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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

ANDREZA LANUZA FERNANDES DA SILVA

YALODÊ:
UM OLHAR CONTEMPORÂNEO SOBRE A MULHER AFRO-BRASILEIRA

NATAL
2017
ANDREZA LANUZA FERNANDES DA SILVA

YALODÊ
UM OLHAR CONTEMPORÂNEO SOBRE A MULHER AFRO-BRASILEIRA

Trabalho de Conclusão de Curso II, sob a


orientação do Professor Doutor Vicente
Vitoriano Marques Carvalho, apresentado
à Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para
obtenção do Título de Licenciada em
Artes Visuais.

NATAL
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes – DEART

Silva, Andreza Lanuza Fernandes da.


Yalodê : um olhar contemporâneo sobre a mulher afro-brasileira
/ Andreza Lanuza Fernandes da Silva. - 2017.
83 f.: il.

Monografia (licenciatura) - Universidade Federal do Rio


Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Curso de Licenciatura em Artes Visuais, Natal, 2017.
Orientador: Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho.

1. Pintura. 2. Mulheres afro-brasileiras. 3. Negras. 4.


Aquarela. I. Carvalho, Vicente Vitoriano Marques. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 75.041


ANDREZA LANUZA FERNANDES DA SILVA

YALODÊ
UM OLHAR CONTEMPORÂNEO SOBRE A MULHER AFRO-BRASILEIRA

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________
Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho
Departamento de Artes – UFRN

___________________________________________
Profª. Drª. Bettina Rupp
Departamento de Artes – UFRN

___________________________________________
Prof. Me. Artur Luiz de S. Maciel
Departamento de Artes – UFRN
Às mulheres,
dedico.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe que sempre investiu na minha escolaridade e por


acreditar no meu potencial.
Aos amigos, que sempre desejaram sucesso em meus trabalhos e
principalmente à Andréa Lima que muito me ajudou com fontes de estudo
e conversas enriquecedoras.
À Alessandra Teófilo pelo companheirismo, amizade e paciência
dedicados a mim ao longo de todos esses anos que nos conhecemos.
À Cláudia Oliveira pela amizade e pelo carinho que dedicou à revisão
dessa pesquisa.
Às mulheres que eu retratei nas pinturas, que através de seus relatos e
suas vivências me inspiraram e ampliaram minha percepção quanto a luta
anti-racista: Angélica Gomes, Clarissa Menezes, Cláudia Moreira, Cristina
Diógenes, Elisiana Gomes, Glênia Freitas, Janaína Silva, Jéssica Alves,
Jodinaide Campelo, Nina Tsumbe, Silvia Alves e Thays Alves.
E a todos os professores, que de forma direta ou indireta contribuíram
para meu aprendizado no decorrer do curso, e principalmente ao professor
e orientador Dr. Vicente Vitoriano por sua paciência, dedicação e
competência que muito contribuíram para a realização dessa pesquisa.
“Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra.”
Joaquim Nabuco.
RESUMO

O presente trabalho é resultado de um projeto de pesquisa em arte


que apresenta um memorial reflexivo sobre o processo de produção da série
Yalodê, formada por dez pinturas em aquarela, que retratam a mulher afro-
brasileira contemporânea. A composição desse estudo perpassa por dois
pontos principais: 1) as ressignificações socioculturais incorporadas à mulher
afro-brasileira contemporânea e 2) a afirmação de sua identidade por meio
de símbolos relacionados à herança visual africana. Nesse sentido, a
produção artística representa o momento atual de transformações culturais
e sociais referente à mulher afro-brasileira e sua busca pela superação das
desigualdades e mudanças nos modos de representações de sua imagem.
Com base nos estudos da cultura visual e das poéticas visuais como
abordagem metodológica, o trabalho apresenta apontamentos relativos
aos preconceitos historicamente enraizados, bem como reflexões sobre
mudanças culturais e ideológicas que permeiam por discursos racistas. Ainda
são pautados conceitos ligados à postura de empoderamento da mulher
afro-brasileira contemporânea, que estão carregadas de valores simbólicos.

Palavras-chave: mulher afro-brasileira, pintura, aquarela, poéticas visuais.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01- Short. Andreza Lanuza. Aquarela sobre papel, 2015.....................12


FIGURA 02 - Ruiva. Andreza Lanuza. Aquarela sobre papel, 2015...................13
FIGURA 03 - Gloss. Andreza Lanuza. Aquarela sobre papel, 2015....................13
FIGURA 04 - Retrato de Jô. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016.....14
FIGURA 05 - Retrato de Angélica. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel,
2016..........................................................................................................................15
FIGURA 06 - Skull. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016.......................16
FIGURA 07 - Cavalos. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016...............16
FIGURA 08 - Afrobrasil. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016.............17
FIGURA 09 - anúncio publicitário da cerveja Devassa.......................................25
FIGURA 10 - Negra tatuada vendendo caju. Jean Baptiste Debret. Aquarela
sobre papel, 1827...................................................................................................27
FIGURA 11 - Um jantar brasileiro, Jean Baptiste Debret. Aquarela sobre papel,
1827..........................................................................................................................29
FIGURA 12 - A negra, Tarsila do Amaral, óleo sobre tela, 1923.........................30
FIGURA 13 - Samba, Di Cavalcanti. 1925............................................................32
FIGURA 14 - Samba ou carnaval ou Mulatos de San Cristobal, Di Cavalcanti.
1927..........................................................................................................................32
FIGURA 15 - Mulata em rua vermelha, Di Cavalcanti. 1960................................34
FIGURA 16 - Pintura da série Odara. Muha Bazila, 2013......................................35
FIGURA 17 - Pintura da série Odara. Muha Bazila, 2013.....................................35
FIGURA 18 - A criação de Deus, Harmonia Rosales. 2017.................................36
FIGURA 19 - A criação de Adão. Michelangelo. Século XVI.............................36
FIGURA 20 - Foto da ativista dos direitos civis dos negros Angela Davis, nos
anos 60.....................................................................................................................39
FIGURA 21 - Imagem da Grécia antiga...............................................................39
FIGURA 22 - Mulher com turbante.........................................................................40
FIGURA 23 – Mulher negra escravizada usando traje típico africano. Foto de
1860..........................................................................................................................40
FIGURA 24 - Ativista Djamila Ribeiro usando trança............................................41
FIGURA 25 - Menina usando tranças coloridas...................................................41
FIGURA 26 - Africanas da comunidade Himba...................................................42
FIGURA 27 - Dreadlock...........................................................................................42
FIGURA 28 - Dreadlock...........................................................................................42
FIGURA 29 - Estudo em aquarela. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel,
2017..........................................................................................................................47
FIGURA 30 - Estudo em aquarela. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel,
2017..........................................................................................................................47
FIGURA 31 - Lila. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel 2017........................50
FIGURA 32 - Cris. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel 2017.......................51
FIGURA 33 - Silvinha. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017................53
FIGURA 34 - Maria-flor. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017............54
FIGURA 35 - Tays. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017.....................55
FIGURA 36 - Janaina. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017..............57
FIGURA 37 - Silvinha Alves, Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017......58
FIGURA 38 - Beijo. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017......................59
FIGURA 39 - Jéssica. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017..................60
FIGURA 40- Nina. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017....................61
FIGURA 41 Sem título, Agnes Cecile, 2011..........................................................65
FIGURA 42 - Sem título, Agnes Cecile, 2011.........................................................66
FIGURA 43 - Pintura de Muha Bazila.....................................................................66
FIGURA 44 - Obra de Pierre Jean-Louis, 2016......................................................67
FIGURA 45 - Obra de Pierre Jean-Louis, 2016......................................................67
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 12
1. A MULHER AFRO-BRASILEIRA......................................................................... 21
2. A MULHER NEGRA EM PINTURAS .................................................................. 27
2.1 Século XIX ............................................................................................................. 27
2.2 Século XX .............................................................................................................. 30
2.3 Século XXI ............................................................................................................. 35
3. ELEMENTOS VISUAIS DA CULTURA AFRICANA ............................................ 38
4. A SÉRIE YALODÊ .............................................................................................. 45
4.1 A aquarela em meu trabalho ................................................................... 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 68
REFERÊNCIAS CITADAS ...................................................................................... 70
REFERÊNCIAS CONSULTADAS ........................................................................... 72
APÊNDICE - RELATÓRIO DE AÇÃO PEDAGÓGICA ....................................... 75
12

APRESENTAÇÃO

Ao longo do curso de Licenciatura em Artes Visuais (CLAV), pude


experimentar diversos materiais de pintura, entre eles a aquarela. Meu
interesse por esse material deu-se no decorrer da disciplina Pintura III,
ofertada, em 2015.2, pelo Departamento de Artes da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (DEART). Nesse período produzi meus primeiros
trabalhos em aquarela e dediquei-me ao estudo de elementos como cor,
textura, luz, sombra e a transparência por meio de velaturas. Durante esse
processo, foquei minhas atenções no exercício da técnica, sobretudo no
domínio da água, que revelou-me ser um grande desafio, visto que minhas
habilidades na área da pintura concentravam-se, até aquele momento, nas
tintas de base oleosa.
Quanto aos temas abordados nessa disciplina, optei por retratar,
intuitivamente, imagens femininas, apesar de não ter tido a intenção de
aprofundar-me em discussões sobre o tema (Figuras 1 a 3). Nessa fase, meus
referenciais imagéticos constituíram-se, basicamente, por figuras retiradas da
internet.

Figura 1 - Short. Andreza Lanuza. Aquarela sobre papel, 2015. Foto da autora.
13

Figura 2 – Ruiva. Andreza Lanuza. Aquarela sobre papel, 2015. Foto da autora.

Figura 3 – Gloss. Andreza Lanuza. Aquarela sobre papel, 2015. Foto da autora.
14

No semestre seguinte, início de 2016, dei continuidade às aquarelas na


disciplina Teoria da Cor, também ofertada pelo DEART. Apesar da minha
opção reiterada por este material de pintura, essa disciplina me levou a
compor trabalhos bastante desafiadores, pois trazia como seu principal
objetivo a produção de obras autorais incorporadas ao estudo teórico da
cor e sua aplicação de acordo com o círculo cromático. Optei por continuar
retratando a figura feminina. No entanto, para alcançar a singularidade
exigida pela disciplina, utilizei fotografias de mulheres inseridas no meu círculo
de amizade como referência para a produção das aquarelas (Figuras 4 e 5).

Figura 4 - Retrato de Jô. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016. Foto da autora.
15

Figura 5 - Retrato de Angélica. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016. Foto da autora.

À parte das disciplinas cursadas, adotei o uso do sketchbook. Nele


pude fazer anotações, experimentos quanto à mistura de cores e exercitar
não apenas a pintura, mas também o desenho que sempre faço antes de
dispor a tinta no papel. É importante ressaltar que minhas referências
imagéticas, para essas pinturas do sketchbook, foram integralmente retiradas
de bancos de imagens na internet, portanto, não são autorais. Tratam-se de
estudos que fiz objetivando obter maior familiaridade com a aquarela
(Figuras 6 e 7).
16

Figura 6 - Skull. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016. Foto da autora.

Figura 7 -Cavalos. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016. Foto da autora.
17

Aspectos da teoria da arte e os elementos visuais estudados durante


esses dois últimos anos de curso, tanto nas disciplinas como fora delas,
conduziram-me ao objeto de pesquisa do presente Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC), que se constitui na produção de uma série de pinturas em
aquarela. E traz como objetivo geral realizar esta produção e descrever, em
um memorial reflexivo, sobre o processo de sua criação.
A temática que integra as pinturas aponta para questões raciais e de
gênero. Ela fez parte de alguns trabalhos que produzi entre os anos de 2015
e 2016, como o mostrado pela Figura 8. Durante esse período, estabeleci
grande envolvimento empático com a questão do preconceito racial,
principalmente ligado à mulher afro-brasileira. Nesse sentido, a escolha do
tema para este Trabalho de Conclusão de Curso é fruto de uma inquietação
que me provocou o desejo de proceder reflexões sobre tal questão,
acreditando que a arte também é um meio capaz de abrir caminhos para
discussões necessárias à nossa evolução pessoal e global.

Figura 8- Afrobrasil. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2016. Foto da autora
18

Tendo isso em vista, a proposta do presente trabalho é a criação da


série Yalodê, formada por dez pinturas em aquarela, que compõe uma
exposição. Yalodê é um termo pertencente ao idioma africano Iorubá1 que
faz menção à mulher como um ser guerreiro, detentor de poder de ação e
liderança.
É importante ressaltar que essa pesquisa em arte aponta construções
de preconceitos historicamente enraizados, abre espaço para discussões
acerca de transformações socioideológicas e promove reflexões sobre os
discursos estereotipados que apresentam concepções racistas e sexistas,
ocorridas ao longo da história de nosso país.
A abordagem metodológica aqui adotada reflete os estudos das
poéticas visuais, bem como os estudos da cultura visual.
A cultura visual refere-se à visualidade e entende que os aspectos visuais
são fonte de transmissão cultural e possuem relações ideológicas. Ela tem
como ponto central o estudo da visualidade, que por sua vez configura-se
na dimensão cultural. Segundo Sérvio (2014, p. 197), “a visualidade trata da
percepção como fato social, suas técnicas históricas e determinações
discursivas”. Ela discorre sobre as experiências visuais e o que aprendemos
em nosso convívio social.
Nossa visão de mundo e as experiências pessoais adquiridas ao longo
de nossa vida exercem intensas influencias no modo como vemos e
interpretamos o que enxergamos. Nesse sentido, um objeto artístico pode ser
considerado consequência de uma conexão entre vários elementos que o
artista vivencia, observa e apreende. Os processos de criação na área das
artes podem ser como um espelho que se constituem a partir de paradigmas
socioculturais e ideológicos.
Este trabalho está organizado da seguinte forma:
No capítulo 1, A mulher afro-brasileira, apresento reflexões sobre o
modo como a afro-brasileira é vista em nossa sociedade, que muitas vezes

1O iorubá é falado pelo grupo étnico de mesmo nome, localizado no continente africano. Esse idioma chegou em
nosso país através da vinda dos africanos escravizados e atualmente é frequentemente verbalizado através de
cânticos e rezas em cultos religiosos de matrizes africanas, como o candomblé.
19

está carregado de estereótipos preconceituosos que revelam vestígios do


período escravocrata e apresentam conotações no campo do exotismo e
do erotismo. Exponho um pouco das experiências negativas de mulheres
afro-brasileiras daqui de Natal e a falta de representatividade positiva das
afro-brasileiras em meios midiáticos.
O capítulo 2, A mulher negra em pinturas, traz reflexões acerca das
representações da mulher africana e afro-brasileira em algumas pinturas nos
dias atuais e nos dois últimos séculos no Brasil. Para identificar essas
representações, exponho um estudo da história da arte através das obras de
Jean Baptiste Debret, de 1827: “Negra tatuada vendendo caju”, que traz a
figura da mulher negra com semblante melancólico e “Um jantar brasileiro”,
que revela uma mulher negra escravizada. Também foram analisadas duas
obras de mesmo título, porém datadas em anos diferentes do artista plástico
Di Cavalcanti: “Samba” de 1925 e “Samba” de 1927 e, ainda, “Mulata em
rua vermelha”. Trago também apontamentos sobre a obra “A Negra” (1923),
de Tarsila do Amaral e, por fim, discorro sobre obras visuais contemporâneas
que retratam a mulher negra através das obras de Muha Bazila (2013) e
Harmonia Rosales (2017).
No capítulo 3, Elementos visuais da cultura africana, são feitos registros
sobre os valores culturais ligados à mulher afro-brasileira, aliados à
construção e afirmação de sua identidade por meio de símbolos
relacionados à herança visual africana. Essa herança visual firma-se,
intensamente, a partir do corpo e do cabelo. Para compor esse capítulo,
pesquisei sobre adornos, cortes de cabelo e penteados característicos da
cultura africana, visando identificar seus significados e sua importância no
processo de resistência da mulher afro-brasileira contemporânea.
No capítulo 4, A série Yalodê, discorro sobre a criação da série Yalodê
e exponho meu trabalho artístico, que traz representações imagéticas do
modo como as mulheres afro-brasileiras contemporâneas colocam-se no
mundo, desassociadas de preconceitos raciais e/ou exteriorizações
caricatas. Minhas principais referências nesse contexto foram leituras sobre
20

feminismo negro através da militância anti-racista e anti-sexista de Angela


Davis, Nilma Gomes, Djamila Ribeiro, Audre Lord, entre outras. A série de
pinturas teve como referência imagética fotos de mulheres afro-brasileiras
que fazem parte do meu círculo de amizades e que se tornaram referência
ante os enfrentamentos que a mulher negra passa em nosso país e na
construção e afirmação da identidade cultural de origem africana.
21

1. A MULHER AFRO-BRASILEIRA

Culturalmente, nós, mulheres brasileiras, fazemos parte de um grupo


que sofre as consequências do preconceito de gênero que objetifica nosso
corpo, questiona nossa capacidade intelectual e nos coloca em níveis
abaixo do homem, com pouca participação e autonomia social em esferas
como a da política e a do mercado de trabalho. Para a mulher afro-brasileira
esta realidade é ainda mais agravada, pois os espaços propostos para elas
são bem mais restritos e afetam negativamente sua imagem e autoimagem.
Ao longo do tempo, as significações em torno da mulher negra no Brasil
sofreram acentuadas atribuições construídas a partir do modo de ver de um
grupo dominante, composto essencialmente pelo homem branco, que
incorporou à afro-brasileira a imagem de um ser promiscuo e incapaz de
produzir conhecimento. Essas concepções têm sua origem na época
escravocrata em nosso país, quando a mulher negra escravizada era
considerada desprovida de humanidade, sendo frequentemente tratada
como objeto de exploração física e, por vezes, sexual. Em consequência
disso, foram incorporadas a ela propriedades referentes à força física,
submissão, lascívia e inferioridade intelectual. A elas foram associados
contextos vulgares e foram negados o poder de voz e de ação. Essa forma
de enxergar a mulher negra são construções socioculturais que produziram
estereótipos depreciativos, sofridos pelas suas descendentes até os dias
atuais e que contribuem fortemente para a prática de preconceitos racial e
de gênero.
O racismo é algo que violenta as afrodescendentes desde sua
infância. Não apenas no aspecto físico, mas também no psicológico. Isso fica
muito claro ao lermos o texto de Clarissa Menezes (2016), escrito e postado
em sua rede social2 no Dia Internacional de Combate ao Racismo, 21 de
março. Menezes escreve de maneira bastante resumida, porém

2 Disponível em: https://www.facebook.com/clarissa.menezes.984/posts/1203373923036521.


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esclarecedora, sobre o preconceito racial vivenciado por ela desde sua


infância, aqui em Natal. Acho pertinente expor aqui trechos desse relato
pessoal, para que, através de um olhar mais sensível e empático, adentremos
com mais seriedade na busca pela superação da discriminação racial e das
violências geradas por ela.
Seguem partes do texto:

O preconceito existe sim e vou tentar te mostrar onde e como, com


minha experiência de vida. Quando eu nasci, houve quem ao
visitar minha mãe na maternidade a consolasse dizendo que eu
podia clarear depois.

Quando fiquei mocinha chegavam na minha casa em Cidade


Jardim (vendedores, colegas dos meus pais, alunas da minha mãe
na UFRN que iam deixar trabalhos) e nas raras vezes em que eu
abria a porta me mandavam chamar os patrões.

Quando eu estava no shopping com minha prima Bia no braço,


minha tia e minha mãe entravam nos provadores e as vendedoras
perguntavam se eu era babá dela desde recém-nascida, porque
percebiam que a criança era apegada a mim e a mãe dela (titia)
me tratava bem.

Adolescente, um colega do pré comentou com meus amigos que


eu tinha um corpão e se passasse uma mão de tinta branca ele me
pegava. Não sabe ele que com o cérebro que tem jamais me
pegaria.

Quando as pessoas sabem que cursei três graduações falam nas


quotas.... Ei, no meu tempo não havia quotas.

Quando sabem que falo inglês, francês e espanhol perguntam se


namorei com gringos. Não passa na cabeça a possibilidade de
meu pai ter me matriculado aos 8 anos na Aliança Francesa, no Fisk
e posteriormente CCAA para que eu aprendesse idiomas pelo
método tradicional.

No Day use de um hotel na Via Costeira eu estava com minha


enteada a época (Vivi) e sugeriram que eu falasse com os meus
patrões para ficarem com ela na piscina porque ñ permitiam que
as babás entrassem;

Esses episódios aconteceram no decorrer da sua infância e


adolescência, entre as décadas de 1980 e 1990. No entanto, situações
semelhantes não são raras de acontecer nos dias de hoje. A exemplo disso,
temos as declarações da advogada e mestranda em direito Rayane Cristina
23

de Andrade Gomes, proferidas no evento “Minha presença te incomoda?”.


Este evento, do qual participei como ouvinte, foi realizado pelo Diretório
Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), em setembro deste ano. Entre suas pautas estavam o debate
sobre o racismo, a conquista de direitos, bem como o lançamento do I
Encontro de Negras, Negros e Cotistas da UFRN (ENUF), que objetiva a
discussão sobre a presença de pessoas negras no meio acadêmico e outras
pautas inseridas no contexto racial.
Em seu relato que, infelizmente evidencia a insistência dos discursos
racistas e sexista em nossa sociedade, Rayane Cristina Gomes compartilha
declarações feitas para ela por um professor, em seu primeiro dia de aula na
pós-graduação em Direito. O professor teria dito:

Uma moça bonita como você, tem a pele da cor do Brasil. Me


lembra a grande mãe negra. Não é à toa que os barões ficavam
loucos com aquelas africanas. Foi daí que começou a
miscigenação. Uma das coisas mais bonitas que vi no exterior foram
duas africanas esbeltas que usavam na praia apenas uma túnica
transparente.

A fala desse professor é explicitamente carregada de concepções de


cunho racista e sexista. Nos remete à época escravocrata no Brasil, quando
as mulheres negras escravizadas tiveram sua força de trabalho explorada e
foram destinadas aos serviços no campo, serviços domésticos e serviram
como amas de leite, amamentando os filhos dos seus proprietários. Tiveram
sua sexualidade invadida e foram estigmatizadas como objetos de desejo
sexual.
Falar em miscigenação é também falar em violência sexual. Nesse
contexto é possível encontrarmos diversos relatos históricos que nos
descrevem esse cruel instrumento de dominação do corpo da mulher negra
como forma de opressão por parte dos senhores donos de escravos. Como
esclarece Davis (2013, p. 128),
24

a coação sexual era, antes, uma dimensão essencial das relações


sociais entre os donos de escravos e os escravos. Por outras palavras,
o direito reclamado pelos donos de escravos e seus agentes sobre os
corpos escravos femininos era uma expressão direta dos seus
presumidos direitos de propriedade sobre o povo negro como um
todo. A licença para violar emanou da facilidade da rude
dominação econômica que era o carimbo horrível da escravatura.
O modelo da institucionalização do abuso sexual das mulheres
negras tornou-se tão poderoso que foi capaz de sobreviver à
abolição da escravatura.

Não é raro escutarmos alguém afirmar que as afro-brasileiras possuem


uma beleza exótica e atraente. Contudo, elas possuem pouca
representatividade em segmentos sociais que abarcam as produções
culturais, a publicidade e a mídia em geral. Apesar do corpo da mulher afro-
brasileira ser associado à beleza da mestiçagem entre brancos europeus e
negros africanos, que caracteriza nossa brasilidade, ela é considerada fora
do padrão estético hegemônico em nosso país. Essa beleza vista como
exótica está inserida num contexto de rejeição e admiração ao mesmo
tempo. Como afirma Arraes (2014),

cabelos lisos e loiros, narizes finos, bochechas rosadas, olhos azuis e


axilas claras são alguns exemplos de como a estética ocidental
celebra características brancas como melhores e mais belas. Por
causa dessa padronização, atrizes negras são minoria absoluta e
quase nunca são convidadas para estrelarem na televisão. [...] vale
a pena dedicar um pouco de reflexão ao racismo explícito que
passa todos os dias sem muitos protestos.

Essa invisibilidade das afrodescendentes na mídia brasileira é


constante. As limitadas vezes em que elas são representadas
frequentemente estão inseridas em contextos vulgares, de subalternidade
e/ou luxúria, com exacerbada sexualização de seu corpo. A naturalização
dessa forma de representatividade dificulta nossa capacidade de perceber
situações discriminatórias.
A mídia e as redes sociais apresentam um papel extremamente
influenciador na propagação de ideologias. Portanto, os modos de
25

representações ou sub-representações de pessoas negras nos veículos de


comunicação contribuem para a elaboração e reprodução de
concepções pejorativas sobre sua origem étnica, gerando ideias negativas,
principalmente nas crianças, afetando sua autoestima e saúde mental.
Através da análise de uma campanha publicitária da cerveja
Devassa, podemos ilustrar uma das formas ligada à vulgaridade e à luxuria
em que a mulher negra é representada no imaginário da nossa sociedade
(Figura 9).

Figura 9- anúncio publicitário da cerveja Devassa. fonte:


https://conceitocriativopuc.files.wordpress.com/2015/08/ 5282920433_c775ec74a0_o.jpg

Este anúncio mostra a figura de uma mulher negra acompanhada do


slogan “É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra”. Ele foi
considerado abusivo, por uma parcela dos cidadãos brasileiros, por
apresentar conotações machista e racista. O Ministério da Justiça instaurou
um processo contra a cervejaria Devassa, em 2011, porém, o juiz de direito
responsável pelo caso considerou a denúncia improcedente.
26

As imagens possuem um valoroso poder de propagação de um


pensamento, de uma ideia, que são estruturantes em uma sociedade.
Através delas somos capazes de propagar valores culturais que influenciam
o modo de pensar e agir de uma coletividade, pois elas estabelecem
relações com o mundo. Segundo Duncum (2010, p. 10),

por meio de imagens partilhamos pressupostos sociais sobre o modo


como o mundo é, deveria ser, ou não deveria ser. Todas as imagens
são ideológicas, no sentido de que a imagem surge de uma matriz
de ideias concorrentes, valores e crenças e é sempre feita com um
propósito. Algumas ideologias comuns têm a ver com sexo, raça e
classe.

Nesse sentido, é importante atentarmos para o valor representativo


das imagens e as ideologias que elas são capazes de reproduzir.
27

2. A MULHER NEGRA EM PINTURAS

A representação da mulher negra na pintura sofreu consideráveis


modificações desde o século XIX até os dias atuais. Muitas dessas
representações possuem concepções simbólicas com vestígios do período
escravocrata ou apresentam conotações nos campos do exotismo e do
erotismo. Para entendermos as significações inerentes a essas
representações é preciso, principalmente, entendermos o contexto histórico
e social em que cada obra foi concebida.

2.1 Século XIX

Algumas pinturas do século XIX foram marcadas pelo contexto social


do escravismo trazendo representações da escravatura do negro africano
iniciada no Brasil na primeira metade do século XVI, tendo sua legalidade
abolida em 1888. A obra Negra tatuada vendendo caju, de Jean Baptiste
Debret, é um real exemplo de obra de arte nesse contexto (Figura 10).

Figura 10 - Negra tatuada vendendo caju. Jean Baptiste Debret. Aquarela sobre papel, 1827. Fonte:
http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_jbd_arquivos/jbd_negracaju.jpg
28

A paisagem que compõe essa obra é uma vista da baía de


Guanabara, no Rio de Janeiro. Em sua composição, a obra apresenta uma
mulher negra como personagem central e outras duas em segundo plano. A
personagem em destaque apresenta em seu semblante aspectos emotivos,
podendo ser associados à tristeza e/ou à melancolia. Contudo, ao
considerarmos a posição dos seus braços e da sua mão esquerda, que
segura a cabeça, podemos também associar a um momento pensativo
e/ou de insatisfação.
Danziger (2008) afirma que, “a postura altiva com que a negra, em sua
tristeza, é retratada por Debret, constitui-se num contraponto à sensualidade
e visa minimizar seu poder de sedução, em certa medida, ‘humanizar’ a
escrava”. Danziger segue afirmando que “à sua frente, uma grande bandeja
de cajus reforça a sua sensualidade triste e a exposição de seu corpo, que
compartilha com a fruta - cuja iguaria é situada externamente - o mesmo
destino: mostrar-se, expor-se, ou, mais exatamente, vender-se”.
O artista plástico Jean Baptiste Debret produziu essa obra em 1827
quando estava no Brasil. Debret veio para nosso país em 1816, compondo a
Missão Artística Francesa. Essa Missão objetivou a fundação da Escola de
Artes, Ciências e Ofícios do Rio de Janeiro que mais tarde transformou-se na
Academia Imperial de Belas Artes. Debret dedicou parte dos seus 15 anos de
permanência no Brasil ao ensino e à produção de pinturas. Suas pinturas
possuíam caráter documental, visto que exibiam representações de cenas
típicas do cotidiano carioca, além de cenas oficiais. Dentre suas inúmeras
obras, destaca-se o álbum ilustrado Viagem pitoresca e histórica ao Brasil
(1834-1839) que revela aspectos da natureza e da sociedade brasileiras
daquela época.
Outra pintura produzida por Debret em 1827, que configura a mulher
negra na época escravocrata, é a obra Um jantar brasileiro (Figura 11).
29

Figura 11 - Um jantar brasileiro, Jean Baptiste Debret. Aquarela sobre papel, 1827 Fonte:
http://www.dezenovevinte.net/artistas/debret_02_arquivos/jbd_1827_jantar.jpg

Essa imagem é um registro que remete ao cotidiano de uma família


no Brasil, na primeira metade do século XIX. Ao observarmos essa
representação pictórica veremos o papel servil da mulher negra que abana
o casal formado por pessoas brancas, detentoras do poder social e
econômico. Nota-se que a representação da mulher negra não está no
centro da obra, porém enfatiza claramente sua condição escravizada.
Outras representações de pessoas negras também fazem parte dessa
mesma cena. Na parte direita da obra, podemos observar dois personagens
negros que parecem estar à disposição para servir ao casal. É importante
observarmos que à mesa encontra-se posta uma farta refeição, indicando
tratar-se de um casal de posses. Outro ponto bastante expressivo dessa obra
é a forma como as duas crianças negras estão recebendo pedaços de
comida pela mulher branca. Essa cena nos remete aos momentos de
almoço ou jantar em casas de famílias onde seus animais de estimação
ficam aos pés da mesa a espera de um agrado comestível.
30

2.2 Século XX

Ao observarmos algumas obras produzidas no século XX, ainda


encontraremos pinturas que associam a mulher negra ao período
escravocrata. Tomemos como exemplo a obra A negra, de Tarsila do Amaral
(Figura 12).

Figura 12- A negra, Tarsila do Amaral, óleo sobre tela, 1923. Fonte:
http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_maraliz/tarsila_negra_02.jpg

Em sua composição, a obra apresenta formas geométricas


construtivista ao fundo da pintura, contrastando com a figura da
personagem central que apresenta formas arredondadas de cunho
expressionista. A figura central é uma mulher negra de lábios grossos e
aparência robusta que está sentada de braços cruzados. Apesar dessa obra
apresentar a mulher negra ocupando a maior parte do plano pictórico, sua
expressão corporal não nos remete a um protagonismo positivo, pois sua
expressão facial revela um semblante abatido, com olhar entristecido.
31

Embora o corpo da personagem esteja nu, o processo iconográfico


na construção dessa obra não faz associações com conotações
sensualizadas, mas sim com a função de “amas de leite” a que muitas negras
escravizadas foram submetidas e que nos levam a lembranças de um
período degradante em que a população negra foi explorada e maltratada.
Notemos que as pernas da personagem estão cruzadas. Se levarmos
em consideração os abusos sexuais que as negras escravizadas sofriam, é
plausível interpretarmos essa posição como sendo um ato de proteção. É
como se ela estivesse a resguardar sua intimidade.
Partindo de uma relação contextual entre as obras de Debret,
mencionadas acima, e a obra de Tarsila, podemos afirmar que ambas
possuem caráter de testemunho histórico e social de uma mesma época.
Porém, as obras de Debret possuem teor antropológico e documental, que
revela o olhar do estrangeiro sobre o Brasil no período escravocrata.
Enquanto A negra de Tarsila remete à sua convivência pessoal, durante a
infância, com negras escravizadas que trabalhavam na fazenda do seu pai.
É válido lembrar que no momento em que Tarsila produziu A negra, a arte
brasileira estava num momento de construção de uma identidade nacional.
Assim como Tarsila do Amaral, Emiliano Di Cavalcanti também é um
dos artistas de grande prestígio do movimento modernista brasileiro.
Destacou-se como desenhista, caricaturista e pintor. Em suas obras a figura
feminina era uma constante. “Sua vida boêmia se reflete no gosto de
algumas cenas em que a mulher é o seu tema preferido: brasileira, mulata,
com formas sinuosas e lábios carnudos” (LUZ, 2010, p. 118).
Na obra Samba, Di Cavalcanti faz um registro pictórico de um
momento festivo, revelando uma manifestação da cultura popular brasileira
que é o samba carioca. Essa obra demonstra explicitamente a
hipersexualização do corpo feminino a partir das duas figuras centrais da
pintura composta por duas mulheres seminuas com os seios à mostra. Esse
tipo de representação ilustra a maneira caricata da mulher lasciva em
32

cenários de luxúria em que as mulheres afro-brasileiras são submetidas (Figura


13).
Outra obra bastante semelhante a Samba é a obra também intitulada
como Samba ou como Carnaval ou, ainda, como Mulatos de San Cristobal
(Figura 14). Ambas possuem idêntica contextualização em que a exaltação
e exposição do corpo feminino é intensamente explorado como objeto de
admiração e cobiça.

Figura 13 - Samba, Di Cavalcanti. 1925 Fonte: https://www2.olimpiadadehistoria.com.br/5-


olimpiada/documentos/documento/103

Figura 14 - Samba ou carnaval ou Mulatos de San Cristobal, Di Cavalcanti. 1927. Fonte:


https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/exposicao-na-praca-maua-exibe-tela-de-di-
cavalcanti-inedita-no-brasil-a-obra-prima-abaporu-19819102
33

As personagens femininas retratadas nessas duas obras estão


intimamente ligadas à visão da “mulata formosa” que ressalta a
sensualidade da mulher afro-brasileira associada a conotações machistas
eternizadas em nossa cultura. A conotação representativa da “mulata
formosa” pode ser vista reiteradas vezes nas obras de Di Cavalcanti. Para
esse artista, a “mulata” era considerada um símbolo do Brasil.
Estudos asseguram que a palavra mulata deriva da palavra mula e
sugere a mestiçagem, associada a um contexto depreciativo. De acordo
com Ribeiro (2016),

a palavra de origem espanhola vem de “mula” ou “mulo”: aquilo


que é híbrido, originário do cruzamento entre espécies. Mulas são
animais nascidos do cruzamento dos jumentos com éguas ou dos
cavalos com jumentas. Em outra acepção, são resultado da cópula
do animal considerado nobre (equus caballus) com o animal tido de
segunda classe (equus africanus asinus).
Trata-se de uma palavra pejorativa que indica mestiçagem,
impureza. Mistura imprópria que não deveria existir. Empregado
desde o período colonial, o termo era usado para designar negros
de pele mais clara, frutos do estupro de escravas pelos senhores de
engenho. Tal nomenclatura tem cunho machista e racista. A
adjetivação “mulata” é uma memória triste dos 354 anos (1534 a
1888) de escravidão negra no Brasil.

Porém, é importante ressaltar que, recentemente, a historiadora Lita


Chastan, afirmou, conforme publicado no portal Bahia.ba3, que a palavra
mulata não deriva da palavra mula e sim do termo árabe muwallad, que
significa “mestiço de árabe com não árabe”.
Outra obra que traz a representação da mulher afro-brasileira
associada à sexualidade, à lascividade e ao cenário de luxúria pode ser vista
na obra Mulata em rua vermelha (Figura 15). A cor vermelha predominante
nessa obra pode fazer referência a prostíbulos que, popularmente, são
conhecidos como “casa da luz vermelha”. Essa condição social,
considerada indigna e degradante é revelada no olhar triste e vago da
figura central dessa pintura.

3 Disponível em: http://bahia.ba/entretenimento/historiadora-defende-que-palavra-mulata-nao-vem-de-mula/


34

Figura 15 - Mulata em rua vermelha, Di Cavalcanti. 1960. Fonte:


http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra4717/mulata-em-rua-vermelha

A forma pejorativa de enxergar a mulher afro-brasileira releva não


apenas o imaginário do artista, como também o de uma grande parcela da
população brasileira. Como nos diz Berger (1999, p. 14),

“o modo de ver do pintor reconstitui-se através das marcas que deixa


na tela ou no papel. Todavia, embora todas as imagens corporizem
um modo de ver, a nossa percepção e a nossa apreciação de uma
imagem dependem também do nosso próprio modo de ver”.

Ao refletirmos através dessas e de várias outras obras que compõem o


campo das artes, veremos que desde o início de nossa história a mulher
negra exerceu papeis importantíssimos na formação histórica, social e
cultural de nosso país, seja através da sua força de trabalho, da sua
religiosidade e de ritos culturais decorrentes da sua ancestralidade africana,
que por séculos foi ignorada e menosprezada.
35

2.3 Século XXI

Com o passar dos séculos a representação da mulher negra na pintura


adquiriu novas concepções que estão intimamente associadas à beleza, ao
orgulho de suas características físicas e ao seu poder de ação na sociedade.
A contemporaneidade vem moldando novas visões e interpretações
em torno da figura da mulher negra, que podem ser entendidas como uma
ressignificação do nosso modo de vê-la, a partir de representações que
desconstroem a relação entre a mulher negra e os contextos de
subalternidade e/ou lascividade recorrentes em séculos anteriores, como
vimos no início deste capítulo.
A exemplo desse novo olhar podemos apontar algumas pinturas do
artista plástico Muha Bazila. A partir das obras que compõem a série de
aquarelas intitulada Odara, Bazila expõe a mulher negra de forma altiva. As
composições dessas pinturas se dão de forma simplificada, apresentando
apenas um elemento central formado pela mulher, não havendo
contextualização na área de fundo dessas obras. Porém, podemos
perceber, claramente, através das personagens centrais que as pinturas são
configurações positivas que exaltam a mulher negra (Figuras 16 e 17).

Figura 16- Pintura da série Odara. Muha Bazila, Figura 17- Pintura da série Odara. Muha Bazila, 2013.
2013. Fonte https://www.pinterest.co.uk/pin/ Fonte: https://www.pinterest.co.uk/pin/52734343
280419514275350982/ 7597993089/
36

Outro exemplo de obra contemporânea que revela a figura da mulher


negra não mais de forma depreciativa é a obra A criação de Deus,
produzida pela artista plástica Harmonia Rosales (Figura 18). A obra é uma
releitura do afresco A criação de Adão, pintado por Michelangelo no teto
da capela Sistina, no período renascentista na Itália. (Figura 19).

Figura 18 - A criação de Deus, Harmonia Rosales. 2017. Fonte: https://www.instagram.


com/p/BTuPgk3g_RC/

Figura 19- A criação de Adão. Michelangelo. Século XVI. Fonte:


http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/wp-content/uploads/2016/08/The_Creation_of_Adam-1024x470.jpg
37

A obra de Michelangelo traz em sua composição a representação de


duas figuras centrais que simbolizam Adão, na parte esquerda da tela, e
Deus, na parte direita. Há também a presença de dois elementos
importantes na configuração da cena exposta nessa obra: a figura feminina,
uma suposta representação de Eva, que se encontra envolvida pelo braço
esquerdo de Deus e as figuras de anjos ao redor das figuras de Deus e de
Eva. A partir da cena exposta e pelo próprio título dessa obra podemos
concluir tratar-se do momento em que Deus deu vida a Adão. Essa narrativa
expressa na obra de Michelangelo nos remete à origem da vida humana na
terra, descrita na Bíblia.
Na releitura da obra de Michelangelo produzida por Rosales, os
personagens centrais e secundários foram substituídos por representações de
mulheres negras. Isso nos mostra um novo olhar em relação à obra
renascentista e, nos remete a uma nova perspectiva sobre a figura da mulher
negra. Ao substituir as figuras de Deus, Adão, Eva e os anjos pela figura da
mulher negra, Rosales expõe, claramente, analogias contextualizadas na
visibilidade e, principalmente, na importância da população negra na
construção histórica e social da humanidade.
Considero importante comentar que, em dias atuais, muitos artistas
plásticos “anônimos” produzem desenhos, ilustrações e pinturas que retratam
a mulher negra de forma enaltecedora, evidenciando não apenas suas
características de descendência africana como também sua beleza, sua
atitude de resistência e seu orgulho em pertencer à comunidade
afrodescendente. Através das redes sociais e sites de busca temos fácil
acesso a tais artistas da contemporaneidade.
38

3. ELEMENTOS VISUAIS DA CULTURA AFRICANA

Para dar início à série de pinturas proposta nesse trabalho,


primeiramente foi necessário o estudo sobre elementos visuais que possuem
valores simbólicos inerentes à cultura africana. A partir desse estudo,
identifiquei componentes visuais que possuem importantes teores identitários:
adornos corporais, penteados e cortes de cabelo, a partir dos quais o
afrodescendente reafirma sua identidade e externa o orgulho de sua origem
étnica.
Para a cultura africana,

o corpo é um espaço de manifestação artística, notadamente a


cabeça, orí. Os cabelos e os penteados assumem para o africano e
para os afrodescendentes a importância de resgatar, pela estética,
memórias ancestrais, memórias próximas, familiares e cotidianas”
(LODY 2004, p. 65).

O cabelo afro, também chamado de black power, é considerado um


elemento político em consequência do ativismo negro que buscou, entre
outras coisas, abrir força contra os padrões de beleza estabelecidos pelo viés
eurocêntrico. O termo Black Power, hoje atribuído ao cabelo afro, é fruto do
Movimento dos Direitos Civis protagonizado pela população negra nos
Estados Unidos, no final da década de 1960 (Figura 20). Esse Movimento teve
como base ideológica o enfrentamento do racismo e a reivindicação da
igualdade de direitos civis e teve influência em vários países, inclusive no
Brasil.
39

Figura 20- Foto da ativista dos direitos civis dos negros Angela Davis, nos anos 60.
Fonte:https://br.pinterest.com/pin/106960559879556077/

Outros elementos visuais também possuem significados que vão além


do aspecto estético: os turbantes e as tranças. O turbante é uma vestimenta
constituída por uma grande tira de tecido preso à cabeça de forma cruzada
ou trançada. Sua origem é contestável, porém, através de registros históricos
podemos constatar que seu uso foi adotado por homens e mulheres de
diversificados povos desde a antiguidade como os gregos e romanos, por
exemplo (Figura 21). O uso do turbante também é registrado em diferentes
regiões como na Índia, no Oriente Médio, na África, no sul da Ásia, entre
outros.

Figura 21- Imagem da Grécia antiga. Fonte: https://suporteanoite.files.wordpress.com/2016/07/4.jpg


40

Na África, o uso do turbante está associado à ornamentação corporal,


à espiritualidade, à religiosidade e a funções sociais. Em termos espirituais e
religiosos, “ele é usado para proteger a cabeça que simboliza os
pensamentos e a fé no divino” (BORGES, 2017).
No Brasil, os africanos que aqui chegaram na condição de escravos,
trouxeram consigo práticas culturais que incluem o hábito de usar turbantes.
Desde esse período, o turbante tornou-se um importante objeto de conexão
dos afrodescendentes com sua ancestralidade étnica (Figura 22). Segundo
Borges (2017), as negras escravizadas que tinham a função de mucama
vestiam turbantes na cabeça com tecidos coloridos e, por vezes, sem
coloração (Figura 23).

Figura 22 – Mulher com turbante. Fonte: Figura 23- Mulher negra escravizada usando traje
https://i.ytimg.com/vi/rvDf8yJsteg/maxresdefault.jpg típico africano. foto de 1860. Fonte:
http://mascarenha
santonio.blog.uol.com.br/arch2005-05-08_2005-05-14.html

As tranças de origem africana também carregam bastantes


significados identitários (Figura 24). O uso de penteados como tranças e o
uso de acessórios nos cabelos diferencia as comunidades africanas de outros
grupos étnicos (Figura 25). De acordo com Gomes (2003, p. 82), “o significado
social do cabelo era uma riqueza para o africano. Dessa forma, os aspectos
41

estéticos assumiam um lugar de importância na vida cultural das diferentes


etnias”.

Figura 24 – Ativista Djamila Ribeiro usando trança. Fonte: Figura 25 – Menina usando tranças coloridas. Fonte:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/uplo http://acentraldasdivas.blogspot.com.br/2015/10/10-
ad/direitos_humanos/djamila.jpg estilos-para-divar-com-trancas.html

O uso do dreadlock, também faz parte da cultura africana. Trata-se de


um penteado que entrelaça os fios do cabelo em formatos cilíndricos.
Diversas tribos do território africano utilizam essa forma de ornamentação no
cabelo, que por vezes são tingidos com corantes naturais derivados de raízes
(Figura 26). De acordo com Vieira (2015), para os africanos da comunidade
Himba,

os dreads representam o estado civil das mulheres da comunidade


e o desenho estético também se aplica aos homens. Quando
solteira, as moças andam com o cabelo virado para frente, cobrindo
quase que o rosto inteiro. Assim que se casam, ganham um adorno
de couro e os dreads são jogados para trás, sempre com a
coloração rubra presente. Esta cor é obtida com o uso de um creme
chamado por elas de otjize, feito com manteiga, ocre esfarelado e
argila de tom avermelhado.
42

Figura 26- africanas da comunidade Himba. Fonte: http://www.afreaka.com.br/notas/dreadlocks-


estilo-negritude-e-historia-reunidos-em-um-penteado-milenar/

A utilização do dreadlocks tornou-se muito frequente pelos


afrodescendentes no período pós-abolicionista em vários países que foram
colonizados pelo sistema escravocrata (Figuras 27 e 28).

Figura 27- Dreadlock. Fonte: http://negristylish. Figura 28 - Dreadlock. Fonte:


blogspot.com.br/2014/05/dreadlocks-trancas-e- https://i.pinimg.com/474x/36/2e/21/36
dread-de-la.html
43

Atualmente, esses adornos corporais, turbantes, tranças, dreadlocks e


o black power manifestam não somente a ancestralidade africana, mas
também carregam grande valor simbólico de afirmação cultural e
resistência na militância por direitos civis dos afrodescendentes. Portanto, são
elementos visuais que ultrapassam questões estéticas (relativo à beleza), pois
incorporam instrumentos de atitude política. Como nos diz Lody (2004, p. 85),

o corpo é um dos mais notáveis espaços de representação e


expressão de uma cultura. Para os afrodescendentes do Brasil, os
cabelos são memoráveis distintivos de identidade, de revelação da
luta pela liberdade, pelos direitos de igualdade e cidadania.

Contudo, o sentimento de pertencimento ao grupo étnico de


descendência africana experimenta oscilações de rejeição e aceitação por
parte dos afrodescendentes. Esse sentimento “pode ser, ao mesmo tempo,
doloroso e libertador, consciente e inconsciente” (GOMES, 2008, p. 131). A
aceitação de suas características físicas como a cor da pele e a textura
natural do cabelo afro perpassa por delicados processos individuais, pois é
muito difícil vivenciar as situações depreciativas e discriminatórias em que os
afrodescendentes são colocados cotidianamente. Ferreira (2004, p. 42)
aponta que

“a identidade da pessoa negra traz do passado a negação da


tradição africana, a condição de escravo e o estigma de ser um
objeto de uso como instrumento de trabalho. O afrodescendente
enfrenta, no presente, a constante discriminação racial, de forma
aberta ou encoberta”.

A construção e/ou reafirmação da identidade é um processo de


transformações que está no campo das relações pessoais e sociais, pois se
compõe da interação de um ser com o outro. “A identidade é uma
referência em torno da qual a pessoa se constitui” (FERREIRA, 2004, p. 47). A
construção identitária do grupo populacional formado pelos
44

afrodescendentes encontra muitas adversidades em seu caminho, pois


desde criança seus membros vivenciam a depreciação da sua cultura, em
nossa sociedade.
45

4. A SÉRIE YALODÊ

Ao falarmos sobre questões raciais que incluem violência e


desigualdades sociais existentes em nosso país, automaticamente estaremos
a problematizar questões inerentes ao desumano período em que os
africanos e seus descendentes foram escravizados. Longe de desviar-me
dessa vertente, procurei, inicialmente, uma maneira de dialogar sobre essas
questões sem necessariamente evidenciá-las através da minha pintura, pois
tencionava produzir uma série de pinturas que representassem mulheres afro-
brasileiras de maneira que não as associassem nem ao período escravocrata
nem ao contexto da hipersexualização adotados por diversos artistas ao
longo da história.
Nesse período inicial do meu trabalho tive a oportunidade de assistir à
peça “Debaixo da pele”, do Grupo de Teatro Eureka, aqui do Rio Grande do
Norte. A dramaturgia desse espetáculo aborda a história de luta, sofrimento
e humilhações vivenciada pela população negra no período escravocrata
e, também, suas vivências numa sociedade como a nossa que insiste em
perpetuar atitudes e expressões de cunho racista.
Evidentemente, todos nós em época escolar já estudamos o período
escravocrata ocorrido em várias partes do mundo. Porém, o espetáculo
“Debaixo da pele” me transportou para infinitas sensações de angustia e
tristeza. A arte tem esse poder de nos remeter a um desencadear de
sentimentos, de ideias, de reflexões. Foi impossível conter as lágrimas. As
mensagens transmitidas durante o espetáculo ficaram intensamente
marcadas em minha memória e, sem dúvida, contribuíram fortemente na
expansão da minha visão de mundo e quanto à temática do meu trabalho.
Ao término do espetáculo, muitas ideias foram se embaralhando em
minha mente sobre como eu poderia dar início a minha produção pictórica.
Pois, como dito anteriormente, não intencionava utilizar de forma explícita a
contextualização da escravidão. Nesse sentido, foquei na produção de
46

pinturas que retratassem a mulher afro-brasileira em posição de destaque,


situada na “valorização da beleza negra” através dos elementos visuais
estudados: cabelo black power, turbantes, tranças africanas e dreadlocks.
Nessa perspectiva, dei início aos esboços das obras que fariam parte da série
de pinturas, proposta nesse trabalho.
O uso do sketchbook foi de grande importância nessa fase inicial, pois
através dele pude efetuar estudos de cores e fazer alguns registros de ideias
quanto a composição das pinturas que iriam constituir a série. Essa fase
experimental da produção artística resultou em um conjunto de cinco
esboços que também farão parte da exposição final. O referencial
imagético utilizado foram fotos de mulheres afro-brasileiras inseridas em meu
círculo de amizade que estão integradas no contexto do presente trabalho
(Figuras 29 e 30).
Ainda na fase de experimentações, fui em busca de um título para
nomear a série, que pudesse traduzir esse diálogo entre a resistência das afro-
brasileiras através de suas características corporais e a herança visual
africana. Nesse decurso, me veio a sugestão do nome Yalodê, através de
uma grande amiga, Andréa Lima, uma afro-brasileira praticante do
candomblé de ketu e conhecedora da cultura dos iorubás.
De acordo com o dicionário do idioma iorubá 4, a palavra yalodê
significa alto título, líder entre as mulheres. Nesse sentido, decidi adotá-la
como nome do meu trabalho artístico por entender que transmite, de
maneira contextualizada, a postura de autonomia e poder de ação das
mulheres afro-brasileiras que, através de suas lutas diárias antirracista e
antissexista ressignificam seus direitos civis, que por séculos foram negados.

4Dicionário yorubá/português. Disponível em: <http://umbanda-candomble.comunidades.net/dicionario-yoruba-


portugues>. Acesso em: 13 set. 2017.
47

Figura 29 – Estudo em aquarela. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel,


2017. Foto da autora

Figura 30- Estudo em aquarela. Andreza Lanuza. Aquarela sobre


Papel, 2017. Foto da autora
48

Após os experimentos realizados no sketchbook dei início às pinturas


que fariam parte da série Yalodê.
Aliados à ideia da “valorização da beleza negra”, as primeiras pinturas
da Yalodê também transitam fortemente pelo contexto de luta e resistência
das afro-brasileiras composta pelas ações estruturadas em âmbito coletivo,
a partir de instituições que lutam contra as descriminações raciais e de
gênero como, por exemplo, o Movimento Feminista Negro. De acordo com
Arraes (2014):

o Feminismo Negro é um movimento social e um segmento


protagonizado por mulheres negras, com o objetivo de promover e
trazer visibilidade às suas pautas e reivindicar seus direitos. No Brasil,
seu início se deu no final da década de 1970, a partir de uma forte
demanda das mulheres negras feministas: o Movimento Negro tinha
sua face sexista, as relações de gênero funcionavam como fortes
repressoras da autonomia feminina e impediam que as ativistas
negras ocupassem posições de igualdade junto aos homens negros;
por outro lado, o Movimento Feminista tinha sua face racista,
preterindo as discussões de recorte racial e privilegiando as pautas
que contemplavam somente as mulheres brancas.

Com propriedade, vivencio constantemente as opressões geradas


pelo machismo, pelo androcentrismo e pela misoginia existente em nosso
país. Em razão disso, sou intensamente inserida nos ideais da luta feminista.
Porém, a partir desse trabalho de pesquisa pude perceber a importância da
interseccionalidade erguida pelo Movimento Feminista Negro na busca por
especificidades inerentes à mulher negra. Pois, a luta feminista de mulheres
negras não possui o mesmo ponto de partida que a das mulheres brancas.
Como afirma Audre Lorde, ativista do feminismo negro, “como mulheres,
alguns de nossos problemas são comuns, outros não”5.

5Esta citação da Audre Lorde foi reproduzida por Djamila Ribeiro, em 2015, no artigo “Por um olhar interseccional”,
disponível em: http://lugardemulher.com.br/feminismo-interseccional/
49

Enquanto mulheres brancas lutavam pelo direito à educação, ao


voto, à igualdade de salários, entre outros, as mulheres negras lutavam em
contextos que remetiam ao período da escravidão onde foram submetidas
a posições desumanas de subalternidade não apenas em relação ao
homem, como também em relação à mulher branca. De acordo com Vieira
(2016), “enquanto mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao
estudo, as mulheres negras batalhavam para poderem existir”.
As reflexões acerca dos privilégios que a mim são atribuídos, por eu ser
uma mulher de pele clara, me conduziram ao abandono de visões
limitadoras, ampliando minha percepção sobre as opressões que ocorrem
restritamente com mulheres afrodescendentes em um país que faz distinções
a partir da cor da pele como se fosse um fator determinante para medirmos
nossa capacidade intelectual, nossa idoneidade ou nossa eficiência
produtiva.
As reflexões acerca desses contextos me levaram às composições
pictóricas como as apresentadas nas figuras a seguir.
50

Figura 31- Lila. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel 2017. Foto da autora.
51

Figura 32- Cris. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel 2017. Foto da autora.
52

No percurso das minhas leituras sobre a temática dessa pesquisa


deparei-me com a frase “uma mulher negra feliz é um ato revolucionário”,
que está no artigo O que é ser mulher negra?6 escrito pela militante feminista
Juliana Borges (2015). Essa expressiva frase não saiu mais da minha mente.
Em consequência disso, a produção das minhas pinturas foi intensamente
influenciada por ela e por toda a ideologia que ela carrega, que está
intensamente associada à autoestima e ao poder de ação.
Falar sobre autoestima é, também, falar sobre sensações de angustia
e insegurança que decorrem na oscilação da aceitação e não aceitação
do que somos. Essa sensação está intimamente ligada aos enfrentamentos
diários que vivenciamos ao longo da nossa vida, que refletem intensamente
na nossa maneira de agir com o mundo.
E é nesse contexto que situo as figuras 33, 34 e 35 a seguir.

6 O artigo O que é ser mulher negra? está no site da revista Carta Capital, 2015. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/uma-mulher-negra-feliz-e-um-ato-revolucionario-9107.html.
53

Figura 33- Silvinha. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora
54

Figura 34 – Maria-flor. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora
55

Figura 35- Tays. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora.
56

Embora a valorização da beleza das mulheres negras esteja


atualmente associada ao seu cabelo, sabemos que muitas delas cresceram
ouvindo o conceito de que seus cabelos são “ruins” e a cor da sua pele é
feia. A maioria dos produtos capilares destinados às afrodescendentes eram
formulados com o intuito de alisá-los para que as meninas se encaixassem no
padrão de beleza que atribui ao cabelo liso o sinônimo de belo, higiênico e
mais fácil de cuidar.
Essas atribuições dadas ao cabelo crespo e ao corpo negro são
posicionamentos excludentes que apontam o cabelo liso e a pele clara
como sinônimo de beleza, baseados numa concepção europeia que foi
reproduzida por nossa sociedade ao longo de nossa história. Essa situação
gera uma exclusão social que acarreta a autoimagem negativa. Portanto,
como aponta Gomes (2008, p. 193), “atribuir ao cabelo crespo o lugar da
beleza, representa simbolicamente a retirada do negro do lugar da
inferioridade racial colocado pelo racismo”.
Quando uma mulher afro-brasileira assume de forma positiva seu
cabelo e as características físicas do corpo, que por séculos foram
estigmatizados, assume também sua descendência étnica. Segundo Gomes
(2008, p. 20),

cabelo crespo e corpo podem ser considerados expressões e


suportes simbólicos da identidade negra no Brasil. Juntos, eles
possibilitam a construção social, cultural, política e ideológica de
uma expressão criada no seio da comunidade negra: a beleza
negra.

Essa postura está associada ao sentimento de pertencimento. “Um


sentimento de orgulho em manifestar estilos, maneiras e comportamentos
reveladores de matrizes africanas, ampliando as identidades da
afrodescendência” (LODY, 2004, p. 97). Nesse sentido, achei de grande
importância retratar através das pinturas um composto de ideias que
apontassem principalmente para a contemplação do cabelo crespo
(Figuras 36 a 40).
57

Figura 36- Janaina. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora.
58

Figura 37- Silvinha Alves, Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora.
59

Figura 38- Beijo. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora.
60

Figura 39- Jéssica. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora.
61

Figura 40- Nina. Andreza Lanuza. Aquarela sobre Papel, 2017. Foto da autora.
62

No dia 26 de março desse ano participei, como ouvinte, do III Encontro


Estadual de Mulheres Negras-RN, que teve como tema "Nós por nós -
construção e articulação de mulheres negras do Rio Grande do Norte em
rede no enfrentamento a todo tipo de discriminação”. Nesse encontro foram
discutidos o trabalho doméstico, violência, intolerância religiosa, identidade
e, principalmente, o empoderamento da mulher afrodescendente. Estas
discussões me remeteram ao grau de importância da efetivação de debates
e ações políticas que incentivem o fim de práticas discriminatórias e
excludentes a que as afrodescendentes estão submetidas.
O universo de transformações ideológicas e identitárias que permeiam
a postura de empoderamento da mulher afro-brasileira contemporânea
possui fortes relações com a autoestima e o orgulho de suas características
físicas. O termo empoderamento está associado à atitude de superação e
de protagonismo da mulher afro-brasileira em lugares da sociedade a ela
negados.
Apesar da persistência de discursos racistas encontrados até hoje,
estamos vivenciando, mesmo que timidamente, um processo de valorização
da beleza negra, pelo qual a aceitação dos cabelos crespos é algo que vem
sendo gradativamente difundido, principalmente através de redes sociais e
canais do Youtube. Através desses meios de comunicação, jovens afro-
brasileiras expõem suas vivências. Elas utilizam a internet como ferramenta
para propagar a visibilidade das mulheres negras para que outras mulheres
se percebam enquanto pessoas capazes. São ações positivas de combate
ao racismo que coloca a mulher afrodescendente como protagonista de
sua própria história.
As pesquisas realizadas a partir desses blogs e canais também tiveram
expressiva referência em meu trabalho, pois me levaram a entender muitos
dos processos emocionais envolvidos na reelaboração e aceitação de uma
identidade étnico-racial.
63

As conversas informais que tive com as meninas que retratei na série


Yalodê também constituem significativos e enriquecedores momentos, não
apenas para a composição das pinturas, mas também como aprendizado
para a vida. Em uma dessas conversas, minhas reflexões direcionaram-se ao
meu papel enquanto artista-pesquisadora e sobre meu lugar de fala por
estar abordando uma temática ligada às questões identitárias de um grupo
étnico do qual eu não faço parte. Esses momentos também levaram-me,
mais uma vez, à reflexões sobre o “papel” da arte.
A arte tem múltiplas atribuições. A arte questiona e nos faz pensar. Ela
comunica. Mesmo que a intenção do artista, a priori, não seja propriamente
a comunicação, não podemos negar o poder simbólico e comunicativo
inerentes à arte. “A arte é produto da imaginação criadora, mas é também
problematizadora do real” (FARIA; GARCIA, 2003, p. 59). Ela nos faz refletir
sobre a forma de vermos o que está ao nosso redor e nos permite estabelecer
conexões com o que nos afeta. Como nos diz Salles (2014, p. 45), “o projeto
poético está também ligado a princípios éticos de seu criador: seu plano de
valores e sua forma de representar o mundo”. E é nesse contexto que
encontro meu lugar de fala.
Sabemos que o racismo, não apenas no Brasil como no mundo, não
ficou no passado. Apesar das conquistas e dos avanços políticos e sociais
que tivemos, infelizmente, as práticas racistas e discriminatórias persistem em
permanecer no cotidiano do brasileiro. Essa problemática é
responsabilidade de todos nós. Agir em favor da diversidade é contribuir
para a valorização e o respeito ao ser humano. Enquanto a segregação
racial estiver sendo uma realidade, não haverá mudança, não haverá
superação do sórdido legado escravagista.
64

4.1 A aquarela em meu trabalho

A escolha da aquarela como material artístico na produção da série


Yalodê ocorreu de forma orgânica e desafiadora ao mesmo tempo.
Orgânico, no sentido da fluidez natural em que a aquarela entrou em meu
percurso artístico durante os dois anos que antecedem a produção desse
Trabalho de Conclusão de Curso. Nesse sentido, meu crescente fascínio pela
aquarela conduziu-me espontaneamente à escolha desse material artístico
para a produção da série Yalodê.
E desafiadora por ser, até o momento, um material de pintura do qual
tenho pouca habilidade. Nesse sentido, declaro aqui minhas intensas
dificuldades, tanto no manuseio do material como na produção da pintura,
principalmente por terem sido produzidas em suportes com formatos maiores
que os de costume, já que até então, eu só havia aquarelado em papeis
que não excediam os 27x37,5 centímetros.
Optei por usar suportes maiores (50x65cm) por me oferecerem mais
possibilidades no detalhamento de elementos essenciais que compõem a
proposta desse trabalho e, consequentemente, iriam atribuir mais visibilidade
à temática abordada. Porém, confesso que ao final de toda a produção,
me veio a sensação de que a temática merecia suportes em escalas
gigantescas.
A característica translúcida da aquarela não nos permite cobrir com
uma cor clara algo já pintado com uma cor mais escura. Ou seja, nem
sempre é possível corrigir alguma parte da pintura. Essa propriedade da
aquarela me levou à uma certa insegurança em diversos momentos no
decorrer da produção da série Yalodê, pois temia por tudo a perder.
Na aquarela a cor branca geralmente não é usada, pois o próprio
branco do papel é usualmente reservado de maneira que não receba a
tinta. Essa particularidade por vezes não é fácil exercer. Nesse sentido, muitas
vezes recorri ao uso da tinta branca.
65

Durante meus estudos e buscas por referência sobre as possibilidades


de efeitos que a aquarela nos oferece, firmei intensamente a ideia do “deixar
fluir”, ou seja, permitir que a água siga uma direção de forma quase que
aleatória, com liberdade de fluidez da tinta aguada. É importante ressaltar
que muitas vezes existe um certo direcionamento nessa fluidez e, através
dele, podemos criar borrões de cores fascinantes. Essa forma de utilização
da aquarela é bastante utilizada pela artista Agnes Cecile, que se tornou
uma das minhas maiores referências quanto ao uso desta tinta (Figuras 41 e
42).
No decorrer da produção da série Yalodê, fui conseguindo me
apropriar da “liberdade” que a aquarela nos oferece e fui me desapegando
gradativamente da maneira insistente que tenho de deixar as figuras
delineadas. Resquícios do que faço quando produzo pinturas com tinta a
óleo.

Figura 41- Sem título, Agnes Cecile.2011. Fonte: http://cdn.vectroave.netdna-


cdn.com/wp-content/uploads/2011/08/Silvia-Pelissero-Watercolor-Illustrations-7.jpg
66

Figura 42- Sem título, Agnes Cecile.2011. Fonte: https://orig00.deviantart.net/4085/f/2013/164/

O trabalho do Muha Bazila, aqui já mencionado, também foi um


grande referencial, não apenas na forma das pinceladas, como também na
temática que, assim como o meu trabalho, expõe a figura da mulher afro-
brasileira (Figura 43).

Figura 43- pintura de Muha Bazila. Fonte:


https://gatasnegrasbrasileiras.files.wordpress.com/2015/01/4.png
67

Outros artistas que também tomei como referência quanto a forma de


utilização da aquarela foram: Tilen Ti, Anna Brigitta, Juliana Rabelo, Artilin,
Humid Peach, Mary Whyte, entre outros.
O artista norte-americano Pierre Jean-Louis também foi um importante
referencial da minha pesquisa. Por meio da série Black Girl Magic (Magia das
Meninas Negras), esse artista expõe fotos manipuladas digitalmente, em que
funde o cabelo afro com imagens de temáticas florais e celestiais. Apesar de
serem fotografias e não pinturas, o trabalho dele abarca toda a poética que
também se encontra em meu trabalho. (Figuras 44 e 45).

Figura 44 – Obra de Pierre Jean-Louis, 2016. Fonte: Figura 45- Obra de Pierre Jean-Louis, 2016. Fonte:
http://www.fubiz.net/2016/05/10/cosmic-and- http://www.fubiz.net/2016/05/10/cosmic-and-flowery-
flowery-afro-hairstyles/cosmichair-12/ afro-hairstyles/cosmichair-11/
68

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção da série Yalodê trouxe à tona questões sociais que foram


discutidas em um memorial reflexivo que objetivou incitar reflexões sobre as
mudanças de conceitos culturais, identificando desconstruções de
preconceitos raciais e de valores culturais enraizados. A criação da série
também ensejou considerações sobre a construção e afirmação da
identidade da mulher afro-brasileira, por meio de símbolos relacionados à
herança visual africana, assim como identificar e analisar as diferentes formas
com as quais a mulher negra foi retratada em pinturas dos séculos XIX, XX e
XXI no Brasil. Ainda foi pautado o valor representativo das imagens e as
ideologias que elas reproduzem.
Os estudos desenvolvidos ao longo dos capítulos deste memorial,
resultado da pesquisa em arte, serviram como relevantes referenciais
teóricos para o desenvolvimento poético do meu trabalho artístico. Tendo
como objetivo principal a produção da série de pinturas em aquarela,
percebo que obtive importantes aprendizados não apenas no manuseio da
aquarela, mas também quanto ao assunto abordado. Ao falar sobre racismo
e práticas discriminatórias, pude pensar sob uma nova ótica, pela qual a
empatia e a alteridade me mostraram a importância de refletirmos sobre
situações de que, por vezes, pensamos não fazer parte.
Para a proposta dessa pesquisa, considero como alcançado os
objetivos almejados inicialmente. Como proposto, a série Yalodê é formada
por dez pinturas que retratam a mulher afro-brasileira. Contudo, após
apresentar esse projeto à banca, pretendo continuar a série compondo
outras pinturas dentro dessa temática iniciada nesse TCC, no intuito de
continuar a propagação de representações imagéticas que enaltecem e
valorizam a mulher afrodescendente.
Ao final deste trabalho, as obras produzidas na série serão expostas na
galeria de arte do Departamento de Artes da UFRN.
69

A pesquisa em arte, aqui apresentada, também viabiliza pensarmos a


relação entre a arte e a educação. Ao abordar estudos conceituais
relevantes à sociedade através de uma criação artística, tomando como
referência os estudos da cultura visual, podemos desenvolver práticas
educativas através de significações e modos de ver. Como aponta Rey
(2002, p. 131), a obra de arte “é geradora de linguagem através da
elaboração de códigos formais, abstratos ou concretos, e do processamento
de significados [...] amplia a percepção e o sentido ordinário que se tem das
coisas, dos objetos e das situações”.
Através da leitura de imagens de obras de arte, podemos formular
cognições e percepções do que acontece ao nosso redor. E isso nos permite
florescer para um olhar mais crítico e criador por meio de experiências
estéticas que nos levam a uma formação cultural construída através da
visualidade. Ante a importância da arte em nossa vida estão as
transformações sociais e a nossa formação cultural.
A arte/educação nos permite construir interações multidisciplinares
que favorecem o envolvimento do aluno com conteúdos pertinentes ao seu
desenvolvimento intelectual e estimula construções de ideias autônomas.
Nesse sentido, precisamos entender a arte como algo além do
entretenimento, com base na educação mediada pelas experiências
culturais e a diversidade de linguagens apresentadas pelas artes.
70

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74

REFERÊNCIA CINEMATOGRÁFICA

A NEGAÇÃO DO BRASIL. Produção de Casa de Criação. Direção de


Joel Zito Araújo. Documentário, 2000. Duração: 1h 29min, colorido/PB.
Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=PrrR2jgSf9M&t=1512s>. Acesso em:
20 ago. 2017
75

APÊNDICE - RELATÓRIO DE AÇÃO PEDAGÓGICA

OFICINA DE AQUARELA

A ação pedagógica que desenvolvi no último semestre do meu


percurso como aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ocorreu a partir da
realização de uma oficina de aquarela, que aconteceu no dia 22 de
outubro de 2017, em meu ateliê, localizado no bairro Cidade Satélite, em
Natal/RN. Oito pessoas participaram dessa oficina que foi dividida em
dois turnos, manhã e tarde, com duração total de 8 horas.
Os objetivos principais desta ação pedagógica foram o ensino da
pintura em aquarela, bem como o diálogo sobre práticas racistas, que
são abordadas no meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Como
também abrir espaço para reflexões sobre outros tipos de preconceitos
existentes em nosso país, como a intolerância religiosa e a homofobia,
por exemplo.
A primeira etapa dessa oficina deu-se através de uma breve
palestra sobre o processo de criação das aquarelas que compõem meu
TCC, incluindo minha escolha pela pintura em aquarela e minhas
motivações para a escolha da temática que envolvem a mulher afro-
brasileira contemporânea e a questão da identidade cultural de matriz
africana (Figura 1).
76

Figura 1- Foto tirada na primeira etapa da ação pedagógica no dia


22 de outubro de 2017.

O racismo e a intolerância religiosa foram as pautas mais


comentadas pelo grupo de alunos. A partir desse contexto da
religiosidade, fizemos uma conexão reflexiva sobre o recente episódio
ocorrido na exposição realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Na referida exposição, foi realizado uma performance na qual uma
criança da plateia interagiu com o artista que estava totalmente sem roupa,
deitado no chão. A criança tocou nas mãos e na perna do artista na presença
de uma plateia de espectadores, inclusive na presença dos seus responsáveis
adultos. Essa participação do público estava presente na proposta da
performance. A partir dessa ocorrência, grupos de religiosos fizeram manifestos
na entrada do museu contra essa performance artística.
Diante desse ocorrido, que foi publicado na mídia e em redes sociais,
entramos num diálogo reflexivo sobre a intolerância que algumas religiões
possuem ao ponto de desrespeitar e invadir o direito do outro. As questões
raciais também fizeram parte de nossas reflexões nesse primeiro momento da
aula.
As temáticas abordadas durante essa primeira etapa da oficina foram
imprescindíveis para darmos início à composição das produções pictóricas
que faríamos em seguida, pois a segunda etapa da ação pedagógica foi
77

destinada à produção de pinturas contextualizadas nos diálogos e


reflexões feitas anteriormente (Figura 2).
Apesar do grande interesse pela aquarela, nenhum dos
participantes tinham familiaridade com esse material de pintura. Nesse
sentido, foi preciso introduzir um breve histórico sobre a origem, os
suportes utilizados, os pinceis e algumas características peculiares dos
lápis e tintas aquareláveis.
Os materiais utilizados para realizar essa etapa foram materiais
básicos de pintura: pinceis, tinta aquarela e lápis de cor aquarelável.
Disponibilizei alguns trabalhos que compõem meu portfólio como
referência para que eles pudessem obter amplitude perceptiva quanto
às possibilidades de uso que a aquarela nos oferece.

Figura 2- fotos dos alunos durante a produção das pinturas.

Os resultados obtidos nessa oficina foram bastante satisfatórios, pois


através dela pude mostrar a importância que a arte tem como forma de
transmitirmos ideias e ideologias relevantes para nossa sociedade, bem
como a importância de discutirmos sobre assuntos que nos levam a uma
evolução pessoal e para o bom convívio social. A seguir estão alguns dos
trabalhos produzidos pelos alunos.
78

Figura 3- alguns trabalhos produzidos pelos alunos durante a oficina de pintura.

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