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Recife
2015
Anderson Damião Ferreira da Silva
Recife
2015
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me guiar e me ajudar nas muitas escolhas difíceis que tive que fazer
durante o curso.
A minha mãe Elizabete, que me dá todo o apoio e toda a estrutura necessária para
batalhar pelo meu futuro.
Ao meu pai Amitair e aos meus irmãos, Hudson e Raildo, bases da minha
construção como pessoa.
A Samara Lacerda, pelo companheirismo, pela amizade, pelo carinho, por sua
paciência e por acreditar em mim, me ajudando a lutar pelas minhas escolhas.
Aos meus amigos de curso, que se tornaram amigos para a vida inteira.
Envelhecimento e Teatro: relato crítico de experiência sobre o ensino de teatro com
idosos na Unidade de Saúde de Vila União e no SESC Santa Rita1
RESUMO
1
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação, sob orientação: do Prof. Dr. Luís Augusto da Veiga
Pessoa Reis, apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso 2, ministrada pelo professor
João Denys Araújo Leite, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Teatro.
4
INTRODUÇÃO
Este artigo expõe uma reflexão crítica sobre o ensino de teatro para idosos,
baseada em minha vivência com dois grupos bem distintos, na vida e no teatro.
O interesse pelo tema deste trabalho surgiu após a minha primeira experiência, em
2013 e em 2014, com teatro e idosos, em um projeto de extensão da UFPE (Universidade
Federal de Pernambuco). As inquietações e o desejo de ampliar meus estudos nessa área
se intensificaram quando fiz o meu estágio no SESC Santa Rita, em 2014 e em 2015. Na
ocasião, fui convidado a integrar a equipe que trabalha com teatro na terceira idade nessa
instituição.
Após o trabalho com esses grupos, era necessário que eu, como estudante,
buscasse entender e criar alguns paralelos entre o ensino de teatro e os alunos idosos,
investigando diferentes metodologias. No primeiro grupo, devido a diversas
contingências, optamos por trabalhar com a recepção teatral, formando espectadores
ativos. Buscamos também a retomada do papel social do idoso. Segundo Flávio
Desgranges “[...] formar espectadores consiste também em estimular os indivíduos (de
todas as idades) a ocupar o seu lugar não somente no teatro, mas no mundo.”
(DESGRANGES, 2015, p. 37). O próprio Desgranges ainda afirma que
5
Este artigo detalhará os caminhos seguidos pelos dois grupos, cada um com suas
metodologias e com seus entendimentos do funcionamento do teatro. Antes, um breve
olhar sobre os estudos da velhice, mostrando diferentes tipos de envelhecimento, para que
se entendam alguns fatores biológicos e sociais presentes nos grupos. Nesse percurso
autores como Beatriz Pinto Venâncio, com sua dramaturgia da memória; Flávio
Desgranges, fundamental para o entendimento da importância da apreciação dos
espetáculos teatrais, das possibilidades de considerar essa ação como arte e a pedagogia
envolvida nisso; Augusto Boal, não somente com a técnica do teatro-jornal, mas também
o seu modo de incluir atores e não-atores, de forma dinâmica no processo, já que os dois
grupos analisados têm como uma das principais diferenças o conhecimento e o não
conhecimento do teatro. Além da técnica do teatro-jornal; Beatriz Ângela Vieira Cabral,
e o drama como uma ferramenta eficiente para o controle e para a relação com a
improvisação e o teatro, trazendo outras maneiras de os alunos se relacionarem com os
jogos e os exercícios propostos; Emanuella de Jesus e a dramaturgia de pertencimento; e
Elisabeth Sene Costa, Sônia de Amorim Mascaro e Ana Paula Cordeiro aliando a saúde,
o estudo da pessoa idosa e a arte.
Em seguida, serão detalhadas as duas experiências, com suas pretensões, questões
e resultados, voltados ao ensino a esse público específico. Ao final, uma conclusão sobre
as questões levantadas durante o relato, os pensamentos e os questionamentos presentes
neste trabalho.
6
ESTUDOS SOBRE A VELHICE
O estudo teatral voltado para o público idoso ainda é pouco difundido no Brasil.
Ao se falar em velhice, a maioria dos jovens acredita que esse estágio da vida demorará
muito a chegar. Esquecemos que viver é envelhecer.
Todos nós nos imaginamos como estaremos daqui a 20 ou 30 anos. O tempo passa
para todos, sabemos, mas e são os outros que percebem nossas mudanças. É mais fácil
percebermos as marcas do tempo em outras pessoas do que em nós mesmos.
7
De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que em 2050 existam cerca de
dois bilhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo. A expectativa no Brasil, bem
como em todo mundo, é de que existirão mais idosos do que crianças abaixo de 15 anos,
fenômeno nunca antes observado. É necessário criar, ainda mais, políticas de
desenvolvimento para o público idoso, deixando apenas de contar números e trabalhando
para uma qualidade de vida melhor.
Idade Cronológica
Idade Biológica
Ser idoso não significa estar doente, assim como ser jovem não é necessariamente
sinônimo de saúde. A idade biológica está relacionada ao envelhecimento das células que,
8
por sua vez, está diretamente ligado aos hábitos e à qualidade de vida. E essa idade
biológica poderá ser corrompida por fatores evitáveis que interferem na idade cronológica
e causam o desequilíbrio.
Vejamos um caso de duas alunas do Grupo Bela Idade. Uma é a mais velha do
grupo e a outra é uma das mais novas. Se olharmos de uma maneira superficial para idade,
chegaremos à conclusão de que a mais velha tem problemas de locomoção, visão, pele
flácida e assim por diante; a mais nova estaria, no mínimo, em condições melhores. Nesse
caso, a mais velha se locomove para as aulas em transporte coletivo, faz várias atividades
(além do grupo) durante a semana: dança, faz compras num mercado movimentado da
cidade, entre outros. Enquanto a mais nova tem problemas crônicos na coluna, tem
fibromialgia (síndrome que provoca dores por todo o corpo por longos períodos), não
pode subir escadas, fazer exercícios físicos, precisando ficar em repouso sempre que
possível.
Esse exemplo reforça a ideia de que a idade é muito mais que um fator apenas
cronológico. É comum nos depararmos com frases desanimadoras quando algumas
ilustrações e reportagens falam sobre o idoso. Por exemplo: “quando a nossa máquina
começa a falhar”, “estragos provocados pelos anos”, “decadência”, “enfraquecimento”
ou “deterioração progressiva”. (MASCARO, 2004) A velhice não é uma doença. É claro
que, com o passar dos anos, não teremos o mesmo vigor físico da juventude, mas não é a
idade, se nos cuidarmos bem, que determinará nossas fragilidades ou doenças.
9
De acordo com o Dr. Fernando Andréa, mestre em Ciências Médicas da Faculdade
de Medicina pela Universidade de São Paulo – USP, “só 5% dos velhos padecem de
senilidade.”
Idade Psicológica
O ideal é que se conquiste uma boa estrutura mental, em que as pessoas sejam
capazes de se adaptarem aos problemas, que enfrentamos desde jovens, sendo hábeis para
descobrir soluções, encontrando um equilíbrio.
A Idade Social
10
Na enciclopédia intitulada O grande proprietário de todas as coisas,
uma compilação medieval dos escritos do Império Bizantino, as idades
da vida correspondiam aos sete planetas. A primeira idade é a infância,
que dura até os sete anos. A segunda idade é chamada de puerilidade e
vai até os 14 anos. A terceira é chamada de adolescência, e pode
estender-se até os 30 ou 45 anos, e corresponde à fase da procriação. A
quarta idade é chamada juventude e chega até os 45 ou 50 anos.
Segundo Aristóteles, essa é a idade da plenitude das forças e da
capacidade do individuo de ajudar aos outros e a si mesmo. A quinta
idade é chamada de senectude, estendendo-se até os 70 anos. A partir
dos 70 anos, segue-se a fase da velhice. E a última parte da velhice é
chamada de senilidade. (MASCARO, 2004, p.39)
Assim, pudemos ter uma breve visão dos diferentes critérios que definem o
envelhecimento e construir uma base sobre o que é a velhice, parte importante para o
entendimento da funcionalidade do teatro para este tipo de público, que enfocarei nos
itens seguintes.
11
Nomes como Beatriz Pinto Venâncio2, responsável pela criação de diversas
pesquisas sobre o funcionamento da memória dos idosos para construções de cena, com
seus livros Pequenos espetáculos da memória e Breve dramaturgia da memória: oficina
de teatro com idosos, ambos em 2008; Ana Paula Cordeiro3, em Envelhecer com Arte: o
teatro e seus benefícios para a vida da pessoa idosa (2010), em que demonstra que por
meio de oficinas de jogos teatrais e do diálogo democrático, a pessoa idosa é capaz de
criar peças teatrais coletivas, tendo como mote suas memórias e suas histórias de vida;
Neyde Veneziano4, em seu artigo Teatro intergerações: processo e resultado de um
espetáculo jovem e idoso (2004), trazendo à tona a importância/possibilidade do trabalho
de teatro com idosos e jovens; Emanuella de Jesus5, em Processos Criativos com Alunos-
Atores Idosos: Caminhos para uma Dramaturgia de Pertencimento (2014), dissertação
no Mestrado em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que
trata da dramaturgia da memória, aliada à importância do sentimento de pertencimento
que os alunos-atores têm ao encenar sua própria história; Graciele Barbosa de Moraes
2
Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (1980), mestrado em Serviço
Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1985) e doutorado em Teatro pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2004). Atualmente é professora associado I da
Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Envelhecimento, com ênfase nos estudos
de memória, atuando principalmente nos seguintes temas: serviço social e formação profissional,
envelhecimento, memória, teatro e teatro comunitário.
3
É formada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista e é Mestre e Doutora em Educação pela
Universidade Estadual Paulista. Atualmente é docente lotada no Departamento de Didática da Faculdade
de Filosofia e Ciências – UNESP- Campus de Marília – SP. Coordena, desde 1999, o Projeto “Oficinas de
Teatro da UNATI (Universidade Aberta à 3ª Idade) – UNESP de Marília”.
4
Doutora e livre docente em teatro pela ECA/USP, professora no Instituto de Artes da UNICAMP, autora
dos livros “Teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções” e “A cena de Dario Fo: o exercício da
imaginação.
5
Graduada em Licenciatura em Educação Artística/Artes Cênicas pela Universidade Federal de
Pernambuco (2004). Tem experiência na área de História da Cultura Pernambucana, com ênfase no
teatro infantil. Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente
dedica-se à pesquisas relacionadas ao ensino do teatro para o idoso.
12
Barros6; Cláudia Madeira; Rita de Cássia da Silva Oliveira7, em Teatro na terceira idade:
possibilidades e limites de uma prática cênica e Teatro na terceira idade: uma
possibilidade de emancipação e auto-conhecimento, ambos em 2014, nessas publicações,
as autoras tratam do papel do teatro na terceira idade como promotor de um estado de
atividade individual nos níveis físico, mental e social, que permita a manutenção da auto-
valorização do idoso.
É difícil mensurar a quantidade de grupos de teatro que são compostos por idosos,
sendo intergeracionais ou não. Cada cidade do Brasil que tenha alguma força em teatro
muito provavelmente terá algum grupo, talvez ligado a unidades de saúde, ou a grupos de
apoio à pessoa idosa, a universidades, entre outros. Assim, os grupos passam a produzir
mais artística e profissionalmente, procurando mostrar os seus trabalhos para a sua própria
comunidade ou participando de festivais, atingindo um público mais amplo. No ceará, foi
criado em 2013 o I Festival de Teatro da Terceira Idade de Fortaleza (FESTIDADE), um
dos únicos festivais criados para suprir a nova demanda que esses grupos de teatro
suscitam. O festival não conta com patrocínios, mas a entrada é gratuita. Em 2015,
ocorreu o II FESTIDADE, nos dias 13, 14 e 15 de outubro, com sete produções teatrais,
entre peças e esquetes.
É necessário que essas produções também gerem estudos voltados para essa área.
Como toda “nova descoberta”, é imprescindível que se produzam mais estudos e
reflexões, para que essa abordagem teatral cresça qualitativamente.
6
Graduada em História-Bacharelado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2009). Mestre em Artes
Cênicas pela Universidade Nova de Lisboa - Portugal(2014). Tem Experiência na área de educação com
ênfase em estudos teatrais. Professora de teatro na Universidade Aberta à Terceira Idade(UATI) pela
UEPG. Participante de projetos sociais voltados ao teatro no Centro de Estudos Cênicos Integrados(CECI)-
Ponta Grossa-Pr e realiza projeto teatral no Parque Histórico de Carambeí-Pr.
7
Pós Doutora em Educação -Universidade de Santiago de Compostela (2011). Coordena o Curso da
Universidade Aberta para a Terceira Idade e o Curso da Universidade Continuada para a Terceira Idade na
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Coordena as linhas de Pesquisas intituladas Políticas Públicas e
Educação permanente de Jovens, Adultos e idosos e Envelhecimento, maturidade e velhice. É bolsista
Produtividade em Pesquisa - CNPq. Membro da Latin American Research Network on Ageing (LARNA) of
the Oxford Institute of Ageing at the University of Oxford.
13
AS DESCOBERTAS DO ENSINO DE TEATRO EM VILA UNIÃO
O meu primeiro contato com o ensino de teatro para idosos foi com o projeto Arte
e saúde: promovendo a comunicação e a capacidade funcional em idosos através do
teatro, coordenado pela Profª. Drª. Vanessa Lima8 do Departamento de Fonoaudiologia,
com equipe interdisciplinar formada pelos professores doutores Luís Reis9, do
Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, e Kátia Magdala 10, do
Departamento de Terapia Ocupacional, nos anos de 2013 e 2014.
8
Possui graduação em Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2004), mestrado em
Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (2007) e doutorado em Saúde Pública pelo
Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães - Fiocruz (2012). Atualmente é professora adjunta da Universidade
Federal de Pernambuco. Atua principalmente nos seguintes temas: Saúde do Idoso, Epidemiologia,
Fonoaudiologia e Planejamento e gestão em saúde.
9
Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis é jornalista e professor do Departamento de Teoria da Arte e
Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco, onde coordena o curso de Licenciatura em
Teatro. Também na UFPE, concluiu mestrado em Comunicação Social (UFPE - 2003) e doutorado em
Teoria da Literatura (UFPE-2008), com tese sobre o pensamento teatral de Hermilo Borba Filho.
10
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de Pernambuco (1988). Mestre (1999) e Doutora
(2012) em Saúde Pública pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fiocruz. Docente da Universidade
Federal de Pernambuco (Departamento de Terapia Ocupacional). Experiência na área de Terapia
Ocupacional, com ênfase em Gerontologia, atuando principalmente nos seguintes temas: idoso,
envelhecimento, saúde coletiva, gestão em saúde, linguagem, institucionalização de idosos.
11
Usarei idosas, no gênero feminino, por ter enorme maioria de mulheres entre os participantes do grupo.
14
Nossos encontros aconteciam no terraço do antigo Casarão do Barbalho (prédio
tombado, que atualmente funciona como uma escola municipal do Recife, voltada para o
ensino fundamental).
15
aprender um pouco sobre esse tema; havia muita disposição para enfrentar o desafio. As
professoras de saúde, Kátia Magdala e Vanessa Lima, diferentemente, tinham ampla
experiência no trato com o idoso.
Os idosos de Vila União foram convidados a participar desse projeto pela equipe
de saúde, que viu uma boa oportunidade de aprendizado para aquelas pessoas. No entanto,
será que os idosos realmente desejavam participar de um grupo de teatro? Eles estavam
utilizando sua autonomia para buscar outras possibilidades de aprendizado ou foram
convencidos a estar no Casarão sem entender o que estavam fazendo por lá? Para se
fazer/estudar teatro, é preciso que se tenha um mínimo de vontade. Não se pode impor
que alguém atue, principalmente sem ter algum entendimento dos caminhos e das
possibilidades que o teatro tem a oferecer.
Nos primeiros dois encontros, os dois únicos homens do grupo desistiram. Saíram
por acharem, de acordo com eles, que a arte do teatro era coisa apenas para mulheres. Em
dias esporádicos, um dos homens aparecia, talvez por engano, no espaço de aula,
acreditando ser o dia em que seria atendido para consulta médica, indo embora, quase
sempre, na metade da aula. O grupo se tornou um grupo de mulheres idosas. E foi no
período de acomodação a toda essa situação que descobrimos que as idosas presentes não
se conheciam propriamente, a rigor, não eram um grupo, muitas nem sequer sabiam o
nome das colegas.
Agora, o nosso planejamento inicial não existia mais. As idosas não eram um
grupo e não sabiam o que era teatro. Ao serem questionadas sobre o significado do teatro,
as respostas mais comuns tinham como parâmetro a teledramaturgia. Tal posicionamento
não é surpresa, especialmente no Brasil, país em que temos uma grande diversidade de
novelas, atingindo de maneira mais efetiva o espectador, por meio da televisão. A busca
do fortalecimento do grupo e de fazê-las entender o funcionamento do teatro foi o ponto
16
de partida para que apresentássemos a proposta da pedagogia do espectador. Por que
espectadores?
18
Figura 2 - Jogo das frutas
19
Figura 3 - "O que? O ganso!"
Houve também dois exercícios que gostaria de destacar, que foram feitos apenas
uma vez, mas que foram muito proveitosos. 1- Bolo de Laranja – Objetivo: Refletir e se
posicionar de forma critica, em relação a um determinado tema por meio de um ator-
personagem. Antes do inicio do exercício, uma história é contada: “Uma idosa, com
poucos recursos financeiros, foi a uma padaria encomendar um bolo de laranja com
cobertura de chocolate para o aniversário de seis anos do seu neto. Era o bolo preferido
dele. Era o presente que ele mais pediu para a sua avó no seu aniversário. Após ter ficado
pronto, a idosa pegou o bolo na padaria e o levou até a sua casa. Quando partiu o bolo, na
comemoração do aniversário do seu neto, percebeu que o bolo era só de chocolate. Voltou
até a padaria para pegar o bolo correto. No entanto, o padeiro diz ter certeza absoluta de
que a idosa pediu um bolo de chocolate com cobertura também de chocolate. O padeiro
não pode devolver o dinheiro e nem fazer outro bolo, porque será demitido. Quem está
certo nessa história, o padeiro ou a idosa?”
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assumir o personagem do padeiro, por meio dos adereços. O mesmo valeu para o grupo
que defendia a personagem da idosa.
Umas das primeiras mini aulas enfocou a arte da maquiagem cênica, pois
entendemos que algumas delas teriam uma aproximação maior com esta linguagem,
mesmo que informalmente, em outro âmbito, que é a maquiagem para o dia-a-dia. Para
ter um entendimento melhor da capacidade de transformação que a maquiagem pode
trazer para um ator, falamos sobre a fisionomonia12, instigando as curiosidades desse
estudo e seu funcionamento para a maquiagem Cênica.
Figura 5 – Maquiagem
12
Estudo do rosto, suas expressões, seus formatos.
22
O próximo elemento foi o figurino. Para auxiliar na compreensão do figurino, sua
construção, sua idealização e seu formato, levamos alguns croquis de estudantes e ex-
estudantes da UFPE, quando fizeram projetos de figurinos em algumas disciplinas.
Assim, reiteramos a importância do “conceito” para a criação e a encenação de um
espetáculo com os seus elementos. Os croquis seriam como base concreta para mostrar
as referências utilizadas no figurino e os resultados obtidos. Nessa mesma mini aula, os
estagiários de teatro apresentaram uma leitura do texto O preceptor, de Jakob Lenz, sem
o figurino e sem maquiagem. Logo depois, fizemos a mesma leitura utilizando a
maquiagem e o figurino, para que elas refletissem sobre a diferença da leitura com e sem
os elementos. As idosas nos contaram que os elementos facilitaram a compreensão do
texto e se envolveram mais na história. Aqui, posso afirmar que foi a primeira vez em que
assistiram a uma leitura dramatizada. A luta para se tornarem espectadoras estava sendo
conquistada a cada aula.
Figura 6 – Figurino
Ainda nesse dia, após a aula de iluminação, tivemos uma aula-espetáculo com o
ator e diretor Carlos Reis. A figura de Carlos Reis para as idosas foi muito importante.
Nessa aula-espetáculo, ele falou sobre sua carreira no teatro, espetáculos e personagens
marcantes. Entre outras funções, hoje, ele é diretor da Paixão de Cristo de Nova
Jerusalém. As idosas do grupo, em sua grande maioria, são religiosas. Para se criar um
bom espectador, um espectador ativo, é preciso que o indivíduo se interesse em assistir
aos espetáculos, para ter mais vontade de pensar sobre as peças vistas, de refletir de
maneira autônoma sobre as provocações geradas por esses trabalhos. Assim, as idosas
vibravam pelos personagens da Paixão de Cristo encarnados por Carlos Reis, no palco,
pedindo para que ele interpretasse todos os personagens. Foi impressionante perceber
como os textos ditos por ele, com nossa improvisada iluminação, foram assimilados,
comentados, discutidos com veemência por elas. Perceberam que ali se fez teatro.
24
O primeiro teatro visitado pelas idosas foi o Teatro de Santa Isabel. A importância
que esse teatro tem, no imaginário dos pernambucanos, é enorme. Todos reconhecem esse
teatro como patrimônio histórico brasileiro, sobretudo pernambucano. Com as nossas
idosas não foi diferente. Até o inicio deste projeto, nenhuma delas havia tido a
oportunidade de visitar essa casa de espetáculos. A oportunidade empolgou o grupo.
As idosas adoravam viajar, ter uma aula de campo. Aquele momento as tirava da
rotina, trazendo a elas uma oportunidade de se inserir na sociedade. Era o dia em que
chegavam mais cedo e em que mais se organizavam como grupo. Agora, começando a
empregar a palavra “grupo” em seu sentido concreto, mais do que um mero conjunto de
pessoas, mas uma comunidade, em que há diálogo, troca.
Na visita, elas puderam explorar quase todos os locais do Teatro de Santa Isabel,
matando curiosidades que estavam guardadas há tantos anos, realizando um desejo
também antigo. Foram em quase todos os locais, porque existem lugares com muitas
escadas e com acesso dificultoso para o grupo. Nada que tirasse o brilho da visita. Elas
ficaram encantadas com o Santa Isabel. Talvez, elas achassem que frequentar esse teatro
não fazia parte da sua realidade, porém ao estar lá dentro, se sentiram parte daquele lugar.
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Figura 9 - Visita técnica - Teatro de Santa Isabel Figura 10 - No espetáculo Vamos Falar de Amor
Após todas as mini aulas, percebemos que o grupo necessitava de um teste mais
prático. Para isso, foram feitas mediações para o pré e o pós-espetáculos. As mediações
para o pré-espetáculo enfocavam a temática da peça, sendo feita, com algumas
adaptações, da seguinte maneira:
O primeiro espetáculo a que assistimos foi o Rei Lear no meu quintal13, em 2013,
no Teatro Hermilo Borba Filho. Esse teatro, por ser um espaço de configuração flexível,
podendo ajustar suas arquibancadas para diversas formações diferentes, foi utilizado
como exemplo prático para as variadas disposições teatrais em que um espetáculo pode
ser apresentado. Assim, reforçando o conteúdo ministrado em mini aulas anteriores.
13
A montagem é uma recriação baseada na obra O Rei Lear, de Shakespeare, e segue a ótica das irmãs
Goneril, Regana e Cordélia, enfatizando a trágica competição pelo amor e pelo poder dos pais. A criação
original foi escrita em meados de 1605, e chegou a ser considerada uma tragédia impossível de ser
encenada. O espetáculo tem a dramaturgia e a adaptação de Luís Reis, com a direção de Marianne
Consentino.
26
Para prepará-las para o espetáculo, falamos sobre Shakespeare e suas peças mais
conhecidas; os símbolos presentes na encenação; a relação do personagem Rei Lear com
a velhice, que foi um ponto muito importante para suscitar a reflexão do grupo com os
personagens e a história da peça.
27
Fechamos o ano de 2013 com as reflexões sobre as visitas que fizemos, o
espetáculo a que assistimos, os exercícios, os jogos, além de uma retrospectiva geral do
que aconteceu naquele ano com a equipe de saúde.
Por vezes, a arte não é valorizada da forma que deveria. São em momentos de
comoção como esses que percebi a comprovação da força que o teatro pode ter na vida
das pessoas. O modo como o teatro entrou na vida desse grupo, que não tinha nenhuma
familiaridade com esse tipo de arte, e que agora emociona. É claro que a motivação
religiosa foi enorme, mas é algo que se concretiza por meio do teatro. São, para elas, as
realizações de desejos e de sonhos; algo que, para nós – talvez, fosse apenas mais um
passeio dentre tantos.
As mediações, feitas por nós para esse espetáculo, seguiram a mesma linha que as
do ano passado. Falamos da origem da Nova Jerusalém, o maior teatro ao ar livre do
mundo; a criação do texto para o espetáculo; a quantidade de atores e personagens; a
direção e seus assistentes; o papel das pessoas que trabalham para o espetáculo funcionar;
a importância dele para o panorama teatral brasileiro; e, já que elas nunca haviam ido à
Nova Jerusalém e nem imaginavam como seria assistir ao espetáculo, detalhamos cena
por cena e a locomoção que os espectadores precisavam fazer para poder assistir à peça,
28
com tranqüilidade. Por conta das idosas que tinham mais dificuldades de locomoção,
reservamos nossa ida para o dia em que a produção acolhe, prioritariamente, as pessoas
idosas e com deficiências.
Fizemos uma grande preparação para esse dia, que foi uma experiência que gerou
comentários durante o ano inteiro. Os corpos das idosas, com suas pernas cansadas,
resistiram três horas em pé, caminhando, sem reclamar. O cansaço só foi sentido ao voltar
ao ônibus, ou no outro dia.
Para nos ajudar a montar essas mini aulas de confecção de bonecos, convidamos
a Profª Regina Campello. Regina ministrou uma aula teórico-prática, em que trouxe
vários exemplos de bonecos e apresentou variadas formas de manipulação.
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Criei uma boa expectativa sobre esse assunto. As idosas já estavam mais
conscientes das possibilidades do teatro, embora ainda com suas limitações, naturais para
o grupo que, até maio, só tinha tido 23 encontros com as aulas de teatro.
A utilização dos bonecos no grupo foi válida. Apesar de algumas atrasarem a sua
confecção, que relaciono com o medo de estar pronta para experimentar a cena também.
Outras fizeram vários bonecos, criando pequenas histórias e relações entre elas. Não foi
possível criar algum espetáculo, ou mesmo cena, em 2014. Mas, os improvisos sempre
aconteciam durante as aulas. Aos poucos chegará o dia em que as cenas serão
compartilhadas com o público.
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arquitetônica de Oscar Niemeyer. Nesse teatro, elas conseguiram ter acesso a todos os
lugares, pudendo comparar as estruturas dos teatros visitados: Milton Baccarelli, Santa
Isabel, Hermilo Borba Filho e Luiz Mendonça. O Luiz Mendonça era o mais novo entre
os visitados, com uma grande estrutura para comportar shows e peças.
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Figura 16 - Equipe e Idosos de Vila União
A segunda experiência tratada neste artigo é a que vivi com o grupo de teatro da
terceira idade do SESC Santa Rita, conhecido pelo nome de Bela Idade. Estagiei dois
anos no SESC. No meu primeiro ano de estágio (2014), acompanhei, entre outras
atividades, a circulação do espetáculo Vamos Falar de Amor, construído com base nas
memórias afetivas dessas idosas14 integrantes do grupo.
Desde a minha entrada, pude perceber o envolvimento que as idosas tinham com
o espetáculo e, até então, não sabia muito sobre o seu processo de criação. Na observação
geral, percebi que o trabalho tinha sido marcante para elas, por se tratar, no meu
entendimento, de assuntos que estavam esperando para serem expostos de alguma forma.
No que diz respeito à atuação, os atores tinham domínio sobre o texto e suas
emoções eram colocadas onde queriam. O que me incomodou naquele momento dizia
respeito a certa fragilidade do corpo na cena. Como, por exemplo, em cenas que
14
Apenas um homem faz parte do Bela Idade, por isso considero justo tratar o grupo como idosas.
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retratavam algum episódio da juventude daqueles idosos. Mas o quanto de
disponibilidade física poderia se exigir de um idoso? Que marcas físicas e psicológicas o
corpo de um idoso carrega?
A experiência que tive com o grupo de Vila União foi muito importante para as
minhas reflexões acerca do trabalho do Grupo Bela Idade. Trabalho iniciado com a minha
participação na produção executiva do espetáculo durante a temporada de 2014, que
contou com 13 apresentações em três teatros da cidade do Recife, na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, no auditório da Secretaria de Educação do Estado de
Pernambuco e em palcos de três cidades do interior (Triunfo, Belo Jardim e Garanhuns).
O Vamos Falar de Amor iniciou sua trajetória em outubro 2012 com o grupo que
à época fazia parte do SESC Piedade, e era chamado de Grupo de Teatro Sedução.
Emanuella de Jesus, funcionária da Unidade de Piedade, ao ser transferida para a Unidade
Executiva de Santa Rita para assumir o cargo de supervisora, não poderia continuar o seu
processo com as idosas em Piedade, e, devido a este fato, o grupo migrou de forma
espontânea para Santa Rita, a fim de que a construção do processo tivesse continuidade.
O espetáculo encerrou suas atividades em novembro de 2014 no Teatro Arraial Ariano
Suassuna.
Com a finalização das apresentações desse espetáculo, que foi uma experiência
muito marcante na vida dos idosos envolvidos, o grupo precisaria tomar um novo rumo e
iniciar um novo ciclo. E como dar continuidade ao trabalho com o Grupo Bela Idade?
Como sair de uma experiência tão exitosa e dar início a um novo processo? E, de que
maneira, eu, como estagiário de teatro da Unidade, poderia estar mais inserido, nessa
experiência formativa?
33
Para o novo momento com o Grupo Bela Idade, já em 2015, Emanuella de Jesus,
professora de Teatro, da Unidade SESC Santa Rita, que no momento exerce a função de
supervisão do setor de cultura desta unidade, mas que também continua como a professora
responsável pelo Grupo Bela Idade, propôs que eu e Marcos Medeiros, outro estagiário
de teatro do SESC Santa Rita, fizéssemos parte desta nova etapa que o grupo iniciaria,
com o objetivo de que essa experiência fosse parte de nosso processo formativo de
estágio. Marcos, porém, colou grau na UFPE em julho deste ano (2015) e por este motivo
seu estágio findou-se antes do término de nossa pesquisa e do período de escrita deste
artigo. No entanto, Marcos, que também acompanhou o grupo desde o ano anterior, e é
parte essencial do processo, continua conosco até o fim deste ciclo que vai,
aproximadamente, até o início de 2016.
O fato de terem o texto como a base da prática teatral e como única forma de obter
um resultado esperado, deixava os atores-idosos presos a uma única ideia de estudar e de
fazer teatro. Com o tempo, eles foram assimilando os conceitos propostos pela diretora-
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pedagoga - como ela se refere a si, baseada no conceito de diretor-pedagogo do professor
doutor Robson Haderchpeck, no qual afirma que todo encenador que tem seu processo
criativo baseado em fundamentos pedagógicos pode ser denominado um direto-pedagogo
- e, desta maneira, suas memórias se transformaram em arte.
Nossas aulas aconteciam sempre às sextas-feiras à tarde, das 14h às 16h. Para este
novo momento, eu, Marcos Medeiros e Emanuella de Jesus (agora como orientadora do
nosso processo) ficamos instigados em apresentar uma nova proposta de processo
criativo, que poderia, ou não, culminar em uma nova montagem. Para tal, resolvemos
trabalhar com o conceito de jogos teatrais, que são exercícios em que pessoas se veem
envolvidas na criação de personagens ou que de alguma maneira exercitem o pensar e a
imaginação. Alguns dos jogos utilizados são baseados no repertório construído por meio
das vivências que tivemos no teatro, e outros são baseados e desenvolvidos por Viola
Spolin15. Além de técnicas e de exercícios de Augusto Boal16.
15
Viola Spolin (Estados Unidos 1906 – 1994) foi uma atriz e diretora norte-americana. Desenvolveu jogos
de improvisação que focam na individualidade, criatividade, adaptando e focando o conceito de jogo para
destravar a capacidade do indivíduo para a auto expressão criativa.
16
Augusto Pinto Boal (Brasil 1931 - 2009). Diretor, autor e teórico. Por ser um dos únicos homens de teatro
no Brasil a escrever sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho, torna-se uma referência
do teatro brasileiro. Principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960. Criador do teatro
do oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro a ação social.
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Nesse novo início, as dificuldades que existiam em se conectarem aos jogos
teatrais propostos à época do Vamos Falar de Amor diminuíram e a maioria dos idosos
integrantes do grupo já estavam mais predispostos à prática do jogo, o que se
caracterizava como um avanço. Trabalhamos muito com a improvisação, buscando a
espontaneidade na cena. Para Sandra Chacra, “O caráter fundamental da improvisação é
a espontaneidade, e esta é o alimento e a base da arte do ator: arte da flexibilidade, do
imprevisto e das surpresas, mas também é a arte do controle e da adaptação.” (CHACRA,
1983, p. 70)
Essas aulas iniciais serviram também para entender a disponibilidade das alunas-
atrizes com a nossa metodologia, além do funcionamento dos exercícios, afinal nós já as
conhecíamos, mas não tínhamos trabalhado de forma direta com elas. Buscávamos uma
liberdade na criação cênica, dando base para um bom funcionamento do corpo e da voz.
As aulas estavam sendo interessantes e experimentamos muita coisa nesse primeiro
momento, de maio a julho.
O silêncio para a prática dos exercícios foi uma conquista. Um exercício que foi
fundamental para isso, foi o jogo dos números. O jogo é simples. O grupo faz um circulo
e deve contar de um até dez. Só se pode dizer um número por vez. Caso duas pessoas
digam ao mesmo tempo, o jogo volta para o número um. O objetivo desse exercício é,
fazendo um paralelo com o teatro, controlar a ansiedade do ator em cena, e promover a
escuta do outro, ouvindo e falando na hora correta.
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Em outros exercícios, pedimos para que elas sempre refletissem sobre a
funcionalidade de qualquer atividade. Por muitas vezes, elas não conseguiam relacionar
o exercício com a prática teatral, achando que era apenas “ginástica” ou “brincadeiras”.
Para instigar melhor essa reflexão, explicávamos a funcionalidade de todos os exercícios
e posteriormente deixamos outros para a reflexão delas. Assim, aos poucos, foram criando
e costurando essas conexões.
Escolhemos, para isso, alguns anos que traziam fatos históricos marcantes no
Brasil e no mundo, como, por exemplo: a chegada do homem à lua, a cheia que inundou
o Recife em 1975 ou a morte do ex-presidente da República Tancredo Neves.
Dividimos os encontros em: numa aula eram trabalhadas as leituras dos fatos
históricos e a escrita das memórias; na aula seguinte, um grupo encenava uma história do
jornal e o outro uma cena com as memórias. As escolhas sobre qual material seria
trabalhado eram feitas por nós que conduzíamos o processo. Depois de um número
determinado de aulas, fechávamos o ciclo e aproveitávamos as melhores construções para
serem trabalhadas novamente.
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eram escritas eram ditas na conversa final de cada aula. A narrativa da memória era
acessada mais facilmente do que na escrita.
Enquanto estávamos tentando encontrar o nosso tema e fazer surgir nas alunas as
suas próprias memórias contidas naqueles acontecimentos históricos, o grupo voltava a
sentir necessidade do texto escrito, aquilo que eles acreditam ser a base para o bom
funcionamento de um processo criativo, necessidade gerada de algumas dificuldades que
as levaram a retroceder em certos avanços conquistados anteriormente.
Esse conjunto de fatores deixou nossas aulas dispersas e nos deixou também com
uma problemática: como lidar com os fatores externos ao nosso processo de criação?
38
As memórias eram muitas. Às vezes, eles não queriam falar, às vezes falavam
demais, porque o tema ainda parece machucar, mas ao mesmo tempo também traz alívio
nos tempos atuais.
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da ditadura militar brasileira, para revelar informações distorcidas pelos jornais da época,
todos sob censura oficial.
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Duas alunas se sentiam, desde o princípio, incomodadas pela possibilidade desse
novo processo tornar-se longo demais, gostariam de um rápido retorno aos palcos, isso
provavelmente estava ligado ao êxito da experiência anterior. Depois de 25
apresentações, durante dois anos, do Vamos Falar de Amor, era natural que isso de
alguma maneira acontecesse; mas também há questões individuais. Esse comportamento,
no entanto, começou a reverberar em outros alunos, que se juntaram a elas nas suas
reivindicações.
41
experimento, ao ser definido como produto final, ficasse leve, ou seja, que eles
expressassem a perda e a dor dessa época, mas que ao mesmo tempo pudessem trazer
risadas ou que essas histórias fossem contadas de um modo mais brando. A preocupação
delas é a de que o público tenha, apenas, a sensação de tristeza durante e após o
espetáculo.
Para o quarto e último momento, que aconteceu a partir de outubro de 2015, foi
trabalhada a formação do espetáculo. O que esperávamos que se tornasse apenas uma
apresentação de um processo teatral foi se concretizando, aos poucos, em um espetáculo.
Depois de muita experimentação e da maturação do tema, resolvemos montar um
espetáculo guiado por três diretrizes: 1- As histórias escritas e as narradas pelas idosas;
2- As cenas originadas da técnica do Teatro-Jornal; 3- e a inspiração em uma exposição
chamada Ausênc'as do fotógrafo argentino Gustavo Germano, que coloca lado a lado duas
fotos (uma na época da ditadura e uma nos tempos atuais) em que é mostrado o vazio
deixado em suas famílias ou circulo de amigos, pelas pessoas mortas na ditadura.
42
Figura 20 - Foto da mostra Ausênc'as
Existem cenas em que os textos são frutos diretos das memórias das idosas e outras
que têm a memória como a essência da cena, inspirando outras formas de dramaturgia.
Logo, esse trabalho está sendo construído com referências em várias fontes, que
deságuam na principal: a ditadura e suas relações com os idosos presentes no grupo. O
nome do espetáculo ainda não foi definido, já que a pesquisa continua em andamento e
que o experimento tem previsão para ser finalizado em janeiro de 2016.
A estrada que une os jornais, a memória e a cena ainda está sendo pavimentada.
Mas já é possível afirmar que ninguém está do mesmo jeito que começou, provando
concretamente que nós nunca deixamos de aprender, não importa a idade.
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que merece atenção e que mostra o quanto estão aptos a aprender e a conquistar um espaço
cativo na cena teatral brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não existe um método que seja 100% eficaz para se trabalhar teatro com idosos,
nem qualquer outra faixa etária. O ensino de teatro para esse público está caminhando
para um entendimento maior, por meio de relatos e de artigos, revelando experiências
com esse determinado público.
Nas minhas vivências, tive o prazer de trabalhar com dois perfis de idosos
diferentes. Um, o de Vila União, era um grupo iniciante no teatro e ainda não tinham
certeza se queriam aprender algo sobre essa arte. Só estavam, praticamente, na hora e no
lugar certo. Estavam carentes de autonomia e buscavam uma mudança de rotina; o outro,
o Bela Idade, era um grupo com experiência em teatro, que buscava aprender e participar,
por vontade própria, das aulas, mas resistentes a algumas metodologias teatrais.
Esses perfis diferentes me fizeram ter um olhar mais amplo em relação ao ensino
do teatro na terceira idade. Alguns exercícios, por exemplo, ao serem aplicados nos dois
grupos, tiveram similaridades e muitas diferenças. O teatro é inerente ao ser humano. Não
necessariamente elas têm consciência disso, mas se deixam levar pelo interesse que as
move a fazer teatro.
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As pesquisas na formação do espectador estão mais avançadas, diversificando as
metodologias de atuação em diversos grupos. No entanto, essa metodologia é muito
voltada para formação do espectador ainda na infância, pois é nessa época que a criança
está no início de sua formação e pode ser educada mais facilmente para apreciar teatro.
Com os idosos, pressupõe-se que já estão com pensamentos formados e que estão menos
predispostos a novas aprendizagens. A experiência em Vila União mostra que a
construção de um espectador ativo não tem idade. A formação desse idoso se dá de forma
mais lenta, mas tem o beneficio da experiência de vida na reflexão dos temas abordados.
É necessário educar os idosos a frequentar teatro, pois é importante que todas as pessoas
tenham a possibilidade de apreciar essa arte. É nos idosos também que temos mais uma
maneira de cativar um público, podendo ainda ter a capacidade de perpetuar essa arte, por
meio da aprendizagem de gerações.
Tanto no Bela Idade, quanto em Vila União, as metas foram cumpridas. Por vezes,
é necessário modificar os planejamentos de acordo com a demanda que o grupo apresenta.
Ser um espectador é tão arte quanto ser ator. Os dois têm papéis fundamentais para a
concretização e para o funcionamento do teatro. Eles sozinhos não sobrevivem. A
esperança é a de que em Vila União elas consigam se tornar autônomas em apreciar teatro,
e que no Bela Idade elas consigam absorver maneiras diferentes de abordar teatro,
qualificando o seu repertório de atividades. Assim, as formações dos grupos atingiram o
que foi proposto, trazendo para a cena teatral idosas capacitadas a pensar e a produzir
teatro. Infelizmente, as idosas do Bela Idade estão deixando de assistir teatro, por falta de
tempo, pelo cansaço, pelas produções teatrais individuais. Mas, essa é mais uma luta em
que temos que alertar a importância de quem faz teatro, assisti-lo também.
Uma das maiores dificuldades que tive foi a falta de presença em sala de aula, nos
dois grupos. Saber lidar com as faltas, tentando não comprometer o trabalho que estava
sendo feito foi um desafio muito grande. A maioria das faltas se dava por motivo de saúde,
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e isso o ser humano, de certa maneira, não pode controlar. Foi difícil administrar o grupo
e fazê-lo entender que a falta de uma pessoa não justifica a se outra. Gerir pessoas num
grupo de teatro foi uma das diversas funções que tive que assumir durante esses três anos
de trabalho com idosos. A maior dificuldade, talvez, foi a de entender o meu
posicionamento frente a algumas questões. Até que ponto o condutor do processo pode
ser duro ou brando nas situações? Até que ponto as idosas estão com preguiça de fazer
exercícios ou estão realmente cansadas? Existe um tratamento diferente por causa da
idade?
É necessário entender que ser idoso implica uma série de limitações. É preciso
que saibamos adaptar algumas metodologias para esse público, para que aproveitem os
conteúdos da melhor maneira. No entanto, é importante criar um olhar de análise, que o
tempo de maturação com o grupo vai lhe proporcionar, sempre tentando mantê-los ativos
na sala de aula, buscando superar os seus limites.
Trabalhar com idoso não tem mistério. São pessoas capazes de aprender, e que
estão à espera de alguém para ensinar. O teatro, por ser democrático, é uma das primeiras
artes a serem procuradas pelos idosos.
Lembro ainda que muitas questões foram levantadas durante a feitura deste artigo,
o que provocou inúmeras reflexões da minha parte, e é natural que algumas fiquem em
aberto para serem concluídas com a contínua pesquisa desse tema, além de tantas outras
que foram levantadas durante as leituras deste artigo, e por meio de outras pesquisas que
virão.
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REFERÊNCIAS
BOAL, Augusto. Jogos para Atores e não atores. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2012. 366 p
47
______________ Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6ª Ed. Editora:
Civilização Brasileira S. A., 1991. 234 p.
CABRAL, B. Â. V. Drama como método de ensino. São Paulo. Editora: Hucitec, 2006.
125 p.
CORDEIRO, A. P. Envelhecer com Arte: o teatro e seus benefícios para a vida da pessoa
idosa. 2010. Disponível em:
<http://www.partes.com.br/terceiraidade/envelhecercomarte.asp> Acesso em: 30 de
Maio de 2015.
KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2011. 160 p.
49
<http://www.dpnet.com.br/anteriores/1998/09/13/urbana12_0.html>Acesso em: 06 de
Junho de 2015.
<http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/espacosculturais/teatro-arraial/>Acesso em:
28/09/2015
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