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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO

WALLACE VITOR NASCIMENTO MARTINS

A MÚSICA NA CENA: UMA EXPERIÊNCIA NA SONOPLASTIA

NATAL/RN
Junho/2023
WALLACE VITOR NASCIMENTO MARTINS

A MÚSICA NA CENA: UMA EXPERIÊNCIA NA SONOPLASTIA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN, como
requisito parcial para obtenção do título
de Licenciado em Teatro.

Orientador: Prof. Dr. José Sávio Oliveira


de Araújo

Natal/RN
Junho/2023
WALLACE VITOR NASCIMENTO MARTINS

A MÚSICA NA CENA: UMA EXPERIÊNCIA NA SONOPLASTIA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN, como
requisito parcial para obtenção do título
de Licenciado em Teatro.

Orientador: Prof. Dr. José Sávio Oliveira


de Araújo

Aprovada em: 29/ Junho/ 2023.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Sávio Oliveira Araújo


Orientador
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Prof. Dr. Makarios Maia Barbosa


Membro da banca
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Prof. Erivaldo Oliveira de Araújo


Membro da banca
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Rita de Cássia, que sempre me ajudou de forma atenciosa em todo meu
trajeto para minha educação, abraçou minhas escolhas acadêmicas e de vida, e nunca me
deixou desistir das minhas conquistas.
Ao meu pai, Walter Martins, que me ajudou nos estudos e me apoiou nas minhas
escolhas de formação e profissão.
À minha avó, Maria Neusa, que sempre me incentivou a gostar do mundo da arte e a
perceber que o mundo sem arte é só um mundo sem graça.
Às minhas três irmãs, Ingrid, Carol e Williane, que cresceram junto comigo e me
proporcionaram boas lembranças.
Às minhas amigas, Maria Eduarda Cortez, Jennifer Macêdo e Fernanda Rocha, por
sempre estarem ao meu lado compartilhando momentos bons da vida e aplaudindo minhas
conquistas.
Às minhas amigas, Beatriz Silva, Luana Silvestre e Stefane Gomes, por também terem
compartilhado momentos alegres ao meu lado em um período importante da minha vida.
Ao meu companheiro, Thiago Martins, que dividiu comigo vivências e aprendizados
bonitos da vida.
Ao professor, Rildo Queiroz, que no ensino fundamental I me deu a oportunidade de
vivenciar pela primeira vez a montagem de uma peça teatral. Desde esse dia, me encantei pelo
teatro e decidi sempre me envolver quando possível nessa arte.
À minha turma do curso Licenciatura em Teatro, dividimos vários momentos de
aprendizados do mundo das artes cênicas.
Aos amigos, Marcely Dantas, Withmash Alves, Milenna Vitorino e Eduardo Colodino,
que pude contar para prosear várias vezes sobre a arte e que compartilharam comigo
momentos incríveis durante o curso nas produções de atividades de teatro.
Aos amigos da faculdade, Isaac Holdffer e Kael Lima, que me convidaram para fazer a
sonoplastia de uma dramaturgia escrita por eles. Essa que me motivou escrever este TCC.
À todos os professores do curso de Licenciatura em Teatro que me ensinaram de
forma grandiosa os conhecimentos do teatro e da arte educação.
À professora Naira Ciotti que me orientou durante meu percurso acadêmico na
graduação.
Ao meu orientador, Sávio Araújo, que além de ter sido um excelente professor em
vários componentes curriculares que cursei na graduação de licenciatura em Teatro, me
orientou sabiamente neste trabalho de conclusão de curso.
Ao professor, Erhi Araújo, que me ajudou somando com apontamentos importantes na
escrita deste trabalho.
Ao professor, Makarios Maia, que também me ajudou somando com apontamentos
valiosos na escrita deste trabalho.
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte que me proporcionou cursar um
ensino de qualidade.
À Deus por sempre estar presente em minha vida através da minha fé, que sempre me
fez acreditar em meus sonhos e continuar lutando para realizá-los.
RESUMO

A produção de um espetáculo de teatro envolve várias áreas de conhecimento. Apresento


neste trabalho uma síntese das experiências artísticas e educativas que marcaram a minha
trajetória como estudante no curso de Licenciatura em Teatro/UFRN e que me encaminharam
para o estudo de dois campos semânticos muito próximos: a sonoplastia e a música na cena. O
som, como fenômeno material que depende do espaço para sua propagação, é um dos
elementos da cenografia e sua presença na produção de uma cena é um objeto de estudo
fascinante. Assim, neste artigo, apresento algumas sínteses que caracterizam minhas buscas,
como estudante de Teatro, para compreender os antecedentes históricos dos elementos
sonoros da cena no teatro ocidental. Falo, também, da minha percepção acerca da importância
que a música tem na cena e, na tentativa de me apropriar dessa discussão, busco compreender
a função que é exercida por um sonoplasta. Como exercício reflexivo de um TCC, apresento
um pouco de meu percurso nesta Licenciatura, desde os primeiros momentos em que fui me
interessando pela arte da sonoplastia, por meio da disciplina ‘’Música na Cena’’, até quando,
por meio de experiências de Ensino de Teatro, pude compartilhar com as crianças com quem
trabalhei, em um de meus estágios curriculares, um pouco desses conhecimentos que aprendi
nessa área. Relato, também, uma importante experiência que tive, trabalhando na sonoplastia
da peça de teatro ‘’A Família Pinto’’, dirigida por Isaac Holdffer e Kael Lima. Nessa
experiência pude colocar em prática o que aprendi sobre o assunto e entender ainda mais
sobre essa função da arte do som no teatro.

Palavras-chave: música na cena; sonoplastia; sonoplasta; encenação; teatro.


ABSTRACT

The production of a theater performance involves various areas of knowledge. In this paper, I
present a synthesis of the artistic and educational experiences that have shaped my journey as
a student in the Theater Teaching program at UFRN (Federal University of Rio Grande do
Norte) and have led me to study two closely related semantic fields: sound design and music
in the theatrical context. Sound, as a material phenomenon that depends on space for its
propagation, is one of the elements of scenography, and its presence in the production of a
scene is a fascinating subject of study. Thus, in this papper, I present some syntheses that
characterize my explorations as a Theater student in understanding the historical antecedents
of sound elements in Western theater. I also discuss my perception about the importance of
music in the theatrical context and, to engage in this discussion, I seek to comprehend the role
performed by a sound designer. As a reflective exercise within my undergraduate thesis, I
share some aspects of my journey in the Theater Teaching program, from the initial moments
when I became interested in the art of sound design through the course "Music in the Scene,"
to the experiences of teaching theater and sharing some of this knowledge with the children I
worked with during one of my internships. Furthermore, I recount an important experience I
had while working on the sound design of the play "A Família Pinto," directed by Isaac
Holdffer and Kael Lima. Through this experience, I was able to apply what I had learned and
gain further insight into the role of sound in theater.

Keywords: music in the theatrical context; sound design; sound designer; staging; theater.
1

A MÚSICA NA CENA: UMA EXPERIÊNCIA NA SONOPLASTIA

WALLACE VITOR NASCIMENTO MARTINS1

INTRODUÇÃO
“Não existe saber mais ou saber menos: há saberes diferentes.”
Paulo Freire

Antes da graduação, durante o ensino médio, cursei de forma integrada o curso técnico
em multimídia no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), onde estudei audiovisual,
e lá conheci como funcionam as produções de cinema e áreas relacionadas. Na mesma escola,
já me envolvia com a música na rádio escolar chamada “Rádio Rocal”2, onde eu trabalhava
como editor e produtor de som, locutor e operador de mesa. Nesse ambiente, comecei a me
interessar pelo som e perceber a diferença que ele faz no espaço que é utilizado. Mesmo
gostando muito de audiovisual, optei por estudar no ensino superior algo pelo qual sempre fui
apaixonado, o teatro. No curso, pude conhecer melhor as partes que fazem o Teatro: Atuação,
Canto, a escrita da Dramaturgia, a Cenografia (Cenário, Iluminação, Figurino, Maquiagem e
Sonoplastia) e as estratégias e processos da Encenação. São muitas coisas para gostar de uma
só, mas, com o decorrer do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), foi surgindo o desejo de trabalhar com a sonoplastia no teatro,
especialmente quando cursei o componente curricular “Música na Cena”, no semestre de
2021.1 ministrada remotamente, devido a COVID-19, pelo professor José Sávio Oliveira de
Araújo.
Neste trabalho, faço uma breve contextualização de como fui compreendendo a
presença da música na cena teatral, desde os tempos mais remotos, e fui adquirindo uma
percepção da importância da música no teatro.
Explico brevemente os elementos que compõem um espetáculo teatral e em especial o
papel da música na cena, que é o tema central deste trabalho:
- Qual a diferença entre sonoplastia, paisagem sonora e música na cena?
- Como esses elementos são produzidos?
- Quem são os responsáveis por esses elementos, qual a sua importância para o espetáculo
teatral?
1
Discente concluinte do Curso de Licenciatura em Teatro/UFRN, da turma 2019.1, atualmente trabalha como
professor estagiário na Educação Infantil no CMEI Arnaldo Arsênio em Natal-RN e faz parte da Cia de teatro de
rua Alegria, Alegria.
2
A Rádio Rocal é uma rádio escolar, do IFRN-Unidade Rocas, criada pela professora Edivânia Duarte. Toda
produção e execução da rádio é feita pelos alunos da unidade. A rádio fica no ar ao vivo durante os intervalos das
aulas e seu sinal é distribuído também em outras unidades de IFs da cidade.
2

Essas são algumas questões que passaram a me inquietar, desde que me tornei um
interessado no estudo desse tema. Se ainda não tenho respostas para essas questões, pelo
menos posso afirmar que elas continuam me instigando a continuar pesquisando.
Escrevo sobre momentos que fui pesquisando e experimentando a música em cena, o
que aprendi na disciplina “Música na Cena”, e como levei esses conhecimentos para minhas
práticas de Ensino de Arte/Teatro, no meu estágio não obrigatório na educação infantil no
CMEI Arnaldo Arsênio.
Por último escrevo sobre minha experiência como sonoplasta da peça ‘’A Família
Pinto’’ que foi desenvolvida dentro do curso de Licenciatura em Teatro para a disciplina
ENCENAÇÃO I, no semestre 2022.2. A peça foi dirigida por: Isaac Holdffer e Kael Lima, os
mesmos são meus amigos do curso de teatro, e me convidaram para somar na produção dessa
peça de gênero comédia.
Esse trabalho foi muito importante para mim, pois foi nele que pude vivenciar todas as
etapas da criação e montagem até a apresentação da sonoplastia do espetáculo. Nos testes,
erros e acertos que vivenciei na escrita deste trabalho consegui compreender melhor sobre a
prática dessa profissão do som de grande importância. A peça foi apresentada em uma escola
pública da cidade Macaíba-RN, e ter levado essa apresentação para um espaço escolar foi uma
experiência muito encantadora. A análise desta encenação está desenvolvida no tópico 3 deste
artigo.

1. APRENDIZAGENS DE UM LICENCIANDO EM TEATRO SOBRE A MÚSICA


NA CENA

Enquanto discente do Curso de Licenciatura em Teatro, fui tomando conhecimento dos


principais marcos históricos que caracterizam o teatro ocidental, por meio de componentes
curriculares como: História do Teatro I e II ministradas pelo Prof. Dr. André Carrico, nos
semestres 2019.1 e 2019.2.
Percebi que a sonoridade sempre fez parte das manifestações espetaculares nas mais
diversas épocas e sociedades e fui me tornando cada vez mais atento ao papel do som e da
música na construção e representação da cena.
Na perspectiva de um Teatro, cuja matriz histórica descende das influências
colonizadoras europeias, desde os primórdios, desse teatro ocidental, a música se faz notar por
meio do papel do coro nos anfiteatros gregos. Um coro que narrava a história e cantava as
“odes”, poemas líricos que eram em complemento a representação de algo sublime. Esses
cânticos eram feitos tanto em coro como, também, de forma individual.
3

Junto a eles eram tocados alguns instrumentos musicais como tambores, liras e flautas,
cujas sonoridades imprimiam às apresentações uma atmosfera mais atraente e emocionante,
colaborando na dramatização das histórias de tragédia dos deuses da mitologia grega. Aliás,
“Tragédia” é um termo que vem do grego, no qual "Tragos"(bode) e “Ode”(canto), significam
”canto do bode”, que era o animal oferecido em sacrifício nesses rituais. O coro tinha a
pretensão de ser uma manifestação de valores e crenças daqueles indivíduos que ali se
reuniam, declamando, dançando e anunciando os eventos trágicos da peça para o povo.
A prática do coro se fazia presente nos ditirambos ’’hino em uníssono", coral que fazia
homenagens ritualísticas aos deuses, em especial Dionísio. Nessas cerimônias várias pessoas
dançavam e cantavam, de forma individual e em grupo, cânticos de adoração com encenações
dramáticas ao deus.
Nos mitos de origem do Teatro Grego, o elemento sagrado foi o seu aspecto mais
marcante, permanecendo presente nas encenações das dramaturgias trágicas que caracterizam
esse período, sempre com o coro pontuando as passagens de tempo e os contextos das
personagens, ocupando um lugar chamado de “orquestra” no edifício teatral grego no teatro e
sempre evoluindo, se modificando e assumindo novas formas ao longo da história do drama,
como nos fala BERTHOLD (2001):
(…)De acordo Heródoto, os coros de cantores com máscara de bode existiam
desde o século VI a.C. Esses coros originalmente cantavam em homenagem
ao herói Adrastro, o mui celebrado rei de Argos e Sícion, que instigou a
expedição dos Sete contra Tebas. Por razões políticas, Clístenes, tirano de
Sícion desde 526 a.C., transferiu tais coros de bode para o culto a Dionísio, o
Deus favorito do povo da Ática.
(…)Arion de Lesbos, que viveu por volta de 600 a.C. na corte do tirano
Periandro de Corinto. Com apoio e amizade desse governante amante das
artes, Arion encarregou-se de orientar por via poética os cultos à vegetação
da população rural. Organizou os bodes dançarinos dos coros sátiros para um
acompanhamento mimético de seus ditirambos. Assim, ele encontrou uma
forma de arte que, originada da poesia, incorporou o canto e dança, e que
duas gerações mais tarde levou, em Atenas, à tragédia e ao teatro.
BERTHOLD (2001, página 104)
Tanto a musicalidade como os demais elementos sonoros da cena foram evoluindo ao
longo dessa história em seus diferentes períodos. Os autos medievais da igreja católica
usavam cantos antífonas, louvores em forma de Jogral (declamação de textos literários em
coro) para contar histórias de santos ou a paixão de Cristo, a música na Commedia Dell’Arte,
que era usada nas acrobacias feita no palco, nas piadas como Lazzi (brincadeiras e jogo de
cena feita pelos atores), as batidas sonoras no palco para iniciar o espetáculo, introduzidas por
Moliére, entre outros, que não irei aprofundar aqui, por não serem objeto deste trabalho.
4

Desse modo, me permito saltar séculos de história para focar em minha preocupação
central, que recai sobre minhas necessidades de formação acerca dos processos que me
permitiram estudar as várias formas do som em cena e, junto com a tecnologia, com os
recursos que disponho hoje, compreender modos e formas de se usar o som na cena.
Para mim, um espetáculo sem música é sem graça e quase todas as peças que, tanto no
passado quanto no presente, usam da música, por mais simples que seja, feita ao vivo, cantada
pelos atores, tocando instrumentos musicais ou reprodução de som gravado, exercem sobre
mim um fascínio especial.
Uma cena com música tem mais emoção. Já assisti a várias missas da igreja católica e
nos dias que faltavam pessoas do ministério de música para tocar e cantar na missa, ficava um
clima monótono.
Quando essas pessoas do ministério de música estavam presentes, a energia era outra,
mais pessoas iam para a igreja e eu reparava que elas conseguiam se conectar melhor nas
orações e nos louvores.
A música tem o poder de marcar e emocionar quem a ouve, através de sua letra ou de
sua melodia. Quem nunca se lembrou de uma música e automaticamente se lembra da cena de
um filme, como o leitmotiv3 da trilha sonora do filme “Indiana Jones”, de Steven Spielberg
que, só de escutar, traz à nossa memória o filme e todo seu clima de aventura.
A música certa para cada cena certa é o casamento perfeito para conquistar a atenção
do espectador e ampliar sua percepção da ação.
No entanto, deixando um pouco o cinema de lado e trazendo essa discussão para o
Teatro, nessa linguagem artística, temos, entre os elementos que participam da construção de
uma cena, dramaturgia, atuação, direção e cenografia, que, como aponta ARAÚJO, 2020,
pode ser compreendida por aspectos que vão muito além de um cenário ou painel pintado:
(...) compreende-se cada vez mais que a cenografia é resultante de um
conjunto de fatores como iluminação, figurino, maquiagem, sonoplastia
e, também, cenário. A não compreensão de que a Cenografia é
resultante de uma relação dialética entre esses fatores pode acarretar
um obstáculo epistemológico, pois esse conjunto incide diretamente
naquilo que resultará no espaço da performance e não depende somente
de um único fator.
ARAÚJO (2020, página 53)
Assim sendo, se a cenografia abarca cenário, figurino, maquiagem, iluminação e a
sonoplastia, essa última será aqui tratada como parte da Cenografia.

3
Leitmotiv, que em português pode ser traduzido como “motivo condutor”, consiste em um tema ou ideia
musical que aparece constantemente no decorrer de uma obra com o objetivo de associá-lo a um personagem,
objeto ou ideia.
5

(...)A sonoplastia é uma reconstituição artificial de ruídos, sejam eles


naturais ou não. A sonoplastia deve ser distinta, ainda que nem sempre isso
seja tarefa fácil, da palavra (em sua materialidade vocal), da música, dos
resmungos e sobretudo, do ruído gerado pela cena. Trata-se do ‘’conjunto
dos acontecimentos sonoros que entram na composição musical’’
(N.FRIZE).
PAVIS (2007, página 367)
A sonoplastia (do Lat. sono, som + Gr. plastós, modelado) é a parte responsável por
toda construção e montagem de sons para a cena, como sons ambientes, efeitos sonoros e
músicas, e é feita pelo profissional chamado sonoplasta.
(...)Stricto sensu, a sonoplastia ora é produzida pela cena e motivada pela
fábula, ora é produzida nos bastidores ou na cabine de som e como que
‘’colada’’ no espetáculo: ela é, portanto, diegética e extradiegética. Às vezes,
entretanto, músicos e sonoplastas situam-se no limiar entre palco e os
bastidores, como as produções das encenações das peças de
SHAKESPEARE ou de Sihanouk pelo théâtre du Soleil.
PAVIS (2007, página 367)
Ainda no meu ensino médio no IFRN, quando fazia oficinas para a Rádio Rocal,
aprendi que no Brasil, nas antigas radionovelas, havia vários elementos sonoros para ajudar na
idealização da cena de cada ouvinte, uma vez que só se ouvia a história. Usavam sonoplastia
para simular o andar ou correr de uma personagem, o barulho de um tapa na face, o som da
chuva, som de carro, trilhas sonoras, músicas e várias coisas.
A função do sonoplasta existe no cinema, na televisão, web e teatro. No teatro a
sonoplastia pode ser feita ao vivo junto com o espetáculo, atualmente com a ajuda da
tecnologia ela pode ser reproduzida de forma digital, o som já gravado para usar em cena. A
sonoplastia serve para construção de cenários. Por exemplo, posso criar uma cena em uma
floresta com sons comuns da floresta, de animais e plantas. O som marca a presença de
personagens e enfatiza estados de espírito e emoções utilizando efeitos e trilhas sonoras.
Assim sendo, a música em cena e a sonoplastia, embora sejam elementos pertencentes
ao universo sonoro de um espetáculo, operam e se caracterizam de forma diferente.
As definições de Música são muitas e atendem a diferentes recortes históricos e
culturais, porém, grosso modo, podemos afirmar que música é um conjunto harmônico de
sons organizados a partir de elementos como: altura, timbre, volume, compasso, andamento,
melodia, harmonia, ritmo, entre outros, sejam canções ou música instrumental.
Enquanto linguagem artística, a música possui autonomia própria, no entanto, no
contexto das Artes Cênicas, a música na cena adquire contornos de uma camada que
interpenetra e dialoga com outros significantes cênicos, como corpo, espaço, textualidades,
6

entre outros aspectos. Um desses aspectos é a paisagem sonora da cena, um conceito que
advém da noção de paisagem sonora do ambiente, formulada por Murray Schafer.
Segundo SCHAFER(2001), paisagem sonora é:
(...)Tecnicamente, qualquer porção do ambiente sonoro vista como um
campo de estudos. O termo pode referir-se a ambientes reais ou a
construções abstratas, como composições musicais”
(SCHAFER, 2001, p.366).
Os sons ambientes da cena como som da chuva, barulho de animais, som de trânsito,
som de campainha de casa, até o barulho das ações e reações dos personagens na cena
pertencem ao campo da paisagem sonora.
Já a sonoplastia possui uma caracterização específica, como nos aponta LIGNELLI
(2007) diz :
(...)todo o som de origem referencial (não caracterizado como palavra nem
como música) que se encontre em seu uso habitual em um dado contexto,
produzido para e/ou na cena teatral, que além de sua função referencial, pode
exercer funções dramáticas e discursivas, onde podem ser incluídos ainda
sons não preestabelecidos como algumas manifestações da plateia (tosses,
interjeições, risadas), dos atores (queda de objetos de cena, trocas de
figurinos), fenômenos naturais (ventos, chuvas e trovões) e demais sons
externos ao local (buzinas, passeatas, shows) que podem afetar a cena.
LIGNELLI (2007, página 4)

Nesse mesmo texto, Livio Tragtenberg vê a música em cena como parte da sonoplastia
também.
Música de cena engloba todo e qualquer evento sonoro originário de
qualquer espécie de fonte sonora que possa ser transmitida ao sistema
nervoso central através de variação da pressão do ar, o que abarca portanto
tanto os chamados sons musicais como os chamados ruídos de qualquer
espécie.
(TRAGTENBERG, Apud LIGNELLI,1999, p.26).
Particularmente, entendo música em cena como sonoplastia também. Há uma
separação em seu uso, mas elas não deixam de ser a mesma linguagem sonora e estão ligadas
entre si.

Ao longo de minha graduação, quando estudei o componente curricular ‘’Música na


Cena’’, ministrada pelo professor Sávio Araújo, no semestre 2021.1, compreendi melhor
sobre o uso artístico da música no teatro.
Passei a prestar mais atenção em elementos sonoros que compõem uma cena, a origem
do som, o gênero da música, sua relação com a narrativa, momentos que ela entra e sai de
cena, música diegética e não diegética e toda uma gama de significações que a música pode
oferecer a uma cena.
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Infelizmente, paguei essa disciplina de forma remota, por causa da pandemia da


COVID-19, no ano de 2020. Assim sendo, algumas atividades propostas pelo professor só
foram possíveis de realizar dentro de casa e de forma gravada, de modo que as atividades de
ensino e aprendizagem resultaram mais em produções audiovisuais do que em teatro
propriamente dito, porém, ainda assim, foram muito proveitosas.
Em uma destas atividades, escrevi uma cena de suspense com comédia e nela trabalhei
o que aprendi na disciplina.
Na referida cena, interpretei uma personagem que estava em sua sala de estar
assistindo um filme de terror e, de repente, ouve batidas em sua porta que se repetem, criando
uma tensão que vai gerando expectativas cada vez maiores em relação a quem estará batendo
e que consequências aquela situação trará ao personagem. Então, mesmo com medo, no ápice
da tensão, a personagem abre a porta e, para seu alívio, é apenas seu cachorro querendo entrar
em casa.
A cena é toda construída por meio de uma atuação sem fala. Para criar a tensão
necessária, somente utilizei a famosa música da cena do chuveiro de “Psicose”, de Alfred
Hitchcock e os sons ambientes, que foram: batida na porta, barulho da tv, barulho do cachorro
entrando e até mesmo o silêncio, que marcava momentos de expectativas para contar a
história.
Apesar de ter sido um aprendizado limitado por causa da pandemia, pude aprender
bastante coisa e, depois dessa disciplina, passei a me interessar mais pela linguagem do som
em cena. No decorrer do curso procurei me envolver e pesquisar mais sobre essa área.

2. EXPERIMENTANDO O SOM EM CENA

Durante o curso de Licenciatura em Teatro, a Arte e a Educação são dois campos que
aprendemos a unir, visando a importância de não só se fazer arte, mas também de ensiná-la.
No ano de 2022, através do estágio não obrigatório, pude praticar um pouco da docência em
sala de aula na educação infantil no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Arnaldo
Arsenio Azevedo durante o turno vespertino, que fica localizado no bairro Leningrado,
periferia de Natal-RN. Minha experiência foi na turma de nível 2, que tinha a professora
Sandra Sueli da Silva4 como minha supervisora, e os alunos tinham entre 3 e 4 anos de idade.
A maioria dos alunos são de famílias em situação de fragilidade social e econômica e moram

4
Sandra Sueli da Silva é professora pedagoga, foi minha supervisora de sala de aula no CMEI Arnaldo Arsênio,
nos anos de 2021, 2022, 2023.
8

bem próximos da escola. Minhas atividades gerais eram auxiliar os alunos e a professora,
atendendo às solicitações de materiais pedagógicos em sala.
A professora Sandra sempre me pedia para levar algo de teatro para as crianças e,
inicialmente, fiquei receoso se conseguiria desenvolver um prática de ensino em Artes
Cênicas na Educação Infantil.
Depois de observar e entender o ritmo e estilo da turma, consegui levar bastante coisa
para trabalhar com eles e umas das atividades que fiz com a turma foi a partir de uma música
infantil chamada “O jacaré foi passear lá na lagoa” (domínio público). A partir da narrativa
dessa música, fiz uma apresentação de palitoches com as personagens da letra da música. Os
palitoches em cena atuaram de acordo com as ações descritas na letra e no ritmo da música. A
apresentação complementou as atividades que estavam sendo desenvolvidas pela professora
Sandra durante a semana sobre o reconhecimento de cores e de animais pelos alunos.

Imagem: Foto registrada pela Professora Sandra


Figura 1 - Alunos assistindo apresentação de palitoches
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Imagem: Foto registrada pela Professora Sandra

Figura 2 - Apresentação de palitoches

Após a apresentação, perguntei se eles gostaram e quais foram os personagens que


apareceram no espaço do teatro de palitoches e qual era a cor deles. Em seguida, eles pediram
para manipular os palitoches como eu estava fazendo e os separei em pequenos grupos, de
forma que cada um fez a representação do jeito deles juntamente com a música. A atividade
deu muito certo. As crianças ficaram encantadas pela apresentação, aprenderam o nome de
algumas cores e os nomes dos animais presentes na cena, com uso do som, os elementos
visuais físicos que despertaram o olhar de fantasia delas e o lado lúdico na hora de manipular
os palitoches. Eles sabiam que era faz de conta, mas mesmo assim compraram a ideia da
representação. Descobri que é possível praticar teatro de vários formatos na educação infantil
e foi muito interessante praticar e criar essa forma utilizando da música.

No segundo semestre de 2022, recebi o convite para fazer a sonoplastia de uma peça
de teatro contemporânea do gênero comédia. Na direção estavam dois colegas do curso de
Licenciatura em Teatro, Isaac Holdffer e Kael Lima, os mesmos me fizeram o convite para
somar na montagem da encenação.
A peça estava sendo desenvolvida dentro da disciplina de Encenação I, do curso de
Licenciatura em Teatro da UFRN, ministrada pelo professor Adriano Moraes. Isaac e Kael
estavam cursando esse componente curricular e a proposta do professor da disciplina era fazer
seus alunos criarem e montarem uma peça teatral e levá-la para apresentar em espaços
escolares. Kael e Isaac criaram a dramaturgia da peça ‘’A Família Pinto’’, do gênero comédia,
e a dirigiram. Depois, ambos fizeram seleção de todo o elenco, convidando colegas do próprio
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curso para fazer parte do elenco de atuação e produção técnica. Eles já sabiam do interesse
que eu demonstrava pela área artística do som da cena e me fizeram o convite, o qual eu
aceitei.

3. PROCESSO DE MONTAGEM DO ESPETÁCULO

Depois que me fizeram o convite, os diretores me enviaram a dramaturgia, logo mais


me convidaram para assistir um dos primeiros ensaios dos atores, que estavam fazendo de
forma virtual, usando a plataforma Google Meet. Nesse meu primeiro encontro pude conhecer
os atores, observá-los dando vida às personagens da história e pude perceber melhor o ritmo
da narrativa com os apontamentos de encenação dos diretores.
Sobre a dramaturgia:
(...)PERSONAGENS:

AMÁVEL (filho) (É o queridinho da mamãe, quer colocar a irmã no


seu lugar a todo instante, adora biscoito cream cracker com margarina
delicata, detesta a vizinha).

AMÉLIA (filha) (É a Blogger da família, implica com o irmão em


qualquer oportunidade e também é dramática, se apaixona facilmente).

EVA (mãe) (Está sempre arrumando tudo, cuida bem dos filhos,
principalmente, do Amável o mimando).

JACINTO (pai) (Só quer saber de tomar seu café, para ficar forte para
o trabalho).

CARTEIRO (preguiçoso e comilão, metido a namorador).

VIZINHA (Curiosa e pidona em tudo, adora tomar café e sempre anda


com sua xícara de estimação para qualquer oportunidade de um
cafezinho rolar. É fofoqueira, usa sempre uma desculpa diferente para
ver como é a casa dos outros e dessa vez a desculpa é uma carta para
ela).

Story Line da Família Pinto

Antes sem casa, e agora com um novo teto para morar, a família cria
uma nova rotina e novos vizinhos, onde com muito humor a família
vence todas as dificuldades que surgirão pelo caminho. Cada um com
seu quarto, agora os irmãos não precisam mais brigar por espaço
enquanto os pais ganham sossego, casa nova, vizinhança nova,
confusão em dobro.

Premissa
Com muito humor é possível vencer qualquer desafio
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CENA ÚNICA
Cenário: uma sala de jantar com uma mesa grande no centro com 4
cadeiras. Na mesa tem apenas um pacote de biscoito, uma garrafa de
café e uma margarina delicata.
(A FAMÍLIA PINTO, 2022, páginas 1 e 2)

No fim desse ensaio, os diretores me falaram suas ideias de sons para fazer na peça.
Pensaram em trabalhar com músicas brasileiras conhecidas de gêneros diferentes dos anos 90
e 2000, músicas para marcar a presença das personagens e uma música tema para a cena. Me
apresentaram algumas sugestões de músicas e me pediram para levar, no próximo ensaio,
mais propostas de músicas e sugestões de momentos para elas entrarem em cena.
Os diretores escolheram trabalhar apenas com música em cena e optaram por não
utilizar reproduções gravadas de sons de efeitos sonoros. Por exemplo, há uma cena em que
uma vizinha chega na casa principal e chama alguém para poder entrar, e ficou decidido que
nessa cena ela bateria palma de verdade e não precisaria ter um efeito sonoro de uma batida
em porta ou de palmas.
O som ambiente de toda peça foi produzido naturalmente, decorrente das próprias
ações e reações dos atores com o espaço e a ação cênica e as músicas foram utilizadas nas
cenas de forma diegética5.
Após ler o texto e ver o ensaio, usei como orientação as etapas de trabalho da
sonoplastia que são citadas por Roberto Gil Camargo em seu livro A sonoplastia no teatro
(páginas 9-14). Nessas etapas, Camargo fala sobre o que fazer desde o processo de criação
pré-espetáculo até a execução do som na hora do espetáculo. Durante o texto, irei destacando
as etapas que segui na montagem e execução.
Etapa 1: Estudo do texto e levantamento de material. Depois de ler a dramaturgia,
fui pesquisando músicas baseadas na narrativa do texto e nas indicações de Isaac e Kael.
Comecei fazendo um levantamento de músicas, em seguida as selecionei para cada
personagem, pois era necessário escolher uma que combinasse com a personalidade do
personagem e o contexto da dramaturgia.
Etapa 2: Apresentação da proposta. Depois de selecionar as músicas, apresentei aos
diretores, que aprovaram.
Etapa 3: Encaixe da música com a cena. Durante os ensaios, fui observando junto
aos diretores os momentos que casavam melhor a música com os outros elementos de cena.

5
A música pode ser diegética / música da cena (executada dentro da ação) e não diegética/ música de
fosso (produzida por uma fonte imaginária ausente da ação).
(BAPTISTA, 2007)
12

Na peça, há momentos da primeira aparição do personagem e nesse momento toca a sua


música. Fiz uma planilha para organizar todas as músicas usadas durante a peça, de qual cena
e personagem elas são, quando entra e o tempo da reprodução da música.

🎶 Sonoplastia da peça: A família Pinto


Sonoplastia: Wallace Martin
(Direção: Isaac Holdffer e Kael Lima)

● Cena única

PERSONAGEM DESCRIÇÃO DE CENA MÚSICA TEMPO DA


MÚSICA

Abertura da cena Calhambeque, Fade-in [início


Roberto Carlos 00:00 fim:
(instrumental) 00:40]
Fade-out

Eva Eva arrumando a mesa para o café da manhã, Calhambeque, Fade-in [início
cantarolando uma canção de Roberto Carlos “O Roberto Carlos 00:41 fim:
Calhambeque”. 01:15]
Fade-out

Jacinto Jacinto chega, dá bom dia! e beija Eva Calhambeque, Fade-in [início
Roberto Carlos 01:16 fim:
02:00]
Fade-out

Amélia Amélia surge toda descabelada e com uma Já sei namorar, Fade-in [inicio
camisa de político tamanho G Tribalista 00:30 fim
00:56]
Fade-out

Sequência da cena anterior Já sei namorar,


Tribalista
(instrumental)

Amável Amável surge com um edredom envolto ao seu Bad romance, Fade-in [início
corpo como se fosse um casaco de pele… Lady Gaga 00:17 fim:
00:47]
Fade-out

Sequência da cena anterior Bad romance,


Lady Gaga
(instrumental)

Carteiro Alguém bate na porta e quando Amélia abre é o Pistoleiro do Fade-in [início
Carteiro amor, José 00:07 fim:
Orlando 00:40]
Fade-out
13

Sequência da cena anterior Pistoleiro do


amor, José
Orlando
(instrumental)

Vizinha Alguém bate na porta e quando Amável abre é a Venenosa, Rita Fade-in [início
Vizinha Lee 00:20 fim:
00:48]
Fade-out

Sequência da cena anterior Venenosa, Rita


Lee (instrumental)

A vizinha é forçada a sair da casa também Música dramática Fade-in [início


de novela indiana: 00:00 fim:
SaathiSalaam 01:00]
Fade-out

Encerramento da peça Calhambeque, Fade-in [início


Roberto Carlos 00:00 fim:
(instrumental) 00:40]
Fade-out

Nesta planilha coloquei todas as informações necessárias para ajudar na organização e


para a execução do som na apresentação do espetáculo.
Aplicando o conceito de “leitmotiv”, as músicas usadas nesta peça foram escolhidas
de modo que cada personagem tivesse seu tema e escolhi partes específicas da música para
tocar em cada cena. Às vezes, usando trechos em que a letra tem algo que remete ou que
combina com a figura da personagem e, às vezes, usando somente trechos instrumentais6.
Sempre que a música tema de cada personagem toca na sua entrada, em seguida toca a
mesma música, mas agora só o instrumental dela como som de fundo. Isso estabelecia o clima
da cena com a energia daquela personagem e esse clima era mudado quando uma nova figura
entrava em cena.
Os ensaios seguintes foram presenciais em salas de aula do DEART (Departamento de
Artes). A cada ensaio era testado o som junto com os atores em cena e nesses encontros eram
ajustadas as inserções sonoras de cada cena, a dinâmica entre volume do som e a voz do ator e
testados os dispositivos usados para a reprodução.

6
Usei duas gravações de “Calhambeque”. Uma de Roberto Carlos, do álbum “O calhambeque” e outra que é
uma versão instrumental desta canção, gravada pelo canal de YouTube Karaokê Club.
14

Nos últimos preparativos para a apresentação, os diretores me pediram para fazer um


cartaz para a divulgação do espetáculo dias antes na escola em que fomos apresentar,
informando onde foi desenvolvida, nome da peça, elenco, data e horário.

Imagem: Acervo pessoal


Figura 3 - Cartaz de divulgação do espetáculo “A família Pinto”

4. O DIA DO ESPETÁCULO

No dia da apresentação, checamos todo o material que seria utilizado na peça e saímos
todos juntos rumo à Escola Estadual Arcelina Fernandes7. Chegamos no local antes do horário
de início da peça, checamos o espaço da apresentação, que era um pátio fechado com
capacidade para cerca de 50 pessoas.
Dando continuidade às etapas que segui na montagem e execução que iniciei no tópico
anterior, citadas por Roberto Gil Camargo em seu livro A sonoplastia no teatro.

7
Escola pública de Ensino Médio, da cidade de Macaíba-RN, cidade da grande Natal.
15

Etapa 4: Testes no espaço da apresentação. Fizemos alguns testes rápidos horas


antes do espetáculo. O ideal seria ter feito um ensaio geral um dia antes no espaço para testar
tudo que iria ser usado em cena, mas infelizmente não tivemos a oportunidade de fazer esse
ensaio. O espaço da cena e das cadeiras dos espectadores foram dispostos numa perspectiva
frontal em relação ao lugar da cena, em formato semelhante ao de um palco italiano8.
O espaço cênico representado era o de uma cozinha da casa da família, onde se passa
toda cena, com uma mesa ao centro com comidas e uma garrafa de café, com uma das
cabeceiras virada para público. Essa cabeceira ficou sem cadeira, a outra ponta da mesa tinha
uma cadeira e as demais ficaram em diagonal, não totalmente virada para mesa mas
levemente virada para o público. Esse formato é um cuidado para os atores não ficarem de
costas para público, pois estando sempre de frente a projeção da voz é melhor para quem vai
assistir ouvir bem.

Foto:Julio Deunier
Figura 4 - Personagens em cena da peça ‘’A família Pinto’’

Os únicos equipamentos de sons utilizados foram uma caixa de som amplificadora


acústica, ligada a uma tomada e conectada a um celular via Bluetooth, de onde eram feitos os
comandos de reprodução.
Os atores não usavam nenhum tipo de microfone e, por sorte, o espaço tinha uma
ótima acústica do som para a voz dos atores, a iluminação do local também era muito boa. A
caixa de som ficou posicionada na lateral do fundo contrário ao espaço da apresentação da
cena, dessa forma o som chegava por trás dos espectadores. Esse formato combinou com o
ritmo da peça, uma vez que sempre que uma nova personagem entrava em cena, ela vinha do

8
O palco italiano é um espaço retangular, delimitado por três paredes fechadas (duas laterais e uma de fundos)
e uma parede vazada que se abria ao público através de uma arcada denominada boca de cena.
16

fundo passando entre o público e interagindo com eles. Neste lugar também pude ter uma
visão geral melhor da cena para fazer a execução do som.
Antes da cena começar, deixei tocando algumas músicas brasileiras dos anos 2000 no
volume baixo durante alguns minutos, só para criar um clima bacana pré espetáculo.
Etapa 5: A execução da música em cena. O espetáculo começou com o instrumental
da música Calhambeque, de Roberto Carlos, entrando em cena primeiro; logo mais a
personagem Eva entrou e em seguida seu marido Jacinto. Quando os atores começaram suas
falas, eu diminuí a intensidade (volume) da música para a voz deles ficarem em destaque.
Quando uma nova personagem entrava ao tocar a sua música tema, os atores já em cena
congelavam até a personagem chegar até eles. Cada vez que uma música era tocada ou
quando ela era trocada por outra, eu utilizava o efeito bem curto de Fade-in no início e
Fade-out9 no fim. Isso deixava a entrada e saída do som suave e não brusca, que combinava
mais com o ritmo da cena. Cada música tema da personagem falava em sua letra um pouco
sobre ela. A música “Erva Venenosa”, de Rita Lee, tocou quando a vizinha entrou. Letra da
música:

(...)Parece uma rosa


De longe é formosa
É toda recalcada
Alegria alheia incomoda
Venenosa eh eh eh eh eh
Erva venenosa
É pior do que cobra cascavel
Seu veneno é cruel. (Erva Venenosa, Rita Lee, 2010)
A música tema de cada personagem ajudava a criar uma breve impressão dela para o
público. Por causa da letra, temos a impressão de que essa vizinha parece ser uma pessoa boa,
mas não confiável.

9
Efeito Fade-in e Fade-out: Trata-se de transições relativamente lentas e suaves. O Fade In normalmente é
aplicado no início onde o som começa relativamente baixo até atingir o seu volume original. O Fade-out é
aplicado no fim do som que vai ficando baixo até sumir
17

Foto:Julio Deunier
Figura 5 - Personagem Vizinha da peça ‘’A família Pinto’’

Outra música utilizada foi a música dramática de novela indiana: Saatchi Salaam, de
Shankar Ehsaan Loy. Essa trilha é lenta e melodramática e é usada nos últimos momentos em
que Eva expulsa a vizinha de sua casa e a vizinha, por sua vez, faz drama para não sair.

Foto:Julio Deunier
Figura 6 - Personagem Vizinha sendo expulsa da casa da família
peça ‘’A família Pinto’’

No momento em que a música começa todos na cena ficam em slow motion (voz e
movimentos lentos), de acordo com o ritmo da música, até Eva conseguir colocar a vizinha
para fora de casa. Depois que a música é trocada por outra, todos voltam com movimentos
normais. No fim é tocada a mesma música de abertura e, após a última fala, o volume da
música aumenta e todos do elenco se juntam para fazer reverência ao público, que aplaude
calorosamente.
18

Pelas palmas calorosas e a reação durante o espetáculo, o público gostou bastante. Não
só os estudantes assistiram, mas também o pessoal da limpeza e da secretaria, que pararam o
serviço para ver. No final, os diretores Mikael e Isaac apresentaram cada pessoa envolvida na
peça e depois alguns alunos da escola ficaram curiosos e fizeram perguntas sobre a história da
peça, se iria ter continuação outro dia, de onde nós éramos e como eles poderiam fazer teatro
também.
Na saída do espaço foi interessante perceber algumas pessoas cantarolando baixo
algumas músicas que foram usadas na peça.
Imagens do espetáculo:

Foto:Julio Deunier
Figura 7 - Elenco de atores da peça ‘’A família Pinto’’

Foto:Julio Deunier
Figura 8 - Todo elenco de produção e plateia da peça ‘’A família Pinto’’
19

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho pude apresentar algumas experiências da música em cena com a qual
estive envolvido no curso de Licenciatura em Teatro. O que estudei e me envolvi me
despertou interesse em pesquisar mais sobre sonoplastia no teatro.
Sobre a temática de música em cena ou sonoplastia, encontrei poucas referências em
português para somar na produção deste trabalho, o que aponta para a necessidade de mais
pesquisadores estudarem e publicarem sobre esse tema, em língua portuguesa.
A sonoplastia está sempre em cena e, apesar de ser um elemento importantíssimo na
construção do espetáculo, poucos estudantes se interessam em abraçar esse campo de estudo,
em comparação com o interesse que se vê demonstrado pela área de atuação. Esse aspecto
pode justificar porque muitos jovens artistas de Teatro, em seus processos formativos, não dão
a devida importância ao som na cena, nem em quem está por trás dessas produções sonoras,
como são produzidas e quem as produz. Espero que meu trabalho contribua para ampliar as
referências a esse respeito e estimular outros estudantes a enveredarem por esse campo de
estudo .
Apresentei neste texto, através de minhas experiências, um olhar mais atencioso que
um artista do som faz em uma cena. Os caminhos que se seguem para fazer uma boa
construção de uma obra de arte sonora, bem como, procurei registrar como foi gratificante,
para mim, ter que refletir e agir sobre como levar a arte para educação.
Minhas experiências como docente nos estágios do curso de Licenciatura em Teatro
me fizeram refletir sobre a importância do teatro nas escolas e fazer com que essa relevância
seja cada vez mais percebida pelas pessoas.
Na educação infantil, onde estagiei por bastante tempo, pude notar como a música foi
o meio pelo qual pude acessar o interesse das crianças e, assim, facilitar os processos de
Ensino de Teatro que desenvolvi com eles.
A experiência de ser sonoplasta da peça ‘’A Família Pinto’’ foi muito importante, pois
durante o trabalho desse espetáculo pude praticar o que já tinha estudado sobre o som, lidar
com os problemas da prática, descobrir como desenvolver soluções e, com certeza, isso
impactou muito meu aprendizado.
Na seleção e experimentação das músicas com a cena, fui compreendendo o que
funciona e o que não funciona. Na montagem e edição do som tive o cuidado com as partes
das músicas que estariam em cena. O diálogo com os diretores e o elenco foi uma troca de
sugestões que auxiliou no processo de criação. As etapas que segui durante o processo me
nortearam para uma melhor organização. Todo o processo e execução do som foi um
20

aprendizado incrível que aumentou meu repertório e amadureceu as minhas convicções sobre
a sonoplastia.
Levar esse espetáculo para apresentar em uma escola, principalmente uma instituição
pública, foi uma experiência excelente. Haviam estudantes que nunca tinham assistido a uma
peça de teatro e, mesmo assim, conseguimos acessar a expectativa e sensibilidade dessas
pessoas. Ver a empolgação deles assistindo a peça e o seu interesse em consumir e saber mais
sobre como se faz essa arte foi muito gratificante. Fico muito feliz em perceber a admiração
de pessoas por um assunto que estudo e me profissionalizo, que é o teatro. O teatro humaniza,
ajuda a ter um olhar de sensibilidade para com o mundo, e eu acredito que por isso ele é tão
marcante na vida das pessoas. Como futuro professor eu almejo não só formar futuros
fazedores de teatro, mas também consumidores dessa arte que transforma.
21

REFERÊNCIAS
Bibliografia:
CAMARGO, Roberto Gil. A Sonoplastia no Teatro. Rio de Janeiro: Instituto de Artes
Cênicas, 1986.
SCHAFER, Raymond Murray. A Afinação do Mundo. São Paulo: Unesp, 2001.
BERTOLD. M. História Mundial do Teatro. São Paulo. Perspectiva. 2001.
TRAGTENBERG, Lívio. Música de Cena. São Paulo: Perspectiva, 1999
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo. Perspectiva. 2007.
LIGNELLI, César. A Paisagem Sonora e as sonoridades da cena. Brasília: Universidade de
Brasília; Professor Adjunto.
ARAÚJO, J. Sávio O. Diálogos Entre a Academia e a Cenografia: A contribuição do
CENOTEC UFRN para este debate na PQ Talks da Quadrienal de Praga 2019, Porto
Alegre. Revista Cena, no 30, p. 50-60 jan./abr. 2020 Disponível em:
< http://seer.ufrgs.br/cena >
LIGNELLI, César. Sonoplastia e ou entorno acústico - seu lugar na cena teatral. Brasília:
Universidade de Brasília, 2007
BAPTISTA, Andre. As funções da música no cinema: contribuições para a elaboração de
estratégias composicionais. Minas Gerais: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de
Música, 2007
Sites:
SONOPLASTIA. Cia Teatral InFocus, 2015. Disponível em: <
https://ciainfocus.wordpress.com/sonoplasta/ >. Acesso em: 28 de maio de 2023.
Elementos do Teatro. Arte.seed, 2019. Disponível em: <
http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=197#:~:text=O%20
sonoplasta%20trabalha%20os%20elementos,acompanh%C3%A1%2Dlo%20passo%20a%20p
asso .>. Acesso em: 20 de maio de 2023
EBC, RÁDIOS, CADERNO DE MÚSICA, LEITMOTIV, 2016. Disponível em: < Você
sabe o que é "Leitmotiv"? | EBC Rádios > Acesso em: 20 de maio de 2023

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