” (Natã Ferreira, Grupo
Cruor).

A criação artística realizada pelo aluno em um grupo universitário requer esse


posicionamento de estar em constante trans(formação), isto é, compartilhar o fazer
artístico com o outro, com o público, consigo mesmo, nessa constante busca em se
encontrar no processo criativo. E o sair é exatamente, levar arte para a comunidade
externa da UFRN, garantindo, inclusive, formação de plateia.
Os grupos de teatro universitário têm a possibilidade de conduzirem seus
meios de sobrevivência e resistência em uma sociedade desigual e exclusiva (neste
sentido, que exclui), enfatizando o papel da Arte: de ser mediadora de diálogo,
reflexão, etc.
Dessa forma, o trabalho dos artistas ocorre através de instaurações cênicas
e/ou residências artísticas, sendo, portanto, o que vem a ocorrer no Hospital João
Machado – HJM na prática com o CRUOR, onde a instauração é gerada a partir do
processo de criação e observação, junto com os internos do referido Hospital.
Os encontros ocorreriam no próprio HJM e espaços externos, entre o
segundo semestre de 2015 e durante o primeiro semestre de 2016. Ressalto que os
internos tiveram a experiência em aulas de dança no Departamento de Artes da
UFRN, com a professora Elke Riedel, do Curso de Música da UFRN e que aplicava a
técnica DanceAbility 25 , um método que utiliza a improvisação do movimento para

25 Método criado por Alito Alessi nos Estados Unidos, 1979.


54

explorar a atividade artística entre pessoas com e sem deficiência, permitindo que
todas as pessoas se expressem e propaguem esta dança criativa. Desde sua criação
em 1979, a companhia Joint Forces e seu diretor Alito Alessi, fundador deste método,
cultivam e propagam esta dança pelo mundo.
Assim, os internos do HJM passaram a participar da instauração cênica
(LOU)CURE-SE!!! (Imagem 18), apresentada ao público nos meses de julho e agosto
de 2016, que conforme Pires (2016), se propôs:

a refletir sobre a experiência sensível dos internos, no encontro dado com um


grupo de artistas, o Cruor Arte Contemporânea, Grupo permanente de Arte e
Cultura da UFRN, que passou a fazer uma residência artística no hospital,
visando a criação de uma obra que pudesse ser apresentada ao público
(PIRES, 2016, p.14).

Imagem 18: Cartaz da Instauração Cênica e Residência Artística no Hospital João Machado,
Natal, RN

Fonte: página do facebook do Cruor Arte Contemporânea

Pires (2016), ainda diz que:

O Cruor acredita e utiliza a arte em suas várias formas de manifestação


contemporânea, explorando e absorvendo o melhor do indivíduo que a
prática. [...] as obras artísticas [...] Resultam do pensar do sentir, e do fazer
que por sua vez são mobilizados pela materialidade da obra, pelo domínio de
técnicas, e os significados culturais e pessoais. São, por isso, constituídas de
um conjunto de procedimentos mentais, materiais e culturais. Podem
concretizar-se em imagens visuais, sonoras, verbais, corporais, ou são
55

apenas manifestações das próprias linguagens como expressão e


representação de algo. (PIRES, 2016, p. 24).

Neste sentido, reconheço a importância do CRUOR no fazer artístico


desenvolvido no (LOU)CURE-SE, o qual oportunizou os participantes a uma inserção
social através da dança e da representação teatral, abordando as nuances de um
cotidiano num Hospital Psiquiátrico como o de Natal/RN.
Dando mais um passo a concretização desta pesquisa, trazemos à reflexão o
Grupo Eureka, surgido em 2013, também no contexto do Curso de Licenciatura em
Teatro da UFRN, é dele que passaremos a falar no item seguinte.

2.7 GRUPO EUREKA

Os alunos Denilson David e Natália Morais, de acordo com uma entrevista


realizada em 2018, disseram que eles tinham um sonho de formar um grupo e a partir
da oportunidade de criação de um projeto na disciplina de Encenação I, oferecida em
2013.1, e ministrada pelo professor Makarios Maia Barbosa, ele foi formado, com a
denominação de Grupo Eureka.
Conforme seus idealizadores, trata-se de um dos grupos de exemplo
colaborativo, em que cada integrante exerce uma função, sem deixar de colaborar
com o trabalho do outro, gerando consequentemente um processo coletivo de criação
cênica.
Nas palavras de Denilson David Silva (2016), o processo colaborativo, no
referido grupo, era entendido para:

[...] promover a interação transformadora entre a instituição universitária e as


demais instituições e movimentos sociais”. Esta parceria viabilizou as
produções acadêmicas extensionistas e formativas na manutenção da
experimentação na prática artística dos conteúdos vistos em sala de aula;
bem como, dos conteúdos pedagógicos. (SILVA, 2016, p. 12-13).

O grupo trabalhava com processo criativo em torno de um teatro popular e de


um pensamento crítico, buscando através do fazer teatral levar diferentes temáticas
sociais ao público, dentre as quais se destacam a desigualdade social, o racismo, a
gravidez na adolescência, fazendo, no meu entendimento, com que a plateia refletisse
sobre sua dramaturgia e poética/estética.
Um dos trabalhos de grande repercussão do grupo foi “Debaixo da Pele’’,
criado a partir da disciplina de Encenação II (Imagens 19-20), com a estética do teatro
56

épico. Na peça eles decidiram permear um campo bastante relevante como o racismo
no Brasil e usaram uma dramaturgia que transmitisse ao espectador uma releitura
sobre essa temática e seus questionamentos, ainda presentes na sociedade atual.

Imagens 19 e 20 - Grupo de Teatro Eureka. Espetáculo: Debaixo da Pele, realizado


no TECESOL (Território de Educação, Cultura e Economia Solidária), Natal, RN.

Fonte: teatroeureka.wixsite.com. Acesso em: 12 de junho de 2018

O Eureka buscava trabalhar conceitos sociais, por isso, a temática do racismo


foi um impulsionador nesse percurso teatral, bem como o foi o desejo de querer
abordar uma arte de forma reflexiva. Nesse contexto, o trabalho desenvolvido pelos
atores deu abertura a novos integrantes à participação na encenação; dessa forma, o
grupo ficou meses em imersão no processo criativo até sua apresentação cênica ao
público.
Conforme sinopse, que consta no site do grupo, o espetáculo aconteceu:

[...] numa colagem de textos, músicas, poemas, entrevistas, matérias de


jornais, vídeos, e peças teatrais, o debaixo da pele trata da questão
étnicaracial brasileira, no contexto histórico, social, econômico, cultural e
político. Com um humor ácido, faz toda uma retrospectiva histórica, desde a
chegada do negro no brasil até os dias de hoje, debatendo temas como
preconceito, racismo, conquistas e igualdade (GRUPO DE TEATRO
EUREKA, 2014).

Os trabalhos criados pelo grupo renderam conhecimentos acerca das


questões sociais, das experiências, no sentido da coletividade, gerando reflexões
compartilhadas entre os atores.
O grupo, além de encenar peças de caráter social, também ofertava oficinas
para atrair novos atores e atrizes para integrarem seu elenco. Nas imagens abaixo
pode-se observar um dos momentos de finalização de uma das oficinas, assim como
57

o cartaz produzido pelo grupo, divulgando a seleção de atores e atrizes para comorem
o elenco da peça intitulada Família Composta (Imagens 21-22).

Imagens 21-22: Seleção de atores e cartaz da oficina

Fonte: Eureka! contribuições das experiências com o teatro de grupo durante a formação na
licenciatura em teatro (SILVA, 2016)

A oficina contou com a presença de alunos do curso de Licenciatura em Teatro


do Departamento de Artes da UFRN e os atores oficineiros Nathalia Crhistine e David
Silva decidiram acolher no grupo os sete participantes da referida oficina para
integrarem o elenco da peça Família Composta
Outros trabalhos como Cambalhotas, Andarilhos, Chico Cobra e Lazarino,
Teatrar Livre, Amora, Família Composta, Você Decide e Escritório (Imagem 23-24)
foram produções do grupo, enquanto estiveram ativos, estes dois últimos foram
intervenções acerca do modelo institucional da universidade, em parceria com a
PROGESP-UFRN, realizado pelo Eureka.

Imagem 23-24: Você Decide e Escritório


58

Fonte: Eureka! Fonte: Eureka!

Hoje, o grupo encontra-se inativo e acordo com entrevista ocorrida em 2018,


com um dos seus integrantes, Firmino Brasil (2018), o que levou ao término do Eureka
foi a divergência ideológica e política entre os seus integrantes, a saber: Arthur Araújo,
Talita Tâmara, Patrick Cezino, Denilson David, Firmino Brasil, Mário Rubens, Nathália
Christine, Allyerly Dantas, Magno Márcio, Eduardo Silva, Iasmyn Cavalcante, Taise
Tertulino, Rodolpho Santtos, Janaina Silva, Clau Medeiros.
O fundador do grupo, Denilson David relata e destaca, ainda, a importância
de se construir algo na Universidade, dentro do componente curricular, porém não
encerrar os processos criativos em torno dos trabalhos, pois sempre há algo a
acrescentar e desenvolver. Esse construir algo faz referência a criação de grupos
teatrais que, para ele, são de grande importância no contexto universitário dos cursos
de Teatro.
59

3 O LUGAR DE FALA NA FORMAÇÃO DO ESTUDANTE/INTEGRANTE DOS


GRUPOS TEATRAIS ENQUANTO PROJETOS DE EXTENSÃO DO
DEPARTAMENTO DE ARTES DA UFRN

A partir do estudo sobre os grupos teatrais da UFRN já referendados


anteriormente, compartilho a importância destes grupos na formação de seus
integrantes, considerando-os projetos de extensão da UFRN nessa área de pesquisa.
Os projetos de extensão existentes na UFRN são oriundos de pesquisas
desenvolvidas pelos professores, os quais divulgam uma espécie de ementa de seu
projeto e assim ampliam a busca de participantes através do sistema Integrado de
Gestão de Atividades Acadêmicas-SIGAA.
Esses participantes, em sua grande maioria, se identificam com a pesquisa
divulgada pelo sistema universitário e se candidatam para a atuação no projeto. Em
alguns casos, há ofertas de bolsas remuneradas, em outros, não, mas o projeto é
mantido pela universidade como extensão universitária, em cuja resolução Nº
077/2017-CONSEPE, de 27 de junho de 2017, Capítulo I, Art. 2º, diz que ela é:

o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa


de forma indissociável para viabilizar relações transformadoras entre a
Universidade e a sociedade, a partir de um diálogo que envolva os diferentes
saberes (das ciências, das tecnologias, das artes, das humanidades e da
tradição), permitindo novas criações, socializações e mudanças recíprocas,
com o envolvimento e inserção de alunos, professores e técnicos
administrativos em experiências reais junto a diferentes grupos e populações
que com elas interagem, por meio de ações que serão articuladas mediante
as seguintes modalidades de extensão: I - programas; II – projetos
(CONSEPE, 2017, p. 1).

A extensão universitária possibilita aos alunos uma permanência nos grupos


teatrais, auxiliando-os na sua formação. Com referência à essa formação, foram
coletadas falas através de questionários com integrantes e ex-integrantes dos grupos
citados, com o viés de ampliar esse olhar sobre a importância deles dentro da
Universidade.
Foram feitas cinco perguntas aos integrantes dos grupos: Arkhétypos, Eureka,
Cruor Arte Contemporânea e a Cia GABOTUN. A primeira pergunta foi: “Qual a
importância de participar de um grupo de teatro na universidade?”
Respondendo a essa questão Allan Phillype do Grupo Arkhétypos informou,
60

que a maior importância que ele vê em participar de um grupo de teatro na


Universidade, é a abertura de portas para ele no meio artístico. Hélio Júnior, da Cia
GABOTUN, por sua vez, ressaltou que:

Antes de eu ingressar no Grupo GABOTUN (inicialmente era chamado de


Grupo, posteriormente passou a ser Cia GABOTUN) eu já trabalhava com
teatro, como: teatro de rua, e trabalhava como ator, diretor. Mas, o que
destaco de interessante foi que o grupo me possibilitou estudar e conhecer
mais Augusto Boal. Além do encontro com outros atores que se dedicavam a
pesquisar o teatro do oprimido. Na época eu fazia o Curso de Letras e logo
em seguida fui ingressar no Grupo de Teatro, isso me propiciou participar dos
movimentos da Universidade através da linguagem artística, trazendo
Augusto Boal para a universidade também, possibilitando ampliar a pesquisa
teatral. (Hélio Junior, Cia GABOTUN)

Com a fala de Hélio Júnior, dá para perceber que além de uma participação
ativa em um grupo de referência, ele tem a oportunidade de estudar e se aprofundar
na pesquisa sobre Augusto Boal, na qual ocorre um aprofundar-se numa linguagem
que conduz a reflexões politicas como ocorre no teatro fórum proposto pelo próprio
Boal.
Referindo-se à sua participação em um Grupo de Teatro da UFRN, Anna
Celina (Cia GABOTUN), assim se expressa:

Minha participação no grupo foi muito importante, eu estava chegando de


Mossoró, não conhecia ninguém e nem conhecia a cidade direito. O grupo
me proporcionou o contato com novos espaços na cidade e com outras
pessoas de outros cursos que não o meu (ciências sociais). Além de ampliar
o meu conhecimento acerca do fazer artístico. (Anna Celina, Cia GABOTUN).

Aqui Celina aponta como importante o conhecimento de Natal, e ainda, a


melhoria da sua veia artística, o que contribui para o encontro com outros artistas,
colegas de outros cursos e a construção de novos saberes.
Por conseguinte, Natã Ferreira, do Grupo Cruor, relata:

Fui aluno de Artes Visuais na UFRN, participei de muitos projetos de extensão


e devido o meu interesse em Performance Arte, acabei entrando também em
um grupo de teatro (Cruor Arte Contemporânea). (Natã
Ferreira, Grupo Cruor).

Observa-se no depoimento de Natã, a importância da troca de ideias com


outras pessoas, o que leva a maturidade do grupo e dele como pessoa e profissional,
reforçando que as atividades fora da sala de aula são impulsionadoras de um aprender
fazendo teatro na prática.
61

Em seguida, Franco Wilamy do Grupo Arkhétypos, ressalta que:

O grupo do teatro, no meu caso me serviu de plataforma de pesquisa como


ator e principalmente como arte pesquisador, pois nas experiências que tive
além do acesso a montagem de processos criativos participei ativamente com
pesquisa acadêmica, no primeiro grupo ao qual estou vinculado até o
momento fui instrumentalizado também na organização de eventos e
produção cultural dentro e fora da universidade. O teatro de grupo foi onde
pude exercitar e aprofundar noções que já eram de minha inquietação na
formação curricular, além de claro poder dar acesso a mecanismos culturais
dos quais eu não acessava antes. Dediquei-me fortemente as ações de dois
grupos na Universidade o que me deu suporte formativo pra minha aplicação
profissional hoje (Franco Wilamy, Grupo Arkhétypos).

Percebe-se na fala de Wilamy que ele não teve apenas acesso à pesquisa
como ator, mas às montagens dos processos criativos, à organização de eventos e
produção cultural, daí a importância de aprender a veicular a arte e não somente cria-
la dentro da UFRN, mas fora dela, atingindo outros públicos.
Denilson David, na sua fala, reforça que:

Participar de um grupo de teatro na universidade é algo extremamente


significativo para o complemento da sua formação, tanto como artista, quanto
como educador. Uma vez que no espaço do grupo, você tem a oportunidade
de colocar em prática tudo aquilo que se estuda na academia. É um momento
de partilha e de crescimento mútuo. Como artista você pode experimentar
todo o processo de concepção, construção e produção e realização de um
espetáculo. Como educador, você pode desfrutar um pouco da pedagogia
teatral, na troca daquilo que se sabe com o outro, seja em um momento de
condução de algum jogo/atividade ou no próprio dia a dia da rotina do grupo
(Denilson David, Grupo Eureka).

Assim, podemos notar que ao participar de um grupo de teatro na


Universidade, há a possibilidade de aglutinar experiências no fazer artístico, ou seja,
experimentar a arte, criar, conceber, produzir espetáculos, o que vem a construir
pedagogicamente o artista-professor.
Já no olhar de João Vitor, percebe-se uma menção à experiência do outro,
que compartilha o conhecimento, reforçando que:

A importância é porque de certo modo a gente já pega a bagagem daqueles


que já estavam em momentos anteriores, e isso a gente vê entrar em
atividade as teorias e as práticas estudadas em sala de aula. Isso é
fundamental. Quando saímos da sala de aula, da universidade, desse lugar,
nos deparamos com a realidade que de certo modo, existe apenas nas
nuances. Quando estamos participando de um grupo na universidade, a
gente vê tudo que é discutido em sala de aula, como por exemplo, nas aulas
de Nara Salles, que ela falava sobre performance. E o cruor é isso, é esse
manifesto, essa pluralidade, é algo que não está fechado, ele é algo que
aceita as diferenças, assim como a performance. E essa é a relevância,
porque soma-se os conceitos que se começou a trabalhar e que as vezes não
62

vemos em outros grupos externos a universidade. É como se no grupo da


universidade a gente discutisse a teoria e prática por ela ser relevante (João
Vítor, Grupo Cruor).

Logo, se entende que é relevante unir teoria e prática para ajudar na


compreensão dos conceitos trabalhados em sala de aula, discutindo a pluralidade
como matriz do conhecimento numa abordagem performática, onde o aluno
pesquisador passa a atuar em outros espaços além da universidade.
O que se observa é que é dada uma importância muito grande em se pensar
o teatro de grupo na extensão universitária e na formação de seus integrantes. O fazer
artístico dessas pessoas em seus grupos de teatro, de certa maneira, contribuíram
para ampliar seus repertórios de conhecimentos sobre diversas estéticas teatrais,
difundindo a prática teatral na universidade e fora dela. As respostas dos
entrevistados, também apontam a oportunidade que eles tiveram de crescer pessoal
e profissionalmente, no âmbito da Universidade.
É interessante pensar e resgatar a importância do fazer teatral não somente
estudando as suas estéticas, que são importantes, mas é fundamental considerar o
fazer artístico (a prática propriamente dita) como uma ferramenta de encontro consigo
mesmo e com o outro, através de uma aprendizagem que leva a novas trocas de
experiências, concretizadas num fazer artístico unindo a teoria à prática, possibilitando
novos olhares ao teatro.
A prática artística teatral pode ser trabalhada em escolas e universidades para
a formação do ser. Assim, o teatro passa a ser um elemento mediador entre a pessoa
que atua (artista, ator) e a pessoa que vê (espectador), possibilitando
‘’atravessamentos’’, que vão além de uma linguagem artística, que norteia uma
determinada estética teatral, como é o caso do teatro do oprimido relatado
anteriormente na Cia GABOTUN.
O atravessamento, conforme Sebastião de Sales Silva (2017), ultrapassa o
campo da experiência. Se na experiência, somos tocados, transformados pelo vivido,
no atravessamento, além de sermos transformados, nos deixamos afetar (SILVA,
2017, p. 29). Ou seja, no teatro o ato de “atravessar” fortalece a comunicação com o
outro, pois ocorre o entrosamento que se concretiza ao ser tocado pela arte alheia.
Logo, quando ocorre a transformação, os atravessamentos se concretizam.
63

Dando continuidade à análise das questões respondidas pelos artistas de


cada grupo, passamos a relatar, o que foi revelado a partir da pergunta: Como esse
grupo contribuiu/contribui para sua formação?

Sobre a formação, Allan Phillype revela que:

O grupo que faço parte, o arkhétypos, abriu meus olhos para uma nova forma
de se fazer teatro e de repensar meu corpo. Principalmente sobre as questões
de respeitar as diferenças entre várias pessoas diferentes. Foi muito
importante para a minha formação. (Allan Phillype, Grupo Arkhétypos).

Na fala de Allan, notamos que o Arkhétypos tem uma preocupação com a


questão das diferenças e incute no grupo um olhar o outro sem preconceito, é o
respeito a diferença, onde se entende que cada um pensa e age de maneira única
sem haver com isso a discriminação.
Hélio Júnior, por sua vez, assim se expressa, respondendo à questão:

Eu já vinha fazendo teatro, e claro, era um momento de interagir, aprofundar


mais o teatro político. Um teatro voltado para as discussões sociais. Um teatro
de resistência. E isso foi importante pra minha formação. Embora eu viesse
trabalhando com teatro oprimido, teatro comunitário desde 1980. Na
universidade isso acontece de forma mais sistematizada, porque no teatro de
rua você trabalha vários autores, vários diretores e o Boal estava ali também
presente na prática. Reforçando, o grupo de teatro na universidade para mim
foi de suma importância porque centramos mais no estudo do teatro do
oprimido. (Hélio Junior, Cia GABOTUN).

Entende-se aqui que o GABOTUN tinha um trabalho sistematizado para ele,


que vinha de um teatro de rua e isso abriu um novo olhar para as discussões sociais,
unindo a teoria à prática através do teatro do oprimido.
No relato de Natã Ferreira, do Grupo Cruor, temos:

Esse grupo em especial me apresentou pessoas maravilhosas, cada um com


suas questões pessoais, que juntos criamos um corpo político de resistência
na nossa forma de criar (mesmo sem perceber muitas vezes), dentro de
nossas possibilidades para aquele período curto de quase 2 anos de trabalho
conjunto. Também o que mais aprendi foi como lidar com conflitos em grupo
de arte, sendo a maioria dos integrantes do curso de teatro, os conflitos
acabavam muito viscerais, o que agora, olhando para trás, chego ao riso.
Também aprendemos a ser bastante “autônomos” em nossas formas de
compor e criar, já que, na prática, não éramos coordenados por nenhum
docente. O ponto negativo dessa autonomia era que nunca sabíamos muito
bem as “finalidades” das ações, que já existiam antes da minha entrada no
grupo, e os conceitos que éramos subjugados nos trabalhos desenvolvidos.
Dessa forma cada um empregava seus palpites, trazendo seus
conhecimentos pessoais e acadêmicos, se agarrava na bolsa (que era
necessidade de vida financeira para todos, digo isso por importância política),
e seguia produzindo. Então acabava sendo como um emprego mesmo (nesse
caso específico desse grupo). Ou seja, o grupo com bolsa foi um sustento
64

financeiro necessário para manter os meus estudos na graduação” (Natã


Ferreira, Grupo Cruor).

Percebe-se que Natã, no seu depoimento, mostra ter unido o útil (bolsa
remunerada) o agradável (compor, criar) teatralmente falando. Vê-se que existia uma
questão de resistência e política no corpo do grupo, contudo, era preciso lidar com os
conflitos para se manter na bolsa, que, para ele, era o meio de se manter no curso de
graduação em teatro. Observa-se uma colocação muito forte com relação à
necessidade de sustento financeiro por parte do depoente.
Denilson David, do Grupo Eureka, por sua vez, assim se expressa:

Me fez amadurecer, como pessoa, artista, como educador. Lá eu pude errar,


cair, levantar. Me preparei para o mercado, para a sala de aula, para a vida.
A rotina de um grupo de teatro, a convivência com o outro, todas as
dificuldades e superações vivenciadas, proporcionam lições que você não
encontra na academia (Denilson David, Grupo Eureka).

Nota-se que o grupo, para ele, foi o lugar de crescimento pessoal e


profissional, podendo ser traduzido como um laboratório de criação e experiência para
a vida, o que possibilitou a Denilson uma preparação ao mercado de trabalho e ao agir
em sala de aula, como educador, pois conforme o seu relato, essa vivência mais
profunda não ocorre no âmbito da academia.
Anna Celina, da Cia GABOTUN, no seu depoimento, declara:

O grupo me proporcionou leituras fora do meu universo acadêmico,


conhecimento do corpo, da fala, da voz, da interpretação de texto, de
encontros com novas perspectivas de visão da cidade e dos cidadãos (Anna
Celina, Cia GABOTUN)

Observa-se que o grupo ampliou o repertório de conhecimento de Celina no


sentido de um novo olhar sobre o corpo, lidar com a fala, a impostação da voz e, dentro
do universo da leitura, a oportunidade de interpretação de textos além do espaço
universitário, se apropriando de novos saberes também com relação à questão de que
“a cidade é um reflexo do cidadão”26, uma vez que cada um, na sua criação, poderia
contribuir para a transformação da sociedade, inclusive, através das práticas teatrais.
E, esse olhar o corpo e enxergá-lo se repete no relato de João Vitor, do Grupo
Cruor, quando diz:

O grupo contribuiu pra minha formação de modo significativo, por que eu


comecei a enxergar no meu corpo, um corpo político, e não somente um corpo

26 Harvey, 2014.
65

no espaço, aquele que se coloca a margem pra defender uma causa, pra falar
sobre algo, pra discorrer sobre os fatos, e o cruor tem esse caráter.
Ele quer evidenciar algo, quer apresentar e discutir. E a cada vez que eu
entrava em cena no grupo cruor, que foi a partir da performance urbana
“homens libertos’’, era pra quebrar os padrões estabelecidos na sociedade.
Esse pensamento eu dou continuidade na minha pesquisa de mestrado. Um
corpo político, que se coloca em cena pra atingir algo, por um motivo. Essa é
a maior contribuição que o grupo me deixou, artisticamente e humanamente.
(João Vítor, Grupo Cruor).

Constata-se que o grupo Cruor tem uma estética política, conforme João Vitor,
quebrando padrões de corpos estabelecidos socialmente, no sentido de se soltar
como artista, se deixando ver como homem livre no espaço cênico. E, considerando
a nossa análise, com relação à teoria e à prática acadêmica, Franco Wilamy, do Grupo
Arkhétypos, reforça que:

Para além do que se registra curricularmente, nos certificados de


apresentações inclusive internacionais, nas diversas oficinas e workshops,
bem como na habilitação na organização e produção de eventos. O grupo
contribuiu para me profissionalizar na prática, nos encontros cotidianos na
gestão das atividades e no meu caso em especial, sou muito grato por ter
apreendido e experimentado metodologias de criação e maturidade estética
ao ter um espaço pra experimentar, trocar e aprender. Se hoje ministro
oficinas de teatro e tenho uma trajetória mais voltada para pensar o corpo na
cena e os exercícios de atuação isso se deu nas experiências do grupo, no
exercício da autonomia e mediação que aprendi com meus encenadores e
mestres. Minha iniciação científica também se deu no grupo de teatro, as
noções que carrego hoje de arte pesquisador estão completamente
fomentadas das experiências no grupo de teatro universitário (Franco Wilamy,
Grupo Arkhétypos).

Das colocações de Wilamy, depreende-se que o lugar dos encontros, a


prática, a gestão das atividades, a experiência no grupo, as metodologias
experimentadas, trouxeram-lhe maturidade, e hoje, reverbera na sua atuação
profissional, daí o sentido de gratidão reforçada pelo artista-professor-pesquisador na
sua prática àqueles que lhes orientaram no espaço acadêmico.
Dando continuidade às reflexões provenientes da nossa pesquisa, a próxima
questão a ser analisada é: O que significa pertencer a um grupo de Teatro
Universitário? A qual teve como respostas o que relatamos a seguir:
Para Allan Phillype, do Grupo Arkhétypos, pertencer a um grupo de teatro
universitário “é uma oportunidade” e significa, para ele, ter esperança de que ele pode
vencer na vida, fazendo teatro, além de se tratar de uma experiência de grande
importância.
Já em Hélio Júnior, da Cia GABOTUN, temos que ele se coloca como um
“nós”, observado no relato abaixo:
66

Nós tentamos nos organizar em uma abordagem específica do teatro,


sistematizamos o pensamento, fazemos experiências, pesquisas e isso é muito
bom. Embora saibamos que o teatro na universidade é temporário, o grupo em
si é temporário, ou seja, as pessoas que passam pelo grupo. O grupo pode
ficar 10, 20, 30, 50 anos, mas o mesmo é rotativo, vai terminando o “curso’’, e
os participantes vão para outro grupo de teatro, vão seguir a vida profissional,
alguns saem da universidade. Percebe-se um fluxo grande que é por um lado
positivo e por outro as abordagens vão se modificando, novas pessoas vão
entrando e surgindo novas ideias, novos projetos, e isso aconteceu com
GABOTUN de certa forma. Era um grupo base (GABOTUN) e depois teve
pessoas que vieram participar do grupo, com novos projetos, com espetáculos
novos, como: auto de natal, e outras montagens que foram projetos seguintes.
Mas, um espetáculo que marcou o GABOTUN foi o “Fome causa x’’, com a
perspectiva do teatro do oprimido. Montamos outro espetáculo (primeiro
trabalho do grupo) chamado “privatização versus greve’’ que foi apresentado
no período da greve dos professores, trabalhando diferentes tipos de
professores (Hélio Junior, Cia GABOTUN).

Na verdade, Hélio Júnior não responde a pergunta posta, no entanto, ele nos
apresenta as transformações que podem ocorrer ao longo dos anos nos grupos de
teatro academicamente falando, uma vez que estar na universidade é uma ação
temporária e, à medida que as pessoas, estudantes, docentes vão passando, as
montagens, os projetos e as abordagens se modificam também por novas ideias para
a construção de espetáculos diferentes. A essência do GABOTUN ficou, porém, ele
vai se transformando a cada nova formação de grupos teatrais.
Na contribuição de Anna Celina, da Cia GABOTUN, reforça-se que participar
do grupo, para ela, foi um despertar para a formação teatral, mesmo que a mesma
não tivesse seguido a profissão, contudo houve a possibilidade dela ter um olhar mais
abrangente sobre a arte, visto que isso fez toda a diferença em sua vida profissional.
Natã Ferreira, do Grupo Cruor, por sua vez, diz que “pertencimento é um termo
muito pesado para ser colocado dessa forma. Mas pode-se dizer que participar de
tarefas/trabalhos/criação em conjunto, para mim, é sempre atualizar o significado de
família”. Entende-se que Natã não só se percebe como um ator no grupo, mas faz
referência ao coletivo de teatro como uma família.
Franco Wilamy, do Grupo Arkhétypos, expõe que pertencer a um grupo:

Em termos práticos é ter vínculo como membro de algum projeto que se


queira pensar teatro em grupo na universidade. Mas tive sorte de ter feito
parte de reais comunidades, no sentido “comunitas” de partilhar a partir do
encontro as potências criativas e de ser acolhido e se identificar com os outros
ali. O grupo me segurou ali diversas vezes em que minha vida secular e as
dificuldades de ser um aluno pobre com problemas sócio econômicos que me
deixavam vulnerável. Acho que cada grupo constrói suas relações e eu fui um
sortudo nas minhas, tenho grandes parcerias e afetos dos grupos aos quais
fiz parte (Franco Wilamy, Grupo Arkhétypos).
67

É perceptível que Franco tem identidade com o grupo, falando de suas


relações, de se sentir comunidade, ter parceiros e sair da vulnerabilidade que vivia
como pessoa de situação sócio econômica difícil e o Arkhétypos para ele abriu
caminhos afetivamente falando.
Denilson David, do Grupo Eureka, reforça que pertencer a um grupo:

Foi a realização de um sonho. Através dessa participação eu pude entender


melhor o que é ser/fazer teatro de grupo. Todos os benefícios,
potencialidades e barreiras. E com certeza passei a valorizar ainda mais os
grupos de teatro que eu já conhecia e aqueles que conseguem realizar seus
trabalhos com maestria, harmonia, sensibilidade e sensatez através dos
tempos (Denilson David, Grupo Eureka).

Ele tem uma visão de fazer teatro como um coletivo, e vê nisso um benefício
ao seu crescimento profissional, num olhar o trabalho do outro com uma nova
perspectiva, sendo sensível à construção do conhecimento como prática.
Na fala de João Vitor, do Grupo Cruor, temos que, fazer teatro:

É como algo imprescindível. O cruor, por exemplo, tem uma temática


específica, lida com os corpos diferenciados e esse lidar com esses corpos
aciona a percepção da pluralidade, da diversidade a qual estamos inseridos,
e que a nossa sociedade não respeita. No cruor havia pessoas com “padrões’’
gordo, magro, etc. E isso é um somar. Nara era uma provocadora no nosso
trabalho, ela fazia-nos pensar nosso corpo, e tudo que fôssemos usar em
cena. (João Vitor, Grupo Cruor).

Ressalta-se aqui a questão da diversidade e pluralidade nas reflexões do


grupo Cruor, e ainda, a observação da necessidade do respeito às diferenças, pois o
coletivo desenvolvido no grupo tinha também um cunho provocativo, levando o público
a uma reflexão, uma vez que corporalmente, ninguém é igual.
Ainda sob o olhar dos questionamentos feitos durante a pesquisa de campo,
foi perguntado aos atores/estudantes o que é importante para eles em um grupo
universitário de teatro. Com relação isso, Allan Phillype, do Grupo Arkhétypos, reforça
que “o aprender em grupo... ter responsabilidade... compreender o que é ser família
e, principalmente, aprender uns com os outros é uma troca interpessoal. Na verdade,
todos aprendem coletivamente.
Na fala de Franco Wilamy, do mesmo grupo, percebemos que, para ele o que
importa em um grupo universitário é:
68

O canal aberto de acesso democrático às mais variadas possibilidades do


fazer teatral, sem hierarquias. A potência do trabalho coletivo na soma das
potências individuais. A formação artística continuada e sobretudo humana.
Teatros universitários não devem seguir a lógica produtiva de mercado, mas
sim dar ênfase ao suporte pedagógico e criativo se seus membros. (Franco
Wilamy - Grupo Arkhetypos).

Na colocação de Franco, é de se perceber que para se fazer teatro na


universidade é preciso um suporte pedagógico, e que haja uma interação do trabalho
coletivo com o individual, considerando a variedade de conhecimentos entre seus
pares para uma construção democrática do processo criativo.
Denilson David, do grupo Eureka, aponta que:

O Grupo universitário é importante por vários aspectos, dentre eles: o trabalho


em equipe, aprender a lidar com o diferente, aprender a ouvir, a respeitar e a
colocar suas opiniões. Assim como é importante, a experimentação, os
contatos, as parcerias e os laços que são criados (Denilson David, Grupo
Eureka).

O ator em sua fala traz aspectos do desenvolvimento de habilidades com


relação ao pertencimento a um grupo universitário, essas habilidades são
desenvolvidas no saber ouvir, respeitar a opinião do outro e as diferenças, para assim
criar parcerias e novos laços no fazer teatro.
Para Hélio Júnior, do Grupo GABOTUN:

O grupo é importante por vários motivos, como já comentei nas questões


anteriores. Bom, vários grupos surgiram na universidade, como teatro
oficina no Curso de Direito, vários grupos tiveram suas manifestações
dentro da universidade, ou foram formados nela, enfim. Isso é importante.
O grupo na universidade tem caráter experimental, estudando teatro,
praticando-o. Agora quando o grupo torna-se profissional ele acaba
seguindo um caminho fora da universidade, mas, claro, o grupo tem a
possibilidade de crescer dentro da mesma através dos laboratórios, dos
experimentos, onde estudantes pesquisam, leem, praticam e quando isso
funciona esses grupos tendem a continuar fora da universidade (Hélio
Junior, Cia GABOTUN).

Apreende-se na fala de Hélio Júnior, que é válido o caráter experimental de


um grupo e ele também reforça a necessidade de se manter um laboratório para os
experimentos na universidade, de forma que os grupos possam crescer dentro e fora
desse contexto, unindo a pesquisa, a teoria e a prática num mesmo espaço
educacional.
69

Celina, da Cia GABOTUN, salienta que:

É importante a multidisciplinaridade, o GABOTUN, tinha pessoas de vários


cursos e com várias experiências de vida e isso era extremamente desafiador
e instigante, nos proporcionava um aprendizado que só existia naquele
ambiente. Foi muito, muito importante para minha vida profissional, sou grata
por tudo que vivi e aprendi com o grupo (Anna Celina, Cia GABOTUN).

Essa fala de Celina corrobora com as respostas de Natã, do Grupo Cruor,


onde percebemos nesse contexto o adendo de ser também um processo de
aprendizado na prática, ou seja, aprender fazendo, onde há a multiplicidade de
saberes.
Trazendo, ainda, o relato de João Vitor, destaca-se que, para ele o que se faz
importante num grupo universitário é:

saber respeitar as diferenças, saber lidar com elas, é olhar para o outro de
modo afetuoso, é acolher o outro. Sobretudo quando o “outro’’ é novo. A gente
precisa ter essa consciência de chegar em um espaço que eu não conheço,
uma linguagem que eu não domino, uma experiência que eu não tenho. O
grupo precisa se colocar enquanto grupo pra que venham a acolher aquele
novo, e isso significa muito no cruor. (João Vitor, Grupo Cruor).

Aqui, é retomado o mesmo pensamento de Denilson David, do grupo Eureka,


com relação à acolhida do outro nas suas habilidades e na consciência do novo que
precisa aprender a ensinar ao outro que está chegando à equipe.

3.1 DOS RELATOS ÀS EXPRESSÕES RECORRENTES DA PESQUISA


Refletindo sobre os relatos expostos pelos sujeitos da pesquisa, verifica-se a
recorrência de expressões como “aprender fazendo”, “aglutinar experiências no fazer
artístico”, “veicular a arte atingindo outro públicos”, “unir teoria e prática”, “discutir a
pluralidade”, “ampliar repertórios de conhecimentos sobre as estéticas teatrais”;
“difundir a prática teatral na universidade e fora dela”; “crescer pessoal e
profissionalmente”, fazem parte do repertório dos sujeitos pesquisados.
E ainda, “o fazer teatral como ferramenta de encontro consigo mesmo e com
o outro”; “a prática artística teatral pode ser trabalhada em escolas e universidades
para a formação do ser”; “como lidar com conflitos em grupo de arte”; “discussões
sociais”; “ser autônomo nas formas de compor e criar”; “ter uma rotina”; “a potência do
trabalho coletivo na soma dos trabalhos individuais”; o “caráter experimental de um
70

grupo”; “a multidisciplinaridade”; sendo isso reforçado por Mariz (2008), quando diz
que “[...] Tudo que se realiza do ponto de vista do saber e da criação envolvendo
também o corpo e o mundo no qual se vive’’.
Assim, é possível dizer que o corpo no teatro é ato que comunica, cria. O corpo
é instrumento do fazer artístico em construção. O corpo é potência em ação. E,
coadunando com Marcílio Vieira (2016, p. 62) “[...] o corpo não se reduz ao espaço,
mas seu movimento é meio de percepção do espaço, do tempo e da ação’’. Isso
remete ao corpo ser visto como um elemento carregado de história, que ao estar em
laboratório (trabalho prático, ensaio), começa-se a entrar nesses níveis de energia,
das memórias afetivas resguardadas e postas para fora, com ações físicas. Logo, o
corpo ultrapassa os níveis de suas próprias limitações.
Através de práticas diárias, é possível perceber a evolução do corpo a que se
constrói, sempre há um início para a prática teatral e é pertinente conhecer antes de
tudo o corpo. Perceber é adentrar no íntimo mais profundo desse corpo-alma, que se
configura na arte de criar, de evoluir, transcender.
Merleau-Ponty apud Mariz (2008) dirá que a arte não é feita com discurso
interior ou imagens, mas com linguagem. Assim, o teatro também é uma arte da
linguagem. Uma linguagem que demanda sinceridade, busca e o ato de fazer, não fica
apenas no terreno das memórias, ou das ideias. Quando o corpo se conecta com
nosso interior, é possível vê-lo se transformando e isso é linguagem artística em ação.
Schechner apud Mariz (2008) reforça que:

O teatro é terreno fértil para se inventar ou recriar possibilidades, para se


brincar de ser outros. Nele, o próprio corpo é reinventado; tem suas
capacidades ampliadas quase ao extremo. O teatro é um espaço que, por
suas próprias características, possibilita a desconstrução e, ao mesmo tempo,
o reencantamento do mundo. (SCHECHNER apud MARIZ, 2008, p. 156).

Ao refletir sobre o pensamento supracitado, é notável o lugar de diálogo, de


encontro, de compartilhamentos que o teatro possibilita, o corpo torna-se a via de
deslocamentos e trajetos que é explorado a cada processo de criação, a cada prática,
daí é possível conectar a ideia de experiência à vida profissional como formação e
construção do indivíduo no fazer teatral.
Logo, é possível associar o termo experiência empregada pelos
entrevistados, no sentido atribuído por José Larrosa (2002), ao dizer que quando ela
acontece produz significativas vivências e que precisa ser compartilhada entre os
discentes e seus pares no cotidiano educativo.
71

Consequentemente, a experiência dos sentidos das ações e dos fazeres


cotidianos; a repetição e domínio da ação; as (im)possibilidades de comunicabilidade
do vivido; os impactos, os afetos; as relações entre vivência e experiência tem a ver
com a legitimidade do saber como experiência, ou seja, “[...] um saber particular,
subjetivo, relativo, contingente, pessoal [...] que não pode separar-se do indivíduo
concreto que o encarna” (LAROSSA, 2002, p. 27), mas que se agrega à criação.
A experiência tem papel formador e é parte constituidora do sujeito. Ela
envolve fatores que, segundo Larrosa (2002), não pode ser reduzida ao simples
“fazer”. Experienciar, para ele, é viver determinadas condições que dão possibilidade
para que a experiência se efetive.
A experiência não se basta como algo exterior ao sujeito, mas sinaliza uma
interface entre interior e exterior; logo, o sujeito que a vive, no sentido arrogado por
Larrosa (2002), permite que algo lhe aconteça, lhe toque, lhe suceda. O sujeito da
experiência é consciente de sua condição de construtor do seu conhecimento, de sua
personalidade e de sua formação. Ao sujeito que vive a experiência, algo lhe acontece,
ele não se informa simplesmente; ele passa a ser autor do processo em construção.
Para o autor supracitado,

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer


um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,
suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o
que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA,
2002, p. 24).

Estes elementos, para o filósofo citado, são fundamentais para que o sujeito
se torne capaz de experienciar. Notamos que isso não é simples e que o sujeito é o
principal responsável por buscar criar condições de possibilidade para que algo lhe
aconteça.

O sujeito da experiência em Larrosa (2002) é aquele que tem a capacidade


de olhar para seu tempo com paciência, com lentidão, com demora nos detalhes, num
gesto de interrupção. Logo o sujeito da experiência não é aquele que simplesmente
executa a ação, que se informa e opina, que age por impulsos e desejos ou que
72

participa de inúmeras atividades, mas é aquele que admite sua receptividade diante
da experiência que vivencia.
Creio que as experiências vivenciadas pelos alunos nos projetos de extensão
já comentados produziram neles novos olhares para o fazer teatral, principalmente
quando vivenciaram e puderam dialogar com esses fazeres na sua experiência
continuada dentro da universidade e fora dela.
Os grupos de teatro se “encontram’’ nesse espaço contemporâneo para as
diferentes formas de criar, de treinar o ator, tendo e buscando a necessidade de se
reinventarem na atualização de suas práticas criativas, bem como em compartilharem
saberes coletivos, desenvolvendo meios “colaborativos’’ no fazer teatral.
Cabe salientar que todo esse processo de evolução em torno dos grupos leva-
os a novos saberes e estratégias de crescimento, como a busca de profissionalização
e, consequentemente, a novos modos de trabalho como o processo colaborativo.

Denomino o processo colaborativo como um modo de trabalho, por entender


que não há uma rigidez metodológica contida nas experiências que se
realizam sob a égide da expressão. O que há é um escopo de valores que
permeiam as práticas de diversos grupos, que daí conformam seus
experimentos procedimentais (ARY,2015, p. 5).

O movimento dos grupos teatrais no Brasil, tem sido cada vez mais necessário
e fundamental na cena contemporânea e isso ocorre pelo fato de uma grande
quantidade de grupos de teatro estarem desenvolvendo e disseminando suas práticas
coletivas teatrais por diversas regiões brasileiras, se mantendo resistentes em suas
atividades criativas no âmbito cultural, como também vem ocorrendo na UFRN.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os grupos teatrais ainda são vulneráveis, pois nem sempre os integrantes


permanecem, ou conseguem apoio financeiro (patrocínios). E, como o apoio a cultura
ainda é muito escassa, os editais para estes grupos também são insuficientes.
O apoio financeiro (como patrocínios e incentivos à cultura com premiações e
editais) é importante também para os grupos se manterem fisicamente numa
determinada estrutura. Os grupos da extensão universitária, por exemplo, (chamados
73

também de projetos de extensão), recebem o apoio financeiro da universidade, mas


concorrem a editais que ajudam na consolidação dos mesmos, além de levar a arte
para diversos lugares.
Contudo, para continuarem seus trabalhos, os grupos da categoria, sem
apoios financeiros, formam suas próprias estratégias, nas quais geram sua
permanência, lembrando muito o teatro amador que se constituía independentemente.
Mas, “essa independência não significa necessariamente assumir uma atitude de
ruptura absoluta com procedimentos que caracterizam o mercado cultural, mas implica
a busca de um espaço de autonomia’’ (CARREIRA, 2006, p. 9).
Nessa perspectiva, muitos grupos adentram em um processo de
profissionalização, isto é, se aperfeiçoam em suas práticas artísticas, buscando
reconhecimento mundo afora e trabalhando diferentes linguagens artísticas
(envolvendo dança, teatro, performance). Isso, de certa forma, alimenta o grupo,
dando a possibilidade de criar práticas artísticas que não fiquem somente em
laboratórios de criação ou na universidade.
A universidade, por sua vez, é um espaço em que pode haver produção,
reflexão e o compartilhar/trocas sobre diferentes estéticas teatrais no campo da arte,
é o lugar gerador de conhecimento que deve ser lançado e compartilhado fora dela,
propiciando, ainda, a formação de plateia e potencializando a formação acadêmica do
discente, bem como o seu crescimento pessoal, sendo isso percebido através das
entrevistas aplicadas com os questionários.
Através dos questionários pude perceber o quão é relevante e necessária a
discussão e reflexão sobre as diferentes formas de um grupo teatral re(existir),
especialmente dentro da universidade. Os grupos re(existem) através de suas práticas
diárias de criação artística, muita disciplina, o processo metodológico (se identificando
em uma ou mais estéticas teatrais) e o próprio processo de criação que é a “força
motriz’’ na existência de um grupo.
Os grupos de extensão dentro do DEART-UFRN, por exemplo, contribuem
para sua (re)existência. Isto é, são projetos os quais estão alicerçadas para a
continuação dos processos criativos dos alunos, como também são fontes geradoras
de conhecimento na área artística tanto para a comunidade interna da UFRN como
para a comunidade externa, pois muitas pessoas são convidadas a participar de
oficinas, palestras e muitas delas não são artistas/atores.
74

Além de se perceber a autonomia desses grupos, que defendem suas


escolhas estéticas (trabalhando sob vieses políticos, sociais) e passam a inspirar
outros grupos e artistas. Por isso, a universidade, inserida nesse lugar de
trans(formação), muito auxilia nesse viés.
Esses Grupos uma vez concretizados, possibilitam produção artística,
capacitação dos estudantes/artistas em diferentes estéticas teatrais e a continuação
do projeto para outros novos participantes, pois o grupo gera fluxo, movimento de
pessoas por si próprio.
É importante, registrar aqui que essa pesquisa vai buscando ‘atravessar’ esses
grupos que permearam o cenário artístico teatral da UFRN e que nos provoca
enquanto grupos que buscam suas formas peculiares de fazer teatro, de fazer arte;
grupos que resistiram e criaram sua própria organização.
Dessa forma, a pesquisa referiu-se a um processo de análise e investigação
acerca dos grupos da UFRN, sobre um mapeamento que se desenvolveu a partir
desta observação e das entrevistas que foram feitas para a construção de minha
escrita, durante a qual, pude perceber que alguns desses grupos são
autodenominados de grupos ou coletivos de teatro e sobrevivem sobretudo de editais,
quando lançados ou em apresentações em espaços da cidade; enquanto outros
grupos eram ou são projetos de extensão, com o apoio da Universidade e
desenvolvem atividades dentro e fora da mesma. E geralmente os professores do
Departamento de Artes são responsáveis por inscrever tais grupos nos editais de
extensão dessa universidade.
Todos estes grupos, coletivos, ou projetos de extensão são de grande importância
para a política de desenvolvimento da cultura local, bem como da UFRN, e para
formação de plateia, levando para o público um teatro reflexivo, que prima pela
criticidade e que é acessível com linguagens diferenciadas de se fazer teatro na
universidade e muitos deles se constituindo em suas práticas/vivências a partir do
processo colaborativo.
Todos os grupos teatrais, quer de caráter semiprofissional, quer de caráter
artístico e de pesquisa são basilares para o entendimento do objetivo dessa pesquisa.
A compreensão da criação desses grupos nos possibilita perceber, no âmbito
universitário, em particular, aqueles que se organizam semiprofissionalmente, como
são desenvolvidos e resistem na UFRN.
75

Quanto à historicidade, faz-se necessário uma reflexão sintetizada em


períodos/décadas, situando o leitor numa perspectiva de conhecimento sobre a
importância dos grupos de teatro nessa Universidade, como também, dando
continuidade ao levantamento de algumas questões pertinentes no que tange a
própria sobrevivência dos grupos.
Vale registrar aqui que, em alguns casos, não foi possível fazer uma descrição
mais profunda do assunto, uma vez que não haviam registros escritos ou imagéticos
dos grupos que sustentassem ainda mais essa escrita dissertativa, sendo o que temos
para o momento, deixando a pesquisa em aberto àqueles que queiram aprofundar
essa busca investigativa.

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81

APÊNDICE
82

Entrevista com Carla Martins, diretora e fundadora do Grupo Pele de Fulô.


Realizada em 12 de abril de 2018

O. Carla, como surgiu o Grupo Pele de Fulô? E esse surgimento se deu no âmbito da
UFRN?

C. O Pele de Fulô surgiu a partir do meu mestrado em Artes Cênicas na UFRN. Na


época, estava desenvolvendo um trabalho prático chamado Cravo do Canavial com
alguns artistas da cidade e estudantes do departamento de Artes. Na ocasião, fomos
contemplados com o Prêmio Nacional Myriam Muniz - Montagem. Em paralelo, surgiu
o Grupo, onde assino a Direção artística e sou fundadora. Na época, o trabalho estava
vinculado ao projeto de extensão, coordenado pelo professor Robson Haderchpek.
Depois de finalizar o Mestrado fomos contemplados com o Myriam Muniz circulação.
Passamos o ano de 2013 praticamente todo na estrada. E, logo depois, entrei na
UFRN como professora substituta. O Pele seguiu em paralelo, mas a configuração de
artistas participantes já não era a mesma. Eu segui com o Grupo, mas o coletivo que
estava no espetáculo Cravo do Canavial, cada um seguiu novos caminhos.

O. Quais são os integrantes? São todos alunos?

C. A nova configuração do Pele de Fulô se formou a partir do espetáculo Tombo da


Rainha. Um espetáculo que contou com o apoio da UFRN e que foi contemplado com
o Prêmio Afro Nacional. Na época, todos os novos integrantes eram alunos da UFRN,
mas hoje, alguns já se formaram.

O. O grupo ainda está ativo? (está vinculado a algum projeto de extensão)? Caso não
esteja ativo, pretende voltar?
C. O grupo continua ativo e agora o foco é o Sob o Sol, o processo prático do meu
doutorado que estou cursando na UNIRIO, Universidade onde me graduei. A primeira
etapa deste processo se dará no Rio de Janeiro, mas a ideia é reunir o coletivo que
vem se formando por aqui, com os integrantes do Pele de Fulô, mais adiante. A minha
migração para outra cidade aparentemente paralisou um pouco a movimentação dos
demais integrantes do Pele; mas, em breve estarei de volta. Não estamos vinculados
hoje a nenhum projeto de extensão.
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O. Qual a linguagem que é trabalhada?

C. Trabalhamos com as motrizes afro-ameríndias: maracatu, frevo, caboclinho e


cavalo marinho como potência criativa, indo desde o treinamento dos artistas da cena
até o trabalho de composição cênica e dramatúrgica.

O. Você atua no grupo como atriz também? Aliás, cada integrante tem uma função
específica?

C. Não arrisquei estar na cena nos processos do Pele, mesmo porque desempenho
várias funções. Ainda estamos tentando nos estruturar e descobrir o papel de cada
integrante. Os dois últimos anos foram bem difíceis para o Grupo. Passamos/estamos
vivendo uma crise interna, reflexo do que acontece no cenário do País, sem dúvida.
Mas iremos nos reestruturar. Tenho certeza disso!

O. Quais as peças que vocês estrearam?

C. Além do Cravo do Canavial e do Tombo da Rainha, considero que as montagens


do Bodas de Sertão e da Casa do Louvor também estão ligadas ao Pele, porque
assinei a direção desses dois espetáculos. O primeiro em parceria com a CDTAM e o
segundo com a Cia. Bagana de Mossoró. Acho natural que o Grupo esteja muito
atrelado a minha presença/permanência porque ele surgiu antes de mais nada de uma
pulsão pessoal de pesquisa; mas acredito que as relações entre os que hoje fazem o
Pele estão amadurecendo e dessa forma se definindo. E novas pessoas podem
chegar também. Acho bom essa integração e novas parcerias em outras cidades.

O. Possuem ou possuíram algum apoio da UFRN ou de algum edital?

C. Acho que essa resposta está diluída nas respostas acima.

O. Você vê alguma diferença entre grupo e coletivo?

C. Apesar de carregarmos o nome "Grupo", acho que o Pele de Fulô ainda não se
tornou um. Estamos em processo de nos tornarmos um Grupo, porque para que isso
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aconteça é necessária uma estruturação elaborada, divisão de tarefas, etc. Onde cada
um segure o "leme do navio” com autonomia e em nome de um "mesmo" objetivo. A
nossa estruturação está sendo construída, mas acredito muito nas pessoas que fazem
o Pele hoje. Demos passos largos em direção a esse entendimento. Ainda somos "o
coletivo", que se reuniu para a montagem do Tombo da Rainha, mas que sente muita
vontade de continuar junto. Querer já é um passo enorme, não é mesmo?

Entrevista com Robson Haderchpek, Grupo Arkhétipos. Concedida via e-mail em


03 de junho de 2018

O. Robson, como surgiu o Grupo Arkhétypos? E esse surgimento se deu dentro da


UFRN mesmo?

R. O Projeto Arkhétypos teve início em março de 2010, quando o Prof. Dr. Robson
Carlos Haderchpek, do Curso de Teatro da UFRN, começou a pesquisar a
Comunidade da Vila de Ponta Negra - Natal/RN, local onde morava. O intuito inicial
da proposta consistia em investigar as histórias da população local e a partir delas
iniciar um processo de construção cênica utilizando como tema as “histórias de
pescador”.
Para tanto, foi formado um Grupo de Teatro que estivesse disposto a lançar-se a
campo e iniciar uma atividade de extensão na Vila de Ponta Negra. A priori, a atividade
do Grupo seria conhecer um pouco da história da comunidade, participar das reuniões
do Conselho Comunitário da Vila e dos ensaios dos Grupos de Manifestação Popular,
acompanhando a realidade local e pesquisando o universo simbólico dos moradores.
A partir das atividades desenvolvidas na Vila e dos trabalhos realizados em sala de
ensaio, o Grupo começou a estruturar um espetáculo teatral que falava do imaginário
coletivo da população local: Santa Cruz do Não Sei. O Projeto também contou com o
apoio de outros docentes do Departamento de Artes, que atuavam como facilitadores
do processo, ora participando dos ensaios, ora orientando as pesquisas do Grupo e
contribuindo artisticamente com o mesmo.
O Grupo foi oficializado como Projeto de Extensão da UFRN e decidimos batizá-lo
com o nome de Arkhétypos. A palavra é de origem grega e significa modelo primitivo,
idéias inatas, conteúdo do inconsciente coletivo que foi empregado pela primeira vez
por Carl Gustav Yung.
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No universo mítico, esses conteúdos remontam a uma tradição, cuja idade é


impossível determinar e pertencem a um mundo do passado, cujas exigências
espirituais são semelhantes às que se observam entre culturas primitivas ainda
existentes. Os arquétipos estão contidos no inconsciente coletivo e se manifestam na
consciência dos indivíduos e dos povos por meio dos sonhos, da imaginação, dos
símbolos, ou de personagens que falam do comportamento universal do homem, isso
vem a coadunar perfeitamente com a proposta do Grupo.

O. Quais são os integrantes? São todos alunos?

R. Quando foi criado em 2010 o Grupo era composto por alunos do Curso de Teatro,
do Curso de Dança, do Curso de Artes Visuais, de Educação e de Música. Em 2012
o Grupo iniciou um novo processo de criação e então recebeu pessoas da comunidade
e artistas locais para integrar o elenco do Aboiá, o mesmo aconteceu em 2013 com o
processo do Revoada e com o Fogo de Monturo. Hoje o Grupo Arkhétypos é um dos
Grupos Permantes de Arte e Cultura da UFRN e possui em sua composição alunos
da Graduação e do Mestrado, ex-alunos e pessoas da comunidade.
Já passaram pelo Arkhétypos mais de 50 pessoas, dentre elas podemos citar: Aldemar
Pereira, Marília Farias, Klécio Mukammo, Mayra Montenegro, Paul Mailliw de Moraes
Pontes, Paulinha Medeiros, Tatiane Tenório, Rodrigo Severo, Silvia Sol, Leila Bezerra,
Antonio Vicente Neto, Wallace José de Oliveira Freitas, Hilca Honorato, Paula Vanina
Cencig, Alex Cordeiro, Luana Menezes, Ananda Krishna, George Holanda, Izabela
Câmara, João Pedro Araújo, Luana Menezes, Lucília Guedes, Tauany Thabata,
Thainá Medeiros, Clareana Graebner, Caio Padilha, Adriel Bezzera, Alice Heusi, Allan
Phyllipe, Cecília Moreno, Cléo Araújo, Elizabeth Araújo, Francismar Silva, Franco
Fonseca, Igor Barboà, Leka Bezsi, Lisa Jordana,
Maria Flor, Nadja Rossana, Pierre Keyth, Rocio del Carmen Tisnado Vargas,
Sebastião Silva,Thulho Siqueira, Vanessa Souza, Diego Marcel, Patrick Cezino,
Lucifranklin Vitorino, Luciana Lyra, Alice Jácome, , Analice França, Bebel Dantas,
Camila Guerra, Camila Olie, Elze Maria Barroso, Fernanda Cunha, Liliane Bezerra,
Lúcia Freire, Pablo Costa, Pedro Fasanaro, Thuyza Fagundes, Hianna Camila, Érika
Yuka, Jucie Borges, Lívia Oliveira, Pablo Vieira, Deborah Custódio, José Ricardo
Roberto da Silva, Thaís de Oliveira Shimidt, Valéria Chaves Medeiros, Luã Fernandes,
Thazio Menezes e Hikel Brauwn.
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Contamos também com a colaboração dos professores: Sávio Araújo, Mayra


Montenegro, Lara Rodrigues Machado, Teodora de Araújo Alves, Carla Pires Martins,
Makarios Maia Barbosa, Ronaldo Costa, Laura Figueiredo, Luciana Lyra, Patricia
Béliéres, Alejandro Cancela, Anita Gritsch, Patricia Simpson e Angelika Hauser-
Dellefant.

O. O grupo ainda está ativo? (está ligado a projeto de extensão)? Caso não esteja
ativo, voltará?

R. Sim, o grupo está ativo, é um Grupo Permanente de Arte e Cultura da UFRN ligado
à Extensão.

O. Qual a linguagem que é trabalhada?

R. Não trabalhamos com uma linguagem específica, desde a sua fundação o grupo
abarca pesquisas híbridas dentro do universo das Artes, misturando canto, música,
dança, teatro, vida e fazer artístico. Desde a sua criação em 2010 o Arkhétypos Grupo
de Teatro da UFRN vem trabalhando numa perspectiva laboratorial e tem construído
seus espetáculos a partir de um mergulho no universo simbólico de cada ator, sempre
associando a prática artística com a busca pelo autoconhecimento. É comum em seus
processos de criação que o Grupo escolha um elemento da natureza como mote
criativo: terra, água, fogo e ar. Chamamos este trabalho de poética dos elementos,
inspirados por Gaston Bachelard (2013) que escreve sobre a imaginação da matéria,
passando pela tetralogia dos elementos:

Com efeito, acreditamos possível estabelecer, no reino da imaginação, uma


lei dos quatro elementos, que classifica as diversas imaginações materiais
conforme elas se associem ao fogo, ao ar, à água ou à terra. E, se é verdade,
como acreditamos, que toda matéria deve receber componentes – por fracos
que sejam – de essência material, é ainda essa classificação pelos elementos
materiais fundamentais que deve aliar mais fortemente as almas poéticas.
Para que um devaneio tenha prosseguimento com bastante constância para
resultar em uma obra escrita, para que não seja simplesmente a
disponibilidade de uma hora fugaz, é preciso que ele encontre sua matéria, é
preciso que um elemento material lhe dê sua própria substância, sua própria
regra, sua poética específica. (BACHELARD, 2013, p.3-4).

Através desta substância material, própria da imaginação, buscamos potencializar os


diferentes tipos de energia provenientes de um processo de criação, sempre tomando
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como referência um universo simbólico de dimensões arquetípicas. Num processo


como esse o ator atua como uma espécie de curandeiro, materializando suas paixões
e revelando a sua alma. É como diz Artaud:

A crença em uma materialidade fluídica da alma é indispensável ao ofício do


ator. Saber que uma paixão é matéria, que ela está sujeita a flutuações
plásticas da matéria, dá sobre as paixões um domínio que amplia nossa
soberania. Alcançar as paixões através de suas forças em vez de considerá-
las como puras abstrações confere ao ator um domínio que o iguala a um
verdadeiro curandeiro (ARTAUD, 1993, p. 131)

Com base neste princípio, a busca dos atores do Grupo Arkhétypos segue no sentido
de encontrar metáforas que possam reconectar o homem com os eternos universais,
religando-os à essência da imaginação material e à materialidade fluídica da alma.
Dentro de um processo de criação de natureza ritualística o ator torna-se um canal de
manifestação das paixões, criando fissuras no tempo e no espaço e permitindo que o
inconsciente coletivo se revele através dos personagens/arquétipos que se
materializam no “jogo ritual”.
Em seu livro Os arquétipos e o inconsciente coletivo (2014) Carl Gustav Jung nos fala
sobre os arquétipos, conteúdo do inconsciente coletivo que se revela através de
sonhos, símbolos e mitos: “O arquétipo representa essencialmente um conteúdo
inconsciente, o qual se modifica através da sua conscientização e percepção,
assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se
manifesta.” (JUNG, 2014, p. 14).
Quando adentramos num processo de criação, elegemos um elemento da natureza
como guia (terra, água, fogo ou ar) e deixamos que o nosso insconciente nos revele
os arquétipos provenientes daquela temática. Os personagens arquetípicos são
típicos deste tipo de processo em que o ator entra num “jogo ritual” e passa a criar
uma dramatrugia corporal a partir de si, a partir da sua mitologia pessoal. Segundo os
pesquisadores David Feinstein e Stanley Krippner:

Os mitos, no sentido que damos ao termo, não são lendas ou falsidades, mas
modelos através dos quais os seres humanos organizam e codificam suas
percepções, sentimentos, pensamentos e atitudes. Sua mitologia pessoal
origina-se dos fundamentos do seu ser, sendo também o reflexo da mitologia
produzida pela cultura na qual você vive. Todos criamos mitos baseados em
fontes que se encontram dentro e fora de nós e nós vivemos segundo esses
mitos. (1992, p.16).
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Durante o processo de criação dos espetáculos do Grupo Arkhétypos são utilizados


também estímulos musicais, e a música surge neste caso como elemento agregador
que estimula o ator e permite que ele se expresse através de uma comunicação não-
verbal, situada entre o teatro, a dança, a música e o ritual. Nesta fase de realização
dos laboratórios os atores se colocam dentro do “jogo ritual” e a partir deste jogo são
criadas as cenas e revelados os personagens/arquétipos que vão delinear a
dramaturgia do espetáculo, dramaturgia essa que denominamos
“dramaturgia dos encontros”.
Utilizamos este termo, pois partilhamos do mesmo pensamento de Jerzy Grotowski,
quando este diz que o teatro é a “arte do encontro”. Pesquisar a “arte do encontro” é
promover um encontro do homem consigo mesmo, é descobrir a arte que pulsa dentro
de nós:

A essência do teatro é o encontro. O homem que faz um ato de autorrevelação


é, digamos assim, aquele que estabelece contato com ele mesmo. Isto é, uma
confrontação extrema, sincera, disciplinada, exata e total – não simplesmente
uma confrontação com seus pensamentos, mas a que envolve todo o seu ser,
desde seus instintos e seu inconsciente até seu estado mais lúcido. (2011,
p.44)

No Teatro Laboratório de Grotowski o acontecimento teatral é visto como um ato de


comunhão e de coparticipação entre o ator e o espectador. Neste, o ator cria suas
ações e estas são resignificadas pelo espectador, que é integrado à encenação e
torna-se parte constituinte da cena: “O espectador (ou melhor, o participante) recebe
certas premissas estabelecidas. Graças a elas constrói em sua imaginação o lugar da
ação, o seu andamento, as suas associações, constrói a própria co-participação etc.”
(GROTOWSKI, 2007, p. 43).
Há sete anos o conceito de “arte do encontro” vem sendo pesquisado pelo Arkhétypos
Grupo de Teatro da UFRN, que toma por base os princípios ritualísticos da cena, por
isso chamamos o nosso jogo de “jogo ritual”. Segundo Grotowski:

“O teatro era (e permaneceu, mas em um âmbito residual) algo como um ato


coletivo, um jogo ritual. No ritual não há atores e não há espectadores. Há
participantes principais (por exemplo, o xamã) e secundários (por exemplo, a
multidão que observa as ações mágicas do xamã e as acompanha com a
magia dos gestos, do canto, da dança etc.)”. (2007, p. 41).

O “jogo ritual” é um procedimento de criação que também se faz presente na prática


artística do Grupo Arkhétypos e foi através dele que chegamos à proposta de
89

“dramaturgia dos encontros”. O “jogo ritual” (GROTOWSKI, 2007) situa-se entre o


“jogo dramático” (LOPES, 1989) e o “jogo teatral” (JAPIASSU, 2001), pois ele trabalha
numa perspectiva de jogo que parte do encontro do ator consigo mesmo, com o seu
universo interior, e o coloca numa dimensão liminar, que será compartilhada
posteriormente com o público.

O. Você atua no grupo como ator também? Aliás, cada integrante tem uma função
específica?

R. Cada processo é um processo, já atuei no grupo como ator no Revoada, depois eu


voltei a ser ator no Gosto de Flor. No Fogo de Monturo, por exemplo, eu fiz a
preparação do elenco e não atuei e nem dirigi. Nos demais espetáculos eu fui diretor,
mas não temos uma função fixa, nossa função varia conforme o espetáculo. Nadja,
por exemplo, atuou no Revoada e dirigiu o Amareelos (solo da atriz mexicana Rocio
Tisnado Vargas).

O. Quais as peças que vocês estrearam?

R. Em junho de 2010 o Grupo estreou o seu primeiro espetáculo, Santa Cruz do Não
Sei, que ficou em cartaz por dois anos se apresentando em Natal/RN, em João
Pessoa/PB e Porto Alegre/RS. Em maio de 2013 o Grupo estreou o seu segundo
espetáculo Aboiá, prêmio Myriam Muniz de Teatro (2012), com temporadas em
Natal/RN, João Pessoa/RN e Viena/Áustria. O terceiro espetáculo do Grupo, Revoada
(2014), fez temporadas em Natal/RN, Goiânia/GO e Viena/Áustria. Em junho de 2015
o Grupo estreou o seu quarto trabalho, Fogo de Monturo, dirigido pela Profª. Drª.
Luciana Lyra (UERJ) com temporadas em Recife/PE e Natal/RN. Em fevereiro de 2017
o Grupo estreou Amareelos, solo da atriz e bailarina mexicana Rocio del Carmen
Tisnado Vargas e direção de Nadja Rossana. E em maio de 2017 o estreou Éter com
duas temporadas em Natal/RN. Em junho do mesmo ano estreou o espetáculo Gosto
de Flor, produção mais recente do Grupo com direção da Profª Lara Rodrigues
Machado (UFBA). Depois da estréia o Gosto de Flor se apresentou no Festival O
Mundo Inteiro é um Palco - Ano V, promovido pelo Grupo Clowns de
Shakespeare, e foi convidado para se apresentar no Centro Coreográfico do Rio de
Janeiro, Projeto “Aproximações Coreográficas” em novembro de 2017, foi convidado
90

também para participar do Evento: “Poéticas e Ancestralidade” da Escola de Dança


da UFBA, Salvador/BA, do 1º Festival Nacional de Teatro Universitário da UFRN
(dezembro de 2017) e da V MUESTRA DE TEATRO DE MAZATLÁN que aconteceu
no México em maio de 2018.
Se você quiser pode dar uma olhada no site do Grupo, lá tem todas as informações
sobre os espetáculos: https://arkhetyposgrupodet.wixsite.com/arkhetypos

O. Possuem ou possuíram algum apoio da UFRN ou de algum edital?

R. Todos os anos nós concorremos ao Edital da UFRN para os Grupos Permanentes


de Arte e Cultura, geralmente somos contemplados com bolsas de extensão e alguma
verba para a produção dos espetáculos. No ano de 2012 ganhamos o Prêmio Myriam
Muniz de Teatro (2012) FUNARTE, categoria montagem, o que viabilizou a produção
do espetáculo Aboiá.

O. Aproveito e pergunto: você vê alguma diferença entre grupo e coletivo?

R. Vejo diferenças e similaridades, tudo depende de como cada grupo se denomina.


Tem grupos que trabalham numa perspectiva de construir um pensamento junto e
determinam uma filosofia de trabalho, têm outros que preferem se chamar de
coletivos, pois crêem que cada integrante tem sua identidade e a conserva assim
dentro do grupo. Para mim a questão está mais relacionada à forma como o grupo se
vê e como ele organiza o seu pensamento e suas atividades, acho que falando de
identidade.

O. Como você vê a cidade de Natal no contexto teatral? Possui estrutura e recursos


aos grupos?

R. Penso que precisamos investir em políticas públicas estaduais e municipais, pois a


cultura vem sendo sucateada não só em Natal, mas no Brasil como um todo. O
governo atual tem investido pouco em cultura e nem os Editais Nacionais que
costumavam sair anualmente não estão sendo lançados.
Falando especificamente de Natal, muitos teatros foram fechados e não tem previsão
de abertura, e isso dificulta a circulação de espetáculos e a manutenção da atividade
91

teatral na cidade. A maioria dos grupos não tem sede própria e isso faz com que a
situação fique ainda pior, pois temos poucos espaços na cidade que acolhem projetos
de residência artística e/ou de criação.
A maioria dos Grupos não possui recursos próprios, e não há uma política cultural
inclusiva na cidade que apoiem os grupos em formação e/ou coletivos sem sede. Os
grupos que têm sede também encontram dificuldade para custear a manutenção do
espaço. Enfim, penso que seja urgente investir em cultura na cidade de Natal e no
Estado.
92

Entrevista com Firmino, ex-integrante do Grupo Eureka, atual ator do Grupo


Avante (UFRN). Concedida via e-mail em 25 de abril de 2018

O. Firmino, como surgiu o Grupo Avante? E esse surgimento se deu no âmbito da


UFRN?
F. O Grupo de Teatro Avante surgiu quando pessoas que saíram do antigo Grupo de
Teatro Eureka resolveram criar um novo com uma nova perspectiva e visão de teatro
de grupo. O grupo é composto apenas por estudantes do curso de Licenciatura em
Teatro, mas não tem nenhum vínculo direto com a universidade.

O. Quais são os integrantes? São todos alunos?

F. Somos: Allyerly, Rubinho, Clau, Patrícia, Eduardo, Arthur, Taize e eu, Firmino.
Todos alunos.

O. O grupo está ativo? (está ligado a algum projeto de extensão)? Caso não esteja
ativo, voltará?

F. O grupo está ativo, no sentido que nos reunimos semanalmente para atividades do
grupo, mas não somos ligados atualmente a nenhum projeto de extensão nem temos
planos de nós ligarmos no momento.

O. Qual a linguagem que é trabalhada?

F. Nossa linguagem é o teatro mesmo. É o nosso foco. Mas não temos nenhuma
preferência estética definida ainda.

O. Você atua no grupo como ator também? Aliás, cada integrante tem uma função
específica?
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F. Sim. Atuo como ator e coordenador de comunicação. Todos no grupo, além das
funções artísticas, assumem funções administrativas. È um costume antigo nosso
inspirado em vários grupos que funcionam assim: Galpão, Clowns de Shakespeare...

O. Quais as peças que vocês estrearam? ou vão estrear?


F. No momento, estamos procurando textos para encenar.

O. Possuem ou possuíram algum apoio da UFRN ou de algum edital?

F. Neste grupo, não.

O. Você vê alguma diferença entre grupo e coletivo?

F. Eu, particularmente, fui ensinado a ver. No meu ponto de vista leigo, no grupo as
relações são mais firmes, os compromissos são maiores. Um grupo exige dedicação
total e quase que exclusiva. Também, geralmente, há uma hierarquia administrativa.
Já no coletivo é bem o contrário. As coisas são mais horizontais, fluidas.

O. Como você vê a cidade de Natal no contexto teatral? Possui estrutura e recursos


aos grupos?

F. Nós temos pouco incentivo público à arte na cidade. Há a famosa “política de


evento”, o famoso pão e circo. Muito se gasta em grandes eventos como o Natal em
Natal, e muito pouco é investido em políticas de incentivo como o FIC (muitas vezes
essas políticas nem existem ou, quando existem, ocorrem vários problemas referentes
ao pagamento dos selecionados).
Além disso, há um descaso com os teatros públicos da cidade. Tivemos uma época
em que os três estavam interditados. Hoje temos dois interditados e um aberto em
condições precárias. O Sandoval, por exemplo, está interditado há quase dez anos. E
atualmente um projeto privado que tem total apoio da prefeitura quer derrubar o teatro
para a construção de um shopping. É absurdo! Teatro em Natal só existe mesmo pra
quem pode pagar. O Teatro Riachuelo por exemplo, que é privado, quase sempre lota
com suas peças de atores globais. Mas os espaços artísticos alternativos que ainda
resistem, ainda carecem de público. O teatro de Natal está sendo marginalizado.
94

Sem incentivo público, menos pessoas vão ao teatro e menos peças e grupos
natalenses surgem.

Obs.: Nessa etapa da entrevista, foram direcionadas ao entrevistado perguntas sobre


o antigo grupo Eureka.

O. Gostaria que respondesse as mesmas questões acima sobre o grupo Eureka. Se


possível, gostaria que enfatizasse os motivos que levaram o grupo a se desfazer.
F. Oceni, a resposta para todas as perguntas sobre o Eureka você pode encontrar no
site do Eureka que está atualizado até 2016 (só procurar “teatro Eureka Wix" no grupo
que aparece o site) e nas redes sociais atualizadas até o fim do grupo no começo de
2018 (“Grupo de Teatro Eureka” no Facebook e @gteureka no
Instagram).
Não vou entrar em detalhes sobre o fim do grupo, mas posso te dizer que o motivo foi
a divergência ideológica sobre a política interna do grupo. Sobrevivemos a muitas
crises (internas, externas, institucionais, burocráticas, familiares, psicológicas,
financeiras…) mas essa crise ideológica e política foi a mais forte.
No site do Wix tem uma parte falando sobre o início do grupo de 2014 até 2016. Em
2016 estreamos o espetáculo Debaixo da Pele, nosso principal trabalho que era um
esquete da disciplina de Encenação II e passamos dois anos em processo intenso
para transformá-lo em espetáculo. Passamos em dois editais (Leis de incentivo
Câmara Cascudo e Djalma Maranhão) com dois projetos (Espetáculo Debaixo da Pele
e Circuito de Teatro Escolar), mas não conseguimos captar nenhuma verba para
nenhum dos projetos através das leis.
Tivemos apoio da UFRN através duma parceria feita com o GPT (Grupo de Teatro
Popular da UFRN) na pessoa do professor Makarios, conseguindo aprovar projetos
de extensão de 2014 e 2017. A isso somos muito gratos.
95

Entrevista com Marcos Câmara, diretor do Grupo Atores à Deriva, da cidade de


Natal-RN. Concedida em 10 de abril de 2018

O. Marcos, como e quando surgiu o Grupo Atores à Deriva? E esse surgimento se deu
no âmbito da UFRN?

M. Nós já éramos amigos, já havíamos feito alguns trabalhos juntos, mas estávamos
em grupos distintos. A partir da montagem do espetáculo A Mar Aberto, de autoria de
Henrique Fontes, é que decidimos formar o grupo. Isso se deu pelas afinidades
pessoais e artísticas de todos os envolvidos no projeto.

O. Quais são os integrantes? São todos alunos, estudantes de teatro?

M. Hoje somos eu, Doc Câmara, Paulo Lima e Alex Cordeiro. Eu e Alex somos
formados pela UFRN, mas já trabalhávamos com teatro antes da universidade. Paulo
Lima chegou a cursar teatro, mas não se formou. Devido às contingências do espaço,
o contexto econômico e à possível entrega do espaço, decidimos nos desligar da
Aboca.

O. O grupo ainda está ativo? Está vinculado a algum projeto de extensão? Caso não
esteja ativo, voltará?

M. Tivemos uma pausa de um ano e meio, entre 2015 e 2016, mas retornamos no ano
passado com a circulação do espetáculo infantil Flúvio e o Mar. Iniciamos a montagem
de um novo trabalho chamado Burocratas não dançam, com estreia prevista para
julho. Não temos vínculo com nenhum projeto de extensão e não temos nenhum
financiamento seja de ordem pública ou privada. Somos um grupo independente.

O. Qual a linguagem que é trabalhada?

M. Somos efetivamente um grupo de teatro, utilizamos o teatro como linguagem.


Transitamos entre o teatro épico/dialético e flertamos com outras linguagens como as
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artes plásticas e a dança, inclusive nesse novo trabalho temos bastante contato com
a dança.

O. Você atua no grupo como ator também? aliás, cada integrante tem uma função
específica?

M. Sou ator e sou o representante jurídico do grupo, respondo pela parte


administrativa. Mas temos cada vez mais buscado relações horizontais nas funções
do coletivo.

O. Quais as peças que vocês estrearam?

M. Nosso repertório: A Mar Aberto, Corte sem Casca, Flúvio e o Mar, Recomendações
a todos, O Cobrador. Temos também algumas esquetes e trabalhos temáticos.
Atualmente temos apenas um espetáculo ativo: Flúvio e o Mar.
Temos planos pra retomar os outros.

O. Possuem ou possuíram algum apoio de algum edital, etc.?

M. Tivemos dois projetos de circulação financiados pelo edital Mirian Muniz mas este,
foi extinto após o golpe de 2016. Nunca fomos beneficiados por nenhuma lei de
incentivo ou edital estadual/municipal.

O. Aproveito e pergunto: você vê alguma diferença entre grupo e coletivo?

M. Sim, grupo geralmente tem um diretor que é responsável pela estética e decisões
dentro do grupo. Nos coletivos, geralmente, as decisões são tomadas por todos os
integrantes em comum acordo, esse é um formato mais complexo de praticar, mas
pode ser mais justo também.

O. Como você vê a cidade de Natal no contexto teatral? Possui estrutura e recursos


aos grupos?
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M. Temos muitos artistas competentes, muita produção acontecendo, mas que pela
falta de estrutura e incentivo não consegue escoar a produção como poderia. Os
gestores públicos ignoram completamente a questão cultural, não compreendem suas
demandas e não conseguem entender que a cultura é peça fundamental na
construção de cidadania, formação de um público consciente. Eles têm uma visão
alegórica da coisa, superficial. Ser artista em Natal é um ato de resistência ou teimosia
mesmo. Natal inviabiliza nossa existência. Meu trabalho é mais conhecido fora do RN
do que aqui.
98

Questionário feito aos integrantes/ex-integrantes dos grupos de teatro da


UFRN

1. Qual a importância de participar de um grupo de teatro na universidade?

A maior importância que vejo em participar de um grupo de teatro na Universidade é


a abertura de portas que você tem no meio artístico. (Allan Phillype)

Antes de eu ingressar no Grupo GABOTUN (inicialmente era chamado de Grupo,


posteriormente passou a ser Cia GABOTUN) eu já trabalhava com teatro, como: teatro
de rua, e trabalhava como ator, diretor. Mas, o que destaco de interessante foi que o
grupo me possibilitou estudar e conhecer mais Algusto boal. Além do encontro com
outros atores que se dedicavam a pesquisar o teatro do oprimido. Na época eu fazia
o Curso de Letras e logo em seguida fui ingressar no Grupo de Teatro, isso me
propiciou participar dos movimentos da Universidade através da linguagem artística,
trazendo Algusto Boal para a universidade também, possibilitando ampliar a pesquisa
teatral. (Hélio Junior, Cia GABOTUN)

Minha participação no grupo foi muito importante, eu estava chegando de Mossoró,


não conhecia ninguém e nem conhecia a cidade direito. O grupo me proporcionou o
contato com novos espaços na cidade e com outras pessoas de outros cursos que
não o meu (ciências sociais). Além de ampliar o meu conhecimento acerca do fazer
artístico (Anna Celina, Cia GABOTUN).

2. Ainda foi perguntado sobre como esse grupo contribuiu/contribui para sua
formação?

O grupo que faço parte, o arkhetypos, abriu meus olhos para uma nova forma de se
fazer teatro e de repensar meu corpo. Principalmente sobre as questões de respeitar
as diferenças entre várias pessoas diferentes. (Allan Phillype, Grupo Arkhetypos)

Eu já vinha fazendo teatro, e claro, era um momento de interagir, aprofundar mais o


teatro político. Um teatro voltado para as discussões sociais. Um teatro de resistência.
E isso foi importante pra minha formação. Embora eu viesse trabalhando com teatro
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oprimido, teatro comunitário desde 1980. Na universidade isso acontece de forma


mais sistematizada, por que no teatro de rua você trabalha vários autores, vários
diretores e o Boal estava ali também presente na prática. Reforçando, o grupo de
teatro na universidade para mim foi de suma importância por que centramos mais no
estudo do teatro do oprimido. (Hélio Junior, Cia GABOTUN)

O grupo me proporcionou leituras fora do meu universo acadêmico, conhecimento do


corpo, da fala, da voz, da interpretação de texto, de encontros com novas perspectivas
de visão da cidade e dos cidadãos (Anna Celina, Cia GABOTUN).

3. Com relação a pergunta: O que significa pertencer a um grupo de Teatro


Universitário?

Significa oportunidade. Significa ter esperança de que você pode vencer na vida
fazendo teatro (Allan Phillype, Grupo Arkhetypos).

Nós tentamos nos organizar em uma abordagem específica do teatro, sistematizamos


o pensamento, fazemos experiências, pesquisas e isso é muito bom. Embora
saibamos que o teatro na universidade é temporário, o grupo em si é temporário, ou
seja, as pessoas que passam pelo grupo. O grupo pode ficar 10, 20,
30, 50 anos, mas o mesmo é rotativo, vai terminando o ‘’curso’’, e os participantes vão
para outro grupo de teatro, vão seguir a vida profissional, alguns saem da
universidade. Percebe-se um fluxo grande que é por um lado positivo e por outro as
abordagens vão se modificando, novas pessoas vão entrando e surgindo novas ideias,
novos projetos, e isso aconteceu com GABOTUN de certa forma. Era um grupo base
(GABOTUN) e depois teve pessoas que vieram participar do grupo, com novos
projetos, com espetáculos novos, como: auto de natal, e outras montagens que foram
projetos seguintes. Mas, um espetáculo que marcou o GABOTUN foi o
‘’Fome causa x’’, com a perspectiva do teatro do oprimido. Montamos outro espetáculo
(primeiro trabalho do grupo) chamado ‘’privatização versus greve’’ que foi apresentado
no período da greve dos professores, trabalhando diferentes tipos de professores
(Hélio Junior, Cia GABOTUN).
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Participar do grupo foi um despertar, mesmo que eu não tivesse seguido na profissão,
a possibilidade de olhar fora da bolha faz toda a diferença em nossa vida profissional
(Anna Celina, Cia GABOTUN).

4. Para você o que é importante em um Grupo Universitário?

O aprender em grupo...ter responsabilidades... compreender o que é ser família e,


principalmente, aprender uns com os outros: é uma troca interpessoal[...] (Allan
Phillype, Grupo Arkhetypos).

O grupo é importante por vários motivos, como já comentei nas questões anteriores.
Bom, vários grupos surgiram na universidade, como teatro oficina no Curso de Direito,
vários grupos tiveram suas manifestações dentro da universidade, ou foram formados
nela, enfim. Isso é importante. O grupo na universidade tem caráter experimental,
estudando teatro, praticando-o. Agora quando o grupo torna-se profissional ele acaba
seguindo um caminho fora da universidade, mas, claro, o grupo tem a possibilidade
de crescer dentro da mesma através dos laboratórios, dos experimentos, onde
estudantes pesquisam, leem, praticam e quando isso funciona esses grupos tendem
a continuar fora da universidade (Hélio Junior, Cia GABOTUN).

É importante a multidisciplinaridade, o GABOTUN, tinha pessoas de vários cursos e


com várias experiências de vida e isso era extremamente desafiador e instigante, nos
proporcionava um aprendizado que só existia naquele ambiente. Foi muito, muito
importante para minha vida profissional, sou grata por tudo que vivi e aprendi com o
grupo (Anna Celina, Cia GABOTUN).

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