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BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profª. Dra. Manan Terra Cabo
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB)
______________________________________________________
Prof. Dr. Tiago Samuel Bassani
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB)
______________________________________________________
Profª. Dra. Rita Ferreira de Aquino
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha mãe Lúcia Maria
de Sales como forma de agradecimento e
reconhecimento por ser desde os meus primeiros
passos, a minha principal parceira e
incentivadora. A ela, dedico todos os esforços da
minha trajetória, as lutas, as alegrias e as
conquistas. Também ao meu tio José Inácio de
Jesus in memorian, agradeço por todos os
ensinamentos, amor e dedicação a minha
formação enquanto ser humano. Eu sou você,
meu tio querido!
AGRADECIMENTOS
Á Deus, por ser sempre meu guia e meu sustento em todas as situações da vida, me
iluminando e abençoando em cada passo que dou. Agradeço a Ele por ter restaurado minha saúde
e me ajudado a ser forte no momento mais turbulento da minha vida.
À Ogum, por abrir os caminhos e me dar coragem para seguir em frente, apesar das
dificuldades da vida. Ogunhê, meu pai!
À minha mãe, Lúcia Maria de Sales, a quem mais amo nessa vida. Principal responsável
pela minha educação. Exemplo de honestidade, força, perseverança e amor. A você, mãe, que
passou por muitas dificuldades para me educar e ajudar a ser o homem que hoje sou, eu dedico
todas as minhas lutas e também essa vitória que não é só minha, mas de toda a nossa família. Eu
te amo com todas as minhas forças. Obrigado, mãe!
Aos meus irmãos Alisson Sales e Diego Henrique Sales. É por vocês também, porque
família é tudo!
Aos meus avós Luiza Amélia e João Inácio, meus exemplos de fé, de força nordestina, de
bondade, humildade e dedicação aos outros. Aprendi com vocês que precisamos ter fé em tudo
que fizermos na vida. Em suas rugas e mãos calejadas estão as marcas de uma luta que não foi
em vão. É também graças a vocês que cheguei até aqui. Obrigado!
Ao meu tio José Inácio de Jesus, in memorian, maior figura paterna que tive na vida.
Desde cedo me ensinou a me esforçar pelo que queria, respeitar as pessoas e procurar sempre um
caminho de retidão, bondade e amor. Foram muitas as conversas, os exemplos de atitude e os
puxões de orelha. De onde estiver, tio zé, quero que saiba que te amo e que você sempre será
minha maior referência!
À minha amiga e parceira da arte, Anna Caroline Araújo. Minha irmã, obrigado por somar
comigo na graduação e na vida. Agradeço por tudo o que enfrentamos juntos ao longo desses
quase seis anos de amizade. Você é parte da minha família!
À minha orientadora e amiga Manan Terra, agradeço por acreditar em mim e me dizer
que eu posso ir além. Seus ensinamentos transcendem aos saberes acadêmicos. Obrigado por
sonhar este sonho junto comigo!
Ao professor, diretor de teatro e amigo, Ricardo Fagundes, mestre não só da cena, mas da
vida. Obrigado por me encorajar a querer sempre mais. Aprendi contigo que nós, somos ímãs
dos nossos desejos e aqui, concretizo um dos meus maiores sonhos. Obrigado!
Às professoras e professores do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade
Federal do Oeste da Bahia. Agradeço por contribuírem com minha formação acadêmica e
humana. Aprendi muito com vocês!
À Sociedade Filarmônica Lira do Corrente, por ter sido a minha casa ao longo desses
treze anos. Aprendi na lira a amar a música e todas as formas de fazer arte. Além disso, pude
criar laços, fazer amigos. Agradeço a diretoria, músicos, musicistas e aprendizes, Obrigado!
Aos mestres da música e grandes amigos, Jailton Souza e Tiago Costa. Obrigado por
terem feito diferença na minha educação e serem meus parceiros na arte e na vida!
Aos amigos e amigas, Nayark de Souza, Danilo Borges, Hemerson Santos, Graziella
Santos, Robson Vieira, Jéssica Ferreira, Roberto Felipe, Mônica Tamiris, Letícia Cruz, João
Paulo Queiroz, Gerssy Rodrigues, Victor Almeida, Marcelo Pereira, Rayane do Santos, Jéssica
Veiga e Arley Neves. Agradeço por fazerem parte da minha vida e não soltarem a minha mão
nos dias em que mais precisei de vocês. Obrigado!
À Helen Carregosa, por todo carinho, amor e dedicação direcionados a mim desde que
nos conhecemos. Amo você!
À Tâmara Ferreira, in memorian, agradeço por ter feito parte da minha vida e sempre ter
me incentivado a ir além dos obstáculos. Uma luz muito grande cruzou o meu caminho e viajou
para o infinito deixando saudades.
À Francisca Amélia, Ana Luiza Sales, Pedro Henrique Sales e Valentina Sales, minha
família querida e amada. Vocês são também o motivo das minhas lutas. Amo vocês!
À comunidade de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe, pessoas que me
acolheram e lutaram junto a mim nos dias mais difíceis da minha vida. Muitos de vocês me
estenderam a mão sem ao menos me conhecer e eu serei eternamente grato!
À cada pessoa que de maneira direta ou indireta, contribuiu para a minha formação e me
ajudou a chegar até aqui. Obrigado!
Às meninas e meninos da Rua Vila Nova, por terem acreditado neste projeto. Juntos nós
construímos coisas lindas. Vocês são gigantes. Contem comigo!
EPÍGRAFE
Cadê menino?
Onde foi que escondeu?
Saiu correndo
Um, dois, três, salve eu!
E a menina,
Onde foi parar?
Tô aqui fora,
Vem comigo brincar
RESUMO
RESUMEN
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13
CAPÍTULO I ................................................................................................................ 18
1 AS EDUCAÇÕES - EDUCAÇÃO FORMAL, INFORMAL E NÃO FORMAL
COMO POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO HUMANA. .............................. 18
1.1 Educação Formal.................................................................................................. 18
1.2 Educação Informal ............................................................................................... 20
1.3 Educação não formal ............................................................................................ 20
1.4 Os espaços não formais de educação ................................................................... 23
1.5 A educação não formal em projetos sociais ......................................................... 24
CAPÍTULO II ............................................................................................................... 29
2 MEDIAÇÃO E TERRITORIALIDADE ................................................................ 29
2.1 Território e Territorialidade ................................................................................. 29
2.2 Centro e periferia................................................................................................. 33
2.3 Possibilidades da Mediação Cultural .................................................................. 35
2.4 Arte Socialmente Engajada ................................................................................ 40
2.5 A rua como lugar relacional e de possibilidades para a arte ............................... 45
CAPÍTULO III ............................................................................................................. 49
3 O POTENCIAL CRIATIVO E A EXPERIÊNCIA ............................................... 49
3.1 Ludicidade, Jogo e Infância ................................................................................ 49
3.2 Criatividade e Experiência .................................................................................. 52
3.3 A rua como constructo de Aprendizado, Liberdade e Autonomia ..................... 57
3.4 A rua e o brincar como processo de Mediação e Prática Social do campo da Arte61
CAPÍTULO IV.............................................................................................................. 63
4 CRIAS DA RUA: EXPERIÊNCIAS CRIATIVAS NA RUA VILA NOVA ...... 63
4.1 Percurso metodológico......................................................................................... 63
4.2 A Rua Vila Nova .................................................................................................. 64
4.3.1 Experiência 01 (27/10) - Brincar e criar ........................................................ 66
4.3.2 Experiência 02 (29/10) - Desenho no chão .................................................... 70
4.3.3 Experiência 03 (01/11) - Vamos contar histórias! ......................................... 73
4.3.4 Experiência 04 (02/11) - Pintar a casa: Tudo que vivemos na rua! ............... 76
4.3.5 Análise geral das experiências .................................................................... 78
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 80
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 82
APÊNDICES ................................................................................................................. 85
Apêndice A – Diário de Bordo ..................................................................................... 85
Apêndice B – Termos de consentimento ..................................................................... 87
ANEXOS ....................................................................................................................... 90
Anexo A - Registro fotográfico das experiências ....................................................... 90
13
INTRODUÇÃO
¹Definição da palavra rua, segundo o site Hr idiomas, 2019. Disponível em: https://hridiomas.com.br/origem-das-
palavras-rua-e-avenida/.
14
a vida não só das crianças que convivem nessa rua, mas também para a minha vida e das demais
pessoas que habitam esse local. Assim demarquei a seguinte pesquisa: Como ações de mediação
cultural proporcionadas para as crianças moradoras da Rua Vila Nova, no bairro Macambira
em Santa Maria da Vitória - BA, se reverberam em potenciais criativos para a construção e
potencialização de vivências significativas?
O foco desta investigação não foi possibilitar um ensino que tivesse como principal
finalidade, o desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico em uma linguagem específica das
artes visuais, mas utilizar de algumas dessas múltiplas linguagens, para estimular os potenciais
criativos e investigar como se desdobram os processos dessas crianças a partir das provocações
mediadas por mim nesse ambiente da rua. Partindo disso, sugiram algumas questões
norteadoras: De que maneira as crianças se relacionam nesse ambiente enquanto lugar comum
e como isso se reverbera nas atividades criativas? Quais as habilidades criativas e artísticas que
as crianças da Rua Vila Nova expressam durante as experiências no campo da arte? Como a rua
pode se transformar em um lugar de territorialidade da mediação em arte e quais seriam as suas
contribuições para a formação e o desenvolvimento humano?
Há uma expressão popular que diz "Na rua só se aprende o que não presta" Será mesmo?
Pensando nisso, a rua foi utilizada como um espaço de mediação, ensino aprendizagem,
investigação e desenvolvimento do potencial criativo, artístico e cultural destas crianças, por
meio de experiências práticas em arte, destacando o desenho, a pintura, as práticas corporais,
tendo como mola propulsora o exercício da criatividade em uma construção coletiva.
Para dar fundamento teórico a esta pesquisa, discutiremos a seguir, determinados
conceitos que darão direcionamento ao discurso abordado. Este projeto se propôs a tratar a rua
como um lugar potente para os processos artísticos tendo a mediação cultural como ferramenta
facilitadora e potencializadora das experiências numa educação que se permite a ir além dos
muros da escola, em ambientes diferentes e com linguagens também diferentes das
convencionais. Linguagens essas que tem o seu lugar, mas não podem e nem devem ser vistas
como o único caminho possível. Sendo assim, no primeiro capítulo abordaremos os seguintes
pontos: Educação formal; Educação informal; Educação não formal; Espaços não formais de
educação e a Educação não formal em projetos sociais.
Para falar de educação não formal, é necessário conceituar o que é esse formato
educacional, bem como o ensino formal e o informal, para que então, possamos dar destaque a
educação não formal e investigar como a mesma acontece nos espaços institucionalizados ou
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não. Neste capítulo, vamos discutir como o ensino não formal pode permear diferentes espaços
e fazer acontecimentos importantes para a educação enquanto elemento crucial para a formação
social, cidadania, cultura, arte, desenvolvimento humano individual e coletivo. Refletiremos o
sentido da existência da educação não formal e como ela pode contribuir e experimentar novos
caminhos, sobretudo, quando se trata do fazer artístico em Santa Maria da Vitória.
É necessário também discutir alguns exemplos de projetos na educação não formal,
colocando em evidência as suas intencionalidades e diferenças existentes nesses modelos de
ensino. E, sobretudo, como a arte vem sendo trabalhada na educação não formal e como isso
pode fazer a diferença ou não na vida das pessoas. A educação é algo que acontece durante todo
o percurso da vida das pessoas e não está ligada apenas aos espaços institucionalizados.
Portanto, é importante falar de pontos de vista diferentes do que estamos acostumados.
No segundo capítulo, a proposta é pensarmos na rua enquanto um lugar existente e
carregado de questões, como sua história, a história das pessoas que o habitam, as questões
sociais e políticas que o circundam e o papel desempenhado pela arte nesse lugar. A partir dessa
perspectiva, abordaremos os seguintes eixos: Território e Territorialidade; Centro e Periferia;
Mediação Cultural; Estética Relacional e Arte Socialmente Engajada.
Grande parte das atividades humanas acontecem em algum lugar, que é tido como
espaço de convivência, habitação ou espaço transitório. Manteremos o foco em pensar os
lugares onde as pessoas vivem, se sentem pertencentes e seguras. O lugar é consequência da
interferência humana na natureza, e então, este lugar é povoado, é abarcado de outros sentidos
e utilidades. Pensemos que o lugar, é fruto de construções coletivas e da participação cotidiana
das pessoas, para que ele passe a ser mais do que calçadas, muros ou edifícios.
Iremos pensar o lugar como espaço dessas ações, abrindo o discurso para os
conceitos de território e territorialidade, experimentando caminhos da arte como prática social
e mediação cultural. Outro ponto importante a ser considerado, é pensar como a arte chega aos
lugares. Como a arte cumpre papeis políticos e sociais. Pensando na premissa de que o acesso
a arte precisa ser democratizado, conduziremos este discurso pelo campo da mediação cultural,
buscando refletir as problemáticas que circundam o assunto e colocar em evidência possíveis
soluções.
No capítulo III, pensaremos algo direcionado ao público-alvo dessa pesquisa. As
crianças da Rua Vila Nova, que convivem, brincam e constroem relações interpessoais
cotidianamente neste espaço comum. Aproveitando o ensejo, abordaremos Infância;
17
CAPÍTULO I
Há um dito popular com o qual algumas pessoas fazem referência e o identificam como
parte dos provérbios africanos que diz: “É preciso toda uma aldeia para educar uma criança! ’’.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB de nº 9.394/1996, que
regulamenta a educação nacional, a formação do sujeito acontece não só nas instituições de
ensino e pesquisa, mas também em outras instâncias, durante toda a vida do sujeito.
Tendo em vista que a educação é constituída por uma gama de processos formativos
acontece durante todo o período da vida das pessoas, a mesma, não está limitada a acontecer
somente nas escolas ou nas universidades. Desse modo, trataremos de abordar aqui, os
conceitos de Educação Formal, Educação Não Formal e Educação Informal e em que espaços
essas educações acontecem, buscando diferir os espaços e as intencionalidades.
Para falar de educação não formal, precisamos deixar claro que a nossa intenção é pensá-
la como um dos vários caminhos possíveis quando se trata da formação de uma pessoa. Por
isso, não é interessante pensarmos que a educação não formal, se opõe a educação formal, aliás,
21
ela a complementa e contribui para a formação das pessoas fora das instituições formais.
Segundo Smith (1996) a educação não formal se trata de:
A educação não formal, apesar de não ser como a educação escolar, alicerçada em um
sistema de ensino, com legislação direcionada e estrutura hierárquica, possui a possibilidade de
suas formas de organização, podendo ser desenvolvida por Organizações Não Governamentais
- ONGS, associações comunitárias, entidades culturais e movimentos sociais. Há planejamento
e intencionalidades pré-estabelecidas, mesmo que não seja baseada em uma regulamentação,
como é o caso da educação formal, que tem a LDB e outras orientações normativas. O ensino
não formal, apesar de também propor formação por meio de cursos, eventos, palestras,
manifestações culturais, tem um grau de exigência menor que a escola, e de certa maneira, ao
acontecer para além do ambiente escolar, tem a possibilidade de trabalhar com questões
extraescolares, diretamente ligadas a vida cotidiana das pessoas, contribui com a formação do
sujeito, é uma educação integradora, possibilita o acesso a conhecimentos complementares, o
que transcende a metodologia formal e os processos avaliativos e normatizados existentes nas
instituições de ensino. A educação não formal, por sua vez, cumpre também um caráter social,
político e cultural.
consegue sozinha, atuando socialmente na vida das pessoas e fornecendo para além de conteúdo
informativo, mas formação e transformação humana. Os projetos sociais exercem muito bem
este papel, não só instrumentalizam tecnicamente os estudantes, mas promovem experiências
que fazem diferença na vida das pessoas.
Historicamente existe uma confusão a respeito do que se trata cada uma das educações
que abordamos anteriormente e de onde as mesmas acontecem. O que há a respeito desse
assunto, é um pensamento inflexível de que em cada espaço, só é possível se desenvolver um
tipo de ensino, como se a educação fosse reflexo da existência do espaço e não da
intencionalidade de quem a propõe. É notório que podemos identificar a escola como lugar da
educação não formal, mas isso não significa que o espaço está limitado a pensar e propor
educação de uma maneira, apenas. O que podemos discutir aqui, é como a educação pode ser
flexível, dinâmica e mutável, podendo se desdobrar em vários espaços e ressignificá-los em
prol de determinadas intencionalidades.
[...] uma família visitando um jardim botânico estaria vivenciando a modalidade não
formal ou informal? E o jardim botânico, ao musealizar seu espaço, organizando os
organismos vegetais de uma forma específica e divulgando informações por meio de
painéis, etiquetas, folders ou mesmo do discurso de um mediador, estaria praticando
a modalidade não formal ou informal? E se uma escola visitasse esse mesmo jardim
botânico, estaríamos falando de uma educação formal ou não formal? Vemos
claramente nestes exemplos as sobreposições destacadas por Coombs e Ahmed
(1974), levando-nos inclusive a questionar se é desejável e promissor separar de forma
estanque essas experiências educacionais e, no limite, questionar se realmente essas
definições são necessárias e ainda fazem sentido no contexto educacional do século
XXI (MARANDINO, 2017, p.813).
De acordo com o que Marandino (2017) coloca, é perceptível que os espaços se tornam
veículos das intencionalidades de cada tipo de educação. Além disso, questiona a definição ou
separação desses termos, que na prática, podem relacionar-se e contribuir para a educação das
pessoas em suas diversas possibilidades.
Dessa forma, podemos entender o quanto o contexto de cada proposta pode influenciar
nas nossas relações com os espaços que, independentemente de ser previamente determinados
como educacionais ou não, podem ser utilizados como lugar da aprendizagem, seja formal,
informal ou não formal.
O ensino de arte na educação não formal pode contribuir para transformar a vida de
crianças em adultos profissionais e multiplicadores de conhecimento. Não que isso não possa
ocorrer na escola, mas as práticas de ensino não formal tornam esse trajeto muito mais fluido
que a escola.
A Educação Não-Formal vai além das organizações não governamentais (ONG’s),
seus espaços são múltiplos: nos bairros-associação, organizações que estruturam e
coordenam os movimentos sociais, nas igrejas, nos sindicatos e nos partidos políticos,
nos espaços culturais, e nas próprias escolas, nos espaços interativos dessas com a
comunidade educativa, entre outros (GOMES; SILVA; SILVA, 2013, p. 6).
reconhecidos mundialmente. As praças públicas, as ruas, os parques e até mesmo uma árvore
podem se tornar em lugares possíveis para as práticas educativas, permitindo a comunidade o
acesso a algo que é um direito e um bem comum. Isso indica que os educadores de espaços não
formais cumprem também o papel transformador de educador social, por meio não só de
conteúdo, mas da mediação de experiências que formam e transformam as pessoas, em suas
relações individuais e coletivas.
Neste sentido, o educador social tem o papel analisar as características que compõe o
território e a comunidade no qual atuará, para que essas características sejam utilizadas a favor
da proposta socioeducativa, que pode então, transformar, ressignificar ou agregar de alguma
forma para o desenvolvimento cultural, intelectual e social das pessoas que participam da
proposta.
Os educadores sociais estão presentes nas ONGS, nas associações comunitárias e nos
projetos sociais de modo geral. Há de se considerar que, grande parte dos projetos sociais
ocorrem em comunidades em que está presente a vulnerabilidade social. E esta, está diretamente
associada a falta de atuação do Estado, a falta de compromisso para com o desenvolvimento
social dos lugares e das pessoas que não são vistas, não são lembradas e precisam ser
visibilizadas.
Tal descaso faz com que tenhamos presentes nas periferias das grandes metrópoles e
nas pequenas cidades, a marginalização das comunidades. Não é a intenção deste trabalho,
colocar o educador social e os projetos sociais como “salvadores da pátria”, mas é necessário
dizer que a existência desses projetos, é um ato de resistência comunitária, uma alternativa, um
fio de esperança no futuro. Os projetos sociais caminham tentando contrariar as estatísticas,
promovendo possibilidades de transformação do cotidiano, por meio das ações sociais, culturais
e educacionais.
Ghon (2009), ao discorrer a respeito da atuação dos educadores sociais e da educação
não formal em várias regiões do Brasil, apresenta uma pesquisa realizada a partir dos dados de
projetos inscritos no Programa Rumos Itaú Cultural: Educação, Cultura e Arte (2005-2006).
26
Quanto às áreas de trabalho dos Projetos Sociais analisados, elas dividem-se em:
programas sociais (de apoio a crianças, jovens/ adolescentes, idosos, mulheres etc.),
prestação de serviços às comunidades (principalmente na área da saúde, educação e
habitação), projetos culturais e socioeducativos, apoio econômico (programas de
geração de renda), e defesa de bens e patrimônio, material ou imaterial (GOHN, 2009,
p. 35).
A educação não formal em projetos sociais, contribui para a cidadania, cultura, política
e de modo geral, para a formação das pessoas em diversos aspectos com a aprendizagem e a
geração de emprego e renda. Entretanto, não podemos considerar estes pontos de maneira
assistencialista e encarar os projetos sociais, ONGS e movimentos sociais como os exclusivos
promotores da oportunidade, dignidade e progresso. É verdade, que os mesmos, cumprem uma
importante tarefa na vida das pessoas, mas, é necessário dizer também que a postura de um
projeto que intervém em um lugar e contribui, afirmando o discurso de “heróis da comunidade”,
é pretencioso e vai contra um dos princípios da educação não formal e do educador social, que
é a via de mão dupla, onde todos ensinam e todos aprendem, ou seja, cada projeto em sua
singularidade, cresce junto com as pessoas que são beneficiárias, mas também contribuintes das
ações coletivas que se constroem a partir da dedicação e participação das pessoas. Portanto, não
confundamos prática social com assistencialismo. Guilhermo Aderaldo (2017), apresenta uma
27
Em linhas gerais, a principal controvérsia surgiu quando alguns dos jovens que
haviam passado por essas experiências de formação – sobretudo àqueles com maior
capital escolar ou histórico de engajamento em movimentos de luta popular –
passaram a sentir a necessidade de adotar um distanciamento crítico em relação às
instituições do chamado “terceiro setor”, pelo fato de notarem que a linguagem
administrativa, normalmente utilizada nesses ambientes institucionais, acabava
reforçando certos estigmas sociais, ao invés de combatê-los (ADERALDO, 2017, p.
34).
O autor complementa:
Não raro, as regiões periféricas eram traduzidas nos termos dos “projetos sociais” das
ONGs de maneira isolada, como se se tratassem de áreas geográficas fixas, marcadas
por situações de “carência” e “vulnerabilidade”; sendo que suas populações,
comumente, acabavam descomplexificadas e reduzidas à simples condição de
“vítimas” à espera de ajuda. Igualmente, era comum que essas mesmas populações
fossem representadas de maneira alegórica, como detentoras de uma especificidade
cultural. O que viabilizava a capitalização dessa “diferença” no mercado cultural
hegemônico, ao mesmo tempo em que fortalecia a ideia de que tais áreas e populações
marginalizadas poderiam ser pensadas como uma espécie de “outro” da cidade
(ADERALDO, 2017, p. 34).
Em linhas gerais, podemos entender que há também dentro das ações não formais de
educação, aquelas pessoas ou instituições que utilizam de seus projetos para fins particulares e
tratam das comunidades que participam dos projetos, de maneira equivocada. Ninguém pode
ser reduzido a condição de “vítima a espera de ajuda”, como trata Aderaldo. Cada pessoa tem
uma trajetória diferente e potenciais diferentes. Cada um e cada uma, pode contribuir à sua
maneira para o fortalecimento do projeto ao qual participa. Logo, é necessário deixar claro que
na educação não formal, todos ensinam e todos aprendem. É a contribuição contínua de todas
as partes que faz a mudança acontecer. Sendo assim, os educadores sociais que trabalham na
perspectiva de “heróis” ou “salvadores”, como já foi apontado, precisam rever suas atitudes.
A discussão trazida até aqui, nos mostrou uma gama de possibilidades da educação, e
também as questões que as circundam. Foi necessário conceituar separadamente as educações
formal, não formal e informal, para então perceber de que maneiras elas se relacionam e
contribuem para a formação das pessoas, que pode acontecer de maneira dinâmica e
28
contribuição de várias pessoas ao longo da vida. Como foi mencionado no início deste capítulo,
por meio do provérbio africano, saber popular e ancestral, diga-se de passagem, todos nós
podemos contribuir para a educação dos outros e de nós mesmos em vários territórios e períodos
da vida.
Uma vez que apresentamos possibilidades diferentes para educação, é necessário dizer
com esta pesquisa que as considerações relacionadas ao tipo de educação construída nos
projetos sociais é o que mais se assemelha com aquilo que estamos propondo, o trazer a arte
enquanto processo da mediação cultural e prática social para o dia a dia das crianças. Pelo
simples motivo de que ambas corroborem para a formação humana a partir das experiências e
trocas em associação e no coletivo. Logo, percebemos essas vivências como possibilidades de
conhecimento de cunho artístico e víeis educacional. Partindo disso, no capítulo seguinte
consideraremos esses caminhos como potencialidades para o desenvolvimento de experiências
e desenvolvimento humano e artístico em correlação com determinados territórios.
29
CAPÍTULO II
2 MEDIAÇÃO E TERRITORIALIDADE
A partir do pensamento traçado por Raffestin (1993), podemos entender que a ideia de
território tem a ver com a divisão espacial e política, muitas vezes delimitadas pelo Estado ou
por quem exerce posição de poder, e que a partir dessa territorialização, que existe o
estabelecimento de um território em um espaço, é que se constroem as ações que o caracterizam.
[...]. Ou seja, os territórios são recortes espaciais em que são exercidas relações de
poder e afeto sobre o mesmo que, por sua vez, determinados grupos vão se identificar
e criar raízes sobre o lugar ao qual está inserido, essas raízes, podem ser, mutáveis e
se expandir além do território ao qual o grupo exerce o poder, podendo assim ocorrer
em vários lugares (SILVA; LIMA; SOUZA, 2018, p. 3).
As delimitações territoriais, como foi dito anteriormente, são estruturadas pelo poder.
Contudo, os territórios, de modo geral são caracterizados por diversos fatores, entre eles
podemos perceber nuances geográficas, espaciais, históricas, socioeconômicas, religiosas,
identitárias e culturais, resultantes das ações humanas. Por isso, precisamos nos ater ao
30
pensamento de que isso é resultado de como esses territórios são utilizados. Para Milton Santos
(2007), a análise do conceito de território deve se concentrar não apenas ao território como
recorte espacial, mas a como o território é usado. O autor, destaca:
De acordo com Milton Santos (2011), é mais interessante pensarmos a ideia de território
levando em conta não só as características espaciais ou políticas regidas pelo Estado, mas
compreendermos o território usado, considerando as relações que os tornam vivos e dinâmicos.
Pensemos então, o território brasileiro de maneira decrescente, do macro ao micro.
Vejamos... o território nacional é dividido em regiões, estados e municípios. No estado da
Bahia, são 417 (quatrocentos e dezessete) municípios, 06 (seis) macro territórios e 27 (vinte e
sete) territórios de identidade. O macro território 05 (cinco), oeste da Bahia, é dividido em
quatro territórios de identidade: O Velho Chico, a Bacia do Rio Grande, a Bacia do Paramirim
e a Bacia do Rio Corrente, onde fica situada Santa Maria da Vitória e mais 10 (dez) municípios.
Para além das delimitações estabelecidas pelo Estado e as relações de poder que regem e
controlam os territórios citados, é importante entender que o exercício da vida os dinamiza,
com características não só espaciais, mas também culturais, políticas, socioeconômicas e
identitárias, construídas e transformadas pelas atividades humanas que os compõem.
Logo, podemos entender território como algo político e material, mas também
relacional. Ambiente dos aconteceres cotidianos, ligado não só as relações de poder que
circundam a política, o trabalho e a economia, mas também como um espaço no qual se
concretizam as trocas e os vínculos que dão valor e sentido aos grupos que o habitam. Em outras
palavras, o território usado é o que constrói aquilo que podemos entender por territorialidade.
A territorialidade, de acordo com as características biológicas animais, está relacionada
ao ato instintivo de sobrevivência, controle e defesa de um território. Conforme Fuini, “A
territorialidade pode ser definida também como o próprio conteúdo do território, suas relações
sociais cotidianas que dão sentido, valor e função aos objetos espaciais. Essas territorialidades
são associadas aos diferentes tipos de usos do território” (FUINI, 2014 p. 230).
31
Segundo Milton Santos (1996), o acontecer solidário está presente nas atividades
comuns do cotidiano, construído a partir das contribuições de cada pessoa que ocupa, exerce a
vida e se relaciona com o espaço e com as pessoas presentes nele. Neste sentido, pensemos
nesses conceitos empregados na rua em questão a partir das experiências possíveis por meio da
arte e da mediação cultural.
É notório que estamos tratando de um território específico, definido espacial e
politicamente pelo Estado. Território este que é palco dos aconteceres solidários, no que se
refere as tarefas comuns e cotidianas presentes no território usado. Além disso, todas as
maneiras de utilização e apropriação pelas pessoas que moram e frequentam a Rua Vila Nova,
nos abre caminho para pensar quais as territorialidades que são ou podem ser exercidas neste
contexto. Como citado anteriormente, vamos focar na rua em questão como territorialidade do
brincar, exercida pelas crianças que povoam este ambiente, difundindo ludicidade, liberdade,
33
criatividade e pertencimento a este território. É possível então, perceber a Rua Vila Nova
enquanto territorialidade da infância e do brincar.
Segundo o dicionário Aurélio centro pode ser “a parte mais ativa da cidade, onde estão
os setores comerciais e financeiros” ou “lugar onde se desenvolvem certas atividades
com objetivo determinado” já o conceito de periferia, no mesmo, pode alcançar o
seguinte significado: “Numa cidade, a região mais afastada do centro urbano”
(PADILHA; OLIVEIRA apud FERREIRA, 2006, p. 113).
É necessário pensar além da definição primária dessas palavras e refletir alguns aspectos
que circundam esses termos. Em grande escala, coloquemos em evidência algumas
características do mundo globalizado e do desenvolvimento capitalista. Façamos então uma
análise a respeito dos países centrais e países periféricos, evidenciando o centro como as
potências europeias e a América do Norte e a periferia enquanto os países da América Latina,
África, Oriente Médio e a maioria dos países Asiáticos. Entre esses dois grupos, percebemos
quem detém as maiores riquezas e consequentemente maiores influências e poderes
socioeconômicos, políticos e culturais. Em outras palavras, os países desenvolvidos (Norte) ao
centro e os países subdesenvolvidos (Sul) rotulados como periferia. Logo, podemos interpretar
a divisão desses grupos como algo que transcende as divisões espaciais. Entre os dois polos
existem fronteiras que não são somente físicas ou espaciais, mas políticas, econômicas, sociais
e culturais. Essas separações são reflexo do capitalismo, é evidente, mas antes disso, estão
relacionadas ao traçado de mundo do período colonialista.
Pensando a partir dessa estrutura global, é possível entender que na construção de Brasil
esses modelos também se repetem nas nossas regiões, estados e cidades. Para contextualizar as
cidades, por exemplo, se direcionarmos nossos olhares para o território, identificaremos a
divisão entre centro e periferia marcadas pela desigualdade social, principalmente no que diz
respeito as grandes metrópoles. Neste sentido podemos relacionar a divisão do trabalho, os
contrastes de classes sociais e raça. Não é difícil imaginar onde nestes dois polos estão a maior
quantidade de pessoas em condição de vulnerabilidade. Sem pestanejar, a resposta que nos vem
à mente é a periferia!
Conseguimos até agora, pensar essas relações a partir dos países e das grandes cidades,
contudo, para contextualizar com o caminho deste trabalho, vamos trazer essa discussão para
as cidades do interior, que podemos considerar como a periferia das capitais. Em Santa Maria
da Vitória também é possível pensar essa divisão que aparece tanto na relação da sede com a
zona rural, como na relação entre o centro e os bairros afastados. No centro, há maior
concentração de comércio, investimento em infraestrutura, educação, saneamento básico e
diversos pontos que são importantes para o cotidiano de um lugar. Já os bairros periféricos, são
mais carentes de acesso aos pontos mencionados, sendo colocados à margem. É certo que na
cidade existem problemas a serem resolvidos, coisas a serem melhoradas, mas ações de
desenvolvimento que chegam ao centro, não são aplicadas com mesma importância na periferia.
Lugar onde essa assistência demora mais a chegar, e quando o poder público não chega, é a
comunidade que se mobiliza para o desenvolvimento acontecer pelo bem comum, mesmo
assim, ainda existem as fronteiras sociais entre o centro e a periferia.
Agora, que discorremos sobre as relações entre centro e periferia e como isso configura
os territórios, iremos pensar de que maneiras as ações de arte e mediação chegam ou não a esses
espaços, como isso se estrutura e quais as possibilidades que podemos encontrar para a
promoção da acessibilidade no viés da arte e da cultura.
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A quem pertence a arte? Quem tem acesso e quem tem direito de desfrutar dela? Essas
perguntas traçam uma linha de raciocínio que converge para que relacionemos a arte, a cultura
e a detenção do poder, que consequentemente compõe a posição de dominação.
A arte não foi feita inicialmente para chegar a todos os públicos e todas as classes
sociais. É romântico e idealista pensar assim! Por ser às vezes institucionalizada, é pensada e
distribuída para um grupo elitista, munido de um repertório cultural e intelectual que é
construído cotidianamente durante todo o percurso da vida das pessoas que pertencem a esses
grupos, que, diga-se de passagem, são privilegiados cultural e economicamente, uma vez que o
acesso a arte erudita, bens culturais e valores simbólicos fazem parte da sua educação desde os
primeiros anos de desenvolvimento humano. Passear pelos museus, cinemas, teatros e galerias
lhes é algo do cotidiano, enquanto para as classes menos favorecidas, o acesso é limitado e
muitas das vezes, inexistente.
Quanto ao privilégio cultural, não significa que a cultura da classe dominante, ou classe
cultivada, como tratam Bourdieu e Passeron (1964), é superior a qualquer outra, embora seja
isso que a elite muitas vezes quer dizer. Contudo, o acesso a arte e demais aspectos culturais,
quando direcionados as classes de maior potencial econômico, os deixam passos à frente em
relação a classes menos favorecidas, afinal, as estruturas sociais são definidas pelas relações de
poder e é isso que separa as pessoas, cria a desigualdade e delimita o espaço das classes
dominantes e o espaço das classes dominadas.
Há de se considerar que a estrutura de dominação e os privilégios que estamos tratando
aqui, em grande parte são alicerçados e potencializados pela educação escolar, somada as
heranças familiares. Ou seja: Uma criança privilegiada cultural e economicamente, tende a ser
mais favorecida em seu desenvolvimento intelectual e cultural que uma criança que não tem
acesso a esses privilégios.
A ação do meio familiar sobre o sucesso escolar parece quase exclusivamente cultural,
uma vez que a proporção de “bons alunos” parece aumentar com a renda e o nível do
diploma do pai. As duas instâncias, quando conjugadas, permitem aos pais não
somente intervir com competência na escolaridade dos filhos, mas influenciar no
desenvolvimento do aluno por meio do ambiente familiar, e notadamente as conversas
e os diálogos entretidos entre pais e filhos (CUNHA, 2007 p. 513).
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Dessa forma, Bourdieu e Passeron estão tratando de uma educação regada de privilégios
e que esse tipo de educação é acessado pela classe dominante. O que significa que essa ideia
não se aplica a todas as classes, fazendo com que a desigualdade continue perdurando. Se
relacionarmos isso ao contexto da educação brasileira, é fácil perceber a quão acentuada é a
desigualdade. E os privilégios, concentrados em grupos mais favorecidos.
Diante isso, quais são os caminhos para que o acesso a arte seja cada vez mais possível
às classes menos favorecidas? Quais são as maneiras que podemos pensar a arte e a cultura de
forma que sejam exercidas horizontalidade com integração e autonomia ao invés de exclusão e
dominação? Neste contexto, o que parece ser um bom caminho é a educação por meio da
mediação cultural, uma área vasta, de muitas possibilidades e terminologias. Mas afinal, do que
se trata e a que se destina?
O que nos interessa aqui, é tratar a mediação cultural como um meio facilitador e
promotor de experiências culturais, artísticas, sociais e de ensino aprendizagem, seja para um
indivíduo, um grupo específico de pessoas ou toda uma classe social. A mediação é algo
possível tanto nos espaços institucionalizados como a academia e os museus, quanto nos
espaços não institucionalizados ou informais como as praças e as ruas. Nesse mesmo diálogo,
Aquino nos convida a pensar a mediação cultural na instituição artística, “Com isto queremos
dizer que a mediação cultural é uma prática de tensão, em que o interesse de combater as
históricas desigualdades a partir da cultura e a exaltação de um projeto disciplinar de
legitimação de um discurso colonialista coexistem”. (AQUINO, 2016 p. 99). Neste sentido,
podemos pensar em uma mediação que reconheça a estrutura institucional, alicerçada nas
relações de poder, mas que busque caminhos para pensarmos o acesso a arte, encurtando de
algum modo o abismo social que existe entre as classes.
Antes de tratarmos de algumas possibilidades de mediação cultural, nos concentremos
um pouco mais na estruturação do poder em relação a arte e a cultura. Em “A socialização da
arte: teoria e prática na América Latina”, Canclini (1980) define três categorias de produção e
distribuição no campo da arte, que são: Arte, elitista, arte para as massas e arte popular.
A arte elitista, originada da burguesia, mas que inclui também setores intelectuais da
pequena burguesia, privilegia o momento da produção, entendida como criação
individual: supõe que o artístico se realiza, inapreensivelmente, no gesto criador, e
substancializa-se na obra de arte, que, por isso, é fetichizada. A distribuição é ignorada
pela estética das "belas-artes" ou julgada um acessório posterior à obra, que não
modifica sua essência; o consumo carece de uma problemática específica, pois a única
função do espectador é recolher-se", elevar-se ", "colocar-se em atitude de
contemplação" para receber a visão revelada pelo criador. Seu valor supremo é a
originalidade. A arte para as massas, produzida pela classe dominante, ou por
especialista a seu serviço, tem por objetivo transmitir, ao proletariado e às camadas
médias, a ideologia burguesa, e proporcionar lucros aos donos dos meios de difusão.
Tem como centro o segundo momento do processo artístico, a distribuição, tanto por
razões ideológicas como econômicas: interessa-lhe mais a amplitude do público e a
eficácia na transmissão da mensagem do que a originalidade da produção ou a
satisfação de reais necessidades dos consumidores. Seu valor supremo é a sujeição
feliz. A arte popular, produzida pela classe trabalhadora ou por artistas que
representam seus interesses e objetivos, põe toda a sua tônica no consumo não
mercantil, na utilidade prazerosa e produtiva dos objetos que cria, não em sua
originalidade ou no lucro que resulte da venda; a qualidade da produção e a amplitude
de sua difusão estão subordinadas ao uso, à satisfação de necessidades do conjunto do
povo. Seu valor supremo é a representação e a satisfação solidária de desejos
coletivos. Levada a suas últimas consequências, a arte popular é uma arte de
38
libertação. Para isso, deve apelar não só à sensibilidade e à imaginação, mas também
à capacidade de conhecimento e ação. Sua criatividade e seu prazer consistem nesse
trabalho sobre a linguagem que a potência até convertê-la numa forma de práxis
(CANCLINI, 1980, p. 50).
Ao pensar a respeito dessas definições, é interessante colocar que cada uma delas atende
a grupos sociais diferentes e de maneiras também distintas, e o que os tipos de mediação cultural
que buscamos aqui, visam a acessibilidade em relação a arte, por meio de uma construção
coletiva, a partir das contribuições de cada indivíduo a fim de atender as demandas das
comunidades as quais os mesmos pertencem, buscando sempre o protagonismo dos
participantes, com desenvolvimento da sensibilidade, senso crítico e autonomia. Neste sentido,
a ideia não é dominar, seja o expectador ou participante, mas construir em comunhão. É
necessário que haja espaço e oportunidade para artistas e mediadores todas as classes sociais e
diversidade possível, para que os lugares de fala sejam exercidos por quem tem propriedade e
vivência de causa.
Nestor Canclini (1980) trata das questões relacionadas a quem produz arte e a quem tem
acesso a ela. É sabido que a arte na maioria das vezes é pensada e produzida por uma classe
dominante, e que as classes menos favorecidas nem sempre tem acesso a produções artísticas,
eventos de arte, galerias ou museus porque é caro consumir arte. Em contraponto a isso,
Canclini nos mostra o quanto são necessárias as produções de arte pensadas por e para as
minorias sociais e mais necessário ainda que os representantes dessas minorias se potencializem
e ocupem os espaços que quase sempre lhes são negados.
mesma tem. Impulsionado por Frederico Morais e outros nomes da arte brasileira, como Amir
Haddad e Cildo Meirelles, o projeto “Domingos de Criação” poeticamente “transcende” as
paredes do Museu de Arte Moderna (MAM) e ocupa junto à comunidade o espaço externo,
promovendo ações artísticas e criativas de maneira democrática. Povoa-se então um espaço
frequentado muitas vezes pela classe dominante, e promove-se ações participativas e criativas,
nas quais todos os presentes ajudam a construir uma nova relação com aquele espaço e
consequentemente criam maneiras de se relacionar consigo, com os outros e com a arte. Ao
descrever do que se tratam os Domingos de Criação, Jéssica Gogan (2017), coloca:
Nesse ponto, buscaremos entender algumas questões ligadas a prática social, um dos
vários caminhos possíveis da mediação cultural, bem como, possibilidades as quais ela se
desdobra. Além disso o que se busca aqui é relacionar este capítulo com os pensamentos e as
ações de teóricos e artistas que buscam falar de uma nova perspectiva do fazer artístico e das
ações políticas que circundam as questões da prática social, vertente da mediação cultural, a
fim de alimentar uma discussão sobre que se faz nos territórios e como as relações de poder se
reverberam na sociedade, inclusive na promoção do acesso a arte e como as propostas de
mediação cultural se fazem forças transformadoras em meio as realidades apresentadas.
41
2
O artista e mediador Vik Muniz apresenta no documentário Lixo extraordinário, um projeto realizado com
catadores de material reciclável no aterro sanitário do Jardim Gramacho, RJ, em que os participantes do projeto
ajudam a produzir arte a partir dos materiais recicláveis encontrados no aterro e das vivências mediadas no espaço
em questão. (Documentário Lixo extraordinário, disponível em:
https://www.youtube.com/results?search_query=lixo+extraordin%C3%A1rio > acesso em nov.2021
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Uma vez que os participantes passam a pensar o lugar onde vivem e trabalham com um
novo significado, e a partir da mediação proposta pelo artista Vik Muniz e construída
coletivamente, por todos, que conseguem transformar a relação daquelas pessoas com o espaço
de trabalho, com sua função social e o pensamento a respeito da arte. Essa é uma potente
proposta da arte socialmente engajada imbuída no contexto e implementada a partir de uma
metodologia voltada para a prática social.
Ainda neste diálogo, porém retomando conceito de “Arte como prática social”, Shannon
Jackson (2011), nos apresenta uma pergunta: “O que há de “social” na prática social?
Experimentos comparativos em performance”. A autora põe em evidência a ideia construída
socialmente de que a prática artística e a prática social são bastante distintas. A primeira, ligada
a estética e a segunda, ligada a política, que durante muito tempo existiram e barreiras entre as
duas. Entretanto, a própria arte conceitual passou e passa por transformações. Duchamp (1917)
já mostrava isso no início do século XX, questionando a estética preferencialmente abordada
na época, renunciando uma estética de representacionalidade para dar espaço a inovação e a
experimentação na arte, que ganhou desdobramentos ao longo do tempo, estabelecendo
possibilidades diferentes na prática artística, que se tornou e se torna cada vez mais relacionada
a prática social, promovendo construção e desenvolvimento de ambas, unindo a estética, a
representação e a linguagem, diretamente associadas a criticidade, capacitação e transformação
social.
A performance, abre um grande leque para a prática social e suas vertentes, como a arte
ativista, arte participativa e arte colaborativa, dentre outras nomenclaturas. É interessante dizer
que Shannon Jackson coloca em evidência a importância de uma prática social autônoma, em
contraponto ao conceito de heteronomia que tem a ver com a ideia de dominação. A autora
explica que “a etimologia que parece mais útil é aquela que alinha a autonomia com a “condição
de ser autogovernado” e a heteronomia com a “condição de ser governado por uma força
exterior” (JACKSON, p.45). Embora Jackson aponte a experimentação em performance como
uma grande e potente possibilidade de exercício de uma prática social autônoma, como aborda
a autora, a 8ª Bienal do Mercosul também aponta outras possibilidades para a difusão de práticas
artísticas que trabalhem com autonomia de diferentes maneiras.
Dentro da programação da Bienal, precisamos destacar um projeto de arte socialmente
engajada, que é o relato sobre o processo de construção e realização do Coro de Queixas de
Teutônia. Mas antes, vejamos uma citação de Helguera, a respeito da arte socialmente engajada.
A maioria dos projetos de SEA é desenvolvida por artistas que trabalham em uma
comunidade particular por um longo período de tempo e que têm um conhecimento
profundo dos participantes. Esse também é o motivo pelo qual projetos de SEA, como
as frutas exóticas, normalmente não têm a mesma qualidade quando “exportados”
para outros locais para serem reproduzidos (HELGUERA, 2011 p. 37).
O principal motivo de apresentar este trecho do texto é para dialogar com o autor em
reação a este posicionamento, porque o Coro de Queixas, não foi criado em Teutônia, mas uma
experiência mediada a partir do projeto dos dois artistas finlandeses Tellervo Kalleinen e Oliver
Kochta-Kalleinen que criaram a proposta do coro, para sua cidade na Finlândia e depois foram
convidados a viajar o mundo com este trabalho. Isso ganhou notoriedade e se reverberou em
vários países do mundo, até que a organização da 8ª Bienal do Mercosul, resolveu realizar este
trabalho dentro da sua programação na cidade de Teutônia. Para isso, era necessária a
participação dos habitantes da cidade, e uma pessoa para mediar as ações do Coro de Queixas.
Partindo dessa necessidade, o evento convida o professor de música Lucas Brolese, para realizar
o trabalho.
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Ao aceitar o convite, a preocupação de Lucas Brolese era fazer as coisas darem certo do
início ao fim, por isso, buscou se aproximar do que a bienal estava propondo naquele momento,
tanto para conhecimento próprio, quanto para os demais participantes. O músico relata:
Sugeri que a produção providenciasse legendas em português para o vídeo dos coros
do mundo e que elaborassem um material explicando detalhadamente o que é a Bienal,
arte contemporânea e arte conceitual, já que no contato com as pessoas percebi que
muitos desconheciam o assunto. A realidade cultural da valorização da educação e das
artes, infelizmente, não faz parte do país do futebol, e assim, mesmo quem tem a
empatia pela arte no Brasil, acaba tendo seu acesso limitado, principalmente no
interior. Apesar dessas conclusões que iam surgindo, aos poucos algumas queixas iam
chegando por e-mail, nesse momento eu já estava me comunicando com Oliver que
também parecia apreensivo com a falta de vontade de reclamar dos brasileiros
(BROLESE, 2011, p.58).
Neste ponto específico vamos exercitar o olhar para a rua enquanto possibilidade de um
lugar onde o acontecimento da estética relacional se faz pressente, porque a proposição aqui é
pautar este espaço como potencialidade para a arte e para a mediação cultural. Antes disso,
importante deixar claro que a estética relacional propõe uma arte que viabilize as relações com
o público e a obra, artista e público e os participante de modo geral. Pensemos na interação
social e na construção coletiva como base para este conceito, estabelecendo uma linha de
pensamento acerca do que é essa estética relacional.
Com base nesse pensamento, podemos perceber que estética relacional está dedicada a
trabalhar com a essência das relações sociais que são construídas pela humanidade. Ainda nessa
perspectiva o autor coloca algumas problemáticas existentes ao dizer em um mesmo parágrafo
que “O contexto social atual restringe as possibilidades de relações humanas e, ao mesmo
tempo, cria espaços para tal fim” (BOURRIAUD,199, p. 10) e “A mecanização geral das
funções sociais reduz progressivamente o espaço relacional” (BOURRIAUD,1998, p. 10).
Neste sentido, o autor está tratando é que a sociedade caminha cada vez mais para a dissolução
das relações sociais e consequentemente a fragilização de laços que são essenciais. Em
contraposição a dissolução dessas relações, causada em parte pela mecanização das funções
sociais e a “limpeza” dessas possibilidades relacionais, o autor destaca um importante papel
que a arte exerce quanto a essas questões.
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A arte, por ser da mesma matéria de que são feitos os contatos sociais, ocupa um lugar
singular na produção coletiva. Uma obra de arte possui uma qualidade que a diferencia
dos outros produtos das atividades humanas: essa qualidade é sua (relativa)
transparência social. Uma boa obra de arte sempre pretende mais do que sua mera
presença no espaço: ela se abre ao diálogo, à discussão, a essa forma de negociação
inter-humana que Marcel Duchamp chamava de "o coeficiente de arte" - e que é um
processo temporal, que se dá aqui e agora (BOURRIAUD, 1998, p.19).
Em diálogo com o autor, pensemos no quão potentes podem ser as ações de mediação
no âmbito da estética relacional, levando em conta que grupos sociais e de que formas são
afetados por essas propostas, valorizando a construção coletiva dos processos. Podemos
relacionar esse diálogo com os conceitos de Arte Socialmente Engajada e Prática Social
exercidos em determinado território. Todas essas questões se relacionam e contribuem para
novos olhares a respeito da arte e dos espaços que nos propusemos a discorrer sobre. Citemos
o caso da Rua Vila Nova, onde a dissolução das relações sociais devido a já citada mecanização
das funções sociais não afetou totalmente os moradores do lugar. Um exemplo disso é que
apesar dos afazeres cotidianos e das ações individuais, essa rua ainda é um espaço potente de
convivência, principalmente se pensarmos nas crianças que interagem nesse lugar e fortalecem
as relações por meio da universal e promissora cultura do brincar. Logo, em um lugar onde o
exercício da vida é pulsante e as interações são presentes, a arte pode contribuir de forma
bastante significativa, tanto para a criação de objetos estéticos, quanto para o aprofundamento
das vivências e das relações. Mas de que maneira?
Ao pensar a arte nas ruas, Canclini, nos conduz a pensar primeiro as suas
especificidades, levando em conta as particularidades do ambiente. Afinal, não devemos pensar
a arte na rua da mesma maneira que se pensa em um ambiente fechado, como as galerias,
museus ou salas de aula.
Levar a arte às ruas" não é um ato simples e espontâneo, como parece indicar essa
ordem reiterada. Exige a resolução de problemas técnicos: usar materiais que não
sejam alterados por mudanças climáticas, adaptar o tamanho das obras aos lugares de
exposição, etc.. Exige, sobretudo, uma nova colocação da concepção estética, social
e comunicacional das obras em função do âmbito urbano: deve-se perguntar o que
significa expor numa rua ou numa praça, o que, ali, se quer dizer, que mensagens são
transmissíveis em cada lugar, do que necessita a população que a usa (CANCLINI,
1980, p. 137).
as experiências criativas com crianças no espaço da rua. Há que se pensar o espaço, suas
especificidades e acontecimentos para estas experiências sejam algo que se agreguem ao
território em questão e sejam conduzidas não como algo instalado de maneira brusca ou
estranha, mas que sejam algo que some e se integre ao espaço e ao exercício da vida das crianças
e da comunidade que o habita.
Ainda no diálogo que nos leva a pensar de que maneira a arte pode se integrar e se
relacionar com a rua, as pessoas e seus acontecimentos, Canclini ressalta a importância de não
se trabalhar a arte na rua como se faz em outros lugares. Não é só mudar de ambiente, mas
também mudar o olhar e as ações de acordo com a realidade do espaço.
A diferença básica é que, num lugar aberto, as obras deixam de ser um sistema fechado
de relações internas para converterem-se num elemento do sistema social; em vez de
isolarem-se numa cadeia de relações interartísticas, situam-se no cruzamento dos
comportamentos sociais e interagem com comportamentos e objetos não artísticos. Já
não se trata de colocar uma obra num espaço neutro, mas de transformar o ambiente,
marcá-lo de um modo original ou delinear um ambiente novo (CANCLINI, 1980 p.
137).
[...] além dessa expansão dual da arte na cultura, que obviamente diversifica o site, a
característica marcante da arte site-oriented hoje é a forma como tanto a relação do
trabalho de arte com a localização em si (como site) como as condições sociais da
moldura institucional (como site) são subordinadas a um site determinado
discursivamente que é delineado como um campo de conhecimento, troca intelectual
ou debate cultural (KWON, 2007, p. 171).
Só essas práticas culturais que têm essa sensibilidade relacional podem transformar
encontros locais em compromissos de longa duração e intimidades passageiras em
marcas sociais permanentes e indeléveis – para que a sequência de lugares que
habitamos durante a vida não se torne generalizada em serialização indiferenciada,
um lugar após o outro (KWON, 2008, p.184).
CAPÍTULO III
De acordo com Huizinga (1938), o jogo está presente tanto nas atividades animais
quanto nas atividades humanas. Qualquer pessoa, seja criança ou adulta pode jogar, se entregar
nessa atmosfera que coexiste com a realidade. Por exemplo, um jogo de futebol tem as suas
regras, mas em essência, é algo livre, algo que promove experiências específicas e legítimas.
Para Huizinga (1938) o jogo é livre, é em si mesmo, a própria liberdade, não sendo vida corrente
e nem vida real. Mas como isso é possível? Na visão do autor, “trata-se de uma evasão da vida
"real" para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe
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perfeitamente quando está "só fazendo de conta" ou quando está "só brincando” (HUIZINGA,
1938, p.16). Isso não significa que o jogo não seja vivido com verdade e comprometimento. Há
seriedade no jogo, e essa seriedade não significa a inexistência do caráter lúdico ou da
brincadeira. Ela está ligada ao comprometimento para com o jogo, que à medida que desperta
o interesse e o prazer do (a) jogador (a), em um intervalo da vida cotidiana, transforma o
momento em algo lúdico, instigante e legítimo. Segundo Huizinga “O jogo lança sobre nós um
feitiço: é "fascinante", "cativante". Está cheio das duas qualidades mais nobres que somos
capazes de ver nas coisas: o ritmo e a harmonia (HUIZINGA, 1938, p. 18).
Dessa forma, Huizinga (1938), considera que o jogo, enquanto intervalo da vida
cotidiana, proporciona momentos que envolvem não só a ludicidade e o prazer, mas também
alguns elementos que em algum grau, são também elementos presentes na estética, como:
tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução, união e desunião. Algumas outras
características do jogo são o desejo de dominar ou competir e também o divertimento. Apesar
das regras, o jogo é algo dinâmico, pulsante e vivo. Uma criança quando joga amarelinha ou
bola de gude, acredita nas regras do jogo e o vivencia com verdade e entrega. Acertar a bolinha
de gude do adversário, é um objetivo da competição. Porém, não se resume apenas ao ato
competitivo, uma vez que provoca também o divertimento, a concentração e a interação com
os colegas. Jogar é compartilhar de um momento mágico para ambas as partes.
Johan Huizinga, chama atenção para a experiência do jogo enquanto o fator mais
importante. Com isso, podemos relacionar os jogos infantis como um recurso potente para as
experiências lúdicas, de forma que as crianças joguem sem a pretensão de receber honrarias,
troféus ou algo do tipo, mas vivenciem o jogo enquanto experiência nas brincadeiras do
cotidiano. De acordo com o autor “Os jogos infantis possuem a qualidade lúdica em sua própria
essência, e na forma mais pura dessa qualidade”. Huizinga (1938), aponta também algumas
características pertencentes a ludicidade como a ordem, a tensão, solenidade, ritmo e
entusiasmo (HUIZINGA, 1938 p. 24). Dessa forma, a pureza desses elementos referentes ao
51
caráter lúdico, são importantes em todas as fases da vida e na infância, essa ludicidade se faz
presente na imaginação das crianças, que convenhamos, é o seu universo particular. Na
imaginação, a criança vive o espírito lúdico de forma pura e intensa, podendo transformar-se a
si mesma dentro das realidades as quais escolhe habitar, em uma viagem somente sua. A
imaginação é uma importante mola propulsora da criatividade, tema que ainda discutiremos
neste capítulo. Huizinga (1938), diz que desde os primeiros aninhos de vida, as crianças já
apresentam um grau alto de imaginação.
A criança representa alguma coisa diferente, ou mais bela, ou mais nobre, ou mais
perigosa do que habitualmente é. Finge ser um príncipe, um papai, uma bruxa malvada
ou um tigre. A criança fica literalmente "transportada" de prazer, superando-se a si
mesma a tal ponto que quase chega a acreditar que realmente é esta ou aquela coisa,
sem, contudo, perder inteiramente o sentido da "realidade habitual". Mais do que uma
realidade falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é "imaginação",
no sentido original do termo (HUIZINGA, 1938, p.21).
As artes "musicais" prosperam num ambiente de alegria coletiva, mas o mesmo não
acontece com as artes plásticas. Apesar desta diferença fundamental, é possível
encontrar nas artes plásticas vestígios do fator lúdico. Nas culturas arcaicas, a obra de
arte tinha em grande parte seu lugar e sua função no ritual, como objeto dotado de
significação sagrada. Tanto edifícios como estátuas, roupas e armas ricamente
ornamentadas podiam-se relacionar com a vida religiosa. Eram objetos dotados de
poder mágico, carregados de valor simbólico, representando muitas vezes uma
entidade mística. Ora o ritual e o jogo são tão estreitamente aparentados que seria
muito estranho não encontrarmos as qualidades lúdicas do ritual de alguma maneira
refletidas na produção e na apreciação das obras de arte (HUIZINGA, 1938, p. 179).
Recapitulando o discurso, foi dito que a imaginação funciona como uma das molas
propulsoras do ato de criar. Mas afinal de contas, do que se trata a criatividade e como ela está
presente na vida das pessoas? É propriedade da arte ou dos artistas?
Ao falar da criatividade, Fayga Ostrower (1976), coloca o tema como algo presente na
vida humana, decorrente da necessidade de criar, dar forma a alguma coisa. O potencial
criativo não é pertencente apenas a arte e tampouco aos artistas. Dessa forma, precisamos
desmistificar a ideia reducionista excludente de que a criatividade é um privilégio dos artistas,
mas sim como uma habilidade humana que vem à tona a partir das necessidades cotidianas, seja
no trabalho ou em outras situações. Logo, todos nós sendo artistas ou não, somos dotados de
um potencial criativo que pode ser trabalhado ao longo da vida.
podemos entender que a pessoa que cria, o faz a partir de si mesma, de suas próprias
prospecções e necessidades, mas oriundas do contexto social ou cultural a qual está inserida.
Uma criança que desde cedo convive em ambientes onde a sua criatividade é constantemente
estimulada pela realidade cultural em que vive, tende a explorar o seu potencial criativo de
maneira. Segundo Morais (2001) isso só não ocorre quando de algum modo a pessoa tem suas
habilidades criativas reprimidas pelo contexto ao qual está inserida, como a família, a escola ou
a política. Então, é notório que apesar de sermos seres únicos, somos influenciados e moldados
pela realidade social a qual fazemos parte.
Criar, segundo Ostrower (1976) é dar forma a algo novo, e isso é possível a medida que
conseguimos compreender, relacionar, ordenar, configurar e significar alguma coisa. O novo,
só é possível a partir do momento em que esses pontos se fazem presentes no ato criador. A
criação do novo, está relacionada as nossas vivências e percepções de mundo e as necessidades
cotidianas. Ostrower (1976) diz que as pessoas criam não porque querem ou porque gostam,
mas porque precisam. Desse modo, podemos perceber que o ato criador é uma necessidade da
existência humana que por sua vez, não acontece do acaso ou do “nada”. Assim como a
humanidade precisa da criatividade para viver, se reinventar e transformar-se, esta criatividade
é baseada em alguns pontos importantes que precisamos destacar aqui. São elas: a sensibilidade,
a percepção e a intuição. Todas ligadas ao que a autora chama de ser consciente- sensível-
cultural.
Ela pode e deve ser desenvolvida em tempo integral, em casa ou no trabalho, no lazer
e nas atividades produtivas, no modo como nos vestimos, caminhamos, conversamos,
nos relacionamos com outras pessoas, como participamos da vida política e social.
Estimulando a criação, vamos libertando o homem – e a própria arte, que não está
restrita aos museus (MORAIS, 2001, p. 240).
Há uma certa tensão no que se refere ao ato criativo nas experiências artísticas. De certo
modo, essa tensão, corrobora para o comprometimento com trabalho. Contudo, quando
resolvemos nos livrar da obrigatoriedade do certo ou errado e nos concentramos em vivenciar
a experiência, sem julgamentos, aproveitando o que há de mais puro na criatividade,
potencializando o poder da imaginação e da ludicidade, dando destaque ao divertimento e ao
significado da vivência, o que pode ocorrer? Nos desviemos um pouco da forma laboriosa e
difícil do processo criativo nas artes e pensemos essa criatividade de maneira mais pura e fluida.
Mas de que modo?
Já foi mencionado aqui que a criatividade é algo inerente a vida humana, presente não
só na arte, mas em várias situações, decorrente das necessidades existenciais das pessoas. Então,
pensemos no território da rua, como um lugar potente para o potencial criador ou criativo. O
exercício dessa criatividade, é algum comum no território da Rua Vila Nova, contido nas
vivências individuais e coletivas em diferentes situações. Com relação as crianças que povoam
o espaço dessa rua, é possível perceber a criatividade implementada nas brincadeiras que foram
aprendidas e são reinventadas todos os dias. Nessas ações, se fazem presentes todas as coisas
que já mencionamos em relação a criatividade, o jogo e a ludicidade. As crianças, exercitam o
potencial criativo, a percepção, intuição e sensibilidade, coisas que já lhes são inatas, mas são
potencializadas e enriquecidas a cada nova experiência. A investigação e o estímulo deste
potencial criativo em diálogo com as artes visuais podem gerar boas experiências não só para
esta pesquisa, mas para o processo de desenvolvimento das crianças.
O espaço dessa rua, é territorialidade das ações e práticas cotidianas, dando a este lugar,
particularidades identitárias e culturais que são somente dele. Este mesmo espaço pode ser
territorialidade do fazer artístico, da arte educação e especialmente da mediação. Para além da
demarcação geográfica, esse espaço existe e as pessoas podem conviver nele experimentando
57
ações criativas conectadas a arte, tendo as crianças desse lugar comunitário como principais
pajrticipantes das experiências. O que se procura aqui não é substituir o que já acontece nessa
rua, mas agregar, propor e mediar experiências que de algum modo venham ser significativas
e perpassem como parte do cotidiano das pessoas que compartilham e se relacionam com esse
lugar. Neste sentido, no próximo tópico pensaremos a rua enquanto espaço onde o exercício da
vida está ligado a ideia de liberdade e autonomia.
A busca por uma educação que seja pautada na liberdade é algo bastante comum entre
os educadores progressistas que a veem como principal fonte de transformação do mundo. Mas
como ocorre essa transformação no sentido educacional? Pensando nessa questão, trazemos
para esse discurso, os pensamentos de Paulo Freire, que dedicou sua vida a contribuir com a
formação das pessoas e consequentemente do meio em que vivem. Dessa forma, é necessário
que entendamos que a educação e a transformação do mundo não são tarefas designadas ou
realizadas por apenas uma pessoa. Somos seres sociáveis e aprendemos a partir das trocas que
temos ao longo da vida. Na visão de Freire (1996), “quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender”. Por isso, não é interessante pensarmos o ensino aprendizagem no
sentido bancário, como se o professore transferisse, depositasse ou oferecesse algo aos seus
educandos. Ninguém sabe tudo! Nós, humanos, somos seres inconclusos, estamos em constante
transformação e desenvolvimento. É interessante então pensarmos que a aprendizagem é algo
mútuo e que mesmo que o professor ou professora, domine determinados conteúdos, sempre há
algo novo para aprender, portanto, ao ensinar, o educador reaprende, e o educando de algum
modo também ensina, porque este, sendo um processo de troca, significa que todos contribuem,
com suas experiências e visões de mundo. E a leitura de mundo dos educandos precisa ser
respeitada, porque em muito, elas contribuem para o compartilhamento de saberes e
aprendizado coletivo.
E a curiosidade assim metodicamente rigorizada faz achados cada vez mais exatos
(FREIRE, 1996, p.34).
A partir dessa colocação de Paulo Freire, pensemos nas maneiras que as pessoas,
sobretudo as crianças exercem autonomia e liberdade no espaço da rua. A rua, está para além
de espaço de fluxo e transição de pessoas e/ou veículos. Vamos considerar, que ela é um espaço
de convívio e de liberdade. Um espaço sem trancas, portas ou muros, onde as pessoas se fazem
presentes, por escolha, não por obrigação. No caso da Rua Vila Nova, as crianças exercem sua
liberdade e autonomia em cada experiência. Não lhes é algo imposto, e além do mais, ao
escolherem conviver e brincar no espaço da rua, elas já estão exercendo a autonomia e a
liberdade de fazer uso de um espaço que tanto as pertencem, no sentido afetivo da convivência
humana, quanto se sentem pertencentes a ele. Desse modo, o que estamos propondo aqui não é
oferecer liberdade e autonomia as crianças e demais pessoas da comunidade em questão, porque
isso já lhes é algo conquistado e legitimado ao longo de suas vidas, mas buscamos aproveitar a
59
existência dessa liberdade e dessa autonomia para enriquecer o espaço e as pessoas que nele
convivem, por meio de experiências significativas e compartilhadas.
A consciência de que relação devemos estabelecer é algo assertivo, tendo em vista que
não é interessante pensarmos em um tipo de relacionamento que denote o poder com
verticalidade e desse modo perpetue a ideia de que quem educa, transfere ou deposita
conhecimentos. Pensemos então, na condição de mediador, aquele que media, que faz
intermédio de algo. Logo, a mediação nos abre a possibilidade de sermos quem direciona os
caminhos, mas as pessoas participantes dessa experiência, escolhem se vão, como vão e por
onde vão caminhar. Unindo então o espaço da rua, que já nos proporciona a autonomia e
liberdade as quais nos dispomos a discutir, com a pessoas que tornam este espaço vivo,
dinâmico e potente. Neste sentido, retomamos o discurso de Frederico Morais (2001), ao falar
dos Domingos de Criação, o autor diz que a proposta tinha um caráter educativo, não no sentido
do ensino aprendizagem convencional, mas de forma ampla relacionado a ideia de formação e
cidadania.
As realizações da produtora em muito se relacionam com tudo que temos construído até
o momento. A liberdade e se fazem presentes, vivas e poderosas, uma vez que são frutos da
construção coletiva, da parceria e da vontade mútua de transformar a si mesmo e ao mundo.
Portanto, Mestre Menin@ é nada mais que uma série de registros da liberdade e da pureza da
alma humana, exercidas da maneira mais bela e livre possível. A universal cultura do brincar!
Brincar é uma Pedagogia. Uma Pedagogia das essencialidades. Uma. Pedagogia que
assenta no “ser humano novo” e em quem brinca, conhecimentos profundos sobre a
natureza humana, a vida em suas dimensões diversas e o mundo que se habita.
Constatar que esta pedagogia se estrutura sobre a liberdade, o movimento e a alegria,
tendo por casa a natureza, me faz pensar que é necessário aprender com as crianças!
Eu escolhi como método de aprendizagem, de construção de um conhecimento
continuado, acerca da infância, estar com as crianças! Aprendo com elas todos os dias
e renovo diariamente este conhecimento. Então, sou mais aprendiz do que um
Educador ou Pedagogo (SOARES JUNIOR, 2020).
convivência e a formação humana. Sendo a arte, um dos principais caminhos onde são exercidas
a criatividade e a sensibilidade humana, vamos considerar que as experiências criativas
relacionadas a arte, unidas a cultura do brincar, podemos construir algo novo. Ir além e
transformar as nossas relações de algum modo a partir das experiências compartilhadas,
respeitando a autonomia de quem escolhe ou não participar e olhar coletivamente para novos
horizontes.
3.4 A rua e o brincar como processo de Mediação e Prática Social do campo da Arte
De acordo com tudo o que vimos até aqui, podemos enxergar a rua enquanto território
possível para a mediação cultural e a prática social, mas de que maneira? A rua é um espaço
vivo, dinâmico e regido pelos acontecimentos cotidianos. Como já foi dito, a Rua Vila Nova é
territorialidade da cultura do brincar exercida pelas crianças e das ações comuns do cotidiano
que podemos considerar como acontecer solidário, segundo a perspectiva de Milton Santos
(1996). Isso nos abre caminho para entendermos que a rua é também um espaço das relações
humanas, um lugar relacional onde se constroem os vínculos afetivos. Portanto, podemos notar
a potência deste território para ações de arte promovidas pela mediação cultural na perspectiva
da prática social.
Pensemos em processos artísticos que desenvolvam a criatividade individual e coletiva
por meio do caráter lúdico contido nas próprias experiências em arte, correlacionadas a cultura
do brincar no território em questão. Estes processos são possibilidades da prática social tendo
como base a arte socialmente engajada, um dos caminhos da mediação cultural. Este, se
concentra na realização de ações para grupos específicos, promovendo a interação social entre
as pessoas envolvidas, bem como o desenvolvimento dos processos construídos coletivamente,
promovendo e potencializando as relações entre as pessoas e as atividades criativas.
Desse modo é possível cumprir um papel político, artístico, cultural e social ao nos
debruçarmos a atuar em um território onde seus moradores não são beneficiados por privilégios
econômicos, educacionais ou culturais, como consideram Bourdieu e Passeron (1964) quando
mencionam as regalias e favorecimentos destinados a classe cultivada. Agir na Rua Vila Nova
significa enxergar este espaço enquanto uma possibilidade rica para o campo da arte e desse
modo, utilizar a arte e mediação cultural para contribuir com a vida social e cultural das pessoas
62
que habitam e convivem neste território, ressignificando de algum modo as relações que
permeiam o lugar em questão.
No próximo capítulo, iremos conhecer de que maneira esses pontos convergem em prol
do presente projeto e o que alcançamos juntos a partir das ações propostas dentro dessa
pesquisa.
63
CAPÍTULO IV
ambiente sofreu algumas mudanças, como o pé de caju que antes existia e hoje não existe mais,
retirado para loteamento e construção de novas residências. As macambiras, plantas rasteiras
que circundavam a maior parte do bairro e por isso dão nome a ele, hoje são mais presentes nas
memórias das pessoas que na geografia do local.
A comunidade, em relação a seus moradores fixos e suas diversas relações sociais
também mudou no decorrer dos últimos 16 (quinze) anos. Por exemplo, pessoas que outrora
eram pais e mães, hoje são avôs e avós. Crianças que conviviam e movimentavam a existência
deste lugar e hoje são pais, mães, tios e tias de novas crianças, que tem essa rua como um dos
espaços de maior convívio cotidiano.
Atualmente a rua se estrutura com 11 (onze) casas residências, 01 (uma) igreja em
construção, 01 (um) bar, 01 (uma) oficina mecânica, 04 (quatro) postes de iluminação e o muro
de uma chácara que ocupa grande parte da extensão territorial da rua. Não existem praças,
calçamento ou áreas de lazer.
Além das características geográficas deste território, é necessário mencionarmos que a
rua em questão, é constituída, sobretudo, pelas contribuições de cada pessoa que o habitou ou
o habita. Apesar de não existirem ações direcionadas ao desenvolvimento urbano, atividades de
lazer ou projetos de infraestrutura que busquem contribuir com a vida das pessoas neste
território, a rua em questão é um organismo vivo, dinâmico e pulsante. Resultante do acontecer
solidário e dos vínculos construídos nela.
Uma vez que apresentamos de maneira mais aprofundada o território ao qual nos
concentramos em desenvolver a proposta de mediação, começaremos por conhecer o que foi
pensado para cada encontro e como a proposta se desenvolveu na prática.
66
Objetivos
Esta proposta se resume em convidar as crianças que convivem na Rua Vila Nova para
brincarem juntas no espaço da rua utilizando brincadeiras como: amarelinha, giribita e esconde-
esconde, levando em conta os aspectos performáticos das brincadeiras escolhidas.
67
Processo e análise
participantes entraram no jogo de maneira tão intensa, concentrada e divertida, que decidimos
por seguir com as experimentações que estavam sendo construídas.
Um dos jogos escolhidos, propunha que cada criança escolhesse uma outra para trocar
de lugar, mencionando apenas o nome da outra pessoa, e assim que a troca acontecia, a criança
escolhida trocava de lugar com outra, e assim sucessivamente. A medida que as crianças iam
dominando a ação, o jogo ficava cada vez mais rápido. Chegamos ao ponto dos participantes
se comunicarem apenas pelo olhar, o que fez com que a percepção e a intuição fossem cada vez
mais trabalhadas durante a experiência, que ocorria de maneira lúdica e ritualística, acendendo
nas crianças um estado de espírito e concentração causados pelo comprometimento com o jogo.
Outro aspecto importante é que durante a experiência de trocar de lugar com o colega,
a criança exercia o seu poder de escolher que direção seguir. Isso foi bastante significativo para
o que propusemos, porque mesmo que houvesse um direcionamento feito pelo mediador das
experiências, existia a preocupação com a autonomia e a liberdade da criança em escolher seus
próprios caminhos.
Outro jogo proposto dividia as crianças em duplas, e entre cada dupla, os participantes
decidiam quem seria o jogador 01 e quem seria o jogador 02. A partir disso os participantes de
cada dupla ficavam um de frente para o outro. Então, o número 01 fazia um gesto e o número
02 tentava copiar quase que simultaneamente o movimento criado pelo colega. Até que em
determinado momento, o jogo se invertia, e agora, era a vez do número 02 escolher o
movimento, enquanto o jogador 01 o copiava, como se uma criança fosse o espelho da outra.
Cada dupla tinha sua própria sequência movimentos! Precisamos chamar atenção para
algo interessante a se perceber. Sem interferência do mediador ou da equipe de apoio, as
crianças tinham total liberdade para criar seus próprios movimentos. Os gestos expressados por
elas, traziam seus referenciais de vida. Por exemplo: uma das duplas começou a desenvolver
movimentos relacionados a capoeira. Em nenhum momento isso foi proposto na mediação,
porém, devemos considerar que cada pessoa carrega em si os seus próprios referenciais, e estes
se refletem nas atitudes, no pensamento e no próprio corpo. Isso tornou o jogo ainda mais
interessante, porque ao considerarmos que somos seres sensíveis, conscientes e culturais,
precisamos valorizar o que há de repertório cultural em cada pessoa, porque cada experiência
soa diferente e é algo singular para cada um e cada uma de nós.
Após os jogos de percepção corporal e espacial, foram escolhidas três brincadeiras,
realizadas por todas as crianças. A amarelinha, bola de gude e morto vivo, escolhidas para serem
69
vivenciadas neste encontro, são brincadeiras populares que estão cheias de tudo aquilo que foi
trabalhado nos jogos, como a percepção, o uso da intuição, a diversão, a concentração e a
entrega a experiências.
Há algo de teatralidade e de performance nessas brincadeiras. Nas nossas experiências,
as crianças, mesmo sem intenção de performar ao brincar, performaram! Criaram movimentos,
se expressaram de acordo com o que pedia a brincadeira. Se concentraram e se conectaram em
uma atmosfera criada por elas mesmas. Brincar de amarelinha e morto vivo, requereu um estado
de espírito específico, que foi vivido, acreditado e jogado pelas crianças de forma entregue e
legítima! Então, onde esteve o jogo? Onde esteve o potencial performático e onde estiveram as
brincadeiras? Estiveram todas aqui, nas experiências criativas!
Chegamos ao entendimento de que a brincadeira é jogo e o jogo é também brincadeira,
e ambos, se misturam com a arte de maneira fluida! Logo, a preocupação inicial em jogar ao
invés de brincar, no decorrer das experiências deixou de fazer sentido, porque tudo isso descrito
aqui, se relacionou e transcendeu quaisquer separações que imaginamos estabelecer. Com isso,
é importante dizer que as próprias crianças, ao expressarem suas opiniões a respeito das
experiências, entenderam que todas as vivências compartilhadas neste encontro, se trataram de
brincadeiras. Então, os jogos escolhidos, relacionados as práticas corporais pelo viés da arte
com base na expressividade do corpo, não esteve desconectado do ato de brincar.
Ao final das experiências, as crianças e a equipe foram convidadas a recapitular tudo o
que fizemos, bem como as suas impressões e opiniões. Em resumo, as impressões foram
bastante positivas. Todas elas, se dispuseram a participar e mantiveram o mesmo entusiasmo
do início ao fim. Portanto, compreendemos que esse encontro foi bastante significativo para
todos os participantes, tanto as crianças quanto as pessoas da equipe de apoio. O entusiasmo
neste sentido, foi bastante interessante porque manteve acesa a vontade de continuar
compartilhando e construindo juntos as experiências criativas na Rua Vila Nova.
70
Objetivos
Este encontro é divido em três partes. Na primeira parte, as crianças serão convidadas a
desenhar utilizando como suporte o espaço da rua e os materiais nela disponíveis, como o chão,
pedras, folhas, galhos, objetos presentes no espaço da rua. A criação da imagem será de
preferência dos participantes, mas com base na vivência na rua. Na segunda parte as crianças
constituirão uma só imagem, arquitetada por todas elas. Na terceira parte, nós conversaremos
sobre a experiência, considerando as opiniões, os processos, escolhas de matérias e formas
imagéticas.
71
Processo e Análise
Foi em uma sexta feira as quatro e meia da tarde, dia 29 de outubro, que nos encontramos
mais uma vez no espaço da rua, momento em que compareceram quatro crianças. Uma delas é
uma menina de quatro anos de idade, que substituiu outra criança que não pôde participar da
segunda experiência.
Para começar, fizemos um momento de acolhida e relembramos as experiências
construídas por nós no encontro anterior. Em seguida, foi compartilhado com os participantes
que realizaríamos um jogo que envolvesse a percepção deles da rua. Então, foi feita para todos
os participantes a mesma pergunta: Por que você gosta dessa rua? Aqui estão algumas respostas
que representam a importância deste espaço na vida dessas crianças. Vejamos as frases retiradas
do diário de bordo: “Aqui eu fico solto na rua e não tem tanto perigo igual lá em Santana-BA”;
“Aqui tem gente para brincar, na minha casa não”; “Porque aqui tem menino para brincar e eu
não fico presa igual lá em Santana-BA”; e por fim, “Porque tem gente para brincar de pega-
pega e esconde-esconde” (Diário de bordo, 2021, p. 4). Essas falas refletem o quanto este
espaço contribui para a vida e desenvolvimento das crianças que o vivenciam e compartilham.
72
Além disso, os depoimentos confirmam tudo o que discutimos a respeito dessa rua em
específico ser um ambiente possível para o exercício da liberdade e da autonomia.
Dando continuidade ao relato dessa experiência, após a discussão da questão
apresentada às crianças, foi proposto que as mesmas caminhassem pelo espaço da rua e
observassem o máximo de coisas que conseguissem. Em seguida, foi solicitado que as crianças
parassem, fechassem os olhos e respondessem perguntas relacionadas as características físicas
do lugar. E de olhos fechados, cada uma respondia à pergunta feita pelo mediador. Por exemplo:
“Qual a cor da janela da casa da esquina? ” E a criança respondia: “marrom”. E assim, todas as
crianças participaram do jogo que objetivava observar e pensar no espaço da rua.
Na sequência, os participantes foram provocados a pensar em algo que gostavam na rua
mencionada e que então escolhessem um lugar para fazerem um desenho relacionado ao gosto
e a relação de cada uma com a rua. A proposta era que o desenho fosse feito em qualquer lugar
da rua, usando qualquer material que encontrassem. Foram disponibilizadas pedrinhas coloridas
com o intuito de tornar ainda mais interessante e lúdica a atividade. Então, as quatro crianças
tomaram conta do espaço, ocupando-o com as suas criações.
Foi interessante notar que cada criança estava totalmente à vontade e agindo de maneira
muito natural no ambiente da rua. Enquanto um menino desenhava sentado, outro desenhava
em pé...uma menina se mantinha de joelhos e a outra, se movimentando sem parar, buscava o
material desejado e despejava com muita energia sobre o desenho.
Ao serem perguntadas sobre o que estavam produzindo, surgiam respostas imediatas
como: “Um campo de futebol porque eu gosto de brincar de bola”, “a minha casa” e outra
resposta como “eu ainda não sei”. Isso diz respeito ao processo de criação que cada uma
escolheram para seguir. Enquanto uma criança produzia de forma rápida, outra se mostrava
totalmente concentrada e paciente, deleitando-se sobre o momento em que vivenciara ali.
Outro ponto importante é como as produções estavam sendo realizadas. No lugar do
desenho feito com lápis e papel, o chão ia sendo desenhado pelo dedo de uma mão, e esse
desenho passou a ser contornado e colorido com pedras e folhas de uma das árvores elementos
que compõem aquele espaço. Precisamos ressaltar que os processos escolhidos partiram do
desejo e da curiosidade das próprias crianças.
Chamemos atenção para um comportamento interessante que surgiu durante a
experiência. Uma menina de quatro anos de idade, totalmente entregue ao seu processo, em
determinado momento disse aos coleguinhas: “Meu desenho está aqui, deu trabalho, ninguém
73
bagunça, não! ”, uma prática que diz respeito a que tipo de territorialidade foi estabelecida neste
lugar (a territorialidade dos atos brincar e de criar). Aquele, não era só o espaço da rua, mas o
lugar da criação daquela criança, que o escolheu e produziu nele, causando uma alteração no
ambiente, a partir de seu próprio processo criativo.
Ao final da experiência dos desenhos individuais, o passo seguinte foi proposto que as
crianças fizessem um desenho coletivo, seguindo as mesmas indicações da ação anterior, mas
dessa vez, uma única composição imagética, criada com a contribuição de cada uma das
crianças. Apesar de um certo cansaço, decorrente da intensidade e entrega à experiência
anterior, todas se comprometeram a ir até o fim da atividade. E ao final, quando perguntadas
sobre o desenho que haviam construído, disseram se tratar de uma flor. Durante a construção
coletiva do desenho, as crianças não combinaram sobre que desenho fariam. Foi bonito perceber
o quanto cada uma em sua sensibilidade, intuição e percepção, se abriu para uma espécie de
integração, estabelecendo uma unidade ao processo coletivo, uma cada criança de cada vez.
No último momento, nos reunimos novamente no formato de roda, recapitulamos as
atividades realizadas e conversamos sobre o que vivenciamos. Cada pessoa expressou suas
opiniões ar respeito da experiência, bem como as atividades que mais gostaram. Duas das
crianças preferiram o momento em que desenharam. As outras duas crianças gostaram mais de
observar a rua, fechar os olhos e tentar acertar os elementos que compõem este espaço. Essas
devolutivas nos mostram como o processo criativo foi dinâmico e como cada experiência toca
cada criança de maneiras diferentes. Sem mais, encerramos com êxito o nosso segundo
encontrou, que abriu um caminho de expectativa e entusiasmo para o terceiro dia das nossas
atividades.
Objetivos
Metodologia
Processo e análise
nos dispusemos a atuar colaborou para que fortalecêssemos as relações entre as pessoas e
também com a rua.
Continuando a experiência, foi proposto que cada criança criasse um movimento e este
era repetido por todos os participantes. A medida que um participante criava o movimento, o
participante seguinte o repetia e criava o seu. Assim, todas as pessoas na roda memorizavam e
repetiam os movimentos na sequência que haviam sido apresentados. Neste jogo, foi estimulada
a criatividade, a concentração, a memorização e a percepção corporal de maneira que
exploramos a agilidade dos participantes. Além disso, estabeleceu-se a interação entre os
participantes por meio dos movimentos do corpo e do cumprimento dos objetivos do jogo.
Neste sentido, foi notória a criação coletiva de movimentos corporais, podendo-se identificar
também a construção coreográfica a partir da contribuição de cada criança.
No último jogo foi proposto que todos participantes criassem juntos uma história. Este
jogo teatral, partia do mesmo princípio do anterior. Primeiro, foi explicado como o jogo
funcionava, para que só então começássemos a dar forma as histórias. Assim, uma criança
começava a contar a e quando decidisse parar, a outra continuava empregando a direção que
quisesse a narrativa.
Foram criadas algumas narrativas com a participação coletiva. Algumas com início
cômico, outras com final triste, mas o que é interessante destacar, é que em todas as atividades,
se fizeram presentes o fator lúdico, a sensibilidade, a intuição e as questões relacionais. Mesmo
que a mediação indicasse alguns caminhos, cada criança pôde exercer sua criatividade e
autonomia em escolher como realizar as propostas.
Ao fim do encontro, recapitulamos tudo o que havia sido realizado, bem como as
impressões de cada participante considerando as atividades que mais gostaram. Pudemos
analisar que arte e brincadeira mais uma vez se misturaram no território da rua. Um lugar
marcado pelo divertimento, pela criatividade e a entrega coletiva nas experiências individuais
e coletivas.
76
Objetivos
Processo e análise
O quarto encontro das experiências criativas na Rua Vila Nova proporcionou uma
experiência de representacionalidade relacionada as trocas realizadas durante todo o projeto.
Para iniciar, fizemos um exercício de concentração e percepção do espaço. Foi proposto que
cada criança caminhasse pelo espaço enquanto tentava se lembrar de todas experiências vividas
ao longo dos quatro encontros. Em determinado momento, foi perguntado qual a atividade que
cada uma havia gostado mais e as respostas foram diversas, entre elas estavam presentes a
amarelinha, o jogo do espelho, a bola de gude e o desenho chão.
No segundo momento, todos os participantes foram conduzidos até a frente da casa do
mediador. Neste momento, foi explicado que a atividade seguinte se tratava do registro das
experiências vividas por cada participante no período em que estivemos juntos compartilhando
saberes na rua. Dessa forma, foi dito que cada participante poderia escolher aquilo que quisesse,
dentre as experiências que vivemos juntos, representar por meio da pintura na parede.
Para que mantivéssemos os cuidados necessários devido a pandemia da covid – 19,
todos os materiais de pintura: rolos, pinceis e trinchas, foram limpos com álcool e papel
higiênico pela equipe de apoio. Além disso, decidimos que as crianças iriam em duplas fazer
as pinturas na parede, para que evitássemos o contato físico.
Foram dispostas as tintas de cores variadas, pinceis, rolos tintas e bandejas de isopor
para que cada criança escolhesse de que forma usariam os materiais. Aos poucos a parede foi
ganhando os registros das experiências. Dessa forma, as imagens construídas na parede, nos
fizeram recordar de tudo o que vivemos juntos, desde o jogo do espelho até a amarelinha. Foi
criado um mural não só de representação das experiências criativas, mas das memórias afetivas,
guardadas no interior de cada um e materializadas na parede de uma das casas da rua.
A escolha dos materiais, das cores e das imagens traduziram na parede de uma das casas
que compõem a Rua Vila Nova, um novo pedaço da história deste território, construído pelas
pequenas e especiais mãos de cada criança que se permitiu participar das experiências
propostas, territorializando a parede e a rua com ações criativas e artísticas, promovendo uma
apropriação do contexto. O jogo do espelho, a amarelinha, a bola de gude e as rodas formadas
a cada encontro foram algumas das imagens que marcaram a parede, mas antes disso, fizeram-
se marcantes dentro das vivências de cada criança.
Ao final, refletimos sobre as imagens construídas e também como todo o projeto foi
importante para os participantes. As crianças manifestaram o desejo em desenvolver mais
78
experiências na rua, por terem gostado de brincar e de aprender coisas novas, mas também por
tomarem apreço pela arte.
Nova, somaram-se de forma positiva a vida das crianças, da esquipe de apoio e do mediador.
Isso nos abriu caminho para que continuemos a desenvolver a experiências criativas para além
do que já foi realizado.
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
nesse lugar comum, vivo, dinâmico e palco das possibilidades em arte e da criatividade, do
convívio, aspectos contribuintes da vida humana neste lugar que é a nossa rua. A nossa casa!
82
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84
APÊNDICES
ANEXOS