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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

Gabriel Lach Queiroz

CORPOS PCD NAS ARTES CÊNICAS

Campo Grande – MS
2022
Gabriel Lach Queiroz

CORPOS PCD NAS ARTES CÊNICAS


Uma Reflexão social, filosófica e material

Trabalho apresentado à Universidade


Estadual de Mato Grosso do Sul, como
parte da avaliação da disciplina de
Itinerários Científicos I.

Professora: Dra.Rosana Baptistella.

CAMPO GRANDE – MS
2022
“O que me interessa não é como as
pessoas se movem e sim o que as
movem”.

Pina Bausch
Agradecimento

Agradeço a minha mãe Juliana Lach Queiroz por nunca desistir de mim e sempre me
dar forças mesmo em maiores crises e ainda ser um dos meus exemplos que sigo para a minha
vida.

A professora Rosana Baptistella por me incentivar a pesquisar e conhecer melhor esse


mundo da pesquisa.

E aos meus amigos e colegas do curso de teatro da UEMS que me aceitaram e me


colocaram neste curso como a minha segunda casa. Agradeço a vocês do fundo meu coração.

Resumo

Este trabalho tem o objetivo de propor técnicas que podem ser utilizadas para o
trabalho de corpos com deficiência nos projetos de artes cênicas nas escolas e instituições.
Busquei, em minhas reflexões e experiências pessoais durante a formação no ensino regular
em escolas públicas, entender as angustias de pessoas PCD´s nos projetos culturais e artísticos
que, infelizmente, ainda são considerados extracurriculares. Incluir é muito mais do que
colocar alunos PCD´s na sala de aula, incluir é mudar paradigmas tanto, nas estruturas físicas
das instições quanto na mentalidade dos nossos governantes e corpo docente. É importante
que a questão da inclusão seja levada a sério na formação de nós educadores. O direito a
igualdade de oportunidades deve ser garantido. Outra observação que faço é sobre a
importância do estudo das artes cênicas não apenas como um complemento para outras
matérias mas, sim, como indispensável da formação crítica, social e politica de nossa
sociedade.

Palavras-chave: Corpo, Pessoa com Deficiência, Dança, Teatro, Jogos, Inclusão.

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo proponer técnicas que puedan ser utilizadas para el
trabajo de cuerpos con discapacidad en proyectos de artes escénicas en escuelas e
instituciones. Busqué, en mis reflexiones y experiencias personales durante mi formación en
la educación regular en escuelas públicas, comprender la angustia de las personas con
discapacidad en proyectos culturales y artísticos que, lamentablemente, aún se consideran
extraescolares. Incluir es mucho más que poner a los estudiantes de Personas Con
Discapacidad en las aulas, incluir es cambiar paradigmas tanto en las estructuras físicas de las
instituciones como en la mentalidad de nuestros gobernantes y docentes. Es importante que el
tema de la inclusión se tome en serio en la formación de los educadores. Debe garantizarse el
derecho a la igualdad de oportunidades. Otra observación que hago es sobre la importancia de
estudiar las artes escénicas no sólo como complemento de otras materias, sino como
indispensables para la formación crítica, social y política de nuestra sociedad.

Palabras-Llave: Cuerpo, Persona con Discapacidad, Baila, teatro, Juegos,


Inclusión
CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO

O corpo diferenciado em seus primeiros registro nas artes era visto como uma
aberração ou um elemento cômico, popularmente apresentados em circos no final da Idade
Média até meados do Século XX; esses corpos eram tratados de maneira desumana, como
objeto jocoso e amedrontador em espetáculos conhecidos como “Freak Show” que eram
considerados uma manifestação artística inferior. Compensatóriamente, o primeiro grupo de
teatro para deficientes auditivos, surgiu no ano de 1919 em Moscou na Rússia. Em 1930, a
Sociedade Russa dos Surdos, organizou uma turnê que fez um grande sucesso. Já nos anos 80,
e ainda na Rússia, o diretor Igor Napokoyev desenvolveu um espetáculo e criou um grupo
teatral para pessoas portadoras da síndrome de Down. No ano de 1997, no Brasil, a diretora de
teatro Paulo Wenke deu início ao projeto Teatro dos Sentidos; voltado para pessoas com
deficiência visual o projeto se expandiu e fez um grande sucesso de público e crítica. As
técnicas desenvolvidas pelos grupos do Teatro dos sentidos segue inspirando muitos
educadores em projetos nas escolas e instituições voltados para a inclusão de pessoas com
deficiência visual.

LEGISLAÇÃO ATUAL E INCLUSÃO

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146, de 6 de julho


de 2015, é um conjunto de dispositivos destinados a assegurar e a promover, em igualdade de
condições com as demais pessoas, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por
pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania.

ART. 42 As pessoas com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao


lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso:

I- a bens culturais em formato acessível;


II- a programa de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em
formato acessível;
III- a monumentos e locais de importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou
eventos culturais e esportivos.

Nos projetos culturais de teatro de dança promovidos nas escolas o estudante com
deficiência deve ter o seu direito à participação garantido. Segundo a lei, mais
especificamente no Art. 28, item XV da Lei Brasileira de Inclusão; as atividades realizadas no
ambiente escolar devem ser oferecidas aos alunos com deficiência em igualdade de condições.

TEATRO E DIVERSIDADE

Teatro não como espetáculo

Precisamos entender que o teatro vai além do produto final. O fazer teatral tem muitas
formas que podem e devem ser usadas na educação e no desenvolvimento de projetos
voltados para inclusão. Teatro não é apenas estar em cena, existem diversas funções ligadas ao
teatro e que podem ser inseridas em um projeto cujo o foco é a diversidade. Figurino, som,
pesquisa, cenário, roteiro e direção precisam ser inseridos no projeto como parte de uma
construção educacional interdisciplinar voltada, tanto par o desenvolvimento de habilidade
como para aprendizagem de técnicas variadas. Aproveitar os conhecimentos prévios dos
alunos é fundamental. Sempre levando em consideração a arte, a dança e o teatro como parte
importante do currículo escolar e não apenas apoio pedagógico para outras disciplinas ou em
datas comemorativas. O teatro para educação inclusiva não deve ser visto apenas como uma
terapia para alunos com necessidades especiais, ela deve ser proposta como uma forma de
agregar valor ao trabalho e a presença de pessoas PCD´s num grupo.

Cuidado com preconceitos e esteriótipos

O fazer teatral que vai além do espetáculo também leva em consideração a questão do
preconceito e também dos esteriótipos reproduzido na nossa sociedade. Escutar o grupo,
promover debates e produzir roteiros em conjunto com a equipe inserida no projeto precisa
ser o primeiro passo. Precisamos ficar atentos, princialmente no ambiente escolar, sobre a
marginalização que alguns indivíduos sofrem; incluir não é apenas colocar o aluno PCD ou
com qualquer “diferença” em uma sala de aula junto à alunos “típicos” ou “neurotípicos”. O
preconceito e a discriminação têm muito mais haver com quem pratica do que com quem é
atingido e um educador com formação politica, social, crítica e material tem obrigação de
levar a discussão para os seus projetos na formação dos alunos. O teatro é uma importante
ferramenta para o debate de questões como essa nas escolas e instituições, por isso, devemos
tratar com seriedade e responsabilidade o ensino das artes, da dança e do teatro nas escolas;
descolonizar o olhar e levar sempre em consideração o valor cultural, político e social na
construção de uma sociedade mais justa.
Teatro é coletivo

Segundo a pesquisadora Rosyane Trotta, especialista em teatro de grupo e sistema


auto-organizativo de autogestão da UNIRIO, “… só hà teatro de grupo quando o objetivo de
cada integrante é o de formar e expressar a personalidade do coletivo – e não sua própria,
ou melhor dizendo, quando as individualidades se colocam disponíveis para criar uma
cultura comum e se formar por ela (…) o que não quer dizer que dentro do grupo não haja
individualismo mas é o individualismo que não quer eliminar o coletivo e que, antes, depende
dele.” (1995. P.22).

Criar uma interação com a comunidade é importante para qualquer projeto


pedagógico. Buscar uma identidade para o grupo trabalhado e para escola é construir um
projeto teatral e integrador com personalidade e que terá maiores chances de continuidade. O
pensar coletivo para a comunidade de pessoas com deficiência é fundamental.

JOGOS CORPORAIS E O CORPO PCD

Segunda a teatróloga estadunidense Viola Spolin: “O jogo é uma forma natural de


grupo que propicia o envolvimento e a liberdade pessoal necessário para a experiência”.
(Spolin, apoud Neves e Santiago, 1992, p.4).
Os jogos corporais são fundamentais para a nossa formação como teatrólogos,
educadores e professores. No mundo acadêmico é significantemente aprofundado o estudo
dessas técnicas. No teatro é necessário que se trabalhe com a cultura corporal a partir de jogos
e brincadeiras para compreendermos e questionarmos as questões sociais.
Precisamos entender e aceitar que corpos são distintos, diferentes não só na aparência
como, também, nos movimentos. Todos temos capacidades porém, sem querer ser
“capacitista” é preciso assumir que algumas capacidades e habilidades podem ser
desenvolvidas e outras não. E isso, não nos torna melhores ou piores, apenas diferentes. O
jogo teatral é importante para a formação do ator e o desenvolvimento de uma equipe coesa,
porém, precisamos adaptar os jogos no fazer teatral dentro de ambientes inclusivos. E é com
esse pensamento que trago alguns jogos conhecidos e desenvolvidos por grandes mestres do
teatro. No entanto, busco, a partir de experiências pessoais, adaptá-los a uma realidade com
alunos com necessidades variadas.

Jogo dos Espelhos

Em dupla, frente a frente, um aluno fará movimentos e gestos e o outro terá de imitá-lo
em nível alto, médio e baixo. Este método foi criado pela Viola Spolin teatróloga
estadunidense. Uma técnica muito rica para ser trabalhada em qualquer nível da educação;
que apesar de depender muito da nossa visão, pode ser adaptado, até mesmo, para pessoas
deficientes visuais. Deficientes visuais podem usar o tato para sentir a forma e a posição do
outro e reproduzi-la. Para pessoas com Transtorno com Espectro Autista, que em muitos casos
têm dificuldades em encarar o outro, esse exercício pode ser uma boa forma de comunicação
não verbal e interação com o grupo. É preciso ter em mente que toda e qualquer técnica
desenvolvida para o fazer teatral deve ser adaptado as necessidades de seu grupo. Cabe ao
professor conhecer as características de cada um.

Jogo do “Balão”

Cada aluno recebe um balão de gás colorido. Sentimos a textura do balão na pele, e
nas articulações. Com toques leves e fortes brincamos com os balões nas articulações
percebendo a força e a leveza. Para adaptar esse jogo para pessoas com necessidades especiais
leveando a consideração a hipersensibilidade fisíca e auditiva podemos substituir por balas de
diferentes texturas. Transformar os balões ou as bolas texturizadas em outros objetos, bolsa,
bebê, entre outros, ajuda no desenvolvimento na imaginação e torna o jogo divertid

O TEATRO COMO DISCURSO

Oriundo do Teatro do Oprimido, técnica desenvolvida pelo teatrólogo Augusto Boal


no teatro arena em São Paulo; o teatro como discurso pode ser considerado uma das técnicas
teatrais mais ricas para o trabalho voltado à inclusão e às pessoas com necessidades especiais.
Dividido em sete técnicas e jogos distintos o principal objetivo é fazer com que o ator/aluno
se coloque no jogo a partir de suas vivências e da necessidade de discutir temas e ensaiar
ações. Aqui trago três técnicas e suas adaptações para a inclusão.

Teatro Jornal

O teatro jornal consiste numa interpretação artística ou oral de manchetes e notícias


que não tem uma narração interpretativa. Este método teatral foi desenvolvida por Augusto
Boal durante o exílio na Argentina após a perseguição sofrida durante o governo Médici e a
implantação do Ato Institucional Número 5 (AI-5). Como jogo, ele corrobora imensamente
para dar voz e trazer questões importantes da atualidade além de ajuda o professor a conhecer
melhor seu grupo. O aluno pode escolher uma matéria ou notícia de seu interesse e em
quaisquer veículos de mídia digitais ou físicos. Em seguida ele vai representar a noticia
escolhida dando a ela características próprias.

Teatro Imagem

O jogo do teatro imagem pode ser feito individualmente, em dupla ou em grupos com
números variados de participante. O jogo consiste em ter de expressar com o corpo a palavra
dita pelo professor.
Exemplo: O professor/orientador diz, “FAMÍLIA” a turma em seguida cria formas e
“quadros visuais” modelando com os corpos o que essa palavra significa para eles. Podendo
ser trabalhada em diversas etapas do mais simples ao mais complexo. È um jogo rico por ser
colaborativo e ao mesmo tempo individual. Outra forma de se trabalhar com esse jogo é
através de fotografias, desenhos das crianças e até expressões sonoras.

Teatro Fórum

A mais conhecida técnica oriunda do teatro do oprimido, o teatro fórum consiste em


apresentar ao público uma determinada situação, onde no momento de maior crise a história
ou a representação é interrompida e os participantes e o público assumem a responsabilidade
de continuá-la. Usando essa técnica nas escolas e salas de aula desenvolvemos nos alunos um
senso crítico e conseguimos levantar questões profundas de caráter moral e ético. Facilmente
adaptável para inclusão de pessoas com necessidades especiais, esta técnica pode ser usada
em vários níveis e incluir todo o corpo escolar.

O PROFESSOR DE TEATRO E A INCLUSÃO

A educação inclusiva no Brasil ainda tem muitos desafios pela frente. Precisamos,
como futuros professores de teatro, entender que o grande princípio da educação inclusiva é
promover igualdade de oportunidades, e essa deve ser a responsabilidade de todo corpo
docente. Neste sentido, o estudo da arte teatral nas escolas e nas instituições educacionais é
fundamental. A arte transforma, educa, diverti, ensina, conscientiza, acolhe, revela e agrega
valores. Precisamos ver a arte teatral não apenas como um objeto de apoio às outras
disciplinas, mas também, como ferramenta fundamental na formação de nossa sociedade. Nas
palavras do grande diretor Augusto Boal: “Aquele que transforma as palavras em versos
transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se em
escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro,
transforma-se em cidadão”.

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