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PRÁTICAS METODOLÓGICAS DO TEATRO IMAGEM E TEATRO

FÓRUM NA ESCOLA ESTADUAL RUY ARAÚJO

Jackeline dos Santos Monteiro1 - UEA

Grupo de Trabalho Ensino de Arte: GT - 01

Resumo
A experiência de ensino de teatro em questão, se realizou no segundo semestre de 2018 na disciplina de
Arte por meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) em uma Escola
Pública, no qual participaram alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II com idade entre 14 e 16 anos.
O objetivo foi desenvolver jogos do teatro do oprimido com a realidade social dos estudantes levando-
os a um processo de reflexão criando, assim, condições práticas para que se apropriassem dos meios de
se fazer teatro e ampliassem suas possibilidades de autonomia e transformação do contexto no qual estão
inseridos. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação que consiste no olhar e escuta sensível, a reflexão-
ação-reflexão e a transformação da realidade. Os resultados observados através da prática e da
apresentação pública de algumas experiencias cênicas, apontam para a possibilidade de relacionarmos
com sucesso, o ensino de teatro na escola à uma prática teatral dos estudantes.
Palavras-chave: Teatro do Oprimido. Pedagogia do Oprimido. Arte.

Introdução
Este artigo trata de um relato de experiência desenvolvido no segundo semestre de 2018
na Escola Estadual Ruy Araújo sob orientação da Professora Maíra Dessana na disciplina de
artes para estudantes do 9º ano do ensino fundamental II com idades entre 14 e 16 anos por
meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência (PIBID).
O PIBID, é um programa que permite que nós acadêmicos de licenciatura em teatro
tenhámos acesso prático à docência, ministrando aulas na nossa área que no caso é o teatro, em
escolas públicas da região, com parceria da SEDUC2 e professores de artes.
Para trabalhar com esses estudantes escolhemos3 trabalhar com duas técnicas do Teatro
do Oprimido do teatrólogo brasileiro Augusto Boal: “Teatro Imagem” e “Teatro Fórum”, dois
motivos influenciaram na escolha de trabalhar essas técnicas. A primeira leva em consideração
uma das inspirações de Augusto Boal para a escrita do Teatro do Oprimido que é a Pedagogia
do Oprimido de Paulo Freire que trabalha a educação como prática libertadora, a transformação
da realidade do oprimido, o diálogo, a reflexão, esses dois autores levam em consideração a
realidade social dos envolvidos, dando condições práticas para que o oprimido se aproprie dos

1
Estudante do 6º período de licenciatura em teatro, na Universidade do Estado do Amazonas – UEA/Escola
Superior de Artes e Turismo – ESAT. Atriz e Produtora no Grupo Arte e Cultura Allegriah, E-mail:
jackeline.monteiro@live.com
2
Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino.
3
Vou citar sempre em terceira pessoa por se tratar de um trabalho desenvolvido em grupo.
meios de produção e amplie suas possibilidades de expressão em meio a sua realidade, Boal
chama esse indivíduos de espectator porque o mesmo pode intervir nas encenações apresentadas
pelos atores. O trabalho desses autores sempre leva em consideração o contexto social e
acreditamos ser indissociável a educação da realidade social dos alunos seja dentro da escola
ou fora dela, podemos identificar essa questão por meio de um dos documentos que rege a
educação, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na pág. 198 item 1 do título
“Competências Específicas de Arte Para o Ensino Fundamental” diz que as práticas e produções
artísticas precisam levar em consideração o “entorno social” do estudante, buscando meios que
dialoguem com as diferentes realidades sociais e culturais dos envolvidos. 2) outro motivo
foram os resultados obtidos por meio das oficinas que desenvolvemos em duas escolas públicas
da cidade de Manaus, ambas situadas na zona oeste da cidade e em áreas com alto risco de
violência. Trabalhamos com o teatro imagem e teatro fórum essas propostas sugerem observar,
dialogar, escutar de maneira sensível o que os envolvidos tem a dizer proporcionando ao mesmo
tempo reflexão sobre o que estava sendo dialogado e praticado, no final das oficinas sugeríamos
uma roda de conversa sobre as atividades desenvolvidas. Todos opinavam e interviam nas
imagens apresentadas pelos diferentes grupos, era possível notar que os estudantes se
observavam, houve momentos que alguns deles sussurravam: “eu não sabia que havia
acontecido isso com fulano” e depois na roda de conversa era comentado sobre essas questões,
aconteceu de estudantes pedir desculpa de outros colegas. O respeito partiu dos próprios
estudantes.
A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação, ela parte da reflexão-ação-reflexão, ou
seja, o indivíduo ao entrar em cena será capaz de refletir sobre o que ele está desenvolvendo
propondo uma transformação da sua realidade e partir disso produzirá conhecimento, e o
próprio professora também é objeto da pesquisa, quanto mais implicado esse professor mais ele
pesquisará meios para melhor ter resultados sobre sua prática. Essa metodologia é de
fundamental importância nessa pesquisa porque o T.O sugere uma prática reflexiva, trabalha a
formação do espectator, o diálogo, a emancipação dos estudantes.
O trabalho está dividido em três tópicos: 1) Pedagogia do Oprimido, Teatro do
Oprimido, e sua importância no contexto escolar, neste tópico será contextualizado conceitos
e importância da pedagogia e do teatro do oprimido, apresentando pontos que consideramos
importante para a escola. 2) Relação do Teatro do Oprimido com os documentos que rege o
Ensino Básico, esse tópico apresenta o quanto o Teatro do Oprimido está de acordo com as
normas da educação formal, respaldando o professor por meio da legislação. 3) Práticas do
Teatro Imagem e Teatro Fórum na Escola Estadual Ruy Araújo, neste tópico é apresentado
como se deu a prática na Escola, os jogos teatrais e resultados obtidos de modo que seja possível
identificar a importância do mesmo dentro desse contexto.

Pedagogia do Oprimido e Teatro do Oprimido (T.O)

Paulo Freire, o criador da Pedagogia do Oprimido defende a “Educação Libertadora”


que surgiu por meio de sua participação em movimentos sociais, políticos que instigava a
conscientização social do sujeito provocando-os a busca de sua transformação de vida e das
relações de opressão de maneira que o oprimido não se torne opressor ou vice-versa, combatia
a educação bancária entre outras questões que trabalha a emancipação das pessoas.
O método de Paulo Freire:
É fundamentalmente, um método de cultura popular: conscientiza e politiza.
Não absorve o político no pedagógico, mas também não põe inicialmente entre
educação e política. Distingue-as, sim, mas na unidade do mesmo movimento
em que o homem se historiciza e busca reencontrar-se, isto é, busca ser livre.
Não tem a ingenuidade de supor que a educação, só ela, decidirá dos rumos
da história, mas tem, contudo, a coragem suficiente para afirmar que a
educação verdadeira conscientiza as contradições do mundo humano, sem
estruturais que impelem o homem a ir adiante. Um método pedagógico de
conscientização alcança as últimas fronteiras do humano (FREIRE, 2011 p.
29).

Freire trabalha a conscientização do homem de modo que a pedagogia do oprimido não


seja forjada com ele, mas para ele. A partir do momento que essa pessoa tem consciência do
que lhe causa a opressão, precisa refletir e se emancipar e lutar por sua causa diante da realidade
opressora em vivi, busca meios de se libertar sem se tornar opressor, essa conscientização só é
possível por meio do diálogo, olhar e escuta sensível. Esse mesmo diálogo permite que os
estudantes se conheçam e se respeitem independente de suas diferenças.
Na escola, há o encontro de várias culturas e realidades distintas, e o índice de violência
nesse lugar tem crescido bruscamente, há um índice muito alto de opressão por parte dos
professores e alunos. Muito se tem falado sobre o Bullying e pouco se fala em soluções. Não
identificamos meios de conscientização dentro da escola e o diálogo tem estado cada vez mais
distante das escolas. Para melhor encarar essa realidade, utilizamos o teatro do oprimido na
escola.
Augusto Boal, o criador do Teatro do Oprimido também trabalhou e tem seus
multiplicadores que ainda trabalham com as ações educativas do teatro do T.O de
fortalecimentos das potencialidades dos sujeitos em seus atos de criação estética, reflexão e
conscientização política. Boal utilizava o teatro como “transformação social” para/com/pelos
oprimidos, seu método de teatro é baseado em jogos de percepção, expressão e criação, foi e é
utilizado em diversos países, ele chamou esse método de Teatro do Oprimido em homenagem
à obra de Paulo Freire.
A primeira etapa do teatro do Oprimido é desenvolver jogos e técnicas teatrais que tem
por objetivo a desmecanização física e intelectual de quem pratica, não esquecendo que parte
de uma metodologia que propõe o diálogo como meio de refletir e buscar alternativas para
conflitos sociais, no caso da escola Ruy Araújo foi levantado os conflitos escolares que na
maioria das vezes é consequência do que é vivenciado no contexto familiar e social, que
veremos mais adiante.
O Teatro do Oprimido, tem por objetivo colocar o espectador em cena o que Boal chama
de formação de espect-atores e espect-atrizes, os métodos do teatro do oprimido são: Teatro-
Jornal; Teatro Imagem; Teatro Invisível; Teatro Fórum; Arco-íris do Desejo; Teatro
Legislativo; Evolução: a Estética do Oprimido. Vamos contextualizar apenas duas dessas, as
que foram trabalhadas na escola com os alunos do 9º ano do ensino fundamental que são o
“Teatro Imagem” e “Teatro Fórum”, com um olhar voltado para a “Poética do Oprimido”.
Boal tem por principal objetivo mostrar que “todo teatro é necessariamente político,
porque políticas são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas. Visa a transformação
social do espectador por meio do teatro, e dessa maneira apresenta a Poética do Oprimido que
se deve ter sempre presente seu principal objetivo:
Transformar o povo, “espectador”, ser passivo no fenômeno teatral, em
sujeito, em ator, em transformador da ação dramática. Espero que as
diferenças fiquem bem claras. Aristóteles propõe uma Poética em que os
espectadores delegam poderes ao personagem para que este atue e pense em
seu lugar; Brecht propõe uma Poética em que o espectador delega poderes ao
personagem para que este atue em seu lugar, mas se reserva o direito de pensar
por si mesmo, muitas vezes em oposição ao personagem. No primeiro caso,
produz-se uma “catarse”; no segundo, uma “conscientização”. O que a poética
do Oprimido propõe é a própria ação! (BOAL, 1980, p.126).

Na Poética do Oprimido, os espectadores não somente apontam a solução eles entram


em cena para a realizar o que foi sugerido, essa característica da Poética do Oprimido faz com
que os espectadores tenham voz diante de qualquer problemática que esteja sendo imposta, faz
com que as pessoas dialoguem instigando a uma ação-reflexiva, desperta no indivíduo o desejo
de mudança e assim serão capazes de transformar a realidade na qual estão inseridos.
Quando levamos a prática do teatro do oprimido para a escola Ruy Araújo inicialmente
utilizamos a realidade escolar dos estudantes, todos e todas se reuniam em grupos e dialogavam
sobre situações de opressão que tenham sofrido ou presenciado na escola concomitantemente
nesse diálogo acontecia muitas reflexões entre os estudantes e surgia diferentes temas como
assédio, furto, violência física e psicológica entre outros que poderíamos até fazer
interdisciplinaridade com outras disciplinas.
Como o T.O oferece um campo amplo de técnicas, escolhemos apenas duas delas:
Teatro Imagem e Teatro Fórum. O Teatro Imagem, se trata de linguagens não-verbais, os
participantes buscam formar imagens corporais com questões problemas, a imagem é uma
realidade existente sendo, ao mesmo tempo, a representação de uma realidade vivenciada, o
que chamamos de imagens de opressão. O Teatro Fórum é uma das técnicas mais utilizadas,
ela permite que se realize um debate com o auxílio do coringa, não pretendo contextualizar o
papel do coringa porque essas técnicas foram adaptadas quando realizadas na escola. Podemos
conceituar o Teatro Fórum sendo:
Um método em que os atores representam uma cena até a apresentação do
problema, (pergunta) e em seguida propõe aos espectadores que mostre, por
meio da ação cênica, soluções para aquela situação. É também conhecido
como teatro debate, já que o coringa (elemento utilizado nessa forma de teatro
para pausar a cena e solicitar ajuda dos espectadores) interfere, pedindo uma
solução para o público. Estes poderão sugerir que os atores criem uma nova
cena resolvendo a questão, ou também poderão subir ao palco e mostrar como
pensou solucionar o problema. No teatro-fórum todos são atores, inclusive o
espectador, que nesse caso é chamado de “espect-ator” (SILVA, 2016 p. 34).

As obras de Boal e Freire, reforçam para o país e para o mundo a necessidade do trabalho
de mudança social a partir do sujeito, na coletividade, possibilitando-o a construção de meios
de atuação frente a um contexto social menos desigual.
Esses dois autores utilizam bastante o termo “transformação da realidade”, mas não no
sentido de ter alguém para dizer o que precisam fazer, mas ter um mediador para orienta-los na
construção de conhecimento, auxiliando no processo de maneira que os próprios sujeitos se
identifiquem e encontrem meios de transformar suas realidades. Boal e Freire instigam o sujeito
a refletirem sobre suas próprias ações por meio do diálogo, da reflexão dessas ações e essa é a
proposta do teatro desenvolvido na escola.

Relação do Teatro do Oprimido com os documentos que rege o Ensino Básico


Não dá para dissociar a vida familiar, social, cultural e escolar, todas deveriam andar
lado a lado, dialogar entre em si para que se tenham resultados positivos no desenvolvimento
do estudante (em todas as áreas).
Consideramos importante ressaltar o que diz as Leis de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), no título II dos Princípios e Fins da Educação Nacional no que se refere a educação:
É inspirada nos princípios de liberdade, nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, o ensino deve ser
ministrado seguindo o princípio de igualdade de condições, liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar, divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber
entre outros princípios (BRASIL, 1997).

Quando se fala do “princípio de igualdade de condições” e a “liberdade de aprender,


ensinar, pesquisar, divulgar cultura, o pensamento, a arte”, significa que os conteúdos a serem
ministrados nas aulas precisam estar pautados nessas condições e infelizmente na maioria das
escolas públicas os estudantes precisam ser instigados a isso e na proposta de Boal o estudante
é colocado em cena para assim refletir por meio das ações educativas do T.O e
consequentemente é possível promover o respeito, a diversidade, a igualdade e equidade entre
os estudantes.
Como estamos falando de uma turma do ensino fundamental II, observe o que a
Organização das Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, diz na parte “2. Princípios
Básicos: Éticos, Políticos e Estéticos”: I de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; II -
de respeito à dignidade da pessoa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos,
contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito e discriminação.
Podemos perceber que até o currículo para ensino fundamental tem como princípio
básico o que é trabalho no T.O, as práticas do T.O tem uma prática humanizadora e combate
qualquer prática preconceituosa, por meio da ação, o indivíduo é capaz de refletir sobre seu
comportamento ele é provocado a uma mudança de mente e uma prática diferenciada, é
instigado a sua autonomia diante de situações opressoras que acontecem na escola ou em seu
ciclo familiar e social.
Nós poderíamos citar aqui o Plano de Documento da Educação na íntegra, e
observaríamos que fala sobre a equidade, redução das desigualdades sociais e regionais, cultivo
da sensibilidade, compreensão do ambiente social, político, o fortalecimento dos vínculos de
família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida
social, entre vários outros assuntos que se pode trabalhar no T.O, citamos aqui apenas para
mostrar a semelhança que há com a proposta do T.O.

Práticas do Teatro Imagem e Teatro Fórum na Escola Estadual Ruy Araújo

Um dos principais pontos destacados no T.O e Pedagogia do Oprimido, é o diálogo, na


escola isso é essencialmente importante porque nos ajuda a conhecer os estudantes, a consegui
fazer interdisciplinaridade com outras disciplinas, a ter acesso a diferentes espaços dentro da
escola entre outras questões positivas. O diálogo nos permite exercitar o olhar, a escuta sensível
que são características importantes na pesquisa-ação.
O momento de ouvir é fundamental para estabelecer um contato, Madalena Freire filha
de Paulo Freire, dizia, em 1983: “Para escutar não basta, também, só ter ouvidos. Escutar
envolve receber o ponto de vista do outro (diferente ou similar ao nosso), abrir-se para o
entendimento de sua hipótese, para a compreensão do seu desejo”. É um dos momentos
dedicado a observação, de conhecer o desejo do outro e, assim, conseguir desenvolver
metodologias para atender o que se pede e alcançar o que se espera. Madalena se refere aqui a
uma escuta sensível, ou seja, sem pré-julgamentos, é buscar meios de entender o outro sem
oprimi-lo, saber quando questioná-lo, observá-lo, é entender que escutar é respeitar a opinião
do outro, é prepara-lo para também nos ouvir.
Como estamos falando de estudantes de fundamental II, logo, estamos lhe dando com
adolescentes que muitas das vezes recebem o apelido de “aborrecentes” e são impedidos de
falar, ou seja, há uma opressão que parte da família e da própria sociedade, então o momento
da escuta se faz necessária para que eles entendam que estamos ali para somar com eles, mas
nós professores precisamos tomar certos cuidados para que esses estudantes não confundam os
sentimentos para com os professores e vice-versa.
Todos os trabalhos teatrais que desenvolvemos seja em espaço convencional ou não, o
diálogo é muito presente, com os estudantes do 9º ano da escola Ruy Araújo não foi diferente,
era uma turma com em média 35 estudantes, o diálogo foi extremamente importante para
estabelecermos o primeiro contato com esses estudantes. Para não ficar algo desorganizado
preparamos algumas perguntas que nos permitiu conhecer um pouco esses estudantes e o quão
perto estão da arte (seja teatro, música, dança ou artes visuais), além de ter sido um ponto de
partida para identificarmos as respectivas potencialidades. Para não ficar algo desorganizado
formulamos algumas perguntas: 1) Nome, 2) o que mais gosta de fazer, 3) e 4) se já assistiu ou
participou de algum espetáculo teatral. Aulas eram ministradas em roda, pedíamos para os
estudantes organizar as cadeiras nos cantos da sala, era sempre um desafio porque a sala era
muito pequena.
A resposta da pergunta 4 foi o que mais nos chamou atenção porque a grande maioria
dos estudantes disse que gostava de passar tempo no celular jogando jogos online, outros
preferiam escutar músicas e apenas um estudante havia tido contato com o teatro. Percebemos
o grande distanciamento que esses alunos tinham com a arte e principalmente com o teatro.
Logo, já sabíamos que seria desafiador o trabalho devido eles não estarem acostumados com
teatro na escola.
Trabalhamos um jogo teatral do Augusto Boal chamado “Zip, Zap e Zump”, um jogo
de concentração e observação, como a turma era um pouco grande e a sala pequena fizemos
dois círculos, um dentro do outro, assim, foi possível instigar o olhar do espectador. Enquanto
um grupo desenvolvia o jogo o outro observava. Inicialmente a dificuldade foi grande porque
os estudantes não se observavam e não conseguiam ter coordenação motora.
Nesse dia, fizemos esse jogo até todos e todas acertarem e na medida que acertavam
aumentávamos a velocidade do jogo. Depois que pegaram o jeito do jogo, de uma forma
autônoma começaram a fazer diferente interpretações corporais e isso foi bem interessante para
nós professores porque percebemos que eles começaram a abraçar a proposta do jogo.
No final de todos os jogos sempre realizávamos uma roda de conversa, logo no início
alguns estudantes reclamavam porque sentiam dores nas pernas, outros relatavam as
dificuldades de se concentrar, entre outras observações.
Boal fala sobre sair um pouco desse corpo cotidiano, nosso corpo está sempre em
constante movimento, na pressa de pegar um ônibus para não chegar atrasado na escola,
terminar rapidamente o exercício para ser liberado mais cedo. Para sair desse corpo cotidiano
Boal sugere uma desmecanização corporal e para trabalhar essa questão, no T.O tem um jogo
chamado “Corrida em Câmera Lenta”, nesse jogo vence quem chega por último. Para trabalhar
o espectador separamos em dois grandes grupos, enquanto um fazia o outro assistia, para
sempre ter o olhar do espectador que futuramente seriam espectatores e espectatrizes. Esse jogo
permitiu que eles percebessem até a maneira que eles andavam, alguns não tiveram paciência,
outros bem competitivos, as diferenças foram bem presentes no jogo.
Para potencializar o trabalho em equipe, desenvolvemos um jogo chamado máquina de
ritmo também de Boal, sugerimos que um aluno fosse ao centro do círculo fazer um movimento
e um som como se fosse uma peça de uma máquina, depois iria outro de um por um até se tornar
uma grande máquina, esse jogo pareceu bem complexo para eles, eles não tinham criatividade
para desenvolver um som e movimento, foram repartidos em dois grupos escolhido por nós
mediadores porque a ideia era que as equipes fosse formadas por estudantes que não tinham
hábito de se relacionar, um grupo conseguiu melhor desempenho que o outro. Depois que todos
e todas formaram a máquina pedimos para que de um por um fossem desfazendo a máquina,
quando estavam apenas dois alunos na máquina perguntamos se a máquina estava potente e
eles responderam que não, então explicamos que o trabalho em equipe quando bem trabalhado
pode ter resultados positivos e bem mais produtivos do que um trabalho individual.
Esses jogos foram desenvolvidos praticamente em todas as aulas, teve outros jogos de
Boal, mas esses foram essenciais para chegar no teatro imagem e teatro fórum.
Para melhor entenderem a opressão, contextualizamos a figura do oprimido e do
opressor. Na pedagogia do oprimido, Freire traz a importância de uma pedagogia libertadora,
que tem como foco a libertação dos oprimidos frente aos opressores, de uma pedagogia que
transforma um ser passivo em um ser reflexivo, que transforma sua realidade e a realidade de
outros, a pedagogia que faz com que um ser compreenda sua importância para a humanidade e
para isso acontecer utilizamos o T.O aonde os alunos são colocados em cena e outros podendo
intervir nas cenas propostas.
Dividimos em cinco grupos e pedimos para que dialogassem entre si sobre uma situação
de opressão na qual sofreram ou presenciaram dentro da escola, em seguida deveriam escolher
uma das histórias e montar duas imagens, uma imagem que representasse a opressão e a outra
seria a solução que resolvesse essa opressão, mas esse último só era apresentado depois que os
espectatores e espectatoras já tivessem solucionado a imagem. O espectador tentava identificar
o que as imagens representavam, ao identificar sugeríamos para que modificassem a imagem
por uma possível solução.
Para melhor entender o teatro imagem pedimos para que alguns estudantes em equipe
fizessem a imagem que representasse uma família, todos começaram a ficar um em cima do
outro, para eles essa aglomeração representava a união, na visão deles a família representa
amor, carinho e uma das estudantes disse: “pelo menos deveria representar isso”. Durante o
processo fomos entendendo o pensamento dela e ela mesma foi refletindo sobre suas ações.
Em um outro momento, um grupo fez a imagem de um furto que aconteceu na fila do
lanche na escola. A solução foi o aluno que presenciou a cena, procurar a direção da escola e
dizer o ocorrido e a gestão chamou o aluno que cometeu o furto e deu uma advertência verbal,
mas antes dessa solução alguns alunos sugeriram que esse aluno teria que ser humilhado para
não fazer mais, outros disseram para chamar a polícia. Pedimos para que refletissem sobre suas
palavras e dissemos que na maioria das vezes nos tornamos opressores sem perceber e então
surgiu a solução citada.
Uma outra imagem que nos chamou bastante a atenção foi a imagem de uma briga entre
duas estudantes, eram cinco estudantes na imagem, duas representando a briga, uma filmando
e duas tentando apartar a briga. A maneira que esses estudantes refletiram sobre essa cena nos
chamou muito a atenção, porque eles repudiavam a estudante que filmou e não ajudou a apartar
a briga. Perguntamos para os espectadores: Qual seria a solução para essa problemática?
Levantou da plateia 3 estudantes e a primeira ação deles foi tirar da cena a estudante que
estava filmando, depois desfizeram a briga e colocaram em roda as quatro estudantes.
Perguntamos o que representava aquela imagem, uma das estudantes que interviu na imagem,
respondeu: Colocamos para todas para dialogar sobre o motivo que estavam brigando porque
violência gera violência. Essa prática sem dúvida apresentou a autonomia dos alunos em
resolver um problema que talvez tomaria um viés mais violento, uma vez que, são estudantes
que vivem em localidades aonde há um alto índice de violência.
No teatro fórum, um grupo escolheu fazer uma cena de assédio sofrido por uma das
componentes do grupo, foi preocupante essa cena porque eles encenaram o assédio e vítima
estava bem indignada com essa situação que ocorrera com ela, a mesma queria agir com
violência para com o estudante que interpretava o agressor. Freire, explica que a vontade do
oprimido é ser opressor, a opressão que essa estudante sofreu ativou um mecanismo de raiva
em que a mesma queria que ele sofresse uma punição, ela queria que ele se sentisse oprimido
da mesma maneira que ela se sentiu. E nessa situação Freire diz que:

Esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua
humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente
opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas
restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e
histórica dos oprimidos – libertar-se e a si e aos opressores (...). Só o poder
que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para libertar
a ambos (FREIRE, 1987 p. 15).

Nessa cena todos os estudantes optaram em resolver a cena com violência, sugerimos
uma reflexão mais aprofundada dentro da legislação que ampara a vítima e a própria atitude da
mesma diante da situação, ela comentou que no momento do assedio ela não conseguiu ter
nenhuma reação. No teatro fórum, há o papel do “curinga”, que é o mediador entre o público e
plateia e que poderá ser a pessoa responsável para intervir caso não haja divergência de na
resolução da problemática, podendo ser dialogada no final da apresentação.
Colocamos um estudante para interpretar o papel do “curinga”, ele interviu na cena tirou
a menina e ficou no lugar dele, sua primeira em direção ao agressor foi: “Você me respeite”, e
pediu ajuda dos demais estudantes que estavam na cena, sugeriu a presença de um policial
autuava o agressor o conscientizava sobre suas atitudes para com as mulheres, o agressor pedia
desculpa para a vítima. A resolução dessa cena estava bem longe do que poderia acontecer na
realidade, mas os alunos refletiram sobre todas as atitudes da desenvolvida, é essa proposta do
T.O, fazer com haja reflexão e mudança de atitude, ao sair daquele lugar, os estudantes teriam
uma mudança de comportamento caso passassem pelo tipo de situação apresentada porque o
assedio é algo que acontece com bastante frequência.
Todas as práticas desenvolvidas fazem com que os estudantes reflitam sobre suas ações
e entenderem que se tornando opressor não vai mudar a opressão. O T.O possibilita que os
estudantes tenha senso crítico sobre suas realidades, suas diferenças, que as situações que
acontecem na escola poderá acontecer na sua casa, trabalho , na rua, ou em qualquer outro lugar,
mas fato de terem entrado em cena e sentido um pouco do sentimento do oprimido, será possível
criar condições emancipadores de defesa contra qualquer tipo de opressão que possa surgir.

Considerações finais

Os métodos experimentados e apresentados nesse artigo vão além do ensinar, partem


para uma transformação social por meio das práticas teatrais desenvolvidas fazendo com que
os estudantes tenham autonomia na resolução de problemas que enfrentam dentro e fora da
escola.
Para conseguirmos alcançar os objetivos propostas foi preciso observar, dialogar, ter
olhar e escuta sensível e concomitantemente identificar o perfil da turma para assim compor e
recompor metodologias dentro da proposta do T.O.
Quando pensamos em levar essa proposta para a escola ficamos meios receosos porque
são métodos trabalhos em escolas não formais, quando Boal criou essas técnicas não o fez
inicialmente para a escola do ensino básico, era usado por camponeses e operários; depois, por
professores e estudantes; agora, também por artistas, trabalhadores sociais, psicoterapeutas,
ONGs. Primeiro, em lugares pequenos e quase clandestinos. Agora, nas ruas, escolas, igrejas,
sindicatos, teatros regulares, prisões entre outros lugares. No Brasil, era utilizada com bastante
frequência em movimentos sociais como o MST (O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra). Mas, percebemos a necessidade de desenvolver as práticas do T.O na escola devido ao
alto nível de violência verbal, física e psicológicos que tem tido nesses ambientes escolares o
que muitas das vezes leva a depressão e até mesmo ao suicídio, é possível assumir que a arte
ainda é um dos poucos caminhos que pode reverter esses casos, no teatro imagem e teatro fórum
ao colocar os alunos em diálogo entre eles é possível que consigam refletir apenas no ouvir uns
aos outros e quando a situação é encenada por esses alunos há uma ação reflexão, aonde os
espectadores intervém na cena, refletindo também sobre essa ação.
Os estudantes dessa turma do 9º ano, foram bem presentes durante os jogos e na
execução do teatro imagem e teatro fórum e assim, foi possível, perceber que os estudantes
refletiam sobre as cenas desenvolvidas, em uma das rodas de conversas uma estudante
comentou que não sabia que acontecia determinadas situações encenada por um dos grupos,
como por exemplo, um furto na fila do lanche, essas rodas de conversas no final das práticas
era de fundamental importância porque era o momento que percebíamos que os estudantes
refletiam nas ações propostas por eles, essas práticas contribui para identificar problemas que
estavam acontecendo dentro da escola, promovendo o respeito, a diversidade, igualdade e
equidade entre os estudantes.

Referências Bibliográficas
BARBIER. René. A pesquisa-ação. Brasília: Liber Livro, 2005.
BOAL, Augusto. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto – MEC. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. V. 7, Teoria e Prática em Artes nas escolas
brasileiras. Brasília: MEC/SEF, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. (Série
alfabetização – métodos 2, alfabetização – teoria I. Título II).
Lei das Diretrizes e Base da Educação - LDB – Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em 03/09/2019.

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