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1 INTRODUÇÃO
A educação é um relevante meio de transformação social, seja em contextos de
aprendizagem formais ou informais, constituindo-se como uma forma emancipatória de
legitimar saberes que possibilitam uma maior participação na sociedade. É, portanto,
essencial para o modo como o sujeito constitui a si na relação com outros sujeitos,
possibilitando-o assumir um compromisso ético capaz de renovar a esperança de um
mundo melhor para todos, imbuindo-se em um processo social e político contínuo que é
sua constituição como cidadão. Assim, a educação participa dessa transformação social
atualizando “todas as possibilidades de realização humana abertas pela vida social em
cada contexto historicamente determinado” (COUTINHO, 1994, p. 2).
Afinal, como ressaltado por Martín-Barbero (2014, p.121), “vivemos numa época
da passagem de uma sociedade com sistema educativo para uma sociedade do
conhecimento e aprendizagens contínuas”. Nesse contexto a educação é capaz de efetivar
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Graduando do curso de Relações Públicas da Universidade Católica do Salvador. Email:
aldo.junior@ucsal.edu.br
2
Graduando do curso de Relações Públicas da Universidade Católica do Salvador. Email:
rodrigoo.brito@ucsal.edu.br
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Doutora e Mestra em Cultura e Sociedade (IHAC-UFBA). Professora da Universidade Católica do
Salvador. E-mail: veldatorres@uol.com.br
transformações sociais nos mais distintos setores da vida humana, tendo como desafio
permanente formar indivíduos reflexivos e autônomos, mas que mantêm os laços de
solidariedade social (DURKHEIM, 2013). Essa é também a perspectiva de Brandão
(2004), ao salientar que a educação “é um dos principais meios de realização de mudança
social ou, pelo menos, um dos recursos de adaptações das pessoas, em um mundo em
mudança”. As ações implementadas pelo Teatro Escola (TE) no contexto do processo de
ensino e aprendizagem são orientadas nessa direção e apoiadas na tríade ética,
comunicação e diversidade.
O TE é um projeto idealizado e gerido por Nelrismar Araújo, gestor do Teatro
Jorge Amado (TJA), uma instituição que atua há 21 anos no cenário cultural
soteropolitano, oferecendo condições para abrigar as mais distintas linguagens artísticas,
eventos educacionais e festivos (TJA, 2016). Reconhecendo a arte como interface de
transformação social, o TJA também tem sua atuação voltada para inclusão social, através
do projeto A escola vai ao Teatro, fomentando a formação de novos apreciadores e
frequentadores dos espaços culturais da cidade. Dentro desta filosofia, o TJA apoia o TE
disponibilizando suas instalações para as atividades que são desenvolvidas pelo projeto
dentro do conceito arte-educação, buscando contribuir para a redução de desigualdades
sociais, econômicas e políticas, através de ações socioeducativas voltadas à promoção da
transformação social, a partir do reconhecimento e visibilidade dos sujeitos participantes
(TJA, 2016).
A contextualização apresentada neste artigo sobre a atuação do TE foi apoiada nos
dados coletados no site4 da instituição, nas entrevistas com o gestor do projeto - Nell
Araújo, com os professores e participantes. A análise desses dados teve como suporte
teórico as contribuições de Aristóteles (1996), Laura Nash (1993) e Valls (1994) com
relação aos princípios e dilemas éticos; o pensamento de Paulo Freire ( 1996, 2002) sobre
a prática inclusiva e a sua proposta do círculo de cultura como espaço de interação que
possibilita um processo de ensino e aprendizagem mais participativo; a Teoria de
Aprendizagem de Vygotsky (2016); a perspectiva teatral de Goffman (2014) sobre o
modo como o sujeito representa a si nas interações cotidianas; as abordagens de Hall
(2011) sobre as questões culturais que perpassam os processos de constituição das
identidades e a perspectiva Edgar Morin(2000, 2002, 2008) sobre o modo como o
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Disponivel em: <www.teatrojorgeamado.com.br> Acesso em: 15.mar. 2019
princípio da unidade-diversidade é retratado pela educação nas distintas esferas sociais.
Esses aportes teóricos são de fundamental importância para compreensão das formas de
interação produzidas no ambiente do projeto TE, das representações sociais que orientam
essas interações e das representações de si que delas resultam.
A abordagem proposta neste artigo está estruturada em quatro seções, sendo a
primeira delas esta introdução, a segunda uma abordagem sobre a concepção do indivíduo
como ser social e as relações de trocas estabelecidas nos espaços educacionais, a terceira
apresenta uma breve contextualização sobre as ações do Projeto Teatro Escola (TE) e a
quarta as considerações finais.
Desde a Grécia antiga Aristóteles já tratava do princípio ético como uma conduta
virtuosa e moral; e, como tal, uma ação humana formada pela consciência de que
buscamos um convívio feliz tanto individualmente como socialmente. Para o filósofo,
“Toda ação e todo propósito visam um bem, entendendo-se por bem aquilo a que todas
as coisas visam” (ARISTÓTELES, 1996, p.118). Sob essa perspectiva, a concepção de
ética está atrelada a ideia daquilo que acreditamos que seja correto, com base nos valores
morais orientadores da nossa conduta na sociedade. Essa é também a concepção de Valls
(1994, p.7) ao salientar que “também chamamos de ética a própria vida, quando conforme
aos costumes considerados corretos”, corroborando para reiterar a conduta ética como
definida de acordo com os grupos sociais que o sujeito está inserido e, consequentemente,
a partir das relações estabelecidas nesses diversos grupos.
Nash (1993) reforça que a ética, como expressão única do pensamento correto,
conduz à idéia da universalidade moral, ou ainda, à forma ideal universal do
comportamento humano, expressa em princípios válidos para todo pensamento normal e
sadio. A inserção no meio social é uma necessidade latente de todo sujeito e para ser
atendida se faz necessário estabelecer uma comunicação que contribua para revelar a si,
a partir dos modos como pensa, age e sente no mundo. Para além da oralidade e da escrita,
o olhar, os gestos, expressões corporais e faciais são formas de comunicação com
significativas dimensões expressivas de si e para o outro.
Contudo, como agente ativo no processo comunicacional o sujeito se depara com
dilemas éticos que fazem parte da vida contemporânea, a qual é repleta de exigências
voltadas à ampliação do universo de conhecimentos que cada um possui e aplica em suas
relações nos distintos campos do relacionamento humano. Trata-se, aqui, da unidade do
humano que se manifesta na diversidade, visto que essa unidade é expressa pela diferença,
sendo tanto essa unidade quando essa diversidade relacionadas com aspectos biológicos,
psicológicos, culturais, sociais (MORIN, 2000).
Visando promover a interação entre os alunos, ações e temáticas de valorização e
respeito à diversidade são trabalhadas evitando a imersão dos alunos no que Barros Filho
(1995) define como espiral do silêncio - o indivíduo por medo do julgamento social se
cala diante de outro(s) sujeito(s), não se posicionando nas discussões. O autor descreve a
espiral do silêncio como uma “dimensão cíclica e progressiva dessa tendência ao
silêncio”. Assim, quanto maior o domínio da opinião social maior a tendência desse
indivíduo se calar. Buscando evitar esse tipo de posicionamento, o TE estimula os jovens
a se expressarem de forma artística e própria, colocando em pauta suas opiniões e
interagindo nos ambientes da instituição, expondo seus pensamentos e ações sem medo
do olhar do outro sobre si.
Em outras palavras, a “Diversidade pode significar variedade, diferença e
multiplicidade. [Sendo que] A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue
uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança” (ABRAMOWICZ, 2006,
p.12), uma característica que expressa a unidade/singularidade do humano. Essa distinção
característica entre os sujeitos deve ser respeitada e considerada como algo que agrega as
relações sociais em virtude das trocas culturais que possibilita. Compreende um processo
cultural que envolve uma estrutura complexa com símbolos, mitos, normas e imagens que
penetram no íntimo das pessoas, uma penetração que
[...] se efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas
nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou
reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura
fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à
vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um
secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada
um secreta no exterior de si e no qual se envolve (sua personalidade) (MORIN
1997, p.15).
O projeto foi idealizado e criado, em 2017, por Nelrismar Araújo - Nell, gestor
do Teatro Jorge Amado, espaço onde ocorrem as atividades do TE. Assim como Nell
Araújo, a maioria dos alunos acolhidos pelo TE são de origem humilde, cresceram em
meio à pobreza, à falta de possibilidades e oportunidades. Como ele, esses alunos
desejam um traçado diferente em suas histórias e viram na iniciativa do projeto e exemplo
de vida do seu idealizador, a oportunidade para uma transformação social. Longe de ser
uma utopia ou uma fuga da realidade, impulsionados por seus sonhos e projetos, esses
jovens revitalizam seus anseios e continuam digladiando com os paradigmas do
“impossível”. O objetivo do TE é educar e formar jovens negros e periféricos, utilizando
a arte como interface mediadora do processo de ensino e aprendizagem. Conforme
declarado pelo gestor e idealizador do projeto na entrevista,
Essa iniciativa veio a partir da necessidade que eu percebi na cidade, da falta
de escolas artísticas, escolas que viessem falar sobre a cultura, em que um
único espaço fosse abordado diversas modalidades artísticas, e acima de tudo,
uma escola que fosse destinada para jovens afrodescendentes e estudantes de
escolas públicas. (ARAÚJO, 2018)
Com esse propósito o projeto reserva 95% das vagas para jovens afrodescentes,
de 14 a 24 anos, estudantes de escola pública e em situação de vulnerabilidade social,
buscando transformar suas vidas através de um modelo de educação que utiliza a arte, a
política e a cultura como instrumentos norteadores deste processo, sendo a seleção dos
participantes através de uma comissão constituída por alguns dos professores.
O projeto conta com o apoio de voluntários que participam como professores e
divulgadores. A divulgação do projeto também é realizada pelos alunos participantes,
através do Núcleo de Comunicação constituído por seis alunos e coordenado pelo gestor
do projeto. Vale ressaltar que todos os professores atuantes no projeto são experientes em
suas áreas de atuação e, na maioria das disciplinas, essa participação voluntária parte do
próprio professor que procura o projeto. Mas, há disciplinas específicas, voltadas à
diversificação do conteúdo disseminado na grade curricular e extracurricular do TE, que
exigem professores especialistas que são convidados a participarem como voluntários do
projeto. Os professores voluntários estão engajados na transformação profissional e
intelectual dos jovens participantes, utilizando metodologias com interfaces na arte e na
cultura para compartilhar conteúdos de uma forma humanizada.
Trata-se de um projeto pioneiro no formato de estudos práticos e teóricos ligados
a área artística, voltando-se para formação da cidadania e do pertencimento cultural dos
adolescentes afrodescendentes participantes, proporcionando a aproximação desses
jovens com a sua matriz cultural. Assim, através da arte e da educação, transversalizando
a cultura afro-brasileira, o projeto contrapõe-se ao modelo tradicional do processo de
ensino e aprendizagem, considerado arcaico pelo gestor e educadores envolvidos, e aplica
um modelo diferenciado, utilizando a arte e a cultura para viabilizar um aprendizado com
a participação ativa dos sujeitos educandos envolvidos.
Pensar a arte como elemento de formação educacional requer considerá-la como
um importante meio para transformação social, visto que através da arte o sujeito
educando pode desenvolver um olhar crítico frente às questões sociais que o cerca,
tornando-se capaz de conquistar autonomia no processo de constituição das suas
identidades. Este método de arte-educação é por vezes, confundido com o ensino da arte,
entretanto a arte-educação não se trata do ensino ou estudo da arte, mas do uso da arte
como estratégia didática para abordagem de distintos conteúdos nos processos de ensino
e aprendizagem. Conforme ressaltado por Villaça (2014, p. 83), a arte-educação
Possui capacidade de seduzir e mobilizar. Facilita a abordagem de temas que
são, em geral, tabus. Permite ver ilustradas situações cotidianas. Permite
também o questionamento de padrões e valores estabelecidos. Atinge o
indivíduo (tanto quem apresenta quanto quem aprecia) em todos os níveis:
racional, físico, emocional, espiritual e social. Além do contato consigo
mesmo, experiência-se o contato com o outro também em sua plenitude.
Exercita o trabalho coletivo. Permite o contato com manifestações culturais de
seu povo e de outras localidades. É prazerosa, lúdica. Torna-se também sedutor
para instituições financiadoras (por seu potencial no que se refere a
visibilidade).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação é uma das áreas que definem a nossa humanidade, sendo através dela
que o ser humano transcende o seu status animal ao recriar seus extintos, compreender,
elaborar, refletir, criticar, aprender e ensinar. A arte é uma importante interface para a
prática pedagógica por contribuir para formação do indivíduo de forma lúdica. Muito
além do entretenimento, a arte, mais especificamente o teatro, pode ser um eficiente
recurso pedagógico quando usado de forma transversal no ensino de diversas áreas do
conhecimento. As informações são processadas de modo diferente do convencional e
entendidas de formas mais críticas, ao trazer os conceitos abordados para uma realidade
mais próxima do aluno, dinamizando seu conhecimento e tornando-o parte do
conhecimento abordado de forma dinâmica e lúdica
O TE consegue desenvolver distintas habilidades e competências através da sua
matriz curricular de forma mais lúdica e com maior engajamento do aluno em comparação
a escola convencional. Nesse sentido, suas ações são voltadas para o ser, concebendo o
sujeito integralmente, considerando a mente, o corpo e a expressão. O modelo pedagógico
do TE é efetivo por promover o estímulo e o desenvolvimento do senso crítico dos alunos
participantes apoiando-se em perspectivas teóricas que dialogam com as áreas artísticas,
políticas e sociais. Adota, assim, um viés comunicacional que proporciona um vínculo
maior dos jovens participantes com a sua matriz cultural, transversalizando a cultura afro-
brasileira. Tal metodologia valoriza as características culturais do aluno, fazendo-o
refletir sobre o seu eu, sua identidade e suas raízes. As ações implementadas pelo TE
envolvem um novo conceito de espaço escolar, com uma pedagogia singular que
transforma e ressignifica a vida dos alunos.
O TE é um esforço coletivo impulsionado pela proposta colaborativa de
transformação social, orientada pelas ideias de Paulo Freire(1996), colocando docentes e
discentes em uma contínua relação de troca para uma aprendizagem mútua, utilizando os
espaços físicos do Teatro, não se limitando às salas de aula, transcendendo a ideia de sala
de aula tradicional e ocupando distintos espaços sociais. As intervenções são pensadas e
analisadas pelo idealizador, professores e apoiadores do projeto.
REFERÊNCIAS