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BRIGITTE WITTMER
RIO DE JANEIRO
2017
BRIGITTE WITTMER
RIO DE JANEIRO
2017
AGRADECIMENTOS
À Faculdade Angel Vianna, e a todo seu corpo docente, por cada ensinamento
compartilhado e, principalmente por me oferecer a possibilidade e as ferramentas
para enxergar o mundo e viver de uma forma diferente.
Aos meus amigos, que estão comigo sempre, independente da distância geográfica.
RESUMO
Este trabalho se debruça sobre como o ensino dentro da sala de aula na dança a
dois deve ser adaptado para potencializar o corpo singular, através de técnicas
somáticas e, assim, estimular o autoconhecimento e conhecimento corporal de si e
do outro, visando sua aplicabilidade na dança com seu par.
A forma tradicional na dança a dois será tematizada a partir dos seus inícios e,
mostra os limites da condução tradicional trazendo uma proposta para uma evolução
e ampliação das possibilidades dentro dela. Desvinculando o gênero do passo que
ainda se encontra associado à dama e ao cavalheiro.
SUMÁRIO
1 Introdução ................................................................................................. 08
2 Potencialidades do corpo individual aplicadas à dança a dois ........... 09
3 Formato tradicional da dança de salão - condução e papéis............... 11
3.1 História, Tradição: condução, papel cavalheiro, papel dama ..................... 11
3.2 Problemas encontrados .............................................................................. 13
3.3 Improviso fechado ...................................................................................... 14
4 Nova Proposta: ampliando as possibilidades ....................................... 15
4.1 Evolução ..................................................................................................... 15
4.2 Desassociação de Gênero do passo/movimento ....................................... 15
4.3 Improvisação aberta, diálogo corporal, estado de presença ...................... 17
4.4 Modificações dentro da sala de aula .......................................................... 21
5 Conclusão ................................................................................................. 23
6 Referências Bibliográficas....................................................................... 24
1 INTRODUÇÃO
Ter passado pela Faculdade Angel Vianna, me mostrou e afirmou ainda mais, dentro
da minha busca, que cada corpo tem a sua potencialidade e que a singularidade de
cada um deve ser estimulada e valorizada, como foi feito na instituição. E a
importância da preparação corporal que é preciso para dançar e como incorporá-la
dentro de aula de dança e dança a dois.
Durante este período nos bailes de Zouk tentei achar caminhos diferentes, sem
interferir na condução mas, rompi a expectativa que o cavalheiro tinha sobre o
caminho que a dama deveria fazer. Depois de um tempo comecei a testar
possibilidades de condução, aproveitando o fluxo dos movimentos. Mesmo não
sabendo conduzir muito. Procurei conversar com vários profissionais da área, e
acabei encontrando outros pesquisadores e professores na busca da ampliação das
possibilidades dentro da dança a dois.
As suas pesquisas como as minhas pesquisas que tenho feito dentro desse campo,
na pista de dança e com um grupo de estudos, são utilizadas neste trabalho sobre a
proposta nova da condução aberta.
Essa pesquisa não se limita a um gênero específico de dança a dois, ela serve para
todos os gêneros de dança a dois.
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Dançar a dois requer muitas habilidades, já que dois corpos precisam se conectar
para se movimentarem juntos. O aluno de dança de salão, na sua iniciação, tem
poucas vivências corporais, desconhece como usar seu próprio corpo na sua
potencialidade e as possibilidades de movimento na individualidade. É pelo corpo
que se compreende o outro e é através dele que se percebem as coisas, mas a
percepção do corpo e dos objetos é confusa na imobilidade. (MERLEAU-PONTY,
1999).
Para isso, é preciso adquirir sensibilidade e técnica. Primeiro, como um corpo
individual para, então, pensar no ato de dançar com outra pessoa. O que é ensinado
tradicionalmente na dança a dois são passos e caminhos já preconcebidos, que
limitam a expressividade corporal do aluno e deixam a dança transformar-se em
sequências coreográficas.
Dançar a dois num estado sensível, com o domínio dos conceitos e códigos do
gênero dançado, possibilita a criatividade, lugar em que as afetações produzem o
novo. Tanto em si como, também, no corpo do outro. Borges (2009) nos diz sobre a
potência dos corpos : “É através do encontro dos corpos, nas suas singulares
diferenças, que a vida se manifesta como potência expansiva”.
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Merleau-Ponty aponta que não se está diante do próprio corpo; estamos em nosso
corpo, ou até, somos o nosso corpo. Para o autor o corpo é, ao mesmo tempo,
sujeito e objeto em um espaço-tempo. (MERLEAU-PONTY, 1999). Somos o que
dançamos, comunicamos e expressamos com nosso corpo e, sendo pesquisadores
de corpo, não um reprodutor de movimentos, mas um criador, um estudioso, um
dançarino, um ser humano em autoconhecimento, que se reúne em um único
núcleo: o corpo-a-corpo com o próprio corpo. (MILLER, 2007, p. 16)
10
A Dança de Salão, ou como antigamente usado com o termo “Dança Social”, “surgiu
na Europa, durante a Idade Média e o Renascimento, a partir do século XV”
(GRANGEIRO apud PERNA, 2005, p.11). Era dançado por pares enlaçados,
homem com mulher, que era um grande absurdo para aquela época, em que as
pessoas não se relacionavam em público (SANTOS, 2016, p.102).
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Sendo assim, o cavalheiro dança para fazer sua dama feliz. Ele deve cuidar e
proteger para que ela se sinta segura e ninguém entre em colisão. Caso haja algum
acidente, ele é quem deve assumir a responsabilidade, pedindo desculpas ao outro
par e à sua dama.
Ao cavalheiro não é exigido a escuta do corpo do outro. Como é ele quem toma as
decisões dos movimentos, não precisa estar atento ou escutar o corpo do outro. Ele
deve decidir qual o próximo passo a ser executado, em seguida, deve conduzir a
dama para que ela faça esse mesmo passo e, por fim, ambos devem executá-lo
juntos, em sintonia com a música. Ao cavalheiro, também é esperado que tenha
atenção ao espaço e ao deslocamento.
O Papel da Dama é visto como secundário. Não se dá valor se e ao que ela pensa
ou não. O cavalheiro se satisfaz pelo comportamento de “obediência” dela. Se a
dama está pensando ou não realmente, pouco importa. “Se a dama não tem
capacidade para apenas parecer que não pensa, então não tem que pensar mesmo,
mas aí é deficiência dela” (STRACK apud PERNA, 2012, p. 52)
Uma verdadeira dama sabe dançar. Não precisa ter decorado uma
enormidade de passos. Precisa saber entregar-se à condução do
cavalheiro, entrar em seu equilíbrio corporal e fazer parte dele durante toda
a dança. Uma dama, como regra geral, não conduz, mas responde com
personalidade, inspirando novas conduções e promovendo a comunicação
corporal. Ser uma boa dançarina é muito mais fácil que ser um bom
dançarino, logo é menos compreensível quando se abdica de ser dama
(ZAMONER, 2016, p. 73).
Nesses termos, quanto mais fiel a dama for à condução do cavalheiro, mais ela é
considerada uma boa dançarina. Porém, se elas não correspondem exatamente a
essa expectativa são vistas como desobedientes ou revoltadas. “Caso a Dama
decida realizar um movimento sem ter recebido uma condução do Cavalheiro para o
mesmo, aí então ela é chamada de “louca”. (STRACK, 2016).
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A constante desconfiança na autonomia das damas pelos cavalheiros faz com que
eles se sintam no direito de tomar todas as decisões, mantendo o controle da
execução, da escolha dos movimentos, deslocamentos e musicalidade. Strack
(2017, p.36) nos fala que, além disso, o machismo surge dentro da cultura patriarcal
e cita Guimarães:
Dentro da sala de aula é muito comum de ver casais brigando e se acusando com
“você não está me conduzindo”, “você não está seguindo minha condução”, “você
está indo em frente”, “você não está escutando a música”, entre outras.
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quando ocorrem, não recebem o devido valor e atenção.
Um exemplo disso é citado por Strack (2017, p. 48). O caso de Lua*1 (2014),
amplamente conhecido dentro do meio das danças de salão. No site citado, a
dançarina relata as atrocidades cometidas por seu parceiro como uma forma de
alertar outras mulheres a não aceitarem mais serem parceiras dele.
1
* http://daringtodance.com/primeira-parte
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4 Nova proposta: ampliando as possibilidades
4.1 Evolução
15
Como observado por Strack (2017, p. 40), a nomenclatura Dama e Cavalheiro traz
consigo um reforço do estereótipo de gênero. Porque a regulação binária da
sexualidade suprime a multiplicidade subversiva de uma sexualidade que rompe a
hegemonia heterossexual, reprodutiva e médico-jurídica (BUTLER, 2015, p.47).
[…] marcada por povos livres, que podiam dizer não, bem como pela falta
de mulheres, que fazia com que os homens precisassem dançar uns com
os outros, fez com que essa dança fosse propícia a sair na frente com as
discussões de gênero e a criação de novas formas de se comunicar ao
dançar. (STRACK, 2017, p. 78)
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Com uma escuta corporal treinada - de ambos os lados -, pode-se sentir essas
alterações e movimentos do corpo, como também percebe-se os estados corporais
1
* O ambiente neste contexto tem duas leituras: refere-se ao corpo do par e, também, ao ambiente
externo – o salão de baile.
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do seu par e, assim, usa-se tudo isso como possibilidade para a descoberta de
novos caminhos dentro da improvisação na dança a dois. Silveira: “Quando
dançamos com o outro, ao tocarmos em sua pele não estamos apenas em contato
com uma parte anatômica do corpo do outro, mas também nos deparamos com
todos os registros que aquela pessoa já vivenciou.” (SILVEIRA, 2012 p. 29)
Estar em comunhão completa com seu par permite que a leitura do movimento ou
escolha do passo a ser feito possa ser percebido a priori porque podemos sentir as
linhas de força que vão se prolongando no futuro, a “zona vidente”, segundo José
Gil citado por Silveira (2012). Esta autora descreve o acontecimento da seguinte
forma: “Esse momento de harmonia entre os parceiros pode ser vista como uma
invasão na mente daquele que contigo dança, pois conseguimos prever o que
ocorrerá em seguida antes mesmo do movimento de fato acontecer.” (SILVEIRA,
2012, p. 29)
Silveira (2012, p. 30) deixa claro que para este fenômeno surgir é necessário se
pensar em uma cumplicidade sensorial entre ambos, sem mais hierarquia, em que
cada um permita entrar em contato com a corporeidade do outro. Dessa forma, terão
que se realizar adaptações corporais, até encontrar a melhor maneira de se
comunicar.
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Contudo, não é preciso chegar neste estado de plena comunhão para que a dança
em diálogo aconteça. A proposta da condução aberta traz a possibilidade de um livre
trânsito entre todos os estágios, como sugerido por Sheila Santos (2016) e ampliado
e titulado como territórios por Míriam Strack (2017). Mas a desvinculação do gênero
desde o início faz com que a escolha de quem propõe e de quem segue seja feita
em concordância mútua e sem vinculação a um papel pré-estabelecido.
Tendo por base , no presente trabalho, a descrição de Strack esses territórios são
adaptados à desvinculação do gênero:
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Com todas essas novas visões, também é preciso repensar o papel do professor da
dança de salão como alguém que estimula o dançar de cada indivíduo. Marcelo
Grangeiro (2014) cita a professora Raquel Mesquita:
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Para aqueles que já estão habituados a dançar como cavalheiro, ou como dama, o
maior desafio é adquirir o conhecimento do lado oposto. Contudo, abertura e
curiosidade é o primeiro passo.
A própria autora desta monografia está atualmente com um grupo de estudos com
pessoas já dançantes, fazendo essa transição. As aulas contêm uma preparação
corporal e exercícios para o reconhecimento da singularidade de cada um,
sensibilização e escuta para o corpo da dança a dois. Além de conceitos e técnicas
da condução. Todas as propostas são experimentadas e vivenciadas por todos os
participantes.
Depois de dois meses de aulas regulares, uma vez por semana, essa troca de
condução já se percebe através do diálogo corporal. Ainda com algumas
dificuldades entre propor e escutar, principalmente, para quem não estava
acostumado com o lado oposto, a transição na forma de dançar ganha confiança e
fluidez a cada encontro.
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5 Conclusão
Toda essa evolução na dança a dois servirá para motivar ainda mais o
autoconhecimento. A intenção é de que seus praticantes possam expressar-se na
sua própria essência e, assim, elevar a dança a um novo patamar social.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BICALHO, Luciana. Angel Vianna: uma escola de vida. In: SALDANHA, Suzana.
Angel Vianna: Sistema, Método ou Técnica. Rio de Janeiro: Funarte, 2009.
SANTOS, Sheila. Samba e tango: uma visão contemporânea das relações na dança
a dois. In: FILHO, Rubens Pantanto; OLIVEIRA, Rodrigo de; SUAYA, Alejandro
“Turco” (orgs.) Tango e Samba. Um encontro de duas culturas. Indaiatuba (SP):
Gráfica e Editora Vitória, 2016.
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