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Universidade Estadual de Maringá

07 a 09 de Maio de 2012

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: POSSIBILIDADES


DE REFLEXOES SOBRE AS RELAÇÕES DE CORPO, GÊNERO,
SEXUALIDADE E AS PRÁTICAS ESPORTIVAS

ARAÚJO, Karina de Toledo (UEM/UEL) 1


CALSA, Geiva Carolina (UEM) 2

INTRODUÇÃO

A intenção deste trabalho é apresentar algumas reflexões sobre as possíveis


contribuições da Teoria das Representações Sociais para a análise das relações das
representações de corpo, gênero e sexualidade e as práticas esportivas, em especial, de
mulheres de futebol no cenário escolar. A escola é campo de produção social no qual,
conforme Moscovici (2009) estão presentes as interações sociais de minorias
esteriotipadas e de maiorias discriminante, ou seja, sobre os preconceitos e as relações
entre grandes grupos, assim como ocorre nos diferentes espaços de produções sociais.
“Preconceito designa toda crença mantida simplesmente pela falta de reflexão sobre ela
[...] os homens têm uma propensão ao preconceito” (p. 19).
Conforme Silva (2008), a escola reproduz a hegemonia da ordem binária de
organização dos sexos, gêneros, sexualidades e desejos. A título de exemplificação
desta reprodução citamos a pesquisa realizada por Trindade e Souza (2009) que
apresentam os resultados do trabalho de Alvarenga (2007) realizado em uma escola
pública estadual com a imersão no cotidiano e focalização nas relações de gênero. Um
fato significativo nesta pesquisa foi o de que, os atores escolares em geral relataram que
1
Discente do Curso de Doutoramento em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC/UEM,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Professora do Depto. de
Estudos do Movimento Humano (EMH) do Centro de Educação Física da Universidade Estadual de
Londrina – UEL.
2
Professora doutora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de
Maringá e coordenadora Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura –
GEPAC/CNPq, vinculado ao Programa de Pós- Graduação em Educação – PPE/UEM.

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não percebiam opressão de gênero na escola, entretanto, em sua conclusão o autor da


pesquisa aponta que sinais de opressão foram identificados como, por exemplo, alguns
“alunos usavam força física e intimidação para afastar as alunas de certas atividades das
aulas de Educação Física” (p. 234). Neste sentido, é oportuno privilegiarmos
investigações sobre as violências de gênero - e outras delas decorridas - produzidas e
vivenciadas nas manifestações de práticas esportivas.
As práticas esportivas privilegiam discussões e reflexões sobre as categorias
corpo, gênero e sexualidade, pois sua história sempre esteve vinculada a determinismos
biológicos e de gênero, estabelecendo práticas corporais peculiares a homens ou a
mulheres, a partir de suas características físicas, afetivas e cognitivas, como também
baseadas em expectativas de comportamento. Isto acaba por reafirmar os papéis de
género, pois, como nos esclarece Silva (2008), estes papéis representam os
comportamentos aprendidos numa determinada sociedade, que fazem com que os seus
membros percepcionem certas atividades como pertencentes a homens ou a mulheres,
valorizando-os de forma diferente.

A importância de se pensar os processos de diferenciação está na


desnaturalização da evidência, abrindo espaço para se refletir sobre os
pressupostos que constituem as práticas e representações sociais, entre as
quais a própria noção de natural. Quando me refiro a representações sociais
estou significando uma grade de interpretação do mundo, em suas dimensões
plurais; as representações sociais, saber produzido no e pelo social,
instituição do real, ordenam e distribuem valores,lugares defala e de atuação
política lato sensu. A circulação destes valores, adensando-se em discursos de
verdades, criam o que Foucault (1982:27) chama de regime de verdade,
ordenação do mundo e suas regras, segundo pressupostos históricosamente
construídos (SWAIN, 2009, p.2).

As maneiras como vivemos as experiências das distinções e desigualdades de


gênero transformam-se ao longo do tempo e devem ser analisadas em conjunturas
sociais específicas e localizadas – por exemplo, na escola e nos grupos sociais a ela
relacionados direta e indiretamente - pois estas vivências e experiências promovem a
constituição de saberes daqueles dialogam com a realidade em que vivem. Estes saberes
estão arraigados a noção de ‘pertencimento’ (FOUCAULT apud JOVICHELOVITCH,
2008), essencial para o entendimento do processo da construção identitária e a

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possibilidade para tal compreensão depende da análise das representações dos sujeitos
envolvidos, de sua história, de seu grupo e da cultura da qual pertencem.
Com estas preocupações apresentamos as possibilidades e contribuições da
Teoria das Representações Sociais como possibilidade de dar visibilidade, analisar e
discutir questões referentes as diferenciações no que diz respeito as categorias gênero,
corpo e sexualidade que, entre outras, orientam as práticas educativas em espaços
institucionalizados – a escola, por exemplo - articulando as representações sociais às
próprias práticas sociais, entre estas, as práticas corporais e esportivas.
Investigar a escola enquanto campo de produções políticas e sociais é
fundamental para a identificação de discursos e relações de poder presentes em
diferentes grupos e sociedades. Conforme afirmam Trindade e Souza (2009, p. 225)
“quem quiser compreender nossos povos e culturas não poderá evitar a tarefa de
analisar a instituição escolar e os processos de escolarização”.
Partilhamos das idéias de Jovchelovitch (2004) e entendemos que as relações
sócio-culturais são as bases da formação de saberes expressas nas formas
representacionais enquanto estrutura dialógica. As formas de representação ‘são partes’
do processo representacional relacionado ao/em um contexto em que se configuram.
Portanto, a análise da forma representacional dos sujeitos/atores sociais é
imprescindível quando propomos entender o sentido e o significado de práticas
corporais e esportivas e as relações com as categorias gênero, corpo e sexualidade.
Para a autora citada anteriormente, representação mental é a integração de
significante e significado que produz tais sentidos e significados. As representações
sociais aparecem como construções contextualizadas de sujeitos sociais à respeito de
objetos socialmente valorizados, podem ser identificadas através dos saberes populares
e do senso comum. É uma forma de conhecimento particular que elabora
comportamentos e comunicações entre os indivíduos no contexto social.
É emergencial chamarmos a atenção para necessárias reflexões sobre questões
relacionadas, a representação de corpo e a constituição das identidades de gênero e da
sexualidade nas escolas. Portanto, entendemos ser importante apresentarmos algumas
das concepções de corpo durante a história ocidental até que cheguemos às
manifestações corpóreas na contemporaneidade, ou seja, o corpo pós-moderno, como
descreve Ghiraldelli Jr. (2007).

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QUE CORPO É ESSE?

No transcorrer do tempo e em diferentes sociedades, o corpo foi, é e continuará a


ser conceituado, entendido, sentido e significado de diversas maneiras, entretanto, é fato
que ele assume posições sempre instigantes entre as quais: o corpo objeto – de desejo,
de poder; o corpo máquina – que faz, que produz; o corpo sensível – que sente e
provoca sentimentos; o corpo inteligível – que entende e procura ser compreendido; o
corpo que é, o corpo que está, o corpo que concede ao ser humano a sua existência e sua
essência. Enfim, o ‘corpo humano’, por isso, o corpo complexo em sua infinita
possibilidade de ser e estar no mundo, com sua infinita possibilidade de relações –
subordinado, negado, dominado, enaltecido, poderoso, etc.
O que é corpo? De que corpo estamos falando? Para que falarmos de corpo?
Estas são algumas questões que propomos e pretendemos discutir para que possamos,
ao final, entendermos, de alguma maneira, o corpo no processo de aprendizagem
chegando ao processo de ensino e aprendizagem de leituras de mundo na educação
formalizada.
Conforme Ghiraldelli Jr. (2007), os desafios educacionais sobre o tema ‘corpo’
são muitos e bastante abrangentes e não há educação sem que o corpo esteja presente
como um todo. Assim, iniciamos nossa conversa apontando tendenciosamente para a
concepção de corpo que defendemos, o corpo UNO e COMPLEXO. Soares (2004,
p.111), ao citar Lévi-Strauss, descreve que “a aparente insignificância dos gestos [...]
pode revelar-se como face densa de significados, pois é sempre a expressão do ser
inteiro”. O corpo é o fundamento da identidade.
Nossa relação com o corpo é permeada por relações de poder. Se aquele é
fundamento da identidade, as relações de poder – sobre o corpo – é que possibilitam –
ou impossibilitam – a formação de nossa identidade humana, ou seja, nossa identidade
cultural, econômica, política, sexual, científica, religiosa, educacional, enfim, social. Na
cultura ocidental, o corpo passou e continua a passar por inúmeros papéis segundo as
relações de poder anteriormente apontadas conforme os interesses e objetivos da
sociedade a qual ‘delegam’ esses papéis.

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Conforme Ghiraldelli Jr. (2007) “redescrevemos nossa relação com o corpo” ao


longo da história. Para tanto, o autor utiliza o termo redescrição, entendida como
dialética do corpo e a transitoriedade da identidade da mente para o corpo e,
posteriormente, “encaixotando” a mente em um compartimento corporal, no cérebro.
Tal redescrição do corpo pode ser conhecida desde a antiguidade até a
contemporaneidade. A passagem da concepção de corpo da modernidade para a
contemporaneidade resulta em no entendimento de um corpo duplo. Este é o corpo na
sociedade em condição pós-moderna. As transformações sobre a concepção do corpo
estão relacionadas com as concepções sobre o ser humano, agora, pós-moderno (sujeito
e indivíduo pós-moderno). O corpo é a identidade do ser humano na sociedade
contemporânea em sua condição pós-moderna.
A diferença entre o corpo dual da sociedade pós-moderna na contemporaneidade
e o corpo dualista, racionalizado e mecanicista da modernidade é que ‘entra em cena’ o
self (o si-mesmo) no corpo. Para Ghiraldelli Jr. (2007), o corpo moderno era
manipulado pela mente, pela razão. Por esta razão estava submetido a ela e o eu
‘carrega’ o corpo. Já o corpo contemporâneo soma à concepção do corpo moderno o
‘eu’, o self como “sede da vida na condição de organismo” ou “máquina autônoma
munida do eu” (p. 11). Tendo Nietzche como orientação, o self é regulado pelo corpo,
ou seja, é ele o “comandante de propósito e projetos humanos” (p.11).
Tomamos as palavras de Tiburi (2004) ao citar as idéias de Benjamin, para
explicitar o que ora defendemos: o corpo/experiência, diferente do corpo/máquina,
anteriormente apresentado sob a égide da racionalidade científica fundamento da
sociedade moderna e contemporânea. Contrapondo a concepção do corpo/máquina, em
Benjamin “o corpo/experiência é indissociável da linguagem [...] não se pode pensar a
experiência fora do campo da narração; ela é o vivido quando compartilhado com o
outro através da narração” (KEHL, 2004, p.10).
Para complementar as palavras de Benjamin e Kehl, recorremos a Soares (2004)
ao afirmar que o gesto tem um poder de persuasão por meio das forças reveladoras que
ele contém, muitas vezes, impossível para a palavra ter esta mesma força e,
consequentemente, este mesmo poder. Além disso, o gesto põe em jogo todos os
sentidos de quem o realiza assim como daquele que o observa.

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GÊNERO, SEXUALIDADE E AS PRÁTICAS ESPORTIVAS

A sociedade categoriza sujeitos sociais utilizando como critérios marcadores


sociais que são construídos socialmente, mas são naturalizados no decorrer da história.
Dentre as categorias podemos citar: gênero, sexualidade, raça, classe social, família, etc.
A própria categoria gênero diz respeito a muitas outras categorias e está além das
questões relacionadas ao masculino e ao feminino. O que faz de um ‘homem, um
homem?’ e o que faz de uma ‘mulher, uma mulher’? Qual é a normalidade?
Há uma diferenciação no entendimento de gênero enquanto conceito e de
gênero enquanto categoria de análise. Enquanto conceito, gênero é entendido como a
construção social e histórica dos conceitos de masculinidade e de feminilidade,
produzidos a partir das características e diferenças biológicas, anatômicas e sexuais de
homens e mulheres (SCOTT, 1990). E, conforme Weeks (2001), a sexualidade é
apreendida pelos indivíduos, durante a sua vida, através da inserção cultural e social que
experimentam.
Para Weeks (1986) citada por Cavalero (2009), a questão de gênero reveste-se
de insistências de que formas de masculinidades e feminilidades devem ser
estabelecidas como opostas e as identidades não normativas – a sexualidade e práticas
sexuais - aparecem como assuntos privados, de pouca importância e que compõem a
intimidade distante das políticas públicas.
O gênero enquanto categoria de análise é construído histórica e socialmente a
partir dos processos de diferenciação de direitos, de qualificação e de visibilidade em
espaços públicos de homens e mulheres em determinada.
Independentemente, das diferenciações, para Nogueira (2008), “o
conhecimento relativo ao gênero poderá permitir uma maior reflexibilidade quanto às
desigualdades nesse domínio e atuar no sentido de as (des)naturalizar, isto é, poderá
permitir perceber como o que é considerado feminino ou masculino representa uma
construção social (apud NOGUEIRA; SAAVEDRA e COSTA, 2008, p. 61).
Desde a infância são transmitidos valores e/ou padrões referidos às atribuições,
aptidões, papéis e lugares sociais de gênero, que são internalizados pelos indivíduos
como naturalmente dados e fixos. Assim, aprende-se que menino joga bola e não deve
chorar, e que menina brinca de boneca e/ou casinha e é muito sensível e frágil. Desse

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modo, são sempre criadas e/ou reforçadas expectativas para o que é mais adequado a
cada sexo. Através do aprendizado de papéis, cada um/uma deveria conhecer o que é
considerado adequado (e inadequado) para um homem ou para uma mulher numa
determinada sociedade, e responder a essas expectativas. (LOURO, 2003, p.24).
Os significados construídos para o gênero irão moldar em homens e mulheres os
comportamentos, as atitudes, os movimentos corporais, as falas e os lugares
determinados a cada um, naturalizando as noções do que é masculino e do que é
feminino e gerando normas e expectativas sociais para os modos de ser mulher e para os
modos de ser homem. Em torno de sua associação com sexo, corpo e sexualidade, é
edificada uma visão binária, dicotômica e fixa para as identidades de gênero. Como
argumentou Louro (2001, p.11.):

Através de processos culturais, definimos o que é – ou – não - natural;


produzimos e transformamos a natureza e a biologia e,
conseqüentemente, as tornamos históricas. Os corpos ganham sentido
socialmente. A inscrição dos gêneros – feminino e masculino – nos é
feita, sempre no contexto de uma determinada cultura e, portanto,
com as marcas dessa cultura.

É importante salientarmos que a construção dessas noções se consolida em


práticas discursivas referidas a processos sócio-educativos em geral – família, escola,
igreja, mídia etc. – e que as noções mais hegemônicas de “feminino” e de “masculino”
podem variar de cultura para cultura e também segundo o momento histórico.
O sujeito se consitui no interior da história e está conectado a ela, conforme
Veiga-Neto (apud COSTA, 2002, p.32), “não apenas o sujeito enraíza-se na história,
mas o próprio conceito de sujeito é uma invenção historicamente determinada. Assim, a
forma como as características sexuais são representadas ou valorizadas em uma dada
sociedade e em um dado momento histórico constitui o caráter fundamentalmente social
do conceito de gênero, uma vez que neste processo, ocorre a construção e padronização
de papéis e comportamentos adequados aos homens e às mulheres (LOURO, 2003).

A PESQUISA EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E AS POSSIBILIDADES DE


REFLEXÕES DE CORPO, GÊNERO, SEXUALIDADE: O OLHAR E O
PENSAR A PRÁTICA DO FUTEBOL FEMININO NA ESCOLA

Conforme Alvez-Mazzotti (1994), as representações sociais investigam a


linguagem, a ideologia, o imaginário social e a orientação de condutas e práticas sociais.
Estes são elementos essenciais para a análise dos mecanismos que interferem nos
processos educativos. Neste sentido, a pergunta que fazemos é: quais as representações

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sociais sobre corpo, gênero e as práticas esportivas e como se manifestam as relações


estabelecidas entre tais categorias? Quais os sistemas de significação simbólica e os
universos consensuais sobre estas relações?
As representações sociais sobre o corpo influenciam significativamente nos
processos de constituição da identidade de gênero e de sexualidade e,
consequentemente, nas próprias representações sobre gênero e sexualidade. Para
Trindade e Souza (2009), as representações de gênero – incluo as representações de
corpo e sexualidade – ainda estão ancoradas aos modelos tradicionais, orientando
práticas também tradicionais.
Os sistemas regulatórios e normativos são regidos por uma matriz permeada por
valores construídos pela sociedade liberal-burguesa, machista, branca e heterossexual
cujos desejos, corpos, gênero, sexualidade, família, papeis masculinos e femininos são
‘naturalizados’. Há uma ligação entre o sexo biológico e a manifestação das práticas
sociais. Esta relação gera a invisibilidade, a exclusão, o preconceito com as pessoas que
não estão ‘enquadradas’ nas regularidades heteronormativas. Tais regularidades podem
ser associadas aos sistemas de significação socialmente enraizados e partilhados que,
conforme Alves-Mazzotti (1994) orientam e justificam o próprio processo de
significação.
As significações culturais em termos de corpo, gênero e sexualidade - mitos,
crenças, valores, tabus - fundam-se em estruturas sociais fortemente estabelecidas e
constituem estereótipos de masculinidade/feminilidade que são internalizados pelos
indivíduos sem a devida percepção de seu caráter discriminador e excludente. Tal
fenômeno, portanto, também se manifesta no campo das práticas esportivas. Estas são,
entre tantas outras, manifestações simbólicas culturalmente constituídas em nossa
sociedade e que retratam as relações sociais estabelecidas seus sistemas de valores.
Valendo-se das palavras de Goellner (2006), as práticas esportivas seduzem e
sempre seduziram – assim como desafiavam e continuam a desafiar - muitas mulheres
que indiferentes às convenções morais e sociais aderiram e continuam aderindo a sua
prática independentemente do discurso hegemônico da interdição ou ainda o incentivo a
participação em modalidades esportivas que fortalecessem o corpo sem destituir-lhe a
feminilidade.
Silva (2008) realizou uma retomada crítica sobre a história da construção de
estigmas e estereótipos com o objetivo de apreender as relações de poder que os
sustentam até o presente e pode concluir que entre tais relações de poder, estão: o
machismo e os referentes que o sustentam entre os quais a heteronormatividade e o

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heterossexismo. Tais formas de relação de poder regulam a construção das


identidades de gênero, sexuais e políticas a partir dos estigmas e estereótipos .
O futebol, por ser uma modalidade esportiva comumente associado ao ‘mundo
masculino’ ou de ‘natureza masculina’, quando praticado por mulheres provoca uma
diferenciação dessas jogadoras para as mulheres não jogadoras pois a relação entre
mundo-masculino e futebol é naturalizada e mundo-feminino e futebol, por sua vez, é
estranhada. O futebol acentua a dominação masculina, pois conforme Bozon (2004), as
imagens, o vocabulário e as significações mobilizadas em cada sociedade para evocar as
relações sexuais são, em todos os lugares, utilizados para dizer igualmente a dominação
de sexo em geral.
A prática do futebol por mulheres, assim como qualquer prática social, incide
um processo de diferenciação. Conforme Swian (2009), é importante pensar tais
processos com objetivo de desnaturalizar a evidência dos pressupostos que constituem
as próprias práticas e as representações sociais as naturalizam assim como a própria
noção do que é natural. É ‘natural’ a prática do futebol por homens, assim como no
imaginário social essa prática não é natural para as mulheres.
Paim et al (2008) indica que historicamente diferentes características que
atribuem a prática do esporte como parte do universo masculino e feminino. A
consequência desta caracterização é a esteriotipização das práticas representativas
destes grupos. Embora as mulheres tenham alcançado conquistas na sociedade,
inclusive no contexto esportivo, muitos preconceitos, discriminações permeiam essa
prática social, sejam no esporte de lazer, educacional ou esporte de alto rendimento.
Há de se destacar que as representações dependem da forma do pensamento e as
formas do pensamento dependem das representações. “A teoria das representações
sociais se alimenta destas compreensões quando discute as origens sociais do saber e,
em particular, quando estuda como os contextos sociais e as representações se
constituem mutuamente” (JOVICHELOVITCH, 2008, p.92).
As formas de representação ‘são partes’ do processo representacional
relacionado ao/em um contexto em que se configuram. A esta configuração, Alves-
Mazzotti (1994) denomina de sistemas de significação que são processos simbólicos
que, para serem compreendidos necessitam do ‘olhar psicossocial’ e o estudo
das representações sociais sobre a constituição de tais processos.
Portanto, a análise da forma representacional é imprescindível quando
propomos entender a representação sobre corpo e a integração de significante e

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significado que produz os sentidos e significados das manifestações e das práticas


corpóreas no processo de constituição identitária das jogadoras de futebol.
Os sistemas de significação socialmente enraizados e partilhados são
constituem e são constituídos pelos sistemas de referências representacionais dos
sujeitos/atores sociais. Para Alves-Mazzotti (1994), a investigação das representações
sociais sobre os sistemas de significação, tem como um de seus objetivos a
compreensão de como se formam e funcionam os sistemas das referências dos
sujeitos/atores sociais. Os sistemas de referências são entendidos como universos
consensuais.
As representações sociais aparecem como construções contextualizadas de
sujeitos sociais a respeito de objetos socialmente valorizados, podem ser identificadas
através dos saberes populares e do senso comum e expressam mundos subjetivos,
intersubjetivos e objetivos. Tais representações, assim como as práticas corporais e
esportivas são práticas socializadas e culturais. Tais práticas são influenciadas e
influenciam a formação de saberes e de pensamentos em diferentes âmbitos da vida dos
sujeitos pertencentes ao grupo que a pratica e a aqueles grupos direta e indiretamente
com essas jovens jogadoras. “Nós percebemos o mundo tal como é e todas nossas
percepções, idéias e atribuições são respostas e estímulos do ambiente físico ou quase
físico, em que vivemos [...]. Temos a necessidade de avaliar seres e objetos
corretamente, de compreender a realidade completamente [...]” (MOSCOVICI, 2004, p.
30).
Ao apresentar uma pesquisa realizada por Rosemberg (2001), Trindade e Souza
(2009), chamam atenção para o fato de que o tema gênero foi ignorado durante quase
todo o século XX, mas o interesse começou a aumentar na década de 1990. Entretanto, a
produção sobre as relações entre educação e gênero ainda é insatisfatório frente à
influência das questões relativas a gênero como constitutivas do campo educacional e
escolar.
As concepções e a representações de corpo, manifestadas pelas práticas
corporais e pelas práticas esportivas e as relações com as representações de gênero e
sexualidade apresentam processos de ancoragem revestidos de sentidos e significados
naturalizados, determinados e, assim, normatizados arbitrariamente.
A sexualidade envolve um conjunto de valores pessoais e sociais, além de
práticas corporais. É essencial ao ser humano, está presente em toda a sua vida e
manifestada de diferentes formas e é uma forma de expressão que reflete o contexto
sociocultural no qual a pessoa está inserida. A sexualidade está também associada à
atividade sexual, à dimensão biológica, íntima, relacional e subjetiva de cada um, ou

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seja, é experimentada nos pensamentos, nas fantasias, desejos, crenças dentre vários
outros, envolvendo o corpo, a história e a cultura. Por tudo, a sexualidade é bem mais
ampla do que a representação que diferentes grupos sociais possuem (OLIVEIRA;
GOMES; PONTES; SALGADO, 2009).
Para Trindade e Souza (2009, p. 229) “a perspectiva essencialista e naturalista
sobre as diferenças [...] e o sistema de representações que orienta as práticas educativas
é composto por representações de objetos sociais diferentes dos que tomam parte nas
negociações intrafamiliares, o que sem dúvida, contribui para a produção de práticas
educativas também diferentes”.
As mulheres, ao praticarem atividades determinadas e normatizadas
arbitrariamente como ‘parte do mundo masculino’, as torna integrantes de uma minoria,
ou seja, é um grupo social minoritário quando comparado práticas sociais designadas às
mulheres e, ainda, às praticas esportivas à elas designadas. Desta forma, jovens
adolescentes jogadoras de futebol provoca o desafio e a motivação para a análise sobre
o processo de diferenciação nas próprias diferenças. As mulheres que jogam futebol
acabam sendo esteriotipadas.
Conforme Moscovici (2009), os esteriótipos são categorias de discriminação
entre grupos “cuja função consiste em opor os “semelhantes” preferidos aos
“diferentes” menosprezados, e distinguir aqueles que não são como nós, como as
conseqüências que nos são bastante familiares, para evocá-las uma vez mais (p.21). Isto
provoca uma relação assimétrica entre as minorias e a maioria pautadas, muitas vezes,
pelo fenômeno de perseguição. Ao nosso entender, a perseguição é uma prática que
pode se manifestar e se realizar de diferentes formas. Este fenômeno se manifesta por
julgamentos arbitrários e ações contingentes, às vezes extremas, contra minorias
humilhadas ininterruptamente, cuja experiência é ficar a mercê do outro – maioria
dominante. “A exclusão, a discriminação ou a identidade que interessam a Psicologia
Social são apenas manifestações desta perseguição que é, para assim dizer, a origem e a
prova de cada minoria” (MOSCOVICI, 2009, p. 25)
A justificação da maioria sobre as minorias está ancorada no que Moscovici
(2009) denomina de themata emblemático. São três os thematas apresentados. O
primeiro o themata do puro ou do impuro, que define a minoria como uma anomalia
diante da maioria. Outro é o themata dos estigmas que, em última instância, é um modo

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particular da maioria conceber ou pensar as minorias. E o terceiro themata emblemático


é a proibição do contato manifestada por comportamentos de rejeição e separação da
minoria e pela maioria. Moscovici (2009) cita Jodelet (1989) ao afirmar que este
themata impede a aproximação na vida cotidiana e objetiva da minoria e da maioria que
habitam em uma mesma comunidade.
Ao analisarmos a prática do futebol por mulheres – a minoria - a partir das
thematas emblemáticos podemos considerar que, em primeiro lugar estas são
consideradas uma anamolia diante da maioria – homens – que praticam esta atividade
esportiva. Enquanto anomalias, essas mulheres são estigmatizadas como mulheres
masculinizadas e, posteriormente, como conseqüência sofrem preconceito, rejeição e
separação pela maioria. Este compartilhamento de ‘emblemas’ marca a formação de um
grupo.
Moscovici (2009) o que marca a existência de um grupo é um destino comum
compartilhado pelos seus membros. Este autor cita Lewin (1948, p. 183) que escreve:
“Não é a similaridade ou dissimilaridade que decide se indivíduos pertencem a um
mesmo grupo, mas a interação social ou outros tipos de interdependência. Um grupo é
melhor definido quando baseado sobre a interdependência ao invés da similaridade”.
Esta citação afirma o que Moscovici defende: a concepção do grupo fundada apenas na
similaridade ou na diferença de seus membros parece desconsiderar que todos,
independentemente do grupo, não partilhassem do mundo que habitam. Sendo assim, o
critério de pertencimento é a interdependência.
O sentimento de pertencimento ao grupo, a corporeificação das estruturas
cognitivas (MERLEAU-PONTY apud JOVICHELOVITCH, 2008) e o saber produzido
são condições sine qua non para a identificação das representações das jogadoras de
futebol sobre o sentido desta prática, a constituição desses saberes, de seus
entendimentos sobre o mundo e do processo de significação de tais saberes.
Conforme Moscovici (2004) cada experiência é somada a uma realidade
predeterminada por convenções, que claramente define suas fronteiras, distingue
mensagens significantes de mensagens não-significantes e que liga cada parte a um todo
e coloca cada pessoa em uma categoria distinta. Nenhuma mente está livre dos efeitos
de condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas representações,
linguagem ou cultura.

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Os preconceitos são enunciados presentes ao mesmo tempo na linguagem


comum e na científica, ainda que as representações sociais sobre os preconceitos só
podem ser admitidas após se levar em conta os processos de ancoragem e objetivação.
A ancoragem tem a finalidade de tornar familiar o que não é familiar. Familiar
são as diferentes representações propagadas na sociedade que a construiu. Atrelado a
este processo há sempre um elemento mimético, ou seja, o processo de ancoragem toma
as características do que não lhe é familiar no esforço de encontrar alguma coisa de si
ou para si mesmo “[...] uma ancoragem introduz o indivíduo nas tradições culturais do
grupo [...] as representações são enraizadas na vida do grupo”. Em se tratando de
relações entre maiorias e minorias, o processo de ancoragem trata-se do trabalho da
maioria para inscrever a seus fins suas ações simbólicas nas relações com a minoria e,
também com o seu próprio passado, suas tradições e suas classificações, para comunicá-
las aos outros em geral. (MOSCOVICI, 2009, p. 29). As representações sociais sobre as
jovens mulheres que jogam futebol são ancoradas nas características dos homens
jogadores de futebol. Esse processo reflete a associação, em nossa sociedade, de pessoas
que jogam futebol com força, virilidade, coragem, destreza, heterossexualidade, entre
outras características ‘naturalmente determinadas e atribuídas ao gênero masculino.
Sendo assim, às jogadoras de futebol sofre a estigmatização a partir daquelas
características
O processo de ancoragem permanece no tempo da representação social e produz
efeitos sobre a sociedade entre os quais a construção de muros psíquicos sociais
erguidos fundados em preconceitos relacionados às minorias. Os preconceitos “[...] são
visivelmente conhecidos a partir de uma representação partilhada que varia muito de
acordo com as circunstâncias, mas que é sempre estruturada de uma mesma forma: o
que podemos e o que devemos mostrar” (p. 26).
Já a permanência de um preconceito necessita de uma ‘invenção’ consciente ou
inconsciente da representação social de uma maioria sobre uma minoria por meio de um
núcleo figurativo. De acordo com Alves-Mazzotti (1994) as representações sociais tem
duas faces: a figurativa e a simbólica. Cada figura corresponde um sentido e a cada
sentido uma figura. Estes processos, envolvidos nas atividades representativas, sempre
destacam uma figura e atribuem um sentido a ela integrando-a ao nosso universo.
Conforme Moscovici (2009), para compreender uma representação social é
preciso, inicialmente, identificar o seu núcleo figurativo. Este é a associação de um
conceito a uma imagem e atua como um processo de objetivação. “É a vida social,
evidentemente, que funda, que perpetua e até mesmo renova este núcleo figurativo, isto
é, sua história” (MOSCOVICI, 2009, p. 27). O núcleo figurativo das minorias se

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apresenta como o ‘modelo do NÃO ser’ e assim, ancontramos a minoria por meio das
thematas e figuras rejeitadas, mas familiares, que servem como ponto de ancoragem.
O núcleo figurativo das jogadoras de futebol é compreendido pelas mesmas
características atribuídas aos homens jogadores de futebol (algumas características já
foram mencionadas anteriormente). No senso comum as representações sociais sobre as
jogadoras de futebol parte da seguinte premissa: ‘o futebol é ‘coisa’ de homem.. logo,
mulheres que jogam futebol são masculinas’. A escola reproduz e perpetua estas
representações.
Alves-Mazzotti (1994) descreve que os universos de opiniões se constituem em
três dimensões: atitude, informação e capo de representação (ou imagem). As atividades
representativas constituídas pelos processos representacionais (objetivação e
ancoragem) são processos psicossociais cujo objetivo é tornar familiar o que é distante e
ausente. Esta familiarização se dá por mecanismos de rotulação, classificação e
categorização. As representações são de natureza social a partir de proposições, reações
e avaliações e se organizam de formas diferentes em classes sociais, culturas e grupos.
A análise de representações sociais abre possibilidades na constituição de
conhecimentos acerca de diferentes pensamentos do ser humano sobre as questões mais
diversas, assim como de fenômenos em diferentes tempos e espaços permeados pelas
relações sociais dos indivíduos em seus grupos. Entre tais questões podemos destacar
àquelas que nos remetem a busca de sentido e o significado da própria vida, da vida do
outro e, principalmente da vida em comum e nas relações sociais estabelecidas nos
grupos sociais em que cada um vive e, ainda, em grupos diferentes.
A psicologia social é um campo de possibilidade de estudos da reconstrução de
objetos e situa o sujeito/ator social numa realidade social e material. Conforme Alves-
Mazzotti, o processo de reconstrução é uma preparação para a ação, pois ao
reconstituem os elementos no qual o comportamento terá lugar integrando-o a uma rede
de relações às quais o objeto está ligado. Há no imaginário social existência de um
‘quadro cultural’ que matricia a produção imaginativa do grupo e forma a identidade
social.
Em síntese, as pesquisas em representações sociais – quadros de referências -
procuram responder a uma dupla questão central: 1) como o social interfere na
elaboração psicológica que constitui a representação e como esta elaboração interfere no
social; 2) quais as questões que a pesquisa se propõe a responder? Os quadros de

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refeências classificam e selecionam informações e sugerem explicações (ALVES-


MAZZOTTI, 1994)
O principal interesse á a modalidade de pensamento social como produto –
pensamentos constituídos – e como produzido – pensamento constituinte e em quais
condições eles são produzidos. Esta último refere-se a análise dos processos que lhe
dão origem: a ancoragem e a objetivação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da história de sua existência, o ser humano estabeleceu, estabelece e


continuará a estabelecer diferentes formas de relacionamento com a realidade, com a
natureza, com o mundo em que vive. Tal relacionamento é provocador de
questionamentos sobre os mais diferentes aspectos da vida humana, de seu sentido e de
seu significado. A partir de então, respostas são buscadas, construídas e novamente
questionadas com estreita interdependência dos aspectos filosóficos, culturais e sociais
em variados tempos e espaços. Isto perpetua a dinâmica relacional da vida humana no
mundo em que se vive. O corpo, o gênero e a sexualidade são categorias ou dimensões
de ser e estar no mundo e que influenciam significativamente na vida das pessoas na
dinâmica vivida em diferentes espaços relacionais, entre os quais, na escola.
Nesses espaços os sujeitos se identificam, social e historicamente, como
masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de gênero. As
transformações nos modos de ser, pensar e agir de cada pessoa estão articuladas com as
histórias pessoais, com os pertencimentos de classe, raça, religiosos, geracionais etc.
Neste sentido é importante o estudo da representação social, que, segundo Moscovici
(2004) é um conhecimento recriado em função de sistemas próprios de valor. Tais
conhecimentos assumem multi-formas e multi-significados dependendo do processo de
comunicação e dos tipos de linguagens estabelecidas entre os diferentes segmentos
culturais que compõe a sociedade. “Todo saber depende de um contexto e está
enraizado em um modo de vida. Todo conhecimento nasce de um contexto social e
psicológico” (JOVICHELOVITCH, 2008, p. 92).

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As práticas sociais e as representações são interdependentes. Neste sentido, ao


analisarmos a prática podemos verificar as representações sobre os objetos sociais que
estão a elas relacionadas (TRINDADE E SOUZA, 2009).
As concepções e representações de corpo, na sociedade contemporânea, incidem
significativamente na representação do corpo das jogadoras de futebol e propiciam um
reconhecimento e interpretação de alguns aspectos dos processos de subjetivação e
identificação da sexualidade e do papel social atribuído aos gêneros masculino e
feminino.
Na escola, é preciso que ocorra o desdobramento de uma subjetividade que foi
sistematicamente impulsionada a eliminar-se a si mesma pela lógica da representação
científica para que possamos chegar à construção de um novo sujeito, de um novo tipo
de subjetividade. “A subjetividade humana implica mergulho e reflexão, compreensão
de desejos e sonhos [...]” (SOARES, 2004, p. 120). A dimensão subjetiva da representa
de corpo das jogadoras de futebol precisa ser considerada ao buscarmos entender a
constituição da identidade de gênero e a sexualidades dessas mulheres.
Da mudança do corpo moderno para o contemporâneo, restou a noção de
identidade. Esta é concebida por meio do corpo. Nas palavras de Ghiraldelli Jr. (2007),
a identidade “aderiu ao corpo”, “migrou para o corpo” (p.12) e este é “um elemento do
parecer e do aparecer”. Isto gerou os “tipos” e as “tribos”. A que grupo pertencem as
jogadoras de futebol? Como a representação de seus corpos “aderiu” ao tipo adequado
para praticantes de futebol? Tem de ser esse corpo representado como corpo
masculinizado?
As representações existem ao redor das coisas fixas, como instituições,
símbolos, gestos, arquétipos... daqueles ‘tipos’, portanto, a sensibilidade inerente aos
seres humanos é porta de entrada para a compreensão do mundo social objetivo. A
subjetividade é peculiar na compreensão do mundo objetivo e caracteriza a leitura, o
entendimento e a representação deste mundo por seus atores.
O estudo científico do sujeito no cotidiano escolar é possível por intermédio da
investigação subjetiva de suas sensações e como estas são representadas e imaginadas.
Sengundo Birman (2002) a subjetividade é uma dimensão constitutiva do campo
educacional; é uma das matérias primas do campo da educação. Ela define o que temos

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como finalidade nas práticas educacionais e é o horizonte – o que se pretende


idealmente – com tais práticas. Entretanto a problemática da subjetividade na
contemporaneidade é decorrente dos fundamentos e saberes instaurados pela pós-
modernidade. “[...] na subjetividade se articulam intimamente os registros da
intencionalidade e da exterioridade (BIRMAN, 2002, p.12).
Para Bauman (1989) citado por Moscovici (2009) quanto mais racionaliza-se as
práticas presentes nas relações sociais, mais as transformamos em puros meios – as
práticas – em puramente meios e assim, tornamos possível e aceitável as discriminações
infligidas aos outros sem remorsos nem dores e, ainda, cada um vê a prática
discriminatória se “repetir em uma subjetividade puramente arbitrária, dominada pelo
medo e pela esperança, de modo que, a atividade social original dos homens se
transforma em uma passividade servil, frequentemente indiferente ao destino dos
outros” (BAUMAN, 1989 apud MOSCOVICI, 2009, p. 23)
Conforme Trindade e Souza (2009), a socialização e as relações de gênero são
essenciais para definir quem somos nós, para a construção da identidade. As relações de
gênero estão permeadas – entre outras - pelas representações de corpo e sexualidade.
Em que sentido a prática do futebol influencia na constituição da sexualidade das
jogadoras? Os processos citados anteriormente são determinantes para aquilo que
podemos ou não pensar, do que podemos ou não fazer e do “como e porque” agimos.
“Tudo isso depende de como a masculinidade e a feminilidade são construídas
socialmente e da nossa apreensão singular dessas construções” (p. 238). Como se dá a
relação entre a prática do futebol com construção de masculinidades e feminilidades?
Como essa relação está representada? Como a escola lida com esses processos?
A escola é preconceituosa porque não tem refletido. Para Moscovici (2009), um
preconceito é uma crença retida simplesmente porque não temos refletido. A partir do
estudo sobre as temas anteriormente apresentados, entendemos que os preconceitos, a
discriminação, a esteriotipização e os estigmas produzidos nas escolas estão
relacionados às representações sociais sobre corpo, gênero e sexualidade de mulheres
que jogam futebol. Isto nos faz pensar sobre a necessidade da escola ser campo de
reflexão sobre tais categorias com vistas ao respeito e a igualdade de direitos políticos e
sociais de todos que compartilham e vivem em um mundo comum.

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As representações sociais são propagadas por opiniões, atitudes e


esteriodipização. Alves-Mazzotti (1994) as distingue da seguinte maneira: as opiniões
são desorganizadas, as atitudes são, comumente, pautadas em crenças difundidas por
determinados grupos e os estereótipos são pautados em relações sociais conflituosas.
Trindade e Souza ao citarem Hollanda (2001), afirmam que a Teoria das
Representações Sociais tem contribuído para entendermos como os atores orientam suas
condutas e constroem suas identidades na medida em que pode fornecer um quadro
mais detalhado das interações sociais no interior das escolas e de seus efeitos
psicossociais.
A escola é campo de produção dos sentidos, das práticas e de representações
sociais. Entretanto, na relação dialética estabelecida neste cenário e entre seus atores
evidencia a profunda e complexa relação com as contradições da sociedade na qual a
própria escola é, além de produtora, reprodutora dessas relações. É necessário apontar
caminhos para a escola no que se refere ao tratamento e práticas de diferenças, exclusão
e desigualdades sociais denunciadas no campo da cultura escolar que refletem e
provocam a perpetuação da exclusão e desigualdades sociais na cultura em geral.

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