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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE TEORIA DA ARTE E EXPRESSÃO ARTÍSTICA
CURSO DE TEATRO/LICENCIATURA

ANDERSON DAMIÃO FERREIRA DA SILVA

ENVELHECIMENTO E TEATRO: RELATO CRÍTICO DE EXPERIÊNCIA


SOBRE O ENSINO DE TEATRO COM IDOSOS NA UNIDADE DE SAÚDE DE
VILA UNIÃO E NO SESC SANTA RITA

Recife
2015
Anderson Damião Ferreira da Silva

ENVELHECIMENTO E TEATRO: RELATO CRÍTICO DE EXPERIÊNCIA


SOBRE O ENSINO DE TEATRO COM IDOSOS NA UNIDADE DE SAÚDE DE
VILA UNIÃO E NO SESC SANTA RITA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de
Teoria da Arte e Expressão Artística
como requisito parcial para obtenção
do grau de Licenciado em Teatro.

Professor orientador: Luís Augusto


da Veiga Pessoa Reis.

Recife
2015
AGRADECIMENTOS

A Deus, por me guiar e me ajudar nas muitas escolhas difíceis que tive que fazer
durante o curso.

A minha mãe Elizabete, que me dá todo o apoio e toda a estrutura necessária para
batalhar pelo meu futuro.

Ao meu pai Amitair e aos meus irmãos, Hudson e Raildo, bases da minha
construção como pessoa.

A Samara Lacerda, pelo companheirismo, pela amizade, pelo carinho, por sua
paciência e por acreditar em mim, me ajudando a lutar pelas minhas escolhas.

Ao prof. Luís Reis, que provocou em mim a necessidade da pesquisa, a


importância do ensino do teatro, a importância e a necessidade de ser artista, e por ter
confiado em mim, me orientando, não apenas na escrita deste trabalho, mas na minha
formação.

Aos professores do curso de Licenciatura em Teatro, em especial, Marcondes


Lima, Elton Bruno, Roberto Lúcio, João Denys e Izabel Concessa, cruciais na minha
formação.

A Carminha, e a todos os funcionários do Departamento de Teoria da Arte e


Expressão Artística, pelas ajudas em todos esses anos da minha graduação.

Aos meus amigos de curso, que se tornaram amigos para a vida inteira.
Envelhecimento e Teatro: relato crítico de experiência sobre o ensino de teatro com
idosos na Unidade de Saúde de Vila União e no SESC Santa Rita1

Anderson Damião Ferreira da Silva

RESUMO

O presente trabalho pretende expor uma experiência artístico-pedagógica proveniente de


dois grupos distintos de idosos, com uma mesma finalidade que é a de aprender e de fazer
teatro. No grupo da Unidade de Saúde da Família em Vila União, os integrantes, que em
sua maioria eram semi-analfabetos e de baixa renda, não tinham nenhum conhecimento
sobre o teatro e não se caracterizavam como um grupo de fato. Nesse contexto foi
desenvolvido um trabalho de base, com o objetivo de atingir a formação de plateia. A
segunda experiência é a do Grupo Bela Idade, que faz parte do SESC Santa Rita. Um
grupo experiente em que a maioria dos alunos-atores já são iniciados no teatro e/ou já têm
anos de experiência, trabalhando com diferentes metodologias. Ao expor as
características dos grupos, este trabalho pretende apresentar um relato e os contrapontos
existentes nas bagagens teatrais presentes em cada experiência. Como em qualquer grupo,
as pessoas que os compõem são diferentes. Sobretudo quando estamos lidando com
pessoas que têm longas e diferentes trajetórias de vida. Além de que o teatro e a educação
podem conceber uma retomada do papel social do idoso na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Teatro. Idosos. Pedagogia do espectador. Memória.

1
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação, sob orientação: do Prof. Dr. Luís Augusto da Veiga
Pessoa Reis, apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso 2, ministrada pelo professor
João Denys Araújo Leite, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Teatro.

4
INTRODUÇÃO

Este artigo expõe uma reflexão crítica sobre o ensino de teatro para idosos,
baseada em minha vivência com dois grupos bem distintos, na vida e no teatro.

O interesse pelo tema deste trabalho surgiu após a minha primeira experiência, em
2013 e em 2014, com teatro e idosos, em um projeto de extensão da UFPE (Universidade
Federal de Pernambuco). As inquietações e o desejo de ampliar meus estudos nessa área
se intensificaram quando fiz o meu estágio no SESC Santa Rita, em 2014 e em 2015. Na
ocasião, fui convidado a integrar a equipe que trabalha com teatro na terceira idade nessa
instituição.

Após o trabalho com esses grupos, era necessário que eu, como estudante,
buscasse entender e criar alguns paralelos entre o ensino de teatro e os alunos idosos,
investigando diferentes metodologias. No primeiro grupo, devido a diversas
contingências, optamos por trabalhar com a recepção teatral, formando espectadores
ativos. Buscamos também a retomada do papel social do idoso. Segundo Flávio
Desgranges “[...] formar espectadores consiste também em estimular os indivíduos (de
todas as idades) a ocupar o seu lugar não somente no teatro, mas no mundo.”
(DESGRANGES, 2015, p. 37). O próprio Desgranges ainda afirma que

Tornar o espectador iniciante mais íntimo da arte teatral e estimulá-lo


para um mergulho divertido amplia sua capacidade de apreender o
espetáculo e favorece sua socialização, seu acesso ao debate
contemporâneo, sua integração e participação sociais.
(DESGRANGES, 2015, p.36)

O segundo grupo, já ambientado com o fazer teatral, trabalhou com a técnica do


teatro-jornal, de Augusto Boal, aliado à memória dos idosos. Em que medida, e de que
maneiras, o trabalho com idosos em pedagogia do teatro pode contribuir para o
fortalecimento desses sujeitos, não somente no âmbito da saúde e da socialização, mas
principalmente no campo da expressão artística?

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Este artigo detalhará os caminhos seguidos pelos dois grupos, cada um com suas
metodologias e com seus entendimentos do funcionamento do teatro. Antes, um breve
olhar sobre os estudos da velhice, mostrando diferentes tipos de envelhecimento, para que
se entendam alguns fatores biológicos e sociais presentes nos grupos. Nesse percurso
autores como Beatriz Pinto Venâncio, com sua dramaturgia da memória; Flávio
Desgranges, fundamental para o entendimento da importância da apreciação dos
espetáculos teatrais, das possibilidades de considerar essa ação como arte e a pedagogia
envolvida nisso; Augusto Boal, não somente com a técnica do teatro-jornal, mas também
o seu modo de incluir atores e não-atores, de forma dinâmica no processo, já que os dois
grupos analisados têm como uma das principais diferenças o conhecimento e o não
conhecimento do teatro. Além da técnica do teatro-jornal; Beatriz Ângela Vieira Cabral,
e o drama como uma ferramenta eficiente para o controle e para a relação com a
improvisação e o teatro, trazendo outras maneiras de os alunos se relacionarem com os
jogos e os exercícios propostos; Emanuella de Jesus e a dramaturgia de pertencimento; e
Elisabeth Sene Costa, Sônia de Amorim Mascaro e Ana Paula Cordeiro aliando a saúde,
o estudo da pessoa idosa e a arte.
Em seguida, serão detalhadas as duas experiências, com suas pretensões, questões
e resultados, voltados ao ensino a esse público específico. Ao final, uma conclusão sobre
as questões levantadas durante o relato, os pensamentos e os questionamentos presentes
neste trabalho.

É importante perceber os caminhos similares e os caminhos distintos, suas


conexões e a forma de lidar com o teatro baseado nas vivências de pessoas que estão na
terceira idade. A sociedade contemporânea, no geral, tem um olhar específico sobre os
idosos. Muitos acreditam que eles já estagnaram seus conhecimentos e sua sede de
aprender. É necessário mostrar que não há limite de idade para conhecer e para explorar
coisas novas, sobretudo quando falamos de arte.

Pela necessidade de entender como o teatro funciona para o público da terceira


idade, este artigo revela as sensações e o encaminhamento, desde a apreciação estética de
espetáculos e suas linguagens, até um trabalho inspirado na técnica do teatro-jornal
relacionado com a memória dos idosos.

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ESTUDOS SOBRE A VELHICE

O estudo teatral voltado para o público idoso ainda é pouco difundido no Brasil.
Ao se falar em velhice, a maioria dos jovens acredita que esse estágio da vida demorará
muito a chegar. Esquecemos que viver é envelhecer.

A fim de contribuir para uma melhor compreensão da minha experiência com o


ensino do teatro para os idosos, é necessário entender o que é a velhice, como se relacionar
com ela, quais os seus limites e suas peculiaridades.
Uma pessoa poderia ser considerada idosa aos 45 ou 55 anos? Isso depende de
vários fatores, dentre eles a época em que ela está inserida. Hoje, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) classifica cronologicamente como idosas as pessoas com mais de 65
anos de idade em países desenvolvidos e com mais de 60 anos em países em
desenvolvimento. No Brasil, a Lei nº 10.741/03 considera idoso as pessoas com idade
igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
É difícil encontrar alguém, nos dias atuais, que se sinta velho aos 50 anos, como
Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, que dizia “Cinquenta anos! Não é ainda
a invalidez, mas já não é a frescura. Venham mais dez, e eu entenderei o que um inglês
dizia, entenderei que ‘coisa é não achar já quem se lembre de meus pais, e de que modo
me há de encarar o próprio ESQUECIMENTO”. (Apud: MASCARO, 2004)

Todos nós nos imaginamos como estaremos daqui a 20 ou 30 anos. O tempo passa
para todos, sabemos, mas e são os outros que percebem nossas mudanças. É mais fácil
percebermos as marcas do tempo em outras pessoas do que em nós mesmos.

Nas últimas décadas, a sociedade passou a se preocupar mais com o


envelhecimento, pois a quantidade de idosos está crescendo progressivamente.
Entretanto, essa preocupação ainda não está presente em todos os países. Há uma grande
diferença entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Enquanto os mais
desenvolvidos criam estruturas para uma melhor qualidade de vida para os idosos, os
outros deixam o numero de idosos crescerem sem se reorganizarem socialmente,
deixando a desejar numa estrutura básica de saúde, por exemplo.

7
De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que em 2050 existam cerca de
dois bilhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo. A expectativa no Brasil, bem
como em todo mundo, é de que existirão mais idosos do que crianças abaixo de 15 anos,
fenômeno nunca antes observado. É necessário criar, ainda mais, políticas de
desenvolvimento para o público idoso, deixando apenas de contar números e trabalhando
para uma qualidade de vida melhor.

Ao falarmos de velhice, muitos autores definem o envelhecimento a partir de


quatro critérios: o cronológico, o biológico, o psicológico e o social.

Idade Cronológica

A idade cronológica é simples. Ela mensura a passagem do tempo decorrido em


dias, meses e anos desde o nascimento.

Para Schneider & Irigaray (2008), a idade cronológica refere-se somente ao


número de anos que têm decorrido desde o nascimento da pessoa, portanto não é um
índice de desenvolvimento biológico, psicológico e social, pois ela por si só não causa o
desenvolvimento.

Por isso, podemos afirmar que a idade cronológica é um fato pré-determinado,


passando a ser apenas uma forma padronizada de contagem dos anos vividos e deixando
de ser um marcador preciso para as mudanças que acompanham o envelhecimento, uma
vez que existem variações de diferentes intensidades relacionadas ao estado de saúde, à
participação e aos níveis de independência entre pessoas mais velhas que possuem a
mesma idade.

A idade cronológica é um dos meios mais habituais de se obter informações sobre


o envelhecimento.

Idade Biológica

Ser idoso não significa estar doente, assim como ser jovem não é necessariamente
sinônimo de saúde. A idade biológica está relacionada ao envelhecimento das células que,

8
por sua vez, está diretamente ligado aos hábitos e à qualidade de vida. E essa idade
biológica poderá ser corrompida por fatores evitáveis que interferem na idade cronológica
e causam o desequilíbrio.

Vejamos um caso de duas alunas do Grupo Bela Idade. Uma é a mais velha do
grupo e a outra é uma das mais novas. Se olharmos de uma maneira superficial para idade,
chegaremos à conclusão de que a mais velha tem problemas de locomoção, visão, pele
flácida e assim por diante; a mais nova estaria, no mínimo, em condições melhores. Nesse
caso, a mais velha se locomove para as aulas em transporte coletivo, faz várias atividades
(além do grupo) durante a semana: dança, faz compras num mercado movimentado da
cidade, entre outros. Enquanto a mais nova tem problemas crônicos na coluna, tem
fibromialgia (síndrome que provoca dores por todo o corpo por longos períodos), não
pode subir escadas, fazer exercícios físicos, precisando ficar em repouso sempre que
possível.

Esse exemplo reforça a ideia de que a idade é muito mais que um fator apenas
cronológico. É comum nos depararmos com frases desanimadoras quando algumas
ilustrações e reportagens falam sobre o idoso. Por exemplo: “quando a nossa máquina
começa a falhar”, “estragos provocados pelos anos”, “decadência”, “enfraquecimento”
ou “deterioração progressiva”. (MASCARO, 2004) A velhice não é uma doença. É claro
que, com o passar dos anos, não teremos o mesmo vigor físico da juventude, mas não é a
idade, se nos cuidarmos bem, que determinará nossas fragilidades ou doenças.

Por isso, é também importante diferenciar a senescência e a senilidade. A


senescência é o período em que o declínio físico e mental é lento e gradual, ocorrendo em
alguns indivíduos na casa dos 50 e, em outros, depois dos 60 anos. A senilidade se refere
à fase do envelhecer em que o declínio físico é mais acentuado e é acompanhado da
desorganização mental. Lembrando que a senilidade é um processo patológico e que pode
surgir com o envelhecimento, porém não está condicionado a ele. Entendendo isto:
algumas pessoas podem se tornam senis relativamente jovens; outras, antes dos 70 anos;
outras, porém, nunca ficam senis, pois são capazes de se dedicarem a atividades criativas
que lhes conservam a lucidez até a morte (ROSA, apud ANDREA, 2010).

9
De acordo com o Dr. Fernando Andréa, mestre em Ciências Médicas da Faculdade
de Medicina pela Universidade de São Paulo – USP, “só 5% dos velhos padecem de
senilidade.”

Concordo com o pensamento de Emanuella de Jesus (2014), quando diz que a


questão é pensar em como envelhecer da melhor maneira, e de que forma o teatro poderia
contribuir para uma velhice mais saudável e mais prazerosa, ou seja, para ajuda a evitar
o desenvolvimento da senilidade.

Idade Psicológica

O conceito de idade psicológica pode ser usado em dois sentidos. Um é


equivalente ao significado de idade biológica, muito próximo ao conceito de senescência,
e refere-se à relação que existe entre a idade cronológica e as capacidades, tais como
percepção, aprendizagem e memória. O segundo uso do conceito de idade psicológica
tem relação com o pensamento subjetivo de idade. Por isso, depende de como cada
indivíduo avalia a presença ou a ausência de marcadores biológicos, sociais e psicológicos
do envelhecimento em comparação com outras pessoas de sua idade. Se um indivíduo
não concordar com sua idade, podemos associar ao aspecto de senilidade, causando
depressão e outras doenças.

O ideal é que se conquiste uma boa estrutura mental, em que as pessoas sejam
capazes de se adaptarem aos problemas, que enfrentamos desde jovens, sendo hábeis para
descobrir soluções, encontrando um equilíbrio.

A Idade Social

A idade social é relacionada às normas, às crenças e aos estereótipos. Essas


normas constroem o relógio social, que determina o que as pessoas numa determinada
época histórica, sociedade, cultura, devem ou não fazer. Exemplos: a idade certa de ir
para a escola, de sair da escola, de escolher uma profissão, de começar a trabalhar, a idade
de se casar, de ter filhos, de se aposentar, de não usar mais um determinado tipo de roupa,
entre outros. De acordo com Mascaro,

10
Na enciclopédia intitulada O grande proprietário de todas as coisas,
uma compilação medieval dos escritos do Império Bizantino, as idades
da vida correspondiam aos sete planetas. A primeira idade é a infância,
que dura até os sete anos. A segunda idade é chamada de puerilidade e
vai até os 14 anos. A terceira é chamada de adolescência, e pode
estender-se até os 30 ou 45 anos, e corresponde à fase da procriação. A
quarta idade é chamada juventude e chega até os 45 ou 50 anos.
Segundo Aristóteles, essa é a idade da plenitude das forças e da
capacidade do individuo de ajudar aos outros e a si mesmo. A quinta
idade é chamada de senectude, estendendo-se até os 70 anos. A partir
dos 70 anos, segue-se a fase da velhice. E a última parte da velhice é
chamada de senilidade. (MASCARO, 2004, p.39)

Esse relógio social é reajustado quando as pessoas contrariam as normas


estabelecidas e transformam as normas existentes. A sociedade sempre encontra um modo
de estipular os marcos da idade. No entanto, como pudemos observar, a “idade da velhice”
é relativa e não pode se aplicar a todas as pessoas igualmente.

Além de tudo isso, não podemos esquecer das condicionantes sócio-econômicas


que determinam condições de trabalho capazes de acelerar ou de retardar os processos de
envelhecimento. Uma pessoa nascida numa família burguesa, gozando dos benefícios de
sua posição social, provavelmente terá mais chances de se conservar saudável do que, por
exemplo, uma pessoa nascida em uma comunidade carente, tendo que lutar desde cedo,
pela sobrevivência diária.

Assim, pudemos ter uma breve visão dos diferentes critérios que definem o
envelhecimento e construir uma base sobre o que é a velhice, parte importante para o
entendimento da funcionalidade do teatro para este tipo de público, que enfocarei nos
itens seguintes.

ESTUDOS DO TEATRO PARA IDOSOS

É perceptível o crescimento da quantidade de grupos e de pesquisas


(sobressaindo-se os relatos de experiência) sobre o ensino de teatro para o público idoso.
Sem ser exaustivo, busco apresentar aqui alguns dos mais recentes autores no Brasil
relacionados a essa área, bem como suas pesquisas.

11
Nomes como Beatriz Pinto Venâncio2, responsável pela criação de diversas
pesquisas sobre o funcionamento da memória dos idosos para construções de cena, com
seus livros Pequenos espetáculos da memória e Breve dramaturgia da memória: oficina
de teatro com idosos, ambos em 2008; Ana Paula Cordeiro3, em Envelhecer com Arte: o
teatro e seus benefícios para a vida da pessoa idosa (2010), em que demonstra que por
meio de oficinas de jogos teatrais e do diálogo democrático, a pessoa idosa é capaz de
criar peças teatrais coletivas, tendo como mote suas memórias e suas histórias de vida;
Neyde Veneziano4, em seu artigo Teatro intergerações: processo e resultado de um
espetáculo jovem e idoso (2004), trazendo à tona a importância/possibilidade do trabalho
de teatro com idosos e jovens; Emanuella de Jesus5, em Processos Criativos com Alunos-
Atores Idosos: Caminhos para uma Dramaturgia de Pertencimento (2014), dissertação
no Mestrado em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que
trata da dramaturgia da memória, aliada à importância do sentimento de pertencimento
que os alunos-atores têm ao encenar sua própria história; Graciele Barbosa de Moraes

2
Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (1980), mestrado em Serviço
Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1985) e doutorado em Teatro pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2004). Atualmente é professora associado I da
Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Envelhecimento, com ênfase nos estudos
de memória, atuando principalmente nos seguintes temas: serviço social e formação profissional,
envelhecimento, memória, teatro e teatro comunitário.

3
É formada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista e é Mestre e Doutora em Educação pela
Universidade Estadual Paulista. Atualmente é docente lotada no Departamento de Didática da Faculdade
de Filosofia e Ciências – UNESP- Campus de Marília – SP. Coordena, desde 1999, o Projeto “Oficinas de
Teatro da UNATI (Universidade Aberta à 3ª Idade) – UNESP de Marília”.

4
Doutora e livre docente em teatro pela ECA/USP, professora no Instituto de Artes da UNICAMP, autora
dos livros “Teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções” e “A cena de Dario Fo: o exercício da
imaginação.

5
Graduada em Licenciatura em Educação Artística/Artes Cênicas pela Universidade Federal de
Pernambuco (2004). Tem experiência na área de História da Cultura Pernambucana, com ênfase no
teatro infantil. Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente
dedica-se à pesquisas relacionadas ao ensino do teatro para o idoso.

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Barros6; Cláudia Madeira; Rita de Cássia da Silva Oliveira7, em Teatro na terceira idade:
possibilidades e limites de uma prática cênica e Teatro na terceira idade: uma
possibilidade de emancipação e auto-conhecimento, ambos em 2014, nessas publicações,
as autoras tratam do papel do teatro na terceira idade como promotor de um estado de
atividade individual nos níveis físico, mental e social, que permita a manutenção da auto-
valorização do idoso.

É difícil mensurar a quantidade de grupos de teatro que são compostos por idosos,
sendo intergeracionais ou não. Cada cidade do Brasil que tenha alguma força em teatro
muito provavelmente terá algum grupo, talvez ligado a unidades de saúde, ou a grupos de
apoio à pessoa idosa, a universidades, entre outros. Assim, os grupos passam a produzir
mais artística e profissionalmente, procurando mostrar os seus trabalhos para a sua própria
comunidade ou participando de festivais, atingindo um público mais amplo. No ceará, foi
criado em 2013 o I Festival de Teatro da Terceira Idade de Fortaleza (FESTIDADE), um
dos únicos festivais criados para suprir a nova demanda que esses grupos de teatro
suscitam. O festival não conta com patrocínios, mas a entrada é gratuita. Em 2015,
ocorreu o II FESTIDADE, nos dias 13, 14 e 15 de outubro, com sete produções teatrais,
entre peças e esquetes.

É necessário que essas produções também gerem estudos voltados para essa área.
Como toda “nova descoberta”, é imprescindível que se produzam mais estudos e
reflexões, para que essa abordagem teatral cresça qualitativamente.

6
Graduada em História-Bacharelado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2009). Mestre em Artes
Cênicas pela Universidade Nova de Lisboa - Portugal(2014). Tem Experiência na área de educação com
ênfase em estudos teatrais. Professora de teatro na Universidade Aberta à Terceira Idade(UATI) pela
UEPG. Participante de projetos sociais voltados ao teatro no Centro de Estudos Cênicos Integrados(CECI)-
Ponta Grossa-Pr e realiza projeto teatral no Parque Histórico de Carambeí-Pr.

7
Pós Doutora em Educação -Universidade de Santiago de Compostela (2011). Coordena o Curso da
Universidade Aberta para a Terceira Idade e o Curso da Universidade Continuada para a Terceira Idade na
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Coordena as linhas de Pesquisas intituladas Políticas Públicas e
Educação permanente de Jovens, Adultos e idosos e Envelhecimento, maturidade e velhice. É bolsista
Produtividade em Pesquisa - CNPq. Membro da Latin American Research Network on Ageing (LARNA) of
the Oxford Institute of Ageing at the University of Oxford.

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AS DESCOBERTAS DO ENSINO DE TEATRO EM VILA UNIÃO

O meu primeiro contato com o ensino de teatro para idosos foi com o projeto Arte
e saúde: promovendo a comunicação e a capacidade funcional em idosos através do
teatro, coordenado pela Profª. Drª. Vanessa Lima8 do Departamento de Fonoaudiologia,
com equipe interdisciplinar formada pelos professores doutores Luís Reis9, do
Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, e Kátia Magdala 10, do
Departamento de Terapia Ocupacional, nos anos de 2013 e 2014.

Esse projeto aconteceu na comunidade de Vila União, situada no bairro do


Barbalho-Detran, na cidade do Recife. Convidado pelo professor Luís Reis, entrei na
equipe, que era formada ainda por outros oito estagiários, três de teatro; três de terapia
ocupacional; e duas de fonoaudiologia. Além das pessoas ligadas à universidade, havia a
equipe da Unidade de Saúde da Família (em que se desenvolvem grupos de hipertensão,
diabetes, puericultura e de gestantes), composta por médica, enfermeira e quatro ACS
(agentes comunitários de saúde).

Os encontros aconteciam semanalmente, alternando-se entre reuniões da nossa


equipe e as aulas com as idosas11. Elas também começaram a se encontrar semanalmente,
alternando entre consultas/encontros com as agentes de saúde. Logo, só nos
encontrávamos, efetivamente, com elas, a cada 15 dias, nas quintas-feiras das 14h às 16h.

8
Possui graduação em Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2004), mestrado em
Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (2007) e doutorado em Saúde Pública pelo
Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães - Fiocruz (2012). Atualmente é professora adjunta da Universidade
Federal de Pernambuco. Atua principalmente nos seguintes temas: Saúde do Idoso, Epidemiologia,
Fonoaudiologia e Planejamento e gestão em saúde.
9
Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis é jornalista e professor do Departamento de Teoria da Arte e
Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco, onde coordena o curso de Licenciatura em
Teatro. Também na UFPE, concluiu mestrado em Comunicação Social (UFPE - 2003) e doutorado em
Teoria da Literatura (UFPE-2008), com tese sobre o pensamento teatral de Hermilo Borba Filho.
10
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de Pernambuco (1988). Mestre (1999) e Doutora
(2012) em Saúde Pública pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fiocruz. Docente da Universidade
Federal de Pernambuco (Departamento de Terapia Ocupacional). Experiência na área de Terapia
Ocupacional, com ênfase em Gerontologia, atuando principalmente nos seguintes temas: idoso,
envelhecimento, saúde coletiva, gestão em saúde, linguagem, institucionalização de idosos.
11
Usarei idosas, no gênero feminino, por ter enorme maioria de mulheres entre os participantes do grupo.

14
Nossos encontros aconteciam no terraço do antigo Casarão do Barbalho (prédio
tombado, que atualmente funciona como uma escola municipal do Recife, voltada para o
ensino fundamental).

Nossas alunas idosas apresentavam baixíssima escolaridade e precária situação


socioeconômica. Muitas tinham sérios problemas de saúde que dificultavam na
locomoção, até numa simples situação de estar de pé durante algum exercício. As
dificuldades do ensino de teatro, para alunos que não sabem ler ou escrever são enormes.
Era necessário que pudessem entender o funcionamento do teatro, arte democrática,
percebendo que todo tipo de pessoa pode aprender e apreciar teatro, indo além de suas
limitações, cabendo a nós, darmos subsídios para esse entendimento.

Ao sermos convidados para essa primeira experiência em teatro com os alunos


idosos, pensávamos que encontraríamos o seguinte cenário: um bom espaço de trabalho;
um grupo de idosos consolidados há um bom tempo; e, o melhor: motivados para aprender
teatro. Essa “tríade”, idealizada, logo se mostrou totalmente distinta do que de fato
encontramos. O espaço era muito pequeno, usado como depósito de cadeiras e adaptado
para nós. Não havia o necessário silêncio, tínhamos que competir com os barulhos de uma
construção de vilas habitacionais ao lado do Casarão e também enfrentávamos o barulho
característico do recreio das crianças que frequentavam a escola.

A proposta inicial era a montagem de um espetáculo de teatro. Porém, logo


percebemos que elas não estavam preparadas para atuar. Na realidade, qualquer
entendimento da palavra teatro ainda era algo muito vago para elas.

O grupo, no sentido literal de conjunto de indivíduos, era formado inicialmente


por 2 homens e 18 mulheres. Eram pessoas que não tiveram uma boa qualidade de vida,
ficando desgastadas fisica e mentalmente pelos desafios enfrentados. Uma dessas idosas,
por exemplo, que trabalhou grande parte da sua vida como cortadora de cana-de-açúcar,
tinha 70 anos, mas não seria surpreendente se alguém pensasse que ela já tinha 90. Essa
situação não era um caso isolado.

Nos primeiros encontros, percebemos que teríamos um enorme desafio. No grupo,


composto pelos professores e estagiários, não havia ninguém com experiência na área do
ensino de teatro para idosos. No entanto, havia em todos nós um inequívoco desejo de

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aprender um pouco sobre esse tema; havia muita disposição para enfrentar o desafio. As
professoras de saúde, Kátia Magdala e Vanessa Lima, diferentemente, tinham ampla
experiência no trato com o idoso.

Os idosos de Vila União foram convidados a participar desse projeto pela equipe
de saúde, que viu uma boa oportunidade de aprendizado para aquelas pessoas. No entanto,
será que os idosos realmente desejavam participar de um grupo de teatro? Eles estavam
utilizando sua autonomia para buscar outras possibilidades de aprendizado ou foram
convencidos a estar no Casarão sem entender o que estavam fazendo por lá? Para se
fazer/estudar teatro, é preciso que se tenha um mínimo de vontade. Não se pode impor
que alguém atue, principalmente sem ter algum entendimento dos caminhos e das
possibilidades que o teatro tem a oferecer.

Propomos de início um aquecimento, além de alguns exercícios para construção


de cena. Os idosos presentes no nosso primeiro encontro estranharam as propostas e
resistiram a elas. Na nossa avaliação, percebemos que a atuação assustou aquele grupo.
Atuar pressupõe estar exposto, ser visto. Era algo que incomodava. Isso era natural, já
que era o primeiro contato delas conosco e com o teatro. Para elas, a possibilidade de
representar, de brincar, de fazer poesia era algo desconhecido – ou esquecido.

Nos primeiros dois encontros, os dois únicos homens do grupo desistiram. Saíram
por acharem, de acordo com eles, que a arte do teatro era coisa apenas para mulheres. Em
dias esporádicos, um dos homens aparecia, talvez por engano, no espaço de aula,
acreditando ser o dia em que seria atendido para consulta médica, indo embora, quase
sempre, na metade da aula. O grupo se tornou um grupo de mulheres idosas. E foi no
período de acomodação a toda essa situação que descobrimos que as idosas presentes não
se conheciam propriamente, a rigor, não eram um grupo, muitas nem sequer sabiam o
nome das colegas.

Agora, o nosso planejamento inicial não existia mais. As idosas não eram um
grupo e não sabiam o que era teatro. Ao serem questionadas sobre o significado do teatro,
as respostas mais comuns tinham como parâmetro a teledramaturgia. Tal posicionamento
não é surpresa, especialmente no Brasil, país em que temos uma grande diversidade de
novelas, atingindo de maneira mais efetiva o espectador, por meio da televisão. A busca
do fortalecimento do grupo e de fazê-las entender o funcionamento do teatro foi o ponto
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de partida para que apresentássemos a proposta da pedagogia do espectador. Por que
espectadores?

Portanto, a pedagogia do espectador está calcada fundamentalmente em


procedimentos adotados para criar o gosto pelo debate estético, para estimular
no espectador o desejo de lançar um olhar particular à peça teatral, de
empreender uma pesquisa pessoal na interpretação que se faz da obra,
despertando seu interesse para uma batalha que se trava nos campos da
linguagem. Assim se contribui para formar espectadores que estejam aptos a
decifrar os signos propostos, a elaborar um percurso próprio no ato de leitura
da encenação, pondo em jogo sua subjetividade, seu ponto de vista, partindo
de suas experiências, sua posição, do lugar que ocupa na sociedade. A
experiência teatral é única e cada espectador descobrirá sua forma de abordar
a obra e de estar disponível para o evento. (DESGRANGES, 2015, p.30)

O objetivo geral do projeto era observar e estimular a capacidade funcional dos


idosos por meio do teatro. Nós, de teatro, pesquisamos os primeiros contatos do grupo
com esse tipo de arte e a capacidade de se tornarem espectadores ativos, ou seja, um
espectador crítico, capaz de analisar, por exemplo, as interpretações e os elementos
visuais e sonoros que constituem um espetáculo teatral. Nossa busca era pela autonomia
dessas idosas, principalmente no que diz respeito ao entendimento da arte teatral. Como
mostrar a importância do espectador no teatro? O que é importante aprender para se tornar
um espectador ativo?

Para iniciá-las na linguagem teatral e no seu funcionamento, dividimos o ano de


2013 em mini aulas, mini encenações e visitas a teatros. As mini aulas aconteciam num
formato de oficina, para que o grupo observasse, entendesse e identificasse os elementos
visuais e sonoros que, no geral, constituem um espetáculo. As mini encenações, muitas
vezes incorporadas às mini aulas, eram pequenas cenas feitas no nosso terraço do Casarão,
pelos estagiários de teatro, contemplando algum componente trabalhado em aula, para
que assim as idosas pudessem identificar e debater esses elementos aliados também à
interpretação. As visitas aos teatros tinham como objetivo primeiro mostrar como era um
espaço físico de um teatro - já que nenhuma delas nunca havia pisado em uma casa de
espetáculos - aliando também a relação dos elementos e cênicos público nesse espaço.

“A aprendizagem da linguagem teatral, em seus diferentes domínios, buscava


oferecer instrumentos aos participantes para um diálogo mais intenso com os
espetáculos.” (DESGRANGES, 2015, p.54)
17
Antes de iniciarmos cada mini aula, sempre propúnhamos exercícios que
estimulassem a cognição e a aproximação do grupo com a cena, mesmo que
indiretamente. Vejamos os exemplos de três jogos que agradaram e estimularam as
idosas: 1- Jogo do espelho - Objetivo: Trabalhar o corpo e atenção para cenas. Cada
componente do grupo escolherá um parceiro, em que um deles será o espelho e o outro o
comando. O espelho deverá repetir os gestos e movimentos do comando como: pentear-
se, pular, expressar caretas, abaixar, etc. simultaneamente. Depois o espelho passará a ser
comando e o comando, espelho.

Figura 1 - Jogo do espelho

2- Jogo das frutas – Objetivo: Estimular os sentidos e as sensações causadas pelo


exercício por meio de frutas. O exercício tem vários desdobramentos. Um deles é quando
vendamos os olhos de um participante, estimulando um ou mais sentidos na relação com
uma determinada fruta. É interessante que também se tragam frutas desconhecidas pelos
participantes. Para cena, mostrou-se uma fruta desconhecida para todo o grupo. Duas
pessoas voluntárias foram levadas para outro ambientes para provar essa fruta. Ao
voltarem para o grupo as duas pessoas dariam versões diferentes sobre a textura e o gosto
da fruta, cabendo ao grupo identificar quem estaria falando a verdade. Foi a primeira vez
que identifiquei as idosas com propriedade.

18
Figura 2 - Jogo das frutas

3 – O que? O ganso! – Objetivo: Estimular a resposta rápida a atenção e a


interpretação. O exercício é simples. Cria-se um circulo. Um voluntário inicia o exercício
dizendo à pessoa da sua esquerda “O ganso!”, consequentemente a pergunta deve ser “O
que?”. Após ter entendido a resposta “o ganso”, a pessoa passa para a outra do seu lado
essa resposta. Assim, o exercício trabalhava as entonações e a resposta rápida, num jogo
em que só se pode perguntar “o que?” e responder “o ganso!” quantas vezes quiserem.
Elas se divertiam muito com o exercício. Quando se acostumaram com as nuances que
poderiam trabalhar, o jogo fluiu melhor. No entanto, haviam idosas com perda de audição
(houve um caso de uma idosa que tinha esse problema, mas nos confidenciou,
posteriormente, que às vezes fingia ter um pouco mais, para não participar do exercício
por vergonha) ou que tinham problemas mais graves na compreensão do exercício.

19
Figura 3 - "O que? O ganso!"

Houve também dois exercícios que gostaria de destacar, que foram feitos apenas
uma vez, mas que foram muito proveitosos. 1- Bolo de Laranja – Objetivo: Refletir e se
posicionar de forma critica, em relação a um determinado tema por meio de um ator-
personagem. Antes do inicio do exercício, uma história é contada: “Uma idosa, com
poucos recursos financeiros, foi a uma padaria encomendar um bolo de laranja com
cobertura de chocolate para o aniversário de seis anos do seu neto. Era o bolo preferido
dele. Era o presente que ele mais pediu para a sua avó no seu aniversário. Após ter ficado
pronto, a idosa pegou o bolo na padaria e o levou até a sua casa. Quando partiu o bolo, na
comemoração do aniversário do seu neto, percebeu que o bolo era só de chocolate. Voltou
até a padaria para pegar o bolo correto. No entanto, o padeiro diz ter certeza absoluta de
que a idosa pediu um bolo de chocolate com cobertura também de chocolate. O padeiro
não pode devolver o dinheiro e nem fazer outro bolo, porque será demitido. Quem está
certo nessa história, o padeiro ou a idosa?”

O grupo foi dividido em dois. Um representaria o padeiro e o outro a idosa. Antes


de iniciar a cena, cada grupo se reuniu para montar a sua melhor estratégia para
convencer, com seus discursos, que estavam com a razão na disputa. Para iniciar a cena,
eu (padeiro) e uma estagiária de teatro (idosa) utilizamos objetos para simbolizar os
personagens. Um xale rosa para a idosa e um bloco de papel com uma caneta para o
padeiro. O meu grupo, quando quisesse, poderia falar no meu ouvido algumas dicas para
convencer, na cena, que estávamos certos ou alguma outra pessoa do meu grupo poderia

20
assumir o personagem do padeiro, por meio dos adereços. O mesmo valeu para o grupo
que defendia a personagem da idosa.

No inicio, a participação das idosas foi fraca. O exercício só começou a funcionar


quando os questionamentos passaram a tocar nas feridas delas, falando o que elas ouvem
no seu dia a dia e não respondem. Esse tema mexeu muito com as participantes, pois foi
falado que a personagem da idosa estava com problema de esquecimento, que estava
muito velha, que estava mimando muito o seu neto, entre outros. Finalmente começaram
a se posicionar, a ter voz. Elas eram as personagens sem perceber ou sem precisar ter o
peso de se considerarem atrizes. Foi um dia muito importante para que elas começassem
a se posicionar perante o grupo, mesmo que pouco. O exercício acabou e elas continuaram
defendendo os seus personagens até o fim da aula.

Figura 4 - "Bolo de Laranja"

2- A repórter – Objetivo: Estimular as idosas a assumir personagens. Esse


exercício aconteceu um dia após o jogo da seleção brasileira contra a Alemanha, nas semi-
finais da Copa do Mundo de 2014. O fatídico 7x1. Como a maioria dos brasileiros, as
idosas estavam abaladas com esse resultado controverso. Aproveitamos a vontade que
elas estavam em comentar o assunto, para fazer esse exercício. A estagiária de teatro
assumiu o personagem de uma repórter que entrevistaria algumas pessoas após o jogo.
Nós, que comandávamos o exercício, indicávamos, um pouco antes de a repórter ir
entrevistá-las, qual seria o personagem delas. Dentre muitas personagens representadas,
as que mais se destacaram foram: a mãe de Felipão (Técnico da seleção à época), a avó
do zagueiro David Luiz, uma especialista em futebol e uma torcedora que não gostava
21
desse esporte. Ao colocarem para fora toda a indignação pelo resultado da Copa, elas
assumiram as personagens com muita verdade. Era importante trabalhar com temas do
cotidiano das idosas, porque era o momento em que, na maioria das vezes, elas se sentiam
mais à vontade.

Umas das primeiras mini aulas enfocou a arte da maquiagem cênica, pois
entendemos que algumas delas teriam uma aproximação maior com esta linguagem,
mesmo que informalmente, em outro âmbito, que é a maquiagem para o dia-a-dia. Para
ter um entendimento melhor da capacidade de transformação que a maquiagem pode
trazer para um ator, falamos sobre a fisionomonia12, instigando as curiosidades desse
estudo e seu funcionamento para a maquiagem Cênica.

Para pôr em prática esse elemento, trabalhamos uma das possibilidades da


maquiagem. Pensamos em utilizar algo com que elas se identificassem. Então,
escolhemos uma maquiagem de envelhecimento. A estagiária de teatro maquiou o meu
rosto para aparentar ser de uma pessoa idosa. Foi interessante para elas perceberem, aos
poucos, as mudanças no meu rosto. Elas já queriam ver alguma cena acontecendo com
esse rosto. Foi um dos primeiros sinais em que percebi, nelas, alguma vontade de ver
teatro. Se tornando ou querendo se tornar, de alguma maneira, espectadoras.

Figura 5 – Maquiagem

12
Estudo do rosto, suas expressões, seus formatos.

22
O próximo elemento foi o figurino. Para auxiliar na compreensão do figurino, sua
construção, sua idealização e seu formato, levamos alguns croquis de estudantes e ex-
estudantes da UFPE, quando fizeram projetos de figurinos em algumas disciplinas.
Assim, reiteramos a importância do “conceito” para a criação e a encenação de um
espetáculo com os seus elementos. Os croquis seriam como base concreta para mostrar
as referências utilizadas no figurino e os resultados obtidos. Nessa mesma mini aula, os
estagiários de teatro apresentaram uma leitura do texto O preceptor, de Jakob Lenz, sem
o figurino e sem maquiagem. Logo depois, fizemos a mesma leitura utilizando a
maquiagem e o figurino, para que elas refletissem sobre a diferença da leitura com e sem
os elementos. As idosas nos contaram que os elementos facilitaram a compreensão do
texto e se envolveram mais na história. Aqui, posso afirmar que foi a primeira vez em que
assistiram a uma leitura dramatizada. A luta para se tornarem espectadoras estava sendo
conquistada a cada aula.

Figura 6 – Figurino

Para a aula de iluminação, levamos o grupo para o teatro Milton Baccarelli,


localizado no interior do CAC (Centro de artes e comunicação) na UFPE. O teatro tem a
estrutura necessária para que apresentássemos ao grupo, o funcionamento da iluminação
no teatro. Mostramos às idosas os tipos de refletores presentes no teatro, focando a aula
no funcionamento técnico dos equipamentos, das mesas de som e luz, e das gelatinas.

Como havia muitas informações importantes para apresentar ao grupo sobre o


teatro (como espaço físico e como estudo da arte), aproveitamos alguns momentos, como
essa ida à UFPE, para explicar os vários formatos que um teatro pode apresentar (a
italiana, arena, semi-arena).
23
Com o passar das aulas, imaginava o quanto as idosas estavam sendo
bombardeadas de informações novas. Acreditava que muitas informações estavam sendo
perdidas em suas memórias – e estavam. No entanto, o principio daquela linguagem
cênica estava plantado no grupo. Mesmo com suas limitações físicas e intelectuais, o
grupo estava se esforçando para ter o mínimo entendimento geral dos espetáculos a que
assistiram, conseguindo, apesar de suas dificuldades de iniciantes ao teatro, identificar a
história contada na peça e dialogar com a cena.

Ainda nesse dia, após a aula de iluminação, tivemos uma aula-espetáculo com o
ator e diretor Carlos Reis. A figura de Carlos Reis para as idosas foi muito importante.
Nessa aula-espetáculo, ele falou sobre sua carreira no teatro, espetáculos e personagens
marcantes. Entre outras funções, hoje, ele é diretor da Paixão de Cristo de Nova
Jerusalém. As idosas do grupo, em sua grande maioria, são religiosas. Para se criar um
bom espectador, um espectador ativo, é preciso que o indivíduo se interesse em assistir
aos espetáculos, para ter mais vontade de pensar sobre as peças vistas, de refletir de
maneira autônoma sobre as provocações geradas por esses trabalhos. Assim, as idosas
vibravam pelos personagens da Paixão de Cristo encarnados por Carlos Reis, no palco,
pedindo para que ele interpretasse todos os personagens. Foi impressionante perceber
como os textos ditos por ele, com nossa improvisada iluminação, foram assimilados,
comentados, discutidos com veemência por elas. Perceberam que ali se fez teatro.

Figura 7 - Iluminação Figura 8 - Aula-espetáculo com Carlos Reis

Visitas aos teatros

24
O primeiro teatro visitado pelas idosas foi o Teatro de Santa Isabel. A importância
que esse teatro tem, no imaginário dos pernambucanos, é enorme. Todos reconhecem esse
teatro como patrimônio histórico brasileiro, sobretudo pernambucano. Com as nossas
idosas não foi diferente. Até o inicio deste projeto, nenhuma delas havia tido a
oportunidade de visitar essa casa de espetáculos. A oportunidade empolgou o grupo.

As idosas adoravam viajar, ter uma aula de campo. Aquele momento as tirava da
rotina, trazendo a elas uma oportunidade de se inserir na sociedade. Era o dia em que
chegavam mais cedo e em que mais se organizavam como grupo. Agora, começando a
empregar a palavra “grupo” em seu sentido concreto, mais do que um mero conjunto de
pessoas, mas uma comunidade, em que há diálogo, troca.

Na visita, elas puderam explorar quase todos os locais do Teatro de Santa Isabel,
matando curiosidades que estavam guardadas há tantos anos, realizando um desejo
também antigo. Foram em quase todos os locais, porque existem lugares com muitas
escadas e com acesso dificultoso para o grupo. Nada que tirasse o brilho da visita. Elas
ficaram encantadas com o Santa Isabel. Talvez, elas achassem que frequentar esse teatro
não fazia parte da sua realidade, porém ao estar lá dentro, se sentiram parte daquele lugar.

Curiosamente, o primeiro espetáculo a que assistiram nesse teatro, mas só em


2014, foi a peça do Grupo Bela Idade, que é composto por idosos. O espetáculo se
chamava Vamos Falar de Amor. O grupo de Vila União estava no momento do exercício
da apreciação estética, já havia assistido a algumas peças, e estava aguçando, um pouco
mais, o olhar de espectador, analisando o espetáculo com idosos como atores. Foi a
primeira vez em que assistiram a alunos-atores idosos numa montagem teatral. Essa
apresentação marcou a volta das idosas para esse teatro. Queríamos provocar o grupo,
mostrar que os idosos, em geral, também poderiam desenvolver a capacidade de atuar.

As idosas de Vila União adoraram o espetáculo, que as fez lembrar da juventude


por meio das músicas, das histórias da vida dos atores ali encenada, e que de alguma
forma pareciam ser delas também. Acredito que a vergonha e o medo de subir no palco
não acabaram para elas, mas mostrou-se, com aquele espetáculo, que não há limite de
idade para aprender e para conquistar novos caminhos. Sobre o Grupo Bela Idade, ele
será apresentado mais à frente neste artigo.

25
Figura 9 - Visita técnica - Teatro de Santa Isabel Figura 10 - No espetáculo Vamos Falar de Amor

Após todas as mini aulas, percebemos que o grupo necessitava de um teste mais
prático. Para isso, foram feitas mediações para o pré e o pós-espetáculos. As mediações
para o pré-espetáculo enfocavam a temática da peça, sendo feita, com algumas
adaptações, da seguinte maneira:

1) Exposição sobre a vida do autor, de seu tempo (em se tratando de


uma peça de época) e do conteúdo do texto; 2) interpretação pelos
atores de uma cena representativa do espetáculo; 3) curto debate sobre
a atualidade da situação encenada; 4) aplicação do exercício dramático
em que os alunos transpunham a cena montada pelos atores para
acontecimentos contemporâneos ou para situações outras que, de algum
modo, estivessem relacionadas às apresentadas pelos
atores.(DESGRANGES, 2015, p.55)

O primeiro espetáculo a que assistimos foi o Rei Lear no meu quintal13, em 2013,
no Teatro Hermilo Borba Filho. Esse teatro, por ser um espaço de configuração flexível,
podendo ajustar suas arquibancadas para diversas formações diferentes, foi utilizado
como exemplo prático para as variadas disposições teatrais em que um espetáculo pode
ser apresentado. Assim, reforçando o conteúdo ministrado em mini aulas anteriores.

13
A montagem é uma recriação baseada na obra O Rei Lear, de Shakespeare, e segue a ótica das irmãs
Goneril, Regana e Cordélia, enfatizando a trágica competição pelo amor e pelo poder dos pais. A criação
original foi escrita em meados de 1605, e chegou a ser considerada uma tragédia impossível de ser
encenada. O espetáculo tem a dramaturgia e a adaptação de Luís Reis, com a direção de Marianne
Consentino.

26
Para prepará-las para o espetáculo, falamos sobre Shakespeare e suas peças mais
conhecidas; os símbolos presentes na encenação; a relação do personagem Rei Lear com
a velhice, que foi um ponto muito importante para suscitar a reflexão do grupo com os
personagens e a história da peça.

No pós-espetáculo, que acontecia sempre no nosso encontro seguinte à


apresentação assistida, recuperávamos o ambiente do espetáculo, deixando que elas se
expressassem da maneira que quisessem. Nessa nossa primeira experiência do “pós”,
estávamos curiosos para saber o que elas haviam sentido na primeira experiência teatral
formal de suas vidas. No entanto, as idosas não se sentiram muito confortáveis para falar.
O receio de errar era mais forte do que o de se expressar. Eu imaginava que algo parecido
poderia acontecer, já que a novidade que o teatro trouxe para a vida delas veio
acompanhada de certa responsabilidade. Nós estimulamos as idosas que tinham mais pré-
disposição para a fala, para que as outras alunas se sentissem à vontade e contaminadas
pelo discurso. E deu certo. O tema gerou boas reflexões para as alunas, mas é claro que
ainda não se arriscavam muito em afirmações e no desenvolvimento do pensamento.

Figura 11, 12, 13 e 14 - Rei Lear no meu quintal

27
Fechamos o ano de 2013 com as reflexões sobre as visitas que fizemos, o
espetáculo a que assistimos, os exercícios, os jogos, além de uma retrospectiva geral do
que aconteceu naquele ano com a equipe de saúde.

Vila União em 2014

Em 2014, reiniciamos o projeto em março. Tivemos a adição de algumas alunas-


idosas, que contribuíram bem para o grupo durante o ano. A nossa primeira meta era a
preparação para assistir ao espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Como
disse em um dos parágrafos anteriores, a maioria das idosas são religiosas. Sabíamos que
assistir a esse espetáculo teria um grande significado para elas. Durante a preparação para
o espetáculo, fomos soltando algumas pistas sobre a próxima peça a que iríamos assistir.
Instigamos a curiosidade delas e, ao mesmo tempo, retomávamos tudo que aprendemos
no ano anterior. No momento em que dissemos a nossa programação para o grupo, não
imaginávamos que a comoção seria tão grande, e que algumas alunas chorariam de
felicidade por causa dessa oportunidade.

Por vezes, a arte não é valorizada da forma que deveria. São em momentos de
comoção como esses que percebi a comprovação da força que o teatro pode ter na vida
das pessoas. O modo como o teatro entrou na vida desse grupo, que não tinha nenhuma
familiaridade com esse tipo de arte, e que agora emociona. É claro que a motivação
religiosa foi enorme, mas é algo que se concretiza por meio do teatro. São, para elas, as
realizações de desejos e de sonhos; algo que, para nós – talvez, fosse apenas mais um
passeio dentre tantos.

As mediações, feitas por nós para esse espetáculo, seguiram a mesma linha que as
do ano passado. Falamos da origem da Nova Jerusalém, o maior teatro ao ar livre do
mundo; a criação do texto para o espetáculo; a quantidade de atores e personagens; a
direção e seus assistentes; o papel das pessoas que trabalham para o espetáculo funcionar;
a importância dele para o panorama teatral brasileiro; e, já que elas nunca haviam ido à
Nova Jerusalém e nem imaginavam como seria assistir ao espetáculo, detalhamos cena
por cena e a locomoção que os espectadores precisavam fazer para poder assistir à peça,
28
com tranqüilidade. Por conta das idosas que tinham mais dificuldades de locomoção,
reservamos nossa ida para o dia em que a produção acolhe, prioritariamente, as pessoas
idosas e com deficiências.

Ao exemplificar cada cena que aconteceria no espetáculo, escolhemos uma e


fizemos, nós, os estagiários de teatro, uma leitura dramatizada.

Fizemos uma grande preparação para esse dia, que foi uma experiência que gerou
comentários durante o ano inteiro. Os corpos das idosas, com suas pernas cansadas,
resistiram três horas em pé, caminhando, sem reclamar. O cansaço só foi sentido ao voltar
ao ônibus, ou no outro dia.

No pós-espetáculo, fizemos uma comparação entre o Rei Lear e a Paixão de


Cristo. As diferenças, as particularidades, de qual dos dois espetáculos elas gostaram mais
– ou de nenhum - e porque, entre outros. Dessa vez elas se soltaram mais, comentando as
cenas com mais propriedade. Porém, como nossos encontros aconteciam entre uma
semana e quinze dias após o espetáculo, alguns fios de pensamento ficaram soltos e se
perderam. Após esse dia, tentamos agilizar, sempre que possível, a conversa do pós-
espetáculo.

Após o fechamento do ciclo de aulas sobre esse espetáculo, conseguimos um


espaço melhor e saímos do Casarão do Barbalho, graças a uma parceria com o DETRAN.
Com essa nova parceria, o grupo, professores e estagiários do projeto, resolveu incluir na
metodologia algo em que as idosas pudessem se inserir como atrizes. Era a hora de
arriscar e de tentar subir mais um degrau nesse caminho dos estudos sobre teatro. Para
isso, resolvemos experimentar um trabalho com o teatro de formas animadas, mais
especificamente com os bonecos. Trabalhar com bonecos seria uma forma de utilizar o
talento manual que muitas das idosas tinham, para confeccionar materiais, e para,
“indiretamente”, atuar. Seria uma forma de trabalhar o receio de estar exposta em cena,
utilizando o boneco.

Para nos ajudar a montar essas mini aulas de confecção de bonecos, convidamos
a Profª Regina Campello. Regina ministrou uma aula teórico-prática, em que trouxe
vários exemplos de bonecos e apresentou variadas formas de manipulação.

29
Criei uma boa expectativa sobre esse assunto. As idosas já estavam mais
conscientes das possibilidades do teatro, embora ainda com suas limitações, naturais para
o grupo que, até maio, só tinha tido 23 encontros com as aulas de teatro.

As idosas passaram o ano de 2014 produzindo bonecos feitos com materiais


recicláveis. Pedimos para que criassem um nome e uma pequena história para os bonecos
que estavam confeccionando. Houve dificuldade nessa criação. Algumas idosas passaram
semanas, e até meses, para terminar um boneco. Algumas vezes por acharem que a
confecção não estava bonita o suficiente, outras vezes porque tiveram que faltar por
motivo de saúde, e ainda havia dias em que não conseguíamos começar na hora correta,
pois elas ainda se acostumavam com a ida ao novo espaço. Elas se cansam rapidamente,
não conseguindo passar mais de duas horas na sala.

A utilização dos bonecos no grupo foi válida. Apesar de algumas atrasarem a sua
confecção, que relaciono com o medo de estar pronta para experimentar a cena também.
Outras fizeram vários bonecos, criando pequenas histórias e relações entre elas. Não foi
possível criar algum espetáculo, ou mesmo cena, em 2014. Mas, os improvisos sempre
aconteciam durante as aulas. Aos poucos chegará o dia em que as cenas serão
compartilhadas com o público.

Figura 15 - Teatro de Bonecos com Regina Campello

A formação dos espectadores não foi esquecida. Assistimos a alguns espetáculos


e ainda visitamos o Teatro Luiz Mendonça – Localizado no parque da Dona Lindu, obra

30
arquitetônica de Oscar Niemeyer. Nesse teatro, elas conseguiram ter acesso a todos os
lugares, pudendo comparar as estruturas dos teatros visitados: Milton Baccarelli, Santa
Isabel, Hermilo Borba Filho e Luiz Mendonça. O Luiz Mendonça era o mais novo entre
os visitados, com uma grande estrutura para comportar shows e peças.

Aos poucos, quando conseguimos constituir um grupo com as idosas de Vila


União, percebemos que aquelas quintas-feiras já faziam parte das suas vidas. Quando
adoeciam e não podiam comparecer, se desculpavam e relatavam a lacuna que aquele dia
teve na semana e nas suas vidas. Por meio desse compromisso que, consciente e
inconscientemente, elas já tinham firmado conosco, Beatriz Pinto Venâncio afirma que
estavam

[...] compreendendo a cidadania não apenas como o exercício de direitos e


deveres, mas também como a oportunidade de viver experiências estéticas e
experimentar linguagens que foram negadas anteriormente às participantes do
grupo, oferecendo-lhes a garantia de pertencer a um espaço onde prevaleceu o
respeito, a confiança mútua e a delicadeza. (VENÂNCIO, 2008, P. 14)

Ao lembrar do inicio da trajetória do grupo, em 2013, percebo o quanto as idosas


participantes evoluíram e me ajudaram a evoluir. A caminhada não foi simples, mas foi
muito prazerosa. As expectativas iniciais do projeto, que tinha como objetivo criar cenas
ou um espetáculo com as idosas, foram substituídas pela formação do espectador. Hoje,
posso dizer que elas estão se tornando espectadoras ativas. Ainda precisam de mais
acompanhamento, para fortalecer o entendimento do teatro. No entanto, a busca para
aperfeiçoar o espectador ativo e, espero que, autônomo, leva tempo. É imprescindível
relatar que houve avanços visíveis no interesse pelo teatro, na capacidade de ler o
fenômeno teatral, e grande avanço na consolidação do grupo.

31
Figura 16 - Equipe e Idosos de Vila União

NOVOS DESAFIOS: O GRUPO BELA IDADE DO SESC SANTA RITA

A segunda experiência tratada neste artigo é a que vivi com o grupo de teatro da
terceira idade do SESC Santa Rita, conhecido pelo nome de Bela Idade. Estagiei dois
anos no SESC. No meu primeiro ano de estágio (2014), acompanhei, entre outras
atividades, a circulação do espetáculo Vamos Falar de Amor, construído com base nas
memórias afetivas dessas idosas14 integrantes do grupo.

O espetáculo trabalha com o sentimento do amor, presente na vida das idosas do


grupo, na forma de casamentos, família e amigos. Por meio da escrita de cartas, de
músicas, de fotografias e de histórias narradas, surge o Vamos Falar de Amor. O
espetáculo também é composto por alguns atores jovens, tornando-o intergeracional.

Desde a minha entrada, pude perceber o envolvimento que as idosas tinham com
o espetáculo e, até então, não sabia muito sobre o seu processo de criação. Na observação
geral, percebi que o trabalho tinha sido marcante para elas, por se tratar, no meu
entendimento, de assuntos que estavam esperando para serem expostos de alguma forma.

No que diz respeito à atuação, os atores tinham domínio sobre o texto e suas
emoções eram colocadas onde queriam. O que me incomodou naquele momento dizia
respeito a certa fragilidade do corpo na cena. Como, por exemplo, em cenas que

14
Apenas um homem faz parte do Bela Idade, por isso considero justo tratar o grupo como idosas.

32
retratavam algum episódio da juventude daqueles idosos. Mas o quanto de
disponibilidade física poderia se exigir de um idoso? Que marcas físicas e psicológicas o
corpo de um idoso carrega?

A experiência que tive com o grupo de Vila União foi muito importante para as
minhas reflexões acerca do trabalho do Grupo Bela Idade. Trabalho iniciado com a minha
participação na produção executiva do espetáculo durante a temporada de 2014, que
contou com 13 apresentações em três teatros da cidade do Recife, na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, no auditório da Secretaria de Educação do Estado de
Pernambuco e em palcos de três cidades do interior (Triunfo, Belo Jardim e Garanhuns).

O Vamos Falar de Amor iniciou sua trajetória em outubro 2012 com o grupo que
à época fazia parte do SESC Piedade, e era chamado de Grupo de Teatro Sedução.
Emanuella de Jesus, funcionária da Unidade de Piedade, ao ser transferida para a Unidade
Executiva de Santa Rita para assumir o cargo de supervisora, não poderia continuar o seu
processo com as idosas em Piedade, e, devido a este fato, o grupo migrou de forma
espontânea para Santa Rita, a fim de que a construção do processo tivesse continuidade.
O espetáculo encerrou suas atividades em novembro de 2014 no Teatro Arraial Ariano
Suassuna.

Figura 27 - cena do espetáculo Vamos Falar de Amor

Com a finalização das apresentações desse espetáculo, que foi uma experiência
muito marcante na vida dos idosos envolvidos, o grupo precisaria tomar um novo rumo e
iniciar um novo ciclo. E como dar continuidade ao trabalho com o Grupo Bela Idade?
Como sair de uma experiência tão exitosa e dar início a um novo processo? E, de que
maneira, eu, como estagiário de teatro da Unidade, poderia estar mais inserido, nessa
experiência formativa?

33
Para o novo momento com o Grupo Bela Idade, já em 2015, Emanuella de Jesus,
professora de Teatro, da Unidade SESC Santa Rita, que no momento exerce a função de
supervisão do setor de cultura desta unidade, mas que também continua como a professora
responsável pelo Grupo Bela Idade, propôs que eu e Marcos Medeiros, outro estagiário
de teatro do SESC Santa Rita, fizéssemos parte desta nova etapa que o grupo iniciaria,
com o objetivo de que essa experiência fosse parte de nosso processo formativo de
estágio. Marcos, porém, colou grau na UFPE em julho deste ano (2015) e por este motivo
seu estágio findou-se antes do término de nossa pesquisa e do período de escrita deste
artigo. No entanto, Marcos, que também acompanhou o grupo desde o ano anterior, e é
parte essencial do processo, continua conosco até o fim deste ciclo que vai,
aproximadamente, até o início de 2016.

Atualmente, seis pessoas, das onze iniciais, participam do grupo com


regularidade, dentre estas, cinco mulheres e um homem.

Tivemos a oportunidade, no inicio do nosso trabalho, de lermos a dissertação de


mestrado de Emanuella, fruto da pesquisa que originou o espetáculo Vamos Falar de
Amor, a partir desta leitura, pudemos perceber como se deu a construção do referido
espetáculo, que está centrado no conceito, que também vai permear todo o seu trabalho
com essas idosas, denominado pela autora, de Dramaturgia de Pertencimento.

Dramaturgia de pertencimento porque os personagens criados eram eles


mesmos; as lembranças traduzidas nas palavras da dramaturgista
ressoavam em cada um como sendo parte deles. Não era mais a história
de um ser alheio que contavam, mas era a história de cada um, que se
transformou na história de todos. Era nossa pertença, nossos detalhes,
nossa dramaturgia, o efêmero dos nossos tempos históricos
imortalizando-se na literatura dramática. (SILVA. 2014, p. 53)

Com a leitura desse trabalho de Emanuella pudemos compreender melhor os


bastidores do processo desenvolvido com o Grupo Bela Idade, e perceber uma
dificuldade, que também nos acompanharia no nosso processo, dificuldade originada na
forma como os idosos desse grupo entendem o fazer teatral baseado no texto.

O fato de terem o texto como a base da prática teatral e como única forma de obter
um resultado esperado, deixava os atores-idosos presos a uma única ideia de estudar e de
fazer teatro. Com o tempo, eles foram assimilando os conceitos propostos pela diretora-

34
pedagoga - como ela se refere a si, baseada no conceito de diretor-pedagogo do professor
doutor Robson Haderchpeck, no qual afirma que todo encenador que tem seu processo
criativo baseado em fundamentos pedagógicos pode ser denominado um direto-pedagogo
- e, desta maneira, suas memórias se transformaram em arte.

Nossas aulas aconteciam sempre às sextas-feiras à tarde, das 14h às 16h. Para este
novo momento, eu, Marcos Medeiros e Emanuella de Jesus (agora como orientadora do
nosso processo) ficamos instigados em apresentar uma nova proposta de processo
criativo, que poderia, ou não, culminar em uma nova montagem. Para tal, resolvemos
trabalhar com o conceito de jogos teatrais, que são exercícios em que pessoas se veem
envolvidas na criação de personagens ou que de alguma maneira exercitem o pensar e a
imaginação. Alguns dos jogos utilizados são baseados no repertório construído por meio
das vivências que tivemos no teatro, e outros são baseados e desenvolvidos por Viola
Spolin15. Além de técnicas e de exercícios de Augusto Boal16.

Os jogos utilizados, as improvisações, a respiração, e os aquecimentos corporais


e vocais foram modificados de acordo com a necessidade do grupo e suas limitações. As
idosas reagem de maneira diferente a alguns jogos propostos, e por vezes se sentiam muito
cansadas ao final da aula. (VENÂNCIO, 2008)

Essa pesquisa pode ser dividida em quatro momentos: 1- O inicio do processo; 2-


A técnica do Teatro-Jornal e as noticias históricas relacionadas com a memória das idosas;
3- A técnica do Teatro-Jornal e a ditadura; 4- A formação do espetáculo.

Para o primeiro momento, iniciamos nossa pesquisa procurando descobrir as


possibilidades e as relações que os alunos teriam com nossos jogos e exercícios. As
primeiras aulas foram ótimas, todos respondiam aos nossos estímulos e mostravam uma
boa aceitação ao improviso.

15
Viola Spolin (Estados Unidos 1906 – 1994) foi uma atriz e diretora norte-americana. Desenvolveu jogos
de improvisação que focam na individualidade, criatividade, adaptando e focando o conceito de jogo para
destravar a capacidade do indivíduo para a auto expressão criativa.
16
Augusto Pinto Boal (Brasil 1931 - 2009). Diretor, autor e teórico. Por ser um dos únicos homens de teatro
no Brasil a escrever sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho, torna-se uma referência
do teatro brasileiro. Principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960. Criador do teatro
do oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro a ação social.

35
Nesse novo início, as dificuldades que existiam em se conectarem aos jogos
teatrais propostos à época do Vamos Falar de Amor diminuíram e a maioria dos idosos
integrantes do grupo já estavam mais predispostos à prática do jogo, o que se
caracterizava como um avanço. Trabalhamos muito com a improvisação, buscando a
espontaneidade na cena. Para Sandra Chacra, “O caráter fundamental da improvisação é
a espontaneidade, e esta é o alimento e a base da arte do ator: arte da flexibilidade, do
imprevisto e das surpresas, mas também é a arte do controle e da adaptação.” (CHACRA,
1983, p. 70)

Criamos cenas com temas variados, para o estímulo da criatividade. A relação de


confiança, tão importante no teatro, estava se estabelecendo, agora entre nós, estagiários,
e elas.

Essas aulas iniciais serviram também para entender a disponibilidade das alunas-
atrizes com a nossa metodologia, além do funcionamento dos exercícios, afinal nós já as
conhecíamos, mas não tínhamos trabalhado de forma direta com elas. Buscávamos uma
liberdade na criação cênica, dando base para um bom funcionamento do corpo e da voz.
As aulas estavam sendo interessantes e experimentamos muita coisa nesse primeiro
momento, de maio a julho.

As aulas eram compostas, basicamente, por: aquecimento corporal e vocal (muitas


vezes chamado de “ginástica” pelas idosas - tentavam pular essa parte, sempre que
possível, para chegar mais rápido a parte “teatral”); exercícios de concentração (eram
muito importantes para o grupo, pois elas eram muito dispersas. Por vezes, passávamos
o triplo do tempo estipulado para um exercício, porque elas não conseguiam focar apenas
nos jogos - a necessidade de falar, sobre qualquer coisa, era muito grande); improvisação
de cenas com temas sugeridos por elas; e conversa final.

O silêncio para a prática dos exercícios foi uma conquista. Um exercício que foi
fundamental para isso, foi o jogo dos números. O jogo é simples. O grupo faz um circulo
e deve contar de um até dez. Só se pode dizer um número por vez. Caso duas pessoas
digam ao mesmo tempo, o jogo volta para o número um. O objetivo desse exercício é,
fazendo um paralelo com o teatro, controlar a ansiedade do ator em cena, e promover a
escuta do outro, ouvindo e falando na hora correta.

36
Em outros exercícios, pedimos para que elas sempre refletissem sobre a
funcionalidade de qualquer atividade. Por muitas vezes, elas não conseguiam relacionar
o exercício com a prática teatral, achando que era apenas “ginástica” ou “brincadeiras”.
Para instigar melhor essa reflexão, explicávamos a funcionalidade de todos os exercícios
e posteriormente deixamos outros para a reflexão delas. Assim, aos poucos, foram criando
e costurando essas conexões.

Com o avanço de nossos trabalhos, chegamos a um segundo momento em que


decidimos fundamentar prioritariamente, com algumas adaptações, no Teatro-Jornal,
desenvolvido por Boal, “que consiste em diversas técnicas simples que permitem a
transformação de notícias de jornal ou de qualquer outro material não-dramático em cenas
teatrais.” (BOAL, 1991, p. 165) Como também no conceito de dramaturgia da memória,
uma técnica de construção dramatúrgica que se apoia na memória dos integrantes
envolvidos em um processo criativo.

Escolhemos, para isso, alguns anos que traziam fatos históricos marcantes no
Brasil e no mundo, como, por exemplo: a chegada do homem à lua, a cheia que inundou
o Recife em 1975 ou a morte do ex-presidente da República Tancredo Neves.

Essas notícias eram desenvolvidas em improvisos de cena e, posteriormente, eram


escritas por elas, em um texto que tivesse uma lembrança daquele acontecimento histórico
em suas vidas, buscando encontrar uma relação com esse fato histórico e algo pessoal
importante que ocorreu naquela data específica.

Dividimos os encontros em: numa aula eram trabalhadas as leituras dos fatos
históricos e a escrita das memórias; na aula seguinte, um grupo encenava uma história do
jornal e o outro uma cena com as memórias. As escolhas sobre qual material seria
trabalhado eram feitas por nós que conduzíamos o processo. Depois de um número
determinado de aulas, fechávamos o ciclo e aproveitávamos as melhores construções para
serem trabalhadas novamente.

As aulas desse segundo momento eram compostas, basicamente, por:


aquecimento corporal e vocal; exercícios de concentração; jogos com as datas históricas
ou importantes; escrita das memórias pessoais relacionadas às datas trabalhadas em aula;
trabalho com as cenas; e conversa final. Muito material era narrado. Lembranças que não

37
eram escritas eram ditas na conversa final de cada aula. A narrativa da memória era
acessada mais facilmente do que na escrita.

Enquanto estávamos tentando encontrar o nosso tema e fazer surgir nas alunas as
suas próprias memórias contidas naqueles acontecimentos históricos, o grupo voltava a
sentir necessidade do texto escrito, aquilo que eles acreditam ser a base para o bom
funcionamento de um processo criativo, necessidade gerada de algumas dificuldades que
as levaram a retroceder em certos avanços conquistados anteriormente.

Dos 11 alunos que iniciaram o processo conosco, quatro adoeceram ou tiveram


que cuidar de alguém doente na família e, por essa razão, tiveram que sair do nosso
processo. Os que ficaram conosco se dividiam entre nosso processo e seus problemas de
saúde, suas consultas médicas, suas viagens e seus assuntos de família, e ainda outras
atividades oriundas de seu envolvimento com outro grupo teatral tomando-lhe as terças e
quintas, no qual vivenciavam uma outra proposta de montagem. Dificilmente, todo o
grupo estava presente em todas as aulas.

E nós, orientadora e estagiários, falhamos na condução de nosso planejamento,


pois demoramos a definir o tema final para o aprofundamento das aulas, demoramos a
entender se o processo resultaria em montagem teatral ou não, e, a própria demanda de
projetos do setor de cultura da Unidade de Santa Rita com o processo de gestão e produção
de outros projetos, por vezes tornou difícil, para nós, conciliarmos as aulas, seus
planejamentos e, por conseguinte, o fluxo de continuidade da pesquisa. Além do que,
nossa sala de aula passou o ano de 2015 em reforma. Ficamos dependentes de salas
disponíveis em outros setores.

Esse conjunto de fatores deixou nossas aulas dispersas e nos deixou também com
uma problemática: como lidar com os fatores externos ao nosso processo de criação?

Precisávamos encontrar uma saída. Então adicionamos mais um dia da semana


para os nossos encontros, a quinta-feira das 9h30 às 11h30 e definimos um tema, que foi
a ditadura militar. Dentre os temas trabalhados, esse se sobressaiu aos olhos de quem
conduzia o processo. Agora chegamos ao terceiro momento da pesquisa. O Teatro-Jornal,
utilizado num tema específico.

38
As memórias eram muitas. Às vezes, eles não queriam falar, às vezes falavam
demais, porque o tema ainda parece machucar, mas ao mesmo tempo também traz alívio
nos tempos atuais.

Figura 18 - Grupo Bela Idade

Com um novo planejamento, redefinimos também as estratégias para a


continuidade do processo.

O jornal, a memória e a cena

Para esse terceiro momento da pesquisa, eu e Marcos nos debruçamos no Arquivo


Público Estadual, para colher as noticias de jornal diretamente da fonte. Selecionamos
um vasto material, embora os jornais da época e suas propagandas abertamente
exaltassem a ditadura, conseguimos encontrar boas reportagens. Por isso, as leituras com
a técnica de Boal também foram importantes.

O Teatro-Jornal foi desenvolvido entre 1956 e 1971, no Núcleo do Teatro de


Arena de São Paulo, quando Boal foi diretor artístico do grupo. Curiosamente, essa
técnica, que foi escolhida antes da delimitação do nosso tema, foi muito utilizada à época

39
da ditadura militar brasileira, para revelar informações distorcidas pelos jornais da época,
todos sob censura oficial.

Utilizamos todas as formas possíveis das técnicas do Teatro-Jornal que são:

a) “Leitura simples” – a noticia é lida destacando-se do contexto do jornal, da


diagramação, que a torna falsa ou tendenciosa – isolado do resto do jornal
readquire sua verdade objetiva; b) “Leitura cruzada” – duas notícias são lidas
de forma cruzada, uma lançando nova luz sobre a outra, e dando-lhe uma nova
dimensão; c) “Leitura complementar” – à notícia do jornal acrescentam-se
dado e informações geralmente omitidos pelos jornais das classes dominantes;
d) “Leitura com ritmo” – A noticia é cantada em vez de lida, usando-se o ritmo
mais indicado para se transmitir um conteúdo que se deseja: samba, tango,
canto gregoriano, bolero, de tal forma que o ritmo funcione como verdadeiro
filtro crítico da noticia, revelando seu verdadeiro conteúdo, oculto nas paginas
dos jornais; e) “Ação paralela” – Paralelamente à leitura da notícia, os atores
mimam ações físicas, mostrando em que contexto o fato descrito ocorreu
verdadeiramente; ouve-se a notícia e, ao mesmo tempo, vêem-se imagens que
a complementam; f) “Improvisação” – A notícia é improvisada cenicamente,
explorando-se todas as suas variantes e possibilidades; g) “Histórico” – A
notícia é representada juntamente com outras cenas ou dados, que mostrem o
mesmo fato em outros momentos históricos ou em outros países, ou em outros
sistemas sociais; h) “Reforço” – A notícia é lida, ou cantada, ou bailada, com
a ajuda de slides, jingles, canções ou material de publicidade; i) “Concreção da
abstração” – Concreta-se cenicamente o que a noticia às vezes esconde em sua
informação puramente abstrata: mostra-se concretamente a tortura, a fome, o
desemprego, etc; mostrando-se imagens gráficas, reais ou simbólicas; j) “Texto
fora do contexto” – Uma notícia representada fora do contexto em que sai
publicada: Por exemplo, um ator representa o discurso sobre austeridade
pronunciado por um ministro da economia enquanto devora um enorme jantar;
a verdade do discurso fica assim desmistificada: quer austeridade pra o povo,
mas não para si mesmo. (BOAL, 1991, p.165-166)

Chegamos ao momento de afunilar o processo e de experimentar as relações das


memórias dos atores e das noticias do jornal. No entanto, o entendimento de que o texto
vem primeiro do que qualquer outra coisa no teatro ainda existe nas alunas, reconhecendo,
nele, no texto, a única e/ou melhor forma de chegar a um resultado cênico. É importante,
todavia, salientar que esse entendimento é só mais uma forma válida de fazer e de
compreender o teatro, mas que não funciona no tipo de processo em que estamos
inseridos, pois o nosso trabalho não pretende descartar o texto, mas, utilizá-lo,
encontrando, todavia, a forma mais orgânica de chegar a ele. Pois o que se está
construindo tem como matéria-prima as memórias das alunas e suas relações com o tema.
O texto é importante no teatro. No entanto, existiam, ainda, lapsos no entendimento de
que estávamos tentando fazer experimentações para a construção de uma dramaturgia
própria.

40
Duas alunas se sentiam, desde o princípio, incomodadas pela possibilidade desse
novo processo tornar-se longo demais, gostariam de um rápido retorno aos palcos, isso
provavelmente estava ligado ao êxito da experiência anterior. Depois de 25
apresentações, durante dois anos, do Vamos Falar de Amor, era natural que isso de
alguma maneira acontecesse; mas também há questões individuais. Esse comportamento,
no entanto, começou a reverberar em outros alunos, que se juntaram a elas nas suas
reivindicações.

Um processo de construção de uma dramaturgia leva, com mais de um ensaio na


semana, no mínimo, em torno de seis meses para ficar pronto. Os alunos nos sondavam
se a duração de todo o processo seria de apenas dois meses, o que julgavam tempo
suficiente.

O tempo é um inimigo para elas. É como se lutassem contra o relógio, precisando


produzir muito em pouco tempo. Refletir sobre essa necessidade delas é importante, pois
entendemos melhor as motivações e os impedimentos na criação do processo.

Para construir nossa dramaturgia, apresentamos o tema e as propostas de criação


de textos para ser escritos por elas sobre a ditadura. Enquanto umas resistiam, outras se
entregavam à proposta. Algumas alunas (poucas) aceitaram o tempo de maturação que
um processo como esse exigia, se encarregando de escrever mais e de nos falar tudo –
com muito gosto e conhecimento – sobre os tempos difíceis que assolaram o Brasil
algumas décadas atrás.

A vontade de falar sobre a ditadura também esbarrava na tristeza que as


lembranças de amigos e de familiares mortos e torturados causavam. Isso bloqueava a
maneira de se expressarem artisticamente. Era necessário encontrar subsídios para trazer
essas memórias para o nosso lado. Para que as lembranças tristes, fossem lembradas e
superadas na arte.

Na opinião delas, as aulas sempre foram maravilhosas, nada acontecia de errado


ou de ruim. Nós sempre tentamos provocá-las para que dissessem alguma opinião mais
concreta, pois se algo está muito certo é necessário desconfiar.

Então, depois de muitas aulas insistindo, e elas continuando com o mesmo


discurso, renderam-se à nossa insistência e nos disseram que gostariam de que o nosso

41
experimento, ao ser definido como produto final, ficasse leve, ou seja, que eles
expressassem a perda e a dor dessa época, mas que ao mesmo tempo pudessem trazer
risadas ou que essas histórias fossem contadas de um modo mais brando. A preocupação
delas é a de que o público tenha, apenas, a sensação de tristeza durante e após o
espetáculo.

Para o quarto e último momento, que aconteceu a partir de outubro de 2015, foi
trabalhada a formação do espetáculo. O que esperávamos que se tornasse apenas uma
apresentação de um processo teatral foi se concretizando, aos poucos, em um espetáculo.
Depois de muita experimentação e da maturação do tema, resolvemos montar um
espetáculo guiado por três diretrizes: 1- As histórias escritas e as narradas pelas idosas;
2- As cenas originadas da técnica do Teatro-Jornal; 3- e a inspiração em uma exposição
chamada Ausênc'as do fotógrafo argentino Gustavo Germano, que coloca lado a lado duas
fotos (uma na época da ditadura e uma nos tempos atuais) em que é mostrado o vazio
deixado em suas famílias ou circulo de amigos, pelas pessoas mortas na ditadura.

Figura 19 - Foto da mostra Ausênc'as

42
Figura 20 - Foto da mostra Ausênc'as

Existem cenas em que os textos são frutos diretos das memórias das idosas e outras
que têm a memória como a essência da cena, inspirando outras formas de dramaturgia.
Logo, esse trabalho está sendo construído com referências em várias fontes, que
deságuam na principal: a ditadura e suas relações com os idosos presentes no grupo. O
nome do espetáculo ainda não foi definido, já que a pesquisa continua em andamento e
que o experimento tem previsão para ser finalizado em janeiro de 2016.

Esperamos que o tempo continue ao nosso favor, contribuindo para um


fechamento orgânico de nossa pesquisa. Estamos nas últimas etapas para a finalização do
texto do espetáculo e, a partir do momento em que as aulas começaram a ter o foco no
desenvolvimento das cenas sobre a ditadura, aliada à memória do grupo, o processo
tornou-se mais instigante para elas.

A estrada que une os jornais, a memória e a cena ainda está sendo pavimentada.
Mas já é possível afirmar que ninguém está do mesmo jeito que começou, provando
concretamente que nós nunca deixamos de aprender, não importa a idade.

Adotar uma nova metodologia com um grupo já estabelecido parecia um desafio


fácil de ser conquistado nos primeiros momentos. No entanto, trabalhar com o público
idoso requer atenções especificas, diferentes das trabalhadas com jovens ou com crianças.
Esse público valoriza suas memórias e o amadurecimento conquistado em suas vidas. Isso
não impede que eles busquem qualificação, de uma maneira geral, nas artes. É um público

43
que merece atenção e que mostra o quanto estão aptos a aprender e a conquistar um espaço
cativo na cena teatral brasileira.

Resta-nos dizer que o teatro já está acontecendo desde o primeiro momento do


nosso contato com o grupo, em maio, e que a finalização desse processo será mais uma
etapa da formação contínua das idosas do grupo Bela Idade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não existe um método que seja 100% eficaz para se trabalhar teatro com idosos,
nem qualquer outra faixa etária. O ensino de teatro para esse público está caminhando
para um entendimento maior, por meio de relatos e de artigos, revelando experiências
com esse determinado público.

Nas minhas vivências, tive o prazer de trabalhar com dois perfis de idosos
diferentes. Um, o de Vila União, era um grupo iniciante no teatro e ainda não tinham
certeza se queriam aprender algo sobre essa arte. Só estavam, praticamente, na hora e no
lugar certo. Estavam carentes de autonomia e buscavam uma mudança de rotina; o outro,
o Bela Idade, era um grupo com experiência em teatro, que buscava aprender e participar,
por vontade própria, das aulas, mas resistentes a algumas metodologias teatrais.

Esses perfis diferentes me fizeram ter um olhar mais amplo em relação ao ensino
do teatro na terceira idade. Alguns exercícios, por exemplo, ao serem aplicados nos dois
grupos, tiveram similaridades e muitas diferenças. O teatro é inerente ao ser humano. Não
necessariamente elas têm consciência disso, mas se deixam levar pelo interesse que as
move a fazer teatro.

As metodologias utilizadas nos dois grupos foram distintas e especificas.


Enquanto o foco precisou ser mudado radicalmete em Vila União, no Bela idade ele foi
se adequando aos poucos. Isso não quer dizer que um teve mais facilidade do que o outro.
Como em qualquer turma de teatro, e de qualquer idade, sempre haverá diferenças. Nesses
dois grupos, particularmente, a maneira de pensar teatro, ou de começar a pensar no
teatro, foi determinante para o andamento do processo.

44
As pesquisas na formação do espectador estão mais avançadas, diversificando as
metodologias de atuação em diversos grupos. No entanto, essa metodologia é muito
voltada para formação do espectador ainda na infância, pois é nessa época que a criança
está no início de sua formação e pode ser educada mais facilmente para apreciar teatro.
Com os idosos, pressupõe-se que já estão com pensamentos formados e que estão menos
predispostos a novas aprendizagens. A experiência em Vila União mostra que a
construção de um espectador ativo não tem idade. A formação desse idoso se dá de forma
mais lenta, mas tem o beneficio da experiência de vida na reflexão dos temas abordados.
É necessário educar os idosos a frequentar teatro, pois é importante que todas as pessoas
tenham a possibilidade de apreciar essa arte. É nos idosos também que temos mais uma
maneira de cativar um público, podendo ainda ter a capacidade de perpetuar essa arte, por
meio da aprendizagem de gerações.

No grupo Bela Idade, trabalhamos com o Teatro-Jornal, com a dramaturgia da


memória e com outras técnicas. No início, esse processo aparentou ter menos
dificuldades, mas existiam muitas, elas só eram diferentes das que tive em Vila União.
Isso foi importante para saber lidar com os diferentes problemas que os grupos podem
apresentar, precisando saber adaptar a metodologia sempre que necessário.

Tanto no Bela Idade, quanto em Vila União, as metas foram cumpridas. Por vezes,
é necessário modificar os planejamentos de acordo com a demanda que o grupo apresenta.
Ser um espectador é tão arte quanto ser ator. Os dois têm papéis fundamentais para a
concretização e para o funcionamento do teatro. Eles sozinhos não sobrevivem. A
esperança é a de que em Vila União elas consigam se tornar autônomas em apreciar teatro,
e que no Bela Idade elas consigam absorver maneiras diferentes de abordar teatro,
qualificando o seu repertório de atividades. Assim, as formações dos grupos atingiram o
que foi proposto, trazendo para a cena teatral idosas capacitadas a pensar e a produzir
teatro. Infelizmente, as idosas do Bela Idade estão deixando de assistir teatro, por falta de
tempo, pelo cansaço, pelas produções teatrais individuais. Mas, essa é mais uma luta em
que temos que alertar a importância de quem faz teatro, assisti-lo também.

Uma das maiores dificuldades que tive foi a falta de presença em sala de aula, nos
dois grupos. Saber lidar com as faltas, tentando não comprometer o trabalho que estava
sendo feito foi um desafio muito grande. A maioria das faltas se dava por motivo de saúde,

45
e isso o ser humano, de certa maneira, não pode controlar. Foi difícil administrar o grupo
e fazê-lo entender que a falta de uma pessoa não justifica a se outra. Gerir pessoas num
grupo de teatro foi uma das diversas funções que tive que assumir durante esses três anos
de trabalho com idosos. A maior dificuldade, talvez, foi a de entender o meu
posicionamento frente a algumas questões. Até que ponto o condutor do processo pode
ser duro ou brando nas situações? Até que ponto as idosas estão com preguiça de fazer
exercícios ou estão realmente cansadas? Existe um tratamento diferente por causa da
idade?

É necessário entender que ser idoso implica uma série de limitações. É preciso
que saibamos adaptar algumas metodologias para esse público, para que aproveitem os
conteúdos da melhor maneira. No entanto, é importante criar um olhar de análise, que o
tempo de maturação com o grupo vai lhe proporcionar, sempre tentando mantê-los ativos
na sala de aula, buscando superar os seus limites.

Trabalhar com idoso não tem mistério. São pessoas capazes de aprender, e que
estão à espera de alguém para ensinar. O teatro, por ser democrático, é uma das primeiras
artes a serem procuradas pelos idosos.

Quero destacar aqui a relevância tanto do projeto de extensão em Vila União,


quanto do trabalho no SESC para a minha formação acadêmica, proporcionando-me
subsídios para a pesquisa deste artigo.

Lembro ainda que muitas questões foram levantadas durante a feitura deste artigo,
o que provocou inúmeras reflexões da minha parte, e é natural que algumas fiquem em
aberto para serem concluídas com a contínua pesquisa desse tema, além de tantas outras
que foram levantadas durante as leituras deste artigo, e por meio de outras pesquisas que
virão.

46
REFERÊNCIAS

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BARROS, G. B. M. ; MADEIRA, C. ; OLIVEIRA, R. C. . Teatro na terceira idade:


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50

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